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DUSC
•v r lu i.im i
separadamente.
Jean Delumeau
doutorou-se em História (1955) com uma '
Coordenação Editorial
Ir. Jacinta Turolo Garcia
Coordenação Executiva
Luzia Bianchi
(
J e a n D e l u m e a u
o pecado e
o me do
. *
c u l p a b i l i z a ç a o n o o c id e n t
( s é c u l o s I 3 7 I 8 )
T ra d u çã o de
Á lv a ro L o re n c in i.
EDUSC
Editora da Universidade do Sagrado Coração
EDUSC
Ed ito ra da U n ive rsid a d e do S a g ra d o C oração
CDD 241.309
Introdução
9 Uma história cultural do pecado
* ‘ i
PARTF. 1 - Macabro e pessimismo na Renascença
C apítulo 1
19 O desprezo do mundo e do homem
Capítulo 2
69 Do desprezo do mundo às danças macabras
C apítulo 3
16 1 Ambigüiclade do macabro
Capítulo 4
213 Um mundo pecador
C apítulo 5
273 Um homem frágil
C apítulo 8 '
461 O pecado original
C apítulo 9
537 A massa de perdição e o sistema do pecado
C apítulo 10
579 O “mal-estar” religioso
pro lacio h
edição brasileira
7
nao lemos nenhum direito de julgar as pessoas, ou de illxer que
leriamos leito melhor em seu lugar”.
Se devo dar uma chave de leitura para o conjunto de mi
nha produção histórica, eu elida que desejei proporcionar ao pú
blico uma erudição pacificadora.
Je a n Delum eau
Cesson-Sevigne, 2002.
8
introdução
uma história
cultural do pecado
í)
lo, bourclulouc escrevia: "Nao é absolutamente mu parailoxo,
mas uma verdade certa, que nao temos maior inimigo a temer do
que nós mesmos; como assim?... Fu sou... mais temível para mim
mesmo do que todo o resto cío mundo, já c]ue só cabe a mim dar
morte ã minha alma, e excluí-la do reino de Deus”.3 Lefévre d’Eta-
ples e Uourdaloue levavam ao extremo de seu sentido o texto de
Sao Paulo que pede ao cristão para libertar-se de seus maus ins
tintos e elevar-se acima das baixezas de si mesmo.
Icsse discurso religioso seguia a ,linha de uma tradição as-
■r||i a. Mas ligava-se também a duas outras afirmações continua-
iii''lili' repelidas, sobre as quais O medo no Ocidente colocqu
lo. la a sua ênlase. A primeira ligava pecados dos homens e pu
ní. oi , coletivas enviadas por um Deus colérico. Os bispos e os
pi< gadoies nao eram os únicos a dar essa relação com o eviden-
i. <)•. i heles de listado viam as guerras como castigos celestes
pata os pecados dos povos e Ambroise Paré descobria por tras
da peste e da sífilis a cólera divina.4 E havia até mesmo redatores
de almanaques que compartilhavam e difundiam essa convicção.
Fm I57.5; um deles fazia a seguinte advertência, colocada na boca
do próprio Deus para ser melhor entendida:
10
sangue, cxlitisoes, saques, roubo,x e opressões: e ale com pestl
léñela e doenças desconhecidas",
Um almanaque de 1393 retoma o mesmo lema: "Sito certamen
le nossos execráveis pecados c nossa deplorada e desesperaria
obstinação em toda sorte de maldades, pela qual irritamos nosso
bom Deus cada ve/ mais contra nós".'
i:í
locar-se no centro ck* um universo humano. E destacar ao mes
mi) lempo um conjunto de relações e de atitudes constitutivas de
uma mentalidade coletiva. É encontrar a mediação de uma socie
dade1 sobre a liberdade humana, a vida e a morte, o fracasso e o
mal. h descobrir sua concepção das relações do homem com
I>cus e a representação que ela se fazia deste último., E, portan
to, dentro de certos limites, empreender conjuntamente uma his
toria de Deus e uma história do homem. Deus é sobretudo bom
ou sobretudo justo? Durante vários séculos, uma civilização intei-
i .i interrogou-se incessantemente sobre essa questão. Quanto ao
homem do Ocidente, submetido a uma culpabilização intensiva,
ele foi levado a aprofundar-se, a conhecer melhor seu passado
pessoal, a desenvolver sua memória (nem que fosse apenas pela
pratica do exame de consciência e da “confissão geral”), a preci-
•..ii Mia identidade. Uma “consciência culpada” desenvolveu-se ao
mesmo lempo que a arte do retrato. Ela acompanhou a ascensão
tio individualismo e do senso de responsabilidade. Existiu certa
mente um vínculo entre senso de culpabilidade, inquietação e
.criatividade.
Seja-me permitido, então, avançar três considerações para
evitar que o leitor compreenda mal meu objetivo:
• Menos do que julgar o passado, o historiador deve fazê-lo
ser compreendido. Ainda que a presente obra toque inevitavel
mente a sensibilidade de nossos contemporâneos, ela pretende
ser primeiro um inventário histórico sobre uma época que se
afasta rapidamente de nós. É o registro de um fato cultural maci
ço, a saber: um profundo pessimismo que marcou o próprio pe
ríodo da Renascença. Esse registro ocupará a primeira parte do
livro. Dos fatos, nós remontaremos em seguida às causas segun
do o método da história regressiva. Toda a segunda parte escla-
rcccrá então, ao mesmo tempo, a doutrina do pecado e a inves
tigação tio universo da culpa, com o era praticada antigamente.
Mas a doutrina provoca forçosamente uma pastoral, de maneira
que osla nos ocupará num terceiro momento. O círclilo então se
lei liara, porque a pastoral disseminou o pessimismo, mas o pes
simismo motivou a pastoral. Com efeito, uma e outro jamais ces
sai.im tle influenciar-se reciprocamente.
• A segunda consideração refere-se à relação do historiador
com sua pesquisa. Tornou-se claro para nossos contemporâneos
que os historiadores,não são “ausentes”. Voluntariamente ou nào,
i'I("t se implicam ii.i sua pesquisa e se engajam nas suas conclu
soes. I melhor dizei isso com toda a clareza. Nao dissimularei,
então, meu próprio sentimento sobre o Inventario que apresento
.n|iil. Eu creio <|iie o pecado existe. Eu constato sua presença em
mim. Além disso, nao vejo com o eliminar a idéia de uma "fallía"
nas origens, cujo traço nós carregamos inconscientemente: aqui
l<> que freutl lào bem sentiu e tentou explicar, "'ludo se passa,
dizem ao mesmo tempo Bergson e Gouhíer, como se houvesse
no homem um defeito original.”14 Meu livro nao deve, portanto,
ser compreendido com o uma recusa da culpabilidade e da ncecs
sária consciência do pecado. Em compensação, eu creio que ele
laui sobressair a presença de uma pesada “superculpabilizaçao"
na história ocidental. Entendo pór “superculpabilizaçao" todo dis
* urso que maximiza as dimensões do pecado em relação ao pci
dao.1, E essa desproporção - e somente ela - que fornece a ma
leria da presente pesquisa. Mas essa desproporção pesou multo
hierre de Boisdeffre faz um Goethe do século 20 dizia: "A IU d<n
cao deveria ter libertado o homem da angústia, mas a lgic|a <•m
linua a impor um exame de consciência que a aproxima»,a" da
morte torna insuportável. Haveria tantos chamados e tao pou< <•-,
escolhidos, não é mesmo? Um ‘número infinitamente pequ< 11*•
diz Julien Green. A sucessão das gerações teria apenas agt.n ado
as consequências cio pecado original. Deus só existida para con
denar e para punir! Que horrível interpretação do papel do hall
<) inferno, o purgatório... por que todos esses suplícios infligidos
i-m nome do amor? Quem amou, nem que seja uma só vez na
vida, não é digno de ser amado para a eternidade?”.1" Semclhan
ir imagem de Deus efetivamente existiu... durante séculos. Daí a
necessidade de distinguir entre temor filial e reverencial de I)eus
e medo de Deus. Meu livro sõ tratará deste último e não põe em
causa as sentenças judeu-cristãs mais autênticas: “Feliz daquele
que teme o Senhor” (SI 128); “A misericórdia de Deus estende-se
sobre aqueles que o temem” (Magníficat). Em compensação, as
ir>
páginas que irão ler mostrarào o desvio que se produ/lu tio te
mor de Deus ao medo de Deus.
• A terceira consideração anunciada é esta: nós, os homens
do final do século 20, temos todas as razões para sermos modes
tos quando somos tentados a “culpabilizar” os culpabilizadores
eclesiásticos de antigamente. Nossa época fala constantemente de
“desculpabilizaçâo” sem perceber que jamais na história a culpa-
bilizaçào do outro foi tão forte quanto hoje. Num país todavia de
mocrático como a França, direita e esquerda acusam-se recipro-
i .1mente dos mais pesados pecados políticos. E, nos Estados sub
metidos ao jugo totalitário, a denúncia do adversário - capitalis
ta ou soc ialista, reacionário ou progressista - legitima a tortura e
levou a morte milhões e'milhões de homens. Em matéria de su-
peivulpabilizaçao, nós, infelizmente! ultrapassamos nossos ances
trais, e de longe.
A pesquisa histórica cujos resultados vão ser lidos agora
nao letia podido chegar a bom termo sem as múltiplas contribui
ções de amigos que me forneceram textos, referências, sugestões
c críticas. Assim, durante os desenvolvimentos e nas notas, fiz
questão de agradecer às pessoas que me forneceram as indica
ções que utilizei. Mas, no iníció deste livro, insisto em transmitir
a indos os meus amigos e colaboradores minha profunda grati
dão e exprimir meu reconhecimento particular a Angela Arms-
liong <• a Sabino Melchior-Bonnet, que estiveram estreitamente
a tsoí ladas a realização deste livro.
I(i
I parte 1
macabro o
I pessimismo
[ na renascença
> . ■- v '
capítulo I
o desprezo do
mundo e do homem
um tem a antigo
No curso da historia crista, exame ele consciencia de um
laclo, severidade para com o homem e o mundo de oulin l.ulu,
apoiaram-se um no outro, reforçaram um ao outro. Dai a no ■ ■
sidacle, num quadro sintético com o o nosso, de co1ck.ii <> un du
de si mesmo no afresco mais ampio do pessimismo.cnropcu
O desprezo do mundo e a desvalorização do homem um
carregando o outro - propostos pelos ascetas crislaos, lint .mi
suas raízes 'certamente na Bíblia (Livro d e j ó , Eclesiasies), m.r.
também na civilização greco-romana. Este tema é desenvolvaI"
notaclamente por Plutarco, que remete ele próprio ã llidiUi oiuli
se lê: “Nada é mais miserável do que o homem entre ludo o que
respira e se move”.1 Um mosaico de Pompéia lembra (|ue Mors
om nia aequat. Uma antropologia dualista principalmente orí i
ca, platónica e depoi$ estoica - introduzíu.-se desde os primeiros
séculos do Cristianismo na mensagem bíblica dos grandes douto
res capadócios, em Santo Agostinho e em Boécio.2 O “hiperespi
ritualismo” oriental, infiltrándose dentro, do Cristianismo, levou a
modificar o sentido de certas passagens de São Paulo, a insistir
1. PLUTARQUE. Traites de m ótale (n. 34), Col. Budé, VI, 1, p. 214. Iliadc.
XVII, v. 446-447.
2. Os grandes doutores capadócios, isto é, São Basilio de Cesaré ia, São ( iregó
rio de Nazianzo e São Gregorio de Nissa. A Consolação da Filosofía de Boéi io
(480-524), também está todá impregnada de neoplatonismo. Sobre a militen
cia exercida pela Antigiiidade paga sobre a doutrina do contem plas rnundi, el.
BULTOT, R. Les Philosophes du paganisme. Docteurs et exemples du con
iemptus rnundi pour la morale médiévale. In: Studia gratiana, XIX, Roma,
1976: Miscelânea G. transes, I, p. 101-122. Ver também a nota seguinte.
ID
sobre o corpo prisào c a esquecer a criação do homem tal como
dcscrila pelo Gênesis.' Evocando a alegria inefável da visão lace
a lace, Sao Paulo (JC or 13', 12; 2Cor 5,1-8) não a apresentava
como um retorno a uma situação primeira da qual o homem te
da sido privado, mas como uma ultrapassagem do estágio pré
senle I Igualmente estranha ã Bíblia a noção de uma queda no
sensível e no múltiplo. Por outro lado, esses dois ternas provêm
<li >platonismo e de sua posteridade. Mesclados com o Cristianis-
im i, eles levaram a duradoura nostalgia de um primitivo homem-
.1111<i '.i ui sexualidade, “espiritualizado”, dedicado à pura contem
plai 11• I >.11 o sucesso persistente da idéia, já presente em Santo-
\e,' isiliiln i e amplamcntc aceita no século 12, de que o homem
l"i ' liado paia substituir os anjos caídos na cidade celeste.
I sse desconhecimento da realidade objetiva do homem e
da auleiillcldade da imanência teve como corolário a negação
pela maioria dos teólogos e moralistas cie um estilo de existência
i speclllcamente humano e a definição daquilo que Robert Bultot
i llama de maneira voluntariamente contraditória uma “antropolo
gia angélica’V' lista última viu-se reforçada em Santo Agostinho
pela afirmação de que a natureza é instável, podendo Deus nela
intervir a todo instante.s Ela não possui solidez interna. Como a
riem ia a teria tomado para si? - um raciocínio do qual Montaig
ne se lembrará. Robert Bultot6 observa com razão que p doutrina
do desprezo do mundo derivou de uma cosmología antiga que
deprei lava a tiara a duplo título. Segundo ela, o mundo sublunar
•«põe se a parle sideral do universo, os corpom inferiora , isto é,
20
i |Mili- baixa tío cosmos aos e o e le s lta . Sol) a írosla terrestre, so
lia o Inferno. Ora, si* a Ierra ocupa assim a parle Inferior e m.ils
t ulgai tío m undo e porque cía e constituida de uní elemento me
ni r, n<»bre t|ue os lies oulros (ar, logo i* agua). Toda a Idade Me
día adolara essa cosmología. Daí a tentação de pensar cum Ma
<n iblo, comentarista no século 4° do S o n h o d e C ipicto , (|iie a alma
e' liada do mundo celeste é prisioneira sobre a terra. Enfim, a su
luvaliaçao da natureza foi inseparável de uma depreciação do
lempo, herança também da tradição helénica. As coisas terrestres
sao vas porque fugazes.789Montaigne estimará igualmente que o
lelativo e o fugidio são sem consistencia. Cl. Tresmontant notou
(listamente a propósito dos Padres da Igreja: “A descoberta do
que significa o tempo não será possível antes que uma reflexão
•.obre a experiência cósmica, biológica e histórica permita estabe
lecer o sentido da temporalidade. Embora tivessem diante dos
olhos a Bíblia e se nutrissem dela, os padres difícilmente esi apa
rain do esquema neoplatónico que abóle o tempo real. Sera pn
i iso esperar os tempos modernos para que uma reflexão sobn a
duração real possa fazer-nos escapar ao velho sistema míllt u e a
clico (pie o neoplatonismo legou à filosofía ocidental”."
Desde o século 4o, a teoria do desprezo do mundo esia cm
vigor entre os diretores dé consciência do Cristianismo. I cl.no
qué na obra abundante de Santo Agostinho encontramos loma
das de posição menos pessimistas. Peregrinos sobre a ierra, a i a
minho de nossa verdadeira pátria, devemos todavia aceitar, diz
ele em suma, a íntima dependência que nos liga ã vida. Eoi pos
mvcI escrever que a Cidade de D eus, longe de ser um livro sobre
a luga do mundo, ao contrário, versa principalmente “sobre nos
so dever no quadro dessa existência mortal que nos é comum","
Como viver no mundo, separado do mundo: pode parecer esse
o objetivo confessado da obra. Do mesmo modo, a admiração e
o elogio da natureza não estão ausentes aqui. Com efeito, Santo
Agostinho consagra um dos últimos capítulos da Cidade de D eus
One dizer, esc reye ele, ... deste brilho vivo da luz e da magni
ficencia do sol, da lua e das estrelas; da sombria beleza das flo
restas, das cores e do odor dás flores, da multidão de pássaros,
i .Id diferentes de canto e plumagem; da diversidade infinita dos
animais dos quais os menores são os mais admiráveis? ... Que di
ta desses suaves zéfiros que temperam os calores do verão?
I . d< tantas espécies de vestimentas que nos fornecem as átvores
c i is animais?,.. I'. se todas essas coisas nada mais são que conso
lai i H • dos miseráveis condenados que nós somos, e não a re-
. iiuípcns.i dos bem-aventurados, o que Deus dará aqueles que
ptrdrsllnou a vida, se ele dá essas coisas àqueles que predesti
nou a morte?*1"
13. C idade de Deus, XXII, 22, p. 645. Citado em SELLIER, P. Pascal et saint
Angustia. Paris: A. Colin, 1970. p. 234.
14. DELUMEAÚ, lean. Di P airen Occident: Une cité assiégée. Paris: Eavard, I97H.
p. 252-253.
15. Esta exposição a partir do D ictiohnaire de théologie bibli<]ue. Paris: < cri,
1971. Col. 784-791.
2B
Adào aperfeiçoá-lo com seu labor (Gn 1,28). Por oulro lado, se
é verdade que ele foi atingido pelo pecado, ele será plenamen
te regenerado no último dia ao mesmo tempo que a humanida
de (Ap 21,4), pois os destinos de um e outro estáo ligados para
sempre. Sua regeneração comum por sinal começou desde que
0 Filho de Deus veio à terra. Ele “tirou o pecado do mundo”
(Jo 1,29), deu sua vida pela vida do mundo (Jo 6,51), reconci
liou com ele todos os seres, refez a unidade do universo dividi
do (Cl 1,20). Certamente a humanidade nova resgatada pelo sa
crifício de Jesus só atingirá sua plena estatura no final dos tem
pos. Por ora, ela ainda pena por um caminho difícil, à espera de
um parto doloroso (Rm 8,19; Ef 4,13). Mas, ao termo cia longa
provação, explodirá a alegria sobre a terra que não conhecerá
mais o ódio nem as lágrimas. Quanto aos discípulos de Jesus -
hoje como ontem eles não são deste mundo (Jo 15,16; 17,16).
Entretanto, eles estão no mundo (Jo 17,11). O Salvador não roga
ao Pai que os retire, mas apenas que os guarde do Maligno
(Jo 17,15). Porque eles têm a missão de anunciar a Boa Nova ao
mundo inteiro e de brilhar com o luzeiros (El 2,15). Se eles de
vem renunciar ás cobiças e não amar aquilo que os desviaria de
1 >eus, esse desprendimento não exclui nem o dever de construir
um mundo melhor nem o justo uso dos bens do mundo atual se
gundo as exigências da caridade fraternal (IJo 3,17).
Assim, na Bíblia, “mundo” é um termo ambivalente cuja
••IgnUlcaçáo oscila entre dois pólos opostos. Ora ela designa o
n Ino de Sala, que se opõe ao de Deus e será finalmente venci
do t ora a humanidade com a terra que lhe está ligada. Nesta
.< glinda accpçao, o "mundo” não é objeto de condenação, mas
di iedeiu,ao, e c pedido aos filhos de Adão que renunciem ao
Maligno, mas nao ao seu destino de homens. É este “mundo”
aqui que deve tornar-se diferente.16 Um dos dramas da história
11l-.ta residiu na confusão dos dois sentidos da palavra “mundo”
e na ampliação de um anátema que dizia respeito apenas ao im
perio de Sala. Essa confusão acarretou outra. Porque podemos x
desprender-nos do mundo (no segundo sentido que acabamos
de precisar), podemos até fugir dele, sem por isso desprezá-lo.
/'iif’ti pode nao ser sinônimo de contemptus. De fato o despren
dimento do mundo transformou-se mais geralmente em acúsalo .
17. Cf. SPIT ZM U LLER , H. Poésie latine clu Moyen Age. Paris: Dcscléc de
Brouwer, 1971. p. 1.798-1.800. LE GOFF, J. La C ivilisation de 1'Oceident
m édiéval. Paris: Arthaud, 1972. p. 236.
18. C f LAOS, M. D ualist Heresy in the M iddle Ages (Praga, Academia). I .1
I lave: Nijhoff 1974. notadamente p. 67-72, 252-254.
19. Conf. Théol. III, 5 (éd. WILMART, A. Auteurs spirituels et testes dévots dn
Moyen Age latiu. Paris, 1932. p. 145-146). C f BULTOT, R. /.a D octrine... IV,
2. p. 13.
ar»
Robre homem, pobre mulher, pobre homem Infeliz.
I’or (pie amas os bens deste mundo, que vão perecer?
Vaidade das vaidades,
Pudo o que existe sob o sol é vão.
Como a flor e a reiva c toda a gloria do mundo.
() mundo passará e a sua concupiscencia... ->fl
20. WILMART, A. Jean de Fécamp, la complainte Sur les fins derniéres. Re
tóte d'ascét'tque et de mystique, IX, 1928, p. 385-398. Cf. BULTOT, R. L a D oc
trine..., IV, 2, p. 22.
I. SIMTZMUIJLER, H. Poésie latine..., p. 577-579.
22. Patr. (ir., L.X, col. 724.
23. C I. notadnmente FRIEDMAN, L. J. The “Ubi sunt”, The Regrets and Ef-
lictio. M oderna l.angm gcN otes, 1957, t. 72, p. 499-505; LIBORIO, M. Con-
<)nde e.Hla o helo Al),salan de rosto admlravel?
<)nde o doce Jon.iilun, <|ue l<>i tan digno de amor?
tributi alia storia dell “Ubi sunt”. Cultura neolatina, XX, 1960, p. 141-209 <■
BULTOT, R. La D octrine..., IV, 2, p. 36, n. 20. COSTANZO, A. Time and
Spare in Villon: les trois ballades du temps jadis. In: MERMIER, G.; DU
BRUCK, E. Fifteenth Century Studies. Ana Albor, 1978. p. 51-69.
24. SPITZMULLER, H. Poésie latin e..., p. 969.
25. Ibid., p. 1.383.
26. Patr. Lat., CLIX, col. 163. BULTOT, R. La D octrine..., IV, 2, p. 1 13.
:i7
Ostia, terminava um sermão pela exortação ao'"desprezo de
tudo o que se ve”.2'
Num poema anônimo do século 13 que convida o homem
a manter-se vigilante e preparado, a vida é comparada a uma teia
de aranha que se estende ou se rasga. Fugaz e frágil, ela não
pode se pôr em segurança. Logo após essa comparação, o autor
sem dúvida um monge - afirma:
27. bar. Lar, CXLIV, col. 534 CD, cf. BULTOT, R. La Doctrine..., IV, 1, p. 77.
28. SI’ITZM UIl.ER, H. Poésie latin e..., p. 1.425.
29. Cf. BULTOT, R. La D octrine..., XV, 1, p. 37.
30. Ibid.. IV, 2, p. 22.
31. Ibul., p. 35-36.
: ih
* i|iii i <>.s rel.s o exilio o ;i morte ele ,seres queridos, ,i Infâmia e
i |>il'.,io <) homem é aberto ii desbrava. Como se pode lalar de
.iu ..iiHl< ja que a doença d mais forte que ela? Como se pode l.i
lai de sua vida ja que a morte lhe poe um termo?'1
I v.as negras considerações nao sao novas, Já o Livro de
|o tinha com parado o homem a uma madeira carunchada e a
uma roupa devorada pela traça, “lile tem a vida curta e tormén
los em quantidade” (Jó 13,-8; 14,1). O Livro da Sabedoria tinha
i olo( ado na boca de Salomão palavras, melancólicas sobre os
primeiros momentos da existência: “Prantos, como para todos,
loram meu primeiro grito. Fui criado em meio às fraldas e aos
. ulitados” (Sb 7,3-4). Esse tema encontra-se também na Historia
nal a n d de Plínio: “O homem é o único Iserl que ao nascer a na
luie/a lança nu sobre a terra nua, entregando-o primeiro aos va
gldos e as lágrimas” (VII, 2).
Mas, na literatura religiosa (principalmente monástica) da
Idade Média central, a acusação contra a vida humana atingiu
uma violência e uma dimensão novas. O Cardeal Lota rio Si gni,
que depois se tornou Inocencio III, escreveu, por sua ve/, <mu
unia bem negra um D e contemptu m undi, Sive de miseria <<•//,//
llonls bum anae onde se lc desde o primeiro capítulo: <> h«>
m e m nasceu para o trabalho, para a dor e para o medo, e o
q u e c pior - para a morte”.33 Foi talvez Jean de Fécamp quem
. primiu de maneira mais vigorosa a recusa de interessai se poi
uma existência irremediavelmente marcada pela vaidade, o pe
i ido e o sofrimento:
Vida fugaz,
Mais nociva que qualquer fera Vida do mundo, coisa imunda
Agradável só aos ímpios
Vida qur se deve chamar morte,
í.ttn' se deve odiar, e não amar Vida, coisa estúpida
Aceita só pelos loucos,
Vida do mundo, coisa doentia Eu te recuso do fundo do
Mais Ir.igll que a rosa [coração.
•Pois tu és toda cheia de sujeira.
Vida do mundo, Ibnte de labores, Do fundo do coração eu te
Angustiada, plena de dores [recuso
:io
• sisienda terrestre n.io é, portanto, desprezível, .10 passo <|ik*,
p.n.i Fierre Damien e lodos os ascetas c|uc pensaram como ele,
■la e um "exilio exterior do qual a morte liberta para fazer pene
11.11 na p.ilrlu interior”,5"
A oposição radical - e artificial - entre corpo e alma (onde
. ,1,1 se aproveita de tildo que é retirado daquele) leva lógicamen
Ir ao despiezo, e até i\ condenação da vida no século, constante
mente comparada a um mar perigoso58 onde é melhor nào se
aventurar. Já cjue nào há esperança a nào ser dos bens do céu, sp
vale a contemplação, longe das “vaidades do mundo” e das “preo-
1 upacoes seculares” - expressões de Fierre Damien59 para quem
*> laico é essencialmente um concupiscente, Passar da secularida-
de para um mosteiro, é “sair de Sodoma”.'*0 Sociedade laica e so-
1 ledade corrompida são sinônimos'*1 e nela é difícil operar a sal
:il
Agostinho, :is relações sexuais, no paraíso terrestre, efetuavam se
sem volúpia, “como as mãos se unem uma a outra”. Sem o peca
do <|ue tudo perverteu, o homem disporia de seu sexo para pro-
<l iar da mesma maneira, racional e voluntária, que ele utiliza seus
olhos, seus lábios, suas mãos e seus pés.4748Mas “depois que caiu
por sua desobediência daquele estado de glória em que foi cria
do, ele tornou-se semelhante aos animais e engendra como
<h . I sse mito de um homem primitivo sem vida sexual - de
tal nr ido que a virgindade seria uma volta à.sua “verdadeira” na-
Iui * a obteve notadamente a adesão de São João Crisóstomo,
di «uegorlo de Nlssa e de Santo Atanásio.4950Ele seguiu depois
uma Innga carreira no pensamento cristão. Pierre Damien, por
i ' nipln, r totalmente alheio à idéia de que a sexualidade huma
na pollería ser uma realidade indissoluvelmente espiritual e car
nal ( ) enlace tios que se amam é sempre corrupção da carne.
( ) desejo sexual e sua realização mancham por si mesmos. O ca
samento em si é sempre uma sujeira {soreles) da qual só o san
gue do martírio lavou São Pedro. Mesmo na procriação, o ato se
xual representa uma submissão e uma escravidão. E, em seguida
a Santo Agostinho, o monge evoca “a imunda feiúra de nossa ori
gem". () casamento, portanto, só é tolerável com o fim de pro-
11ia i Mas deflorar uma virgem, é sempre “corrompê-la”. Por con
seguinte, a castidade é preferível ao casamento. Ela é a primeira
das virtudes religiosas. Inversamente, as dores do paito consti
tuem a justa sanção de um prazer culpado em si mesmo. No D e
■<>ulein/)/n niuiulí do futuro Inocêncio III, o casamento se acha
igualmente depreciado. () ato sexual é pecado em si mesmo e
mam ha a c riança a qual ele dá a vida:
51. Patr. Lat., CCXVII, col. 702-704. Sobre a suspeição eclesiástica a respei
to da sçxualidade, cf. DELUMFAU, J. (dir.). H istoire vécue dupeuplc chrétien.
Toulouse: Privat, 1979, I, p. 230-241; contribuição de CHIOVARO, F. /.<■
M ariage chrétien en Occidente, FLANDRIN, J.-L. Un Temps pour emhrasser.
Anx origines de la m orale sexuelle occidentale. Paris: Seuil, 1983. Sur le D e con
temptu... d’Innocent III, cf. MARTINEAU-GENIEYS, C. Le Thhnc de la
morí dans lap oésiefian çaise de 1450 á 1550 (Tese de Estado, dat. Montpcllicr,
1978, p. 97-106). Eu agradeço a E. Le Roy Ladurie por ter-me assinalado este
trabalho importante c útil para o meu assunto. Esta tese foi publicada pela
( Lampión ein 1977.
I'.m peso, as montanhas...
A barbarie esmagadora tic todos os nieus pecados
Ocupa-se em me subjugar...
:j i
N iiiim hem Muja e vil oficina
l(i I<i.sle l.il >i!(;id<> de mu limbo,
|(,)iic e| ta<> medonho e láo miserável
Que meus labios nao se prestam a dizcr-te.
Mas se tens um pom o de senso, poderás bem saber
One loi estrume podre e corrompido...
() corpo frágil em <|ue te alojaste,
De onde foste atormentado oito meses e mais,
Tu saíste por urna vil passagem
h caíste no mundo, pobre e nu...
. As outras criaturas sào de alguma utilidade:
A carne e o osso, a la e o couro;
Mas tu, homem infecto, tu és pior que o lixo:
I )e ti, homem, só pode provir sanie...
De ti nao procede nenhuma boa virtude,
íls traidor, falso e malvado;
Olha para a frente e olha para tras,
Pois tua vida é igual à sombra
Que aparece rápida e rápida desaparece...^
ar>
v.nn ;io c o n t e m p la s m tin c /i. lisie cortamente existiu, nus deve ser
colocado dentro de uma espiritualidade global que compreendia
também a admiração do universo, tão viva em São Bernardo, e
um otimismo escatológico. Ele era menos uma teoria do que
uma prática e um caminho de espiritualidade. A depreciação do
temporal era necessária aos monges da época que queriam" al-
« aiu ai o eterno e dar lugar em si mesmo ao amor preferencial
p"i Deii'. I la nao impediu que muitos deles fossem letrados,
'|ii> pmmovesscm a “Renascença cio'século 12”, e que se inte-
n ■i ui pela m edicina.Enfim , o historiador faz mal em ceder
i l.o 11 t< nia<„ao do anacronismo, de julgar a espiritualidade cie
................ .... os olhos de hoje, de condenar uma cultura em
ui hio de otiira cultura.
Olíanlo i mim, eu me alinho ao lado de Robert Bultot. Os
lilsloi ladons dew m certa mente desconfiar dos anacronismos.
M.r. ao mesmo tempo, permanece válida a célebre fórmula de
hielen l ebvre: “A história é filha cie seu tempo”. É sempre em
Iiiik ao de nossas preocupações que nós interrogamos o passaclo.
Nao ha meio de agir de outro modo. A Historiografia progride
pela renovação de seu questionário. E este é sempre inspirado
pelo presente. Testemunhas cie seu tempo, alguns cristãos leigos
estudam agora a espiritualidade monástica que, como objeto de
Investigação, foi durante muito tempo uma reserva de caça dos
monges, que a apresentavam sempre de forma laudativa. Nos
dias atuais, os olhares se diversificaram. Seria um mal? Por outro
lado, os poucos textos apresentados na seção anterior provam
■ I iiaiumii que o c o n t e m p la s m n n d i não foi apenas uma prática
d. hnmlld.idi l Ir foi teorizado, generalizado, erigido em vercla-
d. tinha is.11, l le tendia a colocar um abismo entre santidade e
'ida piol.ina 1 "l ima teoria das realidades terrenas baseada ape
na ni - \,inll<is vnnHnlnm do Eclesiastes só podia ser uma teolo-
: ü)
mus ao <jlk* luí de pior”."8 Dois “contrarios” nao podem residi i
num mesmo individuo."” “A alma que está apegada a bele/.a de
lima criatura qualquer é soberanamente feia diante de Deus. E por
conscguinlc essa alma feia não poderá transformar-se na beleza;
pois ,i feiura nào atinge a beleza”.80 “Todas as graças e os atribu
lo'. das criaturas comparados com a graça de Deus são apenas
di .rui/.i soberana e soberano clesprazer”.81Jean Baruzi comparou
luslamrnlf .1 poesia mística de São João da Cruz aos seres “vola-
11I1..11 li is que povoam os cpiad ros de El Greco.82
I iin dos m.lis belos poemas, c dos mais tenebrosos, sobre
■■ mal 11111\1 1sal Ini composto na Espanha do “século de ouro”
pi lo i, hi'jn'.o Agn.siininno Erei Luís de León (1528-1591)- E foi
■- mipi - .1•' a pedido da carmelita Ana de Jesus - aquela que su
ri un 1 ‘.ao |o.in da Cruz para escrever a obra que viria a ser o
1 ,luli< v ej>lrlln<il" Ainda estamos, portanto, no espaço da mis
il- a 10 dlglilo na véspera da morte ele Frei Luís de León, o Co-
m oitiirío do lloro d e j ó só teve, então, uma audiência limitada
e so loi editado em 17 7 9. 8q Todavia, seu autor estava na época
cnlre os mais célebres professores da Universidade de Salaman
ca o que deixa entrever uma difusão considerável. Além disso,
U'Slemunho de su a notoriedade, ele foi encarregado de dirigir a
edição oficial das obras de Santa Teresa. Seu temperamento bi
lioso e nervoso o levava à melancolia. Mas a suspeitosa Inqui
sição i aslclluma deteve-o durante quatro anos e meio numa es-
1u lia plisan; ele tenia reprovado o valor da Vulgata; ele tinha
n idu/ldi» em língua vulgar o Cántico dos cánticos ; ele teria
m-mli-l-- 1- la- oes com os heréticos. Inocentado dessas três acu
10
•■KlH’.'i, ele retomou iriunliilnicnU’ muís cursos cm Snhmumea,
M.is, no seu c .ilnbouço, ele tinlia experimentado o desespero.
I . i experiência <> marcou c certamenle contribuiu para tornai
mais sombrio o Com entário (|iie ele escreveu sobre o já bastan
I» sexnbrlo Uvro de Jó.
I'rei Luís de l.eon não é insensível aa encanto da nalure
a I Ir c elebra as frescas solidóos agrestes, as pastagens semea
das de flores, as fontes jorrando e as noites estreladas. Mas, re
montando desses objetos fascinantes ao seu criador, ele aspira
i oni nostalgia às felicidades do único paraíso verdadeiro e recu
sa se a deixar-se levar pelos encantos enganadores e pelos lis
pecios risonhos das coisas deste mundo. O homem, do mesmo
modo, é apenas aparência. Jó o compara à ñor que um golpe de
vento lana e mata num instante. De fora, ele pode parecer um
I >eus imortal”, pelo seu entendimento, sua memória, sua sensl
bllidade aguda, sua habilidade e sua destreza. Mas “se chegai
mos ao que ele é de fato, é uma ñor fañada e seca, sem Irulo
nem esperança de fruto”. “É uma aranha que um sopro de ai
basta para matar”.85 Quanto à vida humana em geral, ela e api
nas uma “contínua perda do ser; uma morte que, a cada Instan
le, constitui a véspera da morte”.86 Esse é sem dúvida um t< .
Mas que esse tema tenha sido um lugar-comum no Inicio dos
tempos modernos, eis aí justamente um fato importante* no pia
no das mentalidades coletivas. E depois, Frei Luís de l.eon viveu
profundamente esse desprezo do mundo, sobretudo no seu úl
timo poema onde comenta e renova o Livro de Jó, com uma
pungente sinceridade:
II
estas palavras de Silcnc, que ficaram célebres: "A mellioi sorte e
nao nascer, e a segunda depois desta é morrer no nascimento".
I >te oceano da vida, quando está calmo deve ser temido mais
ainda: pois no meio de sua calma reside a tempestade, e sua
quietude e tranquilidade escondem ondas mais altas que as mon
tanhas... Nossa vida é uma guerra... porque está continuamente
exposta ao perigo..., os homens nos enganam, a sorte nos ilude,
os animais nos atacam e os elementos nos trazem geralmente a
morte. Quem dirá, com efeito, o grande número, a astúcia e a for
ca das coisas invisíveis que nos movem uma guerra secreta.**’
09. t II, ,i esse respeito o conjunto do livro de TENENTI, A. IlSenso delia mor
te e 1'itmorc delia vita nel Rinascimento (Francia e Italia). 2. ed. Turim: Einaudi,
1077. Cf. também Dl NAPOLI, G. Contemptus- mundi et dignitas hominis
nel Rinascimento. R ivistadifilosopbia neoscolastica, 1956, t . '48, p. 9-41.
100. TENENTI, A. II Senso..., p. 450.
101. PÉTRARQÜE. A frica, VI. v. 879-900. Ibid., p. 192.
io n io conselhelro, guia Petrarca para a villa Interior incitando'-o
a refletir sobre a morte e os bens perecíveis."u
Também nao deve snrpreender-nos c|iie Erasmo, admira
dor de Petrarca, tenha por su a vez redigido, como muitos outros,
um He contemptu m undi. lile o escreve na sua juventude, entre
I iHH I i89, no Convento de Steyn. Mas só o publicará em IS2I,
acrescentando-lhe dois anos depois um capítulo XII que parece
contradizer o espírito dos outros onze.102103 Devemos pensar como
a maioria dos comentaristas, notadamente Pineau, Telle e llyma,
i|ue o jovem candidato à glória'literária; nessa obra, tenha ape
nas se “divertido” em “exercitar” seu talento sobre um assunto
que prestava para isso? Essa declam ado que busca suas fontes ao
mesmo tempo nos antigos - Cícero, Horacio, Ovidio, Séneca, etc.
o que era novidade desse gênero de escrito - , nos Padres da
Igreja e na tradição monástica medieval, pode parecer urna colé
cao de lugares-comuns. Ela opõe as desgraças do mundo muir
reina Satã à beleza e à felicidade do reino de Deus. Afirma que
o homem natural está sujeito aos vícios. Retomando o lamí >m •a i
pos Ubi s u n t? ele insiste também sobre a decrepitude da velhii •
() mundo, mar tempestuoso e cam pus dia boli, e apresenladit
como submetido a fo r t u n a mutável e arbitraria. O anatem a < la 11
eado contra as “seduções do século”. O homem só se torna \li
tuoso se for “crucificado no mundo”, como quer Sao Paulo, A vil
vação só é obtida pela paz interior. Em que outro lugar a nao set
no claustro se encontrará o porto de repouso e de recolhimento
onde s e pode ficar longe do “tumulto do mundo” e das “vicissi
ludes da fortuna”? Mas precisamente Erasmo não permaneceu no
convento e o capítulo XII é um ataque em regra contra as Ordens
religiosas, que perderam sua pureza primitiva. Daí a hipótese
mencionada anteriormente de que Erásmo nào teria levado a se
rio sua declam ado sobre o desprezo do mundo. Pode-se também
supor que depois de ter deixado Steyn, ele abandonou o ideal de
sua juventude. Mas existe uma terceira solução aceita ao mesmo
ir>
lempo por S, I) resden e E. W. Kohls: o capítulo XII so .il.it .11i;1 os
claustros para melhor suMinJaar os méritos de mu "monaquisino
no mundo", de novo exaltado no seu escrito tardío D e Praepara-
líoiic <i(l morlem (1533). Erasmp nao teria então variado fúnda
me ni. límente a esse respeito em relação às tomadas de posição
di 1 Ini* io de sua carreira. Em todo caso, é significativo que ele te
ñí 1.1 publii .ido o seu De conteníptu m undi no apogeu de sua ce-
I. I>1id.ith halando desse tema, ele estava de qualquer maneira
II (fino de uma larga audiencia.
I l,i< 1 1 tf surpreender, portanto, que Ronsard o tenha am-
1.1 un. nú . s|>h >1.11lo no seu Hino da morte, mais original pela for-
III 1 di. 111ii pelo Inudo. Ele compara aqui o homem sobre a ter-
1 1 1 mu pilsioni no que, dia c noite, suporta / As manículas ñas
n i.............. ...... .1 dina córlenle’’. Ele julga que somos os “verda-
d. le .. I1II1. r. di dor e tle miserias” e "... que somos apenas / Urna
1. 11.1 animada, e urna vívenle sombra...”101 Afirmações que o Car-
di.il l.olarlo pollería subscrever.
10
Iirv.linlNtiiN são agravadas pelos comentários . iin<I.i mais sombrios
111k* o própfln texto. Ora, o Livro I ela Imitação é "um verdadeiro
I ><' coHtcmptn nrtmdi que nos remete á ascese de Wlndesheim e
Insisle sobretudo sobre o desprendimento’’.1"’ Lemos nele:
17
poruñeas o as v c/cs st* pensou, nota ela mente no século I que
o santo monge era também o autor da Imitação. Ludolfo conta a
vida dc Jesus indo além dos Evangelhos. Em certos momentos,
ele Interrompe a narrativa para introduzir comentários espirituais,
voltando depois à história de Cristo. Serào, sobretudo, as refle
xões do religioso que nos ocuparão aqui. Elas, às vezes, são me-
iii'. abiuptas que as do autor da Im itação e trazem distinções
tllels para uso dos leigos, l.udolfo declara em suma que existe
diia . ' .|tecles de discípulos de Jesus: uns por “necessidade”, ou-
li" p. a supeieirogaçào”. Os primeiros não devem nunca apé-
", ii > a n aia de maneira a preferi-la ao céu, ao passo que os se-
Mim•I''. a m ie límenle” a obrigação de abandonar tudo, como
... ip " . tolos, paia praticar uma pobreza voluntária. “Assim, nem
i* I........... .. listaos ,ao efetivamente obrigados a deixar tudo; mas
ipi na •os n llgloso.s ligados pelo voto de pobreza. Mas todos nós
deví mos reiuiiu lar a tudo de coração, de modo a preferir Deus
a indo"."*1 Em outra passagem, Ludolfo tem eista bela fórmula,
ii.mqiiili/adora quando tomada isoladamente: “... Amemos o ho
mem, livremo-nos do demônio; oremos pelo homem, lutemos
contra o demônio”.112 Mas'o contexto desmente sua bènignidadé
poique ela está inserida numa passagem que comporta uma for
te e global acusação do homem:
•IH
guém pode aspirar ardenlemcnte .1 vichi (Mura se 1 1 , 1 0 llvei prl
moho mu soberano desprezo por c*l:i... (v)ucm desc|a (hegai ,1
verdadeira patria .1 n¡io ser aquele que experimenta as dlflculda
i les e as clores do exilio? Que homem razoável gemería sobre seu
estado presente, se esse estado nao lhe fos.se uní lardo?""' Mais
adiante lemos esta outra sentença: "O lempo desta vida é dado
as almas e nao aos corpos”.1"'
I!)
ressam .K|iii na medida em qu e sua audiência Ibl m ullo ampla.
D irigindo-se ao pecador, portanto a cada cristão, o Im petuoso
dom in ican o lhe dá este aviso: “Lá o nd e estão os sofrim en tos do
m undo estão os favores do céu; lá o n d e estão as resistên cias da
nulmvxa estão os so co rro s da graça, a qual é mais po d ero sa qu e
a ualuiv/a",1Mmas com a co n d içã o de tratar o co rp o “com rigor
. dim i Porque assim co m o a carn e m orta se con serv a graças
ao i! i ,i mirra qu e c muito am arga, sen ã o ela se estraga e se
■ n< Ia d< \< m ir .; assim tam bém o co rp o se co rrom p e e se en -
•1o d. ■i. i< •. .< loi o b jeto de solicitu d es e de delicadezas^’.122 D e
m mi li i global Lnr. de (¡ran ad a preconiza “o san to ó d io de si
mi u m 1 i a m orí||L açao de todas as p aixõ es - aqu ilo q u e ele
>liam a 'i ipi'llh .«ii .ilb o ”. Mas o qu e ele en ten d e ex atam en te
p- m i ' ' I I', i m u resposta: “Todas as afeiçõ es, tod os o s m ovi-
iii' na ' nal i n a I-, co m o o amor, o ód io, a alegria, a tristeza, o te-
....... a i '.p ria n ça , a cólera c outros sen tim en tos sem elh a n tes”.121
I v .r apetlie ,s ensitivo c]iie co b re um d om inio tão vasto, Luís de
(d an ad a ainda o d efine co m o
.i parte mais baixa de nossa alma e, portanto, aquela que nos tor
na mais semelhantes aos animais... aquela que nos avilta, que nos
rebaixa para a tena, nos afasta do céu. Ela é muitas vezes a fon-
ir’ e a origem de todos os males que éxistem no mundo; nela re-
■ide a causa de nossa perdição... Nela, está todo o arsenal, toda
a Ibrça, todas as munições do pecado.
no
uní 1 1,| <iil(iii .1 ei le.sláMlca, t | i k -ix • que, no <iénesls, o p ira d o
••1 1o.In. 1 1 i apresentado Hilo co m o uin.i 11 .u|tK*/a dos sentidos, m;is
...... . iiiiu atitude d i’ orgulho o üm desafio a l)i*us.
... Iodos os deveres dos cristãos, como amar sua mulher, ali
mentar seus filhos, dirigir sua família, honrar seus pais, obedecer
ao magistrado, etc., que sao, para eles los papistas] deveres secu
lares e carnais, são frutos do Espírito. Esses cegos não distinguem
dos vícios essas coisas que fazem parte da boa criação de Deus.1'
r>i
regulamentou: as leis ímpias do papa nada mais sao do <pk- nina
opressão viólenla da natureza”.129 Assim, o Reformador censura os
•..míos Padres” (da Igreja) por não terem “escrito nada de digno
.i respeito do casamento; todos se deixaram enganar pelo imun
do celibato, de onde saíram,tantos horrores, e não perceberam a
dignidade e .1 eminencia que o Antigo e o Novo Testamento atri
buem .10 i asa mento”.1''1Alguns anos depois, ele volta a esse tema
•II, eir |i 1 A geração c uma instituição maravilhosamente instituí
da « ni Ioda criatura, macho e fêmea”.131
I . .. e|i .glo da sexualidade insere-se numa admiração mais
impla d 1 t 1ia< ao que Lulero chama o “jardim de prazer da alma”
1 Um d< que <Ia possa “passear entre as obras de Deus”.132 Calvi-
........... n seu liase', magnificas sobre a beleza do universo:
I I b l d ., g. hs.
110. Iblil., p. 87.
I U . Ibiil.,. p. 2 17. Cf, também D e la vie conjúgale (1522) em CEuvres, III,
p. 225-226. '
132. I.UTI 1ER, M. CEuvres, VII, Une m aniere sim ple d eprier (1535), p. 213.
I 53. CALVIN, J. Institution de la religión chrétienne, 4 v., Genève, Labor et
Pides, 1955s.; I, v, 1, p. 17-18.
134. IbicL, I, XIV, 21, p. 130.
R2
tli l\.i <lr M'i mu ,tdmllá\ el mi cesso. "(v)u;inclo entilo nos venios
mi. <m lililíes pagaos es.sa admirável lux. de Verdade, <pic* apnre-
ii ' iii '.cus Untos, ¡sso nos eleve advertir de1 que a natureza do
Iu 'iiii’iii, embora cleOaída de sua integridade e bastante corrompi
da, nao delxa de ser ornamentada por muitos dons de Deus."1”
Na aia predicando, Calvino repete que o hornem, mesmo peca-
din, recebe e guarda “a imagem de Deus”, contrariamente aos
Iniis, aos asnos e aos caes... e aos astros que nào têm esse privi-
b glo, I >.11 a sua extraordinaria dignidade:
r>:i
I'.is (111c* somos levados ao que já foi cilio. (v)uanto a hule
11>, ele eslá cortamente convencido de que o alo sexual resulta
de uma necessidade universal e inelutável - então por que lutar
contra? -, “assim com o beber, comer, cuspir ou ir à privada”.138
r, finalmente, “c um pecado, e se Deus não o imputa aos espo
so-., e por pura misericórdia”.139 O Reformador insiste para que
nao nos enganemos sobre o elogio que ele fez do casamento.
I lilao ele escreve:
r» i
,implo Porque Lulero o seus sucessores convidaram o cristao .1
di .« |mi.11 Inlelramente ríe si mesmo .1 lim de lomar se tapa/, ele
U'ivlu’i .1 graça do Cristo", () homem "que se tornou má arvore,
so pode t|uerer e l'azer o mal”.1,1 A salvadlo reside na lúcida ovi
d* 1u la de (|iie ludo e man em nos e em torno de nos. "Mundo" e
dial 10' sao dois sinônimos. O comentário que Lulero redigiu so
Im a I pistola aos Cálalas é revelador a esse respeito."- O mun
do, til/ ele, e "lili 10” do diabo. H por isso (]ue ele é “totalmente
man" e "repleto tle ignorância, de odio, de blasfemia, do despre-
o de I >« us, de mentiras, de erros; sem contar aqueles pecados
o.i. i'.',eiros (|iie sào os assassinatos, os adultérios, as fornicàçòes,
11 roubos, as rapinas, etc.”."' Onde nào atua a justificação pela fe,
o .i ■encontra pecado, sujeira e inferno. Com sua veemência ha-
I1II11.1I, Lulero, recusando qualquer valor aos atos daqueles que
n,i'' 1 leram, nào creem ou nào crerão, declara: “Onde o mundo e
uh lltor, ele é duplamente mau”;"4 e ainda: “É com muita ra/ào
que l’.iulo c|ualifica este mundo de mau e é quando ele é mclhoi
que e pior”."s Afirmação,que o Reformador comenta assim:
Ia < I. POl PI'. 1’, |. V. //. Zwingli et la Réform e en Suisse. Paris: PUF, .1963.
p W Ví. Do mesmo autor, os artigos “Zwingli - Zwinglianisme” du D ic-
iionnaire d f théoiogie catholique, XV, 2, col. 3.728-3.928, sobretudo aqui
col. 3.788 3.790. Cf. também STAUFFER, R. L’influence et la critique de
íluimanisme dans le “De vera et falsa religione” de Zwingli. In: L’H um anis-
me allem and (1480-1540). Paris: Vrin, 1979. p. 427-440.
