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Politic and intellectuality on the first half of the XX century: The setanejo's
space of Eloy de Souza and Juvenal Lamartine
Resumo: Durante as primeiras décadas do século XX ocorreu um processo de criação discursiva da região, hoje
conhecida como Nordeste. Esse processo, foi levado a cabo em parte pelas elites locais que passam a discutir
sobre suas origens e necessidades em comum levantando questões como a seca e a miséria dentro do cenário
nacional. Este estudo, visa pensar sobre esse processo, porém sua preocupação vai de encontro ao Sertão, ou
como esse espaço serviu a essa configuração do Nordeste. A compreensão dessa questão passa aqui, pela atuação
de dois autores norte - rio - grandenses, Eloy de Souza e Juvenal Lamartine, membros da elite política local. Para
pensar como estes dois se inserem nessa trama trabalhamos a partir das teses de Rémond (2003), Sirinelli (2003)
e Bobbio (1997). Todo esse contexto é permeado por uma conexão entre os domínios da política e da
intelectualidade um elemento chave para se compreender os modos pelos quais o espaço Sertão foi tão discutido
nesse período.
Abstrect: During the early decades of the 20th century the discursive creation of a region started, that region is
known as Nordeste (brazilian's Northeast region). This process was financed by local elites that started by
discussing about the origins and common necessities and raising question about the drought and misery inside
the Nacional (Brazilian) scenario. This paper seeks to analyze the process, focusing primarily on the Sertão
region, or how that space served as a the configuration for the Nordeste region. The comprehension of this
question is based on the vision of two authors of the Rio Grande do Norte state, Eloy de Souza e Juvenal
Lamartine, members of the local political elite. In order to connect their work with the construction the thesis of
Rémond (2003), Sirinelli (2003) e Bobbio (1997) are used. This context is permeated by the connection between
two domains, politics and literature, a key element in order to comprehend the ways by which the Sertão space
has been discussed on that period.
Introdução
Este estudo se insere nas discussões propostas por dois outros trabalhos. O primeiro,
Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do
século XX (2010) de Renato Amado Peixoto. Em seu texto aborda-se o período histórico que
vai da última década do século XIX a década de 1930 do século XX. A estrutura do poder
político local foi, durante todo o império e depois na República, marcado pela presença de
certos grupos - organizações familiares - que exerceram influência sobre parcelas do território
potiguar. Cada organização familiar pode ser intendida como o conjunto de uma ou mais
famílias unidas por laços de parentesco ou casamento.
As três principais porções territoriais são, a do Seridó; zona de influência da
organização familiar dos Medeiros e Galvão, grupo caracterizado por sua tendência fechada
não permitindo a penetração de outros grupos ou famílias. As uniões entre essas famílias se
davam em cidades como Caicó, Currais Novos, Acari e Serra Negra. E assim que os
Medeiros e Galvão se vinculam aos Faria e Bezerra fundando um solido grupo que dominaria
a política potiguar, de uma forma ou de outra, por muitas gerações.
Já a organização dominante do espaço circunvizinho a Mossoró foi marcado pelas
famílias Brito Guerra e Gurgel. Este conjunto familiar, ao contrário do primeiro, buscou
contatos com famílias dos estados da Paraíba e do Ceará. Assim foram construídos laços com
os Amorim Garcia, os Amintas Barros e os Almeida Castro ainda durante o século XIX, e
também permitiu o deslocamento da família Rosado da Paraíba que se fixou no território de
Mossoró.
Um terceiro agrupamento familiar, já na região de Natal, surge com mais força no
início da Primeira Republica, composto pelos Pedrosa, Albuquerque Maranhão e Lyra
Tavares. Tais famílias através do poder e do prestigio que conquistaram no novo regime,
deram início a um processo de concentração do poder estadual na cidade do Natal, capital do
estado. Essa centralidade se deu em grande parte ao esforço de políticos e intelectuais em
conduzir um processo de modernização, por meio do discurso dos intelectuais Tavares de
Lyra e Luís da Câmara Cascudo e também pelo trabalho do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte recém fundado e que reuniu em torno de si esforços para a produção
de narrativas históricas.
O segundo trabalho é intitulado Eloy de Souza e o Nordeste como construção
discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca, na primeira república brasileira
(2018) de Ítala Mayara de Castro Silva. A autora discute sobre a trajetória política e
intelectual de Eloy de Souza, político norte-rio-grandense de grande destaque nos períodos
finais do Império e principalmente na Primeira República.
