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Política e intelectualidade no início do século XX: O espaço sertanejo em

Eloy de Souza e Juvenal Lamartine

Politic and intellectuality on the first half of the XX century: The setanejo's
space of Eloy de Souza and Juvenal Lamartine
Resumo: Durante as primeiras décadas do século XX ocorreu um processo de criação discursiva da região, hoje
conhecida como Nordeste. Esse processo, foi levado a cabo em parte pelas elites locais que passam a discutir
sobre suas origens e necessidades em comum levantando questões como a seca e a miséria dentro do cenário
nacional. Este estudo, visa pensar sobre esse processo, porém sua preocupação vai de encontro ao Sertão, ou
como esse espaço serviu a essa configuração do Nordeste. A compreensão dessa questão passa aqui, pela atuação
de dois autores norte - rio - grandenses, Eloy de Souza e Juvenal Lamartine, membros da elite política local. Para
pensar como estes dois se inserem nessa trama trabalhamos a partir das teses de Rémond (2003), Sirinelli (2003)
e Bobbio (1997). Todo esse contexto é permeado por uma conexão entre os domínios da política e da
intelectualidade um elemento chave para se compreender os modos pelos quais o espaço Sertão foi tão discutido
nesse período.

Palavras- Chave: Sertão. Politica. Intelectualidade

Abstrect: During the early decades of the 20th century the discursive creation of a region started, that region is
known as Nordeste (brazilian's Northeast region). This process was financed by local elites that started by
discussing about the origins and common necessities and raising question about the drought and misery inside
the Nacional (Brazilian) scenario. This paper seeks to analyze the process, focusing primarily on the Sertão
region, or how that space served as a the configuration for the Nordeste region. The comprehension of this
question is based on the vision of two authors of the Rio Grande do Norte state, Eloy de Souza e Juvenal
Lamartine, members of the local political elite. In order to connect their work with the construction the thesis of
Rémond (2003), Sirinelli (2003) e Bobbio (1997) are used. This context is permeated by the connection between
two domains, politics and literature, a key element in order to comprehend the ways by which the Sertão space
has been discussed on that period.

Keywords: Sertão. Politics. Intellectuality;

Introdução

Este estudo se insere nas discussões propostas por dois outros trabalhos. O primeiro,
Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do
século XX (2010) de Renato Amado Peixoto. Em seu texto aborda-se o período histórico que
vai da última década do século XIX a década de 1930 do século XX. A estrutura do poder
político local foi, durante todo o império e depois na República, marcado pela presença de
certos grupos - organizações familiares - que exerceram influência sobre parcelas do território
potiguar. Cada organização familiar pode ser intendida como o conjunto de uma ou mais
famílias unidas por laços de parentesco ou casamento.
As três principais porções territoriais são, a do Seridó; zona de influência da
organização familiar dos Medeiros e Galvão, grupo caracterizado por sua tendência fechada
não permitindo a penetração de outros grupos ou famílias. As uniões entre essas famílias se
davam em cidades como Caicó, Currais Novos, Acari e Serra Negra. E assim que os
Medeiros e Galvão se vinculam aos Faria e Bezerra fundando um solido grupo que dominaria
a política potiguar, de uma forma ou de outra, por muitas gerações.
Já a organização dominante do espaço circunvizinho a Mossoró foi marcado pelas
famílias Brito Guerra e Gurgel. Este conjunto familiar, ao contrário do primeiro, buscou
contatos com famílias dos estados da Paraíba e do Ceará. Assim foram construídos laços com
os Amorim Garcia, os Amintas Barros e os Almeida Castro ainda durante o século XIX, e
também permitiu o deslocamento da família Rosado da Paraíba que se fixou no território de
Mossoró.
Um terceiro agrupamento familiar, já na região de Natal, surge com mais força no
início da Primeira Republica, composto pelos Pedrosa, Albuquerque Maranhão e Lyra
Tavares. Tais famílias através do poder e do prestigio que conquistaram no novo regime,
deram início a um processo de concentração do poder estadual na cidade do Natal, capital do
estado. Essa centralidade se deu em grande parte ao esforço de políticos e intelectuais em
conduzir um processo de modernização, por meio do discurso dos intelectuais Tavares de
Lyra e Luís da Câmara Cascudo e também pelo trabalho do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte recém fundado e que reuniu em torno de si esforços para a produção
de narrativas históricas.
O segundo trabalho é intitulado Eloy de Souza e o Nordeste como construção
discursiva do espaço dos estados seviciados pela seca, na primeira república brasileira
(2018) de Ítala Mayara de Castro Silva. A autora discute sobre a trajetória política e
intelectual de Eloy de Souza, político norte-rio-grandense de grande destaque nos períodos
finais do Império e principalmente na Primeira República.
Silva (2018) apresenta uma inovação ao estudo da história da concepção da região
Nordeste na qual se atribuía como período de surgimento no final da primeira década do
século XX. Ela recua esse recorte, e mostra que o Nordeste já surgia como espaço
diferenciado na escrita de Eloy de Souza durante os primeiros anos da primeira década do
século XX. A construção do Nordeste em Eloy de Souza passa obrigatoriamente pelo tema da
seca, fenômeno comum em certas províncias de toda aquela porção do país anteriormente
denominada de Norte.
O “calvário das secas”, fora um denominador comum para unir em um só bloco os
territórios, hoje correspondentes aos estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte,
Pernambuco, Bahia e Piauí entre outros. Através da prática política em cargos eletivos, Eloy
de Souza conseguiu ser uma voz decisiva em favor da criação de órgãos e mecanismos para
ajudar a resolver o problema da seca.
Ambas pesquisas trabalham com a ideia de construção discursiva de espacialidades a
partir de atores, intelectuais e políticos norte-rio-grandense inseridos nas dinâmicas do século
XX. É visível que neste processo, dois elementos se misturam de forma quase indissociável,
política e a intelectualidade, marcando de forma muito profunda a história do Rio Grande do
Norte. A intelectualidade, pelo menos no século XX, se coaduna e mistura com o político
chegando ao ponto de termos entre os principais políticos da história potiguar ainda os seus
mais reconhecidos intelectuais.
É importante destacar que esses trabalhos se ligam a uma perspectiva historiográfica
que enxerga essa formação discursiva de territórios se desenvolvendo no Brasil desde o século
XIX. Em um nível nacional como demonstra Peixoto (2005), a delimitação do território
nacional “derivou do debate, das escolhas políticas e das lutas de representação que se
desenrolam em torno da consolidação do estado nas décadas de 1830-1840” (PEIXOTO,
2005.p. 103). Neste momento um importante fator desse processo foi o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro teve a tarefa de promover expedições destinadas a conhecer melhor o
espaço brasileiro e demarcar as fronteiras da nova nação.
Peixoto (2010) trabalha como foram demarcados os limites territoriais do Norte do
império que, na época, comportava além das províncias da região amazônica, as que
comporiam o Nordeste. Para analisar tais dinâmicas de formação o autor discute o caso da
‘comissão cientifica de exploração’ que tinha por objetivo o estudo da região atingida pelo
fenômeno das secas periódicas. Tal evento, uniu diante de si as intencionalidades da corte
centralizada no Rio de Janeiro, e das elites locais. Os resultados dessa expedição
demonstraram que o problema da região não era de fato as secas, mas a administração dos
recursos públicos tanto por parte da governança imperial, quanto por parte das elites
provinciais. É nesta indisposição que as elites nativas daquele território passam a construir sua
própria identidade por meio da alteridade que se formou entre os homens da expedição
cientifica, representantes de um modo de vida da corte, e os habitantes daquele espaço.
O texto de Silva (2018) demonstra bem essa ideia de uma elite construtora de
identidades e territorialidades ao dizer como Eloy de Souza, membro dessas elites nortistas,
vai adentrar nessa arena e construir diferenciações entre o Norte e o Sul e depois entre o Norte
e o nordeste. Sua abordagem desses espaços, bem como de seus habitantes vai produzir um
Norte como bastião defensor do território colonial dos constantes ataques estrangeiros,
sacrificando assim seu próprio desenvolvimento econômico e social. Para além dessas
estruturas territoriais oficiais o Sertão, é uma espacialidade percebida como um denominador
comum para as populações que o habitavam os territórios que inicialmente pertenciam ao
Norte e depois ao Nordeste. Isso por que, a experiência de vida no Sertão seco é uma das mais
especificas dentro na nação brasileira, possuindo seus próprios ritmos, problemas e vivencias.
Sendo assim o Sertão é colocado por suas elites numa perspectiva de potencialidades e o
sertanejo como um ser, original, dotado de uma essência nacional.
Neste escopo o presente estudo será dedicado a relação que se pode fundar entre dois
sujeitos, o já mencionado Eloy de Souza, e seu colega de partido Juvenal Lamartine de Faria.
Tomando como ponto de partida os trabalhos de Peixoto (2010) e Silva (2018) é possível
reconhecer a existência, entre esses personagens de uma comunhão de projetos políticos que
são transplantados para o campo intelectual, na forma de uma tradução das orbitadas do poder
público e do fazer político para os domínios da cultura e da intelectualidade.
Adotando como ponto de partida os trabalhos de Peixoto (2010) e Silva (2018) é
possível reconhecer a existência entre Eloy de Souza e Juvenal Lamartine, de uma comunhão
de posturas políticas que são transplantados para o campo intelectual na forma de uma
tradução das orbitadas do poder público e do fazer político para os domínios do saber e da
cultura. Sendo assim, no foco deste estudo, o primeiro sujeito emerge como um principal elo
da cadeia, na sua produção do esboço do que seria a região Nordeste, sobretudo no que se
refere ao recorte Sertão ou aos “estados seviciados pelas secas” onde o fenômeno climático
produziu por muitos séculos cenários de degradação humana.
Eloy de Souza foi um dos proponentes da criação de órgãos especializados em obras
públicas como açudes e represas a serem custeadas pelo estado. Assim, como aponta Silva
(2018), a sua abordagem do tema das secas e do povo sertanejo não é a mesma que vinha
sendo defendida nos “altos círculos intelectuais” do século XIX, especialmente em locais
como Rio de Janeiro e São Paulo, que dizia que os sertanejos morriam de fome e sede, pois
eram membros de uma raça mais fraca, sem ter como adaptar-se as condições ásperas de seu
ambiente, uma visão marcada pelas ideias do darwinismo social.
Ao contrário disto, Souza reconhecia no sertanejo um homem forte e muito capaz que
só precisava ter a seu lado os investimentos necessários para as obras que possibilitassem sua
sobrevivência, a açudagem foi uma das mais importantes, que permitiria o abastecimento de
água potável e a irrigação em períodos de estio. Em conjunto com essa visão ele tem um forte
discurso de defesa da cultura popular do sertanejo.
Juvenal Lamartine, como uma das figuras centrais no Partido Republicano norte-rio-
grandense vai pactuar e ajudar seu colega partidário na elaboração desse projeto de região,
preocupado com aspectos do mundo sertanejo, sobretudo do Seridó. Assim como Eloy de
Souza também denunciara o descaso com os sertanejos e proporá a realização de obras
públicas como forma de deter o massacre que os abatia. Outro aspecto que salta aos olhos é o
apego que Juvenal possui por sua terra natal e a valorização dos costumes e tradições do
Seridó, terra dos seus ancestrais onde se fundou uma forte tradição familiar.
Para pensar as interações entre esses dois personagens será primeiro necessário
delimitar quais os conceitos de político e de intelectual a serem utilizados. Dentro dos estudos
históricos um dos ramos que mais tem se modificado é a história política, na perspectiva de
René Rémond organizador do livro Nova História política (2003), os processos históricos que
se desenvolveram sobretudo na Europa desde o antigo regime conduziram mudanças drásticas
no paradigma da história onde o político em um primeiro momento vai ser colocado como um
dos temas centrais, sobretudo nas narrativas de guerras e feitos de “grandes homens”.
Já no século XX esse tipo de fazer histórico foi criticado pelos annales, considerado
como um tipo de história voltada para o estudo de episódios isolados como batalhas e
governos, estes estudos foram tratados como de pouca importância se comparados aos
acontecimentos da longa e media duração onde questões como, a economia ou a cultura dos
povos se verificavam. Outra crítica dos estudos de política era sua tendência de estudar
indivíduos, geralmente membros das elites, deixando de lado o povo comum historicamente
desvalorizado. René Rémond, traz outra perspectiva sobre esse saber que busca revive-lo e
transforma-lo sobretudo na França dos anos 70 e 80. Para este autor a história política, assim
como outros ramos da historiografia, procurou enriquecer seu domínio por meio da
interdisciplinaridade com outras ciências das quais emergiram novos métodos e questões.