148. C f RJLLIET, (.Z w ingli, le troísiém e homm e de la Réforme. Paris: Favard,
1939. p. 105.
149. Consultei a edição do D e vera et falsa religione em Zwingli Hauptschriften
(F. Blankc, O. Farner e R. Pfister), t. IX, Zürich, 1941, aqui, p. 42-58.
lio egoísmo e m u coni lusão e esta: "De Unios os pontos de vistíi
■•homi’in e nuil, () eg<)ísm< >dita l<k U>s <>s sciis pensamcnli)S c l<i
ilos os seus utos", () cristão so pode cntao aceder .1 salvaçao re
i onhcicendo “siu traição e siu misória”. E “desesperando total
111*'iik* di* si im'sino" esse desespero esta no centro da teología
protestante cpie ele descobrirá "o vasto designio da mlserleo'r
tila divina.IM 1 Quanto a bucer, o reformador de Estrasburgo, no
<11 catecismo (1334), ele ensina que os inais santos devem "ava
11.11 como nada e com o lama o bem que já fizeram”. Porque "du
unte toda a nossa vida, o pecado continua a residir em nossa caí
nc onde não se encontra nenhum bem”.150151
Calvino, por sua vez, e com igual aspereza, fustiga o lio
mem e o mundo. Ele trata o primeiro de “apóstata”, de "simio"
(na época, era uma injúria muito grave), ele “besta indomada e
lerox”, de “esterco” e de “sujeira”.152 Porque, diz ele, é o sen pro
prio entendimento que é “inteiramente sujeito à estupidez e a ce
gucira, e o coração dedicado à perversidade”.15-1 Nào c por a< a•.<■
que o primeiro livro da Instituição cristã se abre com a c< uníala
çao da decadência humana: “Nossa nudez descobre com >•i.in•I•
vergonha um monte tüo grande de opróbrio, que ficamos lodm
confusos”.154 O homem é “terra e pó”, “verme e pódridao" 1 \ < \
periéncia permite certàmente perceber “uma semente de religião
plantada em todos por inspiração secreta de Deus”, Mas nao lu
um só homem em quem “ela amadureça, faltando milito para que
o fruto volte na estação...; todos se afastam do verdadeiro conhe
cimento de Deus: de onde advém que não existe nenhuma pie
ilade bem regulada no mundo”.156 Calcino ensina, portanto, que
só se pode chegar a Deus pelq caminho do desespero: “Para
onde quer que voltemos os olhos, só nos aparece maldiçao de
alto a baixo, a qual estando espalhada Sobre todas as criaturas, c
envolvendo o céu e a térra, deve realmente oprimir nossas alma*.
57
de horrível desespero”.157 Conhecer-se a si mesmo, c desprezar
se - desprezo salutar: "... Avançou bem no conhecimento de si
mesmo aquele que, pela inteligência cie sua calamidade, pobre
za, nudez e ignomínia, está abatido e asstistado. Porque não há
nenhum perigo de que o homem se rebaixe demais”, se por esse
meio ele descobre “em Deus o que está faltando em si mesmo”.158
Essa doutrina é tão central na teologia calvinista, que ela inspira
o texto de abertura da Instituição cristã :
r>H
Um ilc t|iii* ii.io .sintam demasiado |ma/c-i no <.1,sámenlo, elo IIu*.s
(l.i ou mullirlos rudos ou do m.ui caráter, que os atormentam, ou
lhes da filhos maus para humilha los, ou os aflige (liando lhes
mullirles o Millos. |Ou| so os (rala suavemente em todas essas rol
••as... adverie-os rom doenças e perigos, e quase lhes por diante
dos olhos o quanto sao frágeis e cie nenhuma duraçáo todos os
bens que estão sujeitos à mortalidade."’1
f)l>
i<k |( ),s ( )s Ik )mc‘ns: "I )esde que minha mãe m r c<mcrl>t*ii r nic ,i< |Uf-
( eu cm seu ventre, o vício já estava lá dentro de mim como a raiz,
<|iie depois produziu estes frutos tão amargos e venenosos...”.16*
Poderiamos encher volumes inteiros com textos protestan
tes do séc ulo 16, inspirados pelo mesmo sentimento agudo dd
drsguç.i e do pecado do homem. Terminemos com duas afirma-
i oes assinadas por John Knox que fez a Escócia oscilar no cam
po u loimado Encontramos nele a mesma depreciação da natu-
c m * da i i/.io i|uc em Entero e Calvino, a mesma recusa em per-
•>In i no homem nao justificado pela fé o menor valor positivo.
• > pilnn ln i testo de IS(>o c tirado de uma Resposta às muito
-■MM/e/,' ,i, uiyjit Ias ilr um Auabatista. Nele, John Knox declara;
UiH lliiil., |>. 7a. < I. também BRAY, J. S. Theodore Bezas D octrine ofPredesti-
II, ilion. Nieiiwkoop, dc ( iraaf 1975, que compara a doutrina da predestinação
di 111 . de hè/.c com a de Çalvino.
1 í)‘>. /Ac Work ojJoh n Knox, ed. D. Laing, 6 v., Edimbourg 1846-1864. Aqui
V, p. 144, liad.cm [ANTON, P. John Knox (1513-1572). LH om m e et 1'oeuvre.
Paris: Didicr, 1967. p. 246.
170. John Knoxs Uistory o f the Rcform ation in Scotland, ed. W. Croft-Dickin
sou, 2 v., Nelson, 1949. Aqui art. 12, II, p. 262. Cf. JANTON, P. John
Knox..., p. 256-257.
(10
Percorramos di* novo num breve .sobrevoo o i.unlnlio .10
11u lino lempo contínuo e diverso (|iie nos levou dos anatemas
ilion.i'.llt os contra o mundo e o homem .ile .1 teologia reíonn.i
d.i Cmii esi.i, operou se uma mudança de perspectiva: os senti
do-, n. 10 sao mais opostos .10 espírito, como se fossem seus ini
minos Porque c o proprio espírito <|ue, no homem, c mau. A
lupa para fora do mundo é declarada inútil, ja que o mal esta lao
pn sente dentro dos conventos com o lora, tanto ha solidao aseé
ll< a m ino na vida em sociedade. A sexualidade e certa mente pe
•amlnosa, mas nem mais nem menos desprezível que o resto de
nossas atividades. Nào existe em nós um estágio superior, que
imlaria impor um pouco de ordem às agitações dos níveis infe
llores. Tudo é mau no homem quando nào há a intervenção da
f.iaç.i totalmente gratuita de Cristo. A doutrina da justificação pela
li na sua formulação do século 16, representou portanto o resul
lado lógico e o ponto extremo de um longo percurso sobre .1 es
liada desolada do pessimismo. A afirmação incansavelmente ie
petlda durante mais de mil anos e incessantemente difundida dc
que o mundo é fragilidade, vícios e vaidades e que cada homem
•111 particular é “esterco” e “lixó” devia acabar por engendrai o
de,-.espero. Mas é esse desespero que salva aquele que, na sua
nudez, aceita entregar-se a Deus.
as margens do protestantismo:
retorno à fuga do mundo
Nas Igrejas oficiais nascidas da Reforma, o cofitcnifrtus
nuiudi não levava mais à fu g a m undi. Mas esta voltou a tona as
margens do universo protestante. Desse modo; ele e uma forma
•1 mpre renaseente de hostilidade coletiva à sociedade. Km geral,
ms Inconformismos religiosos da Idade Média - dos flagelantes,
di» l.ivre Espirito, e mesmo dos discípulos de Váleles no início cie
••eu apostolado - permaneceram pouco organizados e apresenta
vam estruturas cie confrarias.1'1 Seu projeto global continuava sen17
171. -Sl'.<i UV, J . Nçn-Coníonnismcs rcligicux. I11 : / íistonr des re/igions, 1'ld.i
ele, II. I‘>72. p. 1.204 1.268.
do a regeneração da instituição eclesial. Em contrapartida, com os
limaos tchecos, cujos grupos sào percebidos a partir de MSS, apa
rece outro tipo de diferenciação em relação ã Igreja e ã socieda
de ligada a ela. Os Irmãos procuram viver a recusa dò mundo se
gundo o ideal do Sermão da Montanha. Eles se opõem a toda lei
humana ou eclesiástica em matéria de dogma ou de moral. Aban
donam ã sua própria sorte uma Igreja irremediavelmente compro
metida com a sociedade pecadora e formam comunidades rurais
constituídas de voluntários que aceitam uma disciplina estrita.
Imerge assim, ou antes renasce, a organização cie tipo “seita”,
como a definiu Ernst Troeltsch e tal com o ela já se tinha manifes
tado, desde a origem do Cristianismo, nas dissidências gnósticas,
montañistas, novada nas, clonatistas, etc.172 Num contexto que na
verdade começa a prescrever em relação ao nosso, E. Troeltsch
opôs Igreja e seita, A primeira se abre ãs massas e se adaptado
mundo. I Ia faz “abstração da santidade subjetiva no interesse dos
bens objetivos que sao a graça e a redenção”. Essa colusão com
0 mundo provoc a lorçosamenlc reações radicalizantes. Uma delas
•' o i i i o i i . n (iiImiio /\ i^iej.i Integra esse heroísmo ascético e dualis-
1 i qtii ......i a \Ida dos sentidos para melhor chegar à contempla-
• i* >. Mi i i l a ul o qih si mantenha a tradição, os sacramentos, o sa-
i * nli mti 11 i .iim ss.k i aptisi()||i a. A seita, como a comunidade mo
n i lili i i i- iiip inn iiio relativamente restrito ele voluntários que
bu • i ii 11m’iI* a.o.iini uto interior dos individuos. Mas ela toma
di i In* la da ou li (lacle, e mullas vezes Ihe é hostil. Principalmen-
i * n mipi «o i n as Igrejas que ela cobre de anátemas. Tem tendén-
i la a re|cllai tradição e sucessão apostólica. Ela “remete seus
membros direlamente ao sobrenatural, fora de qualquer síntese
.sociológica. Sen Cristianismo é não sacerdotal. À santificação ob
jetiva (pelos sacramentos), ela opõe a santificação subjetiva”. As
renúncias ascéticas neste caso são vividas não como uma contri
buição ã comunhão dos santos e ao “tesouro” da Igreja, mas ao
mesmo tempo como caminho ele união a Deus, como meio de
(VI
m.ilu IInU n, Momio Simón,s (| 15(d ), o principal animador deles
Um , l'aises Baixos o n;i Alemanha do Norte, esforça-se para man-
i. i lima licorosa prálica da excomunhão (que será atenuada após
.11.1 moile), Ide ensina cpie uma Igreja sem a prática da verdadei-
u excomunhão apostólica (a qual não deve comportar nenhuma
ug.io d,i autoridade civil) “seria com o uma cidade sem mura-
lli.r. nem barreiras, com o um campo sem cerca, como uma casa
■em portas nem paredes”.179 Mais tarde, o independente John
........dwin, pleiteando em 1644 para a congregational way (assó-
i I.k. ao voluntária dos verdadeiros cristãos), admitirá também a
...........uinliào com o um remédio que permite às Igrejas conservar
na pureza. Seu contemporâneo Roger Williams, fundador de
Kl iode Island e da cidade de Providence, polemizando contra os
I>i« .hilerianos da Nova Inglaterra, usará a mesma linguagem. A
. xemplo de todos os homens das “seitas”, ele quer-uma Igreja in-
lolerantc que só conserve nela os “santos”.180
( lomo num mosteiro, e a fim de fazer contraste com as prá-
tlc as de um mundo corrompido, os “sectários” adotam em geral
um estilo de vida austero. Era o caso dos anabatistas que evoca
mos. A disciplina de Berna (1525) precisan “Devemos fornecer ali
mento aos irmãos, quando se reúnem em assembléia; será ciada
uma sopa ou repolho ou carne, em pequena quantidade, porque
0 comer e o beber não são o Reino dos céus”.181 Regulamenta
ções decididas em Estrasburgo em 1568 por uma “conferência”
anabatista e renovadas em 1607 editam: “Os alfaiates e as costu-
leiras se limitarão aos costumes humildes e simples e não farão
nada no sentido da ostentação. Os irmãos e as irmãs... não man
darão fazer para si nada cie ostentatório”.182 Essas prescrições in-
.ercm-se numa atitude geral cie não mundanismo. Essa recusa do
mundo é muito especialmente marcada nos-agrupamentos ana-
lutistas dos séculos 16-18 pela obrigação constantemente repeti
da da enclogamia, porque é preciso separar o puro do impuro.
1 c se nos regulamentos de 1568 e 1607:'
05
daos; c se elisporao tambépi no temor cío bcu.%; c r i.iiiibem ron
veniente que Informem seus pais Ide seu projetol.
... Os crentes deverão casar-se no Senhor, e nào com descren
tes e isso valerá para as moças, os jovens ou os viúvos [e viúvas].18318456
(17
capítulo 2
do desprezo do mundo
às danças macabras
1. A bibliografia sobre o assunto é imensa. Além das obras que serão mondo
nadas no decorrer das exposições, insisto em assinalar especialmente MAM,,
E. L ’A rt religieux de la fin du Moyen Age en Frunce: Paris, A.,Colín, 1925. TE
NENTI, A. La Vie et la m ort a travers l'an du X V siècle. Paris: A. Colín, 1952
e / / Senso delia m orte e Vamore delta vita nelRinascim ento. Turin: Einaudi, rééd.
de 1977. HUIZINGA, J. Le D éclin du Moyen Age. Paris: Payot, éd. tic 1967.
EEBRUN, F. Les Hommes e tja m ort en Anjou aux X V ir etX W ir siécles. París-
La Hayc: Mouton, 1971. VOVELLE, M. P iété baroque et déchristianisation en
Provence. Paris: Pión, 1973 et La M ort et l ’Occident. Paris: Gallimard, 1983.
( 1IIHAIA, P. Les Idées depéren n ité et de décom position dans la sculpture fuñé
m ire occidenta/e, tlièse doct. Paris IV, 1973 (A. Tenenti ofereceu-mc amavd
mente suas notas sobre este trabalho). ARIES, Ph. Essais sur Vhistoire de la
morí en Occident du Moyen Age à nos jours. Paris: Senil, 1975 et L'Homtne de
rant la mort. París: Senil, 1977. THOMAS, L.-V. Anthropologie de la mort, Pa
lis: Payot, 1976. CI ÍAUNU, P. l.a M o rtàP aris. Paris: Fayard, 197Fí. FAVRF,
R. La M ort au siècle des Lum ibes. Presses Universitaires de Lyon, I97H,
WIRTH, J. La Jcu n efilie et la mort. Recherches sur les thhnes macabros dans Van
yetvianb/tte de la Rcnaissance. Gcnèvc: Droz, 1979. Le Sentiment de la mort au
Mayen Age (Colóquio tía Univ. de Montreal publicado por C'I. SU ITO),
Montiéai: éd. Univcrs, 1979.
(ib
para com meus antecessores cujos ira hálitos utilizarei amplamen
lc, mas dentro da perspectiva sintética que escollti para este le
vantamento geral sobre o medo de outrora. Esse enquadramento
deveria trazer uma luz nova.
I )e início, e necessário abordar um ponto de método: para
explicai um fenômeno histórico de grande amplitude - por
i ( mplo, a obsessão da morte no início da modernidade ociden
tal nao podemos contentar-nos com uma única causa. Pelo con
trário, i a convergência de diversos fatores agindo em conjunto
(e qin piideilam ale nao coincidir) que é preciso fazer aparecer.
«Mi i |t igli a Interna dos desenvolvimentos contidos neste livro e
naqtii li i|iie o precedeu levam a recolocar a morte durante a
. ........i i ( msldi iada dentro de dois grandes conjuntos explicativos:
a) o longo processo de aculturação religiosa e de culpabilização
que, partindo dos mosteiros, atingiu por ondas concêntricas ca
madas cada vez mais amplas da população européia; b) o pro
fundo pessimismo, resultado de stress acumulados, que dominou
os espíritos, notadamente os da elite, entre a época da Peste ne
gra e o fim das guerras de Religião. *
A dramatização da'm orte que se produziu então vai, por
tanto, nos reconduzir ao contemptus m undi. Mas, antes, inter-
roguemo-nos sobre a expressão “familiaridade com a morte”,
tão frequentemente empregada pelos historiadores para carac
terizar os com portamentos desse período. Porque ela exige ex
plicação e necessita de um esclarecimento que a desdobre.
Montaigne, ainda imbuído de estoicismo quando redigia o pri
meiro livro dos Ensaios , declara que ensinar os homens a mor
rer é ensiná-los a viver. “É preciso estar sempre calçado e pron
to para partir”, escreve ele, e elogia os egípcios que, após os
festins, “mandavam apresentar aos assistentes uma grande ima
gem da m orte”. Então, ele dá este conselho célebre: “Retiremos
dele (do falecimento) a estranheza, façamos dele uma prática,
um hábito, não tenhamos na cabeça nada tão frequente com o a
morte”.- Trata-se, portanto, de uma pedagogia para “domesticar”
a morte - o termo está em Montaigne.3
Este, meditando sobre o fim da vida, parece pouco preocu
pado com o além. Ao contrário, a salvação é na época o leitmotiv
do discurso religioso que obriga o homem a pensar incessante-
l.E ssais, I, ch. XX, éd. Thibaudet, Livre de poche, 1965: I, p. 1 18-122.
3. Ibid., p. 119.
70
m r tili' ii.i mofle* .i lint di* evitar os pecados que poderíam leva lo
,to Inferno, I )esta vez, tam bém a fam iliaridade com a morto ó re
•oinendada; e, como ac|iu*la preconizada por Montaigne (primer
ia manoira), ó unta familiaridade forçada, voluntarista, resultante
tlf mu longo esforço sobre si mesmo. Deve-se pensar continua
mente na morte com o se permanece alerta em relação a uní ¡ni
migo t|ue pode sobrevir de improviso. De maneira significativa, o
a mio "inimigo”, para caracterizar a morte, encontra-se justamen
i< 11<» parágrafo dos Ensaios utilizado anteriormente (“aprendamos
a enlrenlá-lo de pé firme, a combatê-lo”).45 Que a familiaridade
•<»m a morte seja todavía difícil de adquirir só pela ação da von-
lade, Isso c provado pelo caso do próprio Montaigne que, final
mente, renunciou ao sen estoicismo primitivo e optou por unta
alliude "mais descontraída”s diante do inevitável epílogo. Já no ca
pimío XX do primeiro livro dos Ensaios , ele tinha atacado o lema
heroico com considerações naturalistas que o contradiziam sensl
\i luiente: “A morte é origem de uma outra vida... A nature/a m
loica a ela... Nossa morte é uma das peças da ordem do unlvci
•». uma peça da vida do mundo... Estamos na morte enquanto es
íamos em vida. Porque estamos depois da morte quando nao e*.
lautos mais em vida”.6 No terceiro livro dos Ensaios , essa filo,solía
descontraída eliminou o voluntarismo estoico agora rejeitado;
Nos atormentamos a vida pela inquietação da morte, e a morte
pela inquietação da vida... Se soubermos viver constantemente e
iianqüilamente, saberemos morrer da mesma maneira”.7 E ainda:
I certo que para a maioria a preparação para a morte provocou
ni.tis tormento do que o fez o sofrimento”.8
lí, portanto, a familiaridade heroica com a morte, preconi
zad. i pelos filósofos e pregadores, que Montaigne recusa dora
ante. Mas não é por acaso que ele fundamenta su a nova posi
>ai >sobre exemplos tirados do “povo” e principalmente entre os
- amponeses. Estes conhecem a verdadeira familiaridade com a
nu >iti*, lí por isso que vivem sua última hora de maneira natural.
1 1 i .11titulo XII do terceiro livro dos Ensaios contém a esse respei
to Informações que podemos qualificar como etnográficas:
4. Ibid., p. 115.
5, Ibul., III, cap. XIL: III, p. 281.
(>, Ibid., 1, cap. XX: I, p. 124-125.
7 ll-iil., III, cap. XII: III, p. 294.
H. Ibid., p. 293.
71
( )l>.sei vemos n.i terra as pobres pessoas cpu- all vemos espalha
ilas, a cabeça baixa depois do trabalho... quantos que desejam a
morte, ou que a aceitam sem alarme e sem aflição? liste que cava
meu jardim, esta manhã mesmo enterrou seu pai ou seu fllho.?
9. Ibid., p. 281.
10. Ibid., p. 290.
11. Ibid., p. 294.
12. Ibid., p. 295.
13. ARIES, Pb. Lhom rne devant la mort, p. 29-30.
14. DELUMEAU, J. LaP eur..., p. 75-87.
72
«I' •v< iil.it le c so desapareciam progressiva mente do universo elos
vivos Na América pré-c< >l<>ini liana, o case><l<>s astut as c muito re
velador nesse sunlitlo: para elos, a maioria dos mortos, isto e,
aqueles que nao cram protegidos pelo sol triunfante ou pelo
d e u s tía ehuva, caminhavam durante quatro anos antes tle che
gai ao lugar de sua dissolução eterna.IS As indicações que pro
\am l<na da Europa e dentro do próprio espaço da civilização eu
tópela por exemplo, em Montailion16 - a crença etn fantasmas
ao inúmeras, e seria inútil lembrá-Jas tongamente.1’ Ida era tão
lorie entre nos que o Cristianismo a integrou espontaneamente
•ti(|uadrando-a mediante uma pedagogia orientada para a salva
dlo As historias edificantes contadas pelos pregadores - os
exem/ria - eram repletas de aparições de santos ou de almas do
purgatório pedindo orações ou ele condenados suplicando que
n.lo imitassem seu mau exem plo.1819A confluência entre a crema
plm•¡milenar nos fantasmas e a explicação cristã (a proposito da*.
•limas do purgatório) é bem aparente no soneto intitulado I >t.,
• pil ilos dos mortos” composto por Amadis Jamyns ( IS iO Ivm i
o secretário de Ronsard:
7M
Publique! anteriormente os resultados da pesquisa realiza
da por uní etnólogo pòlopês sobre a crença em fantasmas no sen
país no secuto 19.20 Depois, sobre o mesmo assunto, apareceu,
entre outros, um estudo que condensa 175 testemunhos orais re
colhidos de 1972 a 1975 na Beauce de Quebec. Bastou, dizem os
pesquisadores, “entrar na casa de um operário, um jovem conta
bilista. mu professor primário, um casal idoso, e até mesmo de
um i lúdante, para constatar com certo espanto que a crença na
•ulia di is moiios 11>1 e ainda é viva na Beauce”.21 Isso era ainda
mais \•nlaif in i amigamente.
i I m lia duvida de que os fantasmas eram de certo modo
a mídii. Mas, ao mesmo tempo, eram familiares. Além disso - a
pi .quisa .obie a le anee demonstra - raramente eles assumiam a
.......... .. la de lautasiiias, Enfim, muito deles eram benfeitores e
d.u . 1111 . i ni seibos uiei.s, Essas indicações nos levam a um univer
so on de o laleclmenlo d o indivíduo é afinal vivido com o secun-
darlo em relaçao a sobrevivência do grupo e onde vivos e mor
tos conservam entre si laços de sociabilidade e uma real solida
riedade. Daí, em múltiplas civilizações, o culto dos antepassados
e a aceitação sem temor de imagens da morte no próprio centro
da existencia cotidiana.2' Km se tratando de culturas tradicionais,
deve se, portanto, evitar de interpretar em sentido contrário uma
Iconografia que pode nos parecer lúgubre e atitudes que facil
mente julgai íamos mórbidas. Elas simplesmente atestam um aver-
. ladelia lumlllaridade com a morte graças à qual ninguém se as-
u .ia\ a ou n.io se assusta - diante cie espetáculos que provo-
. 11*i ai n pios nos ocidentais de hoje.
l . ..i Intimidade com os defuntos fica evidente no gesto mi-
ii11* loso e c almo do c hinês polindo os ossos de seus ancestrais e,
mais ainda, nos rituais funerários malgaxes25 e mexicanos. Em
71
1111*'lililí, onde* Sr |>r<>IV.*.sn; i 1111c* "doce c a vida", nconv periódica
un ule ,i “v h.uk\ dos morios" porc|iU‘ eles se* cansariam de pecina
iirtri sempre do mesmo laclo. No curso de urna gratule e alegre
■eilmnnla com discursos, danças e banquetes, cíes sao levados do
lumiilo para o povoado, expostos sobre um estrado, homenagea
i li ríe diversas maneiras. Terminada a festa, sào enrolados em
nocas mortalhas e reconduzidos aos túmulos, porém com mullí
pios desvios para que nào reconheçam o caminho da aldeia. An
les de fechá-los no jazigo, sào exortados a abençoar seus descen
dentes já que estes cumpriram seu dever festejando-os e vestindo
os ile novo. O universo malgáxe tradicional era assim baseado na
aliança permanente dos vivos e dos mortos. Já se escreveu - dis
tinção essencial para nosso propósito: “o malgaxe mostra menos
ii verdadeiro medo do que a preocupação da morte, lile nao a
lem e, ele a sabe inevitável”26 e crê qué a vida continua alem lu
mulo. Do outro lado do mundo, sabemos o lugar que o día ’ de
novembro ocupa no calendario mexicano. Comem-sc cutan p.n
mu forma de tíbias.27 Os padeiros expõem em suas fachadas atina
coes de caveiras moldadas em açúcar, com olhos verdes, vemii
llios ou de.qualquer outra cor. Na testa, uma tira de papel Ira/ um
preñóme e esse confeito é oferecido de presente a uma pessoa
amiga com esse preñóme. Na noite cie 2 de novembro, depositam
’C sobre os túmulos as flores e as guloseimas preferidas cios de
Iuntos; queima-se a resina que lhes agrada; rádios transistores lhes
permitem ouvir as últimas músicas cia rnocla. As crianças transfor
mam cabaças em caveiras cavando buracos para os olhos, o nariz
e a boca, e acendem por dentro uma vela cuja chama dança ao
vento. Nas casas, erguem-se altares para os mortos sobre os quais
coloca-se comida e reza-se para que os falecidos obtenham o re
pouso e nào perturbem a quietude dos vivos.28 Ambivalência bem
conhecida dos defuntos, ao mesmo tempo próximos e inatingí
veis, inquietantes e tranqüilizantes; em todo caso, bem presentes.
Esses costumes que se situam longe de nós ajudam-nos a
compreender nosso próprio passado e a melhor identificar na
7f>
I>r< )|>rj;i Europa um certo macabrismo... que nao era mullo real:
Isto e, que náo era atração mórbicla e vertigem lúgubre, mas ape
nas conivência e familiaridade com os mortos e, ao mesmo tem
po, insensibilidade c indiferença aparentes em relação a esta rea
lidade banal: o falecimento de alguém. Porque os enterros eram
liei|(ienles e davam ocasião a encontros e também porque desde
■piiiunlo do <alsiianismo enterrava-se no centro das povoações e
........... .. pos tornaram locais públicos animados. Ph. Ariès
di J a ■ai justamente o papi-l essencial que eles desempenhavam
......... . in ia dos hábil antes.-' Na Idade Média, era no cemitério
' 1 1 1 1 . pi 1 1 1 1 a\ a i Justli. a, que se proclamavam os éditos, e onde
. 11imIillava a . i /rs, o forno banal coletivo. Na Bretanha do sé-
i <1 11 1 l 1' . .......... Ia poi A l,e lira/., era no cemitério que a comuni
dad. di is liailitantes deliberava, elegia seus agentes municipais,
mu ia 'i si i triad o da prefeitura anunciar as novas leis e onde se
publli ava, rm nome do tabelião, as vendas da próxima semana.2930
Na-, cidades, os cemitérios permaneceram durante muito tempo
com o rec antos de passeio, locais onde se mantinham mercados,
Iriras, danças e divertimentos. Em Paris, o cemitério dos Inocen
tes constituía ainda no século 17 uma galeria comercial aberta aos
curiosos e onde estavam instalados comerciantes de livros, miu
deza s e roupas.'1 Passeava-se, comprava-se, vendia-se, bebia-se,
alie lava se dentro do recinto dos Inocentes observando-se sem
ni pn ..i nao apenas as inumações, mas também as exumações e
11nnía 11<as d. i issada.s que ocorriam cotidianamente. Os visitantes
n n i |i.m i Iam ln< <>m< xlados pelos odores.
\ lii.ieja i - , foiçou se para reagir contra essa mistura, a seu
•i i i ,i andal ps a, entre sagrado e profano, cio mesmo modo que
luii >n d. maiielia mais geral contra todas as formas, tão freqüen-
i. na é p o c a , ele Ia mlliaridade entre esses dois universos que
lia p a us iam antitéticos. Concilios e sínodos tentaram então
pmlbii da nç a s , jogos e atividades comerciais nos cemitérios.32
I nlie as manifestações de alergia eclesiástica a respeito da coa-
bl l aç áo pacifica entre vivos e mortos, um texto de Putero mere
c e ser citado. Ele foi escrito por ocasião de uma peste ém Wit-
70
icnbcrg i'in IS27. Para o Kcfnrmadqr, ora preciso voltar ao eos
iiimt' dos Romanos: levar os defuntos para lora elas cidades e
un Inera los para que o "ar permaneça puro”" e porque um ce
mllerlo deveria ser “um lugar calmo, silencioso, afastado, lavo
iavi I ao recolhimento", Essa antecipação das soluções do final
«lo século 18 e do século 19 explica-se, todavia, por urna preo
i upacao de pedagogia crista. Porque nesse “lugar venerável e
i piase sagrado, por onde se caminharia com um temor respeito
so", seria possível “refletir sobreda morte, o julgamento final e a
lessurreição, e orar”. E até mesmo, por que nao pintar sobre as
paredes afrescos representando assuntos religiosos? A esse ce
mitério ideal, Putero opõe o de Wittenberg:
77
gico c .i escassez dc psicoses e ele suicídios ende < I.i•. Nas so
ciedades arcaicas, um falecimento nào suscita um sentimento de
ausencia e de algo insubstituível. Ao que se deve talvez acres
centar, a título ele hipótese, (]iie uma cultura clerical antifeminis-
la, tomando mais do qué nunca a palavra com autoridade na Eu-
Kipa dos séculos I r 16, reduziu ao silêncio uma concepção mais
.1 ii'ii.i da morte. Forque a mulher tem menos medo da morte do
qu< i . Iloiiiem Ela se sente mais próxima dela. Aquela que tem
i dou ■. do paito conlleve m elhor que seu parceiro masculino o
. in 11•• pm 111< .«o entre a viela e a morte e a necessidade de
■11'i viiu tilos recípi'oi (is,
\ Idi ia, oiiiiora profundamente popular, d eq u e a morte é
............. 111<i 1111< uto normal, necessário ao desenvolvimento de rit-
....... \Mal ., 1111<' da nao c nem ruptura nem escândalo, está ainda
pn . nl< tu i alegre ( '(íntico ao sol composto por São Francisco de
Vssis cm I.!.’,) I22(), no fim extrem o de sua vida. Ele estava en
tão quase cego e abatido pela febre. Na última estrofe, Francisco
convida cerlamcnle a refletir sobre a “segunda morte” (o inferno):
Ai daquele que morre em pecado mortal”. Mas essa incitação
para pensar na salvação não o impede de louvar o Senhor “por
nossa irmã, a Morte corporal, à qual nenhum homem vívente
pode escapar”. E o cântico a coloca sobre o mesmo plano que o
Irmão Sol , “irmã l.ua e as estrelas”, “irmão Vento”, “irmã Água”,
h m ão Rogo" e “nossa mãe Terra”.35367A morte é assim reinserida
niim contexto cósmico que a justifica. Em toda época, com ou
•.cm preocupação de salvação, esse tema (sem dúvida esponta
neamente vivido por muitos) foi exposto pelo discurso.literário.
No seu Hino da morte - sobre o qual voltaremos em razão dos
elementos diversos que ele amalgama30 - , Ronsarcl se conforta
nestes termos:
7H
I )e outra maneira, mas por sinal também mantendo a c ren
ç.i na eternidade da alma, Rabelais viu na morte uma transição
natural pela qual nós damos a ve/ a nossos descendentes lio
inuii por homem. A “antiguidade encanecida” dos velhos "relio
lesee" na juventude dos filhos. A ruptura dos destinos individuáis
e compensada pela continuidade do destino coletivo da human!
ti.ule. A geração é o corretivo da morte. “Entre os dons, escreve
Gargantea a Pantagruel, graças e prerrogativas, coin que o sobe
rano plasmador Deus todo-poderoso revestiu e adornou a huma
na natureza no seu início, parece-me singular e excelente aque
la pela qual ela pode em estado mortal adquirir uma espécie de
imortalidade e, no decurso de vida transitoria, perpetuar seu
nome e sua semente: o que é feito por linhagem nascida de nos
em casamento legítimo.”38
os componentes do discurso
macabro
Na época de Rabelais e de Ronsard, a despeito de certas
citações que acabamos de ler, qual concepção da morte ocupa o
centro do palco? A julgar pela iconografía, pelo discurso religio
so e pelas garantias (missas pelos defuntos, indulgências) que os
fiéis se esforçam para acumular contra as incertezas do além-tú-
mulo, a morte é na maioria das vezés horrível. Ela é ruptura; ela
é escândalo; ela é perigosa. Pierre Michault, na D an ça aos cegos
(1405), coloca diante da grande ceifadora uma bandeira com slo
gan significativo: “Eu sou a morte da natureza inimiga”.3940Outro
“retórico”, Aimé de Montgesoye, Cantiga da alta e virtuosa
d am a... Ysabel de Bourbon (1465), ataca a morte:
7 fí
jean Molinct ( I•í35-1S07), evocando o espelho da moric (é
bem verdade que para opor-lhe o Espelho de vida ), qualifica-o de:
Milgni v lela, ,l
t.Mn u»m icii Irlo e peslilento hálito,
' <1111<,i ii .ii .i»» redor em tal estado,
min a*, aves que voam acima de sua cabeça
( aem d<> alio, e jazem mortas por terra,
Iwceio aquelas c|tie predizem as desgraças.42
' \
A Igreja desempenhou um papel essencial na aceitação,
nao direi da morte “domesticada”, mas da maneira “natural” de
viver a morte, propondo a meditação sobre o falecimento
com o método de pedagogia moral. A “morte de si m esm o”, foi
0 Cristianismo que, se não a inventou totalmente, pelo menos
a esten d eu ás dimensões de uma civilização. É por Hsso que,
em bo ra conservando a feliz expressão de Ph. Ariès ( “a morte
de si me .mo”) que marca tão bem a ruptura entre o destino de
1 ada um e a sorte eoletiva da espécie, eu insistirei mais do que
ele sobre "os predecessores das grandes vozes macabras” dos
séculos I t e IS. Porque eu não creio que se possa “desprezá-
los" com o “raros e pouco expressivos”.43 Pelo contrário, despre
zo do mundo, dramatização da morte e insistência sobre a sal
vação pessoal emergiram juntos. Essa ligação já é sensível nos
serm ões de São João Crisóstomo que cita oito vezes o “vaida
de das vaidades” do Éclesiastes, lembra quatro vezes o conse
lho do Eclesiástico (7,4): “Em tudo o que fazes lembra-te de teu
fim e não pecarás jamais” e repete o aforismo bíblico: “Mais
41. MOLINET, J. Faits et dietz, éd. Noêl Dupire, Paris, 1936: t. II, p. 670-
680. Cf. MARTINEAU-GENIEYS, Chr. Le Thème de lã mo>% p. 247.
42. MAROT, Cl. CEuvrcs completes, èd. A. Garnier, Paris, 1920, I: “Deplora-
non de messire Fl. Robertet”, p. 544.
43. ARIÈS, Ph. LH om m e devant la mort, p. 114.
HO
\,il< o <Ii.i d.i m orte q u e o d o n ascim en to. Mais vale ir a c asa
d. lulo do c|ik‘ a casa do ban qu ear, pois é o Um de tocio lio
Miem' ( le i 7,1 D . 11 Seu H alado D a p a c i e n c i a anunc ia can sub
U lulo «1 1 it- nao se’ dc*vc‘ ch o rar am argam ente o s m o rios” e rom
popa uma passagem au tén tica m en te m acabra. São Jo ã o C lisos
lo m o esc reve com efeito :
46. C olla tío selecta SS. E cclesiae Patrum de Caillau-Guillon, Paris, 1833.
t. XXXVIII, p. 23-24. Devo a indicação deste texto à gentileza e à ciencia do
Padre François Bourdeau, a quem agradeço ¡mensamente. A tradução é dele.
47. Migue inseriu este texto ñas obras de Santo Agostinho. Patr. Lat. XL, col.
987. Sobre as fontes neoplatônicas do pessimismo cristão até o século 12 é
fundamental ver COURCELLE, P. Connais-toi toí-même, de Socrate à St
fíernard, Pays, Etudes augustiniennes, 3 v., Paris: 1974-1975.
82
' il .i.io () liiUiro In o cen cio III, Intitulando nina su b seção tio seu
/>r 1 1 >nicni/>lii n iu u d i co m o "tia corru p ção tio cadáver", arruinen
i na sobre esse lema ap oian tlo-se na Escritura: "Q uando morrer,
0 homem sera presa tias larvas e tios vermes”"4 (líelo 19,3); “To-
•los .e deitam na poeira e os vermes os cobrem" (Jó 21,26); "A
liuça os roerá com o uma rolipa, e os cupins os devorarão como
Ia (Is >1,8); “|() homemI se exaure com o uma macieira carcomi
da ou como uma roupa devorada pela traça” (Jó 13,28); “Eu gri
lo para o sepulcro: T u és meu pai’, e para a vennina: ‘És minha
mar e minha irmã”’ (Jó 17,15); “O homem é uma vennina; o li
li io do homem, um vermículo” (Jó 25,6).
Essa insistência pedagógica sobre a podridão do corpo - o
ob|eiivo claramente indicado é levar o leitor ao desprezo do
mundo - não diminuiu ao longo da Idade Média. O Monge An
»In' tic Creta, que no século 7o se tornou arcebispo dessa ilha,
aconselha a meditação perto dos túmulos.
Ao fiel que se aproxima, ele diz: "Não recue... veja todo este
espetáculo penoso... Fique o tempo suficiente para sentir estes
odores que não são estranhos: são os nossos. Suporte virilmente
a infecção que a podridão e as más exalações dos escorrimenlos
desprendem. Fique firme diante do espetáculo dos vermes e da
putrefação que escorre carregada de sânie, você que é chamado
a desfazer-se e a tornar-se o alimento dos vermes clevoradores”. '"
h :i
llora da minha morte, vem em meu socorro, abranda o Juiz,
afasia o demônio acusador. Meu temor vem de meus pecados e
nao da consideração da infecção e cia fetidez futuras de meu
toipo", T'.nlrelanto, acrescenta ele, sinto vergonha e coro sa
bendo que ele só e digno de um túmulo ignóbil e fétido e como
.i ml.uma e a Ignomínia deste estarão longe da pureza.e da fre
ír, i d< iru ,epul( ro. Porque meu horrível cadáver tornará meu
lumuio n puf.lv o de ledor e transbordante de vermes enquanto
u ii o pulí io produz maná,’’s' Deve-se ainda acrescentar ao in-
. nl lil" da', meditações monásticas sobre o cadáver um frag-
iii. nl" d " s/ t . ii /iiiii nioiuicborum de Arnoul de Bohéries (fim
d........ ul" I *) t|iir foi niuiti>difundido nos séculos 14-15 sob o
i i t u l i » S/»e» iiluni Hcnuinli:
SI. Pair. CXCVIII, col. 308 {Sertn o X X X III), dtado cm Ihid., p. 87.
S7. Puir. /<//., ( I.XXXIV, col. I.l?8, texto av.iiul.ulo nov.imente pelo Padre
It.uk, ois llourdcau.
H-l
• i . vermes; ti*, vermes, .1 t ln/a; ;i cinza, .1 terra. Assim o corpo Im
m.mo Ifiii .1 leir.i poi m.k* c* retornará .1 Ierra.''
1
'»' Dalí, / <//,. (. IVIII, col. 705-707 (A liud carmen de contemptus m undí), cf.
0 Hultoi, "sobre* alguns problemas pseudo-anselmianos”, em Scribtorium, 1(),
\%y p, ,t6 41.
'•■I. l lio esie texto segundó Br. Roy, “La Danse...”, em Le Sentim ent de la
m orí , p. I .’ 1 , < T. Santo Anselmo, carta 169 na ed. Schmitt, IV, p. 47-48.
A, Wilinari, "Une leí tie inéditc de Saint Anselme” na Revue bénédictine, 1928,
1 1(1, p. Ó') 3.32.
SH. A tradução moderna seria atnnios, a mais interna das membranas que en
volvem o feto.
Seu que so deve vanglorlar-se cio sor poeira o cinza, do ter sido
(oiho I>ld<> no poondo, do nasoor miserável, do vivor no sofrimento
o do morrer na angústia?... Tu engordas o onfcitas a preço do ouro
uma carne que, daqui a pouco, os vermos devorarão no túmulo."
H7
;mu\s do século M, o tema do desprezo do mundo e as evoca-
Voes macabras nao se limitavam ao meio monástico. Ides impreg
navam o cmsino da-gramática nas escolas e apoiavam a pregação.
I lin capítulo inteiro da Snm m a dè arte predicatorio, de Alain de
I lile aconselha esta pedagogia e convida a apoiar o texto “vaida-
di da*, valdadcs, tudo é vaidade” pela descrição dos terrores do
ig. tnl/anle e pelo topos do Ubi sunt ? 63
< oiiio, por outro lado, manter a afirmação de Philippe
\il. *i A 111ia o. mi (|iie a Idade Média anterior ao século 14 nos dá
h d- 111111•,i" universal : é poeira e pó, não a corrupção pulu-
1)1111' *1' ■ou. . 1 ssa asserção vale certamente para a icono-
a ili i da piliix na Idade* Media, mas não para o discurso escrito,
■I. pi. >|a |i i . mugado de prolongamentos iconográficos ulterio-
i. | llm Inga linha razão ao escrever a propósito da primeira
Idade Media '().*> ascetas medievais contentaram-se com o pen
samento da c inza c dos vermes: nos tratados religiosos sobre o
desprezo do mundo expunham-se amplamente os horrores da
decomposição".'" Ivsse julgamento não envelheceu. De fato, o
mac abro estava bem presente em obras que conheceram rapida
mente* uma ampla difusão e tinham aparência de sermões. M.
Maec arone mostrou para 418 manuscritos áo D e contemptu m un-
di de I.otarlo que o sucesso da obra foi rápido e não esperou o
peí iodo mac abro: 3Í% dos manuscritos são do século 13 e so-
IIlente 20,S"n do serillo IS. Para os 36,5% copiados no século 14
uma boa niel. ule parece anterior ao meado do século.60
( i texto do pseiido-bernardo revela também que, no espí-
iii'. do monge, nao ha oposição entre os vermes e a cinza: os
. I. a* pioc c *.,*.( >*, cle decomposição do corpo são chamados conjun
tan!. un < m apoio a uma mesma pedagogia. Da mesma maneira,
nao i lelo <|ue nos séculos 14-16 se pudesse realmente opor as
c o i ações de* esqueletos e de corpos mumificados às de cacláve
le *. ein via de putrefação. Tratou-se sobretudo de urna panoplia
diversificada, mas, afinal, homogénea dentro de um mesmo mu
seu do horror. O escrito do pseudo-Bernardo faz ainda aparecer
63. ROY, Br. “La Danse...”, em Le Sentim ent de ¡a m ort..., p. 127. Patr. Ldt.,
CCX, col. 111-198.
64. ARIÈS, Ph. L’H om m e eievant la mort, p. 114.
65. HUIZINGA, J. Le D édin..., p. 143.
66. MAÇCARONE, M. Lothariicardinalis..., p. IX XXII. ROY. Br. “La Dan
se...”, em Le Sentim ent de la m ort..., p. 125 •I 26.
HH
i> vínculo m l iv o desprezo do imuido e uma profunda repugnó n
i ia da com vp ção o da gestação. A semente humana é considera
da Ik|uicl<> fétido e se* jimia no pensamento do monge, como logo
depois no dc l.olário, aos excrementos e a ludo a(|iiilo que sai do
corpo. A putrefação está em nós. Ida é associada ao amor carnal
e a morte (as duas faces de uma mesma realidade) e triunfará so
bre nós desde o falecimento. Assim como a corrupção do cada
ver e uma punição - sem o pecado, a natureza não teria proce
dido dessa maneira - assim também é a sujidade das operaçoes
que acompanham a concepção e precedem ao nascimento, e
também este nascimento sangrento que nos lança miseráveis
numa terra de exílio. Já foi observada de passagem aquela lor
mula talvez de origem árabe e destinada a um longo futuro: "O
que eu sou, eles foram, e eu serei o que eleá são”. Fia já era na
época um lugar-comum do discurso monástico:67 Nós a enconlia
mos com efeito no epitáfio fúnebre de Fierre Damicn ( 10" '.) <
na Disciplina clericalis de Fierre Alphonse (início do sécul< > I i
Fnfim, por intermédio do pecado, estabelece-se um estrello \m
culo entre a corrupção da carne - viva ou morta - e o lenioi do
julgamento que espera cada defunto. -No discurso monasllio,
medo do dies irae , desprezo do mundo e imagens macabras
vermes e cinza —fizeram parte de um mesmo conjunto cuja coe
rência é preciso sublinhar:
Kl)
N;i verdade, é cm meio a um grande* tcmoi c .1 grandes do
tes que a alma se separa do corpo. Porque os anjos vêm para
pegá-la e levá-la diante do tribunal do juiz temível, Então, re
memorando seus pecados e erros cometidos dia e noite, ela
treme, quer fugir, pede um adiamento dizendo: dêem-me ape
na'. uma hora... Os demônios de rosto terrível e horrível aspec
to .1 atrrtorizarao, a perseguirão com grande furor e quererão
agaita Ia <■ segura Ia - ó terror e horror! - a menos que ela não
11o 1 fiujfi ai 1 aneada...7*'
• )
/)/»**. hile, f-.tíi formula que ficou célebre pelo poema de
Ib..... .. t *1,1110 (j I iSO/ôO) - que não foi seu in v e n to r-a n -
ii di h m 11pon a Imaginação inquieta dos monges que a ti-
nliiim lido cm Sofônio (1,15): “Dia de fúria, foi aquele! Dia de
dcsgi.g.i e de trlbulação, dia de desolação e de devastação, dia
de escuridão e de nuvens sombrias, dia de névoas e de tre
vas,..". Dia do julgamento geral, mas dia também do julgamen
to de cada um cie nós. Citando Sofônio e indo além dele, bota
do, depois de ligar indissolu.velmente sujeira física e sujeira
moral do homem, ficará espantado, ele também, ante a pers
pectiva cia grande prestação de contas: “Eis que virá o dia cruel
de Deus que, cheio de indignação, de cólera e de furor, puni
ra a terra, reduzindo-a a deserto e punindo os pecadores”.71
Observemos de passagem que São Bernardo, a quem se atri
bui, tom o j.i dissemos,72 um poema sobre o julgamento final,
multiplicou as imagens de decom posição para caracterizar o
pecado (lepra, fluxos impuros, vermes e roedores) e comparou
o |tocador ao cadáver de Lázaro, que já cheirava mal depois de
quatro dias no túmulo.7-1
!>n
;i posteridade do discurso monástico
sobre a morte
Nas considerações anteriores, nós seguimos a ampliação
progressiva da audiência geral do contemptus nmneli, a partir dos
com entos. O mesmo procedimento, centrado agora sobre um
ponto particular, nos leva a detectar a posteridade do discurso
monástico sobre a morte na literatura e na arte dos séculos pos
iri lores. Não se trata de negar a ambivalência do macabro, sobre1
a <pial voltaremos logo mais.7' Não há dúvida de que depois de
I Vá), sobretudo a insistência sobre os pormenores horrorosos
muitas vezes revelava morbidez e outras vezes ultrapassava, ou
ale mesmo abandonava, os objetivos pedagógicos e morais. I’a
rece mesmo certo que se produziu, em vários casos, uma invci
•■ao de significação da iconografia macabra como convite a g< >/ai
a vida. Mas seria um erro fazer abstração das intenções moiaf.
demonstradas durante tanto tempo e seria também anti hisimlt
separar arbitrariamente a evocação da corrupção física nos sei u
los IS-16 da literatura anterior consagrada ao contemptus mm uh
Provém desta última, evidentemente, aquela repugnante quallll
cação do corpo (feminino) dada pela Morte num poema do int
cio do século 15, D er A ckerm ann aus Bòhm en (O Trabalhador
da Boêmia): “Um objeto de repulsão, um recipiente de excre
mentos, um alimento imundo, uma sentina fedida, um banquete
repugnante, uma carniça putrefata, um cofre bolorento, um saco
puído, um bolso furado”.7"1 É mais ou menos o que tinha escrito
( )don de Cluny74756 no século 10° e o mesmo tema retomado em se
guida pela iconografia consagrada a Frau Welt (o Mundo): bclc
za na frente, corrupção por trás. Para os monges, a mulher repte
1)1
senta o superlativo ela podridão e a imagem mais evidente da
morte e do pecado. Mais geralmente, o antiíeminismo e o maca
bro eram ligados. Daí a necessidade de esclarecer a penetração
dentro da c ultura européia de uma palavra sedare a morte enun-
t ladu de início por ascetas a serviço da Igreja.