Silva (2018) apresenta uma inovação ao estudo da história da concepção da região
Nordeste na qual se atribuía como período de surgimento no final da primeira década do
século XX. Ela recua esse recorte, e mostra que o Nordeste já surgia como espaço
diferenciado na escrita de Eloy de Souza durante os primeiros anos da primeira década do
século XX. A construção do Nordeste em Eloy de Souza passa obrigatoriamente pelo tema da
seca, fenômeno comum em certas províncias de toda aquela porção do país anteriormente
denominada de Norte.
O “calvário das secas”, fora um denominador comum para unir em um só bloco os
territórios, hoje correspondentes aos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte,
Pernambuco, Bahia e Piauí entre outros. Através da prática política em cargos eletivos, Eloy
de Souza conseguiu ser uma voz decisiva em favor da criação de órgãos e mecanismos para
ajudar a resolver o problema da seca.
Ambas pesquisas trabalham com a ideia de construção discursiva de espacialidades a
partir de atores, intelectuais e políticos norte-rio-grandense inseridos nas dinâmicas do século
XX. É visível que neste processo, dois elementos se misturam de forma quase indissociável,
política e a intelectualidade, marcando de forma muito profunda a história do Rio Grande do
Norte. A intelectualidade, pelo menos no século XX, se coaduna e mistura com o político
chegando ao ponto de termos entre os principais políticos da história potiguar ainda os seus
mais reconhecidos intelectuais.
É importante destacar que esses trabalhos se ligam a uma perspectiva historiográfica
que enxerga essa formação discursiva de territórios se desenvolvendo no Brasil desde o século
XIX. Em um nível nacional como demonstra Peixoto (2005), a delimitação do território
nacional “derivou do debate, das escolhas políticas e das lutas de representação que se
desenrolam em torno da consolidação do estado nas décadas de 1830-1840” (PEIXOTO,
2005.p. 103). Neste momento um importante fator desse processo foi o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro teve a tarefa de promover expedições destinadas a conhecer melhor o
espaço brasileiro e demarcar as fronteiras da nova nação.
Peixoto (2010) trabalha como foram demarcados os limites territoriais do Norte do
império que, na época, comportava além das províncias da região amazônica, as que
comporiam o Nordeste. Para analisar tais dinâmicas de formação o autor discute o caso da
‘comissão cientifica de exploração’ que tinha por objetivo o estudo da região atingida pelo
fenômeno das secas periódicas. Tal evento, uniu diante de si as intencionalidades da corte
centralizada no Rio de Janeiro, e das elites locais. Os resultados dessa expedição
demonstraram que o problema da região não era de fato as secas, mas a administração dos
recursos públicos tanto por parte da governança imperial, quanto por parte das elites
provinciais. É nesta indisposição que as elites nativas daquele território passam a construir sua
própria identidade por meio da alteridade que se formou entre os homens da expedição
cientifica, representantes de um modo de vida da corte, e os habitantes daquele espaço.
O texto de Silva (2018) demonstra bem essa ideia de uma elite construtora de
identidades e territorialidades ao dizer como Eloy de Souza, membro dessas elites nortistas,
vai adentrar nessa arena e construir diferenciações entre o Norte e o Sul e depois entre o Norte
e o nordeste. Sua abordagem desses espaços, bem como de seus habitantes vai produzir um
Norte como bastião defensor do território colonial dos constantes ataques estrangeiros,
sacrificando assim seu próprio desenvolvimento econômico e social. Para além dessas
estruturas territoriais oficiais o Sertão, é uma espacialidade percebida como um denominador
comum para as populações que o habitavam os territórios que inicialmente pertenciam ao
Norte e depois ao Nordeste. Isso por que, a experiência de vida no Sertão seco é uma das mais
especificas dentro na nação brasileira, possuindo seus próprios ritmos, problemas e vivencias.
Sendo assim o Sertão é colocado por suas elites numa perspectiva de potencialidades e o
sertanejo como um ser, original, dotado de uma essência nacional.
Neste escopo o presente estudo será dedicado a relação que se pode fundar entre dois
sujeitos, o já mencionado Eloy de Souza, e seu colega de partido Juvenal Lamartine de Faria.