Mas a história política – é esta não é a menor das contribuições que ela extraiu da
convivência outras disciplinas – aprendeu que, se o político tem características
próprias que tornam inoperante toda análise reducionista, ele também tem relações
com os outros domínios: liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos
os outros aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor separado: é
uma modalidade da prática social [...] Se o político deve explicar-se antes de tudo
pelo político, há também no político mais que o político. Em consequência, a
história política não poderia se fechar sobre si mesma, nem se comprazer na
contemplação exclusiva de seu objeto próprio. Nem privilegiar um tipo de relação:
não há, por exemplo, razão científica para estabelecer uma ligação mais estreita do
político com o econômico que com o ideológico, o cultural, ou qualquer outro termo
de relação (RÉMOND, 2003. p. 35-36).

Portanto, a presente proposta leva em consideração esta faceta da atividade política,


sua articulação com outras áreas da pratica social a exemplo da dimensão intelectual ou da
cultura regional. Desse modo, fica entendido que políticos podem não ser “apenas políticos” e
que seus ideais podem servir tanto como diretrizes para a tomada de ações governamentais
como contribuições sobre a cultura e o passado de regiões.
No mesmo livro em que Rémond expõe estas ideias, Jean-François Sirinelli discute a
respeito dos intelectuais e a política. Para ele, assim como ocorreu no campo da história
política, a dos intelectuais também sofreu um ostracismo após a virada historiográfica
proposta pelos annales. O principal motivo foi a predileção deste movimento pelas massas
populares e não mais por histórias de minorias como intelectuais, que na maioria dos casos
constitui parte da elite dominante de um grupo. Outro ponto chave para esse declínio foi a
dificuldade presente em delimitar esta classe. Então afinal o que seria um intelectual? Sirinelli
propõe uma dupla definição:

Estas podem desembocar em duas acepções do intelectual, uma ampla e


sociocultural, englobando os criadores e os "mediadores" culturais, a outra mais
estreita, baseada na noção de engajamento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto
o jornalista como o escritor, o professor secundário como o erudito. Nos degraus que
levam a esse primeiro conjunto postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou
"mediadores" em potencial, e ainda outras categorias de "receptores" da cultura. [...]
podem ser reunidos em torno de uma segunda definição, mais estreita e baseada na
noção de engajamento na vida da cidade como ator - mas segundo modalidades
específicas, como por exemplo a assinatura de manifestos -, testemunha ou
consciência. Uma tal acepção não é, no fundo, autônoma da anterior, já que são dois
elementos de natureza sociocultural, sua notoriedade eventual ou sua
"especialização", reconhecida pela sociedade em que ele vive - especialização esta
que legitima e mesmo privilegia sua intervenção no debate da cidade, que o
intelectual põe a serviço da causa que defende (SIRINELLI, 2003, p. 242-243).