Mm fragmento do livro Bríeue collezione delia miseria del
ta u m, ma <<>udi ioue , ele Angelo Torini, permite perceber como
11 mt< a m guio, agravando-o, o D e contemptus m undi de Lotário.
Inia '.e .i<|uI tio lema antees explorado pelo pseudo-Bernardo: o
11<nM» m \l\11 ja e ptnlridao.
Condição indigna V
I lumana, que sempre erra!7
0!)
I- de amarga repulsa,
I >o sanano corrompido.
Menstruo 6 chamado e fluxo
Que cessa cntáo para a mãe.
I'oi ( ansa dele morre a relva, isso é claro
As arvores sao aniquiladas.
( >. i ai", enlouquecem ¡mediatamente
I ir a >( ai m i lal materia."1
\ .
!If»
( ¡corees Chastellain ( 1405-1475), poeta titular elos diiques de Bor-
gonha. A morte prematura de sua amada o leva do horror da po
dridão a uma meditação cristã.92934Um drama pessoal permite mais
tim.i v e/ encontrar o contemptus mundv.
+
Vede o <|ite Caz dolente morte...
I o (Oi pó, vil e imundo
I V u l r n T . pura sempre;
I li m i a Icild .i com ida
I' n i ,i lena e a v e m iln a .91
E ainda:
1)7
cía de ser um "vil pecador”. Mais uma ve/., ressurgem a<|iil ¿ir. sen
tenças d e jó e do Eclesiastes e de novo a pergnnla Ubi sim l?, C|ue
o poeta por sinal enriquece de notações novas e insistências pou
co habituais sobre os personagens femininos:
í>8
velmenlc sei i verdadeiro (Hule > Ne.se sentido, ele se junta a Ioda
uma lileralura morali/ante que mohlll/ou essa palavra ( Es/k :ch Io
ilc pecadores; Espelho ele pecadores c pecadoras, etc.)110 e convi
dou o h o m e m a olhar-se no espelho que lhe devolve a imagem
de seu futuro cadáver:
09
ni i.i fin S;i int I)enis, com o roí no plano Inlei loi n pn \si ni ai lo .so
filíalo a lorie descrição de H. Male: "mi, as laces cavadas, o na
il/ ion ido, a boca aberta, o ventre rasgado pelo embalsamado!',
ja ,r. 'aislador, logo pavoroso, tão miserável quanto um mendigo
morto","" Aluda na segunda metade do século 16, algumas
obias, poi sinal tributárias da técnica e da estética da Renasceu
-a Italiana, continuam a representar escultura de mortos com
..... .. ■idad' ■ Intensa aquela, inacabada, de Catarina de Médicis
...... lo in n i «oi ulplda por Cirolamo delia Robbia em 1566"7 e
11111* I ........ia di \ ilenilnc balbiani (no Louvre) devida ao cinzel
................ . nu 1'llou <« u111 1572 e 1584) que soube associar aclmi-
i i . 11111 un " i .prelo delicado dos cabelos ondulados e as clo-
bi in d i ué «ilaIIia a um corpo macilento.118 Uma contagem recen-
i. |. laina ao ni.K abm permite corrigir um pouco a idéia tradi-
i loiial qin la/iamos da Renascença. Com efeito, foram contados
ah ar,, na ’,(> i luinulos (ainda existentes ou destruídos) dos sécu
lo,-, I t I comportando a figuração de um cadáver: apenas cin
to são do século I í, 76 do 15, mas 155 do 16. No 17, não en-
conlramos mais que 2 9 .119 De maneira mais geral, quantas igre
jas, livros de horas e relógios dos séculos 14-16, quantas casas
pari R ulares, brasões, ou até mesmo lareiras nas salas de visitas
i ompoilaram imagens ou inscrições relacionadas com o memen
to morl\ <) conlem/Hns m iin d i , transbordando do espaço dos
nn i'itelto'., Invadiu uma cultura.
i na, e|i ln< Itn.i, como ultimo componente, o temor cio jul-
i ..... ui" Minai ou parlleular) (|iie estava, ele também, logicamen-
i' ............... .. in ia p oem as anteriormente citados. Logo depois de
e i li a i " n li.io / l>l |ean Régnier, nas suas Fortunas e ad-
i , i i,l,.............. illiits' se a Virgem dizendo: “Neste grande dia, hu
ndid........ de d suplico / Q ue faças que para Deus eu não grite /
ii ida ' in .uma no final das contas”.120 Mais impressionante é a
100
r\ ( >i ,k .I() do li 1(1,1VK> dia íclta por 1.11.st;u Ik• 1)csehamps. Seu D u -
l'l<> l<ii d a jra uilidcule hum ana, no conjunto, c medíocre. Mas seu
I.denlo desperta para descrever o dies trae e os sofrimentos do
Inlcino onde os condenados “gritarão com o ensandecidos”:
101
Tremerá,...
líntão roguemos ;i Deus que cachi um trombeteie
As Vil virtudes que Deus trombeteará
Enquanto do inferno,...
Nao pudermos ouvir a trombeta ...1’3
102
« l.il>imulo cli• Início nos mosteiros y depois difundido c.ul.i v i’/
i ii íi I.’. .im plum onk’. I>. ii aquelas rígidas sentenças de (leorges
• liasU’llain, sempre expressas em forma de interpelação de pee
>».uli >i para ouvinte;
a m orte conversora
O discurso cristão sobre a morte, çom efeito, nao pode ser
separado da insistência mais ampla sobre os fins últimos (em Ja-
lim os novíssima). Devemos então remontar novamente aos Pa
dres do deserto. Porque foram eles c]ue credenciaram a série cro
nológica “morte, julgamento, inferno (ou paraíso)”.129 Foram eles
que lançaram o conselho de meditar sobre a morte para melhor
127. C H A ST EL LA IN , G. (Euvres, V I, p. 64 6 et 64 7.
I 28. Não há dúvida de que houve reações cristãs a essa pedagogia traumatizante.
I 29. Vou utilizar muito nas páginas seguintes um estudo de Fr. Bourdeau e A.
I >anet, “Fiche de prédication missionnaire: la m ort”, redigido em 1954 para
uso dos redentoristas e que o Padre Bourdeau amavelmente me comunicou.
Fm seguida, assinalarei este estudo de Fr. Bourdeau, La Mort... Ele foi parcial-
monte retomado em dois artigos publicados por: Fr. Bourdeau e A. Danct,
T.uit ¡I prêchcr la cráinte de la m ort” na Vie spirituelle, n. 4 9 2 , março 1963,
m:i
,sc* preparar para a eternidade: um conselho lidado de maneira
Indissociável ao convite para o conteniptus nnunlt, Sao Paeômc
(| 3 iH) di/ia a seus monges da Tebaida: “Antes de tudo, tenha
mos diante dos olhos nosso último dia, e temamos a cada ins
um e as dores eternas”."0 Já se escreveu sobre Santo Efraim ( |
outro monge do Oriente: “É raro que ele não leve seus ou-
vInti •a pensai na morte e no julgamento”." 1 Retornando do Egi-
im ^ml. 111| pim tirar a sabedoria junto aos monges, São Basilio
11 ■ 'o , mi. n iig.ido por um intelectual que lhe pergunta: “Qual
• i . I. 11111. .i•. d.i lllost illa?". Basilio responde seguindo Platão: “A
.
1 11111 . h i di I..... to d a lllo N o lia é a m editação d a m orte”." 2 Em ou-
............... . to imp. >itunado poi dois filósofos, Basilio dá a mesma
i. .|i.. .i,i i ni. \11■.•.a filosofia seja sempre pensar na morte!”1"
í Io 11 11 i In. i'.i .iii da aseensao a Deus, Macario, o Egípcio (f 390),
. oloi i ,i lellesao sobre os fins últimos: ter no espírito o dia de
ai i moili . Imaginai o comparecimiento diante de Deus, o julga
m e n to , os castigos reservados aos maus e as honras dadas aos
santos,"' () convite a meditar sobre os fins últimos é particular
mente forte numa exortação de Evagro (f 399) a cada um dos
seus monges:
i 'Jtrfm |miu
101
Santo Agostinho, profundamente marcado pelo monaquis
mo e (jue impôs ao sen clero a vida comum e a pobreza, escre
veu, entre outros discursos sobre a morte: “H pelo eleito de urna
grande misericordia que Deus nos deixa ignorar o dia de nossa
morte, a lint de que pensando todos os dias que podeis morrer,
vos vos apresseis em vos converter”.1'0
Esses textos traçam para nós um caminho através da tradi
ção monástica. Porque foi ela que primeiro viveu e depois ensinou
o </uotidie morior e a necessidade de fazer da vida urna prepara
dlo para a morte. No capítulo 4 da regra de Sào Bento (f 543), en
contramos os seguintes convites: “Temer o dia do julgamento; re
cear o inferno; desejar a vida eterna com ura ardor todo espiritual;
tu cada dia diante dos olhos a eventualidade da morte”.1'7 A “es
cada do paraíso” de São João Clímaco (f 600) comporta no seu
sexto degrau esta comparação esclarecedora: “Assim como o pão
c* o iríais necessário dos alimentos, assim também a meditação so
bre a morte é a mais importante das ações”, e esta outra fórmula:
"Assim como se diz comumente que um abismo é uma profunde
za de agua que não se pode sondar e que é por essa razão que
lhe dão esse nome, assim também o pensamento da morte produz
em nós um abismo sem fundo de pureza e de boas obras”.1361738139
A espiritualidade cisterciense não deixou de adotar a me
ditação sobre os fins últimos.. Embora o próprio Sào Bernardo
nao tenha atribuído uma importância primordial ao pensamento
da morte, a posteridade, porém, reteve algumas das suas fortes
sentenças sobre o tema que figuravam num sermão dirigido a
seus monges: “O que sào os fins últimos? perguntava ele, porque
dizem que, se te lembrares deles, não pecarás. É a morte, o jul
gamento, o inferno. O que há de mais horrível que a morte? O
que há de mais terrível que o julgamento? Porque não se pode
■onceber nada de mais insuportável que o inferno. O que mais
podemos temer, se diante disso não estremecemos, não nos apa-
voramos, não somos estremecidos pelo temor?”.1'9 Essas interro-
105
gaçi)c\s angustiadas convidam a nao datai apena-, do m -i ulo IS
ou do 17 - , com o se Ia/, às vezes, a tran.sformaçao do medo na
tural da morte num medo religioso do julgamento. O discurso
monástico já linha há muito tempo operado a transferência. Des-
modo, a mcdilaçào sobre os fins últimos estava prevista nos
i \i n i< Io-, e.-.piriluais da Ordem de Cistèr. Uma D e vita eremítica,
mibuid.i aos <isteivien.se Aelred de Riévaulx (f 1166), comporta
d* •i ipimlo i ao capitulo 77 um programa de reflexões versan
do ,n. i av miente sobre o passado: as benesses de Deus; sobre
.. pu m ule i miseria humana; e sobre o futuro: a morte, o julga-
............. . i . h inid,ule bem aventurada ou mal-aventurada.140
140. Patr. Lut., X X X II, col. 1 .4 6 5 -1 .4 7 4 (De Vila erem ítica). Cf. também
T E N E N T I, A. II Senso.,., p. 66.
141. D A SS1SE, François. Ecrits. Ed. Sources chrétiennes. Paris: Cerf, 1981.
p. 241.
142. Ibid., p. 195.
143. BONAVENTURE. Soliloquiutti. Cionsultri .i ti mintió ele F. Mézièrc, na
“Blbliothèquc des âmes chrétiennes", l'.ni ,, IM">9, p, I ’8.
A Tenenti mostrou bem <jut* na longa pré historia tías A r
h"> nioriendi o dominicano místico I lcnri Suso (1296-1306) ocu
pa mu lugar im p o r ta n te .Seu Livro da sabedoria eterna (em ale
mao) c seu Horologiuni sapieu ticte - este último é às ve/.es apre
ut.ulo com o uma tradução livre do primeiro - insistem de ma
nelra concordante sobre a necessidade de aprender a morrer e
sobre o fim trágico do homem que morre sem preparação. Ilumi
nado pelo espetáculo das agonias e pelas imagens do inferno e
do purgatório, o “servidor” da sabedoria exclama:
Ah! Senhor... Que temor é o meu! F.u jamais soube que a mor
te estava tão peito de mim... Estarei todos os dias espiando a
morte e olharei ao meu redor para que ela não me surpreenda
por trás. Quero aprender a morrer, quero levar meus pen,samen
to para o outro mundo. Senhor, vejo que a minha morada nao <•
neste mundo."s
107
(Isto e, ,i c<>ndenaçao pelo julgamento),"’ falla um poili o de Io
gl» ¡i nessa sequência. Mas ela reencontra sua coerência no Pls-
positorinm moriendi de outro dominicano, Jean Nidcr (| 1438),
atitoi aliás de uma célebre obra de demonologia, o Form icarius.
<) Disposltorhnn insere a reflexão sobre os fins últimos nas pesa
da. estruturas escolásticas da época.150 Quanto ao franciscano São
I a nai i lino de Siena (| 1444), ele consagra um sermão aos Q ua-
iii"i nol is\¡nut que seguem uma homilía sobre a morte, outra so-
I........|u bra 11H nlo, uma terceira sobre o inferno e duas outras so
bo as luíoslas da condição humana.151
\ dllusao da reflexão sobre as origens e as conseqüên-
i l,i da i i i o i ú opeiou se também através da espiritualidade da
l'i rolio nio.lriiiti, um segundo caminho que cruzou e facilitou
m pilmelio 1’aia Is bourdeau, “esta escola nórdica, representa-
11\ i d. uma oiaeao ao mesmo tempo metódica e afetiva, pare-
<e tis slsksnallzado a meditação dos fins últimos”.152 De fato, o
i'tisclaiUniHs de Ciérard de Zutphen (f 1398), durante muito
tempo atribuído a São Boaventura - atribuição errônea, mas sig-
niflt ativa comporta uma seqüência de reflexões sobre a mor
te, o julgamento e o inferno.153 Do mesmo modo, na Im itação ,
nao so o religioso, mas também mais geralmente todos os cris
tal o desejosos "ile fazer algum progresso” são convidados a me
ditai siu es.lva mente sobre a miséria humana, a morte, o julga-
iia nt<• o luleino e o céu .15,1 Na esteira da Im itação , o Cartuxo
n. . d imli ■ 11, nys de Hyekel ( | 1471), autor de umas 200 obras
d. i, i.|ii)i|,i misil» a, com põe por sua vez um D e Q u atu or hom i-
m nori.sim is, o ijtial Inspira, entre outros, no fim do século 15,
■i Itosrlnm de |< an Mombaer. Ora, no título 35 da compilação
i i i ii. i di si. uliliiii), encontra-se uma Prologas generalis in
1OH
i/niiliior novíssim a onde figura este aviso: "Guárelo com eukla
do no iik'U coração estas (jualro preocupações: minha inorle, o
|tllgamcnlo, Ç) negro abismo e o claro paraíso”.1''’ Seguem-sc i5
paginas de desenvolvimento (na edição in-4° de 1503). Pelo
i s r i i lta torio de la vida sp íñ tu a l (1510) de Garda Cisneros, a
meditação sobre a morte cara à Devotio m oderna atingirá San
io Inácio de Loyola e se difundirá em seguida através da prati-
1a dos Exercícios espirituais.™
Mas, desde o início do século 15, ela já tinha marcado Ger-
"II Ora, a terceira parte do Opusculum tripartitum deste autor
i onsliluiu uma das maiores fontes da Ars moriendi cujo sucésso
Ia afirmar-se depois de 1450, sendo a outra fonte principal o Cor-
>H<de (¡uatuor novissim om m . Durante muito tempo atribuído ao
< aldeai Capranica, este último texto foi mais provavelmente com
posto na Alemanha do Sul, talvez por ocasião do Concilio de
i onstança e a partir do Tratado de Gerson. O autor podería sei
um dominicano de Constança. A circulação deste escrito no Im
« Io leria então se beneficiado de dois suportes: os padres que
\ollaram do Concilio e a Rede de Conventos Dominicanos.1 Se
' sia hipótese for correta, Devotio m oderna e Ordem dos Irmãos
bregadores teriam, então, desempenhado um papel decisivo na
elaboração da Ars moriendi. ^
Na esteira de Roger Chartier, podemos representar em
grandes traços a espantosa carreira desse best-seller,1516*58 “verdadei
ra cristalização” da morte cristã, notaclamente sob a forma icono
gráfica. A Ars m oriendi - que pretendia ser uma “técnica” ou um
'método” para bem morrer - é de início um texto conhecido sob
duas versões. A versão longa comporta seis seqüências: recomen
dações para bem morrer, tentações da agonia, perguntas a fazer
ao moribundo, orações que ele deve pronunciar, comportamen
to da assistência, orações aconselhadas a esta última. É a versão
155. Transposição por Fr. Bourdeau de “Bis duo sunt, quae cordetenus sub pec-
tore misi, M ors mea, judicium , bàrater nôx, lux paradisi".
156. Ver mais adiante p. 397.
I57. Essa é a hipótese da Irmã M.C. O ’CONNÓR, The A rt ofdying well. The
I'>cvclopment o f the Ars m oriendi, New York, Columbia University Press, 1942,
p. 61-112.
158. CHARTIER, R. “Les Arts de mourir, 1450 1600”, em Anuales E.S.C.,
j.MKUro-fevereiro de 1976, pi 51 -75, com bibliografia remetendo notadamen-
tc a A. lencnti, U Senso... e a M. ( ()'< onnor (vn nota anterior).
10!)
ele i ju.isc* lodos os manuscritos e el.i malotla il.is i <ll< no. tlpogra
(leas, A versan enría enquadra as tentações da afonía entre urna
inlroduçáo e uma conclusão. H a versa o das edições xilográficas
e de urna grande minoría das edições tipográficas.
A Ars m oriendi conheceu o sucesso já sob a forma de ma
uu.si ritos. Os catálogos de bibliotecas permitiram levantar ate
agora 23 i deles: 120 em latim, 73 em alemão, II em ingles, 10
em francés, 9 em italiano, I em provençal, 1 em catalão, 1 sem
Indleaçao ile língua. Pelo número de manuscritos conservados, a
. Os moriendi vem depois da Bíblia, certamente, e depois da Im i
tando (700 manuscritos), do D e Regim ineprincipum de Gilíes de
U<)ine (cerca de 300) e do Román de la Rose (cerca de 230). Se a
0 s moriendi causou choque foi principalmente por causa das 1 I
gravuras que ilustram a versão curta: elas apresentavam, ao redor
do leilo do moribundo, as cinco tentações (infidelidade, desespe-
ro, impaciencia, vangloria e cobiça), rejeitadas graças a cinco ins-
pliacoe*. angélicas, A Ars moriendi, no estado atual do conheci-
1111 nln, p a u te leí sido o mais difundido dos livros xilográficos
i I i"Mt |i o ti tilo*, editados dessa maneira), sendo aliás certo que
• 11111 •n i•• d. i ulnas l'ol multiplicado por meio de c’artazes e
1 ............... .11* pedí mi o i i diados ñas paredes. Um “pincel sobre
p tp .l p n p iiid n di leiomc Bosch, representando a Morte do
i IIWh 'ii /m ' urna vail.u .lo sobre a tentação de cobiça das Artes
HiiHlvihllA'* ç, - /
\ iiiipM ii’i.i ........Hit ni a expansão da Ars moriendi, ao mes-
iiii. i. mpi' <pii lain, ava ao grande público obras mais antigas (/7o-
1 1 .i>inm 11, '.us. i, ( )/>io trl/xirtitum de Gerson, Cordiale... novis-
kiiin •inni i, . i i |< >s te\ti *,s K mvergentes atraiam a atenção dos cristãos
0 .1«i. i un ni. c o julgamento. Irmã O’Connor levantou 77 edições
1 .... ................da In moriendi, número certamente inferior ã rea
lldade;*1"1 31 para a versão longa, 26 para a curta, 42 em língua vul
gai (portanto, destinada sobretudo a leigos) contra 33 em latim. Os
centros de difusão foram por ordem decrescente: París (17 edi
çnes), Italia do Norte (14), Alemanha do Sul e Renánia (14), l.eip
zlg (9), Países Baixos (6): uma geografía que, em seu tempo, im
poe uma comparação com a das Danças macabras.162 Setenta e sete
165. T E N E N T I, A. IISenso..., p. 8 0 - 8 1 .
1 6 6 . C H A R T I E R , R . “L es A rts d c m o u r ir ", p. 5 5 .
167. DACI1EUX, L. Les Pliis anciens i'iihs J e ( tei/ee, Colmar, 1882, p. II-IV.
III
tes m oHcudi c outras "Preparações pata .1 1n< h1• solreram um ni
lido recuo uii livraria, principalmente na l lança, e *U* outro lado,
<|iir o d|,st urso cristão sobro a morte tinha se enlao diversificado.
Masía resumir aqui seus argumentos concordantes sobre esses
pontos Km Karls, constatam-se ainda 5 edições da Ars moriendí
entre IS()I c 1510, contra 4 para os decênios 1511-1600. Km 16
mil edições lionesas do século 16, somente 2 são consagradas a
. l/\ motiendi, bordeaux, durante o mesmo período, publica 71 I
edições, mas só uma “Preparação para a morte”. Na Inglaterra
também a A rs se mantém com dificuldade: 4 edições, das quais
as duas ultimas sao de 1506. Constata-se, todavia, uma certa so
brevivência da Ars na Europa do Norte e do Leste: 5 edições na
Suécia e na Dinamarca entre 1533 e 1580 e 5 versões antiprótes-
lantes impressas em Dillingen (Baviera) de 1569 a 1603. Mas tudo
Isso e pouco ao lado das 200 edições da Imitação.
I bem verdade que várias “Preparações para a morte” de
um novo e .iilo elas querem levar à boa morte por uma boa
vida t onlie< em um real sucesso. K o caso sobretudo do trata
do d. f < II' hio\< . /><• Doctrina m oriendi... a d m ortem foeli
, th 1 iil'/'i'lcuJiini , editado I I vezes em latim, em Paris e em
\m 'i di I •’(> 1 1 . i(i, ( traduzido em francês em 1533; e prin
ipil....... . d " /», I'i i'/iarallonc ad m odem de Erasmo (1534)
.............. I............u 1 dl> 01", 1 m latim ou em línguas vernáculas no
it 111111d*1 ......... ,11 11Io Ki. Depois disso, esta obra de um au
1m i ,"'P ' ii" 1 11 111n 1it< seia reeditada. Além desses dois clássi
•ou, " |ie ■niuii" da • Preparações para a morte” nos domínios
u un ' , 1111>,I' , ia 1 ,< •ulo l(> só registra poucas obras”:168 de cada
fu i" uma d< .' na de títulos que juntam meditações protestantes
■ 11111 Uvas 1a 1<>1U as, Na Inglaterra, o Tratado do Leigo Erasmia
tu' I upsei t PD 1) tem 5 edições em dez anos.169 Em 1561, apare
i e o do calvinista T. Becon, reeditado 11 vezes no século 16 e
sete vezes nos trinta primeiros anos do 17.17017Em terra romana, a
produção jesuíta sobre a morte com eça a afirmar-se com O Mc
todo /tara aju d ar os m oribundos de Juan Polanco ( I a edição Ia
lina I575)1’1 um pequeno livro muito imitado —e, sobretudo, o
I K!
I >< \rle hette m oriendi de bel.umlno (. I()20): no loinl, 20 mulos
|< iuiI.in .sobre ,i morlo entre IS i() e l()20... contra 139 do l(»2l a
I '()() e 10! do 1701 a 1800,IJ lissa comparação por si só coníir-
ina a estiagem do século 10.
Antes ila perda dos cinco sentidos, seja qual for a enfermida
de do doente, o diabo não ataca como na hora da agonia, de
pois que se perdeu o uso dos sentidos.” Então, “o diabo vê que
o paciente se aproxima da umidade radical Ia morte] e que res
ta pouco tempo para tentar conquistá-lo”. Em seguida, ele coni-
picende que o doente “está agora despojado dos instrumentos -
os cinco sentidos - com os quais pocleria defender-se. Porque
<le bem sabe que estes foram dados ao homem para que, grá-
176. Ibid..
177. Ibid.
178. Ibid.
179. Ibid., |>. 52-107.
IHO. Ibid., |>. 83-87. Cf. também TF.NENTI. A. /ISenso,,., |>. 315 (para Pic-
tio da I liten).
s.u lii’Z *11 ic* pode perder linio t'in a n i s o |i kmu i. i de mu Cínico erro
no I iiii ci.i p.ulkl.i."" (ion ipreeiKle-.se cnláo a importância atribuí-
tía poi lanías "Preparações para a morte” a escolha ele um amigo
piie acompanhará o moribundo com seus sabios conselhos e
•na-, piedosas exortações, o papel crescente que logo será atri
buido ao viático (apesar do que escreveu Venegas) como ele
m ento determinante de tranquilidade na chegada da morte e en-
lim a multiplicação, no século 16, das confrarias que se propu
nham nao só rezar pelos moribundos, como apoiar os condena
dos a morte.
() sentimento de que o momento da morte é o “ponto” cle-
t isivo em que se joga a eternidade, de tal modo que se pode di-
< i r o m IMetro da hueca (JDottrina del loen moriré, 1540) que o fim
do homem é “assustador”, atravessou a época do Humanismo. O
pioprio l '.rasmo declara de maneira bem tradicional no inicio de
■na / 'reparação para a morte-. “Desse último ato de nossa vida,
que podemos comparar a um drama, depende a eterna felicidade
do homem ou sua desgraça eterna. Aqui se trava o supremo com
bate do qual resultará para o soldado de Cristo um eterno triun
fo se ele obtiver a vitória, ou urna eterna desonra se for vencí
do”."4' A morte é vista assim no sentido estrito do termo, como
urna “catástrofe”: ou seja, como o evento decisivo que traz o de
senlace de cada Historia humana. Montaigne nào está longe des
se sentimento quando escreve de nosso último dia: “É o dia so
berano, é o dia juiz de todos os outros: é o dia, diz um Antigo
Isênecal, que deve julgar todas as minhas ações passadas”.181283184*,Em
uma homilía dominical, Jean-Pierre Camus dirá aos seus ouvintes
no início do século 17: “Para nos habituarmos à viver justamente,
devemos ter em mira o nosso fim, que é a morte: é a amostra e
o instante que deve servir para julgar a peça inteira... A catástro
fe é o mais belo da comédia e a conclusão é a melhor parte do
epigrama; estejamos bem atentos à catástrofe e à conclusão que
deve terminar os registros sobre os quais seremos julgados”.188
() espaço concedido às tentações nas “Preparações para a
morte” foi diminuindo no curso do século 16. Mas esse desapá-
i ir>
re< lincnlo relativo ( |>orc|Ut* nao se pode l.il.ti de siipn s s . k >) só se
operou lentamente. () De Doclrfiui m oriendi d e Cllchtove, obra
(jiie Invoea Cícero e Séneca ao lado de Sao Cipriano e Santo Am
Iíroslo para tranquilizar contra a morte, identifica, todavia, dez
tentações na aproximação da morte e lhes consagra a segunda e
maloi paite do livro.1"' No D e Preparatione a d mortem de líras-
tiio ' i t spaço concedido às tentações é muito mais discreto (cer
ni d< um décimo da obra).'"6 Entretanto, ele não é desprezível.
I i i MP i p< ira como Iodos os seus contemporâneos que “o itlimi-
i-o , ......... uma oiasiao favorável nos sofrimentos do doente,
ip eu a iioi da morte, no seu horror do inferno e naquela f ra
qui -a naluial do iv.pullo, ,u|iiela tristeza da alma que causa uma
11Hdi ,n.i g i.n e " () d em onio procura então abalar a fé do pa-
■li n|i ou le\ .i Io ao desespero ou incitá-lo à presunção, ao que
se jimia "o temor do purgatório”. No D e Arte bene moriendi cie
Itelurmlno, as tentações e a luta contra elas ocupam 5 capítulos
em W ou S em 17 se considerarmos que só a segunda parte da
obra e consagrada às aproximações da morte, já que a primeira
se dirige ao cristão ainda em boa saúde. Os perigos que esprei
tam o moribundo segundo Belarmino são a queda na heresia, o
desespero e o ódio a DeUS.1""
( i uno diremos mais amplamente num capítulo ulterior,189 a
p i i'H.il i atolli a nao abandonará a evocação cias agonias. Mas ela
d ii i . nlas. . ada vez mais a duas histórias opostas: a morte llor
ín i I do peí adoi e a outra m<>rle, serena e exemplar, do bom cris-
ii.i II i mullo tempo |a estava estabelecida entre os homens da
Ign |a a . - >iiv I. <ao de que o pecador empedernido tem poucas
. Iim .es d. • i. , uper.it In exlremis. Um capítulo cio Livro da Sa-
/'../.'//./ d. mi o e consagrado a “o que é uma morte sem prepa-
ia. a* • < In gando as portas do julgamento, o pecador tem o sen
timento d. sei como “um mendigo que se expulsa”.190 Nos ser-
....... ... d. ,\ao Uernartlino de Siena transcritos em latim, descobri-
I I!)
indios ,i colocai' no frontispicio do sen />r O oilrh ia m orlendi
tima caveira apertando uma tíbia nas mandíbulas; abaixo, avista
se uma pá, uma picareta, ossos e a tampa de um túmulo. Km de
zembro de 1981, foi vendido ao hotel Drouot um Ofício cia Vir-
ocnt encomendado por Ilenri III em 1586 para a “Companhia
( parisiense) dos confrades da morte”. A capa em marroquim ful-
........si i nía mullas lágrimas, um esqueleto, tíbias, caveiras, velas,
o u « si isp ei,órlos, As sugestões de Savonarola na sua Predica
,/.-//. ///< i/»7 In ■// moriré serão lembradas por muito tempo: visitar
...........11II<iios, seguli os enterros, assistir voluntariamente à ago
nia d " p.m nli s e amigos, ler uma representação da morte em
« i i o ili in disso, lei uma imagem dela no quarto),4confeccio
nai • «plrllii,límenle "lentes da morte”, isto é, considerar cada mo-
11n niii <oi no podendo ser o último e pensar sem pre,,olhando o
Io•«pilo i orpo, que logo ele será podridão, cinza e pó.198
Na esleirá de Savonarola, o Cônego Pietro da Lucca acon
selha , ele também, na sua Dottrina del ben moriré 0 5 4 0 ) a assis
tência aos agonizantes, a freqüentação de funerais, a visita a ce
mitérios e a meditação uma ou duas vezes por semana diante de
uma caveira. Aliás, ele dá um modelo do diálogo-que se pode
manlei com um crânio .m Numa pregação para Quarta-feira de
<,ln/us pronunciada em Roma em 1542 e impressa em seguida, o
liam Is* ano Corncllo Musso, na sua época o orador sacro mais
«>•1111<« Ido da llalla, pede por sua vez que se vá visitar os cemi-
i« ili«s • i \oi a i -m largos (rayos a luta entre aqueles dois grandes
m i si i i Naluic/a e a Morle. lista última, “cruel” e “poderosa”,
■I. ill mji na nulo, na terra, no mar, em todos os lugares está
...........is ............ persegue-os, asseclia-os, mata-os, enterra-os,
n m 1'iima "s «m cinzas".’"" lim 1550, Innocenzo Ringhieri situa
' ii l>l,ilof>hl delia rila e delia morte num cemitério. A morte
........... ' um os Iúmu los, armada de um alfanje. É bem verdade
«|iii ' Ia st apresenta com o o guia que conduz às belezas eter
nas l ui suma, mesmo se as mais inovadoras das “Preparações
l::o
paia .1 morte" da Rena,st enya rejeitam o mórbido, perdura na
le,ifja urna tradiyao macabra que ainda Iara uma longa carreira.
I'.m todo caso, a morte permanece no centro da pedagogia
lellglosa em todos os níveis desta última. Sobre urna viga prove
Diente tía abadia do Bom-Repouso, na Cornualha, lê-se uma ins
' rlyáo tio século 15, em bretão, cuja tradução é a seguinte: "O as
■unió que eu estudo, quando o medito, eu o acho duro: depois de
lotla a nossa carreira neste mundo, o fim de cada um é a morte”.202203*
Muda na Bretanha, um Espelho da morte, longo poema composto
■ni 1519, comporta esta outra sentença: “A morte, o julgamento e
•» Interno frío, (piando o homem os medita, ele deve tremer. Ii lou-
■«i atpíele cujo espírito não reflete, visto que se deve morrer”.-0' K
«i pensamento da morte que deve, portanto, guiar toda a existen
•la Pietro da hueca afirma categóricamente: “Nós só somos colo
•ados ncsia vida para aprender a arte de bem morrer”.-0' llm pon
«o m.lis adianto, ele prossegue: “Se tens o hábito de pensar na
..... ríe em lodos os teus gestos e todos os teus atos, serás pendía
do pelo temor do Senhor e expulsarás de ti o medo e a pregul
■a Para Pierre Doré, “a primeira"preparação para a morte qu<
<I- Ijesusl nos ensinou é ter sempre meditação e pensamento na
morte iPorquel Nosso Senhor pensava sempre na sua morte de
I m>F. que sempre falavam dela, como aprendeu pelos evangelhos.
Mi- lielangelo escreve a seus amigos em 1545: “Para se encontrar a
I |ui tprio e desfrutar de si mesmo, não são os divertimentos e ale
- 11.i •que são necessários, mas o pensamento da morte”.-07 Erasmo,
i.io alérgico ao macabro e cujo objetivo confessado na sua Prepa-
it^do. e ajudar a vencer o medo da morte, lembra, porém, que
"ioda vida e apenas uma marcha para a morte”.208 Não foi Platão
125
elementos do discurso macabro d.i ('poní, e o i aprolunda
mcnlo na literatura monástica do coiitcmplns rniinJI. <) tema ge
ial do "debate" e este:22' um eremita vê em sonho mu cadáver. A
alma que se separou dele está ao lado e o acusa de ser a causa
de sua danac/ao. () corpo procura em váo desculpar-se. O deba
le ( liega ao lim pela intervenção dos demonios que levam a alma
p.u.i o Inferno. Esse conto foi muitas vezes associado ao nome
de Sao Macario de Alexandria, personagem favorito das lendas
fúnebres do Oriente cristão.2’6 Porque, um dia, acompanhado de
dols an|os, ele teria encontrado um cadáver fétido do qual se des
viou. Mas os anjos tapavam o nariz aproximando-se não do mor
id, mas de Macário. lile perguntou por qué. Responderam-lhe
11ue si ais pecados fediam mais que o cadáver. A lenda do sonho
di i eremita misturou-se á narrativa - atestada desde 380 - da “Vi-
sao de Sao Paulo", liste último assiste à separação da alma e cío
corpo de um eleito o àquela da alma e do corpo de um conde
na' f - A Vis.io de Sao Paulo" (que comportava também uma via-
i" m ni luí' nuil conheceu uma ampla difusão na Idade Média,
in. In a« i iia . línguas \«m aculas (francês, provençal, inglês, italia-
ii.. d. ui ............i. . a ), (,)uanlo ao “Debate da alma e do corpo”
. i" ..a i*11 . o . Ina li m i a s anteriores (e cujo texto principal é" um
........... ui" 1 mu., di. si i ulo I I proveniente do Mosteiro de No-
.. iniol o i |. i mil., m li . a \oli.i da liuropa (Irlanda, Noruega e
M....... ... in. lu i' , i \ tonalidade principal, neòplatônica e gnós-
u i i ............. .. manllda Num poema monástico latino deriva-
'i . .............. i.Hiadi. ml. i Im menie, a alma considera claramente o
i ............. li*. Inimigo declarado: “Eu queria respirar / (diz a pri-
iie o i a *,i ii mau ( ompanheiro) Mas tu não me davas espaço para
P -i Iai queria jejuar, mas tu me opunhas a doença / ... Eu
queda iiabalh.il Mas tu me obrigavas a repousar”.227 Uma poe
sia para uso de sermão composta por Jacopone da Todi reativa
de modo burlesco o diálogo entre os dois adversários:
i:w
I tilma: O corpo:
Dos vários corpos que lá jaziam És tu, disse eu, o corpo malvado
l'.ntre os quais eu vi do meu Tão vil, tão sujo e tão fétido
<>s ossos que tão logo bem conheci... Carne para vermes e podridão,
Horrível e feia criatura?--’
120
ilc fantasmas próprias para Impn >'J< >11.11 o auditorio Essa
1111 1u .1<> <Isolada por enquanto), poi sl so, c Interessante c deixa
entrever oulras. Km lodo caso, o Conto dos tres morios o dos tres
rlnos linha a estrutura e a função de um exemplam que algumas
valíanles e refinamentos teriam progressivamente enriquecido,
( )s vivos sao geral mente jovens nobres ou príncipes de belas li
bres. Às vezes, eles se dividem entre os três estágios da vida e
cada um reage segundo sua idade diante da trágica aparição: o
mais velho reza, o homem de trinta-quarenta anos puxa sua es
pada, o mais jovem se afasta do horrível espetáculo. O encontro
e frequentemente situado no curso de uma caçada - lembrança
do romance bizantino. Os cavalos empinam. Um dos caçadores
deixa escapar o seu cão, outro o seu falcão. Os três mortos são
menos diferenciados, embora, às vezes, usem coroa ou mitra.
N ao <■ raio que eles sejam apresentados nos diferentes momen
to:, da putiflacao do corpo, podendo então o defunto mais re-
11 nte Ia 01 lace ao mais velho dos três vivos e o mais decompos-
Im a< 1 mal . |ovem, a fim de que a lição atue melhor. Eles estão,
.................. I* liad.., e m i.iKoes abertos com o no manuscrito de
I ........ 11111 11•1111< lilemente em pé. Tanto nos textos com o na
Im HiMjii 111«, ,, . 1,///,. di *•, Ires mortos c dos três vivos é freqüente-
....... . ■. ........ . •na b<" a de um eremita c|ue conta uma visão que
1 u II........ i' 'ii I nma lembiança da origem oriental do conto.
Miiiqm >■<! 11 11.1 11 m duvida de Sao Macário, que com suas Vitae
r,iin o u mi 1 In ida 1 ni Italiano por Domenico Cavalca por volta
d. n Mit, 11 / 'eh,th ,hi tilmo e do corpo e a Lenda dourada tinha
|. min id" 1 1 .11a 11lia lamili.11idade com os cadáveres. A Lenda
dm otido 11 iin eleito, conta que ele entrou para dormir numa
mu........... i-,lavam enterrados inúmeros pagãos e pegou um dos
■' npi 1. i mim travesseiro. Demônios aparecem então para assus
ta Io e 1 liarnam o cadáver como sendo de uma mulher:237
1 W¡. V( )KA( i INI'., Jacques de. Legende dorée. Trad. franc. de 1843, X, p. 80.
W. ( ¡I IILRKY, L. Le Théme..., p. 175-176.
' III. O . i luco poemas foram publicados por S. Glixelli, Les Cinqpoemes des trois
nn» t\ Nas publicações de Guyot Marchant em 1485 e 1486 o Conto dos três
inorim,.. começa por estas palavras: “Se vos trazemos notícias que não são nem
boas nem belas, com prazer ou desprazer é preciso ter paciência...”. E o “pri-
incíio morto" que fala assim.
' ll TIUSTAM, l’b. Figures..., p. 163-164.
i:ti
Morir r v rn n rs , descreve lla u d o lh , ll/e ia m u |tlo l
One puderam...
Vr|¡im: todos os tres nao têm cabelo na cabeça,
( )llio na testa, nem boca nem nariz
Nem rosto...
11)2
(Ir ( londe I'ni Metz, mn pe<|iK*n<>qtladro do* primeiros anos do
ms ulo I i representando a U lula encontrava se na Igreja Nossa So
nllora do Clalrvauxa' Na Inglaterra, conhece-se uní salterio tic
I2b() aproximadamente que fixa a mesma cenad'"1 Mas é por vol-
la de I.VSO, e notadamente no (lampo Santo de Pisa, que o lema
assume toda a sua dimensão. Daí, ele se espalha amplamente no
( Vidente. <) pintor de Pisa - Orcagna, Spinello, Traini? - associou
numa vigorosa síntese o encontro dos três mortos e dos três vivos
(estes a frente de um brilhante cortejo de cavaleiros) com a evo-
cacao da Morte, megera descarnada com asas de morcego, com
longos cabelos e garras nas mãos e nos pés. Atrás dela, acum u
lam se cadáveres que ela já ceifou. À frente, percebe-se um jardim
onde jovens e ricos personagens estão entretidos com música e
alegre conversação. Ela se prepara para matá-los.
Após tantos comentários, é inútil insistir sobre o aceito
dessa composição entregue à nova sensibilidade dos contempo
raneos. Mas é preciso destacar vários elementos desse grandiosn
afresco, aos quais nem sempre se presta a devida atenção e qm
nos remete mais uma vez aos textos clássicos sobre o despre/o
do mundo. Um deles é a batalha que travam anjos e demônios
para a posse das almas dos novos defuntos. O julgamento que
segue a morte dá, então, sentido às outras cenas da composição
l)e um lado, um amplo setor do afresco, no alto à esquerda, e
consagrado à evocação da vida pacífica e bucólica dos monges
que compartilham o tempo entre a oração, a meditação dos livros
santos e o trabalho manual. Eles não temem a morte. Não é por
acaso que o artista, por contraste, colocou simetricamente, em
baixo e à direita, o grupo de jovens despreocupados. Como ne
gai a intenção pedagógica desse coerente conjunto? E por que
excluir a inspiração monástica, tanto mais evidente quando um
'•remita - São Macário? - desenrolando um pergaminho, narra
i mu tantos detalhes o exemplum dos três mortos e dos três vivos
que nao pode deixar ninguém indiferente?
Sc é verdade então que a partir de meados do século 14 uma
alençao maior e muitas vezes mórbida foi dada ao cadáver do ho-24678
i : i: i
mem, não creio que.se possa afirmar, noladamenli .1 proposito do
douto dos ttvs p ¡ortos e dos tres /»iros, que ela "Imobilizou os senil
do-, sobre mu objeto que, cm si mesmo, nao tem nenhuma signili
cu». .10 1 lisia” e que o macabro ergueu “uma muralha intransponível
entre a Ierra e o ceu”.-'" Deve-se antes destacar que ao longo da his
toria crista manifestaram-se duas graneles atitudes a respeito da
morte uma ate evitou o macabro, a outra insistiu sobre ele. Santo
loma', de Aqulno da este conselho na Suma Teológica: “Nao se
d« \* penen sempre no fim último cada vez que se quer ou que se
la/ alguma <o|\a l anío quanto o viajante nao deve, a cada passo,
p< n ai no m 11 d estin o ".M ais tarde, Pascal, citando Sao Paulo (Ts
i,l,',), 1 .» lia n a por ocasião do falecimento de seu pai: “Nao can
sí» leu moa mala um corpo como uma carniça infecta, porque a na-
lun a enganadora o figura desse modo, mas sim como o templo
Inviolável e eterno do Espirito Santo, como ensina a fé”.,251 Pode-se
legítimamente preferir esta segunda atitude e considerá-la mais pró
xima do espirito do Novo Testamento. Mas não se pode excluir a
nutra do mais aulentiep passado cristão, já que ela se apóia sobre
vai ios conselhos autorizados vindos sucessivamente dos Padres da
Igreja e do deserto, dos monges da Idade Média, de Gerson,252 etc.
A partir de 1.350, aproximadamente, a difusão pela imagem
min s. n\, Iluminuras, esculturas) e por escrito do conto dos três
ni' •11<1 1 dos th s vivos foi considerável na Itália - sobretudo no
»»< •11lo | 1 na I 1.uh .1 e iva Inglaterra. E. Mâle cita umas 15 igre-
|a 1 "ii 1 1pelas liam esas espalhadas sobre todo o território que
...... no mi uma n pu sentaçao da lenda, a última delas data de
I •<t •11«I•1 uma pintura na Igreja de Saint-Georges-sur-Seine.251
1a ti p 11 ........... ... Io lã, os miniaturistas com iluminuras nos li-
....... . a.......s i <is gi, nadores com desenhos nos livros de ho-
1 r. 1 il" ui ' s s c tema, () duque de Berry, que o queria num de
11 s II m d<' horas (por volta de 1400), mandou em seguida es-
o s
i:H
In, .1 dos Inocentes, N.i Inglaterra, existía aínda luí eem anos
tinta,*, cinquenta pinturas dos séculos I i 13 exec utadas muitas ve
M*s ñas paredes de humildes capelas, contando a lenda dos três
morios e dos três vivos. A metade delas foi destruída na época vi
lorlana: elas chocavam os pastores da época.2 256 A historiadora Phi
5
llppa liislam, que dá este pormenor, acrescenta que, embora so
*.e conheça na Inglaterra do século 15 duas versões escritas com
pletas do conto - um poemas-atribuido a Audelay e outro de
I Icnryson - , em compensação encontram-se referências a ele em
múltiplos escritos. Simples alusões bastam, portanto, para um pú
blico familiarizado com ele.2572*Quanto à Suíça, à Alemanha -e aos
8
5
Países Haixos, eles também não ignoraram um tema que se tor
nou europeu2™e que inspirou Dürer e Cranach. No desenho alri
buido a Dürer ( Albertina, Viena), o aspecto anedótico é fortemen
ti marcado. Os cadáveres já não se postam imóveis diante dos ca
(.adores. Eles os atacam com violência. Os cavalos empinam, os
c avaleiros caem de costas. Essa idéia iconográfica não era nova
Mas Dürer a explorou com um vigor pouco habitual mosti.mdo
em ação, não os defuntos, mas “a megera multiplicada por Ire*.,
pre< ¡pilando-se simultaneamente sobre os três cavaleiros". "'
A riqueza inventiva de Dürer não deve fazer esquecei a
luneao didática do conto tal com o ele era muitas vezes apresen
lado ao público. Os poemas franceses do século 13 e do início
do I i, o poema de Henryson no fim do século 15 e a maioria das
pinturas murais inglesas são pouco explícitos quanto aos detalhes
do encontro entre os três vivos e os três cadáveres: a cena da ca-
<ada e omitida ou simplificada ao extremo. Os interlocutores de
i ada um dos dois grupos são pouco diferenciados entre si.260Em
«ompcnsação, o realismo macabro é quase sempre realçado por
que e o veículo de uma lição moral. Esta em todo caso permane-
i <• fundamental, mesmo nas versões mais elaboradas,' no Campo
m i o de Pisa, em Subiaco, ou na edição de Guyot Marchant. No
255. Ibicl.
256. TRISTÁM, Ph. Figures..., p. 15-16 e 163.
257. Ibid., p. 163-167.
258. TENENTI, A. II Senso..., p. 413. KÜNSTLE, K. D ie Legende... SER
VI ERES, G. “Les formes artistiques du Dict des trois morts et-des trois vifs”
cm ( ¡azctte des Beux Arts, janeiro 1926, p. 19-36.
23l), WIRTH, J. La Jeune filie et la mort..., p. 38.
.’(>(). TRISTAM, Ph. Figures..., p. 163 164.
ionio repn)cki/icl(> |>or osle último o cok h .ido n.i Iioi .1 ele* 11in so
Huirlo, ;is palavras dos morios sao Harmonios do sermoes amoa
çadores como muitos que se pronunciavam na época;
261. ReligiousLyrics 15d‘ C. (I, 40), p. 24 1. < n ulo c-mTRISTAM, l’li. Figures...,
p. 166.