Tomando como ponto de partida os trabalhos de Peixoto (2010) e Silva (2018) é possível
reconhecer a existência, entre esses personagens de uma comunhão de projetos políticos que
são transplantados para o campo intelectual, na forma de uma tradução das orbitadas do poder
público e do fazer político para os domínios da cultura e da intelectualidade.
Adotando como ponto de partida os trabalhos de Peixoto (2010) e Silva (2018) é
possível reconhecer a existência entre Eloy de Souza e Juvenal Lamartine, de uma comunhão
de posturas políticas que são transplantados para o campo intelectual na forma de uma
tradução das orbitadas do poder público e do fazer político para os domínios do saber e da
cultura. Sendo assim, no foco deste estudo, o primeiro sujeito emerge como um principal elo
da cadeia, na sua produção do esboço do que seria a região Nordeste, sobretudo no que se
refere ao recorte Sertão ou aos “estados seviciados pelas secas” onde o fenômeno climático
produziu por muitos séculos cenários de degradação humana.
Eloy de Souza foi um dos proponentes da criação de órgãos especializados em obras
públicas como açudes e represas a serem custeadas pelo estado. Assim, como aponta Silva
(2018), a sua abordagem do tema das secas e do povo sertanejo não é a mesma que vinha
sendo defendida nos “altos círculos intelectuais” do século XIX, especialmente em locais
como Rio de Janeiro e São Paulo, que dizia que os sertanejos morriam de fome e sede, pois
eram membros de uma raça mais fraca, sem ter como adaptar-se as condições ásperas de seu
ambiente, uma visão marcada pelas ideias do darwinismo social.
Ao contrário disto, Souza reconhecia no sertanejo um homem forte e muito capaz que
só precisava ter a seu lado os investimentos necessários para as obras que possibilitassem sua
sobrevivência, a açudagem foi uma das mais importantes, que permitiria o abastecimento de
água potável e a irrigação em períodos de estio. Em conjunto com essa visão ele tem um forte
discurso de defesa da cultura popular do sertanejo.
Juvenal Lamartine, como uma das figuras centrais no Partido Republicano norte-rio-
grandense vai pactuar e ajudar seu colega partidário na elaboração desse projeto de região,
preocupado com aspectos do mundo sertanejo, sobretudo do Seridó. Assim como Eloy de
Souza também denunciara o descaso com os sertanejos e proporá a realização de obras
públicas como forma de deter o massacre que os abatia. Outro aspecto que salta aos olhos é o
apego que Juvenal possui por sua terra natal e a valorização dos costumes e tradições do
Seridó, terra dos seus ancestrais onde se fundou uma forte tradição familiar.
Para pensar as interações entre esses dois personagens será primeiro necessário
delimitar quais os conceitos de político e de intelectual a serem utilizados. Dentro dos estudos
históricos um dos ramos que mais tem se modificado é a história política, na perspectiva de
René Rémond organizador do livro Nova História política (2003), os processos históricos que
se desenvolveram sobretudo na Europa desde o antigo regime conduziram mudanças drásticas
no paradigma da história onde o político em um primeiro momento vai ser colocado como um
dos temas centrais, sobretudo nas narrativas de guerras e feitos de “grandes homens”.
Já no século XX esse tipo de fazer histórico foi criticado pelos annales, considerado
como um tipo de história voltada para o estudo de episódios isolados como batalhas e
governos, estes estudos foram tratados como de pouca importância se comparados aos
acontecimentos da longa e media duração onde questões como, a economia ou a cultura dos
povos se verificavam. Outra crítica dos estudos de política era sua tendência de estudar
indivíduos, geralmente membros das elites, deixando de lado o povo comum historicamente
desvalorizado. René Rémond, traz outra perspectiva sobre esse saber que busca revive-lo e
transforma-lo sobretudo na França dos anos 70 e 80. Para este autor a história política, assim
como outros ramos da historiografia, procurou enriquecer seu domínio por meio da
interdisciplinaridade com outras ciências das quais emergiram novos métodos e questões.