Assim, o intelectual pode ser entendido em perspectiva ampla como produtor


mediador de cultura quanto como um indivíduo engajado nas questões sociais de seu tempo.
No caso aqui estudado, os sujeitos podem entrar na primeira definição uma vez que são
receptores e difusores de materiais culturais de sua região, a saber a cultura do Sertão e do
sertanejo sobre a qual mantem um profundo apego sentimental.
Por outro lado, feito um pequeno esforço, é possível notar que eles, em um certo
momento de suas vidas, vão se inserir na categoria de intelectual engajado, ou seja, vão
participar das discussões sobre os problemas de sua sociedade, por meio da participação em
grêmios estudantis, demonstrando preocupação com as questões sociais nas suas respectivas
posições como magistrados e jornalistas. Porém, ao adentrarem nos cargos públicos que
ocuparam por anos, sua abordagem das questões sociais passam a ser direcionadas mais por
demandas partidárias e dos grupos políticos que pertenciam como demonstraremos a diante.
Seguindo Sirinelli (2003) as relações entre esses sujeitos passam pelos itinerários
percorridos por eles, ou seja, será preciso destacar suas trajetórias de vida, contextos de
formação intelectual, e posicionamentos ideológicos. Feito isso, surge a tarefa de delimitar as
sociabilidades mais relevantes dentro desse percurso, a participação deles em corporações ou
instituições que deixem perceber a existência ou não de linhas de convergência os dois.
Depois disso pode ser verificada uma linha sucessória no pensamento que se estabelece entre
as partes, trabalhando com a ideia de geração, utilizando-se dos textos deixados por cada um
deles.
É preciso lembrar que nem sempre esses elementos são perfeitamente estruturados e
lineares dentro de um grupo. Podem existir membros dentro de um grupo que ou não
demonstram pertencer a ele, ou sequer trazem a consciência disso. Nestes casos o sujeito pode
manter um vínculo com um membro do grupo que, por sua vez, mantem ligação com um
outro anterior ou contemporâneo dele, assim vão surgindo os elos entre as gerações de
intelectuais. Esse mecanismo pode ser compreendido nas palavras de Sirinelli:

Sob a condição, é claro, de não nos limitarmos às trajetórias apenas dos "grandes"
intelectuais e de descermos até o estrato intermediário dos intelectuais de menor
notoriedade, mas que tiveram importância enquanto viveram, e até a camada, ainda
mais escondida, dos "despertadores" que, sem serem obrigatoriamente conhecidos
ou sem terem sempre adquirido uma reputação relacionada com seu papel real,
representaram um fermento para as gerações intelectuais seguintes, exercendo uma
influência cultural e mesmo às vezes política. A descrição desses três níveis e dos
mecanismos de capilaridade em seu interior facilitaria sobretudo a localização de
cruzamentos, onde se encontrariam maítres à penser e "despertadores", e o
esclarecimento de genealogias de influências - pois um "despertador" pode ocultar
dentro de si um outro, que o marcou uma geração antes -, tornando mais inteligíveis
os percursos dos intelectuais (SIRINELLI, 2003, p. 246).

Norberto Bobbio (1997) também tem sua construção a dar par a este esforço. Em seu
trabalho sobre os intelectuais. Ele reúne a visão de vários autores para pensar sobre suas
visões a respeito dos posicionamentos esperados dos intelectuais diante da sociedade. Benda
(1927) lido por Bobbio, diz que o papel do intelectual é “defender e promover os valores
supremos da civilização, que são desinteressados e racionais; na medida em que subordinam
sua atividade aos interesses contingentes, as paixões irracionais da política, traem sua missão”
(BOBBIO, 1997, p. 32).
Este é para Bobbio (1997), um pensamento que coloca a classe intelectual fora da
sociedade, em um espaço a parte, eles não tomam partido ao domínio do homem comum.
Essa visão separatista é, para esse autor, passível de crítica, pois, é muito difícil de se
acreditar na ideia de um sujeito que consiga se separar completamente das questões da
sociedade em que vive.
No caso de Lamartine e Souza tais questões aparecem sob a forma de uma classe
intelectual que se funda em concomitância com a prática político partidária, por uma questão
de separação entre o político e o intelectual que não tem sentido. Para perceber isso basta
observar as origens ou os focos de irradiação intelectual no Rio Grande do Norte até a
primeira metade do século XX.
O Instituto histórico e geográfico do Rio Grande do Norte foi fundado em 1902 por
uma junta de intelectuais, que eram ao mesmo tempo, os líderes políticos do estado entre eles,
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Tavares de Lyra. A academia norte-rio-grandense de
Letras, fundada por Luís da Câmara Cascudo teve entre seus colegas fundadores, Henrique
Castrisciano de Souza e Juvenal Lamartine de Faria.
Além disso, no meio jornalístico marcado por jornais como A republica, o periódico
oficial do partido republicano do estado, entre outros que muito veicularam não apenas ideias
políticas como também produções literárias. Isto posto partimos para a apreciação necessária
das respectivas trajetórias de vida dos personagens de nosso estudo.

Por um olhar histórico: Eloy de Souza, Juvenal Lamartine e o Sertão

Eloy de Souza nasceu no dia 04 de março de 1873 no sitio Arraial no Recife.