¡i dança da morte e a
dança macabra
(¡uyot Marchant intitulou sua D ança macabra: O Espelho
Salutar. Fie também, portanto, compreendia a dança macabra
como ou ira maneira singu lamiente convincente de convidar ao
memento morí. A dança macabra com efeito só é inteligível, por
■•un vez, se ligada a toda uma pedagogia penitencial. Na origem
d.i dança com o na do Conto dos três moños e dos três vivos , en
contramos a mesma constatação - vaidade das vaidades, ludo e
vaidade - e a mesma depreciação dos valores terrenos inspirada
pelo contemplas m undi. Se o texto de Ferrara consagrado aos
l i e s mortos e aos três vivos é mesmo do século 12 - o que im
pa rece provável - podemos considerar algumas de suas iS eslro
les lortemerTte ritmadas com o um anúncio das danças macnbins
Isso seria então a prova de um tronco comum - monástico a
esses dois grandes temas. Lemos, com efeito, no poema:
i:i7
iegl,i< > de Ulois, anligamente se t h.im.iva 't as,a in.u al)i*la" a "c ava
selvagem" empreendida pelas almas |>enatlas a procura <le mu vlvt>
para capturar, Portanto, existiu sem dúvida um \metilo entre as dan
Vas macabras e a crença folclórica nos mortos que dançam e dao
caça aos vivos/"' Por volta de 1350, o monge neerlandés tradutor
do romance francés Mcmgis dAigrem ont acrescenta ao texto origi
nal uma comparação reveladora: Maugis, após capturar seu inimi
go, o Uei Antenor, e vários de seus cavaleiros, mandou amarrá-los
ao poste central de sua tenda, de tal maneira, nota o adaptador, que
formassem como a figura “de uma roda de mortos”.2?5 Uma roda
que nao era concebida como um jogo, mas como uma opressão,
Da mesma maneira, na Baixa Alemanha da Idade Média, no dia cie
Santo Tomás (21 de dezembro), acreditava-se ver os rostos daque
les <|ue iam morrer no ano seguinte dançando com os defuntos.-’"'’
I )esde o século 16 (l.avater) até nosso dias (Fehse), a erudição suí
ça c alemã estabeleceu uma relação entre danças macabras e eren
çn em I. miasmas que locam música, formam uma roda durante a
in >li• i alia, ni os vivos para o seu círculo.267 O vínculo parece pro-
■ r i I Mas I Wliili observa com razão que até mesmo a elite da
Iduli d. dia - da i . na ,, u iça e nao apenas o povo acreditava em
................. a a dam i ni.n alna pode por conseguinte ter sido uma re-
............. imilla ' i I. ií al a partir de costumes muito antigos e de
.....i 'i'M'ipi ii'da p" •morte ampl.miente compartilhada. .
t l if p. ii .i mi qui a mais antiga dança macabra era a ilus-
ti i. .........|. ulada i í um scimao sobre a morte. Executada primei
.............. a- 11, i la i. i Ia saído para ser representada sobre tablados
■■.............. i fíbula inoial o que ocorreu notadamente em Bruges
•in I ií'' ti" 'Iiot« I" do duque de Borgonha.268 Depois, pintada,
gi.uada ou •m Iluminuras, ela se tornou a célebre “história em
.'(••i SALK ¡NIEUX, (. Ibid. Cf. também “La Danse macabre” em M¿Unges
J e lingu istique offèrts à A. Sauzat, Paris, 1952, p. 307-311.
265. Román van Melegijs, ed. Naf>l de Pauw, Gand, 1889, p. 67, versos 14-16.
IIIJIT, l;r. G. LeMoyenAge, XXIX (1917-1918), p. I62s. ROSENFELD, H.
P er miitclatierliche.., p. 48-49 e 180-181. CORVISIER, A. “La Danse maca
bre de Mcslaye-Grenet” em Bulletin des sociétés archéologiques dEure-et-Loir,
1969-1970, p. 45.
266. ROSP.NPP.LD, H. Der mittelalterliche..., p. 49.
267. I-AVA’IER, t.. Trois livres des apparitions des esprits, fantosmes, prodiges,..,
s.l., 1571. PP.USE, W. D er Ursprung der Tolent/inze, I Iallc, 1907 (sobretiulo
p. 4 I s.). ( :r. também WIRTH, J. I.a j e m e filie ei la morí, p. 20-25.
268. MÂI E, E. LArt..., p. 362-363.
quadrinhos” <|ur nos lunsmltlr.im miilliplos documentos Icono
gi.illeos. Que essa evolução se lenha eletlvamente produzido n;io
lu .1 menor dúvida. Mas provavelmente devemos remontar ainda
mal', para perceber, além dos sermões gesticulados, antigas dan
- a . que os pregadores teriam cristianizado e remodelado, lisias te
ilam '.Ido mais facilmente acolhidas quanto a crença na roda dos
morios era amplamente difundida. Em todo caso, é certo que na
Idade Media dançava-se nas igrejas e sobretudo nos cemitérios,
nus nao só, por ocasião das festas dos Loucos, dos Inocentes, etc.
um "escândalo” contra o qual se ergueu o Concilio de Basiléia
i .i i, ao \ \ 1, 1435). Seria útil reunir um arquivo sobre esse assun-
h > Hem conhecida é a lenda dos dançarinos de Kõlbigk, relatada
na t tónica de Nurembergd09 um padre celebrava a missa, na vés-
p< ia de Natal em Kõlbigk, na diocese de Magdebourg. Um grupo
de di /olio homens e dez mulheres criou um tumulto cantando e
dam ando no cemitério vizinho. O padre veio fazer-lhés reprimen
da , Mas eles zombaram dele e continuaram. Então, ele invocou
■• ' eu para que eles fossem condenados a dançar assim duranti
do . ■meses. No vencimento desse prazo, o Arcebispo de Magde
I" htig pôs lim a essa penitência. Três dos dançarinos morreram
l o g o c m seguida, os outros não sobreviveram por muito lempo.
I ima hipótese verossímil é, portanto, que a Igreja recuperou
dam, .is antigas e as cristianizou como fez com os cantos profanos
qm cia transformou em cânticos, mudando as palavras, mas con-
■is ando as melodias. Um franciscano vienense, Johann Bischoff,
• •nvendo por volta de 1400, relata que no seu tempo as danças
dn período da Páscoa eram muito populares em todas as classes
da .i ii ledade e que se conheciam umas duas dezenas. Infelizmen-
ii , cie só descreve duas: na primeira, o Cristo conduzia os eleitos
a i paiaiso; na segunda, o demônio levava para o inferno aqueles
qm Unham transgredido os dez mandamentos d70 É provável que
uma das dezoito danças tivesse relação com a morte. E. Mâle rela-
i i alias, com fé num documento de 1393, que nessa data execu-
Mf l UA( J f t o r n a d a ) ; -
I' n i a mulle ui).s c«irremos,
I »»'|s» nnr. .1» pe. ,ii, d eixem os de pecar.
« i >l'l.A ( c o b la h
l ii quis i rata i do d esp rezo cio m undo
I 10
L
,’7(>. i 1I.LYOI, R. I*. I listotee des ordres monasú<¡ues< rcügieux et mi/itaiees, 1*.»
ii.s.1 HSO, v. III, p. 145-147. A Ordem teria sido suprimida por Urbano VIII
cm 1637.
¿77. Speenlum historíale XXIX, IOS. SAUl.NII UX. | /o Dame,1..., p. 28.
I >.ii rs 1,1 c<mclus.K), (|iii' |knlei i.i ser ,i de um sermão: “Foge,
I»i.i/«•i! lo g c, luxtiriaL. Prefiro minhas ervilhas c meu pirão”.-'8
Im meados tio século 13, Uobert Le Clerc redige, por sua
\ um poem a que (em o mesmo título que o de Hélinant, Os
r,rnics <l<i Morto, e muito próximo pelo fundo. O poeta envia a
.......He primeiro a Arras, onde ela visita pequenos e grandes, de
pois ao papa e ao rei para convidá-los à penitência.279Mas o des-
lil» das condições humanas - uma das características das danças
m.it abras aparece melhor ainda nos poemas latinos que têm
I" >i Ululo comum Vacio mori (eu vou morrer) e cuja versão mais
milga conhecida remonta ao século 13.2S0 A dramática fórmula
. li vou morrer” é alternadamente pronunciada pelo rei, pelo
papa, por um bispo, por um soldado, por um médico e por um
li v.ii o, por um rico e por um pobre, por um sábio e por um lou-
■" eU 11 Note-se que a ironia, muitas vezes inerente às danças
m.o abras e que se acentuará no fim do percurso, já está presen
il aqui: nenhuma poção salva o médico; o lógico ensinou os ou-
........ . concluir, mas a íríorte conclui por ele; o voluptuoso perce
bí que a luxúria não aumenta a duração da vida.
() Vado mori, do qual bem cedo se encontraram manuscri-
h ' nas principais bibliotecas da Europa, parece de origem france-
i Mas o lexto parisiense do século 13 menciona o imperador. Em
....... pensacao, a afirmação de E. Male, que via na dança macabra
uma i rlaçao francesa,282 não parece mais garantida. De qualquer
maneira, nao se aceita mais hoje a tese que atribui o primeiro tex-
i" di dança macabra ao poeta parisiense Jean Le Fèvre cuja Tré-
i'ii,i da morto (1376) comporta os versos: “Eu fiz de Macabreu a
daiii a (v)ue põe toda gente na roda/ E as leva para a fossa”.285
145
Mesmo se i ».11ii'Mi (> pintado cm I t.’ i nos muros do cemI
icrlo (Iom 11kk'ciílcs constituiu um prototipo Icontigráflco, o tciu.i
d;i dailça macabra ja cr.i conhecido .ínter'loimente, Um croitlsla
Ir.uh c.s cm revendo cm 1421 exprimia as.slni as desgravas do seu
lempo: I .1/ ealor/.e ou c|tiin/e anos que essa dança dolorosa eo
incvoii; c a maiot parle dos senhores morreram pelo gladlo ou
pelo v e n e n o on de outras danosa morte contra a natureza"
Antecedendo a pintura dos Inocentes, devem-se subentendei
testos e Imagens que se perderam. () que dá verossimilhança a
le.se de II Koscnleld (|ue data de 1350 e situa no Convento
Dominicano de Würzbourg o nascimento do primeiro poema
consagrado a dança macabra, ble é constituído de monólogos
sucessivos (em latim) colocados na boca de personagens (papa.
Imperador, cardeal, ele.) forcados a entrar na roda fúnebre, e eia
ai ompanhado de ilustrações. Num manuscrito de meados do se
culo I >, conservado em I leidelberg, esse poema é associado a
um li \Io alemao mais elaborado que, este sim, e uma vc*rdadel
ia daiga m.h alua com diálogos versificados (em forma de qu.u
n io . i i nt i• i Minli e n presentantes das diversas condições so
•mi i «o.........i .i mpie pelo papa e pelo imperador. II. Rosen
leld ......... .. m. d< Milita Interna, também faz esse documento
n itu ml ti i \l/liiliain as de 1350."'
I i m .i i |tie \ale a pena especular longamente sobre o lu
•i a. mi, m u . a •hita esala tle aparecimento da dança macabra 1
i"n 11o• miiitM i, mpo ,( pensou c|ue a D ança general castelha
o tf ii i i da l>,ni\ii nnnahra publicada em 1485 por (iuyot
l ii- h m i , I i pio| ii ia uma atlaptaçào daquela dos Inocentes, Mas
hispanistas tendem agora a sublinhar sua originalidade pro
pila - h< e,indo ate mesmo a datá-la das vizinhas de 1400...I ran
m si . alemaes, espanhóis, não sem um certo chauvinismo, pro
etii.im assim monopolizar uma prioridade na invenção de um
2H4. ( litad» por KURTZ, I,. P. The Dance ofD eath, p. 215 c por WIR'I'I I. |
/</ /e une filie et la mort..., p. 25.
.’í(5. ROSFNIFI I), 11. Der mittelaíterliche..., p. 60-66, 89-92. lextos p. 10 '
32 t. Documentos na Bibl. Univ. cie Heidelberg (Cod. Pal. 314). A tese d-
origem alema c! recusada por STAMMLER, W. Der Toicntnn: , Mnnldi,
I‘MM, p, l) I H e I")UBRUC 3<, F.. The Theme ofD eath in Treneh Poeiry o/lhi
Mitidlc Ages and the Renaissance, Londres, l a Maye, Mouton, p. 22 !3.
.'K6. SAUCNII'.UX, J. Ies Divises..., p. 42-52. Apesar de tudo, pcrmanmin
ainda importantes scmclliaiga.s entre i / >,///(,/ yeneirtl<■a dos [nocente, t ou .
milidtt por <Iuyot Man liam.
i< um «I» mu i '.m ), ( ) im|>i >iUnte afinal e menos o país de origem
-li u i>1>eiias ulteriores talvez ainda modifiquem nossos eonlie
i liin 111<>•- desse assunto do que o lato de que o lema estava no
ai « si encontrava em diferentes eantòes da Europa eclesiástica
■ I" .ei 111o I i I . inegável sem dúvida que a D ança m acabra pin-
i nla em I i.i i nos Inocentes e os versos que a acompanham tive-
iiim uma profunda influência fora da França, notadamente na
sli manha do Norte. Mas convém assinalar sobretudo que uma
- Iisll illldade coletiva eslava á procura de uma formulação icono-
- ilha i textual para a qual levavam simultaneamente a lenda
d- ■ tu s mortos e dos três vivos, o debate da alma e do corpo, o
l.s /e morí e a transformação pela Igreja de danças muito antigas
- m - squetes gesticulados de alto valor pedagógico.
N o estagio atual do conhecimento, foram assinaladas na
i i mi- a p e l o menos 80 danças-macabras dos séculos 15-16 (exis-
i- ni< i mi destruídas) pintadas em afrescos ou esculpidas, às ve-
• lamiiem bordadas sobre tapeçarias e mantos ou evocadas em
\111 o ' ' na Alemanha (mais a Alsácia, a Áustria, a Estônia e a
I lila i, 8 na Suíça, 6 nos Países Baixos, 22 na França, 14 na Ingla-
i- m i . Mna Italia (do Norte). Nenhuma é anterior a 1400 - prova-
• l ui e nt e o escrito, mais uma vez, precedeu a imagem. Em com-
p- n -ai ao, outras trinta foram realizadas nos séculos 17, 18 e até
m - I" - -scneialmente na Alemanha, na Áustria e na Suíça.287 Essa
- "iit.ihllldade provisória evidentemente não esgota o problema
•lil dllusuo da dança macabra. Porque países como a Espanha e
i'••11111e11. que nao a possuem nem pintada nem esculpida, entre-
l.iiito i (onheceram sob a forma de textos (raramente acompa
n h a i »s d e Imagens).288 Do mesmo modo, a Dinamarca e a Suécia
• i n .un lamlllarizadas com ela por meio cie livros e gravuras vin
il- •- -Ia Alemanha.28'’ E preciso portanto ciar tocia a importância aos
muniisi ritos e depois aos livros impressos que, geralmente acom-
p nili.idi is de ilustrações, espalharam por toda a Europa ociden-
m I - - ential o tema e os ensinamentos morais da dança macabra.1
I 1H
mim m.mu,st iil<> tlaiaclo de I 129 c conlcndo justamente “os ver
m , tia dança macabra tais com o estão no cemitério dos Inocen
a Nada de espantoso, por conseguinte, se o texto da Dança
d. < aihonell e bem próximo do de Guyot Marchant, que por su.i
\( ei a a transcrição dos versos do cemitério dos Inocentes.
Se as representações da dança macabra na Alemanha do
J•>tI« permaneceram tributárias do modelo parisiense, as da
ui«. a , da Alsacia, da Alemanha do Sul e mesmo da Itália (so
lí nlrloiial) lóram marcadas por uma tradição que passava pe-
l<• lextos de Würzbourg, pelas ilustrações germânicas e pelos
lllnt khíli her do século IS. Esta outra linha, que cruzou a pri
nielia, desembocou notadamente nas duas com posições da ba
lli Ia (cemitério dos dominicanos por volta de 1440, Kligental,
■n11• I 160 HO).-"' Basiléia foi assim o ponto onde convergiram
■' ili»I•. graiules caminhos europeus da dança macabra c por
iia u / lhe serviu de centro de irradiação. Na sua publicação
d. I i.", ( itiyot Marchant não tinha dado lugar aos mortos mu
i' i.. Ele os Integrou, porém, na segunda edição. Julga-se que
■le tomou essa adição do modelo de Basiléia e mais ampla
111*■1111 da iconografia germ ânica.297 E certo que as danças ma
11o i•• de l.a Cluúse-Dieu, de Lübeck e de Berlim - estas duas
uliinia . de inspiração francesa - colocam um morto músico na
■ uh Ira do plegador. Mas é sem dúvida porque esse motivo já
Unha adquirido amplitude nos países de língua alemã. As dan-
•a di Basiléia tinham trazido com efeito um enriquecimento
tu .i no umbral do ossuário aparecem duas múmias animadas,
im nulo pífano e tamborim. No Blockbucb cie 1465, um morto
i - i galla de foles, sentado em frente ao papa. Depois, no
UId /.7»//( h de l llm ou de Heidelberg (por volta de 1485), apa-
ii ' • agoia uma orquestra macabra formada por três tocadores
di Maula e um irombetista. Só restava a ‘Guyot Marchant conti
nuai tu . .a linha pela introdução de variantes. Sua edição cie
I imi i poe em cena quatro mortos músicos tocando respectiva-
1f»<)
I'iiio, primeiro em Laris e logo depois em l.yon, Toyes, Genebra
i lonlonse,'01 Subsistem por outro lado 12 manusc ritos da versão
111>d1 a da ilança dos Inocentes. Na Inglaterra, onde a Reforma Ibi
uiaf. hostil ,i iconografia macabra - a do cemitério londrino do
I'* idao loi destruida can 1549 por ordem do protetor Somersel
m i lliu do ses illo 16 continuava-se a vender exemplares de Dan
o / e eançào (Id Morte impressos numa só página com poesia e
Imagí -ns, estas muitas vezes inspiradas nas gravuras de Holbein,
i|Ue eonlieceram um amplo sucesso. Sáo conhecidas 11 edições
do-, 'uiim/dí ros... só para os anos 1538-1562 sem contar as imita-
hii e contrafações.-^ Kssas indicações juntam-se às outras já
apu •■rutadas anteriormente e ajudam a medir o lugar ocupado
na mentalidades ocidentais dos séculos 15-J6 pelo tema da dan
i a mm al >ra,
V()I KUR I /., I . I*. The Dance..., p. 25-69. SAUGNIEUX, J. tes Dünses....
p, 123 I2H. > . Ij
IIN I-N TI, A. IISenso..., p. 162.
ir, i
t In »•, I Iicni veril.uU* que 7 deles ( représenla ndn ,i <ilaçao, o )nl
jí . iiih’iii(> final, o Im. i .sí H) da morU\ clt ) nao evocam o Ir idíelo
nal diálogo en Ire um vivo e seu Interlv >eulc >r de alem-Uimulo. làu
t oni|lens.ieao, H novos personagens aparecem na edição de
I'» r>, <) pleo da inflação, ao (]ue parece, foi atingido na Dauçtt
, le la Muerte publicada em Sevilha em 1520 e que é uma repro
dução alongada da D ança general. 58 vivos discutindo inútil
mente c< >m a Morte.
( )l)su vanelo um quadro hierárquico bastante estrito, as dan
ças macabras, <|ue devem ser lidas da esquerda para a direita, co
meçam normalmente pelo papa e relegam para o fim da procissão
dançada, ou pelo menos nas proximidades dos últimos lugares, o
( ampones de um lado, a mãe e, do outro, o filho: escala de valed
les sem ambiguidade, lim geral, as pessoas de Igreja precedem os
leigos, lanío numa repartição global, como numa distribuição alter
nada <) primeiro <aso e ilustrado pela Dança de Berlim e por
ai (líelas d o s dois H/ockbíicher alemães do fim do século 15: todos
«i i i li .i.i .i i<i is \,k i ct >li >i ai l<>s antes dos representantes da socieda
de , iil.H ( i ,i ii u n d o ( ,iso e mais frequente: um personagem de
lee |.......... ............................. |iial ele dança uma espécie de “polonc-
' ............ 111 n im 1 .i al lom udo por um leigo e uma múmia ani-
iii ol í s imIiii ii papa vem antes do imperador, o arcebispo antes
di m i 11•im i . bisp. i . mi e s do escudeiro. Mas essa regra só perma-
.......... iliil i in i nivel d o s mais altos graus. Quando se desce abai-
*n d .......IHi m di l",n ■1.1 ou de espada produzem-se interferências
• i l ini i >l,i n a hii.i seus direitos. Nos Inocentes, entre o monge (n.
...........p ule (u .'.(i) inlercalam-se o usurario, o médico, o aman-
1* -i idvi.isido e o mencstrel. No Cemitério Dominicano de Basi-
|i i.i .i i 0 personagens entre 39 eram de Igreja. Dentro de um es
quema geral constante, descobre-se uma real diversidade: a dança
de Berlim e a única a dar um lugar à mulher do estalajadeiro. ()
lulz, Turco, o pagão e a pagã só aparecem na de Basiléia. C) co
o
do.). Autor por sinal de Vigiles de Charles VII e dos Arrêts d'amour.
.104. SAU( «NIEUX, J. Les Danses..., p. 184-185.
IBM
I,míenle uma kleia de gênio. Km seguida, na m.llorín dos ea.sos,
0 estereótipo predominou sobre a inovaçao,
Dirigindo a análise para outra direção, será que se eleve
distinguir entre* danças elos mortos e danças da Morte e continuar
acreditando, com o se fez durante muito tempo, que as primearas
pre< cele rain as segundas?30' Assim, a dos Inocentes seria uma dan
ça dos mortos, na qual cada personagem é arrastádo na roda por
seu sósia póstumo. Inversamente, os Sim ulacros... ele llolbein
constituiríam, esn final ele percurso, a passagem (bem sucedida)
di uma dança dos mortos a uma série de cenas de género ein
que e a Morte* que joga com os humanos aquele jogo muito fácil
e multiforme em que ela ganha sempre. Mas será que a obra ele*
llolbein e uma verdadeira dança macabra? Além disso, e de ma
neira mais geral, a realidade parece ter sido mais complexa, ja
que, ao longo ele* todo o período, autores, espectadores e leito
res associaram constantemente os mortos e a Morte dentro ele
uma mesma e c<úsenle* lição.
< i i< ma do espelho vemos antecipadamente como sere-
.............. . i< e («ilamente antigo: ele remonta aos escritos
111*si Isii' ii r i ni i min m ia >ladame*nte na lenda dos três mortos e*
l i o- i i.............n i .. ilutóla Ilustração. É a mesma idéia que ex-
l'iinii i............... I¡b i n . i ".i ulpidos e*m inúmeras igrejas e as repte
•.................. di miillii n • In espelho elos manuscritos em iluminu
1 m N»il'• oí' ' tillm qin <íuyot Marchant qualificou ele próprio a
ii * i ñu iiiir alna dr espelho salutar”. Será que seus leitores,
di mi' d< i i1111 •• i,nli ii (|iie elevlara: “K. necessário armar-se de pica-
i' n 'i p i ■ di 1111111.1111.1’' e* lem com o parceiro um cadáver car
d r, indi i pm Is.miente esses sinistros objetos, viam neste último a
im i>;i m daquilo que o soberane) seria um dia? Podemos tanto
mal . duvidai c|uanlo o termo “espelho” no fim da Idade Média
a| illi ava se a toda espécie de obras didáticas - “Espelho dos pri'n
cipes”, “Isspelho dos Magistrados”, etc. Os franciscanos faziam
uso constante dele. Significava lição moral. Assim, nào se deve
Identificar de maneira demasiado rígida os cadáveres das danças
marabras como as imagens futuras de cada um dos personagens
vivos a que estão associados. De outro modo, o que fazer com
,t()S. I'.ssa era a opinião de MÂLE, E. LArt..., p. 365-366, retomada por MUI
/.IN< ¡A, |. l.c Déclin..., p. 150, por CORVISIER, A. "1.a Danse...”, p. 4 6 c poi
SAI H¡NIEUX, J, f es Dttnses..., p. 20, matizada pm RAI’P, I r. “La Reforme !<■
l i gi cusi *. p. 59, combaridn por< 1.ARK, |. M íb cP ii/u c , p. 109 lio Ln
me alinlio com esta última opiniao.
ir, i
L
tr. 1111 hi<),s iiuiskt >s t |tn ■, ,s( il) o pulpito dos pregadt >ivs, ci invocam
i >■. humanos para a fúnebre procissão? ( )s morios das dantas apa
ict i’in sobretudo como os ministros (de instrumentos intercam
blavels) da Morte, a cirial há muito tempo, e nao apenas ñas pro
Unidades do século 16, se tinha tornado uma individualidade le
mtvel I! ela que o Monge I lélinant envia aos seus amigos, aos
pum Ipes e aos bispos para enchê-los de um temor salutar. K ela
i|ii> voa acima dos corpos amontoados do Campo Santo de Pisa.
l ela que, montada num carro, avança orgulhosa e invencível, em
Inúmeros “triunfos da Morte” do século 15, de que falaremos
mais adiante. P sempre ela qüe os quartetos germânicos de Würz-
bourg e a Dança general castelhana põem em cena. É ela ainda
que dialoga com um camponês numa obra notável do início do
m <ulo IS, o Lauradondã Boêm ia (Der A cken n ann aus B óhnw n).
I le texto, geralmente considerado como a mais bela pro
i alema antes de Putero, chegou até nós em 16 redações manir.
■nía . ( 17 edições diferentes do século 15 e da primeira mciadi
d. ■ In 1 ble parece ter sido composto por um mestre-escola e la
bellao publico de Saaz na Boêmia, Johannes von 1'epl, (|iie pei
di ii mi. i jovem esposa em agosto de 1400. O lavrador, que laia
I" lo autor, acusa a Morte em termos veementes: Você é, diz ele,
•■leu iz extorminador de todas as pessoas, o maligno perseguidt >i
d., mundo inteiro, o éruel assassino de todos os homens... Afim
d< se na maldade, desapareça...” (cap. ij. Com evidente emoçào,
i li 1'Voca a esposa modelo que lhe foi arrancada: “Eu era seu
inioi, da era minha querida..., a alegria deslumbrante de meus
■'lln , meu escudo contra todo incôm odo..., minha varinha de
••nda.» , meu mais precioso tesouro... Ela era boa e pura”
n .ip l\ c IX). Na literatura alemã da época, é um raro e belo lou-
. "i do anu >r conjugal. À Senhora Morte (seria preciso traduzir por
•' ulior Morte" já cpie o termo é masculino em alemão) não se
pino, upa com as réplicas que lança duramente durante o diálo-
g' • l >i acusada, ela se transforma em acusador arrogante e cha
ma .eu Interlocutor de “imbecil”, lançando um argumento de
bom sensi >":
ir>r>
Si* desde .1 época do prlmrlm hollieni (|lu- lol modelado em
arglla, nos n.lo llvé.s.seinos <oiiliolndi>o i icvi Imetilo e .1 imiltl|)ll
c'ík .io iliis pessoas sobre a lena, dos .mimáis e dos Inseios nos
desellos e nos bosques selvagens, dos pelxes lúbricos e cobertos
de escamas nas águas, por causa dos pee píenos mosquitos nin
guém poderla existir, por causa dos lobos ninguém ousaria sair;
os seres humanos, os animais, todas as criaturas vivas se devora
riam entre si porque haveria pénúria de alimento, a terra lhes se
ria demasiado exigua (cap. VIII).
15(1
< do slnetc de Deu.s, < l.i re( ebeu iodo poder sobre os homens,
Non .i vemos entilo em .iv.io, ajudando Cairn a matar Abel, gol
|te.nielo o papa no meio de sua corle, o cavaleiro em pleno com
bale, a moya diante do espelho, etc. H a mesma concepção tía
Morte, soberana implacável, exposta nas ¡loras de Simón Vostrc
i IS l J ). No impulso do modelo constituido pela Morte da maçã,
0 desenhista de Simón Vostre multiplicou variações e achados: a
Morte l a / o pedreiro cair do andaime, ajuda o bandido a malar
•na vitima... e o carrasco a enforcar o bandido!-'10 E. Male julgou
•oin verossimilhança que Ilolbein conheceu as obras francesas
que acabamos de .mencionar. Porque sua “grande dança maca
bra" na realidade se afasta do estereotipo clássico e constitui me
m »■. uma dança do que a justaposição de uma série de cenas do
■vMielo aquelas que já se encontravam na Morte da maçã e ñas
lloras de Simón Vostre - e outras que ele inventa: a Morte que
i|ii(la Adáo a trabalhar a ierra, que acompanha a imperatriz ao
passeio, que anda ao lado do lavrador e atiça seus cavalos As
■luí a Morte personificada das mais recentes iconografias ma< a
bus vinha de um passado antigo. E, finamente, colocando nos
denlio do ponto de vista do publico de antigamente, nao cabe
1 i ei distinção entre danças dos mortos e dança da Morte, llm
l* siemimho e aliás formal a esse respeito: do beneditino John
I \de,ale que, vindo á França, viu o afresco dos Inocentes, discu
ilu sua significação com os clérigos parisienses e traduziu seus
\•isMs em inglés. Ele compreendeu esta dança dos mortos como
uma dança da Morte. Prova disso são suas traduções das diferen-
i* s lendas: "Primeiro, a Morte diz ao P a p a ...”. “A Morte diz de
ni >\o ao eremita'...”, etc. Para Lydgate era mesmo a Morte como
tal que se dirigia aos vivos.
ir>7
I >l() liiO (e destruída em I0h0) no pan fílmenle m civiv esse
nome A<|ui j.i nao oslamos mais diante <ln <l< *,li11• contínuo e
ritmado dos p a r e s - um vivo c um cadávei associado mas de
uma galeria formada por cenas diversas. Muitas vezes os per
sonagens estão agrupados: o papa com o cardeal, o imperador
com o rei, o cavaleiro com o jurista, o soldado com a prostitu
ta, Num quadro terminal, vemos a Morte, com o alfanje numa
mão, um arco na outra e a aljava repleta.'Diante dela, umas
vinte pessoas dos dois sexos e de todas as idades estão esten
didas pelo cliào, atravessadas de flechas. À sua esquerda, uma
arvore parcialmente rachada em seu eixo suporta alguns enfor
cados. Inovação maior: o pintor assinou a obra e representou
a si mesmo com pincel, paleta e tento de apoio. Ele está reto-
( ando o seu trabalho. Um esqueleto, segurando uma ampulhe
ta, apresta se a interrompê-lo.512
(.Miando Nicolás Manuel Deutsch realizou essa composi-
i ao, a Uelorma ainda não tinha triunfado em Berna, mas a re-
\olta d< fulcro ja linha com eçado e era intensa a fermentação
e 111*i• i•.a países germánicos. Daí o anticlericalismo viólen
le 1111• * ‘quilín ii* ia obra mu artista que se tornará protestan-
i. o pul u d Ir. 11 <l< próprio em dialeto bernense o texto das
l> to uda 1 I I* * ..............I*» de falecer o bispo confessa: “Como um
............... ........... i o rebanho. . , ”. A Morte grita a um grupo ele
............... ■, .a* * lo bos vorazes disfarçados de cordeiros”.
i <•- p ................. ... com o um ídolo sobre a sédia, ela arranca
....................li* i liaia c a estola. Ela puxa sem cerimônia o pa
utan a pi l*i * o i d a o do chapen com o se arrasta um animal para
' * mal ni* uno. ele. Nicolás Manuel Deustch levou ao limite urna
allí a d o * leio ha muito tempo presente nas danças macabras.
\o p adre “que comía os vivos e os mortos”, o esqueleto de Gu-
yot Marchant anuncia que ele será devorado pelos vermes. Um
p o m o mais a esc|uerda, o companheiro morto do padre diz a
este ultimo: "Recomende a abadia a Deus. Ela o deixou grande
e gordo; c o melhor a fazer: o mais gordo será o primeiro a
apodrecer”. Mas esse anticlericalismo em Guyót Marchant, do
mesmo modo que em Nicolás Manuel Deutsch, revela um vivo
desejo de ver a Igreja se reformar. Ele nao retira nada - pelo
IhH
lonlrarlo d o filio de <11u • ,i dança macoI>ra era um m t m i . u i ,
I .«» e visível ate* mesmo nas suas’ transformações mais impor
lames e artísticamente mais hun sucedidas Ilolbein e Manuel,
lanío um com o outro, integram à sua com posição cenas repe
•enlando o pecado original e o julgamento final. C) primeiro
a. uscent a a criação e o paraíso terrestre, o segundo, a recep
>.i*» ilos d e / mandamentos por Moisés e um pregador seguran
•l<> um crânio.
I .ss.is imagens, enquadrando as cenas macabras propria
mente ditas, dão a elas seu verdadeiro sentido e devem evitar-nos
i nuil a sensos de leitura.
ir,!>
cap ítu lo X
ambigüidade
do macabro
mi
Morir, o,st;i tem sempre ;i apaiénc l.i *l« ,irru ir » rl mi no,su" exe
rulot dos "mandamentos" divinos.
Sera que por isso os pobres e lodos os infelizes iulerpre
lavam essas com posições com o uma futura desforra? Será que
vlam algo diferente do ensinamento constante do Cristianismo
o p o n d o a morte pacífica de Lázaro à morte do man rico, como
as apresenta em Estrasburgo um quadro de 1474: aquele que
mendigava é recebido no paraíso, aquele cine comia regiamen
le, cercado de mulheres e de músicos, é vítima do demônio?'
bol dito na obra anterior a esta que os missionários do interior
no século 17 clamaram contra os abusos dos ricos, mas contra
riamente a inúmeros vigários de paróquia, se colocaram sempre
d o lado d o poder na hora das revoltas.2 35
4Eis ai algo que esclare
ce retrospectivamente as danças macabras. Elas prometem a
Igualdade, mas depois da morte. Quanto ao presente, elas con
servam cuidadosamente as hierarquias no lugar e ordenam os
I >• i .<m agiar. can lunçao delas. Nào sào estas corno tais quç elas
• .llginail/.iiii lol l)<ais quem as quis - mas as ilusões derrisó-
ii i •111« i liMiirarla'. i’ o dinheiro provocam entre os abastados.
I mi.......... daiKas m.a abras nao sejam uma denúncia dos peca-
di is i .ipil ii diils 111*11 s porém se encontram constantemente vi-
lip. iul11.1............... .sillín i a aipíilitas (com seu subproduto a
...................i , .......... .. o primeiro dos pecados capitais. Quan-
ii i i 11111,111,1. i tija Importância ia crescendo numa sociedade
■ ni i n mal ■ iii.inla pelo luxo e pelo dinheiro, ela se tornou
um 'l.. ili n , p iiiu lp a ls dos manuais de confissão è outras su-
lililí d • i a s o . de c'< nesciencia,'
'.nb p< na de remontar no sentido inverso das idéias feitas,
«' pn i Isn Insistir sobre a pedagogia crista que a Igreja quis incluir
na dam .i macabra. Para E. Male, “despojada de seu comentário,
nao conserva a bem dizer nenhum caráter propriamente cristão",
ja que se contenta em ilustrar cluas verdades que não são espe
clalmenle religiosas: a igualdade diante da morte e a rapidez dos
golpes que ela deslere.s Dentro do mesmo espírito, J. Iluizinga
lazla a pergunta: “Será realmente piedoso o pensamento que si*
Ki:i
c demasiado luli .1, quando se lula dl um discurso oriundo da
Igreja e propagarlo por ela? Noa vlm<»?. suas rai/c , nu masticas. I•
ria regamos agora sua difusão piias danças dos morios (ou ila
Mono). I'. Male c seus sucessores diados anteriormunte cíala
mcnle reconheceram o papel desempenhado nesse sentido pelas
ordens mendicantes, lí. Mâle, em particular, atribuiu lhes a inven
ç,ao das d arlas macabras e escreveu justamente: “I'ora eles que
ronu\ar.ini a assustar as multidões falhando-lhes da morte”.'• As
pesquisas ulteriores, fora da França sobretudo, corroboraram essa
allimaçao e permitem agora medir melhor a amplitude do lenô
iiicnii esclarecido aliás por uma contraprova. A boêmia nao co
nheceu dança macabra antes do século 17. Foi sem dúvida em
ta/ao do papel desempenhado nesse país pela corrente hussita.
Jean llus e seus sucessores criticaram a Igreja católica por ter
abusado do espantalho do inferno. Segundo o Reformador, os
pudres davam a entender em seus sermões que eles próprios e o
I.apa |hidl.im mandar os cristãos para o inferno.13 De maneira ain
da mais slgnllh allva, Jakoubek de Stirbra num sermão de 1416
1111111<.ti t i Inl i ni(» e destinado aos diabos,'não aos homens... e
•i dial ••i i |ii« enlia no-, Inlernos, nao os cristãos”.1'N essas condi
. pita <|ti« a .tisl.u as pessoas com danças macabras? listas,
ti i Mm* i i a i, m \ I. iam a tona uni) a Reforma católica.
■ u 11.............. tan i* petli: a dança macabra era um sermão.
I 11 n a. pi. i. udla .. i estellca mas didática.15Será que foi por aca
tu *n i . •■ . sua paternidade foi atribuída a Gerson? Com efei
i •. is ■ .11•■l• di is Inocentes figuram num manuscrito de 1429
...... . ndi. i.bias di. grande universitário, que foi célebre em sua
. ........i I inibem como pregador.11' lintão, nada mais natural do que
...... .idcia Io Inventor da dança macabra. Esta provavelmente é
mais antiga. Ora, nas versões latina e alemã que 11. Rosenlcld
data do século 14, o desfile dos futuros defuntos é enquadrado
poi dois pregadores, um abrindo, o outro fechando com um ser
ni.ii) a procissão fúnebre. Além disso, o manuscrito latino, que
I (VI
Im*n l« ii .sc*11 aeompanlumenio Ilustrado, traz no 1'inal .1 Indlcaçan:
Ilu is <laclar U > segundo pregador) depídus predicando in ap /ia-
dia fiarle de contempla m undi
No começo, o laten tanz apresentou-se sem ambiguidade
...... . um sermão sobre esse lema. Igualmente, o texto da Danza
ilc lii morí calalà do século 14 traduzido anteriormente começa
|ioi c a.i formula evidentemente escrita por um homem de Igreja:
111 c|ul.s Halar do desprezo do mundo...”.18O pregador na cátedra,
r. vezes chamado “o ator” 011 “o doutor”, cuja homilía precede a
dança propriamente dita, encontra-se ao longo dos séculos 15-16
lanío no escrito ('publicação de Guyot Marchant, D ança general)
Mimo na Iconografia (danças de La Chaise-Dieu, de Basiléia, de
I tu .hurgo, de Berlim, de Lübeck, de Reval, de Ulm, de Metnitz,
■ in de herna).10Pssa constante é significativa: o pregador desem
penha na dança o papel comparável ao do eremita que, desenro
lando seu pergaminho, narra o exemplam dos três mortos c dos
II< . vivos, Além disso, dentro da procissão, às vezes são introdu
/Idas alusões às pregações sobre a morte. É o caso no texto de
1 .uva >l Marchant em que o parceiro do franciscano diz a este: "lie
qüenleincnte haveis pregado sobre a morte...”. A tradução ingle-
a (de l.ydgale) amplificou essa interpelação da seguinte maneira:
‘•enhol franciscano, para vós minha mão está estendida para vos
••'in lela 1 para esta dança e vos conduzir a ela', vós que haveis tan
ias vezes ensinado o quanto eu sou temível para as pessoas que,
1 nliet.mlo, nao prestam atenção”.20
Um beneditino catalão do século 14 compôs as palavras
qm acompanhavam a D an za de la morí. Outro beneditino, o in-
gl» • l.ydgale, impressionado pelo afresco e as estrofes dos Ino-
m 11I1 s, levou a dança macabra para a Inglaterra. A de La Chaise-
I >li 11 eiici>ntrava-se numa abadia beneditina. A Capela de Ker-
I ui.i dependia da Ordem dos Premonstratenses. Os Mendican-
i' n.10 tiveram, portanto, monopólio nesse domínio. Seu papel
nln lanío foi essencial. Certas danças fazem referência expressa
i" liniao” encarregado da pregação sobre a morte, mas sem pre-
— I-------------- • jí
I ROSKNFELD, H. D er m ittelalterliche..., p. 65-67, 323 e mais geralmente
l>. 308-323.
I8, <:f, anteriormente, p. 86-87. •
I') I1 i.ilvcz um acréscimo à obra de Nicolás Manuel Deutsch. Há razões para
i ici t|iic em Kcr-Maria um “ator” abria a dança moderna.
( ütado cm CLARK, J. M. The D ance..., p. 94-95.
165
chili .siui ordem , N;i /kinça ucnenil, .1 Motie, no fim de mm pil
meli,l intervenção, Interpela assim n.s <»ii\ l n l « ., Se n.m Vedes
o Irmão que prega / Sede ao menos ;ilento ;io <|iie ele di/ em su;i
grande sabedoria". 1 Nesse ponto intervém o pregador c|iie aium
« Ia o conteúdo do poema. Logo a Morte retoma a palavra para
dl/ei principalmente: "Como o Irmào vos pregou / Deveis todos
la/ei penltèiH ia”,'" Essa D ança general apresenta-se, então, como
0 sermão de um mendicante. Muitas vezes, é possível determinai
a Identidade de sua Ordem. II. Rosenfeld, armado de imponente
documentação, esforçou se para mostrar que os primeiros textos
(latim e alemao) de dança macabra provinham do Convento
Dominicano de Würzbourg. Os Irmãos pregadores em seguida
contribuíram amplamente para a difusão do tema do qual os lian
císcanos por sua vez se apossaram, modificando um pouco seu
espírito ' l'ietivamcnle, os dominicanos, que estavam provável
men|e na origem dos afrescos do Campo Santo de Pisa, enco
iik ndaiam as danças macabras de Basiléia,2'' de Estrasburgo, de
Iteina d< <ativ.lança, de landshul (no século 17). Eles teriam
a* l>i pi n l .m i l ph >111<ili >K". <• depois ativos difusores.
Ma1 i •on< oriunda 11.mcisca na é fora de dúvida. Nos dois
lila. I hn, /-, i i Im ati" . I IDO. o dea imo primeiro personagem (vivo)
d i pi'M ............... I...... . monge esta vestido de franciscano, enquan
1 ....f •Inm• •ioiin Io • o mau monge - usa o hábito dominicano.
■ ■ h un i . ui" d< ,dt a época do seu fundador, quiseram pregai
• m/<in\ h u i ihII I eini >s ni >s Viorcttí esta frase que poderia ilus
...................... til de \irias danças macabras (o pregador na cate
di n l litan '.ao I iam Isco subiu na cátedra e se pôs a pregar ma
i ........... mi* ule sobre o desprezo do mundo,,.”.2S Muito cedo, os
I i .iih lo anos associaram imagens da morte e pregação ascética, So
Ini as pared* s (la igreja inferior de Assis, um afresco representa S¡'i<>
I i .iik Is i o mostrando um esqueleto coroado. Um afresco análogo
existe na sala capitular da igreja Santo Antonio de Pádua. A corren
le Iranchea na parece por sinal responsável pela aparição do lema
da decomposição na pintura (Igreja Santa Marghcrita de Medí i >e na
Mili
' ■ulUii.i (o "leiii.ul( >i (l,t catedral de Estrasburgo) desde o último
i Hi.111*■I do século 13, assim como do corpo supllciado de Jesus. "
M.ils adiante no século 17 - são geralmente os franciscanos (in
i lu .lvc o s c apuchinhos) que, cm capelas contíguas a cemitérios sob
•tia dependencia, imaginaram em Roma, Nápoles, Palermo, íívora,
<i< , pilares completamente recobertos de tíbias, arcos de abóbadas,
11is.it ims, c apitéis, retábulos inteiros constituídos de crânios, e en-
t lieiam galerias subterrâneas de cadáveres em pé, ressecados em
■ii hábito mortuário e enfileirados por categorias (os padres com
<ii barrete, os enforcados com sua corda, etc.).
Voltando à dança dos mortos, lemos no Diário de um bur-
iR/es de Paris que em 142Í9 Irmão Richard, franciscano célebre,
piegoii oito dias seguidos no cemitério dos Inocentes “do alto de
um cv.Irado de quase uma toesa e meia de altura, com as costas
v■lilailas para o ossuário, de frente para a Charronerie, no local da
/'i///c a macabra.- Km 1453, os franciscanos de Besançon, em se
gulda ao seu cabido provincial, fizeram representar a dança ma
iubi.1 na Igreja Saint-Jean.28 Na Marienkirche de Berlim-Leste, o
pn i-ador <|ue fala da cátedra no com eço da pintura mural da tor
n •• um franciscano. Franciscanas são também as danças de Augs-
burgo, Hamburgo, Bad-Gandersheim, Friburgo (século 18). I I. Ro-
■nleld percebe nestas últimas um espírito menos escolástico,
mal' pielista e mais democrático que nas danças de inspiração do-
mlnlc ana: a cupiditas aqui é mais fortemente denunciada;29 a cruz
'M i rueifieado, colocados no meio da composição ou numa das
■ m mi< lacles, explicam ao fiel que o pecado e a morte foram ven-
■idii'. pela redenção. Essa referência imagética ao Calvário, carac-
i' n-.ilc a das danças franciscanas da Alemanha do Norte, se encon-
na na ll.ilia: em Rinzolo (1519) e em Carisolo (1539)í30 Uma mar-
* *i bem franciscana aparece igualmente num poema italiano do
iim di * século 15 ou do início do 16, o Bailo delia morte,*1 ampiá
170
nliii i (.l.i Italia1' onde, i'uiiii) dissemos no volume' anterior, as dl
' 1i 11ii mas de m e d o foram no conjunto menos fortes do que
D............ Io d o Ocidente, lí na Inglaterra que a moda dos túmulos
■ 'in te piesentaçòes de mortos em decomposição continuou ate
mal • lili di1 (secunda metade do século 16 e primeira parte do
I o <>i .i. e também neste país que as inquietudes (e esperanças)
i|imi ulipiltus se mantiveram por mais tempo."
A longo pra/.o, a bula Benedictas Deus de Bento XII (1336)
di ' fi la n d o que os justos obtêm a visào beatífica1’ logo após, a
uh nli . -em esperar a ressurreição, e a “oficialização” do purgató-
ii" ' d o julgamento imediato das almas pelo Concilio de Floren-
. . ni I i V), depois pelo de Trento, agiram incontestavelmenle
i "tilia a cm alologia da ressurreição geral. Elas acarretaram o au-
ui', das d o a çõ e s testamentarias para missas em favor das al
.......... •‘.pera e a multiplicação da s Àrtes moriendi. Mas, num pri
"" 111• |. mpi), ocorreu um encontro entre o macabro dos julga
mi.' Ilnals e o novo tema do purgatório. Michel Vovellc de
". li ....... Isso com vários exemplos meridionais. O mais espan
n ii" - d' 1' , encontrava-se na capela dos Penitentes de Tourves, no
' ..........ainda metade do século 16). O fundo do quadro é cons-
ii 1111.1•i p« Io incêndio e a destruição de Jerusalém - panorama
i - ni api" altpllco. No primeiro plano e no,centro, é evocada a vi-
i" di I et|iik'l: as ossadas se reconstituem em corpos. De um
lado e do Outro do painel central, dois bustos, um masculino, ou-
1111 i. minino, confirmam por sinal essa ressurreição da carne. No
un i* i do t ampo das ossadas, que é também campo cie batalha, a
i ui. '. ui Ida ajoelha-se diante de Cristo. O macabro superabun-
II ", i . t im posição bastante ingênua: a Morte com sua bandei- ^
i ín flelos co m ampulhetas com o seus acólitos e, para
inpl' tai, na parte superior do quadro, uma espessa folhagem
n|i m liuii sao crânios com mitras. Mas, no centro da folhagem,
i i' ' lutei rompe* para dar lugar à visão luminosa de um anjo
■i 'Hiendo ,r. almas que sobem das chamas do purgatório.46
i i I'«i.i .i I(.illa u atn-sc somente de uma quase ausência, porque ela tem tam-
....... ,il|'iim,r. representações de mortos: o de F. Uebler (1509 em Merano); o
.1. Antonio Auiat i (fim do século XIV em SantaTrinità de Florença).
I i < I mais adiante, p. 591-601.
i ■ <| | ia )N IMIFOUR, X. Face à la m ort: Jésus et Paul. Paris: Seuil, 1979.
p ." M 102.
i" <, . V( >VI I I lí, M. Vision.... p. 20 e pl. II, 2 (Museu Fragonard, Grasse).
171
I
I vi.i 11>ni|)( >,sk a<>associa, |)( >rl.inl( i, « .111■u.111ii •11u•re.ssui i(•I
Ç.io geral, purgalt>ri<>e Iconografia macabra <)r.i, ela nao e Isola
«1.1 No Inventario das pinturas murais do sudoeste francês do se
culo II .10 l() estabelecido por Kobert Mesurel, sao assinaladas
lies lgie|,is nas quais purgatório e julgamento li nal sao associados
mima mesma composição: em Birac, em Monlaner e em IVrvil
1.0 Nos In s casos, líala se de obras do século 15,' Acrescenlt'
m i Isso <111 Inúmeros textos da época deixam adivinhai uma
■• nladclia « ■mlusao entro julgamento finoI e julgamento parllt ii
t. n I i i onlir.ao <|iic pode surpreender na realidade eompreen
di ' mullo bem sob a pena de escritores que, como Kustache
Is Hliamps, ,n ledli.n am num imlneqie final dos tempos.
\o||.mdo as i lanças macabras, somos levados a difícil ques
1.0 i d c sal um como elas ei am compreendidas, lima resposta plena
menle s.itlslaloila sempre nos escapará. Pon|ue como saber o cun
os Inúmeros analfabetos da época retinham de imagens cujos co
mentarlos eles nao sabiam ler? Pode-se assegurar, entretanto, que
a Igreja docente nao oferecia apenas figurações de cadáveres a t u
ilosldade mais ou menos malsa do público. Hla dava também a e\
I >1ii .ii, .o ), imlependontemente até das estrofes c|iie acompanhavam
l'ilmelio, (unió ja dissemos, a maioria delas comportavam um pie
u. adoi o i|ii< il.iva o tom. Outras, antes da dança propriamente
dita. a* n .■enlav.uu o per ado de Adao e Eva. Em La C.haise I )leu,
i •ip' ule na añada tem uma cabeça de caveira. Nicolás Manuel
l '■ ui i h ' lian I lolbeln, seguindo neste caso O Morto c o nut^d <
• //••»,/ d< .linón Vo ,in , Inlegram igualmente o pecado original
i a i ........... to Alt ui disso, estes clois "artistas, na ultima se
qiii in la, i oImi am a lesstun*lçao geral. Enfim, a cru/ redentora, \l
i<mn i . i i ibn a moiie. figura em lugar de destaque nas danças de
liispli.ii,,ao |íant Ist .ma, em Hamburgo, Berlim, Pin/olo, ( iarist>l<>
I inib' ni n.io e indiferente lembrar onde se encontravam
os ilii si i is representando danças macabras. Alguns encontraram
lug.ii em palacios, em Blois, em Whitehall, em herrara (palacio
da l\(iy\lono), em (áoydon (palácio do arcebispo), em (loiro (p.i
lado episcopal), Mas a maioria foi pintada em igrejas, capelas ou
cemlterlos (em Paris, Londres, Basiléia, Kernasclcden, Kcr Maria.