Mas a história política – é esta não é a menor das contribuições que ela extraiu da
convivência outras disciplinas – aprendeu que, se o político tem características
próprias que tornam inoperante toda análise reducionista, ele também tem relações
com os outros domínios: liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos
os outros aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor separado: é
uma modalidade da prática social [...] Se o político deve explicar-se antes de tudo
pelo político, há também no político mais que o político. Em consequência, a
história política não poderia se fechar sobre si mesma, nem se comprazer na
contemplação exclusiva de seu objeto próprio. Nem privilegiar um tipo de relação:
não há, por exemplo, razão científica para estabelecer uma ligação mais estreita do
político com o econômico que com o ideológico, o cultural, ou qualquer outro termo
de relação (RÉMOND, 2003. p. 35-36).
Sob a condição, é claro, de não nos limitarmos às trajetórias apenas dos "grandes"
intelectuais e de descermos até o estrato intermediário dos intelectuais de menor
notoriedade, mas que tiveram importância enquanto viveram, e até a camada, ainda
mais escondida, dos "despertadores" que, sem serem obrigatoriamente conhecidos
ou sem terem sempre adquirido uma reputação relacionada com seu papel real,
representaram um fermento para as gerações intelectuais seguintes, exercendo uma
influência cultural e mesmo às vezes política. A descrição desses três níveis e dos
mecanismos de capilaridade em seu interior facilitaria sobretudo a localização de
cruzamentos, onde se encontrariam maítres à penser e "despertadores", e o
esclarecimento de genealogias de influências - pois um "despertador" pode ocultar
dentro de si um outro, que o marcou uma geração antes -, tornando mais inteligíveis
os percursos dos intelectuais (SIRINELLI, 2003, p. 246).
Norberto Bobbio (1997) também tem sua construção a dar par a este esforço. Em seu
trabalho sobre os intelectuais. Ele reúne a visão de vários autores para pensar sobre suas
visões a respeito dos posicionamentos esperados dos intelectuais diante da sociedade. Benda
(1927) lido por Bobbio, diz que o papel do intelectual é “defender e promover os valores
supremos da civilização, que são desinteressados e racionais; na medida em que subordinam
sua atividade aos interesses contingentes, as paixões irracionais da política, traem sua missão”
(BOBBIO, 1997, p. 32).
Este é para Bobbio (1997), um pensamento que coloca a classe intelectual fora da
sociedade, em um espaço a parte, eles não tomam partido ao domínio do homem comum.
Essa visão separatista é, para esse autor, passível de crítica, pois, é muito difícil de se
acreditar na ideia de um sujeito que consiga se separar completamente das questões da
sociedade em que vive.
No caso de Lamartine e Souza tais questões aparecem sob a forma de uma classe
intelectual que se funda em concomitância com a prática político partidária, por uma questão
de separação entre o político e o intelectual que não tem sentido. Para perceber isso basta
observar as origens ou os focos de irradiação intelectual no Rio Grande do Norte até a
primeira metade do século XX.
O Instituto histórico e geográfico do Rio Grande do Norte foi fundado em 1902 por
uma junta de intelectuais, que eram ao mesmo tempo, os líderes políticos do estado entre eles,
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Tavares de Lyra. A academia norte-rio-grandense de
Letras, fundada por Luís da Câmara Cascudo teve entre seus colegas fundadores, Henrique
Castrisciano de Souza e Juvenal Lamartine de Faria.
Além disso, no meio jornalístico marcado por jornais como A republica, o periódico
oficial do partido republicano do estado, entre outros que muito veicularam não apenas ideias
políticas como também produções literárias. Isto posto partimos para a apreciação necessária
das respectivas trajetórias de vida dos personagens de nosso estudo.
Um facto, sr. Presidente, cumpre destacar desde logo, e é que nas repetidas secas
que tem assolado o norte do Brasil, desde os tempos coloniais até hoje, a intervenção
do Governo pouco tem aproveitado, e, por mais de uma vez, foi de efeitos
desastrosos, pela falta de método na distribuição dos dinheiros públicos, sempre a
título de socorros, enviados ás regiões flageladas, á hora nona do seu aniquilamento,
quando não é possível aplica-los convenientemente (SOUZA, 1980, p. 9).
Essas regiões flageladas são entendidas como bem demonstrou Silva (2018), um
primeiro esboço do que seria o Nordeste. É esse fenômeno climático que vai delimitando uma
cisão entre os estados semelhantes ao Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e os demais
estados do Norte mais próximos à realidade amazônica. O clima seco, a fome e a miséria
somadas as tradições culturais típicas do homem sertanejo vão ser elementos cruciais nesse
processo de regionalização como também demonstrou Albuquerque Junior (2009). A defesa
de tal ideia se ancora na fala do próprio Eloy de Souza em um fragmento, a seguir ele
estabelece essa separação entre o que seria a totalidade do Norte e a região dos flagelos da
seca da qual se coloca na posição de porta voz.