Primogênito do casal Eloy Castriciano de Souza e Henriqueta Leolpoldina Pedroza de Souza,
após o seu nascimento seus pais se mudam para o Rio Grande do Norte onde fazem morada
na cidade de Macaíba que segundo é revelado pelo próprio Souza, era na época um dos mais
importantes centros comerciais e políticos da região sendo mais relevante inclusive do que
Natal que segundo Cascudo (1961) era “uma vila insignificante e atrasadíssima do interior”
(apud FILGUEIRA, 2009, p. 103).
Esta prosperidade deve-se em razão a localização da cidade unindo as zonas
produtoras do Agreste e o alto Sertão com o litoral sendo ponto de partida da produção do
algodão que teve seu auge durante o período da Guerra Civil Americana (1861-1865), na qual
a indústria têxtil britânica foi assídua em adquirir sua matéria prima no Brasil.
Neste ambiente de riquezas, o pai de Souza constitui-se banqueiro sócio proprietário
da Paula Eloy & Cia, um estabelecimento que tinha como principal clientela os fazendeiros de
cana de açúcar dos arredores de Ceará-Mirim e São José de Mipibu. Além disso, participou da
vida pública em duas legislaturas como Deputado provincial pelo Partido Liberal sendo um
nome de confiança para Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti chefe do partido na província.
É possível perceber que a família de Eloy de Souza tem boa posição social e
econômica. Isso até a morte de seu pai em 1881, após o fato a impressa foi assumida por
Umbelino Freire de Gouveia Melo que segundo Souza (1975, apud FILGUEIRA, 2009, p.
113) “não tinha mãos a medir nas despesas, naturalmente, lançadas ao débito da firma”.
Isto somado aos problemas de saúde de sua mãe, acometida de tuberculose, fez com
que Eloy de Souza enfrentasse, ainda criança, momentos difíceis com a perda do pai aos 8
anos e da mãe aos 6. Depois disso ele e seus irmãos são acolhidos por sua avó materna D.
Silvina de Paula Rodrigues mulher de origem humilde que mesmo sendo analfabeta
incentivou os netos para o rumo das letras.
Durante seu processo de formação educacional, Eloy de Souza permaneceu em
deslocamento entre Macaíba e Recife passando por diversas escolas. Neste percurso adquire
os conhecimentos das mais diversas áreas, nas línguas estudou o português, o francês e o
latim.
Após concluir os preparativos a Faculdade de Direito de Recife onde conclui apenas
anos correspondentes ao curso de Ciências Sociais. Isto ocorre segundo Eloy de Souza a
pedido de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão que exige seu retorno ao Rio Grande do
Norte para entrar na carreira política. Por isto, já se pode vislumbrar a importância que Pedro
Velho terá em sua vida. A inserção de Eloy de Souza na vida pública se dá em 1895 no cargo
de delegado de polícia de Macaíba.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão foi um dos personagens mais importantes da
história norte-rio-grandense no período republicano. Fundador do Partido Republicano do Rio
Grande do Norte no ano de 1889, meses antes da proclamação da República, na opinião de
Souza (1989), ele soube como ninguém aglutinar ao seu redor as principais forças políticas do
estado que estavam concentrados nas regiões do Seridó e de Mossoró personificadas em
figuras como José Bernardo de Medeiros e Francisco Gurgel de Oliveira.
Como bem demonstrou Bueno (2016), existiu na chegada da república no Rio Grande
do Norte uma serie de republicanos históricos, românticos, como Januncio da Nobrega,
Manuel Dantas e Elias Souto que tinham em mente um modelo de republicano baseado nos
ideais da Revolução francesa com a ideia de administração por meio da cientificidade, e de
igualdade entre outras questões. Para esses homens o regime republicano aplicado no estado
por Pedro Velho constitui-se como decepção já que demonstrava não pretender quebrar com
as formas de poder reinantes no período do império, ou seja, o poder concentrado na mão de
grandes produtores rurais.
Isto se insere em um momento de mudanças no panorama político daquela época em
que começam a ser estabelecidas as bases em que o governo central passa a lidar com um
aumento significativo do poder dos estados, especialmente com a reorganização das forças
das “organizações familiares”. O auge desse processo é a chamada “política dos
governadores” implementada a partir do governo de Campos Sales (1898-1902). Ela previa
em linhas gerais, o poder executivo na figura do presidente garantindo apoio as oligarquias
dominantes nos estados em troca da colaboração dos membros dessas oligarquias em cargos
do poder legislativo obtendo a governabilidade do presidente.
Foi dentro desse contexto em que o papel do parlamentar era produzir maior
importância para as elites dos estados que desenvolveu a carreira política de Eloy de Souza.
Seu primeiro mandato parlamentar veio em 1894, e daí por diante foram mandatos
consecutivos alternado entre a Câmara dos Deputados e o Senado. Nestes ambientes Eloy de
Souza vai desenvolvendo sua oratória, elemento indispensável para políticos de sua natureza
sobretudo nos aprofundados debates em plenário como aponta Silva (2018).
Nas agitações que procederam na revolução de 1930, Souza (2008) relata sua prisão
em Natal no ano de 1932 por Café Filho, na época chefe de polícia da cidade. Era então
acusado juntamente com outros colegas de subversivos e de serem aliados da Revolução
Constitucionalista que processava naquele ano.
Da tribuna, Eloy de Souza proclamou discursos em defesa dos mais variados temas de
interesse público, mas entre estes os de maior relevância foram os que acenavam ao problema
das secas no Sertão nos quais empenhou sua oratória e conhecimentos a favor de um projeto
que pudesse dar fim aos problemas que se conferiam em decorrência desse fenômeno
climático.
Para além da atividade política, Eloy de Souza também irá se preocupar com o
cultural. Ele produz alguns escritos sobre os costumes no Rio Grande do Norte dos quais
foram reunidos em Costumes Locais (1909) em Memorias de um velho (1975), também
recompõe sua trajetória de vida narrando não apenas sua carreira política, suas experiências
tanto no litoral como no Sertão. Sob pseudônimo de Jacinto Canela de Ferro escreve a coluna
Cartas de um sertanejo (1926) no Diário de Natal na qual discorria sobre aspectos culturais
do Sertão.
Eloy de Souza tornou-se membro da Academia Norte Rio Grandense de letras na
cadeira número 15 que tinha como patrono, seu mestre e amigo Pedro Velho. Além disso teve
grande participação no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte do qual foi
um dos membros fundadores de 1902. Se faz necessário agora apresentar a trajetória do
segundo personagem.
Juvenal Lamartine de Faria nasceu em Serra Negra do Norte no Seridó potiguar no ano
de 1874, sendo o primogênito do coronel Clementino Monteiro de Faria e sua esposa Paulina
Umbelino dos Passos Monteiro. Após sua alfabetização em casa vai para Caicó estudar Latim
e Francês. Em 1891 ingressa no Colégio Ateneu de Natal, mas em vias de iniciar os
preparativos para os exames finais do curso a instituição foi fechada, e assim é a concluir seus
estudos no Liceu da Paraíba.
Torna-se Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife no ano de 1897. Antes de
seguir carreira política, Juvenal Lamartine trabalhará como juiz em Acari e como redator do
jornal A República órgão ligado ao Partido Republicano norte-rio-grandense sob o comando
de Pedro Velho Maranhão além de ter sido vice-diretor do Ateneu. Essa formação tinha por
finalidade na afirmação de Araújo e Medeiros (2004) a construção do homem culto, era um
tipo de educação própria dos filhos, dos mais favorecidos financeiramente e um componente
bem visto para quem pudesse almejar postos ou cargos importantes na estrutura social.
Alguns eventos importantes desse período afetaram na carreira de Lamartine. Um
dos episódios que agitaram a Republica logo em suas primeiras décadas foram as “salvações”.
Processo que consistiu de uma série de iniciativas tomadas por parte de grupos militares que
durante o governo do presidente Hermes da Fonseca (1855-1923) tiveram a intenção de salvar
os estados, sobretudo do Norte e Nordeste que consideravam ser “o problema oligárquico”.
Com esse acontecimento, se pretendia fortificar a centralidade do poder federal
minado pelas influências desses grupos nos estados substituindo-os por ‘salvadores’,
indicados e apoiados pelo governo de Hermes da Fonseca. No Rio Grande do Norte o capitão
José da Penha, buscou derrubar a oligarquia Maranhão e eleger ‘o salvador’ Leônidas Hermes
da Fonseca, filho do presidente.
Lindoso (1989) nos fala que Penha foi combatido através de uma união de forças entre
os oligarcas locais. Com o apoio dos coronéis do Sertão como Chistiano Costa, Silvino
Bezerra, Felinto Elísio, Clementino de Faria foram travadas lutas armadas contra os
correligionários de Penha. Enquanto isso, comícios e atos públicos buscaram desmoralizar o
salvacionista. Além disso, o próprio Presidente desaprovou a conduta de Penha por fim, nem
mesmo o possível candidato, Leônidas Hermes, compareceu na disputa, obrigando José da
Penha a se candidatar.
Diante destes eventos, o governador Alberto Maranhão tinha escolher quem poderia
disputar contra Penha nas eleições. Na perspectiva de Lindoso (1989), Maranhão pretendia
indicar um candidato fora do seu círculo familiar, manobra conhecida como “apartar do
sangue” que vinha sendo realizada desde Pedro Velho. Ocorre que no calor dos fatos o grupo
do Seridó passa a articular a candidatura alternativa de Joaquim Ferreira Chaves, algo que ia
contra os planos do governador.
Neste contexto, entre os políticos Seridoenses de maior destaque atava Juvenal
Lamartine de Faria que junto com José Augusto de Medeiros. José Augusto, a pedido de
Maranhão vai consultar a cúpula do Partido republicano no Rio de Janeiro personificada por
Pinheiro Machado, um dos opositores mais ferrenhos a política das salvações, sua opinião foi
a favor da candidatura de Chaves.
Após um período de instabilidade durante a disputa entre Penha e Chaves este último
sai eleito e passa a conduzir manobras políticas no sentido de diminuir o poder da família
Maranhão com vários atos e leis que proibia a participação dos familiares no poder.
Todo esse imbróglio favorece a ascensão desses dois políticos que começam a traçar
sua subida ao governo do estado sendo apoiados pelo então presidente Arthur Bernades e com
um grande prestígio entre os principais coronéis do estado o que facilitou em muito suas
futuras eleições para o governo estadual.
Em 1927, Juvenal Lamartine é cotado para o cargo de governador, voltando José
Augusto a cadeira do Senado, Lamartine assume o governo em 1928, já nos anos finais da
Primeira República, e enfrentaria novas forças dentro e fora do estado antes mesmo de ser
derrubado pela Revolução de 1930. Essa nova força foi representada por jovens de classe
média como Café Filho que foram líder e agitador do sindicalismo sobre tudo em Natal, onde
refletiu o impulso dado por movimentos como o Tenentismo e Aliança Liberal.
Todo o alvoroço produzido em torno do governo de Lamartine foi piorado por casos
de repressão policial a manifestantes sindicalistas. O caso da queima das atas da eleição para
vereador de 1928 escândalo, no qual o governador Lamartine teria mandado queimar as atas
no sentido de evitar a posse de Café Filho. Como deixou claro em sua autobiografia Do
Sindicato ao catete: Memórias políticas e confissões humanas (1966), Café Filho enxergava
em Lamartine não apenas um opositor político mas sim um inimigo perigoso, impiedoso que
mandou seus comparsas o caçarem por Natal naquele período, em busca de mata-lo.
Além das oposições políticas o governo de Lamartine enfrentava uma crise
econômica com a queda do preço do algodão e a dívida contraída ainda em 1910 no governo
de Alberto Maranhão, entre 1872 a 1944, somado ao atraso de nove meses no pagamento dos
salários do funcionalismo público. Tudo isso, possibilitou a construção de um clima de alta
insatisfação popular nos núcleos urbanos e basicamente entre a classe média. Tanto é que, a
chegada da Revolução em outubro foi muito bem recebida na capital com desfiles e passeatas.
A crise política que se formou em torno da eleição presidencial de 1930, as chapas
do paulista Júlio Prestes, candidato das oligarquias paulistas e o gaúcho Getúlio Vargas,
concorrendo com o apoio das oligarquias mineiras. Dentro deste imbróglio que culminaria na
revolução de 1930, Juvenal Lamartine mesmo sendo amigo de Vargas, se coloca a favor de
Prestes que venceria as eleições daquele ano, sendo vitoriosa a revolução Lamartine, assim
como muitos outros governadores, foi retirado do cargo que ocupava exilando-se na Europa e
voltando ao Brasil apenas em 1932.
Os anos de 1934 e 1935 foram especialmente dramáticos na política do Rio Grande
do Norte. Uma vez expulsos de seus cargos em 1930, José Augusto e Juvenal Lamartine se
colocaram a articular um retorno nas eleições parlamentares de 1934. Assim surgiu o Partido
Popular composto por remanescentes do Partido Republicano norte-rio-grandense. Nas
eleições daquele ano, afirma Lindoso (1989), o partido venceria a Aliança Social formada
pelos partidos do interventor Mario Câmara e por Café Filho. Após uma acirrada luta na
justiça motivada por suspeita de fraude são convocadas eleições suplementares para 1935, nas
quais novamente serão derrotados.
Durante todo esse período Juvenal Lamartine não pode retornar a política
nominalmente, visto que sua candidatura ou de qualquer parente mais próximo seria
imediatamente suprimida pelo governo varguista.
Porém, como nos aponta Morais (2013) durante todo esse contexto o grupo do Seridó
foi o responsável por criar, através dos registros escritos uma memória política baseada no
ressentimento de 1930, a qual colocaria seus principais membros, José Augusto e Juvenal
Lamartine, como vítimas e resistência contra as arbitrariedades dos interventores
“estrangeiros” alheios as tradições do povo potiguar. Essa narrativa se consolidou através da
impressa e da historiografia produzida por eles nos anos consecutivos a 30 no Rio de Janeiro,
sua sede de operações. Foi de lá que em 1933 Lamartine escreveu Meu Governo, uma
resposta a todas as acusações direcionadas a ele em inquéritos feitos pelo governo
revolucionário, sobretudo, as que diziam respeito a casos de corrupção, nepotismo e
violências cometidas contra adversários políticos.
Na esfera da cultura, Juvenal Lamartine se destacou com o livro Velhos Costumes do
meu Sertão (1965), uma compilação de textos publicados na tribuna do Norte no ano de 1954.
Neste livro encerra-se uma descrição dos costumes e tradições de um Sertão antigo, visto e
vivido pelo jovem Juvenal, ainda era marcado por sociabilidades paternalistas e pela luta
diária com a natureza severa.
Ainda nesse campo, foi um membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte e também um dos fundadores da Academia norte-rio-grandense de
Letras no ano de 1936 junto a Luís da Camara Cascudo, Henrique Castriciano, Antônio
Soares, Sebastiao Fernandes, Edgar Barboza e Aderbal França. Nesta instituição ocupou a
cadeira de número 12 cujo patrono era Amaro Cavalcante. Foi, segundo Melo (1994), eleito
presidente da academia em mandatos consecutivos entre os anos de 1943 a 1949.
Ao traçar essas linhas sobre a vida destes dois personagens podemos notar um
emparelhamento claro entre as figuras de Eloy de Souza e Juvenal Lamartine. Ambos foram
nomes importantes da primeira república e membros atuantes do Partido Republicano norte-
rio-grandense, sendo que em mais de uma ocasião foram colegas de bancada em seus
respectivos mandatos para a Câmara Federal. Dentro do partido também exerceram funções
importantes, em determinadas situações elementos de coalisão.
Nas suas carreiras políticas enfrentaram dificuldades quando da Revolução de 1930,
que teve sobre cada um deles um peso contribuindo para um afastamento da política
momentâneo. Nisto voltam-se para as letras participando ativamente na vida intelectual do
estado como membros de duas das mais relevantes instituições dessa natureza no Rio Grande
do Norte. Isso permite afirmar a existência de um campo prolifico para colaborações e troca
de ideias entre esses dois homens.
A partir de agora, por meio da análise de alguns textos dos autores mencionados
serão delimitadas as linhas mestras que ligam as suas vozes. Para tanto, alguns temas
relevantes precisam ser identificados. O primeiro deles é a questão do como a seca foi tida na
posição de denominador comum aos estados que viriam a compor o Nordeste, na esteira do
que apontou Castro Silva (2018). O segundo tem a ver com valorização da técnica no combate
a esse fenômeno climático, aspecto já presente nos debates ainda no século XIX da forma
apontada por Viana (2009). O terceiro é o elemento cultural, a exaltação dos costumes e
tradições locais diante de uma modernidade que é inevitável, ao mesmo tempo em que se
valoriza o homem sertanejo de um modo semelhante ao que fez Euclides da Cunha nos
Sertões (1902). Após estas considerações é factível seguir para a investigação, num primeiro
momento, dos escritos de Eloy de Souza.
Em 1906 no Congresso Nacional, Eloy de Souza sobe a tribuna e profere seu
discurso Secas do norte e a cabotagem nacional que aqui será analisado a partir da publicação
fac-similar do texto disponível na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte, publicada pela Coleção Mossoroence em 1980. Nesse texto sua principal linha de
pensamento é a de que o fenômeno das secas nos estados seviciados merece uma maior
atenção do poder central, assim discutindo os vários motivos pelos quais esse fenômeno deve
ser combatido em uma dimensão humanaria, a tragédia dos flagelados e da econômica nas
perdas de lavouras e gados. Essa atenção, em sua opinião, deveria ser tomada na forma de
ajudas financeiras estrategicamente pensadas para empregar de maneira eficiente os recursos.