Pin/olo, etc,). Portanto, em lugares de pregaçáo. h.niao nao se
pode Isola las artificialmente dos sermões que eram pronuncia
172
d< iNdiante delas, I" ín.in IiInIi mi.i . «Mi i|ii.iiliImIk ),n foram parte cons
tituinte ele um mal.s amplo ensino .ludio visual t|ue as integrava
na história global da salvaeuo e apresentava a morte corno um
ul» produto do pecado original, devendo ambos ser eliminados
n o IInal dos tempos.
Num trabalho ainda manuscrito, o historiador romeno Pa-
\eI ( liihaia esforça-se precisamente para relacionar o discurso ma-
•abro da Igreja com a .“ideologia” que o inspirou. Ora, esta última
■i nipre incluiu a crença na “perenidade” do homem total num
ilem da morte. A decomposição (provisória) do corpo, conse-
qhencia do pecado, é a passagem inevitável para uma ressurrei-
• ao da carne purificada. Para São João Crisóstomo, São Gregória
de Nissa, Tertuliano, etc., o corpo ressuscitará no estado em que
■•e encontrava Adão antes do pecado. Objetar-se-á que esse oti
mismo final não aparece na literatura consagrada ao contemptus
niiuidi, invadida pelo pessimismo e que insiste mais sobre a de-
■' imposição cia carne do que sobre seu renascimento eterno. É
m rdade. Entretanto, essa pastoral do medo, por assustadora que
lo v .e , não fez desaparecer o outro ensinamento c]ue afirmava a
i leinld.ide do corpo reconstituído. Vejam-se os grandes julgamen-
lo-. finais dos séculos 15-16 - por exemplo, os de Han$ Memling
(■ ni ( id.msk) ou de Luca Signorelli (em Orvieto) - , neles se per- '
<cbe Imediata mente a ressurreição da carne. Essa observação vale
p.iu iodos os julgamentos finais da época. Ora, eles jamais foram
i. K>numerosos como na época do pleno desenvolvimento do ma-
• ibio, Da mesma maneira, o fiel colocado diante do admirável re
tábulo do Cordeiro místico ele Jean Van F.yck em Saint-Bayon de
ii. md suas grandes dimensões o tornavam bem legível - ou
dl.mif da (.'vocação de Todos os Santos, pintada por Dürer para um
,i lio dc velhos de Nurembèrg/'8 só podia crer na ressurreição da
' uni lia lhe era atestada pela multidão de. eleitos carregando
palm.is ao redor do Cordeiro Divino e da Santíssima Trindade.
k. Cohén teve razão em insistir sobre os vínculos que, nos
.i <tilos I i 16, soldaram a representação do macabro á crença fir-
11ii na ressurreição.10 Nicolás Flamel (f 1418), escritor juramenta
do d.i I inivérsidacle de Paris, com pretensões à ciência, quis para
i i .i mulher nos Inocentes, depois para ele próprio em Saint-Jac-
inies, uma iconografia funerária legível em dois registros, o da re
1711
Ilgl.in c o (l.i ¡il(|iilml,i Sobie o ',cii 11K«mímenlo (iilu.ilm* *iU« • nu
museu (le ( luny), o sol flamejante e a lua i bela de um l.ulo c do
uniu i do ( tislu cm floriu slgnlfir ,1111 ,i vld;i eterna ,io mcsmi >Irin
po (|iM' ,is forças naf ura is <juc*, segundo ,i ordem de Deus, li.ur.
Ilguniidn em corpo eterno o cadáver corrompido e plilrel.ilo \
d< ( omposlr.lo e compreendida como uma etapa necessarla paia
um ultimo e l.nulo de Incorruptibilidade.Vl o túmulo aberto dt
Nil.lt i (dei indo vei seu esqueleto ou seu eadavei), ^colocado .sob
a i ni,' di i listo, lol durante muito tempo compreendido como o
dllplo ainbolo da punir ão devida ao pecado e da redenr,ao que
piopon lona a tessui ielçá«>da carné. P.ssa chave permito Intel pie
i ii •. tímpano u nhai da catedral I'..st ras burgo (fim do séctili> I ‘ >
a islm •oinn o aliesco da Santíssima Trindade pintado em I i \ >
po i Mas,lu lo na Santa Maria Novella de Plorença,’'1
Nas i apelas funerarias frequentemente se substituiu, sob a
riu.- do ( iólgola, a representarão do corpo do delunto pela d< t
esqueleto de Atl.lo. A significarão geral permanecia a mesma
uma dei omposir ao provisória seria seguida de uma ressurreleuo
definitiva atestada pela vitoria do Cristo sobre a morte. Din pío
|elo de lumulo desenliado por Jacopo IJellini por volta de I i 1(1
apresenta um c.ulaver nu embaixo da cruz. Para que nao Itouvi •
nenhuma duvida sobre o simbolismo da composição, o aitlMa
a n su nli ni a base do túmulo uma leoa e seu filhote. ( )ra, según
di. a i ii m a 11 iiioiin a leoa porlia, lambendo seus filhotes duian
li In dia i llama los de novo a vida.'-* Na capela dos Puggei em
.anta \na di Aug.burgo, os cadáveres de dois membros da litis
tu lamilla, l'lililí e <icorges, estao colocados rcspecliv.imeni.
. .b a u , ,iiin Irao de ( i lsl<» e s<>1) a vitória de Sansa<i se>1m os 11
||'.teus ilusliaçocs homogéneas, desenliadlas por Dúrer, t|uc slg
nlli. i\ iim que i morte moirelia um dia.'1' Poderiamos multiplicai
i is i i suplí is concordantes. I,, Mâle descreveu um vitral da u
siiire|(,,lo que se encontrara a sua época em Sao Vicente de
Ki musí i esta 11 lineado agora na Igreja do Velho Morí arlo Na | >.u
le di balso do vitral, o doador ésta deitado ao longo da lapld.
do túmulo. Irle ja esta corroído pelos vermes, Mas grita: "Ji'SUS,
171
n ilh lJ t's u s " (Jesus, sê Jesus para mim), ou seja: Tu que ressusci
taste, perdoa me e concede me a ressurreição.'1
A afirmaçao da ressurreição tem acompanhado de múltiplas
maneiras os horrores macabrosí A placa tumular da Abadessa Jac-
qttele de Uolhais (j IS2S) em Beaumont-lès-Tours, conhecida por
um desenho, representava a defunta inteiramente fechada numa
u m malha entre o Cristo crucificado e a Virgem com o menino. Uma
lns< riçao partindo da cabeça oculta cia moita, como nas nossas his
torias em quadrinhos, continha a fórmula: “Exspecto resurrectionem
iiiurliionmi Os historiadores que se debruçaram sobre a morte
m »século IS mencionam muitas vezes e com razão o políptico por
tátil de Estrasburgo (por volta de 1494, escola de Memling, museu
di Melas Artes),% cujas imagens são particularmente surpreenden
te . I le é composto de seis pequenos qéiadros de dimensões idên-
ili as que representam respectivamente o Cristo na glória do julga-
tn en io final, o inferno, as figuras em pé da Vaidade e de um cadá-
\ei um crânio e o brasão do doador. Este último era um bolonhês
que sem duvida encomendou esta obra por ocasião de seu casa
mento com uma flamenga. O cadáver em pé, com um sorriso de
lili mio, o ventre aberto pelo embalsamador e um sapo sobre o
• m i, ergue-se acima de urna placa tumular rodeada de ossadas. Por
ni' lo de urna fita desdobrada - sempre a antecipação do processo
di ni issas historias em quadrinhos - ele proclama: “Eis o fim do ho-
........ l u me transformei em lama; sou igual à poeira e à cinza”. A
> iid.ule, jovem mulher nua, é uma figuração do pecado. O conjun
ta d.i composição devia ser particularmente insuportável de olhar,
i i . '.eu sentido geral não deixa dúvidas. Sob o crânio, escrita numa
■a.illa hem clara, lê-se uma tradução latina de jó ( 19,26) que diz:
i l' i di.t do despertar eu brotarei da terra, serei de novo envolvido
I" H minha pele e com minha carne verei Deus meu salvador”. Re-
■I''! ii amento simbólico da afirmação: as cavidades dos olhos não es-
t ii •li >i.tímente vazias. Duas fendas estreitas no meio das órbitas sig-
llllji ain que no dia da ressurreição esses olhos verão de novo.
>I. MÁI.K, K. LA rt..., p. 432. Agradeço a Marc Venard por ter me permitido
n encontrar este vitral remontado na Igreja do Velho Mercado após a destrui-
i, ni de Saint Vincent. Cf. número especial (1978-1979) do Bulletin des Amis
<ics Monutnents rouennais.
a . ( OI IEN, K. M etam orphosis..., p. 111 e pl. 56.
>(i, Moindamcntc I1ÍNKNTI, A. La Vie..., pl. 10 e p. 38-39; COHEN, K.
W ctiiniorpbosii..., p. 113 e pl. 58-60; WIR.TH, J. La Jeu n e fUle et la m ort...,
|. 4.1 43 <•pl. 27-28.
A mesma frase do I.ínto de |o aparece sobre mu lençt>1 unn
luarlo ele vellido negro na catedral de livrcux, <).s bordados repte
sentam um cadáver lalve/ o corpo de Adao? corroído pelos vei
lites e colocado ao pe da cruz. Sobre o cadáver, a inscrição gótica
di, "( 'redo (/iiod Redemptor meus viril, ct in novíssima dle de Ierra
■ ■ uriei liirus sum el in carne mea videbo deum salvatorem metan", <>
........ veisii ulo de li,strasburgo.v Por outro lado, parece difícil nao
lni> ipi< iai ionio mu símbolo da ressurreição a célebre obra de U
i,ii i Pii liiei (i*in Saint Picare de* bar-le-Duc), realização de mu arlls
la >pie dlp.aniMS d< passagem, se tornou protestante e morreu em
«,em bia Ale nlesitio no século 18 consklerava-se "cssa obra, inimi•
la\ef Sobri o niniulo de Pené de Chalons, príncipe de Orange
i iav.au, morlo no cerco de Saint-Dizier em 1544, ergue-se um coi
p< i que ai abolí de perder sua pele; esta desapareceu da cabeça e da
maior paite do pello. P.la si* encontra em outro lugar, furada como
um leí Ido gasto <|iie se rasga. No sen testamento, o príncipe i¡ni ia
peí ll<l<>para ser representado tal como seria três anos após sua m< >i
le Mas o defunto que estende seu coração a Deus está de pé, o i ra
nlo e o braço esquerdo dirigidos para a luz da vida eterna.
I Igualmente a esperança desse renascimento definitivo do
.m humano total que dá sentido aos inúmeros túmulos duplos da
epoi a lom o cadáver mais ou menos decomposto no plano infe
............ . mesmo personagem vivo, de mãos juntas, os olhos erguí
d .. ................ mi no plano .superior. “liste cadáver que nos a mee Iion
ii i ,i n da I Malr nao passa de uma aparência mentirosa; no til
limo di i * Ir ii'tomara sua forma ao chamado de Deus”.w linláo,
*........ iniiipiit.il o desejo dos clérigos e dos leigos que pediram
piia ,i i n pn .onladosem imagens sobre seus sepulcros? lixibic lo
iilsnio m< libido:' l'alvez, Mas, mais certamente, ato ele humildade
( i|mdf nli is lie,oes da Igreja da época, os futuros defuntos decía
i n uil as.'ilm aceitai de antemão a degradação prometida aos des
po|os de seu corpo pecador e, ao mesmo tempo, afirmavam en
ia m pahlh o sua crença num além da decomposição e das cinzas
Assim fazendo, eles ofereciam um “espelho” para aqueles que
olhavam sua sepultura e facilitavam a pastoral do clero;008 5
7
IVb
Revelador nesse sentido e, perto dc Latisannc, o mon timen
li» Iuna.irlo do juiz Irançois de Ia Sana/, morto cm 136.3."' <) ca
ilavei nu, pcrlo do tpial rezain, dc pé, dois cavaleiros c duas mu
Hieres, tem os braços cruzados sobre o peito. Sua cabeça repon
a sobre um travesseiro. Dois sapos devoram os olhos, dois ou
lios atacam a boca, um quinto, os órgãos genitais. Todo o corpo
esta semeado dc longos vermes que o devoram. Sobre o traves
sel id e o peito, notam-se duas conchas do tipo Saint-Jacques. Os
•após, ao que parece, simbolizam os pecados, os vermes figuram
os remorsos da consciência, e as conchas exprimem a crença na
u ssurrelçao. A significação bem antiga das conchas explica aque
Ias que se encontravam acima dos nichos de monges em oração
nas laterais do sarcófago de Jean de Beauveau (f 1479), outrora
na ( atcdral de Angers e agora desaparecido, e acima da represen
lacio do cadáver de Jeanne de Bourbon (f 1521), atualmente no
11 )ii\ re Iisla vam assim associados no monumento de I ranea >ls i !•
Ia Sarraz, a humildade do pecador, a contrição do cristão e a • .
peiam,a no renascimento definitivo do homem regenerado V.
nu -mas chaves - humildade e esperança - permitem compu <n
dei os retratos duplos com dois painéis antitéticos apresentando
" primeiro, noivos em plena juventude unindo-se para sempn , o
•çiiiulo, os mesmos personagens transformados em catlaveies
111>111ve Is, devorados por vermes e sapos.05
177
<• da "liirl.i de viver", |H'|() menos nos níveis superiores da Soi Ie
dade Por ivsso razãi >, (> dlagn* >‘.lli m l r I' ( Iilluil.i <|ui•pcri el>c no
discurso eclesiástico sobre .i morte cios séculos I i l(i uma "cm
/¿ula Interna" contra cavaleiros esquecidos de seu ideal e tenta
elos |x>i um estilo de vida pagão'" me parece insuficiente. "Cru
/ada Interna", sim, mas procurando desviar do mau caminho to
dos ;i<|ueles (|ue, numa civilização emergente, dispunham de ri
quezas crescentes, fossem eles nobres ou burgueses. Daí ¿i insis
Inn ia da Igreja sobre ;i cnpiditas nos manuais de confissão como
nas danças macabras, Os inúmeros lembretes do memento mori
ivmelem, por parle dos “advertidos”, a um apetite de prazeres, a
um forte amor pela vida, que a Igreja se esforçou em vão para
lazer elecrescer. Mais geralmente, tratava-se para ela de dar uma
solida moral a uma sociedade que não fazia coincidir ética e re
ligião. tima prova, entre muitas outras, é o afresco de IMnzolo
que comporta uma dança macabra no plano superior e, em bal
\o, uma figuração dos pecados capitais.
Ma-, apresenta se agora a pergunta: por que essa expio
•i.c • di uma i .Intica mórbida a partir da metade do século I i?
Mm olm S m , m* sino i.ipldo, sobre- a iconografia funerária em
in i i■i' 111 n io d* .di .i época greco-romana até nossos dias
i■ - i I iiun di ii mi* uli 1111«•a representação de cadáveres, de es
i|in I* lo i di daii' a-, de morios só ocu pon o centro do palco
dui inn um pi nodo ic-latlvamente breve ele 250 a 300 anos,
. i malorla das Imagens ligadas á lembrança de
li iiiiii..... uli' '• n.h'gi >-., na i rlstandadc do Baixo Imperio e da
ilii Id id* Milita, a--.lm com o no mundo contemporáneo ou
.................... estilo mergulhadas numa atmosfera tran
l'iili ml' ou numa melancolia geralmente fingida de esperan
•a <> peí iodo mac abro, a despeito da longa pré-história que o
nspllca, aparece- então com o um parêntese quando colocado
dentro do longo prazo europeu. Mas então por que essa violen
la i prov isória ruptura? Por que uma civilização, durante cerlo
lempo, abrlu os túmulos para descobrir neles corpos em piltre
I.K ao? I’oi que ela se deixou impressionar por imagens ele- i ra
nlo.s, de tíbias, de carnes desfeitas e nauseabundas? Até a meta
*lc do século I i, essas fantasías tinham sido contidas por bar
iclias psicológicas <|uc- cederam de repente, c só se reconstitui
ram irezenlos anos mais larde. () que aconteceu?
I7H
A resposta e fornecida pela própria história da Europa, E,
fin primeiro lugar, llnllam esquecido da peste. Ora, eis que ela re
tí una eom força em I.Vi 8, e devasta urna boa parte do continente
durante quatro anos - um terço dos europeus teria perecido. Ida
continuará a reaparecer periódicamente até o início do século 18.
< orno é que semelhante ofensiva, que nada havia anunciado, nao
lerla impressionado os contemporáneos? Ora, ao mesmo tempo
que começava esta época de epidemias, as más colheitas se tor
navam mais licqücntes, as revoltas urbanas e rurais se multiplica
vam, os turcos aqentuavam sua pressão, o Grande Cisma dilacera
va a cristandade latina (todo católico achava-se excomungado
pelo papa ao qual seu príncipe recusava obediencia), as guerras
i Iv ts e estrangeiras desolavam a França, a Espanha, a Inglaterra, a
boêmia, etc. Esse era o panorama da Europa entre a metade do
et tilo I i e a metade do século 15. É bem verdade que urna cal-
n uda interveio em seguida, que a população, notadamente na
I i.mç.i, recomeça a crescer desde o fim da Guerra dos Cem Anos.
Mas esquece-se sempre, por causa da sonoridade prestigiosa da
pal.tu.i "Renascença”, que a peste continua presente, que o cis
ma, abalado por um momento, se reabre com a Reforma, que os
•amponeses alemães se rebelam em 1525, que a França e os Paí-
.i •baixos, durante a segunda metade do século 16 e o inicio do
I . estão desolados pelas guerras de Religião, que estas se esten
dem logo para a Alemanha e a arrasam de 1618 a 1648 e que a
Inglaterra elisabetana viveu no temor de um desembarque espa-
nlti »l Sera então um acaso se urna nova geração ele poetas maca
dlos (Agrippa d’Aubigné, Sigogne, Chassignet) emerge na época
das guerras de Religião, se as danças dos mortos prosseguem sua
• un lia iconográfica no século 17 nos países germánicos e se a
Inglaterra, apesar da adoção do Protestantismo, continua a repre-
<nial defuntos sobre os túmulos ao mesmo tempo que acumula
no leal ii > as cenas de assassinatos? Como se vê: a cronologia do
m n abro e a mesma que tínhamos identificado no volume ante
di a ao tratar do julgamento final, das bruxas, dos judeus e da he-
n .la Ida se Integra numa mesma explicação global em que con-
lltii m o discurso culpabilizador, o pavor diante dos infortunios
ii> mutilados e a violencia presente em toda parte.
Ni >ns , i época por acaso não ajuda a compreender os inícios
da n io ile i nidade européia? As hecatombes do século 20, desde
l " l i ale o genocidio do Cambodge (passando pelos diferentes
h >li ii .uistos", e os diluvios ele bombas sobre o Vietnã), a amea-
17b
ça tic mn conflito miele, ir, o u,so Nempre crescente da lorlur;i, ,i
111111111 > 11 (. i(. 11 > dos "goulags", <> aumento d,i Insegurança, os pro
grcssos rápidos c (.itl.i ve/ m.lis Inquietantes da técnica, o perl
go que comporta a expíe>raça< > demasiado Inlcnsi-va d<>s reí ursos
naturais, (crias m.mipnl.it, oes genéticas e a generaii/.u.a<> nao
controlada da Informática, sao fatores que, somando se, ciiam na
n< issa 1 1 \ili/.K.io mn clima de angustia, comparável sob certos as
pecios aquele que co n h eceram nossos ancestrais entre a época
da Peste Negra e o lim das guerras de Religião. liste "país do
medo" cm que entramos, nao nos cansamos, segundo um pro
eesso t I.insIco de "projeção", de evoca lo pelas palavras e pela
Imagem, Mesclando o presente e um hipotético futuro, a ciência
e a ficção, nossos temores pelo futuro e nossa experiência elos
perigos cotidianos, o sadismo e o erotismo, as conquistas espa
ciáis e uma paleontologia de pacotillia/* nós multiplicamos as
.......................... grallsmos violentos, bárbaros, desumani/ados. No s
issi ii lan h ts ein t ai olonlas brilláis futurismo e arcaísmo, seres t mi
ii •
• lia , antediluvianas e naves cósmicas.
I i e o IiiIt abiat|iie ordinario das historias cm quadrl
nli>, p ii i o 1 1 1 1 1 < 1 que os llu m a n o id e s associados” publicam
•111 111•• • , |••>i mó n,i revista francesa Métcil hurlcwt \M<i<il
n i i . i n i , / u m ' einplo entre inultos, Ksses delirios mórbidos em
pi pululam ' implros e m anhãs brumosas exprim em -se em
......I i i p f - s ||\ i * •. •b m u l o s piovt >( antes e m francés: A p a rta d o d e
kn/'i i honn'ih <nil,i\hi acura; Os J a rd in s do Apocalipse; \a ll
m undo i ) / /ornea/ h 'in im a l; e ainda: O Homem dissociado; O
l, m/'o d c'i nl h alado, I ala ro s sem />orvír; Os M undos macabros
de A’/, lea,/ t lalhc'.oa e Nós lodos lomos medo. Listes dois ultime is
títulos ni>s remetem aos tem as históricos do presente Livro. Tan
ti i i mli ni t t m u » h< >|e, o m edo da violencia objetivou se em lina
is os de violem ia e o m ed o da morte em visões macabi.r,
(,Miando a presença de cad áv e res mortos pela peste, pela lome
e pela soldadesca tornou -se o bsessiva, o sermão culpabilixadoi
etuii suas evo» a co e s n au seabu nd as encontrou uma nova att
(llénela Associando c o n sta n te m en te morte e pecado, pecad o e
punição, ele pareceu con firm ar se pelos falos e encontrou lies
,a mesma co n firm acao um alim en to qu e o nutriu de nina selva
66. I ll'.l'.RS, J. Anuales de dém ographique historique, 1968, p. 44. ARIES, Ph.
/ 7lofnine... p. 126-127. Mas CHAUNU, P. La M ort à Paris..., p. 176-184
volta a dar-llie toda a sua importância. Os historiadores estrangeiros contem
poráneos continuam a insistir sobre a peste (H. Rosenfeld, K. Coheh, Ph.
I i tstnin, etc.) passim nos livros já citados.
07. ( I. naturalmente BIRABEN, J. N. Les Hommes et lapeste en France et dans
les pays europécns et méditerranéens. 2 v., Paris-La Haye, Moutony 1976, nota-
d.miente I, p. 155-190, e o comentário de FLINN, M. sobre este livro
Plague in Hurope and the Mediterranean Countries” em The Jou rn al o f Eu-
vopean Eeonomic History, v. 8, I, primavera 1979, p. 131-148.
08. Iis,se <f o tema central do meu livro La Civilisation de la Renaissance, Paris,
Arthaud, 2. cd., 1973.
181
IX >sm i ida, nem n u "<ni< i no século I(>, |><>i u m i Xlmlsmc > rnni|>aia
\ i I ,n ) do Século das I,u/es ou d,i segunda iiio I.k Io do séc i ilt > 11>
< >*. hom ens d.i Penase em. a, c|ik * julgavam ,i historia Imm.m.i pio
Iiii .i de •.(•li Um, li.io concebiam o fu tu ro cm termo,s de progn s
’,o m o i.il ou técnico, l);ii a necessidade de In trod uzir e de gene
eili, ii uma ikx ,.,io, m encionada incidentem ente poi I Som.lelle a
ii .pello dos Asier as: a de "pessim ism o a tivo", (|iie poe em rele
\ o no.s-.a p io | a Ia expedem Ia do século 20 que lei mina. I lina i I
1111/ 11, .i o pode d,ii prova cie d inam ism o m esm o sendo pesslmi*.
la I o nosso ( aso lá>| o c aso lam bem de nossos a iu esliáis, no
1111« lii da nu Klernlclacle eun ipeia.
M ili.m l Melss escreveu c|iie a Peste Negra lo i "um evento
i iilim . il , em p a rticu la r no d o m ín io da pin tu ra religiosa lia
siiscllou o celebre afresco d o (la m p o Santo de Pisa ( poi volla
de I VSO) ( |ue cum ula triu n fo da M orte, lenda dos ires tn o ilo s e
dos lie s vivos, julg a m e n to e inferno . As mesmas cenas se eu
i i m iram agrupadas, p o u co depois, num a com posic ao de < >u ag
na (para Sania (a o ce de Plorença) da qual só subsistem lia g
meu los I lina p in tu ra sem d úvida funerária executada na •*<
gunda m eiade d o século I i p o r G io v a n n i del b lo n d o (Valle ano)
apu senta uma icon og rafia sem precedentes ale- e nlao na a 11«
h oi ana .oi i a Virgem com o m e n in o rodeada de sante>s (-sta i s
le n d ld o uni cadaver d e vo ra d o pelos verm es e pelos sapos, um
. 111o i n nilia b .irh u d o o aponta com o d e d o e n q u a n to um lio
ni' ni i .eu c i( i rei tiam de te rro r.7"
M ulta novida de Im ed iala m e nle p o s te rio ra Peste Negia •
i u pn .i ni.n. ao d o < riste > d o final dos tem pos co m o um |u l/
• " u pa do unicam ente em am a ld içoa r os condenados, Antes, e|.
aI >• ia oa\ a to m uma m ao e rejeitava com a outra. Mas, no < am
po iiili i de Pisa, pela p rim e ira v e /, ele tem som ente uma m.i< •
ativa, ai|uela <|ue e m purra os reprovados para o in fe rn o 1 I >1
Vei s.is compe >s|(,ahvs ( le I ra Angélica) e se)ln e lu d o o ( Irlslc> da ( a
pela Slsilna relom a ra o esse gesto dram ático. Do m esm o m odo
lam bem , e d e p o is da Peste Negra q ue se espalha na llalla •
(>*), MIÍISS, M. Piilnling in llo m tcc a n dSictht afier tbe iMavk I >r,uh, 1'niio
ion: l’i'iiicctoii Univ. Press, I9M. |>.,73.
70. Iliiil., p. 74 c c OI IP.N, K. MetinHorpImh..., |>. 107. l'Micfc, ,u> ndni ,1.
. .ilin,.i ( Iii.i aos |>(ís, a Virgc 111 lignr.i i Mlilhca ccleslc do A/>(htilyj’u I I......
rxcmplo dr um víiu 11Io cutir m.u .ilno r cie .Holnglrt.
71. MI ISS, M . \< 70-77. \<\ H7 90.
ili m ilo,'. Alpes .1 Imagem da lmin.mUI.uk* pecadora lerlda pe
li 11<i luis (l.i peste," N.i Igreja dr S;io Pedro Acorrentado em
Moin.i, mu afresco com emorativo da pesio do 1476 representa o
1.11 .<»l > .i aparência de um osc|uoloU) dcmónli) alado que alira
uma Hecha sobre os habitantes de unia Cidade. Uni século mais
laidr, rnire o.s lemas macabros pintados dentro e lora da Igreja
im Miguel de Olcggio, porto do Novare, nota-so Deus atingin-
........... . .eus raios os mortos o ni seus túmulos entreabertos: alu-
i" piov.ivel a peste de 1575-1576.7? Contra esses ataques, pas-
"ii ,e doravante a invocar, entre outros, Sào Sebastião, o már-
iii lu ir .passado, cujo culto leve um surto repentino depois lie
I ' i•• l nliin, seria um acaso se a prática das missas pelos defun-
i" .. generalizou a partir da metade do século 14?7' De qual
qih i nianoira, parece que nao resta nenhuma dúvida sobre o
l ii" di que, em tempos de epidemia, a visão sempre renovada
■i. túmulos abortos o de cadáveres putrefatos tornou a opinião
mil usepilva que antes para as imagens macabras dos sei
...... I < .íes refletiram inconscientemente a propensão morbl
d i d " publico para observar defuntos que perderam a habitual
■llgnldade do morto.
< >s vínculos entre pestes e danças macabras foram certa
im im numerosos. Por vezes eles se deixam apenas adivinhar,
......... ......... ulros casos aparecem claramente. Se a hipótese de II.
M" •uleld for exata e se devemos datar de 1350 mais bu menos
• i - icma latino c os quartetos alemães' que constituem, segundo
•I* i ■primeiras versões escritas da dança macabra, então a Pes-
• 11' a,i.i loria mesmo permitido a clara formulação de um tema
qii. . btiseava. P.m todo caso, o texto latino comporta este la-
iiM ni.. . i ilocado na boca da criança que vai morrer: “Mamãe que-
iid.i " homem negro me arranca de ti / Preciso dançar, eu que
iind.i ii.ii i sabia andar”; e, no texto alemão, a Morte convida o rei
• ñu.a ii.i dança dos irmãos negros”.75 Levando em conta a da-
i " i" ijv na q u a s c garantida do afresco do Cemitério Dominicano
i basllela ( poi volta de 1440), parece normal estabelecer uma
m la. i" entre esta dança macabra e a grande epidemia que arra
ti i i a . Idade em I 139, no momento do concilio, e que foi descri
111 I •mil mi día •li mi ule ns (güiro anos anteriores e eslava atlva mals
pe (Kii" iiiii I iMi " I )o me.smo modo, a dança macabra de fVis
n ipm 'illa di |(i()(>) (Inlia sido precedida por epidemias em
I ait, I iMM e | iUM D evcse, sem diívicla, ver no emprego des.se
i. nu d i oH leidlli 11 urna especie de ritual mágico, um meló lank>de
|di -ti gi i si di i peí Igo Iminente como de evitar o retorno da eplde
mía A llguiaváo da dança macabra era ao mesmo tempo exorcls
dio c m.inlfesiavao de arrepentí imento.8 ,2Compreendida dessa ma
in lia, ela deve sor comparada às sangrentas procissões de flagelan
ti s ao.s (piais ,i Peste Negra deu uma amplitude sem precedentes
IMI
Aos olhos dos contemporâneos, Irês características das epi
•lenil.r. de peste deviam aparecer expressas pelas danças maea-
l*i.i. n aspecto punição divina, a brutalidade do ataque mortal e
i Igualdade na morte que reduzia à mesma sorte ricos e pobres,
|o\i'ir. e velhos. Além disso, deve-se certamente estabelecer uma
n I.i*. ao de causa e efeito entre as hecatombes provocadas pelas
p* •les"' e o sucesso, tio século 14 ao 16, da iconografia do triun-
1* * da M< >iie. () tema devia estar no ar antes da Peste Negra, se for
n tímenle anterior a ela - o que não é certeza - a Alegoría do pe
dido <•dii redenção da pinacoteca de Siena. Entre cenas represen-
i indo ,i esquerda o pecado original e ã direita o Cristo vencedor
•h •pecado e da Morte, esta, no centro da composição, é figurada
p* *i um dragão alado com cabeça de mulher. Com seu alfanje, ela
|a abateu centenas de homens e se lança sobre um grupo assus
tado que suplica ao Cristo na cruz.845 8São numerosas as semelhan-
•a •* om o grande afresco do Campo Santo de Pisa, sobre o qual
g* ialmcnle se pensa ter sido suscitado pela Peste Negra.
Pm lodo caso, numa Itália (fim do século 1 4 - início do IS)
** •ir.ianlcmente visitada pelas epidemias e, além disso, minada
pelas guerras - Petrarca a descreve com o “um navio sem piloto
numa grande tempestade” - surgem surpreendentes representa-
•**»”•tio triunfo da Morte. Retenhamos duas. No Mosteiro do Sa-
•i" Speeo (a santa gruta) de Subiaco, por volta de 1363-1369, um
ai ti .ia slcncnse, em face dos três mortos e dos três vivos, evocou
a Morle sob a forma de uma velha mulher esquelética, cabeleira
in vento, montada num cávalo. À direita, com o em Pisa e no
alie-,co de ( )rcagna na Santa Croce de Florença, mendigos cansa-
>I* e. de uma vida por demais amargurada suplicam-lhe (em vão)
paia nao serem poupados. No centro e à esquerda, ela abate com
■* ti alfanje monges e religiosas que seu cavalo pisoteia. Sua mão
«llie|ta segura uma espada que fere um jovem caçador.*" A execu-
■ai* < grosseira, mas significativa. Existe mais vigor no afresco
( poi volta de 1445) do palácio Sclafani de Palermo, transformado
•ni hospital alguns anos antes.86 A composição aqui já aparece
tiaJleion.il: de um lado, os mendigos e os aleijados que implo-
i ain Inutilmente á Megera, de outro lado, as moças e os músicos
I MC»
um manuscrito de aproximadamente 1400 mostra a Morte a
• iv.iln arrombando facilmente uma pesada porta de cidade que
' na em pedaços.'*’ Mcmling, por sua vez, faz o cavaleiro sair da
ei mIa de um monstro que cospe cham as.91 Dürer, na sua grande
i qtiein ia de I i97-l i98, afastando-se da tradição, substitui o ca-
davei por um velhote horrível e descarnado, armado nào de um
allanje, mas de um tridente.92
A Italia entretanto inventou outra figuração do triunfo da
M' »rle Num retábulo pintado em 1362 por Agnolo Gaddi em San-
la ( iroce, a Morte cavalga um búfalo negro que esmaga cadáveres.
<.mando em meados cio século 15 a iconografia italiana recorreu
a< i ■ Triunfos de Petrarca (compostos de 1356 a 1374), ela reutili-
oti os bois, mas atrelando-os a um carro. Na obra de Petrarca, a
M' ule que convida Laura a juntar-se ao numeroso cortejo dos de-
o
lunios e uma mulher em trajes negros. Ela não está nem a cavalo
ia m montada num carro. Mas no primeiro dos Triunfos , o do
\mor, Cupido está de pé sobre um carro em chamas ao qual es-
i io atrelados quatro cavalos brancos.” Alguns autores de iluminu
i i . lambem tiveram a idéia de colocar sobre carros a Castidade, a
li ule, a Lama, o Tempo e a Eternidade. Essa inovação, que se li-
v. iNa a representação romana dos triunfos imperiais, conheceu o
ui e.sso e suscitou inúmeros triunfos da Morte apresentando o car-
i" desta puxado por bois. Esse tema iconográfico aparece às ve
res em afrescos e em quadros. Mas é encontrado sobretudo em
h ms (cussoni) e tapeçarias e como ilustração de manuscritos em
iluminuras, e mais tarde em obras impressas consagradas a Petrar-
■.i, nas quais o esqueleto do implacável ceifeiro pode ser subsjti-
iiiidn pelas três Parcas ou pelo menos por uma delas (Átropos).
Várias características importantes são comuns ao conjunto
desses triunfos. Primeiramente, um refinamento que se podería
i|iialillcar de “barroco”, com acumulação de detalhes espantosos
■m particular na figuração dos carros. Um destes (manuscrito em
iluminura das obras de Petrarca) comporta três estágios de estilo
K< nascença com pilastras, cornijas, guirlandas e crânios alojados
n.is arcadas em concha. A Morte, esqueleto com asas de dragão
■ armado de um alfanje, está sentada sobre um crânio coroado 40*3
40. ML.L.R, I r van der. LApocalypse dans 1’a rt, p. 212-213, pl. 143.
4 1. Ibid., p. 2 7 b pl. 175. Bruges, hospital Saint-Jean.
02. Ihid., p. 281, pl. 189.
43. ( d'. TKNENTI, A. L i Vie..., p. 20-21.
187
rom mn.i ll.tu " I lina tu pe-arla bruxelensr cl<>seculo 10, rxrc uta
«l,i ,i |».111ii «Ir ( art< »CvS italianos, apresenta as iré.x Parras cavalgan
«lo dragões que puxam o carro «la Morir. As rodas do carro irm
er.inlns rom o cubo r libias rom o raios,‘n Nessas rom posirors «Ir
llbrr.ulamrnlr eruditas r "sofisticadas”, os artistas quiseram ron
lia,star o macabro rom paisagens (rurais e/ou urbanas) muito
bem c uidadas, sorridentes e agradáveis. A exuberancia da vida
r«|ulllbra assim a írcqücnte ironia das caveiras. A Itália, em geral,
mostrou menos-predileção do cjue a l-rança, a Alemanha e a In
glalrrr.i pelas imagens de putrefação. A Morte triunfante e geral
menie um cadáver bem limpo, ancestral das anatomias pedago
glc as <|iie florescerão a partir do século seguinte. A despeito dos
.a liados mórbidos, essa iconografia erudita e complicada é por
lanío menos traumatizante que o resto da produção macabra con
temporánea A engenhosidade que se manifesta neste caso suge
re que se trata de- um jogo pelo qual nos deixamos envolver. Sa
boleamos uma surpresa (|ue desvia o espirito do sentido geral.
As dalas têm ac|iii sua importância. O triunfo da Morte co-
l.ul'i .o • pulan.i de Petrarc a floresceu na época de ouro do Qua
tu 'i ' nh ■i Hall,un i I luíanle e.s.se período de equilibrio (1454-149-1)
■ule ii i lii'M |iilin Ipals l-.iaclòs c|ue a compõem, a península,
111- ii di pi ii vive mu lempo forte de sua historia. Ida e o
..... i...................... da l iiropa por sua cultura, sua riqueza e seu
i un ■•o •nii ii I m contrapartida, com as “guerras da Italia” que
•' mi' • un •m I IU i, ela <i*i lia entre a impotência e a inquietai ai >
• p i i ■»' ib »' ' onlrole estrangeiro. C) triunfo petrarquiano conti
i.............. dmlda aia lr.i|elorla na Italia e nos países cujos artistas
i pin la ■la In .pira Marot o adola na Deploração do Senhor l'/o
rlniiithl Nolxrlol (| IS¿2)¡
') i. IVN. ms. ¡i.cliano de 1476 aproximadamente: ms. ¡t. 548, I 29v . < I A
I I NI N I I. l\Sentó.... p. 452 e pl. 42.
'>■*. Palitc in Real, Madrid. <1. (¡UI-.RItV, I /. Thónc, . p. 215.
IHH
A Morte, em lugai ile cetro venerável,
Segurava na mao esse1 dardo terrível,
(,)ue em vários pontos estava tingido e manchado
Do sangue daqueles que ela tinlia pisoteado.'"
I: II)
Vasal I nos dl/ (|ite ('‘,*,.1 macabra proí Issa»> que fez, esco
I, i " - "cm heu ,i ( Id.ii Ir de lerrot e de admlraçiV >" lim lo d o (.»■•*« >,
ela III.infle,sl.i .1 perturbadora U llll/açáo de (|lie era susceptível a
veis.io arcaizante do triun fo da M oite numa llalla de novo In< 111d-
ia e numa ( Idade em (|ife o dram ático episodio de Savonarola tl
tilia se encerrado menos de quinze anos antes. Além disso, na Ita
lla e em outras paites, desde o lim do século Is, continuava ou
le.tdqiilrla força a outra Iconografia do triun fo da Morte I 111 ( lu
0 me, perl(1de Herp.amo, um afresco sintético e, como tal, allanten
te pedagógico, de I tHS, reagrupa os principais elementos da leo
nografla da morte explorados na época: no plano inferior se de
•,envolve a danca macabra, meio larfmdola, meio procissão: em
baixo, o artista figurou um triunfo da Morte bastante raro que In
t lui a lenda dos três vivos e dos três cadáveres. Com efeito, poi
( lina de um túmulo, se erguem três esqueletos animados. <) do
cenlro ostenta coroa e manto reais, lile é ladeado por dois acoll
he 11111. arm.ulo dt Mechas, atira sobre três caçadores <ji ic procu
iam liin.li ( ><nii11» (< mi um au alntz. visa uma multidão do ricaçi >s
papi, iep, piin< ip< ., burgueses, etc. - que, de joelhos, em vao
■ ............. pn e|iit . a Implacável soberana. lista estende ampla
un 111• U' ■all' •■f ■ale st i >bandeirolas onde se lê: “liis c|ue chega a
11 *11• pli ni d' Iimi.ildade l u (|iiero a vós somente c não as vos
i iiqm m Hui In ui digna de portar uma coroa, pois c o m a n d o
......nu li' lumlio 1 Mgiui', anos tlepois, o frontispicio de uma edl
in Ia /■/.,//,./ ,/i7 hitlr ,/rl hru morlrc (\: lorença, 1/497) de Savo
........la ape i uta i Moite como uma aparição espectral, um lugu
1 ...........nela I .qiielelo vestido com uma túnica Mutuante, ela alia
■ i.i liando uma pai-,agem de desolação onde se estendem ca
II. 1\«u ' ai vi ire*. 11Kn(as (:< >m uma mão ela segura o alfanje, o nu
a Otilia nina bandeirola onde se lê: "Ego su m ”, isto é, T.u existo'",
Mas e a brueghel, o Velho, (|ue se deve a mais poderosa
evocai,.iode um Triunfo da /t lorie (por volta de IS62, Prado) nao
deriv ado da insplracuo petrar(|uiana. A moralidade é sempre aque
Ia das danças macabras e da lenda dos três mortos e dos três viv«»s
prazeres, riquezas e gloria não contam mais quando a vida se e\
tingue. Mas a demonstração e dada por uma alucinante e fervllhan
ti vI.s. k >de |K'sadek >, lila põe ênfase a<> mcsm<>tempe>s<)bre a ex
tensão da earnlfk ina e sobre horriveis detalhes extraídos do repei
IDO
Inrlo de host il: ataúde sobre rodas, ratoeira gigante, pessoas vivas
amontoadas dentro de redes manejadas por morios. A composição
•< le a parlir da esquerda onde dois esqueletos balem o toque de
Uñados puxando as cordas de um sino fixado runfia árvore seca.
No terreo de urna torre em ruinas (que comporta um relógio), ca
da veres em sudarios brancos anunciam com trombclas o dia fatal.
I letl\ ámenle, eis que irrompe um exército de defuntos, ao pe de
urna lalésia enquanto aparece urna carreta repleta de crânios, con
duzida por esqueletos e puxada por um cavalo magro. No centro
do quadro, o artista evocou o triunfo propriamente dito. A Morte,
■n\ algando urna montaría macilenta, ceifa com as duas mãos os vi
n r ,, ou os empurra para a ratoeira cuja armadilha está levantada.
V. \itlinas queriam fugir, mas inúmeros cadáveres lhes barraní o ca
minho erguendo pedras tumulares. A Megera está rodeada de es
queletos armados que assediam pessoas que festejam e tocam mu
i> i \o lado da mesa abandonada, um jovem''cavaleiro desembaf
111H>u a espada e tenta uma resistência desesperada. () artista quls
•fu qii.imitativamente a prova da potência da morte - em sua rom
p 'dvuo, os defuntos sào muito mais numerosos que os vivos, f ,
liuitiu vista panorámica, ele evocou as mil maneiras de morrer: por
d oença (peste?): um imperador desfalece, um cardeal desmaiado e
f \ad< >para a cova por um cadáver, a carreta carregada de crânios»
leml ii i as carroças dos tempos de epidemia; por* afoganiento no
ni ii luí inso ou em lagos; pela guerra: armas, tochas e incêndios for
mam uma linha sinuosa, mas quase contínua de uma ponta a ou-
H i d. i quadro; por acidente: um infeliz cai de um rochedo. O sen-
iim. nin da onipresença e da força irresistível da morte jamais tinha
.ido traduzido com tanta imaginação e amplitude.
A essa concentração do macabro no quadro de Brueghel
iqiie neste aspecto constitui quase uma suma) responde a prolife-
ia< ui ilas imagens da morte na iconografia dos séculos 15-16. Te
mes ale dificuldade de escolha. Marchetarias italianas figuram em
•iusina vistas, clepsidras e crânios.101 Na iluminura de um livro de
limas, ,i morte ceifa metodicamente um prado verdejante e corta
■lumes, em torno dela, a paisagem, atravessada por um rio e fe-
■liada por uma colina, é suave, colorida, encantadora.102 Em ou-
MM
I d i, t'l.i ,i|) ,n u v o >r< sentai l,i ><>t>i i • iim lili nulo, mckiii íiiu Ic>um
dardo ro m o cetro m im a das i i i .k >s e uní i i.ml<> n.i o u li.i n n liiuai
do globo; ;io longe, avistam se m ontanhas o u n u c ld a d r dom ina
(I.i |)oi um.i f.',r.ui(le Igreja,l0< Mina edlyilo dos S r n n o r s de (»> il> i
un istia .i M orle Irro m pe nd o dentro de lim a t asa. Moni um ponía
pe, c li deiruba a mae que se upóla no m arido <> flllio , poi n a
ve | " i >i nía piolet ao ju n io da n iík \10' l'rec|('iente na époi a • i
linaiM'in do esqueleto ca rre ja n d o um atando sobre os om h io s
a<1111. • le i nli a no <|uarlo di* um d< lente; a II, ele al ><>rda um Iota o
Indi ilcnlt ' t lili l.lvro de Ka/ao alemao anónim o (da secunda un
ladi do M 'iu lo l >) com porta uma notável gravura <p k tem poi
li in.i <) fu r e m r <i M orte, Na realidade, trata se de um v e llio li es
1111< li Ileo ((liase nu <|iie pousa a lila o so l>re o o m in o de um |n v m
eleganR Mina serpente passa entre as pernas do velho, um sapo
ip il isliu.i .se de setis pes,"1" I Im seeulo nials tarde em |SSU um
artista de < ham bdry, (íaspard Masery, consagra duas lelas In le ill
ja d a s ao tema d o P in t o r r cia M orte, No p rim eiro painel d.i i
querdw, a Morte cadáver anim ado segurando uma lanterna e um
i o m passo Invertido Iranspóe nina porta. No da dirolla, o p lril' a
sentado, vestindo um glbáo, executa o retrato da M o rle ,1"’
I els aluda, misturados, rosarlos cujas contas figuram * i.1
t i l o s , jogos d r taró com tuna carta representando a Morle a ta
val........liando um rei, um cardeal, um conego e um ravalelio,"
Ulna i',iav uta <il>ii ( ohre opondo mima partida de xadrez um vi
lli'> d i e sen v e n m lo r,11" medaIlióos (alemães) em terracota n
pn ■ litando a m u iI m i e a Morle, um casal e a Morle, um saldo e
a M oile 111 I ,a . evocayoes e tantas outras que poderiam ,u n >
lu i I I I IIN 1I, A. I.ii Vie...i |>. .14 c pl. K. Ilen m à fustige de Home un
i.nli do <a oto XV): II.N. ms. Lu I U>(), f" 131 r,
lili WIUI11, | /</ Jtim e filie et ln mort..., p. 63 c pl, 38.
los I I NI'NTI, A. II Semo..., p, 16 <•pl, 23, |>. 43 <•pl. 4s. Ucspn .....
u ORAN I , S, Smltijhii thwii, llAlc, 1497, I 94 c 11.N. ms. Im. 9471, I |0o
I()(>. WIRI II, |. Iu lennefilie elht morí..., p. 17-20 c pl. 1.(1. MU I » lllll
S( 1N, |, ( . The Ahnler o ftb e llomehook, New York, 1972.
107, < I lAMIU'RY. Mualc des llcuux Ans,
HUI. WIR’I I I, |. /,/ tenue filie et /,/ morí..., p. 19.
109. ROSI'NI I I I ). II. P er millehllleeUche. , p, I r p. 13. Ii.it,i m <Ih mi',"
*|c i .irias d( Imi.illm .itrilniído .i ( .irlos VI (de I i .iih,.i ), I 192.
Ml) WIUI II, | I ttJen n e filie el In Morí , p, 12 e pl, 14: M.iiuc DKili l'Alio*
III llilil., |>. 211.
tentar constituem o ambiente que permite compreender a rica
prnducáo macabra de um I Iolbein: Pequeño Alfabeto (1520),
(o d íe le Alfabeto ( IS21), Sim ulacros da Morte (1538) e a célebre
Inlei rogaçào de- I lamlet na cena do cemitério: “Quanto tempo
pode um homem permanecer na terra antes de apodrecer?”
0 macabro e a violência
( )s exércitos de cadáveres que, no quadro de Brueghel,
•ombalem vi tollosamente contra os vivos remetem a urna situa
ban de violência quase permanente na época. O macabro estava
ligado a peste. Mas estava ligado igualmente à guerra, horrível
1 Minpanlieira dos europeus desde o tempo das Grandes Compa
ñía.r. até o final dos conflitos religiosos (1648). Ela certamente
nan provocou hecatombes. Mas esteve quase sempre presente
•'•ni .'¡cus cortejos constantemente renovados de soldados, de
lime Idades, de pilhagens, de colheitas arrasadas. Com rebeliões
■ lutas civis que repetiam ou prolongavam guerras estrangeiras,
•• contemporâneos tiveram o sentimento de que a violência ar
mada nao os abandonava. Há quarenta anos, constata Eustache
I >i a liamps em 1.385, que o nosso vigário só canta o Requiem , “a
i i! ponto que dos outros ofícios ele nào sabe nada”, e isso vai
•••iillnuai: "Sem ter paz, teremos guerra, guerra”.112 Em outra,pas-
iiM m. ele constata, “Guerra dia a dia avança”.113 Dirige-se então
ii"s soberanos: “Príncipes, eu lamento toda guerra”,114 e protesta
•onti.i ,is más ações dos aventureiros: “Nào há quarto, arca, mes-
11o •bs liada / Que eles não rompam...”.115 Daí a solene advertên-
•la fazer guerra é pura da nação”.116 Christine de Pisan, aluna e
l|o ipula de Eustache Deschamps, com põe Lamentações sobre as
‘■ maus ( //>/.v. Na sua prisão de Beauvais (1432-1433), Jean
l<i gnlei maldiz, ele também, a guerra:1
193
N.iu Im hiul.i •|•i*■ ,i gueu.i nfto nmlc
( iuerru c U>dn |trisito.