Deve-se ainda notar que dentro desta região que compreende os flagelos, três estados
se sobressaem, o Rio grande do Norte, a Paraíba e o Ceará sendo por nosso autor colocados
como, aqueles espaços que mais prejuízos vem sofrendo com a dita calamidade. Em seu,
Calvário das Secas (2009), Souza elabora que no transcorrer de todo o Segundo Reinado
(1840-1889) apenas dois dos chefes da província do Rio Grande do Norte foram responsáveis
por algumas atitudes no combate ás secas.
Como diz Souza (2009) foi graças ao prestigio do chefe da província José Casemiro de
Morais Sarmento que vieram os socorros tão necessária as vítimas da seca de 1845. Dentre
todos os que passaram pelo cargo somente Leão Veloso teria sugerido a construção de açudes,
ele então compara a situação do Rio Grande do Norte e da Paraíba com o do Ceará no qual,
em sua visão, desde muito cedo tanto a iniciativa pública quanto privada já empregava ao
açude uma centralidade no combate ás dificuldades trazidas pelas estiagens.
No mesmo texto, lembra então dessa relação de companheirismo entre os três estados
sobretudo no sentido de cooperação intelectual. Sendo o estado mais bem preparado para as
intempéries do período calamitoso o do Ceará. Uma espécie de modelo na aplicação de
técnicas e métodos para a construção dos açudes, melhor aplicação dos recursos públicos na
visão de nosso autor.
Como linha de frente aos problemas causados pelo clima, Eloy de Souza toma partido
em uma visão que já vinha em certos lugares sendo empregada e valorizada a algum tempo
pelos habitantes da região, a construção de açudes. Semelhante ideia não é original de Souza,
como bem podemos perceber na obra de Phelippe Guerra Secas contra as Secas (1909) que
reuniu escritos do autor primeiramente publicados na imprensa Diário de Natal nos primeiros
anos do século XX e que já aconselhavam a açudagem sendo uma solução.
Na perspectiva de Eloy de Souza, o problema maior do sertão não era necessariamente
a falta de chuvas, mas sim o mau proveito que se faz da chuva que cai nos anos de bom
inverno.
Muitas vezes acontece (eu tenho testemunhado o fato) uma ou duas chuvas bastarem
para fazer transbordar todos os riachos e rios, sem proveito para as plantações,
enquanto que um excelente inverno criador, abundante e farto, não chega sequer a
encher os pequenos lagos existentes nas fracas depressões das chapadas. Conhecido
o relevo do solo sertanejo, sua impermeabilidade, a miséria da vegetação dos
tabuleiros, o declive destes para o talweg dos rios e dos rios ainda mais acentuado
para o mar, denunciando um fraco regime torrencial, claro é, Sr. Presidente, que a
natureza está indicando ao homem que o único meio de retardar a precipitação das
águas é fazer a açudagem onde e como for possível. (SOUZA, 1906, p. 32).
Porém o que difere a abordagem de Souza para o que vinha sendo feito e recomendado
na época é a construção de um projeto que tornasse a açudagem um processo organizado e
extensivo se espalhando por todo o Sertão. Assim, construindo não apenas o pequeno e o
médio açude para servir os pequenos núcleos populacionais, mas também dando forma a
grandes barragens que teriam por finalidade além do abastecimento a irrigação das lavouras e
a possibilidade de receptação das águas em grandes invernos, o que impediria a cheia
excessiva dos rios locais e por consequência as enchentes tão mais prejudiciais ao homem do
campo do que as secas. Na Conferência de Lages que aconteceu em meados dos anos de 1919
e 1930, Souza defende esse ponto de vista dizendo que:
Essas barragens detentoras do escoamento vertiginoso dos nossos rios servirão de
muralhas contra o arrasamento das terras marginais, patrimônio formado por uma
sedimentação de séculos e destruídos em algumas horas apenas de inundação
calamitosa (SOUZA, 1930? p. 20).