Um facto, sr. Presidente, cumpre destacar desde logo, e é que nas repetidas secas
que tem assolado o norte do Brasil, desde os tempos coloniais até hoje, a intervenção
do Governo pouco tem aproveitado, e, por mais de uma vez, foi de efeitos
desastrosos, pela falta de método na distribuição dos dinheiros públicos, sempre a
título de socorros, enviados ás regiões flageladas, á hora nona do seu aniquilamento,
quando não é possível aplica-los convenientemente (SOUZA, 1980, p. 9).

Essas regiões flageladas são entendidas como bem demonstrou Silva (2018), um
primeiro esboço do que seria o Nordeste. É esse fenômeno climático que vai delimitando uma
cisão entre os estados semelhantes ao Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará e os demais
estados do Norte mais próximos à realidade amazônica. O clima seco, a fome e a miséria
somadas as tradições culturais típicas do homem sertanejo vão ser elementos cruciais nesse
processo de regionalização como também demonstrou Albuquerque Junior (2009). A defesa
de tal ideia se ancora na fala do próprio Eloy de Souza em um fragmento, a seguir ele
estabelece essa separação entre o que seria a totalidade do Norte e a região dos flagelos da
seca da qual se coloca na posição de porta voz.

Relativamente as secas, a circunstância de representar um Estado dos mais


flagelados pela visita periódica de crises climatéricas, altamente prejudiciais ao
desenvolvimento e ao progresso de uma vasta região do norte, me fez vencer a
natural timidez, reflexo de uma incompetência que não dissimulo, para vir dizer,
sinceramente e sem paixão, o meu depoimento, na esperança de ver problema de tal
relevância definitivamente resolvido (SOUZA, 1980, p. 6).

Deve-se ainda notar que dentro desta região que compreende os flagelos, três estados
se sobressaem, o Rio grande do Norte, a Paraíba e o Ceará sendo por nosso autor colocados
como, aqueles espaços que mais prejuízos vem sofrendo com a dita calamidade. Em seu,
Calvário das Secas (2009), Souza elabora que no transcorrer de todo o Segundo Reinado
(1840-1889) apenas dois dos chefes da província do Rio Grande do Norte foram responsáveis
por algumas atitudes no combate ás secas.
Como diz Souza (2009) foi graças ao prestigio do chefe da província José Casemiro de
Morais Sarmento que vieram os socorros tão necessária as vítimas da seca de 1845. Dentre
todos os que passaram pelo cargo somente Leão Veloso teria sugerido a construção de açudes,
ele então compara a situação do Rio Grande do Norte e da Paraíba com o do Ceará no qual,
em sua visão, desde muito cedo tanto a iniciativa pública quanto privada já empregava ao
açude uma centralidade no combate ás dificuldades trazidas pelas estiagens.
No mesmo texto, lembra então dessa relação de companheirismo entre os três estados
sobretudo no sentido de cooperação intelectual. Sendo o estado mais bem preparado para as
intempéries do período calamitoso o do Ceará. Uma espécie de modelo na aplicação de
técnicas e métodos para a construção dos açudes, melhor aplicação dos recursos públicos na
visão de nosso autor.