1K' ludo ( | U C I pogill
• H I C I I .I <|
Melo século mais tarde ( l Í77-I 179), <> retórico |r,m M>*||
m l r u '.U iiumlia desolada dos combates entre francês» ■■ e Iu11
imiliilini . No seu Ihrurso t/o (kwo niindo, ele crlllta vlgonoa
nu nh* os legenles da coisa pública":
im
i' 1 meu enarlos |>:ir;i as guerras da li;ilia, o vaivém dos soldados
n i |n iiinsula, os saques de Roma ( 1527) e de Anvers (1576). Ele
•li ipir/.i sobretudo o aspecto mais trágico do século 16 e do pri-
uh Iim século 17: as lulas religiosas em que se juntaram persegui-
.......... los anabatistas (na Alemanha e nos Países-Baixos dos anos
l - Ml), Iuiias iconoclastas”, fogueiras de heréticos, conspirações
ui' 'iiilfi.is, massacres organizados (São Bartolomeu), batalhas
pl mc|ad.is c sedes de cidades em escala nacional (França 1562-
I" "ti ou européia (Guerra dos Trinta-Anos). A violência sádica
* ias a na ordem do dia: valdensès do Luberon sufocados por fu
ñí 11 a em grutas, monges enterrados vivos pelos G u eux, católicos
iiigli s» s csiripatlos vivos com o coração e as vísceras arrancados,
ii iin as assadas em espetos (em Vivarais, por volta de 1579) na
Ia' i ia,a dos pais, etc. Trágica, porém sucinta amostra.
Konsard compara a França de então (1562) ao comercian-
ii igiedldo por um ladrão que não se contenta apenas em des-
p' '|a I * mas "Agride e atormenta-o, e com uma adaga tenta / Ti-
i ii lli' do corpo a alma por uma ferida; / Depois, vendo-o mor-
' • •o 11 de seus golpes, / E o deixa ser comido pelos mastins e
i - li ■ I ib o s "S é b a s tie n Castellion, dirigindo-se à França desola-
h polos conflitos religiosos, diz-lhe:
inr>
i ii vi o negro soldado liilinln.u pelo nielo
i >■ , i nschrcs <l.i I i . i i k . i , 11 *i 11** iini.i tempestade,
l ev.indo linio o que pode, arras.il lodo o resto ,
I ,i, de mil i .isas resta um no logo,
So <.iinlt, .i, ,*.o morios, ou rostos horríveis,1'1
171. I >'At MU< INIs A. l e i cil, A. (hmicr <• |. I'l.iil.ml, l’.in 1*1
.lio, I9M>¡ I, p, 97*.
I ( I. ANI >I' KS( )N, <'hr. Plrner, Krieger, Narren. Aingeioiillr . VS Iniiuiy, n
ron lh \ ( i ti í/,
(, ,S. Vcrlitg, HAlc, 1978, com reIcris idus bihlii *gi .tli<... A, ilie
ii.gflci uunmi.iiliis .i M'i’iiii ,%
<• cncoiiiiam nea.i olio.
17.t. Kcprmltg.U) i. millón cm WIIU II, | l o /enne /lile el lo morí p II
Ii Mi
i" inli l.u lt •e 111111segura um saco (de escuc los) estampado com as
um e da frança. hnire os dois personagens, distinguem-se um
........... serviu de intermediario, um artesão, um clérigo e um
i" <"'i l.mlc, Ao lado do recrutaclor está dm louco. Seu simétrico
um i s<|ueleio animado c|ue aplica um violento golpe de joelho
ni .i r.i.i.s do soldado, lile carrega um estandarte indicando que
" dlnl n lio do re i nao vale urna vida.
I ni varias ocasiões, Urs Graf evocou cenas de execução:
um i mulher Santa Bárbara - que um soldado decapita à beira
i um lago; urna vivandeira que passa indiferente, quase sorri-
l> ni' purlo de um militar enforcado numa árvore; um confede-
i id.. que se prepara para cortar a cabeça de um mercenário ale-
m i'■a|oelhado. À direita deste, um infeliz está exposto num pe-
........ i, enc|uanto clois supliciados pendem de uma árvore, es-
' uní., u corpo de um deles já meio devorado ou decomposto.
1 miu. desenho a bico de pena representa um ampio campo de
i .1 ilh i onde se enfrentam duas infantarias, cavalarias e artilha-
H . inimigas, ( )s mortos são numerosos: eles forram o chão, nus
■.......|iie |a foram saqueados) ao lado de tambores furados, armas
111. luidas e cavalos abatidos. Atingida por uma bomba, uma
. . .a qiH mu I ntretanto, à esquerda, um soldado, indiferente ao
i ■imh.ile, i» upa-se em beber pelo gargalo. À direita, dois milita-
n . ' itli if( ados can galhos de árvores já são atacados por aves de
. 11<in i antecipação das cenas de enforcamento que Callot, um
■■' 11 >mals larde, representará com realismo nas suas águas-for-
........... ir.agradas ás Misérias da guerra.
< >i |iic 11rs Graf quis dizer é ao mesmo tempo a loucura do
t ln li <du mercenário e a atração invencível por uma vicia de vio-
i in la . de aventuras. Hans Baldung Grien em 1503 e IXirer em
IIlii, u|, , lambem, traduziram em imagens impressionantes o cliá-
i .......nlie d Mercenário e a Morte. O primeiro coloca um soldado
.li . illiai triste diante de um cadáver zombeteiro apoiado numa
i ui. a |. lia de tíbias enfileiradas.124O segundo imagina uma conver-
. *va .. entre um militar de penacho e um defunto vestido com um
ni. lai li. i •i uja cabeça ainda ostenta cabelos abundantes e desorcle-
.. id.. I -.tf último apresenta uma ampulheta ao seu interlocutor.12S
Mm panorama, mesmo rápido, do macabro da época não
i •I. ila esquecer as tão numerosas evocações de martírios e de
11)7
massai11•:i, <) traumatismo provocado |ir lo <s|>i tai 111«>*l.i \li n
i 1,1 leve nè< essli l.li Ir (Io explllllll so por "pru|eyoes lll »i i|,n li n.i i
So |MKlessrmos c< >nlal)lll/ai todas ;is exci ue< >es ilo santos e sait
ias (|iio foram pintadas, esculpldas ou gravadas n.i l urop.i . .. l
dental <■ central oniro I.SSo o 1650, chegaríamos a um tola! • i.u
roí odor que restituida, nosso sentido, a continuidade entre o go
lito, o maneldsmo o o barroco, Nosso museu de horrores Itgma
evidentemente com destaque <> cnicillxo do Isscnhelm, • i*n
< ilslo esverdeado e ja quase decomposto pela tortura, com sua
pele crlvuda de feridas, seus dedos torcidos de doi, seu i o s |m
mau ado pc>t uma atro/ agonia".u"
Mas as cenas de massacres associam IVoqücnlcmenio a vlo
lenda e ao sadismo um elemento (|iiantilativo: o maeabio •,< t•n
ua plural, Pensamos aqui no lema do M a rtírio dos de: m il . U i
Idos (ordenado por um rei persa) que seduziu prim Ipalun nn
IXirer, Nicolás Manuel Deulseh, Ponlormo, Pierino dei Vega lii
obra de 1)11 rei (ISOH), encomendada por l’rcderico, o ’ ibt> * "
uma paleta mullo iUa lealya delallies horríveis: Inocentes i u ,ia> .
san piei (pilados do alto do uma íalesia; outros sao abatidos a m .1
pi d« potieli i ui dei apilados, ou chicoteados ale a iiiom mu
i p> d 11 |u Io , ou crucificados. () quadro do Nicolás Minie I
I »i ui mh1 |>i•ti iuIi ii sei ainda mais cruel: os corpos salían nl*1
•Ia •IIlina i.io empalados ,si)|>re galhos de arvores sei as i q•i<I••
...... . •lamina lals obia , Introduzem a com posição extrema nu u
i* maut insta de \ulolne ciaron, o Masscurc dos T r liin irli*
i I ••>‘ • 111< 11mlrasi.i dei a pitayóes com uma luxuosa .11c|u« . •!<.
Illa i mal, ainda a Iodos os quadros o estampas cons.tgi ido i i
l>aai. tias, . ms uyóes diversas o mortandades coletivas qm mai
i at.tni as puertas de religião.
,‘io encontrantos ilillenidades de escc>111;i: autos de / i1, pil
nli, ao dos c <»njurados de Ambi)lso, massacre de Sao llarlolom- u
ti muías Infligidas aos monges neerlandeses e aos cali >!l< <o |ii)>l>
ses I ra Impí >ssivcl que tanta vic>leneia, juntando se ao i .peta* u
lo das pestes, nao levassem os ocidentais a representai, t" di
morte e da aplicacao da morte, l',m IS87, aparece em \m . i .
I .’(> IttUISCgM' I', |. t il l’ftniuir nutnidiuf, Ncudilttd, al, lile. <i • il.n l,
I p,
I' K iiiim bÍMOriitl i e s M iinciiiii ilr Vlcn.i.
I ,'H. M iim ii .1.' Hd.r. AlUs ilt- Iti-rn.i,
I 29. Nn I nlivic.
11...... m/>i Inmlur, um lealro das crueldades dos heréticos , que c
m ii1 !ni|'!• .■.lonanle coletânea de suplícios.1'" Alguns anos de-
I
tnii m ( n.iiorl.mo (¡allonlo, inspirando-se na obra anterior, pu-
<llt d •ui límii.i um D atado dos instrumentos de mentiría, ilustra-
i pM| |, mpesta, um dos melhores gravadores italianos do fim
• i ' ■uln K),1'1 Essa obra erudita era consagrada aos instrumen
to* di i* Hlili.i ou troca empregados pelos pagãos contra os cris
ta, o I l.i pioprla era tributária dos afrescos que os jesuítas da Ci-
•i l> I Irma tinham encomendado a Pomarancio, ao mesmo
li mpM |•11.i o seu Colégio dos Ingleses (por volta de 1582)132 e
|i n i i 11.i •|.i .'.auto bs te vão Redondo (por volta de 1585). No Co-
1 i ' uma sequência cie pinturas agora desaparecidas contava a
In . <n,i Ia Inglaterra por suplícios, desde Santo Edmundo criva
do . 1* lá •lia , pelos dinamarqueses até Fisher e More morrendo
n>i ulalalso c (lampión estendido sobre o cavalete. Os trinta
.................. Santo liste vão retoma de maneira nova cenas da Le-
ih ff Ia ,loin\tda e retraça a história das perseguições romanas:
S ii•n * |<ir, uln numa fornalha, Corona esquartejado, Martine cli-
l.l. ei .'Ia p.»i unhas de ferro, Vitus, Modestus e Crescentia preci-
I n i.ln . in . liumbo derretido. Em certos afrescos, vemos três su-
I Ir I n li n . in diferentes planos.
i fu i e, portanto, um acaso se a morte está tão presente no
....... . <- uln l(> e com eço do 17 tanto nas tragédias francesas ins-
plll.l a . m Ncncca como na literatura inglesa contemporânea de
i ii .1" th i ilo s primeiros Stuarts; e tanto mais cjue elas integram
....... nn >tIv açuo maior da violência do tempo: a vingança. Esta, tão
i .. •‘Ml* no i urso das lutas entre armanhaques e burguinhões, foi
i. nu ada no século 16 pelos conflitos religiosos. Em plena Renas-
•ii. i . 11 permanece muito arraigada nas mentalidades. A maio-
H i 11 A'órelas de Mandello são histórias de vingança.
V. i ibias pictóricas, teatrais ou literárias respondem as des-
. ii.... de execuções de (|ue estão cheias as crônicas e gazetas
li •p... i llul/inga lembra, segundo Molinet, que os habitantes
I UI 1,1 l.niiu I SK7. bil. fr. 1588. Este esclarecimento e todos os deste § são
de MÀI.lí. b. LA rt religieux apres le condle de Trente. Paris: A. Colin,
iim .I ii '.
I p , l ( ) ‘) l 16.
I 11 i ,AI I ( >NIO, I! 7 nitrito degli instrument d i m artirio, Rome, 1591. Trad.
1,11111.1 . m I 59-1 e 1602 com um resumo do Teatro das crueldades dos heréticos.
I I ' I ti-, alíeseos estão conservados por gravuras de J. B. de Cavaleriis,
I .li i 11m exemplar na Bibl, da Sorbonne.
lí)í)
ilc Muir, i ompi.u.im Ihmii uno mu hundido para tri o pm/< i di
\r lo rsi |ll.II tejado "com o i |lie o P<)V() Ilion lll.lls ,il< gil do ipil
u' mu novo ,sanio llvesse rcssusrliado".1" Mollina lonl.i lamín ni
i|iir, di ti. init' o rativrlm dr Maximiliano da Áuslrla m i lli'Ugi ■■m
I iMM, tlvi'iam a cortesía dr Inslalai o ham o dr lortuia a vlsla d* >
l'ral prisioneiro, a llm dr dlslrai lo.1,1 lún seguida a 111il/.ln^a MI
<In I Vovelle desroble nos anais dr Augsburgo no serillo I , i
tur in. ao dr dnas riladas m im ad a s vivas r dr rim o padirs ion
donados a m on o dr lome mima jaula dr Ierro exposla ao pnhll
r o 1' As rx riiK o rs rom lorlnra estavam prrsrnlrs rom o onlras
lanías linóes dr moral: assim, levavam-sr as i nanias pata <pi< i i
gu.udussrm na mrmoria, l'rllx klallci reíala:
I ha ( riuilm )s<>, por ler violado uma muIIirr de selí'iiia ,un >, loi
i lutado vivo mm alíenles mi brasa. VI rom mciis olí ios a < ,p> s
,a lum,te.1 proelii/lila pela carne viva submetida a essrs allí m
iin I» a s a , elr lol i \ei litado poi' mestre Nicolás, raí lase o di la i
ia s Indo i . pi i ss,míenle para a clrcunsláni la. () ronde liad" ■i i
um In Minio loitr r vigoroso: sobre a ponte do Reno, hem p> Uo
di 11 lol 11o aiiani ado um mamllo; em seguida levaram .........
, idalal'io II- eslava rsiiemamente líaco e o saugui i.... ..Hit
il nmi lino 111«'iii■ di sua. m;io.s. lie nao podía manlei .■ , m p,
■ n i , "i lili ma mente I o| rnllm llera pilado; otilara m IIir mn.i *
I n ,1 alo e , I....... ipo, depi>ls sen cadáver lol |<igadi» ni mu I" ■
i I ni n ii miinlia pnisoal de sen suplicio, rom iVK'ii pal iln
gnuindi i pela m.Ii i 1
:*()()
i, i uncí i mi .se por despir os dois rapazes, depois açoitaram-nos
dt tal modo que o sen sangue se espalhou com abundância
pelo ( luto. () carrasco introduziu em seguida ferros em brasa
i m suas lerldas, com o que eles soltaram tais urros que é im
possível dai uma idéia. Km seguida, cortaram-lhes as duas
itrios A execução durou aproximadamente vinte minutos; ra-
p o cs c moças assistiam, assim como uma multidão de pessoas.
Iodos admiravam nesse suplício os justos julgamentos de Deús
< si Instruíam com esse exemplo.117
I i i ;lt,ulo cm Ibid.
201
titile e .ígiu rom i ln/.r. <l< loij.i I ev.inliiv.im |k *I;i metíale
imitas r dcpol.s i .ilv.iN.un poi baixo rom puntas acentúas romo
l.i/. o ¡illül.ilr rom .1 vlirlmi de mi .i Io |.i ((u .iih Io .1 ilclx.i nielo ahci
t¡i nos illas ferlailos, Arrancaram lile até o pulso raila nm ilc sctis
linios, l’iiN.n.mi lite os artellios delxmulo-os pendurados na pon
1.1 ile tima tira de pele. Para roneluir a cerimônia, abastecen se de
oleo um pequeno braseiro igual aqueles que as pessoas usam
para soprar leves bolhas de vidro e, começando pelos pés, quèl
ma ram o homem membro a yiembro até que o pé foi consumi
do e so enlao que ele morreu.IW
MM. NA.SI Ili, Th. I.c Voyageur m alchanccux. trad. Ch. Cliassé. Paris: Aubici,
I9S4. p. 284 ÍM5. Agradeço ¡mensamente a André Rannou por ler me 1 I1.1
nuulo a atençao .sobre este texto e dc maneira mais geral por ter orientado mi
nlias leituras sobre a literatura inglesa dos séculos XV1-XVI1.
I V). II0W S O N , l’r. “I Iorror and tbe Macabre in Four Hlizabctlinn Trage
dirs" em ( 'ithicrs élisábéthains (editados pela Univ. de Monrpcllicr), 1970,
p, I I t tdVI•1.11 R, E. “Horror and Cruelty in tlic Works oí tlirec Eli/a
bit11.1n Novclists", em (é.ahicrs êlm ibithaiuu 1981, p. ,19 S2. ( I. também
MIsSSIAEN, I*. Théâtre ungíais. M oycn dçr a XVI s¡h it, Hruges, Desdo di
Ihouwcr, 1948: trad. dc /.</ IhigS/ic thi i’cnyym v t tedios de I <1 l i m i t o u 1
:»on
h iiii), o culpado vê aparecer o espectro de seu irmão, lítese mata
i> ni,nulo malar um sobrinho. A duquesa de Amalfi é uma viúva
■u|"-, limaos, mii dii(|ue e um cardeal, querem impedir de casar-
it m »\ámenle, Mas ela desposa sen intendente, Antonio. Ferdi-
........ i'iilouquece a irmá trazendo-lhe no escuro urna mão de ca
li m i c dl/endo-lhe que é de Antonio. Faz também aparecer,
•'un i m estivessem mortos, as efígies artificiais de seus filhos e de
\nii 'iilo, I Jepois, manda até ela todos os loucos do hospício para
■ i i iii .ii seus cantos, suas danças e suas piruetas”. Enfim, man
da i .luugula Ia. () último ato é uma carnificina geral. A Segunda
I './'•.■.//</ d a n o i v a expõe o amor louco do tirano Giovanni pela
i ilulu morta cujo corpo em início de decomposição ele manda
ninai Fie queria amá-la com o se ela não fosse um cadáver. Re-
Miimldi is em largos traços, esses argumentos, por mais brutais que
■|a111. dao apenas uma pálida idéia de todos os assassinatos, sui-
111li •■.. espectros, violações e incestos que foram o pão de cada
dl i d. i <irancl Guignol inglês no fim da Renascença. O macabro e
i violencia estavam em toda parte.110
;i.i<11ificações divergentes
No meio do caminho, acabamos nos esquecendo da men-
. iitem religiosa que, na época, deveria estar ligada à representa-
• 1.1 da morte, lí que ela está simplesmente ausente de um certo
numero dc obras principalmente literárias. Mas não forcemos, de
liu I, esta afirmação. Mesmo nas representações arcaizantes do
tiiunlo da Morte, a pastoral cristã nem sempre está ausente. Em
duF manuscritos em iluminura dos Triunfos de Petrarca e em
■111.i■. sequências de gravuras consagradas ao mesmo assunto, o
111'' d.i Morte está rodeado de demônios gesticuladores que le-
.iiii o.s condenados e de anjos que retiram os eleitos.141 Em ou-I
I i(l. I .ii} l.c M assacre à Paris (trad. fr. Gallimard, 1972), Marlowe evoca com
place lilemente as mil e uma maneiras de dar e receber a morte. O massacre é
0 do dia de São Bartolomeu. Sobre o sadismo na arte e na literatura manieris-
i.i i lí BOUSQUET, J. La Peinture..., p. 206-207 e 246-252.
20 >I
•ni palavias suscetíveis ele* ser Interpretadas cm dois sentidos
i' ■ii> l M in cliivlcla perigoso ( |ilerer fazer falar demais obras
•|in ' iam miles de ludo arlísticas e nào pretendiam forzosamente
...... . uma mensagem. I lans Baldung Grien, que se deleitou na
i pn .'•iiI.k .io de deliciosas raparigas nuas beijadas pela Moite, te-
H i -ildi i um antl cristão”, um predecessof de Nietzsche?145 É difícil
iiuni ii Mals que intenções deliberadamente subversivas, parece
pe i. 11\i I deleclar, num corpus macabro de dominante religiosa e
11u Uiill ,tule, a intrusão - que deve ter sido geralmente involilntá-
ii i di elementos dissidentes e discordantes que, em varias oca-
I'" u abaram por modificar e até inverter sua significação.
I imã primeira probabilidade é que a proliferação de textos
i hiiiiu.i n . reí i•rentes a esqueletos e a defuntos deu uma força nova
i mi ir i . i lencas pré-crislãs relativas ãs danças de defuntos nos ce-
miii iii »s, ai »s espectros e à “horda selvagem” dos humanos prema-
....... tu uh la lucidos - por acidente, enforcamento ou atos de guer-
i i i |ih correm após a morte, em particular durante o Advento.146
M i i "horda selvagem” era também o cortejo aéreo, no meio da
m 'Ui das leltieeiras conduzidas por Diana ou Herodíade. Num de
m n u ios quadros, Urs Graf amalgamou os dois elementos que
• *111111•ui na "horda”: espectros - supliciados ou afogados - e duas
i In Imladi , nuas que desencadeiam uma tempestade e vão coman-
i n i i a\ algada."' Lucas Cranach, o Velho, evocou igualmente a
I.....Ia selvagem" nos três quadros que por volta de 1530 consa-
•-1.111 ui lema da Melancolia, associando intimamente o aspecto
In Hi<m im i da "horda” aos folguedos eróticos do Venusberg.148
Olíanlo a IKirer, várias vezes ele figurou a Morte por um
........ ui velho: no Apocalipse, em O Cavalheiro, a Morte e o dia-
h*• * ui * Urasdotla Morte.1'" Esses velhotes monstruosos podem le-
I I ' < o muni cação de WIRTH, J. “Hans Baldung Grien et les dissidents stras-
limiiyoois, cm Croyants et scepúqnes au XVF siècle, Atos de um coloquio orga-
ni. ido cm Estrasburgo, 9-10 junho 1978, éd. Istra, Strasbourg, 1981, p. 136.
I M«, A i ".sc respeito, estou totalmente de acordo com WIRTH, J. La Jeu ne
filie a ¡a Moa..., p. 9, 21-26, 94-95.
Ii lliid., p. 95 e pl. 78.
I IH lliid., p. 97-98 e pl. 79 e 80. Cf. FRIEDLANDER, M. J.; ROSENBERG,
I, H. iiicits Cranach. Paris: Flammarion, 1978. p. 127-128.
I r> Ibld., p. 36-37 e pl. 17, 61, 83. Cf. BERNHEIMER, R. W tldM an in
tkn Aiid d lt. Ice, Ckmbndge: 1952; DUDLEY, E. e NOVAK, M. E. (ed.), The
U ihl dlan within. An image in Western Thought from the Renaissance to Roman-
liilstn, 1’ittsbuig: 1972.
205
gilí mámenle apaiecei como teetu ai ñas,oes do "homem selvagem"
eonltci Ido |mi ulitigas iradlcOes populares, I la hilante c1.1•. lloie.|,is
o, i'iillin lili, portlldoi de lodos os temores c|LK’ OHl.l Irispll.iva Uh
tifamente, o "homcm selvagem" pertence .10 mesmo lempo .m
mundo dos vivos e .10 universo di* ;ilc*in túmulo. Asslm, ,1 r\plo
..lo do macabro parece realmente ler provocado um rellorcsil
mcnlo l'olc lórleo cerl,musite Integrável c militas vc/.es Integrad* •
.10 discurso crlsláo dit época, mas iis ve/.es susceptível 1U•sepa
mi se dele e, ein lodo c aso, passível de lima dupla lellura
Voltando a l lis Oral', desia v e / lora das alualIzavcVs lolclo
1k as, rom o delxar cle Interrogar nos se >1>rc <> e<>nteúilo c 1Isl.k 1 1I*
aias obras? As cenas macabras que e*k* desenlia soldados eníoi
cados, cadáveres cobrindo o campo de batalha, defunto animad*»
i<»i ande >c <>m <*> |c>elho o mercenario prestes a alistar se ec >ni|nh
lam Min dúvlda unía lk/ao moral (a loucura do olido das armas),
mas sao va/las de- referências'cristãs. Quanto a sua Fiduciario (de
l’>’(i), ela nao p.issa de um pretexto para um espetác ulo de loilu
la halado com uma I>rutalldade calculada”. H sem prova dei Isiva
<|iii .*• supo*' que a \tilma seda o Cristo.1'0 Por sen dese|o de sa
<li lilí* > urna obia como essa lembra o Martirio ele ele. mil <.rlsldos
■f 1ti*■ilas Manin I I leulsi h e, mais feralmente, o gosto pela \li *
I' nda *|tii . impela sem |>mle>r n<>teatro francés e infles do llm do
i* ' ul" ln * luido do I ' I alamos aqui no universo do mórbido <>
ma* il >1•>tu <l* 1 aso nao Uan outra significação a lem cicle- me-ano
ll' ' de| 1 . Ii .<0I11I1 no seu estado puro, dessacrali/ado.
sla cMilla pista ja assinalada por diversos hislorladon *
■' ain ' AIb* •I•' I' -1h•11111'1 e lean Wirih1'- sera C|iie a licao crista d« >
niiO lino (o m ancillo morí) nao se- transformou num convite *1*
•tgnlfli a*, lo lina i sa (memento riñere)'? Será (|uc- a insistência so
bn o liana da morte prematura nao se le ría tornado as ve/,es unía
* siimul.il,.10 .10 erotismo, significando urna verdack-ira "furia *1*
vivei' ' I ...i lellura paganizante e sem dúvida convincente (|uun
d< 1 se nata das c)bras dos irmáos Heliam cuja irreliglàc>pe o* upott
na époc a ele Diuca as autoridades de Nuremberg e «pu c .111.1111
decididamente na pornografia, associada a imagem da morlc *
valorizada por ela. Quanto aos "leitos fúnebres" desenhados na
mesma época por outro artista ele Nuremberg, IVtcs floltica, •I*
200
constituíam também, pelo viés de um;i surprcendenté iconogra-
li.i macabra, uma evidente provocação ao prazer.155
Mas será que se deve compreender da mesma maneira di
versos quadros e desenhos de llans Baldung Grien? Este, nos
anos 1510 1520, se compraz em simbolizar a Vaidade por uma jo
vem e bela mulher nua surpreendida pela Morte. Ele enriqueceu
esse esboço geral de variações diversas: o esqueleto ou o.cadá
ver em via de decomposição aparece no espelho em que a infe
liz se contempla. Às vezes, ele segura uma ampulheta; ou ainda
col oi a a mão sobre o flanco da vítima ou a puxa pela cabeleira,
ou a segura pelo braço, ou a beija na boca. Na mesma época, ou-
iros contemporâneos de Hans Baldung Grien tratam do mesmo
lema. Um desenho de Nicolás Manuel Deutsch em particular
aprésenla um cadáver levantando o vestido cie uma jovem.154 To
das essas obras querem em princípio significar a fragilidade dos
bens deste mundo e potadamente da beleza e da juventude.
Será que se deve adivinhar uma lição paga oculta por trás
desses apólogos. É o que pensa J. Wirth apoiando-se num elíptico
mais (ardió de I lans Baldung Grien conseiyadò no museu do Pra
do, I >c um lado - a radiosa vertente ântica - estão figuradas três
jovens beldades lendo uma partitura musical; do outro - a som
bria vertente cristã - uma jovem é atraída por uma velha que por
sua vez e arrastada por um esqueleto segurando uma ampulheta.
<) artista foi ligado aos “libertinos’^de Estrasburgo. Mas “libertino”
iii » século 16 era entendido sobretudo no sentido de independen-
le em relação ãs ortodoxias religiosas. E Hans Baldung Grien se
ita um "libertino”? Ele trabalhou para católicos, para protestantes
i para dissidentes. Ele parece ter sido motivado por “fidelidades
sucessivas". Boi sem dúvida um admirador da beleza feminina,
'.eu que por isso ele rejeitava o Cristianismo? Na alegoria do mu
seu do Prado, no lado cristão, a lança da Morte está quebrada e
um c rifei fixo aparece no céu. Concordando com François G. Pari-
.1 t, eu creio enfim que as obras de Hans Baldung Grien, muitas
.Ias quais loram religiosas, “contêm múltiplos conceitos”, mas
. i im ergem para uma lição cristã que não é um álibi”.155
-------------------------- . ■!
153. Ibicl.., p. 135-145 e pl. 121-142.
154. Ibicl., p. 70.
I 'i5. ( soyants et sceptiques..., p. 129 de PARIZET, F. G. igualmente “Réflexions
.t propos dc Hans Baldung Grien” em Gazette des Beaux Arts, 1979, p. 1-8.
( Ipinião concordante no texto de acompanhamento do catálogo da exposição
I /,un Baldung Grien irn Kumtrriuseum Base/, Bâle, 1978, p. 27.
207
( ) casi i i Ir Ki insard p erm ití' l.ll vez e,si larecei o do artista ,ile
ma<> n.i m edida em que ele deixa i la lam ente percebei a coexistan
ila nao nei cssailamente e»icrenlo d entro de uma mesma olna
i |e diversos ills i insi is m )|)ie a m< >rle, com a ll<,ao crista dom in a nd o
porem as outras, Testemunha fiel de sua úpoca, Uonsanl e habita
d o pelo pensam ento da fuga do tempo: "Vos, carvalhos, herdeiros
d o slleiu lo dos bosques / liscutal os suspiros de m inha ultima
1 1 )/ I de meu lestamenk >sede os presentes lubeliaes,""" ,, "I i >gi t
e .l.nao estendidos sol) a lapide",1’ ele. I ’.le se deleita as ve/es <oiu
e\ oi aeócs de <adaver, "alim ento de vermes, / I )csprovklo de velas
e di nervos", "sombra sepulcral" que
N.111 t« ui mais espirito nem razáo Artéria, nem mais vela macia,
1 ir ah' nem Hgav-tu, Cabelos na taheña nao tem,11"
I S(>. l.e seeoud livre des sonnetsfiour Ilélhie] I XXVI, éd. I*. I.aumomrr, ION
I91‘>: VI, p. 10.
1*57. I'ihr wntnebée des Amones, lbitl,, p. 0.
ISH. 'IMsihue Hvre des Odes, XXX: II, p. 303.
IV), I.es Amours, I livro: I, p. II,
l(i(). Amours di verses', IIhiI., j». H V
161. I es Uymnes, livro sc^ iiih Io IV, p, 17’ .
!(*.’, Ilion tic SinvilM, poro ilo mi tilo III iiniri ilc | l ’.
163. ihhlhue lime de\ Odes, XXV II, p 103
:»<>H
Sodios |>oi .u aso müi.s divinos «|Uc* Aquiles ou Ajax,
(. mu - Alexandre on Cesar q u e nao souberam
I >elendei sr da inorte, embora tivessem na guerra
Kcdu/klo sob suas maos quase toda a térra? K"
20fl
hei lili, De sre nl( >em see iilo |c’l.i |vive Item Ir 11/ r ennlCMli |llii
(<> ele seu ctí ;Ul o r , I ).i( > o r< >nselll< >: "N.ii > sr|.mn >s <»*. | ion n*
d r Circe" .1 Ihn ele uní illa chegar .1 "ll.u a” eterna:
¿10
ii.inU' das evocações c|ik*, durante mais de dois séculos, insisti-
i.nn M)hrc .t brevidade da vida e a decomposição dos corpos no
imiiulo. I cssc c lambem o sentido do itinerário complicado e
laniaslk (> <|uc* os visitantes eram convidados a percorrer no par-
t|iic dc homarzo (provincia de Viterbo), realizado segundo as in-
dli ações dc um principe Orsini na metade do século 16. Um per-
•ui no simbólico dentro de uma natureza selvagem levava a en-
<i mirar esculturas monstruosas e arquiteturas insólitas. No cami
n h o , liam-se inscrições com o “Despreza os bens terrenos”, “A
0 nladcira volúpia é depois da morte”, “Senhor, guia meus pas-
•i etc. Esse itinerário iniciático terminava num pequeno tem
plo precedido por um Cerbero de três cabeças e delimitado por
pndras lumularcs ostentando crânios e tíbias. Espantosa associa-
1 ao da arte dos jardins com as lições do contemplas m un d i , o
fo-iio pelo macabro e a atração pelo monstruoso.1723 7
1
Todavia, é bem verdade que, num clima de angúsdia e de
morbidez, a atração cio macabro corria o risco de desviar os ho-
mrns da época - e não deixou de acontecer - para duas dire-
1, 01"., afinal opostas tanto uma com o outra, à mensagem religio-
a Inicial. O primeiro desses caminhos sem saída era a compla-
•cuela pelos espetáculos de sofrimento e de morte. Partiu-se das
' nuil ¡caçoes, das flagelações, da Legenda, dourada e das evoca-
Mii", «.k* martírios e desembocou-se em cenas voluntariamente
mal .as de torturas, de execuções e de carnificinas. Da lição rno-
ul c religiosa, resvalou-se para o deleitamcnto sádico. O maca
ón» acabou por ser exaltado por si mesmo.
A segunda evasão para fora dos caminhos indicados pela
IcieJa consistiu na inversão do memento mori em memento vive-
/c ja que a vida é tão breve, apressemo-nos em desfrutá-la; já
que o corpo morto será tão repulsivo, apressemo-nos em tirar
dele io d o o prazer possível, enquanto goza de boa saúde. Lem-
h ie m o s d o que acontecia durante as pestes:1? alguns se precipi-
l.nam para as igrejas; outros se entregavam avidamente às pio-
n ■ luxúrias. Esses testemunhos provam que o macabro podia
.ci recebido com o um convite ao erotismo. Daí a ambiguidade
do', quadros e das gravuras de Hans Baldung Grien. E se exis-
um mundo
pecador
' 1 oiiMiltci lima edição holandesa (Elzevir, Leyde, 1613): N icolai de Clam an-
i i>/’iTii om nia que se divide em 2 partes com duas paginações separadas.
\ i ,u(.is e o De Antichristo... se encontram na segunda parte.
I ( 'artu u. 15. '
• < <i i tu a, 28.
fi i ana ii. v)0.
histriões, nem acompanhado por rapazes com cabeleiras ondu
laclas e afeminados, com roupas listradas como pele de mons
tros, com mangas arrastando no chão - espetáculo “quase bar
baroV Mas com o aumento da riqueza e a abundância das col
sas secundárias - já a sociedade de consumo! - vimos o luxo e
a insolência insinuar-se na Igreja, a religião esfriar, a virtude em-
palidecer, a disciplina relaxar, a caridade extenuar-se, a lumnl
dacle desaparecer, a pobreza e a sobriedade tornar-se objeto de
vergonha, a cobiça intensificar-se. Ninguém se contenta mais
com seus bens; já não se cobiça apenas o bem alheio: dá-se um
jeito para roubá-lo e para oprimir os inferiores. Assim se com
portam os pastores da Igreja cuja avidez ultrapassa a dos leigos.
Que exemplo para estes últimos!8
Ao ler essas acusações compreende-se por que os protes
tantes republicaram nas Provincias-Unidas as obras de Nicolás tic
Clamanges: que melhor testemunho, deviam eles pensar, sobre ¡1
corrupção de uma Igreja que a Reforma tinha tentado limpar!
Mas, nesse doloroso período do Grande Cisma, já não existem
mais almas santas? Nicolás responde, no capítulo XXV do seu De
corrn/Ho eeclesiae statu, que o desregramento na Igreja assumiu
lal dimensão que é melhor calar-se sobre aqueles que se compor
iam bem. "lúes são muito pouco numerosos e não fazem peso"
(/Hirro nimis in numero atque momento-sunt)?
Daí o c a s tig o próximo profetizado no D e Antichristo . .
Dirigindo-se aos príncipes, ã hierarquia eclesiástica e a todos os
cristãos, Nicolás de Clamanges anuncia as grandes desgraças que
se acumulam acima de suas cabeças. A pérfida raça cristã já abu
sou demais cia paciência celeste. Éla deve carregar agora um pe
sado fardo cie punições e de flagelações. O “grande julgamento
está nas portas”. Uma prova é o avanço dos maometanos, exe
cutores da vingança divina. Os progressos dessa imensa mui ti
dão ávida de nosso sangue vão enfim vencer nossa revolta con
tra Deus que nem as pestes repetidas, nem as guerras estrangei
ras, nem os excessos de nossãs lutas internas tinham- consegui
do abalar. Ademais - cúmulo do castigo - à ação dessa “besta
cruel” que é o turcò junta.-se a de “outra besta” que é a heresia,
: : ih
mi niiiikiu ilo |>.ii.s dr l'YíinyuV A mi Mil m.ilor r d.k I.i pela balada
• m | \\ , "Tristeza do lempo présenle"!
*dl()
"A Igreja o tudo vai cm declínio: Por Isso se* pode percebei
Que o mundo se* aproxima dc seu flmV" lí o mesmo sentimento
(|iie exprime um Ilustre contemporâneo cie Eustache Deseliamps,
o duque Jean de herry, guando escolhia com o lema em sua ve
Ihice: "O tempo verá”"’ simultaneamente tempo de sua morte c
da morte do mundo.
Eustache teve eomo aluna e discípula Chrlstine de Pisan
c|ue, viúva aos 25 anos com três filhos, privada de seus protelo
res durante as guerras civis e obrigada a refugiar-se num claustro
durante uma década, foi, ela também, triste testemunha dos In-
Ibrlúnios e pecados de sua época, lím sua obra repercute o eco
dessas vicissitudes, em particular nas Lamentações sobrç as uuer
ras cieis, no Livro cie m utação d a 'fo rtu n a e numa carta datada de
fevereiro de 1403 e dirigida precisamente a Eustache Deschamps
lista carta cuja forma é demasiado rebuscada e sobrecarregada de
rlma*> equivocas não é uma obra-prima. Mas o que nos importa
e o tema tratado o "tudo vai mal” - sobre o qual Eustache Des
•liamps e Chrlstine só podiam estar de acordo:
221
lile só vê ao M'ii redor "(It'MmK'.it) universal", "depravando total",
"ordem subvertida", "doença mortal" e "desvíos", 1)1/ aluda que
o mundo "desaba fin decadencia", "afunda" e "decaí", "declina"
e "se perverte”," lile "perdeu seu centro". Assim homens e eoltiilrt,
privados ck' estabilidade, empurrados por forcas centrífugas, dh
per.sam-.se no va/lo. No fim do século IS, o predador alsai laño
( íeller de Kaiser,sberg se quelxa, como tecla (ello vlnte e qualiu
anos antes Nicolás de Clamantes, de que "a crlstandade esta ai
ruinada de alto a baixo desde o papa alé o sacristão, desde o luí
pecador alé o pastor".IS
li l.tmbém o qué repelem Incansavelmente os I IJ, i apllu
los de -I Ncwc dos laucos (1494), obra, lembremos, redigida po|
um leigo; "As espadas do poder papal e imperial estão enlenu|a
das,.. A justiça esta cega; a justiça está morta".16 A coblva, ma< d»
Iodos os vícios, Incita os cristãos a trabalhar aos domingos a
festejar, Nos dias de festa, cm vez de rezar, "para matar o tempo
pratica se velocidade correndo de carro”1 iraduçato atuall/ada
de uma nolacào singularmente moderna, A blasfêmia trllinia e
essa constalacáo junta-se a múltiplas observações nesse .sentido
de pessoas da época.1’1 "Nao é de admirar, prevê Sebastlen Itranl,
se Deus, ante semelhantes ultrajes, fazia o mundo soeobr.ii i i
( eu poderla desabar ou voarem pedayos de tão grandes que sao
as bl.islemlas... () ultraje é tão grande que se estende poi Ioda
pitrk \' ft mi 1 itt(' se <jue a "degradava* >” da fé é cada cila mal mi
e que a Indúlgela Ia perdeu qualquer espécie de preco; n in g u ém
m ais ,i quer' Durante esse tempo, “o espírito diabólico dos ll
<-<*-¿« >
mundo estava próximo."' I itn ella, ele declarou: I o ultimo •,lnal
do Apocalipse; ela vai romper-se”."" lile eslava com eleito per,sua
dido de que o anticristo, cujos extraordinários maleficios devem
preceder'o fim dos tempos, estava efetivamente em açao. Seu es
pírito era o papa e seu corpo o turco, este último "arrasandt >, ata
cando e perturbando a Igreja de Deus corporal mente”, o primei
ro atingindoi-a “espiritualmente”.6S Para Ligero, nenhuma dúvida
era possível: “O tempo de miséria” anunciado por Sao |o,io
“como não houve ñenhum desde que existem nações", era o sé
culo ló que o vivia.66 Nos seus momentos ele desánimo, Lulero
desejou o fim dos tempos. Na época em que sua filha Marguei‘1
te está (mortalmente) doente, ele escreve a um amigo em abril
de 1544: “Eu não me revoltaria contra o Senhor se ele a arraiu as
se deste tempo e deste século satânicos e desejaria que eu e os
meus também fôssemos arrancados rapidamente; porque eu de
sejo a chegada do dia que porá fim aos furores de Sata e dos
seus”.67 Em termos um pouco mais comedidos, Bucer declara em
1523 no seu Tratado do am or ao próximo: "... Em lugar de a pos
tolos, nós só temos falsos profetas, em lugar de educadores, so
sedutores... em lugar de príncipes e superiores piedosos,, so tl
ranos, lobos, ursos, leões, crianças fsic] e loucos”."8 Dentro do
mesmo espírito, I lema Estienne afirma na A pologiapam IhWnio
to ( 1%(>): "Nosso século c pior que todos os que precederam” ""
Na época, os mais zelosos católicos, por motivos inversos,
n.to raciocinam de outro modo: assim, Guillaume Budc no seu
/.V transita IIrllenisnn’ a d Christianismum (1535), obra Inquieta,
dirigida contra a Reforma e onde se lê principalmente que o
"trnnsburdumcnu* dos erros" vai aumentando a cada dia. "E couto
um dilúvio da antiga religião que inunda todas as partes c|o num
do 1 rlslâo e recobre pouco a pouco a diferença entre piedade e
Impiedade”, (íuillaume Biiclé qualifica seu século como “depra
22b
Um U'xlo ,i ser ucivmuntado Hs inúmeras .ilIrin.i^<>« •. <1.1
queles cjlic* upredltaram numa multiplicação dos blasfemos • ila >
bruxas na Europa do Início tios lempos motlemos. Para Agilp
pa d’Aubigne, a medida já eslá cheia e é hora de Deus llnaliiu n
te punir a humanidade pecadora:
227
gnu",'" Nas f llsftU itls {Jhul(glosas «I»• ItnulNtuau ( ISí>()), uduptildm
francés de Bandullo, encontra ,*u* Incidentemente uma u Insito, lan
10 milis Interessante quanto se apresenta como nina evidencia, ,u >s
nossos "séculos em que o pecado l’ol muís alnmdante"."" Mas, dols
anos anles, no prelado tío seu Teatro do m undo, ele tinlia denun
liado mais claramente "um século como este nosso, ia<> corroí vi
pido, depravado e mergulhado em toda espécie ile vicios e abo
minaçòes que parece propriamenté que é o retiro e o esgoto onde
todas as ¡mundícies dos outros séculos e épocas vieram deputai
e transvasar;81 a mesma comparação que aparece em Tilomas
Adams e que poderla bem lev sido um tópos. Nao é ocioso lem
brar que este livro de Boaistuau (multo mais ampliado que o sen
lircne discurso no sentido inverso Da excelencia do homem) lol
Hilo, Imitado, copiado (conheceu 60 ecliçôes em SO anos) e a os
olhos dos moralistas passou por um modelo do gênero, A sensi
bilidade de urna época rcconhecéu-se nele.
l'llenne l’asquier, espectador entristecido das güeñas tlt
lellgl.a i, riu lien -.u.i correspondência de fórmulas alarmistas e tlt
|iilgamenlos srveios sobre sua época: "... Nao se anuncia outra
t olsa a nao sei logo, guerras, mortes e saques (1562)."J "Nílo es
iaiiitis mais no reinado, estamos no império, porque todas as col
nas sao plorando""' (I5MU), Montaigne nos Ensaios |ulga que a
boa • .lima do poso e "ln|urlosa”, "notadamente num século m í
mmpltlo t Igiioianle tom o este”."'' Thierry Coornhert, um Ireuls
11 qut tía estib an em I laarlem, estima em 1582 que "nossos
•lias sr ( oniam entre os plores"..8' Shakespeare descreve o nuitl»
di i -I- ten lempo como urna "piisáo”: “Urna famosa prlsao, com
221)
lal,s 11k' lez r i o fazendo <Utrgantua illzer: "bu ve|o os bandidos, i
carrascos, om aventureiros, os i .iv.ilativos do agora, muís (Ionios
<|ii(' o,s doutores e pregadores de nu*u lempo","1 Mas essas apir
liaçòos entusiastas drvem ser temporadas de várlas manchas, l'oi
um laclo, desde o século 16, os Italianos llveram o srnUmento de
que a época feliz i|tie tlnlia coincidido mais ou menos o un o go
verno ele Lorenzo, o Magnífico, tlnha sido um fracasso, Agota, era
alé possível esperar uma decadência da arle: assim pensava Vas
sari para quem, depois de Mlehelclngelo, nao podia haver dei li>
nlo, Por mitro lado, quando estudamos a utillzavao - mullo Im
porlanle •i|iie foi feita do tema da época ele ouro na Henast en
va,"' ficamos convencidos de c|ue ela foi na maioria das vo/< ■\i
villa e apresentada como um antídoto a um sombrío p ica ule
líssa constatado global incluí alé mesmo os numerosos panegtii
eos compostos por poetas-da corte afirmando a cada advento di
mu novo soberano que a época de ouro ia renascer sob seu iel
nado l'ssa ba|ula(,an estereotipada, ela também, exprimía o dese
|o amplamente disseminado de urna mudan va om relavan as dn
i as i ondlv* ><’s i la r|x n a,
1' l I KASMli. liloge de ¡a Folie, cap. XXXII, trad. P. de Nolhac, Paris, Garnier,
IMS), p. 65-67.
•)*i. MAROT. (Fumes completes. Paris: Éd. Garnier, 1951, I, p. 438-439-
231
Naquela s.ml.i época iodas as coisas ria m comuns; paia altan
Car sou tad ln rtrli»sustente» nIntuem precisava ter outro trabalhe>do
t |iic erguer a mao c* pegado daquela* robustas azlnhelras, <|uc ll
beralmente convidavam com seu doce e .sazonado linio,,, lu d o
entilo era paz, tild o amizade, ludo concordia. A pesada rellia do
recurvo arado aínda nao tinha ousado abrir e visitar as piedosas
entranhas de nossa primeira nule; ja c|ue esta, sem ser forçada, ole
recia por todas as partes de seu seio fértil e espaçoso', ludo o que
pudesse fartar, sustentar e deleitar os filhos que entilo a possuíam,
*)H. lhkl.
09, liado p. 430.
100. u a d .
28: \
nos ombros ele* pessoas, enfermos, velhos c alegados san l« vados
ã fonte miraculosa. Despidos, mergulhados na água que regen*-'
ra, eles sacm curados, jovens, felizes, prontos para o amoi, pui t
a dança e os banquetes, l o sonho de Fausto sem a Interveiiy lu
do diabo. À esquprda do quadro, lado da velhice, a palsagein c
escarpada e inquietante; ã direita, lado da juventude, .1 nulun »
é risonha, as árvores ricas de folhagens e de frutos,
Sobre os Países de Cocanha - que Integram as ve/em a
Fonte da Juventude -,'fo i dito que eram as "ép o cas do o tilo tío»»
pobres”.103 Trata-se sempre de paraísos alimentares onde ......... ni
da é abundante e gratuita e de universos em que nao e pn 1 l m
trabalhar para viver. Além disso, segundo a maioria das ..........
que nos restam, ali se passa o tempo em festas permanentes e M
faz amor sem preocupação com moral. Kvidentemenie, os l'aim m
de Cocanha constituíram uma evasão para fora de uma * lvlll/i|
ção caracterizada geralmente pela penuria, por duras <«>ndl* 01 ■
de trabalho e pela exigente moral sexual das autoridad* . n ligio
sas. Foi no século 13 com A s Fábulas de Cocanha que o lema o
sumiu sua identidade. Mas - e isso é essencial para 1» n< mi » pío
pósito - foi nos séculos 16-17 que ele conheceu sua maloi dllii
são. Para esses dois séculos, foram assinaladas 12 variantes na
França, 22 na Alemanha, 33 na Itália e 40 em Flandres.""