Deste fragmento é pertinente discernir uma visão sobre o sertanejo que se percebe em
Eloy de Souza. Tem-se uma certa influência do que escreveu Euclides da Cunha nos Sertões,
em sua celebre frase “o Sertanejo é antes de tudo um forte”. Logo inicialmente expressa o
pensamento de que no Sertão se encontra uma essência, algo que deve ser assim descoberto
por todo àquele que deseja de fato amar sua terra, poderíamos deduzir que o conceito de terra
aqui se refere ou ao Rio Grande do Norte ou a Nação brasileira. Quando diz que no Sertão
estão “nossas energias latentes”, transmite-se a ideia de um potencial inexplorado.
A questão da luta contra a natureza também se sobressai como um elemento de
distinção desse povo, algo que será constantemente retomado em seus textos quando defende
suas ideias sobre a açudagem. Sendo assim, o povo sertanejo é por natureza forte e destemido,
enfrenta com coragem o implacável infortúnio que meio o impôs e mesmo diante disso
mantem um contentamento.
Dentro da visão de Souza sobre o Sertão observa-se a ideia de desenvolvimento,
progresso e modernidade, na sua perspectiva, únicas vias para conceber fuga dos problemas
da população. Ao mesmo tempo defende os costumes como marcas indeléveis da índole
sertaneja. Tal questão pode passar uma grande contradição e de certa forma o é, mas tem nas
próprias palavras do autor sua explicação.
Terra viril e nobre, dentre um pouco, estremecerá sob o peso de extensas filas de
carros, fragosamente arrastados pela força das locomotivas em marcha, a paz dos
teus campos será quebrada, a serenidade das suas montanhas interrompida,
maculada a beleza das tuas várzeas, insegura a tranquilidade de teus rebanhos.
Pouco importa, porém, a mutilação da paisagem se o progresso vai minorar o
sofrimento dos teus filhos, suavizando as condições do trabalho, facilitando a
circulação da riqueza, valorizando os terrenos incultos [...]. Consola-me a antecipada
certeza de poder afirmar que saberás guardar, intangível e imutável, as tuas
peregrinas qualidades nativas. Jamais a civilização deturpará as tradições que fazem
o teu encanto e te deram essa alma forte pela bondade gerada e nutrida no amargo
sofrimento de três séculos (SOUZA, 1982, p. 30).
Não sendo então um legitimo filho do Sertão, Eloy de Souza busca se filiar a esse
meio. Para tanto vai utilizar aspectos de sua herança familiar e suas sociabilidades com a “boa
gente daquela terra”. Em Calvário das secas escreve:
Em sua escrita aflora o sentimento por todas aquelas vítimas do flagelo pintando cenas
de morte e desespero dos retirantes, salienta-se também o descaso do poder público para com
as vítimas que ao invés de terem suas demandas de abrigo e socorros atendidas são mandadas
compulsoriamente para o extremo Norte do país, onde engrossam as fileiras do trabalho quase
escravo em condições sub-humanas dos seringais. Neste sentido também lamenta a perda de
incontáveis vidas destes sertanejos, mais dignos de ajuda do que os estrangeiros que naquela
época de início do século eram atraídos para se instalarem no Brasil junto com incentivos
governamentais.
Além disso, vemos despontar uma forte defesa de uma índole sertaneja, que mesmo
diante da profunda fome e miséria não encontravam caminho no roubo ou no crime. Essa
essência sertaneja vai estar presente também no texto Em defesa do Nordeste (1916), sendo
aqui trabalhado por meio de sua incorporação na obra Memórias das Secas (1980). Neste
texto Lamartine expõe seus argumentos para o desenvolvimento da região tomando para tanto
na via econômica o algodão e a açudagem e no aspecto social a ampliação do ensino básico e
técnico. Ele argumenta contra o senso comum, da época que dizia ser o sertanejo um povo
indolente sua natureza é pelo contrário disposta ao trabalho e em muitos casos mais
empenhada do que a de muitos povos, considerando as dificuldades impostas pelo meio.
Juvenal Lamartine foi um defensor dos novos tempos como forma de desenvolvimento
da região. A ciência ajudaria no melhoramento das culturas do algodão, e na construção das
barragens e rodovias que garantiriam a circulação de pessoas e mercadorias. Além disso,
defendeu a melhoria da educação básica e técnica dando maiores potencialidades ao espirito
do homem Sertanejo, isso segundo Macêdo (2002) pode ser entendido dentro de uma lógica
de reconstrução simbológica do Sertão, deixando para trás o legado agropecuário para
enxergar no futuro o que representava o algodão e a agricultura irrigada.