A maior e mais larga assistência dispensada a essa Província em 1877, contrastando


com a parcimônia dos gastos aqui e na Paraíba, é um fato de indispensável
evidência. A explicação está no prestigio dos seus representantes e maior irradiação
política e intelectual da Província. Devido a essa circunstância foram para o Ceará,
naquela ocasião, engenheiros notáveis, afamados jornalistas, estrangeiros de acatado
valor cientifico[...]. Aquela campanha, parecendo unilateral, foi em verdade, o
primeiro brado pela redenção do Nordeste; e é ao esforço e à atividade do cearense
que devemos o início de uma cruzada, na qual a fraternidade no transcurso dos anos,
nos uniu para a vitória infalível (SOUZA, 2009.p. 148).

Como linha de frente aos problemas causados pelo clima, Eloy de Souza toma partido
em uma visão que já vinha em certos lugares sendo empregada e valorizada a algum tempo
pelos habitantes da região, a construção de açudes. Semelhante ideia não é original de Souza,
como bem podemos perceber na obra de Phelippe Guerra Secas contra as Secas (1909) que
reuniu escritos do autor primeiramente publicados na imprensa Diário de Natal nos primeiros
anos do século XX e que já aconselhavam a açudagem sendo uma solução.
Na perspectiva de Eloy de Souza, o problema maior do sertão não era necessariamente
a falta de chuvas, mas sim o mau proveito que se faz da chuva que cai nos anos de bom
inverno.

Muitas vezes acontece (eu tenho testemunhado o fato) uma ou duas chuvas bastarem
para fazer transbordar todos os riachos e rios, sem proveito para as plantações,
enquanto que um excelente inverno criador, abundante e farto, não chega sequer a
encher os pequenos lagos existentes nas fracas depressões das chapadas. Conhecido
o relevo do solo sertanejo, sua impermeabilidade, a miséria da vegetação dos
tabuleiros, o declive destes para o talweg dos rios e dos rios ainda mais acentuado
para o mar, denunciando um fraco regime torrencial, claro é, Sr. Presidente, que a
natureza está indicando ao homem que o único meio de retardar a precipitação das
águas é fazer a açudagem onde e como for possível. (SOUZA, 1906, p. 32).

Porém o que difere a abordagem de Souza para o que vinha sendo feito e recomendado
na época é a construção de um projeto que tornasse a açudagem um processo organizado e
extensivo se espalhando por todo o Sertão. Assim, construindo não apenas o pequeno e o
médio açude para servir os pequenos núcleos populacionais, mas também dando forma a
grandes barragens que teriam por finalidade além do abastecimento a irrigação das lavouras e
a possibilidade de receptação das águas em grandes invernos, o que impediria a cheia
excessiva dos rios locais e por consequência as enchentes tão mais prejudiciais ao homem do
campo do que as secas. Na Conferência de Lages que aconteceu em meados dos anos de 1919
e 1930, Souza defende esse ponto de vista dizendo que:
Essas barragens detentoras do escoamento vertiginoso dos nossos rios servirão de
muralhas contra o arrasamento das terras marginais, patrimônio formado por uma
sedimentação de séculos e destruídos em algumas horas apenas de inundação
calamitosa (SOUZA, 1930? p. 20).

A questão da técnica é altamente valorizada nos textos de Eloy de Souza, sendo


colocada como importante aspecto não apenas para diminuir os efeitos das secas como
também para fazer girar a roda do desenvolvimento no Sertão. Esta sua inclinação vem dos
ideais defendidos no âmbito do Instituto Politécnico, quando em 1909 é fundada a Inspetoria
de obras contra as secas, com isso surge propostas de modernização nas construções de
açudes que até aquele momento eram feitas quase intuitivamente o que levava muitas vezes a
má qualidade do resultado final em que ou o açude não enchia ou nas primeiras chuvas mais
torrenciais estourava. Desse modo, por meio da intervenção dos técnicos a açudagem tanto
pública ou particular deveria seguir um mesmo método de forma a garantir sua eficiência.
Por último o aspecto da cultura é importante, mesmo sendo este homem engajado nas
lutas por melhorias da sociedade sertaneja, melhorias essas que apenas a tecnologia e a
ciência dos tempos modernos poderiam trazer. Eloy de Souza tornou-se um defensor da
cultura e das tradições do povo Sertanejo, isso se torna ainda mais interessante diante da
constatação de que suas raízes familiares estão no litoral húmido e não no Sertão.
Dentro de seus escritos tem destaque a sua fala Costumes Locais, pronunciada em
1909, no Palácio do governo do Estado na ocasião em que se arrecadava ajuda aos filhos de
Segundo Wanderley, sendo publicado pela Coleção Mossoroense em 1982. Porém, devemos
antes de tudo afirmar que esta não é a única ocorrência do discurso em favor dos costumes e
tradições sertanejas na escrita de Souza. Sabemos que durante o ano de 1926, publicou sob o
pseudônimo Jacinto Canela de Ferro as Cartas de um Sertanejo no Diário de Natal. Além
disso, podemos notar passagens no Calvário das Secas (2009) e na Conferência de Lages
(entre 1919 1930) que também dão conta de sua paixão por esse modo de vida e por seu povo.
É em Costumes Locais, que temos como temas os modos do vestir, do morar, as festas
dos santos e padroeiros além das sociabilidades de uma sociedade patriarcal na qual a família
e sobretudo as mulheres estavam sob constante vigilância do pai. Salienta ainda o cotidiano da
família sertaneja com o levantar ainda sedo para o início dos trabalhos, as mulheres para a
casa os homens para os do campo. Fala também dos cantadores afamados e dos vaqueiros
corajosos na sua lida diária adentrando na caatinga brava. Nota-se o seu fervor em benefício
desse povo no seguinte trecho:
Se quereis amar de um amor melhor a nossa terra, minhas senhoras e meus senhores,
ide ao sertão. Lá existem as nossas energias latentes, e lá vivem tradições que não
prezamos, uma coragem ignorada, a fortaleza dos simples, a bondade dos fortes, a
alegria dos sãos e todo o lento martírio de uma raça em desesperada luta contra a
natureza madrasta. Muito embora o constante sobressalto por infortúnios ainda não
conjurados, dá gosto de ver a naturalidade e ingênuo entusiasmo com que a gente
sertaneja celebra suas festas tradicionais (SOUZA, 1982, p. 23).

Deste fragmento é pertinente discernir uma visão sobre o sertanejo que se percebe em
Eloy de Souza. Tem-se uma certa influência do que escreveu Euclides da Cunha nos Sertões,
em sua celebre frase “o Sertanejo é antes de tudo um forte”. Logo inicialmente expressa o
pensamento de que no Sertão se encontra uma essência, algo que deve ser assim descoberto
por todo àquele que deseja de fato amar sua terra, poderíamos deduzir que o conceito de terra
aqui se refere ou ao Rio Grande do Norte ou a Nação brasileira. Quando diz que no Sertão
estão “nossas energias latentes”, transmite-se a ideia de um potencial inexplorado.
A questão da luta contra a natureza também se sobressai como um elemento de
distinção desse povo, algo que será constantemente retomado em seus textos quando defende
suas ideias sobre a açudagem. Sendo assim, o povo sertanejo é por natureza forte e destemido,
enfrenta com coragem o implacável infortúnio que meio o impôs e mesmo diante disso
mantem um contentamento.
Dentro da visão de Souza sobre o Sertão observa-se a ideia de desenvolvimento,
progresso e modernidade, na sua perspectiva, únicas vias para conceber fuga dos problemas
da população. Ao mesmo tempo defende os costumes como marcas indeléveis da índole
sertaneja. Tal questão pode passar uma grande contradição e de certa forma o é, mas tem nas
próprias palavras do autor sua explicação.