À sua maneira, os Países de Cocanha eram utopias <* ob
jeto do presente livro não é enumerar estas últimas, nem an ill 1
Ias em detalhe, mas apenas lem brarem poucas palavras que * Ias
constituíram uma das especulações favoritas dos escriturem e
dos arquitetos - da Renascença. Da Utopia de More ( |4|(») a 1 f
dade do Sol de Campanellu (1623), á Nova Atlâutlda dr ha* ou
(1627) e ii Astrcia (1607-1628) de Ilonoré d’Urlé, passando pela
abadia de Télemo e o Estado de Eudem o de Raspar Stlblln ( IVi \ 1,
103. LF.VIN, H. The Myth... p. 55. Cf. também SCHMl'IT, |. < I ......
tianisme ct mythologié" cm D ictiontudre des mythologies, Paris: II. iiiiiimi Ihii,
1980. p. 1-9. Sobre os países da Cocanha como sonhos «pio «.«■11>.1>I>m«• l.i o 1
(idade cf. GRAR A. MiHt leggende e superstizioni del M edio Tro lliiln, I M'f *.
p. 235s.; COC!CHIARA, G. IIP a esed i Curaguaea llrism d l d l/ò/kloie, lliiltt,
1956, lunadamente p. 187. 1A/,RIU, j. "Rntrc Ic révc ct Ia léslgiiuilnni I um
pic populairc dons 1’Ancicnnc Polognc", cm Anuales J S i . initipi .ibill
1982, p. 146-153.
1()4. Contribuição «le COUTRAUD, Chántale para l a Morí des l\tys d( ifc»
cague (sob a dir. «le |. Dclnmcau). Paris: Ptibl. da Sorbonne, I1* i. p II II
Cí. também DRI.PKCII, R "Aspeéis des Pay» de C*nagite, Prngianmit pittll
une rcchcrchc", em I.'/mage du monde renoeiM1,,,, p. 3*i 48,
li Ve/ iiKld de Mlarcte ( meados cl<> século I*») ii "(llcluclc .solar"
llt Snlnnlo Donl (ISS2) o a Crlsticwópolls do luterano Valentín
v11' 11• ir ( luirlo ilo século 17), labirinto e caserna ao mesmo tem
po i pimlução sobre papel ele "cidades radiosas” foi consideré
lt I 1 < Iditiles Irreais, paraísos artificiais, descrições (de maneira
i* ti o dt mundos constituidos segundo "principios diferentes da-
i|iH lt mi|tic ivtl.io em vigor no mundo real”, as Utopias deram tes-
i. mmi 11o » do divorcio cruelmente sentido por um ampia élite en-
ln 11 i-ij ih.it. t >c< da época c as realidades cotidianas.KK>A esse tí-
tul" * h ’i lililí,un vocação a figurar, como contra-provas, nutria
IiH mii i do pessimismo da Renascença. Como Platão e Horacio,
M> m uil din. < ampanclla c Bacon situam sua terra de bem-aven-
Ulliliti i num alfil ires longínquo, numa ilha perdida no centro de
mu MM'iino se nao sempre imaginário pelo menos dificilmente
i i io I para as pessoas da época - mares equatoriais,-Pacífico,
lli* iiio Indlio I uma maneira de dizer qué paz, harmonia e
iliiiiid 111« ia não csiao ao alcance da mão.
\ mesma geografia do impossível explica que certos.euro
P> ii ili Isaiulo se levar pela “miragem americana”,107 tenham atrl-
jiuidii is populações recentemente descobertas pelas grandes
..... ... da Renascença, virtudes há muito tempo perdidas por
II que, por sua vez, desapareceram também entre elas quan
to d . com nossã civilização. Notou-se justamente que “a
rpm i di ouro da utopia está ligada à história dos grandes des-
tnluiiiii iiios marítimos; cada relatório de viagem enfeitado pela
immin n ii i agiu como um choque cultural restrito, provocando
uma i iimpai.gão, repondo em dúvida as estruturas sociais con-
|i mpiiiilin as".1"" () mito do “bom selvagem” e o elogio s o primi-
III. IU )NSA1U). CEuvres, V. p. 154 (IP Livre desPoèmes). Cf. também Ibid.,
p I s / 163 “Les Isles fortunes”).
I 15, Ibicl., V, p. 154.
I Id. ( T. ATKINSON, G. Les N ouveaux..., p. 15 e 163.
I I , < I. ,i bibliografia que figura no estudo de LESTRINGANT, Fr. citado
.iiuerlormemc.
2B7
evoca na realidade o "Jardim de relujólo" onde se poderla "lililí'
das Iniqi'iidades e malicias dos homens, para servir a Deus". lia
ta-se de urna retomada limitada do mito da época de ouro. I’a
lissy sonha em acolher “os cristáos exilados ñas épocas de pe ese
guição num lugar ameno c ‘montanhoso’, crivado de 'grotas' pro
tegendo dos fortes calores”. Nesse jardim circular, os animais evo
luiriam em liberdade; as sentenças da divina sabedoria seriam ex
pressas em letras de folhas e ramagens.
ÜMH
menlc uh tuiAs;1'1 nos desfiles de c,irnnv.il; 11,1.** lesliis do Asno,
il'Ki 11n mentes o justamente dos Loncos; na pintura di1 Bosch, de
Mhm’hIicI e de seus discípulos; ñas estampas representando o
mundo "Invertido” ou entilo Aristóteles, isto c, a Razão, cavalga
da * i lili oteada por Phyllis, a prostituta; nos ensaios críticos cn-
iit ii.i |iials <>s milis célebres sito A Neme dos Loncos e o Elogio da
/ im/ i iihi, etc. No fim do percurso, eis ainda, entre outros, L'Os-
lihhile iIr' />(i:zi Incurabili 0 5 8 9 ) ele Tomaso Garzoni, o Dom
Muhn/i1 de Gervantes, La Hora de todos... de Quevedo (1628-
|n V» i, o ( ,'rUlcón de Baltazar Gracián (1651-1657): títulos que sao
iip» im i Itallzas sobre uní longo caminho dentro dos mundos in-
* nidii . da nascente modernidade européia.122
lodavla, a Loucura da Renascença, já se disse muitas ve-
i i i ambígua. Por seus aspectos folclóricos, de origens às ve
ra . •Uníanles, ela era manifestação de saúde e não de melancolia.
\ ‘ li nías dos Loucos, dos Inocentes, cío Asno e os carnavais cons
umiam momentos de libertação. A situação da multidão, a vacân-
■ii piu\ Isorla da razão normativa e cias instituições cotidianas, a
l" i mln-ilvldaile notadamente sexual e aliméntar, a algazarra e a
|o|i m la momentâneas, a licença concedida às palavras injurio-
i - i Inversão das hierarquias, a reutilização de rituais sagrados
l * 11 i Uns burlescos, as máscaras e travestis ofereciam uma "válvu
la di segurança” pura instintos reprimidos o resto do ano.123 Era
0 qui ui ilava com perspicácia umá petição em favor da" festa dos
1 min i is dirigida a Faculdade de Teologia de Paris em 1444:
124. Citado em Patr., Lat., CCVII, col. 1.171 e mais recciuemciite ■ui
BAKHTINE, M. L’CEuvre de Frdnçois Rabelais ei la culture popúlem e un Aloyen
Age et sous la Renaissance. Paris: Gallimard, 1970. p. 83. Cf. também <iUII i
BERG, M. Le' Carnaval à la fin du M oyenAge et au début de la Renaissance Joto
la France du Ñ ordet de l'Est, tese de 3’ ciclo, Paris IV, 1974 c sua coiitiihulqlii
ao t. III des Fétes de la Renaissance, éd. CNRS, 1975', p. 547-554. < aínda lo
M ort despays de Cocagne (contribuição de Chr. Soland), p. 14-29.
125. RUBYS, Cl. de. H istoire gónérale de la ville de Lyon..., 1604, |>. i1»1) mi I
Citado por DAVIS, N. Z . Les Cultures du pe\iple. Ritucls, savoirs et réshuuu •i
auX V L siècle. Paris: Aubier, 1979. p. 150.
1 2 6 . C A R O B A R O JA , J . l e Carnaval, n o ta d a m e n tc p. 2 8 e 1 5 7 .
E40
i Ih i . U
i | ;i do carnaval explodia iinles «lo silencio, do jc|um
t da nlsie/a da quaresma. Sabia se mullo bem que o Kei clac|Ue
|i días em (jue era permitido comer carne porcia seria logo ven
t Id" poi "Madame sardinha”.I"'
A propósito nao só dos mosteiros de jovens e das algaxar-
i 11, mas lambem das festas ruidosas que preenchiam o calenda-
du di 'ule dezembro até a quaresma, o s,estudos recentes mostra-
........ |in IIcenla nào é rebelião”.130 Essa fórmula de Nathalie Da
.......... be agora uma ampla aceitação. A “contra-ordem”, escre-
' t iu "i Marle Bercé, “ainda é uma ordem”.131 O Lord o f Misrulc
nao i mu lo rd o f Unruliness. O “ridículo” não é forçosamente
wibsvish'o" e a caricatura pode ser “pedagógica”. As brincador-
M dos biili «i\s reais nào punham em causa a instituição monár-
i|ii|i i A Inversão das mascaradas constituía uma “imagem sime
lili i da realidade, e por outro lado os ritos “permaneciam mul
lo n|in m dessa inversão teórica”. Quanto aos tribunais de jovens
i i ilo, 1/-arras, exerciam “um papel.de salvaguarda do futuro da
1.......mldade pela proteção de suas virtualidades de fecundidadc
( ilt icno v ai, a« Nào se deve, portanto, separar festas folclóricas
i ii ii o de passagem.132 Podemos até pensar com K . Thomas q u e
l h illnal confirmavam as estruturas, as hierarquias em vigor e
« d 1111 sei ilações da época da sociedade pré-industrial. O burles
mi mi dei I,irado "legítimo” durante um período limitado e em
ni i lini . precisas e todos estavam de acordo para nào ultrapas-
t.ii ii nas barreiras do calendário além d'as quais recomeçava a
lilii IVii mal.
I . .a posição de evidência dó caráter “funcional” dos ritos
. iin n ale .» os (no sentido amplo) contradiz sensivelmente a tese
| lll hall Bakhtine que viu neles uma revolta da cultura popu-
ln imilla a cultura erudita, uma inversão das hierarquias, a
ui* ii" ui Ia provisória de uma verdade das profundezas insur-
Itliidn si * onlra os dogmas oficiais, uma breve vitória da carne
............ asc etismo, e a recusa, uma ou algumas ve^zes por ano,
1 1 11 •lina, d a s autoridades e das proibições religiosas. A libérela-
'M\
de exterior que cáraclerlzava ¡i le,si a popular era Inseparável, |ul
ga ele, ele uma liberdade Interior momentaneamente reeonquh»
tada. Uma concepção "positiva” - isto é, materialista do mnn
do triunfava, pelo espaço d e -algumas horas ou de- alguns días,
sobre-uma còerção espiritualista.1"
Demasiado sistemática, essa tese não é muito convliu'ente
Mas é bem verdade que as festas, nao se transforma rain por ve
zes em revoltas, que as autoridades civis sentiram cada vez mais
medo da violência anônima, que trabalharam para enquadrai i
controlar os ritos folclóricos fazendo designar pessoas abastad i
e respeitavelmente conhecidas como "abades dos loucos ' 1 1 i
verdade sobretudo que os homens de Igreja - católicos antes de
1520, católicos e protestantes depois - mostraram uma antipatia
crescente em relação a todas as manifestações burlescas e mes.
mo festivas. Nas algazarras, eles viram uma oposição a um novo
casamento de viúvos e viúvas, aceito pelo direito canônico; no
carnaval, nas festas de maio e nos fogos de São João, viram re*
surgências do paganismo e ocasiões de escândalo; nas lestas doM
Loucos, do Asno e dos Inocentes, uma inadmissível confusão tlt)
sagrado c do profano, que se repetia às vezes durante as pioi Is
soes de Corpus Christi,1" Lm 1580, um padre católico da boêmia,
Vavrinec Rvacocsky, publica uma... divertida meditando sohtv
doze filhos de Carnaval, ou patriarcas infernais... onde demoiiíí
ira que “os diabos, durante o carnaval, invertem com o podem a
natureza do homem, depois, apossando-se dele, o recompensai)!
com o Inferno.130
A Igreja, no início dos tempos modernos, moveu então um
combate cada vez mais vigoroso contra a loucura coletiva e pu
blica. Esse combate só foi.parcialmente coroado de suee.ss» > Ma
na época em qye começa o internamento de loucos, ele é ie\r13456
24 d
I Non </<>s insensatos apareceu no período do i arnaval (fe
vereiro de 11‘U) c o .nitor inseriu mu capítulo tic <ondeo.u..i*•
ties te último: "A Idéla tic <|tic o carnaval é fclto pura se dlveilli e
Invengo do diabo ou entao tía loucura.,, <) gorro e<>m slnlnlu>s
ira/ angustia e tlor, mas jamais repouso","" A obra de Nébastlen
Urant é talvez a Ilustração mals rtotável de um lato cultural lm
portante: a crescente adoção dos temas tía loucura e do mtindii
Invertido por alguns meios intelectuais, sobretudo a lgre|a, paia
Hns tle culpabili/ação, Para eles, loucura e subversão são Intel
cambiáveis. O mundo ao inverso é um mundo perverso."1 A-, allí
maçòes nesse sentido são inúmeras nos textos europeus entre o
fim do século 15 e a metade do século 17..O gratule moralista
<íeller tle Kaysersbcrg prega na catedral de Kstrasburgo sobre leis
tos da Nciu cios Insensatos. Na esteira de Branl, o humanista e Im
pressor Jodocus Matllus publica em 1501 um Stnltifercu' nonos ("tis
naves loucas1',) que retoma a ficção da frota que Brant tinha aban
donado desde seu primeiro capítulo. Hle lança assim ao mai di
mente seis navios, <) primeiro é o de liva, autor tio pet ado orl
glnnl, i ia|iianlo os outros representam os cinco senlldt>s e a*» b mi
linas i que eles nos arrastam."' Nu truc canção de 15.’..’, o lian
• is. a i ii i 11o unas Murner, Inimigo de I, útero, declara que tudt >c s l |
d» peinas paia o ar na crlstandadé: “Os pés estão em cima do
bitin o, i. i ano na líenle dos bois”. Os eclesiásticos afastam os
In is, as autoridades dormem."' Um dominicano italiano, (lim o
11io Mllnatl, nos albores do século 17, entrega ao público uivut
ulna Intitulada o M undo t>imdo de cabeça para b a i x o , A Inito
•ligao da tradução francesa declara sem ambigüldadc: "A Irjtch
•ao «In antoi e de mostrar por vivas raZòes que o pecado Inito
ilu/lti uma tal confusão no mundo, que se pode justamente dpi i
que todas as coisas andam ao contrário"."'’ Affinatl, depois >1. lu
:u i
iiiili i época de oí no, declara que i) |MHini i), (Irsele o pecado
•111(1111,11, iornou-so urna "felá metamorfose tío si mesmo”.I,r' Alo
mi iin ■i» mundo das esferas que, eom a permissão de Deus, se
|n i mili andar para irás. Adão agiu "como uma besta louca""’ e
ImiIiim ir* srus descendentes se comportam da mesma maneira.
MIhiiilI da urna prova decisiva lirada de sua experiencia de prc-
gitdoii Nos vemos todos os dias... que a audiência vai num sen-
Hi Im Mu <<mirarlo ao reto caminho, que se corre mais para ouvir
mu 'iiililmbanco, inri contador de anedotas, um .charlatão, que
•m I* ni i reme para as mãos ou pó para os dentes, ou veneno
pii i talos, do que um hábil pregador”.“*
L i Ilord </r todos... do diplomata Quevedo (que tinha esiu-
•lili!i i ie< il<>gla), com a ajuda da ficção, põe por sua vez em eviden-
•M i i•alld.nlr e a permanência do mundo invertido. Os hom ens’
mi •pii is.iin a Júpiter porque a fortuna concede seus beneficios aos
lililíis e a miseria aos virtuosos. Júpiter decreta então uma “hora”
di \i ida*li■<luíante a qual as situações serão invertidas. No fim da
|liihi •••ricos, agora humildes e sem recursos, estão arrependidos;
Ilitis os iinllgos pobres, que receberam riquezas e honradas, entre
gam •• doravante ao orgulho e ao vício. Assim, aconteça o que
n imiri ri, o mundo permanece invertido com uma quantidade
louslanii' de loucura e de pecado.1*9 Mesma constatação amarga
ii" ' m i, ou do pregador jesuíta Baltazar Gracián.lso.O mundo aqui
i d. ••! dio como uma fachada enganadora onde tudo é mentira e
Miidil * oino uma cidade onde “tudo é ao inverso”: “Aqueles que
di o ilam m i cabeças pela sua sensatez e seu saber, estes estão por
........... lespic/ados, esquecidos ç humilhados; ao contrário, aque
li •|in deveríam ser pés, por causa da sua ignorância e inaplld.u»,
■ ' . i . piv.soas incapazes, sem ciência nem experiência, sáo eles
i po . om.iiulam".IMA partir daí, o autor generaliza:
‘M 7
Iras, uma ivn.i ele teatro popular: o louco com mi bastão <|iic,
sobre um tablado, da uma resposta Inesperada ou absurda a ou
tros alores,11,1 l'.nl'lm, a gravura Intitulada /I Festa tios i.oucos resil
tul ao mesmo tempo as lestas com esse nome e os desregra men
tos habituais tio carnaval.
Mas a significação geral dessas evocações e amarga, sobre
ludo no caso de Duollo ilriot (Museu Mayer Van den Mergli, An
veis) liste pesadelo, notavelmente pintado, com um evidente ,11)
tlfemlnlsmo, antecipa sobre aquilo que o mundo se t<>rnatia t asi •
fosse entregue â violência de viragos domjnadoras e liberadas,
I )e espada na mào, a megera Margot e suas seguidoras atacam os
homens aos quais obedeceram durante muito te m p o .S o b re tmi
fundo de Incêndio, a legiào demente se dirige para o inferno. Na
/■'ostd tios /.n u c o s , os balões carregados por personagens titubean'
les e desvairados simbolizam outras cabeças perturbadas, A gia
vura intitulada Toinftomntid, que comporta no seu ângulo supe
lior esquerdo um louco e dois atores, dá uma lição de modera
<10 a todos os que se entregam â luxúria, â cobiça, ao esbanja
mento nu ao contrário naufragam na avareza (rirom lum ul noi
i i iln/ihiH (/(■(////, j t o i /IuJ vt iuxuriosi dppareamus, m x o ra m tono
i lh' s»>hfltil ddt oiiscnrl <'.\'isldlUUS).M
Mais significativa ainda e a estampa consagrada a ih h
1•ada um 1 no alto da qual avistamos um louco olhando-se n<t es
p, II1.. *"* |i ia,.mdo com a dupla negaçào nemo non c reullllzaiulo
o tema europeu todos ninguém, Hrqeghel lança uma acusadlo
ao nn smo tempo Individual e coletiva: nós somos todos solida
iio, no anonimato do pecado, mas ninguém tem consciência de
sua 1i sponsabllldade. lilck (cada um) é o alquimista tentando la
bilt ,11 ouro, e o mercador no meio dos fardos de mercadorias, e
o soldado conquistador, é quem disputa uma peça de tecido mui
seu vizinho, A legenda ensina: “Cada um (Nomo non) so piocu
ra seu Interesse. Cada um em todos os seus empreendimentos so
procura a si mesmo. Cada um em todas as ocasiões aspira ao lu
161. Ibjd.
I(>2. Ibld,, p. 49.
I(>3, Ibld., III. 5, |>. 48-49.
I(>4, lliid.. |>. 4S c il. 10, p.
48-49. Cf. também cm Iliiil,, ( '.A.STII I 1. I
"Quelqiics toiuidérntions mu lc N iem anri..." c KI.KIN, R, "I cThénic «lu (*m
ci rimnie lnimaimtc" cm "Unumoflnu» c Hrnieneuticn" Calilci ilc /'AhhM tt
tlc/'¡loso/hl, I9(i.t,
: mh
im Mm pux.i pura <> seu lado e o outro para o dele. Todos so
ii m um desejo: possuir".1'" Mais feralmente, a loucura do peca
i Im i da o caos: é também a lição da Torre ele Bcibel, um tema que
lliiii gliel e «nitros em sua época cultivaram. Assim, a despeito de
•!i i illn s enigmáticos e controvertidos, BoSch e Brueghel pro-
I*•ti mi a iursina moral: a loucura, ou seja, os comportamentos co-
ii li nt, is dos homens, merece censura. Bosch, como pregador
#i milii miro e poderoso, chama loucura o apego aos bens terre-
tiii> Itiueghel, líilve/ mais humanista e mais indulgente, cleseja-
111 «pó n homem fosse razoável já que ele é dotado de raza o;
1111 •• nm privilégio que ele usa pouco.160
V. estampas do fim do século 16 e do inicio do 17 consa-
,.i id is ao "mundo invertido" sào sem dúvida, elas também, mais
.......i ili/nntes (|tie um primeiro contato com elas podería fazer su
pm 1 I i eilamente por prazer que elas acumulam os imposslbi -
//.i diM'itldos: barcos em cima de montanhas, hoinens cavando
ni........mar, filhos batendo nos pais, mulheres usando espadas e
Io min ir., a roca de fiar, cavalos ou asnos cavalgando camponc
piilm ■•. dando esmola aos ricos, o “bandido” montado num
i mi i I en«|uanlo o rei, de coroa na cabeça, vai a pé. Mas, por um
Itiiln, i v.as Inversões se pretendem absurdas. Elas fazem rir por
■I ........ .... absurdas e por ricochete repõem as coisas no lugar e,
pm mitro lado, podemos comenta-las por este “emblema” de
lililí i* velador das intenções pedagógicas que presidiam à con-
h i • n i dessas imagens humorísticas:
lOV "N a n o non quaeritpassim sua commoda. Nem o non quaeritsese cunctis in
ir bus ay/ndis. Nem o non inhiat privatis undique lucris. H ic trahit, Ule trahití
i unrlis amor unus habendi est. ”
100, Adoto aqui totalmente a conclusão de MARJJNISSEN, R. H. “Bosch
.uní Brueghel...” em Folie et déraison..., p. 45 e 47.
I(»/. « T. (¡RANT.H. F. “Images et gravuresdu monde à renvers” em L ’Image...,
|i. I / M. ( 'í. também CHARTIF.R, R.; JULIA, D. “Le Monde à enverso”.
KiH. <litado c traduzido em Ibid., p. 2H.
241)
Knfim, várias estampas (menos populares talvez) mili/.mi o
tema do "mundo virado” como um elemento de pregação, lima
de 1576 tem por legenda: "Hipócrita e Tirano mantêm o mundo
ao contrario; Fé e caridade dormem, como testemunhas o lempi i
e nós todos”. De fato, vemos o globo terrestre submetido a urna
velha mulher que segura um rosario (a Hipocrisia) e a u.m solda
do que carrega uma pesada espada. I Jma outra estampa de Ib \ ■
mostra o mundo invertido rodeado por Demócrito cjue rl e I lera
dito que chora. Dentro do globo (ele cabeça para baixo), homens
lutam, barcos naufragam, etc. A legenda proclama:
176. Cf. a esse respeito a excelente Tese de Estado de Mlle ROUCH, M. Les
C.ommunautés rumies de la cam pagne bolonaise et 1'image dupaysan dans / ’«•«<-
vrc de G iulo-Cesare Croce (1550-1609), 4 v. dat. Aix-en-Provence, 1982: I,
p. 263-264.
177. Citado por BERCÉ, Y.-M. “Fascination du monde renversé dans les
tmutiles du XVI siècle” em L Im age... p. 13. Cf. FLETCHER, A. Tudor Re-
bellions, Londres, 1968.
178. Cf. OSSOLA, C. “Métapliore et inventaire de Ia folie dans la littératurc
Uulicnnc du XV' siècle” cm Folie et dtlntlsoti,.., |>. 171-196.
^r>:i
pirón le s Locos ele Valencia do Lope de Vega o foi rapidamente Ira
duziclo em ingles (1600), em alemão (1618), om francés (1620) m il»
o título L Hospital des fots incurables ...1 ’ Mio c, portanto, rcvoladoi
de urna época que mediu a gravidade da loucura o julga noi cnni!
rio fazer o inventario de todos os seus aspectos. Sem duvida, ,t
cáótica enumeração de Garzoni tém tintas do humor quando se
trata dos quartos do Hospital onde vivem os “loucos engraça» !•■
e bufões”179
18018
2
3
4e os “loucos alegres, divertidos e amáveis"."" Mas os
incuráveis do hospício podem ser distribuidos globalmonlo cnlu'
duas grandes categorias: os que o sao pelo eleito da doença,
como os “loucos idiotas e grosseiros”,18- que serão sempre liu apa
zes de aprender o alfabeto; e os que se tornaram incuráveis p< lo
apego a uma paixão, potadamente a da “gloria do mundo",1"1 <>s
piores desses loucos culpados ( “a mais maldita especie de Inum
que se encontra no mundo”) são qualificados pelo autor como
“loucos endiabrados e desesperados”. Trata-se dos violen!» >s \ do
revoltados: “... Uma infinidade de inimigos de Deus c|ue vlnuw
em nosso tempo cometer toda espécie de rapinas, violencias, su
crilégios, homicídios e rebeliões que se poderiam imaginai. I li
sao dignos de mil patíbulos”.188Garzoni instala portanto nurvi mes
mo edifício - e essa concentração imaginaria lembra outros <i »nll
namentos da época - os brincalhões, os lunáticos c os vli i<>•.«•.
Km certo grau, eles sao todos perigosos. Como exprime em lei
mos hiperbólicos o prefácio da obra que a Loucura
179. Cf. FIORATO, A Ch. “La Folie universellc, spcctaclc l>»u l« *.q»u n In*
trument idéologique dans LH ospedale de T. Garzoni" em 1Vvivv ,/< I,i /.<//.
p. 131-145. Cf. também FUZIER, J. “L’Hópital des Fous: varluiliiii* i iimi
péennes sur un thème socio-littéraire de la fin de Ia Renaissaiu c", riu //,»»,
ge à J.L . Flecniakoska, Univ. Paul Valéry, Montpeuier, 1980, p. I '> ’ UM
180. GARZONI, T. I!H o s p it a l.p. 163s,
181. Ibid., p. 170s.
182. Ibid., p. 68s.
183. Ibid., p. 109s.
184. Ibid., p. 228-232.
n i liam.is de fícu veneno, o dever nic ol triga a de.serevê-la i.m
li'irlvel, que mó pelo olhar ela poe lodo mundo em alarme.'"
IH i •! iteração do m onstruoso
existem tantos loucos sobre a terra, a tal ponto que a
uuiliri.ii 11|iir reina aqui é como uma antecipação da confusão d<>
lilli iin i lugar caótico por excelência - , nào é de-admirar se a
i .......Mural do universo parece ter perdido, ela própria, seu
In o11 ii nso. () pecado xlo homem estendeu-se à-Natureza que,
m m i permissão de Deus e para a instrução dos pecadores, pa
n 11 li iiiith Ia de uma “estranha loucura”. Ela se entrega a "mil
11|ii i in i íes ei mirarias umas às outras ou desiguais”. A diversidade
pi i\i’Hi se em "misturas” absurdas: a porca “pare” um porco com
lililí di homem, e eis um peixe com cabeça de leão que chora
lllliiiiinainente. Essas monstruosidades sâò todas ilustrações cio
|*i -i tilo Assim raciocina entre outros o dominicano Giacomo Af-
........ i - ui representativo nesse sentido de uma opinião ampla-
nn ule ,n ella em sua época.187
i portanto, no quadro de um julgamento pessimista glo-
h il mine um tempo de extrema malignidade que se deve colo-
ii i abundante literatura consagrada aos monstros e aos proel í-
|M i i i nlie o lim do século 15 e o início do 17.188 Sãnto Antonino
III*), Ibid., p, 2.
IIKi, Ibid., p. 3.
I H AITINATI, G. LeM onde renversé.. notadamente p. 105b, 116a, 203a.
' ii,uIn-, cm “Le Monde;renversé...” em L Im ag e..., p. 143-147.
IIIM. Rua tudo o que vem a seguir, a obra essencial de CÉARD, J. La N atiire
.7 /ci ¡>mUgcs... que vou utilizar muito nas páginas seguintes. Cf. também
MA I ( )RE, (.. “Monstre” au XVICsièclc. Etude lexicologique”, em Travauxdc
et dc liném ture, Strasbourg, 1980, XVIII, 1, p. 359-367.
ck* Klorcnça parece u*r sido o primeiro a Introduzir numa <‘riUii
ca universal Impressa em Veneza em M7 i M79 - uma expon!
ção especial sobre os monstros e as ruças monstruosas. r ?>*•»*
exemplo é depois abundantemente seguido, noladamenle por I I
lipe de Bérgamo no seu Supplementum cnm lcarnm ( I" ed, I PM)
e por Martmann Schedel na sua celebre Ctvnica de Nutvmherg
(1493). Começa-se a vasculhar o passado para encontrar prodl
gios esquecidos e, logo, começa-se a compor obras espe< ¡aliñen
te consagradas a casos aberrantes, como o livro de Joseph <¡ihu
petk, historiógrafo e astrólogo de Maximllian I, Prodigíoium os
tentorum et moristrorum quae ín saecidum M axlm ilianeinn ///«/
derunt, interpretado (1502). Vinte e um anos mals tarde, l.uleio
e Melfmcton publicam um livro intitulado Explicando de dols se
res abom ináveis , um Asno-Papa encontrado em Roma e um //< •
erro-Monge em Friberg em Misnie, (jue conhece um grande m i
cesso e dá lugar a duas traduções, uma inglesa e outra francesa,
esta última aprovada por Calvino.
l uí meados do século 16, redobra o interesse pelo,*, prodl
glo*. e o,s monstros. Km 1552, (honrad Wollfahrt, chamado l.ycox
lliene*,, publica pela primeira vez uma edição do Prodigiotiun li
het de lullus nbsequens, onde o catalogo de latos extraoidlnU
lio*, morí Ido*, na Roma antiga nao está mais perdido no meló d«
oiiu.e, ninas da*,sicas com as quais não linha grande relavan
//•/**/< */. /s de Plínio, o Moço, ou De viris ilusiribus. Km compensa
i ,i" ; na lolel.liiea ele esla anexado a duas obras, o De pl\>dlglls
de Poli loro Vergillo e o D e osien tis dejoaqulm I Camerarliis, pu
bilí adas lespecllvamente em 1531 c 1532 e que até enláo mío IK
nliain i llamado a atenção do público. Doravante, cls que se loi
nam conhecidas. Km c|uatro anos (1552-1555), Julius Obsequeits
e Pi illdi no Vergíllo são editados ou traduzidos cjuatro veze.s, e l a
mrruiius lies vez.es, Sobre sen impulso, Kycosthenes dá a puhll
eo em 1557 um Prodigio rum ac oslen ton/m chronicon , IVulo de
20 anos de trabalho, que ele dedica aos magistrados de Hastíela
Aquí, ele récensela com minúcia (e dizendo ler se Informado ñas
melhores fontes) "os prodigios e portentos acontecidos a margenl
i la i >rdem do movimento e da operação da natureza, lant< >ñus u
gloes superiores com o nas regiões inferiores do mundo, desde m
com eço ale a nossa época", Podemos reter ao menos quatro ele
memos nesta vasta antologia da desordem: a) esta se encontra de
tal modo disseminada que é necessária toda urna gama de sino
nlnios para designar os portento, prodigio, ostenta, mft^tiu/ii, slg
luí • itiKiisim <|iu* ela engendra. A tendência luimanlsia ã reduiv
il ttn iii 111.1, ,i litis, proveito dessa prollxldade; l>) o primeiro "pro-
iliiii" dti lilslorla, ai de nós!, é o da astuciosa serpente que sedu-
tii I v11 * ) on eclipses, qualificados de defectíones solis, sito por
MfcM l< iii la escándalos cósmicos que se manifestam em circuns-
i ui' ias im epelonals (por exemplo, quando da crucificação de Je-
h i i . il> n mundo está repleto de imundícies”, por isso os fenô-
i
2f>7
mente em l(ví2).'"' Mas a esleirá das /lislorkis f>rotH^lo.sti\ |>i<i*»-
segue notaclamente na Alemanha, lila se encontra lambem na
França nos “pasquins” que, na mesma época, se mulllplU üin »I»
ano em ano. Conhecem-sc 57 dessas publicações de I a
1575, UlO de 1575 a 1600, 323 de 1600 a 1631 1 ' Pude se ra/n.i
velmente supor que o número de “historias prodigiosas" que di
fundiram aumentaram na mesma proporção. Assim, os hnmeiiü
da Renascença'se deleitaram nas descrições de seres monstruo*
sos, nas narrativas e catálogos d e ,fatos espantosos, b llnliam o
sentimento de que desde há pouco eles se tinham mulllplh ado
— exatamente com o os feiticeiros e os blasfemos, nao send< > h h
tuito o vínculo entre uns e- outros. Porque a feitiçaria paree eu, n>i
época, a prova mais patente de que o mundo eslava1invenido
Sobre essa convicção dos contemporáneos ele que ¡amala
a historia tinha produzido tantos monstros e prodígios, abundam
os testemunhos. O historiógrafo astrólogo de Maximiliano I, l<>
seph Grünpeck, afirma em 1508:
2<W
hnlcm os então perguntar com o Intelectuais da Renascen-
• i pin leí,un concillar osse temor cío luturo com a convicção, aliás
ft* qin nlt mente afirmada, do que sua época tinha visto a ressur-
*• i tu t «i llmeselmenlO das letras e das arles?-11 A resposta é que
tqiillo que parece contraditório para nós nao o era para cíes,
■ttmo piova esta passagem significativa do D e Transita... de
t lulllatime Mude:
203
tente negativa da argum entava>: "Nau e .somente tuts coisa*
temporais que se chegou a um apogeu", porque “(amais maio
res erros, maiores pecados e maiores mentiras reinaram no
mundo”..218 A taça está cheia. Encontramos Igualmente na nina
de Loys le Roy, D a Vicissitude ou variedade das coisas no uul
verso, os dois sentimentos opostos: orgulho de ler nast Ido num
tempo de renovação e convicção de que dias ameaçadores ki
aproximam. O autor elogia com efeito “esta época em qu< \«
mos quase todas as antigas artes liberais e mccánit as restituid 12
0
com as línguas: depois de perdidas por cerca de mil e du/enlof
anos, e inventadas outras novas”.210 li ele regozija-se de que t)
Ocidente tenha “recobrado há duzentos anos a excelência dan
boas letras, e retomado o estudo das disciplinas". "" Mas alguilltll
páginas após esta declaração entusiasta, ele revela somhilan
perspectivas em forma cie apocalipse:
2 1 8 . Ibid.
219. LE ROY, L. De la vicissitude..., Éd. de 1576, f" 15B. <üi.ulo <m < I AHI • |
LaN ature..., p. 380.
220. LE ROY, J. D e la vicissitude..., f ” 96B. Citado cm Ibid.
221. LE ROY, J- De la vicissitude..., í " 1 1413. ( '¡tacto cm Ibid
222. SEGUIN, J. R. I.'Information en fm n ce..,. peça M9,
223. BELLEFOREST, Fr. dc. l/istoiivsprodidcitses. p. WC>,
i'lii ido p< >r um excesso ele* m aldíidc sobre ;i ierra, Mas será
| ik ii homem nslo foi sempre mau?
D m aldad e
i J( i l'iinsio de Marlowc, Mefistófeles afirma: "... Onde nós
• a iinn'i, ai está o inferno. K onde está o inferno nós devenios
Hi mpu » • d .u ‘ 1 A palavra “humanismo”, à qual sempre tivemos
ll liai lia •de dar uma coloração otimista, freqüentemente nos es-
I ilu d í' m ullas misas sobre a Renascença, que foi mais sensível á
i*i i. i da vida e mais severa sobre a humanidade do que geral-
ni' ni' i pensa. Ao D e Dignitate bominis, de Pico ele la Miran-
dula ■iia fácil opor múltiplos provérbios, então em uso e que
ii idii ' m urna amarga filosofía sem dúvida amplamente aceita:
i idi i'' i’ d nome de um homem”. “O homem bom é raro no
inundo <) homem c inimigo do homem ou de si mesmo".
lodo I...... u n e mentiroso”. “Um homem de boa fé é considera
do o mal'» louco do mundo”. “Muito vale o homem que sabe en-
n iiiiii "Sob a pele do homem varios animais têm sombra”. “O
i...... r um inferno que nao pode mais pôr um limite-num pe-
qiii ii" prado". K aqui está a razão profunda dessa perversidade
f lp u ..i no discurso do mundo “inverso”: “O homem é um ho-
nii ui 11iN'crlIdo” (pelo pecado original, entende-se).225 Na Celesti-
n,i i l |UÚ), i la ípial se disse que era um vasto exem plum , o lamen-
i" di l'leberio após o suicidio de sua filha associa, como uma
. "ii' lusao geral da peça, anatema sobre o mundo e constatação
da onipresença do pecado:
205
um juixllm pleno de 11<>I< mas sem linios, lima fonte de » Ulilil
dos, um rló de lágrimas, um occanó de miséria, um v.h!tn\-ii litil
til, um doce veneno, uma vá espera nça, uma la Isa alegila e uma
verdadeira dor. Ó mundo pleno de falsidades,.. Tu prometes mul
to e não,cumpres nada... Tu nos furas um olho e nos ac ai'U Ia « i
cabeça para nos consolar.--"
226. ROJAS, E dc. La ('destine. Éd. P. I Icugas. Paris: Auldci. I•>«»\ p 'i 11
227. MACHIAVEL, N . l.e lY m ee, d». XVII. erad, tioliory, Pki.uh |U t f
p. 3 3 9 -3 4 0 .
I'i iulcs cm conuim ¡i ambição, .1 luxuiia, as lagrimas e a avare
za, vmlaijelra sarna desla existência a que dais tanta Importíln-
1la Nao existe nenhum animal cuja vida seja lito frágil, que seja
Iinvalido ile um tao grande desejo de viver, sujeito a mais temo
res, a malfl calva.
Mui pono nito atormenta outro porco, um ceivo deixa outro
1eivo cm paz; só o homem é que massacra o homem, que o cru
cifica e o despoja.
lulga se podes querer que eu volte a ser homem../-8
' 'II lliiil., LA nedor, tradução de E. Barincou, Ibid., p. 91-92. Cf. notadamen-
i, MASSA, l‘. "Egilio da Viterbo, Machiavelli, Lutero e il pessimismo cristiano”
•ui Is hirió d¡ Filosofia, 1949 (Umanesimo e machiavellismo), p. 75-123.
111 X IVINEN, I,. Das B ild von Menscben inpolitischen Denken Niccolò M achia-
i.ll m, I Iclsinki 1951, notad amente p. 73-77-
' "> IMC ( Ol.OMINI, E. S. D e Ortu et auctoritate im perii rom ani. Éd. de
11,1111 Iiiii , 1658, p. 4 (texto acrescentado nesta edição ao da Bulle d’or de
< ImiIcs IV).
' ui AI.BKRTI, L. B. D elia Trancjuillitatedell’animo, em Opere volgari. Ed. A.
Miiimii 1 i, Elorença: 1843-1849. Aqui, i, p. 56, Mesma opinião no diálogo Fa
nón el fortuna, trad. ital. B.N. (R. 24687), p. 26,
11, CURt C. La Política italiana del' 100, Elorcnçn: 1932. p. 163s.
tempo do secretário florentino, e prlnclpulmenle >^r.ts..i** ,i ele,
sua formulação emerge em plena lu z .''
Pietro Fomponazzi afirma no Do IniniorUtlIUiU' iiuinii
(1516): “A maioria dos homens, quando lazem o hem, o hi/tMTt
mais por medo da punição eterna do que na esperança da I»
licidade etern a...". Se eles fossem atraídos para a vlrtudi.......
pela nobreza desta última, “mesmo supondo a alma moital
eles se comportariam com retidão. Mas quase nunca e o i aso"
Além disso, "... a humana natureza está quase totalmente linei'
sa na matéria; ... o homem está tão afastado da intellgóiu kl
quanto um doente de umá pessoa sadia, uma criança de um
adulto, um louco de um sensato”.-- Estabelecendo o mesmo
diagnóstico, Guichardin tira daí conclusões práticas para uso
dos governantes: “Se os homens fossem bons ou sensato^,
aqueles q u e'o s. governam poderíam legitimamente usar m m
eles mais de doçura do que de severidade. Mas com o a maio
ria não é nem suficientemente boa nem suficientemente smsa
ta, é melhor confiar mais na severidade. Quem vê as coisas de
maneira diferente engana-se”.2*1
Foi Maquiavel quem mais claramente exprimiu a nec< •*id i
de de basear a ação política sobre a evidência da maldade n l u n
vardia humanas - razão pela qual a má fé será mais útil ao i Ituft
de listado do que a lealdade. O texto é bem conhecido; mas <i um •
não lembrá-lo num panorama do pessimismo da Rcnasccnçai'
232. A exposição que segue é inspirada por HAYDN, 11. The < onutn ÁVu.fA1
sanee, New York, Ch. Scribners Sons, 1950, notadameme p. d 1(1 11 ’
233. POMPONAZZI, P. De Immortalitate anitni, ir.ul. ingl. W. I I I l.u 111
verford College, 1938, p. 50-51.
234. GUICHARDIN, Fr. Pensées cr portnhis. trad. J. IWriraiul, Cm cm i
p. 14.
. |>ici 1*11* então sor raposa para conhecer as retios, c lefio para
*ati'nii metió aos lobos,., Por Isso o sábio senhor nflb pode eon-
«ei\ ai siia le si* essa observancia for eonlrária e as causas que o
l« ' iiain a prometer estiverem extintas. Então se os homens l'os-
u'iii lodos pessoas de bem, meu preceito seria nulo. Mas como
* I* -i sao maus e nflo a conservariam em relação a ti, tu também
ni" tens (|iie eonservá-la em relação a eles... Os negocios vão
un Ihm para quem melhor sabe se fazer de raposa.
2(U)
crueldade e na mentira. Os nobres só chegaram ao poder pela
guerra - outro nome do assassinato , pela prostituirão de suas
esposas e cie suas filhas entregues ao apetite sensual dos ino
na reas; ou pelas mais baixas bajulações e a mais abjeta servi
dào em relação aos grandes e poderosos. Ides só se mantem
oprimindo os inferiores, fraudando a coroa e vendendo sua lii
fluência à corte. Sua vida é uma acumulação de vícios, Mui
tos religiosos vêem na sua chamada vocação apenas um m elo
para levar uma vida ociosa, e ela os protege contra lotla Invftw
tigação sobre suas maldades e sua imoralidade. Os medi* o
são ignorantes e oharlatâes que fazem mais ipal do que beind"
As pessoas togadas, são viciosas: elas desnaturam as boas l< i t
se introduzem nos conselhos dos príncipes afastando os i onuo
lheiros titulares ou hereditarios.212 Os mercadores são trapa* * l
ros e usurarios.24í Essas acusações mordazes não provêm d* tl
gum sentimento dem ocrático de Cornelius Agrippa. IJ<>r<|ii« * li
reputa o povo supersticioso e cruel. Seu desprezo pela plebi n
leva ao esoterismo filosófico.2" Os monges cometem um peí a
do imperdoável quando em seus sermões eles expõem a um
vasto público debates de especialistas. Sobretudo não m devia
atacar Lutero em pregações públicas porque o levaram a em ie*
ver em língua vulgar e a contaminar n opinião com mi.i In ie
sia. Ele próprio, Cornelius Agrippa, não teme nada quanto dl
fundir seu pensamento e seu anticlericalismo por textor* >1*1
idioma vernáculo.2,s Quanto à chamada “lei” natural, pela qu tl
tantos homens regulam sua conduta, pode-se defini-la asnllll
“Não ter fome, não ter sede, não ter frio, não se esgotai *1* Ia
diga”, “recusar todas as obras de penitência”, dar-se "t omo Ir
licidade suprema a volúpia epicurista”.24026
15
0
4
9
3
um homem
frágil
i ! i.i'.mc, Floge (le la Folie, cap. XXXII, p. 65-67. Cf. anteriormente, p. 139.
o I'.ii.i nulo o que vem a seguir meu guia é NAUERT, Ch: G. A grippa..., so-
lm nulo p. 214-220, 293-300. Cf. também o livro de STADELMANN, R.
\,i>n (ieiu ..., jií citado. CASSIRER, E. Das Erkenntnisproblem in der P hilo-
..y/'/.- und W issenscbafi der Neuzeit (3 v., Berlin, 1906-1920) I, p. I6 2 e 181.
la i' ■‘, 1, 1 i. Agrippa d i Nettesheym e la direzione scettica delia filosofia d el Riñas-
. -"i, ni,'. I'min, 1906. HAYDN, H. The Counter-Renaissance, notadamente
P I4(i 147.
27b
serva que as viagens dos Ibéricos destruíram ;i,s opInUVs (Ion getí»
grafos anteriores (cap. XXVII). límite* a hipótese do c|iio r,sítelas o
planetas desconhecidos poderíam existir, o que Invalidarla a aw«
tronomia de seu tempo (cap. XXX-XXXI). Alean disso, i len« las o
artes fréqüentemente sào fontes de pecados, de males c de ht n
sias. A arquitetura é louvável em si, mas ela sobrecarrega as Igie
jas e constrói engenhos ele guerra (cap. XXVIII). A retórica, liu 01
ta em seus principios, vem em socorro da injustiça, da ma lo i di
heresia (cap. VI). A pintura inflama as paixóes o cultiva os ussilhrt
tps obscenos (cap. XXIV e XXV). Quanto às ciencias neutras
matemáticas e cosmografía - elas sào inúteis para a felicidad»
a salvação (cap'. XI e XXVIÍ). De qualquer maneira, a vida hum i
na é demasiado curta para dominar nem que seja urna únlc a <ICm
cia (cap. Do Desses argumentos acumulados resulta que < \l'.n
grande perigo para a razão em ignorar seus limites (cap. \< Vil»
CI). Só existe um dominio de certeza, o da fé, porque dlsponum
a esse respeito de uma revelaçãoscontida nas Escrituras,'
O D e ... uanitate de Cornelius Agrippa com toda e\ IdAm la
influenciou Montaigne" que se tornou, além disso, lamlllat do
Sextus Empiricys graças a urna nova tradução latina das nhlllf
deste último proporcionada por Henri Estienne em I5(>¿, Moni
taigne a descobriu em 1576, e marcou esse evento mandand.......
nhar uma medalha e reproduzir frases do grande cético nas pa
redes de sua casa." Mas outras tradições confluíram na i cíela»
Apologia de Raym ondSebond que constituí por si só um llvio ln
teiro dentro dos Ensaios. Nossos lembretes anteriores dos ti o<n
monásticos consagrados ao contemptus m nndi nos permitem sh
tuar melhor e compreender o rebaixamento e a condenação do
homem empreendida por Montaigne:
7. AGRIPPA, C. Opera, 2 v., Lvon (?), 1620-1630: II, |>. SS4 V>\ /*, t
nali peccato II, p. 491, De triplici ratione, cap. V.
8. Cf. VILLEY, P. Les Sources..., II, p. 166-170.
9. HAYDN, H. The Counter-Rcnaissance, p. 90, l;mi< .r. oihiun oht < I > |
ca consagradas crítica do conhecimento, citemos o Q notinihil i, mn >\< I i mi
cisco Sanche/, (1581) c o Tronic of hum ane ieurning dc I ttlkc <ítcvllh i lio M
270
, i iglu «In ivclnlo v •) lujilfi .iI.imI.iili i tia abultada celeste, com os
iiiilnialM tia pior eundlçtU) dos três,"1
lu / 1 .,/m, II, cap. XII: II, p. 81. O estágio sublunar da corrupção segundo a
■mu i pipo aristotélica e ptolomaica.
II lltid., p. 201.
I 1 Ibld.. p. 136.
I t lliid,, p. 164.
M, lltid., p. 121.
I’, lltid., p. 89.
16. Ibld., p. 93.
I ' lltid,, p, 94.
|M, lltid., p. I 17.
I»), Ibld., p. 109.