Da mesma forma que Eloy de Souza, Lamartine demonstrou apego aos costumes da
região e ao passado do Sertão. Em seu livro Velhos costumes do meu Sertão (1965), obra
póstuma, descreve a partir de suas memorias, aspectos marcantes do cotidiano do Seridó de
antigamente marcado pela pecuária, a religiosidade o paternalismo e a luta constante pela
sobrevivência nos tempos de estiagem. Salienta logo de início que o seu relato é de um espaço
em franca transformação cuja cultura merece ser descrita para a posteridade.
Pela análise empreendida neste estudo é possível concluir que o espaço sertanejo foi
um catalizador importante para a construção das narrativas políticas, econômicas e sociais
criadas por membros das elites do Rio Grande do Norte durante as primeiras décadas do
século XX. Dentro dessas narrativas destacam-se o esboço da região Nordeste, as grandes
obras públicas de irrigação e modernização, e a valorização das práticas culturais ou como
aponta Albuquerque Junior (2013) a invenção do folclore e da cultura popular.
Dentro dessa perspectiva o espaço do Sertão com suas características mesológicas
permitiu se constituir todo um discurso de emergência permeada pela ideia da seca e das
misérias econômicas e humanas causadas por ela. Sendo também responsáveis pela geração
de uma cultura impar que produziu o vaqueiro encourado, a culinária primorosa, a
sociabilidade rústica e solidaria e todo um mundo de tradições cravadas tão fundo na alma da
sua gente que nem mesmo a distância e tempo seriam capazes de apagar. O homem sertanejo
é visto na dimensão do forte e do potencial, é também uma categoria útil na construção de um
projeto econômico modernizador que pretende tornar esse homem um vetor de
desenvolvimento para a nação.
Essas questões foram vistas por meio da escrita de Eloy de Souza e Juvenal Lamartine
de Faria, homens que deslizavam confortavelmente entre suas carreiras políticas a práticas
intelectuais e que se comportaram de maneiras semelhantes nessas duas esferas. Foram
indivíduos que se mantiveram na linha entre o passado e o futuro e que vivenciaram alguns
dos momentos mais eufóricos da história política do Rio Grande do Norte. Suas respectivas
memórias públicas, trabalhadas e retrabalhadas por amigos e familiares permitiram que sua
imagem de verdadeiros sertanejos e homens públicos engajados, sobrevivessem mesmo diante
da derrocada política, da morte e do tempo.
Um exemplo marcante desse estado de coisas é Oswaldo Lamartine de Faria, filho de
Juvenal Lamartine. Pela trajetória política conturbada do pai, ele buscou em muitas ocasiões
se colocar como avesso a pratica política. Por outro lado, tentou se aliar o máximo que pode a
face intelectual de seu pai desenvolvendo os mesmos temas que ele na pesquisa das tradições
sertanejas, e tendo para com esse espaço um apreço profundo. Sendo um membro dessa elite
desterrado no Rio de Janeiro, sua assimilação do espaço e da cultura sertanejas tem a ver com
uma afirmação identitária ligada a trajetória familiar, a ligação passional a terra natal e a um
desejo de conservação de seu legado cultural. Para esse aspecto não apenas o Lamartine pai
contribui, mas outros intelectuais que se preocupavam com as mesmas temáticas, entre eles,
Eloy de Souza. Entretanto, por mais impermeável que pareça a escrita de Oswaldo Lamartine
no que tange ao político, alguns elementos dessa natureza se instalaram no seu discurso.
Em Sertões do Seridó (1980), sua mais conhecida obra, ele também assume apequena
e media açudagem como solução para os problemas do Sertão, reconhece que as técnicas
tradicionais para a construção de açudes, por mais interessantes que sejam, não são as mais
vantajosas. Valoriza e acredita na cultura do algodão mocó do Seridó, e concordando com a
implementação de estações experimentais para melhorar essa cultura naquela região. Isso
permite concluir que, de fato o projeto de região levantado por Souza e Lamartine foi
eficiente em se perpetuar nos meios políticos e mesmo até nos que se pretendem ante
políticos.
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