Terra viril e nobre, dentre um pouco, estremecerá sob o peso de extensas filas de
carros, fragosamente arrastados pela força das locomotivas em marcha, a paz dos
teus campos será quebrada, a serenidade das suas montanhas interrompida,
maculada a beleza das tuas várzeas, insegura a tranquilidade de teus rebanhos.
Pouco importa, porém, a mutilação da paisagem se o progresso vai minorar o
sofrimento dos teus filhos, suavizando as condições do trabalho, facilitando a
circulação da riqueza, valorizando os terrenos incultos [...]. Consola-me a antecipada
certeza de poder afirmar que saberás guardar, intangível e imutável, as tuas
peregrinas qualidades nativas. Jamais a civilização deturpará as tradições que fazem
o teu encanto e te deram essa alma forte pela bondade gerada e nutrida no amargo
sofrimento de três séculos (SOUZA, 1982, p. 30).

Não sendo então um legitimo filho do Sertão, Eloy de Souza busca se filiar a esse
meio. Para tanto vai utilizar aspectos de sua herança familiar e suas sociabilidades com a “boa
gente daquela terra”. Em Calvário das secas escreve:

Tenho, minhas senhoras e meus senhores, um culto fervoroso pelas virtudes


sertanejas, e tenho por isto feito tudo que tenho podido fazer como homem público,
por essa gente fidalga e por essa terra nobre. Uma parte da minha meninice está no
Sertão. Os dias mais alegres da juventude, neto de vaqueiros, eu vivi entre
vaqueiros, ouvindo-os contar os lances arriscados da profissão, assistindo e muitas
vezes acompanhando – os na pega do gado manso ou arisco, neste entusiasmo febril
que me fazia segui-los, inconsciente do perigo, através o juremal embastido os
baixios, ou rompendo os cardos dos tabuleiros pedregosos. O Sertão de minha
juventude! Fase das amizades cuja firmeza a própria morte não tem força para
sequer amolgar, tal o poder miraculoso de um sentimento para qual a eternidade não
chega a ser separação. Fase alvissareira em que ao contato dessa boa gente, pude
sentir a bondade na plenitude da sua beleza, a coragem magnânima, a solidariedade
capaz de todos os sacrifícios (SOUZA, 2009, p. 27).

Apesar de ter verdadeiramente como avó um vaqueiro, e ter passado a infância em


meio a fazendas, a ideia de Sertão aqui não é a mesma daquela que será por ele
posteriormente divulgada. Esses vaqueiros e essas fazendas são localidades em Macaíba e
Recife, regiões reconhecidamente ligadas ao litoral, muito embora, aspectos como fauna e
flora, práticas culturais e tradições da pecuária possam ter semelhanças nas duas regiões. Por
isso, notamos que Souza faz um esforço discursivo para ligar suas raízes familiares ao Sertão.
Mesmo que na vida adulta, sobre maneira no decorrer da vida política entrará em contato com
muitos homens do Sertão sejam eles políticos ou pessoas do povo, andará pelos Sertões e
nesse sentido podemos entender seu fascínio por este lugar.
Contudo, o esforço feito por este sujeito em se filiar ao Sertão tem um caráter político
forte como apontou Filgueira (2009). Ora, Souza, já vimos anteriormente, entra para a política
por meio do aval de Pedro Velho, líder e fundador do Partido Republicano do Rio Grande do
Norte é chefe de uma das organizações familiares mais poderosas durante a Primeira
República. É também o representante de uma política feita a partir de Natal, tornado centro da
política e intelectual naquele período o que foi demonstrado por Peixoto (2010).
Quando ocorre a ascensão da facção do Seridó, entre 1913 e 1915, promovida por
Juvenal Lamartine e José Augusto temos então uma nova organização no poder que erradia
sua força do Seridó no Sertão. Nesta situação, Souza e Lamartine eram colegas de bancada na
Câmara dos deputados, ou seja, ele viu de perto essa ascensão e pelos rumos que tomou daí
por diante, só podemos concluir que soube lidar com essas mudanças de ares e manter sua
posição dentro do partido. É nesse ambiente que preiteia no discurso de 1906 advoga ao
mesmo tempo em defesa dos sertanejos atingidos pela seca e a construção de um porto em
Natal, se colocando a serviço tanto do litoral como do Sertão.
Outro elemento político por trás do discurso de Souza sobre os costumes tem a ver
com a legitimação necessária ao líder político. Sendo então, filho do litoral, ao se propor tratar
dos problemas da seca e do Sertão é de suma importância a construção de um lugar de fala, de
uma identificação com aquele espaço, que era “natural” para os líderes da facção do Seridó,
nascidos e criados no Sertão.
Nessa perspectiva a inclinação de Eloy de Souza para o estudo e a disseminação dos
costumes e tradições sertanejas vem de uma necessidade de afirmação no cenário político de
sua época como uma estratégia que buscava a coalização dos poderes em voga naquele
contexto, e sua própria sobrevivência na arena política do estado.
Partindo agora para Lamartine destaca-se o texto As secas do Rio Grande do Norte:
Medidas contra seus efeitos meio e população (1910), publicado no jornal O Mossoroence.
Será discutido neste estudo a sua publicação de 1999 da Coleção Mossoroence. Este traz uma
visão alarmante sobre os efeitos do fenômeno climático sobre as populações do Rio Grande
do Norte propondo estratégias contra o problema. De início traça um panorama histórico das
secas desde o período colonial até o início do século XX, sua contemporaneidade.
Une, em um mesmo destino o Rio Grande do Norte e os estados da Paraíba e do
Ceará, neste sentido ele também pensa na seca como um denominador comum entre os
estados atingidos, e se não faz uma delimitação mais ampla é por que talvez, busca focar nas
experiências mais próximas ao RN, por isso a escolha dos dois vizinhos.
O mais interessante é que essa tríade é colocada como aquele espaço histórico das
secas sendo por elas atingidas desde o início de sua colonização, com o tempo outros estados
vão sendo alcançados e assim fazendo parte do território seviciado. Temos aqui uma dinâmica
de formação regional do que seria o Nordeste formada a partir da experiência das secas que
encontrará seu auge nos contratos da Inspetoria de Obras contra as secas.

Deve-se, portanto, ao Governo fecundo do Sr. Dr. Rodrigues Alves e seu


competente e ativo ministro da Viação, Dr. Louro Muller o primeiro passo para a
solução de um problema muito sério, que não interessa somente aos Estados
atingidos periodicamente pelas secas, mas a todo Brasil. A zona das secas dilata-se
de um modo sensível e rápido, alcançando para o Norte o Piauí, e ao Sul – os
Estados da Bahia e Minas, que nos primeiros séculos do descobrimento do nosso
país desconheciam os efeitos desse caustico terrível aplicado, de vez em quando, ás
populações do Ceará, Rio grande do Norte e Paraíba (LAMARTINE DE FARIA,
1999, p. 9).

Em sua escrita aflora o sentimento por todas aquelas vítimas do flagelo pintando cenas
de morte e desespero dos retirantes, salienta-se também o descaso do poder público para com
as vítimas que ao invés de terem suas demandas de abrigo e socorros atendidas são mandadas
compulsoriamente para o extremo Norte do país, onde engrossam as fileiras do trabalho quase
escravo em condições sub-humanas dos seringais. Neste sentido também lamenta a perda de
incontáveis vidas destes sertanejos, mais dignos de ajuda do que os estrangeiros que naquela
época de início do século eram atraídos para se instalarem no Brasil junto com incentivos
governamentais.
Além disso, vemos despontar uma forte defesa de uma índole sertaneja, que mesmo
diante da profunda fome e miséria não encontravam caminho no roubo ou no crime. Essa
essência sertaneja vai estar presente também no texto Em defesa do Nordeste (1916), sendo
aqui trabalhado por meio de sua incorporação na obra Memórias das Secas (1980). Neste
texto Lamartine expõe seus argumentos para o desenvolvimento da região tomando para tanto
na via econômica o algodão e a açudagem e no aspecto social a ampliação do ensino básico e
técnico. Ele argumenta contra o senso comum, da época que dizia ser o sertanejo um povo
indolente sua natureza é pelo contrário disposta ao trabalho e em muitos casos mais
empenhada do que a de muitos povos, considerando as dificuldades impostas pelo meio.

Filho do nordeste Brasileiro, dessa grande região constantemente flagelada pela


maior das calamidades – a seca – acrisolou sê-me o amor que tenho à minha terra e
ao povo que o habita, pela resistência estoica e pela coragem admirável que os
nossos patrícios revelam na luta ingrata contra um mal que eles não podem evitar,
mas que já teria sido curado, se a solução de problemas como esse fosse encarada,
entre nós, como tem sido por outros povos, que os tiveram de resolver em
condições, senão piores, pelo menos idênticas ás nossas (LAMARTINE DE FARIA,
1980, p. 114).

Concomitantemente a isso vai defender fervorosamente a cultura do algodão mocó,


seridoense como uma economia viável sendo melhorado para tornar-se mais competitivo no
mercado internacional, através de estações experimentais. Junto a cultura algodoeira nas
vazantes dos açudes Juvenal Lamartine propõe que se intensifique as culturas da batata e
feijão no sentido de garantir a segurança alimentar sertaneja.

Essas qualidades reconhecidas e proclamadas por todos quantos lidam no nordeste,


se acham aliadas a um grande fundo de honestidade e a uma inteligência vivíssima,
mesmo no homem mais incauto. Temos, portanto, os dois fatores mais importantes
de prosperidade e riqueza: Terra rica e dadivosa e povo bom. A terra porém, falta
muitas vezes água, que é elemento indispensável para que vegetem as sementes que
recebe em seu seio. Ao homem falta tudo: educação prática, meio de transportes
rápidos e baratos, credito agrícola, e mais do que tudo isso- uma assistência eficaz,
por parte dos poderes da União, que cerca de todas as garantias o imigrante
estrangeiro a começar do porto de embarque na Europa, até às fazendas do sul do
Brasil. O nacional é um paria no seio da própria Pátria (LAMARTINE DE FARIA,
1980, p. 119).

Juvenal Lamartine foi um defensor dos novos tempos como forma de desenvolvimento
da região. A ciência ajudaria no melhoramento das culturas do algodão, e na construção das
barragens e rodovias que garantiriam a circulação de pessoas e mercadorias. Além disso,
defendeu a melhoria da educação básica e técnica dando maiores potencialidades ao espirito
do homem Sertanejo, isso segundo Macêdo (2002) pode ser entendido dentro de uma lógica
de reconstrução simbológica do Sertão, deixando para trás o legado agropecuário para
enxergar no futuro o que representava o algodão e a agricultura irrigada.
Da mesma forma que Eloy de Souza, Lamartine demonstrou apego aos costumes da
região e ao passado do Sertão. Em seu livro Velhos costumes do meu Sertão (1965), obra
póstuma, descreve a partir de suas memorias, aspectos marcantes do cotidiano do Seridó de
antigamente marcado pela pecuária, a religiosidade o paternalismo e a luta constante pela
sobrevivência nos tempos de estiagem. Salienta logo de início que o seu relato é de um espaço
em franca transformação cuja cultura merece ser descrita para a posteridade.

As transformações sociais e econômicas que se vão processando no Brasil estão


alcançando os Sertões mais distantes, modificando costumes e alterando hábitos que
pareciam indelevelmente encrustados na alma do povo. O tempo vai apagando, mas
rapidamente do que era de supor, essas características, graças, sobretudo, aos meios
rápidos de transporte e de comunicações – o automóvel, o avião, o telegrafo e o
rádio. Urge que fixemos, com fidelidade, de como viviam nossos antepassados, a
fim de que as gerações futuras possam conhece-los e compreender melhor a sua
evolução (LAMARTINE DE FARIA, 1965, p. 13).

De modo semelhante a Eloy de Souza, tratar da cultura sertaneja em Juvenal


Lamartine tem um rastro político. A principal diferença entre os dois é que enquanto Souza
tentava construir sua ligação com o Sertão por meio do discurso, Lamartine já possuía de
certa maneira esse lugar de fala autorizado por sua raiz no Seridó e uma ligação tanto por
sangue quanto por casamento com afamados coronéis da região a saber, seu pai Clementino
Monteiro de Faria e seu sogro Silvino Bezerra de Araújo Galvão.
Ao relembrar essa ligação com o Sertão, Lamartine também está se legitimando como
líder político da região como um representante legítimo e conhecedor de seu povo, sua terra e
seus costumes, tal legitimação ganha importância estratégica em três momentos fundamentais
de sua carreira. O primeiro na ascensão do grupo do Seridó, entre as décadas de 1913 a 1914
como aponta Macêdo (2002), quando passa a servir de elo de ligação entre os membros do
grupo pela origem e pertencimento. Num segundo momento, durante todo o processo que vai
levar a fundação da Inspetoria de obras contra as Secas em 1909, e a lei Epitácio Pessoa de
1911, que como já vimos serve ao propósito de lugar de fala e legitimação do líder político,
na forma de representante do povo. E por fim, quando já derrubado pela Revolução de 1930,
esse discurso de pertencimento vai ser fator importante para a construção de sua memória
pública como pode ser visualizado nos depoimentos presentes no livro, Juvenal Lamartine de
Faria 1874/1956 (1994). Em todos estes contextos, a figura do governante é voltada para o
futuro mas com suas raízes fortemente cravadas no solo sertanejo.
Palavras finais

Pela análise empreendida neste estudo é possível concluir que o espaço sertanejo foi
um catalizador importante para a construção das narrativas políticas, econômicas e sociais
criadas por membros das elites do Rio Grande do Norte durante as primeiras décadas do
século XX. Dentro dessas narrativas destacam-se o esboço da região Nordeste, as grandes
obras públicas de irrigação e modernização, e a valorização das práticas culturais ou como
aponta Albuquerque Junior (2013) a invenção do folclore e da cultura popular.
Dentro dessa perspectiva o espaço do Sertão com suas características mesológicas
permitiu se constituir todo um discurso de emergência permeada pela ideia da seca e das
misérias econômicas e humanas causadas por ela. Sendo também responsáveis pela geração
de uma cultura impar que produziu o vaqueiro encourado, a culinária primorosa, a
sociabilidade rústica e solidaria e todo um mundo de tradições cravadas tão fundo na alma da
sua gente que nem mesmo a distância e tempo seriam capazes de apagar. O homem sertanejo
é visto na dimensão do forte e do potencial, é também uma categoria útil na construção de um
projeto econômico modernizador que pretende tornar esse homem um vetor de
desenvolvimento para a nação.
Essas questões foram vistas por meio da escrita de Eloy de Souza e Juvenal Lamartine
de Faria, homens que deslizavam confortavelmente entre suas carreiras políticas a práticas
intelectuais e que se comportaram de maneiras semelhantes nessas duas esferas. Foram
indivíduos que se mantiveram na linha entre o passado e o futuro e que vivenciaram alguns
dos momentos mais eufóricos da história política do Rio Grande do Norte. Suas respectivas
memórias públicas, trabalhadas e retrabalhadas por amigos e familiares permitiram que sua
imagem de verdadeiros sertanejos e homens públicos engajados, sobrevivessem mesmo diante
da derrocada política, da morte e do tempo.
Um exemplo marcante desse estado de coisas é Oswaldo Lamartine de Faria, filho de
Juvenal Lamartine. Pela trajetória política conturbada do pai, ele buscou em muitas ocasiões
se colocar como avesso a pratica política. Por outro lado, tentou se aliar o máximo que pode a
face intelectual de seu pai desenvolvendo os mesmos temas que ele na pesquisa das tradições
sertanejas, e tendo para com esse espaço um apreço profundo. Sendo um membro dessa elite
desterrado no Rio de Janeiro, sua assimilação do espaço e da cultura sertanejas tem a ver com
uma afirmação identitária ligada a trajetória familiar, a ligação passional a terra natal e a um
desejo de conservação de seu legado cultural. Para esse aspecto não apenas o Lamartine pai
contribui, mas outros intelectuais que se preocupavam com as mesmas temáticas, entre eles,
Eloy de Souza. Entretanto, por mais impermeável que pareça a escrita de Oswaldo Lamartine
no que tange ao político, alguns elementos dessa natureza se instalaram no seu discurso.
Em Sertões do Seridó (1980), sua mais conhecida obra, ele também assume apequena
e media açudagem como solução para os problemas do Sertão, reconhece que as técnicas
tradicionais para a construção de açudes, por mais interessantes que sejam, não são as mais
vantajosas. Valoriza e acredita na cultura do algodão mocó do Seridó, e concordando com a
implementação de estações experimentais para melhorar essa cultura naquela região. Isso
permite concluir que, de fato o projeto de região levantado por Souza e Lamartine foi
eficiente em se perpetuar nos meios políticos e mesmo até nos que se pretendem ante
políticos.

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