¿77
Os sentidos dos ;mlm;tls são frcqOenlemenle litáis aguçit
dos que os nossos,-’" os quais nos enganam constantemente c
“nos quais repousa o grande fundamento di1 nossa ignoram ia '1
e de nossas "fantasias”" errôneas. Na esteira do pirronismo, dt
Jean-François Pie e de Cornelias Agrippa, Montaigne entra pot
sua vez na crítica da sensação:
27H
"Vi (m t|i nosso |ulgamento'' não ó mals ¡iplii para a vc*rdade do
i|ii» mi iilliti*. i|,i coruja (para o) esplendor do sol".'" A “filosofía
IH " p i . i de urna poesía .sorisiicada,MI e os sistemas de pensa
Hit n i" «i i oniradl/.cm ." I'.ntáo, o salmo XCIV (9,3) tem razáo em
i illlim ili "(> Senhor conhece os pensamentos dos homens, e subê
»|lit i li i sao Vitos".-" A imperfeição da inteligência humana proí
bt llu rn i.io <|iial<|uer acesso a um conhecimento firme,
Mi mlalgne, com urna penetrante lucidez, pôs em destaque
iif Im m ipn .i l lénela, a legislação e a moral comportam de reía
L im , i li mm aspecto, ele forneceu elementos ao pensamento mo
lí- 11im niii'i si'm ele próprio penetrar nele. Porque ele dotou esse
I» I im *- -11 , onolaçòes negativas, dentro daquele mesmo espíri
tu *I**< aiiion *. de tratados sobre o desprezo do mundo. “Nao
MM* ni uliuma constante de inteligência, nem de nosso ser,
tu ni di •■' ihjeii)s. h nós, nosso julgamento e todas as coisas mor
i ii i i-1 i*M oando e fluindo incessantemente.”34 Montaigne nao
lili - |iu n i que <> contingente, o p assag eiro - portanto, o tempo
i i! |ni-Irv.em ser portadores de valores auténticos, Relativo sig
nilli n i paia ele variação, inconstancia, instabilidade, vaidade e
lt iqiu a que ele descobria primeiro em si mèsmo: “Em jejum eu
im í i I i i I m diferente de após a refeição; se a saude me sorri e a
i,, imlia - .la i Iara, eis aqui um homem honrado; se eu tiver um
- il-i ipn me pressiona o artelho, me torno carrancudo, desagra
•le - I e In.u e.ssivel".-" “Cada um, acrescenta ele, diría mais ou
ni- n u . a mesma coisa se observasse a si próprio com o eu”. Le-
im - iluda im cap. I do segundo livro dos Ensaios : “iNósl muda-
ini - - - mu i ,i(|iiele animal que assume a cor do lugar onde o dei-
........ e uni» i oscilação e inconstancia”.* Daí decorre não so-
iti' ni, a Inconsistência fundamental’clo homem (estando “sem-
|m ti" meló entre o ser e o morrer”, ele não pode ter “nenhu-
iii i - i iiuunlcai/áo com o ser”),37 mas também a impossibilidade
271)
de q u a lq ue r legislação coerente e universal, "I lina verdade sepii
rada p o r esta m ontanha e m entira para o m un do que esta do oin
tro la d o ".38 A verdade deveria le r "uma apáremela Igual e u iilvei
■sal” .39 Ora, “ nao ha nada mais sujeito a continua agitação d.- i pi•
as leis” .40 “Nós nos escondem os para ter prazer com nossas mm
lheres, os ín d io s o fazem em p ú b lic o ” ."
Marcar, com o fizem os diversas vezes nos d cscnvo lvlm i u
tos anteriores, a consonância entre certos traços do pesslm lsiliu
de M ontaigne e as exortações monásticas ao desprezo do mundo
leva a recòlócar qs E H sa io sd e n tro da história crista, C onto a Jgn
ja, M ontaigne julga que o p rim e iro e princip al pecado d (> ........ ",
é a “presunção” - isto é, o o rg u lh o - , “ nossa doença mais im U lI
ral e o rig in a l”42 pela qual nós tentam os esquecer e mascarni fUWt|
sa miséria. Certamente que seu ceticism o deve m ulto ao ciin Iim
m ento dos pirronianos, mas revisto e co rrig id o p o r Sao l'a tilo M
Santó Agostinho.' Ide co nclui então que a salvação reside no "ic
conhecim ento da fraqueza de nosso ju lg a m e n to "'3 e ao mcnmiê
tem po na h um ild e aceitação da Revelação que
2H0
m i ■ t tiilm ir.ii dl.m ie de tantas Interpretações aberrantes dadas so
| m» " 1't ii‘i.im entó religioso de Montaigne? Lembremos os julga
mt. • ,i| iM f.Mados de Sainte-Beuve: "A religião não o atingiu nem
mi 11 | ii nii m i nem sec|iier o m o d ifico u ” , “ lile está no m eio da huma-
Hldtuli Hilo u lsia ". Na A [ x > k i a . .. "tu d o é controlado, calculado,
Ii i i I um .. d l/e m lo <■> contrário em aparência daquilq que o mestre
Mim 1111 1 1 iirilgi * mesmo e que ele insinua” .1'' Sainte-Beuve fala tam
il. m l. - i i i . pagan Kabelais” 10- outra apreciação sumária ã qual Lu-
t ji ii 11 In i r le / jtjsilça. A opiniã o cie Sainte-Beuve sobre Montaigne
p)ll ildi i lepellda até nossos dias.47 G ide a tinha feito sua18e a reen-
I m ili um is sob a pena de Mugo Friedrich, u m dos mais im portan-
|i • 1 1nin uiaiisi.is de M ontaigne do ú ltim o m eio-século.19 Para ele, a
m ui* IIi mea enlie o desejo dé rebaixam ento cio hom em tão marcan-
|p 11*1* lUhtilos e íis teses da teologia cristã (de amigamente) é ape
n o mipi di. 1.11 M ontaigne só utiliza o Cristianismo para rejeitá-lo
i*, i gulda l ie e um verdadeiro “cético” para qtiem a religião e
ii|H n i'* m orliil e humana".
I pir. iM i lem brar aqui que M ontaigne, tradutor, a pedido tlc
ii p il d i T hcalo^ ici n a t u r a lis redigida p o r um catalão do século
I 11 I i \ ' i, M msiderou "belas as imaginações deste autor, a contex-
uii i d* .ti.i obra bem articulada, e s e u escopo pleno de piedade” .
rli* (|ui,rl;i rom todo .1 evidência por cjut: actisjí lo de* duplklda
tic? demonstrar a necessidade da Hevelavilo e da graça, Nel .1
uma longa tradição paulina e agostlnlana, que ele agrava por urna
Impiedosa crítica pirroniana do saber, Montaigne apresenta
5 1 , T b it l. . p , 6 7 .
' 1 l' imc os autores que reabilitaram a religião de Montaigne citemos nota-
.1 miriiic: STRÒWSKI, F. M ontaigne\ 1906; PI.ATTARD. J. M ontaigne et son
0 ni|i'., 19.16; DRFANO, M. L a Pensée religieuse de M ontaigne, 1936 e “L.’Au-
l',n iilnisme tlans 1’Apologie de Raymond Sebond” em Bibüothèque d ’h um anis-
"i, ei Renaissance, 1962, p. 359-575; CITOLEUX, M. Le Vrai M ontaigne,
iheeloyjcn et sote/at, Paris, 1937; SCLAFERT, Cl. L’A me religieuse de M ontaig-
ih\ 19 >1. bibliografias recentes em BROWN, Fr. S. Religión an d P olitical
1 ninei 1'i/iis/n iti the Essais o f M ontaigne. Genève: Droz, 1963 e CROQUET-
I I*, II. Pascal et M ontaigne. Etude des réminiscences des Essais dans Pceuvre de
l\tual Genève: Droz, 1974.
•i < IIARRON, P. D e la Sagesse em Choix de moralistes jrançais, ed. J. Bu-
i liou, Paris, 1836, livro I, cap. XIV,'-p. 40.
iii lbld., p. 41.
’i \ Iblil., p. 42.
’*M. Ibld. . ,
V). Ibld,
(i(l. Ibid., p. 4,3.
2 h: j
rada e sem objetivo; o mundo e urna escola de InqulNlçào.... Dat,
cluas importantes conclusões: a) c preciso "frear" e ‘'amarrai" os
homens de “religiões, leis, costumes, ciencias, preceitos, ameaça*,
promessas mortais e imortais”;02 b) mais vale a atonía Inleln mal
que o excesso de espírito. “Os povos mais mediocremente « splil
tuais, vivem em maior repouso que os engenhosos" <■ (.liaimii
opõe aqui os suíços aos florentinos. “O refinamento dos espírito»»
nào é apaziguamento”:6 23 nova justificação da "douta ignorancia",
16
Um rápido olhar de conjunto sobre as tomadas de |><••.i< ti i
pessimistas que acabamos de enumerar revela evidentes conlll
sõés, Nossos céticos põem em pé de igualdade todas as dl •Ipil
nas: a arquitetura e a astronomia, a retórica e as malematli as Me*
amalgamam ciência e filosofia, julgamento moral e crítica do >••
nhecimento. O homem é rebaixado ao mesmo lempo con........
gulhoso e como incapaz de atingir a verdade, E esta ultima nao
é o objeto de distinções que marcariam graus. O nível <lenlílli o
nào é separado do nível metafísico. Enfim, tudo o que e lempo
ral e fugidio é automaticamente afetado de conotações negativa»»,
Destacar essas características de uma corrente de p» n o
mento da Renascença nào é fazer um julgamento sobre ela, ma*
apenas constatar que no seu equipamento mental Jean I iauu<H
Pic, Côrnelius Agrippa, Montaigne e Chárron nào possuíam aln
da os instrumentos que lhes dariam acesso ao universo da »lui
cia moderna. Nào há dúvida de que suas críticas conjuntas a ii»i||
mismo tomista e humanista operaram limpeza salutar, ,‘aia Iu •>ti
lidade às generalizações levou a valorizar o concreto e a • sj»»
riência. Mas eles próprios nào entreviram o partido que a t Iria la
iria logo tirar dessa lição de humildade. Foi somente com <«l« »i
dano Bruno,64 apologista da razão - mas também com Jean lio
din e Louis Le Roy6S - que a noção de relativo que se luim na
i ulil.i milito ele manter a razão sob controle, e não siga sous
I» lio pensamentos: jogue-lhe merda na cara, para que ela fique
!< la A ra/ao está sufocada e deve ser afogada no batismo, e a
luiii i sabedoria não pode prejudicá-la, contanto que ela ouça o
I IIIH» ile I >eus que diz: “Tomai, isto é o meu corpo que c dado
paia vos",.. Quando eu tenho essas palavras, eu calco nos pés a
iii/áo com sua sabedoria. Maldita puta, tu queres me seduzir, a
llm de que eu me prostitua ao diabo? Desse modo, a razão é pu
nir .nl.i e libertada pela palavra do Filho de Deus.7"
2H7
mem pura .1 <|u. 11 contribuiram .siic,t,M.Hlvuiiu,ntc" no século Ib M.i
qukivcl e ( iukiuii'clln, Agrlpj>a o Montaigne? lima desvalorl/avíto
presente também na literatura contemporánea a l'.llsabele e mm
primeiros Stuarls e ligada a convlcydo tao clifunclicla üe qile uní
mundo eslava prestes a acabar:
<) (|ue ['Mx.lemos conhecer? lím <pie* pode ¡iluar nosso dbtnial
Imilla
l'!ru|Uíinlo o litro obstruí as junólas de nosso espirito?
Como saber as diversas maneiras de ser das colsas,
l lina ve/ que somos cegos desde o ella de nosso na.ni Imenli n1'
a i ll>|.l., v. 173-180.
mi I M)NNK, J. Works, ed. H . Alford, Londres, 1839: V , p. 577. Citado em
llilil,, p, 113-114.
281)
l\ nenhum homem Inteligente |mhU* dizer otulc prontia In,
Os homens conlessíim sem dificuldade qwu este mundo panou,
Quando nos planetas e no firmamento
liles procuram tantas novidades, liles veem <|iic este
Explodiu em seus átomos.
Tudo está em pedaços, todá coerência se Ibl.
Toda lei justa, toda hierarquia;
Príncipe, súdito, pai, filho: tantas noções esquecidas
o destino
Seria o homem mau? Ele é frágil, certamente: è o qm • n
sinam com insistência no início dos tempos modernos os lUIltttfj
rosos textos e imagens consagrados ao tema da EorUinn " Nujnf
cio do Retorno de Ulisses ( 1641) de Monteverdi, a Eortuna, " I* m
po e o Amor cantam juntos: “Tornemos o homem frágil"
85. DONNE, J. The Complete English Poems, ed. A. J. Smith, I mulrc», I'*' I
( The First Anniversary), v. 205-215, p. 276.
86. Sobre o pessimismo da Inglaterra na época de Elisabcth c dou pilmHlm
Stuarts cf. o fascículo mimeografado editado pela Univ, de I.illr III ■«>I. , ,|i
rcção de PLAISANT, M. La Mort, le fantastique, le sur/uitmvl du A l 7 dh A f
1’époque rnmitntique, 1980 (colóquio de março 1979).
87- A esse respeito ver notadamente WARTBURG, A. "/,u den W.uulliut
gen des Fortuna Symbols in der bildenden Kunst der Rcnaissam d , mii
Kunstwissensch. Beitrage, A . Schmarsow gewidmet, Leipzig, 190/, p I ."•«
DOREN, A. “Fortuna im Mittelalter und in dor Rcnaissancc", <in Oo MUKM
der BibtiotheKW arburg, 1 9 2 2 -1 9 2 3 ,1, p. 72-144. PATO I, 11. K I In Im
dition of the Goddess Fortuna in Román Litcraturc and in lhe ii.iiiuilnn.il
Period”, em Sm ith College. Studies in M o d em Languaga, v. III, n V alull
1922, p. 131-187; “The Tradition of the Goddess Fortuna in Mcdu > ,1 Phl
losophy and Literature”, em Ibid., v. III, n. 4, julho 192.’ , p I '9 m . l . ,
tuna in Old French Literature”, em Ibid., v. IV, n. 4, julho |9,' t, p | | t
CASSIRER, E. In divid u u m u n d Kosmos in der Philosophie der AVn.,/<MMn»
Leipzig: Teubner, 1926. VAN MARLE, R. Iconograpbie de l.ir t pru/Mh Ihu
xelles: 1932, II, p. 181-202. PANOFSKY, H. lluais d'ieontdogie Pan-, 0 ,1
limard, 1967. PICKERING, F. P. Literatur u n d Darsiellende Knn\i in Mil
telalter. Berlin: 1966. A esta documciuaçãQ dc base ac rescentam m1 a* i,|iMI
c artigos que serão citados no curso da exposição sobre a l oituna,
200
I'iiiil I ( !ti.s,slivr, a mutação ilti UtMia.scença c*m relação ã
'I* «lili tonslsil.i na passagem da confiança cm Deus para a
i .ii.ii im i nn homem.H MMas [i. Clarín leve razão de corrigir essa
«in m u in demasiado categórica mostrando qbe o símbolo de
WIMiiPlcti srm <luvició nao ó o que caracteriza melhor a Kenas-
i ♦ 11 i I na ll lilla desse julgamento matizado que se situam os
d» m *'l\ Imenlos que se lerão a seguir. Sob nova luz, eles se es-
i un pata por em destaque uma ampla inquietação coletiva -
|ft I* •im ia is ni •nivel da cultura dirigente - sobre o destino do ho
to» m i uma Interrogação angustiada sobre a liberdade.
•liegos e romanos temeram e honraram a Fortuna (Tyché
(ni i " primeiros, l'ortuna pannos segundos).'Ela era urna deu-
«i iMMHihhinte e temível, senhora dos destinos, muito logo asso-
11••11 malí igh ámenle ã roda e à esfera. Sua evocação tinha se
ktm hIii mu lugar comum entre os escritores; e as grandes famí-
lli |n|ga\iiin eoneiliar-se acrescentando o nome dela aos seus
ih • lltirld, l'ortuna Torquatiana, etc.). Muito logicamente,
M 11a111• i da Igreja, que combatiam o paganismo, procuraram
ili imii a i ifiu/a no poder exorbitante da Fortuna. Lactáncio de
II m -a l ia nao existe”.90Porque ele nao via como manter o aea-
III di litio de mu mundo criado por uní Deus que é todo razão.
Hilo Ngic.ilnlio ironizou: se a Fortuna é aquilo que se diz déla,
IüIm 1 In-ililvel c mutável por definição, para que lhe prestar um
|»i^lli • 1 i la riMlUlacle*, o que parece acontecer por acidente acon-
|< i • •ja pelo designio oculto de Deus, seja por nossa livre esco
lha » niie 11 bem e o mal.92 _
■io leronimo, por sua vez, rejeitou a Fortuna e declarou:
i ha i. iletklo longa mente, parece-me, contrariamente à falsa
i ini 1.1 de alguns, que nao é o acaso que gera todas as coisas, e
|iu i .........islanle Fortuna não se diverfe com destinos humanos:
21)1
ludo acontecí; cnu função de decisões divinas","' SliMlllnde mui*
plementar entre os tres Padres da Igre|a; se, entre outras passa
gens, eles parecem manter a realidade da Portuna, e para i lassili
cá-la entre as forças do mal,"1 Sao Tomás de Aquino adotou mal*
tarde o ponto de vista geral de seus grandes preder essores e lie
gou, ele também, a possibilidade filosófica do acaso, ( amientan*
do a Física de Aristóteles, ele declarou: "... Quando se remete hR
acontecimentos sobrevínolos por acaso e acidentalmenle Mu r\
independentemente da intenção das causas inferiores a alguitt i
causa superior que os induziu, com referencia a essa causa elu|
não podem ser chamados fortuitos e ocasionais, Essa causa supe-
rior não pode então ser chamada Fortuna’’."'
1 Não nos espantemos se Calvino saiu em guerra et intuí a
crença na Fortuna. Ele tinha uma. idéia multo elevada da ....... |
déncia para poder dar lugar ao acaso. Os que afirmam a eshien
cia deste último, diz ele, são “apóstatas” que se revoltam » nnlui
Deus. São nossas “idolatrias monstruosas” e nossa "naiimva tu
diñada ao erro” que nos cegam, ao passo que “o regime .das •<«i
sas humanas revela tão claramente a providência de I )eus 1*
“mestre cantor” luterano Hans Sachs opina no mesmo sentido
Descrevendo a Fortuna com um freio na boca seguro pul un IR
mão celeste, ele declara que felicidades e infelicidades \< m pi i
ordem de D eu se em virtude de sua eterna pré-ciOncia. T u d i 1 m 1
acontece para o nosso bem.9 679
5
4
9
3 8Adversario do Protesta mismo, 1 mil
laume Budé chega, entretanto, às mesmas conclusões At usai a
Fortuna é atacar a Deus. Os homens não devem deixai s e pul 111
bar ou irritar pelos acontecimentos, mas ao contrário p e m liu|
que estes são cumpridos “pelas Parcas celestes que estão pm ,is
sim dizer a seiviço da Providência de uma maneira certa e sei m >
ta... Nada se faz, nem se fará, nem se fez sem a alta direi u» cl«l
quele que já foi desde o início o autor das causas de todo tlpn |
que é para sempre o juiz da rotação do céu”.w Mas se quis» u m
203
da salvação, Multas autores amulgamaráo essas tluas HngiutggAj
Mas aconteceu, mesmo na Idade Média, ele o primeiro começai1 a
funcionar ¡ndepcndcntemenlc do segundo. Prova disso sao os ••
lebres Carm ina huraña (século 13), afíneles cantos goliardos ion
servados por um manuscrito da abadia de lleuron (na llavlcia), no
qual o tema cío poder desconcertante da Fortuna da lugai a qtiallii
desenvolvimentos sucessivos: I ) "Ó variável e aventurosa h mIh i m I ;
2 )'“Ó Fortuna, de estado mutável cómo o da lua: tu sempre auiin n
tas ou diminuís”; 3) A Fortuna inconstante avança a passos a tullí
guos”; 4) “Que aquele que está alto demais— o rei no apli e da gh i
ría - tome cuidado com a queda!”.100 Na época da Renascença, t»
Fortuna se afastará cada vez mais do universo cristáo e, uesla un s
ma medida, se tornará - ou voltará a ser - multo Inquietante
Embora a alegoría da Fortuna esteja presente ao longo dt
toda a Idade Média, tanto no Speculum Ecclcstae «le 11*nw>ilun
d’Autun como ñas rosáceas das igrejas,,10 107 entretanto, cía m tipil
6
pouco espaço nas canções de gesta e nos romances ionlempMia
neas destas. Seu retorno com força na civilização ocidental openi
se pela ação de algumas obras maiores, ao mesmo tempo »au<Mg
e testemunhas de uma mudança do clima psicológico: <> A'ornan
ce da Rosa (2a parte), o Inferno de Dante, os livros de Itm i a> i h|
e de Petrarca. Jean de Meung tinha traduzido Uoéclo, Assim, ntl
esteira deste último, ele contribuiu muito para popula rl/ai n*i
França as duas concepções cia Fortuna, a pagá e a crista as du i
juntas. Ele afirma que Deus é todo-poderoso, c|ue o homem e do
taclo de livre arbítrio que a pré-ciência divina não Implica a tnn cs
sidade.10810
9Ele faz a Razão dizer que a “Fortuna perversa c «uiilia*
ria” é muitas vezes preferível à “mole e inofensiva".""' Mas i Ir • *i
plora a fundo a evocação (que ele não inventou) da i asa » aludo
da Senhora Fortuna.110Esta é declarada “tão perversa que Iam a ou
bons na lama”111 e considerada com o totalmente desleal, engaitan
I
ludi •iiii.ii cm debate com ela”. Ela permuta as situações sem
• m . o........ as oposições e os cálculos deste mundo. Ela é tão
IH ■111 i piumln a serpente escondida na relva. “Ela decide e ftilga;
|í| i lili.-, seu reino como as outras divindades governam vo seu”.
I Hllin i sua vocação, sua “necessidade”, fazer com que as per-
ii n u . ii , derivem incessantemente umas das outras. Ela foi cria-
■11 i "ui i.ipldez. I'. feita .para presidir às mudanças. Face ao sobe-
Miih piuln dessa “divindade” - a palavra estádá - impõem-se a
........ildi submissão a seus decretos e o desapego dos bens do
...... . I" iei urdios clássicos descobertos pela sabedoria antiga e
|Vl•*m1111li is numa linguagem cristã. Mas esta última não impede
jiu i l ' muna saia engrandecida do poema de Dante. Daí a cen-
........Itu " sabio Ceceo d’Ascoli (queimado como herético em
i ' i na sua obra enciclopédica, Acerba, dirigiu ao autor da D i-
H" - i oiin'i/hi: "Tu pecaste, poeta florentino, ao declarar que a
IH 11 Msid.ide comanda a distribuição è a destinação dos bens da
II' lliiil., versos 5356s. Sobre o poder da Fortuna, cf. também os versos
11 I ' <i72()¡ 7139-7141,7171-7174.
I I V Inferno, cap. VII. versos 67-96, Pléiade, p. 923-924.
I IT / r Hii/u/net, IV, XI, Ibid., p. 471.
205
terra, Nilo lia Fortuna que a razao possa vencer" " Dante, t mu
efeito, tinha leito o homem multo pequeno illanle do Destino
Petrarca nao temeu contra elIzer-se sobre es.se grave as
sunto. Numa carta tardia do fim de sua vida, ele declarou i oino
Lactancio, Santo Agostinho e Santo Tomas: ‘Tu sempre coniUlt
rei que a Fortuna, na verdade, nào,existe... Nada ai onlei e ni m
causa”.11516 Fórmulas análogas já se encontravam no segundo li
vro do D e Rem ediis utriusque Fortune. Se, dizia ele tanto ituiii
texto com o no outro, ele tinha falado tanto dela nas suas ouihift
obras, era para usar a expressão que.se encontrava na bo< a d»
todo mundo” - uma confissão que esclarece alias o mental 111
letivo. Mas o que a época, reteve principalmente do di.se m ) il{
Petrarca sobre a Fortuna foi a evocação arcaizante desta tillltli i
Nos seus sonetos, ele se queixa em bloco das estrelas, da I m
tuna, do destino e da morte.11718E, sobretudo no prólogo e no ptl
meiro livro de D e Rem ediis . . ele retoma a distinção de \ tli ili)
Máximo e de Séneca entre Boa e Má Fortuna, declarando Igiliit
mente temíveis essas duas regentes dos destinos humanos I in*
diálogos que. na obra reúnem Razão e Alegria, Uazào < l |........
ça, Razão e Dor, resulta que a lista dos males que nos av.i dl nu
é imensurável, que é preciso fortalecer-se contra os golpi s da
sorte, que os bens terrestres são transitórios e que só valem dft
consirtaçòes da sabedoria. Contem ptus m undi'e moral estólt a ue
conjugam assim para convidar o homem a desllgar-.se o ma In
possível de um universo onde recebe, sobretudo, maus golpe#
O desengajamento: eis o que ensina a constatação da Iraquí •
humana em face do destino.11*
A linguagem ele Boccaccio sobre a-Fortuna e também uma
linguagem dupla. Como em Boécio e Dante, ela é doultinada
mente cristianizada. No seu “comentário sobre Dante", ó auliit
declara que a Fortuna só é chamada “deusa” por "flcvdo po^ll
115. CECCO, d’Ascoli. Acerba. Ed. Rosário, 1916, II, «.ap. I, I I I'» ó d
BOFFITO, G. “II D epríncipiis astrologiac di Cccco d‘AscoH" ciu 1ibrthih
rico delta letteratura italianas supl. 6, 1906, p. 28. PATt 'II, II. I< I lu IM
dition ... in Medieval literature”, p. 202.
116. PÉTRARQUE. Opera cjuae exstant omnia. lkllc. 1581. p ' >•\ ......
117. Por exemplo, sonetos 228, 232, 234, 256. 1-d. consultada, lóli I <o
4a parte, p. 165, 166, 168, 170.
118. Volto à edição dc 1581 que níío numera os sonetos, mas d,lo l'ndiqiii I
D e Remediis ausente da ed. dn nota precedente: 1, p. I n.
i i " i • / v i '(islbiis nohillnni banilnornm vi /om inam m a aprc-
M nt i •num .i(|uHa (|iic e encarregada de punir os orgulhosos, So
iw h-iiiicns a Imaginam dura, coga o Insensata, ó porque oles não
jintli ni |Minii.li os segredos dos ce lis e eles próprios estilo eo
lito i" lo desolo dos bens terrenos.u" Daí a necessidade do desa-
!
••a " i|ia toma Insensível aos desfavores da sorte. Mas, em sen-
Itio i onlnirlo, no primeiro capítulo do segundo livro do De Ca-
alm bin i ,ícelo faz uma descrição muito viva e singularmen-
li iii' |iiii unir i la l;<aluna:
21)7
nenhuma prece".1 Existe, portanto, rm Boccaccio uma •r.i\ •I
defasagem entre seu discurse? teórico sobre a Eoriuna e mi mis ic
tornos contínuos a um tema que o,inquieta. Essa observação enf
clarece igualmente as declarações de seus sucessores que iralaill
do mesmo assunto.
Embora a Idade Média central, como vimos, já se mosliannf?
preocupada pela relação entre liberdade de um lado, ai aso e d( m
tino de outro, a Fortuna entretanto, com todos os problemas qiil
ela apresenta, jamais foi invocada com tanta frequência eonio eit*
tre a metade do século 14 e o fim do século 16, Jamais se ,i< aba»
ria de elaborar o catálogo dos textos e das imagens que lhe ..........
consagradas. Ela está presente nas obras de Eustache Des< hampa,
de Christine de Pisan ( . . . a Mutação cia Fortuna ), de Maiilu I v
Franc (Estrif de Fortune et de Vertu), de Fierre Miehaull (,l Um ,,,/
dos cegos). Ela figura sobre o pavimento da catedral de Siena t mi i
bre o brasão dos banqueiros Rucellai em Eloren,ça.m lila e a piola
gpnista da Viitude num jogo apresentado diante de Lucre, la II,n
gia quando da entrada desta em Milão em 1512,121 Ela figura •nina
as alegorias oferecidas como espetáculo por ocasiãe>de um I, um |fi
em Bolonha em 1490 e num cortejo em Roma em ISus .1■•Seu alU
tigo templo em Palestrina é - idealmente - reconstituid! ........... |i
bre Sonho de Poli filio no qual o visionário avista uma grande plia
mide com degraus e encimada por um obelisco sobre <> <pial , mM
fincada unia estátua da Fortuna em metal dourado, girando ao -,a
bor dos ventos.126Ela surge em lugar de destaque na Nane do\ Ion
eos (cap. XXXVII) e no Elogio da Loucura. Ela inspirara b, *lil* •lll
Dürer, Burgkmair, o Velho, Lucas de Leyde, Giovanni Belllnl , ' i
róñese. Foram extraídos 30 exemplps do emprego da pal.ma /nr
tuna nos escritos de Maquiavel.127 Quanto ã literatura <•11• il>,......
20H
it > i,i n |•I<i.i clt* discursos sobre a Fortuna recluidos pelos per-
1111)1* n de Shakespeare, Marslon, (Ihapman, etc.12" Quitndo Phl
P II. n Im\s i onsirol no fim do século 16 uní novo - c líelo - tca-
• un MMiir de Londres, ele o chama “A Fortuna”.12,1 Essa escolha
• •|di* ,i entre oulras coisas pelo falo de que, na Inglaterra da
• i Mi iialidades e Triunfos atribuíam uní lugar importante a
i 'Ii ii'i.i, i u|a Imagem aparecia frequentemente nos "livros de
lililí mil» ' espalhados entilo por toda a Europa. Essas coletâneas
Iih 11u ns alegóricas comentadas por versos moralizantes conhe-
.......... época nm enorme sucesso »- 94 edições dos Emblemas
llF M» talI entre IS.A| e I600.130Ora, mima amostra de cinco “livros
i|t< i mlili mas" publicados em francês (ou em tradução francesa)
FHln I“•V) e ISHH, encontramos T4 representações da Fortuna (ou
lf» ii i gêmea, <ícasiâo).lMJosef Macek tem razão de escrever que
lo de fortuna c uní problema central da (Renascença e um
110 i imiiiIos preferidos de discussão”.132
• o d i o esse debate tem atrás ele sr um longo passado, não
• li ■ panlai i|ue, nos séculos 15 e 16, algumas vozes contl-
...................peí Ir com os Padres da Igreja, com Santo Tomás de
^i|Mliio ( alvino o Dudé que a Fortuna não existe como poten
111 mil un una. Martin Le Franc ensina que tudo está nas mãos de1
Mi m ' ......... acontecimentos que nos afetam parecem incom-
pn i n ii\ el1, e resultar do acaso, é porque “Deus celebra seu con-
m lliii a |lorias lechadas”.133 Para Alain Chartier {A Esperança ou
■■■■
I 'ii i I .i esse respeito HAYDN, H. The Coimter-Renaissance, sobretudo
|i I l" i 4 4 2 . i
I “ i < I ll'W, S. C “Time and Fortune” em Jou rn al o f English Literary His-
tiHii VI. jimlio, 1939, p. 89.
I II) A nidrio original é de 1522.
I 11 A(’i,ulc\o a Sara Matthews-Grieco por ter rae comunicado essasN indica-,
i,in i ( >•. i ineo volumes em questão são os de LA PERRIÈRE, G. de Théátre
/, < I'ihii eugins, Paris: 1539: CORROZET, G. Hécatomgraphie. Paris: 1540;
M» IATI, A. Em blém es... Lyon, 1549; JUNIUS, H. Les E m blbnes... Anvers,
I , IKMSSARD, J. J. Em blbnes..., Metz. 1588. A tese de MATTHEWS-
•.IMI ( (), S. I.'Iconographie de la fem m e dangereuse dans Testampe et les livres
t/i m b/bnes du XVL siècle français, foi defendida na EHESS em fevereiro de
I 'HI y Publicada pela Flammarion em 1991.
I MA< TK, J. “La Fortuna...”, p. 306.
I 'I PIAGET, A. M artin Le Franc, prévót de Lausanne, Lausanne, 1888, p. 192
t I'IS. O D ebate da Fortuna e da Virtude data de 1447-1448 e foi redigido a
pi dido de Filipe, o Bom.
209
consolação das três virtudes), “não se deve duvidar de «11k- *m
nhoria e servidão sao estaileleclmenlos de lei razoáveis, e não
dons da Fortuna”.151 Fico de la Mirándola, em Pis/tulalloiHV
adversas astrólogos , afirma que os acontecimentos aparenteiiwft
te fortuitos nào dependem nem de c o n ju n te s celestes nem dg
um misterioso acaso. “Nada derróga a divina provkltmi Ia", sen
do, porém, verdade que potências espirituais, tanto angcllmg
como demoníacas, trazem aos homens felicidades «• desuna, a
com a permissão divina.155 Na A rcádia, de Philip Sldney <I •'Mi».
Cecropia, a Atéia, é refutada por sua sobrinha Pamela paia qu* m
o acaso é uma noção absurda. Porque a Sorte c por tlellnh tq
variável e instável - ou então, ela não merece seu nome, <h q,
nós vemos que o mundo, é estável e obedece a leis, como |im|
deria ela então.governá-lo? Se apenas a Sorte juntasse .r. pM i
desse conjunto, as partes mais pesadas deveriam conllnuameill#
pender para baixo. A Sabedoria governa o universo e essa put«
vidência exclui uma Fortuna cega.150Na Rainha das fa d a s ( IVJti
1696), Edmund Spenser julga igualmente que por baixo da mu
tabilidacle superficial reinam uma estabilidade profunda « um.
constância funda menta 1.157
Uma concepção teoricamente vizinha da anterior, mas qll^
restituí à Fortuna personalidade e^poder, identifica a tom o •il ida
e “camareira” de Deus. Era o ponto de vista de Dante, >omp nl|
lhado por todo um grupo de autores franceses dos séculos I \ a
1A (Jean de Condé, Watriquet de Couvin, Philippc tle M < mina
noir, etc.) No século 16, a opinião dé Etienne Dolel nao e 1nuil»|
diferente. Ele constata que todas as virtudes de Françols I loi im
incapazes de contrariar a má fortuna: “Acima de toda mdem
poder humano, eifvi advir, ao rei tudo o que ele sofreu de Inftil
túnio em alguns empreendimentos de suas guerras". I >cpuh •l<
define o destino como
135. D isputationes adversus astrólogos, livro III, cap. 27: livro IV, tiip ' t I
Ed. E. Garin, cm 2 v., Florença, 1946-1952.
136. SIDNEY, Ph. Arcadiá, III, 10. Cf. HAYDN, H.Thc < o io itn AVsa/urtXgi
p. 436-437.
137. SPENSER, Ed. Faene Quem, VIII, 3; <'f. HAYDN, 11, ll.i.l
: io o
m il l i "i'i.i'i du.i.s colana, <>s luimunoM as recebem por um Inhilí-
• I ílr'n'jo de I leus, o qual justamente se chuma Destino: porque
I •• ilno nada mals é c|ue unía orclem eterna'das coisas, E embo
la 11 li pudesse juntar alguma prudencia e viitudc humana, en -
111 lanío, o ele i|ue reina e tém poder em todos os nossos atos.M M
I III I X >1 I•I. I'. l.cs Gestes de Fmnçois de Vabys Roy de France. 1540, citado
pni ' 1'AKD, |. La N ature..., p. 107.
I I' I 1111SSO N , 11. I.e Rationalism e dans littérature française de la Renaissance
I I . i i /ft0/;..|\iris: Vrin, 1959. p. 115.
I |(l UAI MH MN; CONDÉ, Jean de. D its et comes, Ed. A. Scheler, Bruxelles:
\ \ . IM(i6 1867: III, p. 15ls. Cf. PATCH, H. R. “Fortuna...”, p. 17-18.
I 11 I >'< IRI.F.ANS, Charles. Poésies completes, Ed. Ch. D’Héricault, 2 v., Pa-
. i I H'K.i I. p. I 20-132 {Ballades XIII-XV). Cf. PATCH, H. R. “Fortuna...”,
p i i ; h,
I I.' I'K KI IC1NC, F. P. Literatur..., p. 61.
III <1 IAS'IT.1, A. L'Europe de Ihum anism e et de Ia Renaissance. Paris: Ed.
di'. I iriiK mondes, 1963, gr. 48 e p. 320.
mo tempo sua Instabilidade e ,seu poder sobre o mundo o prl
melro nu feminino gravado pelo artista ( M97).1"
Já que Fortuna está na mao de Deus e "aquilo que .<<11*
mos é punição divina" (Main Ohartier), o bom senso aconHellw .t
resignação na provação e o desapego dos bens deste mundo
Ademais, em vários autores aparece a idéia de que, se exlslt hiim
força misteriosa, que às vezes favorece e mais Ireqlieiilemetlli
contraria as vontades humanas, ela só age num seloi limitad •
mundo sublunar, lugar de confusão situado entre .1 ordem 1 m i .
lina das'esferas estreladas e a desordem subterrânea do InleitMi
Esse terna é notadamente desenvolvido por Christine d< 1’han 10
seu Livro da M utação... De ninguém, lê-se aí, .1 fortuna potl» 11
rar “os tão elevados bens da almü”.“,s Numa outra obra, o <r/;i||
nho de longo estudo, Christine tinha dito da terrível deusa Nnn
pode ela morder nem pegar / Dar, nem fazer conquista 1 111 n
nhum lugar, a não ser na terra”.1,(1 A mesma convicção e « spu umo
pelo italiano Fregoso num Dialogo de Fortuna de IV, I <>nd< 1
que as estrelas e a Fortuna têm poder sobré o corpo e níltí subid
às almas, sobre as paixões terrestres e não sobre a virtud* " I m
uma conclusão ética há muito tempo tirada pelos estoicos, d epoll
pelos apologistas do contemptus m undi: desprezai as gloilas dg
mundo que muito logo serão apenas vermes e poeira, di ipil
de toda ambição terrestre, aspirar apenas às virtudes etc tna *
Não é sem razão que a D ança dos cegos de Fierre Mi* l* mil
associa numa visão alegórica Amor, Fortuna e Morte, esst * mu
mestres de balé que nos arrastam nas suas cirandas latais S me
ditação macabra acaso não convida logicamente ao des|........ >*
Fortuna, dc seus presentes ilusórios e de suas traiçòcsi' N,to e * uf
lamente por acaso se o apogeu do tema da Fortuna <**in* t*ln|
com a difusão das danças macabras. A de He ram ( Isíria, |>•u 1
ta de 1474) está situada nas proximidades de uma repn st 11! a lij
da roda da fortuna, ambas num cemitério. No espírito tios pu *
dores e dos responsáveis da catequese da época, essas duas ||fl
guagens simbólicas deviam ensinar a mesma lição: <» drsapngtf
Mas como a Fortuna justiceira rebaixa os orgulhosos, ela, mrsmii1 7
6
5
4
liOLÍ
............. conlunde-se o iiii o Destino untlgo, ciumento dos
i o 11 o i ' demasiado gloriosas. A Renascença valeu-se dessa con-
|u • i lieqOenlemenle reuniu num mesmo personagem a seiva
i I '• u , (|iie pune o primeiro dos pecados capitais e a invejosa
||t»u 11 i pd n,i<> tolera a ascensão imoderada dos humanos. Foi fi-
kpIlHi lili a deusa quem retomou a preeminência.
I 'ma i tilica reveladora que Christine de Pisan dirigiu a si
■pipila m eiete ser destacada, lím O Livro da M u tação... ela te-
jlil i t, i >Min cdUlo demasiado poder terrestre à Fortuna. Então,
|p|h \i i h'ii, ela se fax admoestar pela Sombra nestes termos:
II m|(|iii io le retomar em algumas partes dos teus ditos, no teu
)lti" Intitulado Da M utação de Fo rtu n a ..., quando aumentaste
lilla , o podei da senhora Fortuna, que tu dizes ser a ordena-
||im i i Im»i latos que sobrevêm entre os hom ens...”.148 Uma con
fín i , |o i *x 11na daquela de Petrarca mencionada anteriormente
| qiti n mele a personificação e a deificação da Fortuna, tão
|u i" ules na época.
\ . It usa e Ireqüentemente figurada com a roda e a esfera,
||||ii,, d de sua Instabilidade. Mas não é raro que lhe atribuam
^|nli, ui símbolos de realeza. Christine de Pisan a coroa com um
di i li m i i ni frontispicio clejean Fouquet para o Combate da Vir-
tu,/, , da Im in u a atribui a esta última cetro e coroa. Shakespeare
IMii lim ou </<• A te n a s representa “a Fortuna pairando sobre uma
■til i - il*ii inh.i colina... Com um aceno de sua mão de marfim”, ela
h liiiil a seus eleitos."0Uma alegoria moral anônima representa-
lid ui l ' nu lies diante da corte em 1600 faz a Fortuna desfilar em
um ii n 11 ms.H l<>por reis.180Outra característica da deusa freqüen-
1 .......... uMInhada c sua desconcertante ambiguidade. Na Icono-
/iii i de ( es,ire Ripa, que reúne em fim de percurso a maioria dos
i ml'li mas" utilizados pela Renascença, pode-se ler: “Representa
is " 1 '• sllni» |e(|uivalente aqui da Fortuna] por uma mulher extra-
qianli , vestida com roupa de cor escura, segurando uma coroa
|)i oiim na mão direita, com uma bolsa cheia de dinheiro e na
in ..........pn ul.i uma corda” (para enforcar os humanos).181I
:$<u
Itm 11 ' luí lotlo raso, e l<>ngd a lisia dos símbolos callao usados
|i n i la i i i oiuprccnder o caráter c aprichoso e incognoscível da
(i mi1I•I di usa (/dovanni Hollín! fê-la segurar um globo; mas csic
0 tmi bola de cidro - ¡ciólo retomada por urna pintura alema de
(|Hl»mlmadamenle 1630 conservada em Estrasburgo. Guillaume
(ludí • sprlmlndo não sua opiniáo, mas a do vulgo, descreve a
• ...... i •i mu i uma "jogadora de dados,* cega e surda”.1' H a cae-
/ |•I/||IM i lasslca que, de olhos vendados, junta-se agora á Noi-
i in igoga, a Infidelidade e a o Amor:1™o que ensinava Pier-
f lii li mil em , I P a n ça dos cagas: “Amor, Fortuna e Morte, ce-
,g|f • m ndados í’azem dançar os humanos cada um por con-
1111 111n i.i \ fortuna cega” intervém en rO M ercador de Vena-
til i........i 'arlólano' "‘ e Veronese, no palacio dos Doges, coloca
m u uma de mus mitos os emblemas do poder e na outra, um
m
que a Virtude e mais forte que* o acuso. Pollzluno considera 1'ell/
todo aquele c|iie encara sem reagir a testa franzida da Eorluini,
•enfrenta impávidamente a ira de suas tempestades e níio se quel
xa dos reveses que sofre. Seguro de si mesmo e sereno, "não x»)
ele nào é governado pela Sorte, mas é ela que lhe obedece".1"1
Semelhante posição pode parecer sobretudo defensiva!
Mas a Renascença, em seus momentos de- otimismo, foi mullo
mais longe, exaltando as possibilidades do homem e rebaixando
tudo o que parece fazer obstáculo ao seu livre arbítrio, Pensam» o
aqui no célebre D e Dignitate et encellen tia bom/nis de <lian» i-vn
Manetti (1452) - uma obra'que queria refutar a doutrina d< >"d» >»■
prezo do mundo” e na qual se lê notadamente esta enumerav.lu
glorificante: “Nossos, porque realizados pelos homens são Ioda»»
as casas, todas as praças fortes, todas as cidades e todos os edl
fícios cia terra... Nossas, as pinturas, as esculturas, nossas as ai
'te s e as ciências, etc.”.16
16216
4Elogio logo retomado por Pico de la Ml
3
rancióla ao mesmo tempo no ,séu Oratio cie dignitate hoinlnh
(1486) e nas Disputationes adversas astrólogas (depois de I i" '
No segundo desses tratados, ele exclama: “As maravilhas do e*
pírito são maiores que as do céu. Sobre a terra nào há nada mal* ■»
que o homem; e no homem nào há nada maior que seu espmio
e sua alma. Quando te ergues à sua altura, sobes acima d..,
céus”.1"' Quanto à Oratio de dignitate..., ela demonstra que, x»i
zinho neste mundo, o homem n à o é condicionado nem poi uni»
espécie nem por uma essência (nem, bem entendido, pela I •u111
na). Ele se cria a si mesmo por sua atividade c, graças a «'•.!a, do
mina a natureza. Ele é filho de suas obras e de sua llberdad»
O platônico frqncês Charles cie Bovelles no seu />c Siipieit
te (1509) fez eco às teses de Pico sobre a posição central do lio
mem e sobre suas prerrogativas excepcionais, mas dando ênlimtí
ao conhecimento ( sapientia ) com o motor de sua lil hti.k ao "" IMI
161. POLITIEN, H. Stanze. Ed. de suas Opera om nia por I. M.ilo, lliilti
Bottega d’Erasmo, t. III, 1971, p. 58-59-
162. MANETTI, G. D e D ignitate et excellentia bominis, IVAlc, I ’>V , p I "»
163. Disputationes adversas astrólogos, livro III, cap. 27. ( 'I, sobro l*i< / i
e ilpensiero d i Giovanpi Pico delia M irándola nella noria de/l'l 'maní \nmi, 1 * ,
Florence, 1965.
164. Cf. GARIN, E. L a Renaissance. H istoire d'une rêvohition cid liiid lr Vm
viers: Marabout, 1970. p. 193; c Charles de Borelies en um l ini/niOne ítttlfl
nairc 1479-1979 (Atas do colóquio dc Noyon, 1979), Paris, liVilauli I. IUM1
sobretudo p. 101-109.
■iiiiivuiii (11ic* lliistru í.i obra colocando late a face, a esqucTcla, a
I Miiuiu m inada, de olhos vendados, carregando urna roda á
>im il ir, homens so agarram om vao, o, a dirolla, a Sabedoria, som
ill id* ni,i, om rujas máos so oncontra wm espelho de sapiência.
I'i ni,molí,i significativa, a Fortuna está sentada sobre unía oslo-
i i un imiilo o a Sabedoria sobre um bpnco bem quadrado. Num
nu d illi,lo uní maluco declara: “iFortunal, nós te fizemos deusa e
a |nni mós nos céus”. Um “sábio” lhe responde: “Confie na Vir-
IIid» \ lá a luna logo mais depressa que a qnda”.l6S Outros clesen-
■-1|» inionii »s do autor em outras partes do livro servem de apoio
i i H'iii lii.io Iconográfica com frases como: “O sábio aprendeu a
10 i ii ,i ilao a fortuna o a não temê-la”,160ou ainda: “Os sabios nào
■ i i** . s|malos a roda instável da Fortuna; eles são superiores às
h i iinidos do tempo; eles perduram sem fim com uma alma ín
11 . i i ilva e Inviolada.167 IÍ na mesma corrente de pensamento,
oh11nl,i de Manetti e cie Pico, que se deve situar uma afirmação
i f ,in Itodiii: "A história dos homens deriva de sua vontade,
, i mpro diversa e cujos limites são imprevisíveis. Citda dia
miii . 11111o nascem novas leis, novos costumes e novas Instituí
....... O homem ê grande porque ele é livre.
Mas um discurso tãp seguro é um tanto raro na época, e
■ i 11d o i de que humanistas eminentes como Leone-Battista Al
Io 111 i MuimIIo Fiei no interrogaram-sç com inquietação sobre as
lila»,oes entre- Fortuna e liberdade. O primeiro abre seus Librí
h II,i hmilpjla com um prólogo que apresenta a questão do po-
di i da Fortuna:
:$0 7
famílias ili ,i•« cm I huiiciin dc valor, em bens raros, preciosos • d»
sejadi)S pelos molíais, UlimihuIllM de dignidades, de g li' 11iI, de
JoilVOlVs, di' aillOlldadr <' dc grava paia prlvíídoM dc Ind.l |i ll> I
dado, o rodil/I los a pobre/,a, .1 solidão o ii miséria",1"'1
I ' AFRFKTI, L. B. D eliaT ranqu illità deWanimo (livro III nas Opere volga-
n .. I A. Bmuicci, Florence: 1843-1845, I, p. 113-114).
I I, ( I. WARBURG, A. La R inascità..., p. 235. <
I ”i. N.i edição da Pléiade, p. 365-367.
I H\, V. 1 3 6 0 9 ,
:tl<)
hi I it t, , i i I,i .n. gmvuras, iluminuras, calendários, modal lias, livros
i mim do ui.ições), baús, tecidos e carias dc baralho dào teste-
nlu •i Ii " im* Interesse enorme pelo poder das estrelas - um iiv
i ii i|in i onilnlia muito de medo. Os planetas pensavam, go-
in i* ,im as arles liberais, os continentes, os impérios e os tem-
iimeiiluN iiullvlduais. Lê-se na ediçào troiana de 1529 do
tiu Ji i iilenddrU).'.. dos pastores-. “Aquele que nasce sol) o
ti" ili i " oiplào... será um grande fornicador.” Desde a idade
11 ,iii' is, "ele será ousado com o um leào e será amável de apa-
i ii " Mullos acreditaram que a sífilis apareceu na Europa em
li i i li uma ci mjimçào de Saturno e de Júpiter em 9 de noVem-
■di I |0 |;.. e temia-se um dilúvio em 1524 porque múltiplas
i ............. . deviam produzir-se nesse ano nos Signos da água.187
|ÍH In >mens dos séculos 15 e 16 foram contínuos solicitantes de
..........|M e di- prognósticos, se interrogavam continuamente os
i|ii|i igin, e porque julgavam que as estrelas só lhes deixavam
11 i .iii li.i margem de manobra.
I e lembrete sumário da importância então-atribuída às es
11. |H imite compreender melhor os corretivos que até mesmo
iuii oilml.slas" da Renascença fizeram às suas próprias declara
' n pullo da fortuna. Na Crônica dos fatos da G u in e <Xo por
iu. /airara (escrita em 1453), lemòs estas hesitações significati-
a pi oposito da morte na África do capitão Gonçalo de Sintra:
;U2
i lililí dela, porque mullo puncos i.ii'in «li<|,i v| lodosos e os (|uc
.......UNcgliom dcvem Isso .1 unía cxmi.nlIv.i l.idlga e a mullo suor,
Melhor aluda é ter cofñ ola paz 011 tregua, adaptando nossa von-
lade a Mía, o ir para onde da nos IndU .1 tic maneira que da não
plus he nos puxar à lorça. Realizaremos ludo isso, se soubermos
. *uh litar em mis poder, sabedoria e vontade.m
dl I
im luí tic urna Fortuna ao mesmo lempo pin le rosa, mulavel e
ih ti» >olí I» irluna, <> homem suhllamenle eleva. I', depols, ele re
!'• nli o deimba e rebaixa".'1"' ‘Tortuna varia como a lúa. Iloje se*
Mu i amanha escura".*'" "l'ortuna cega, aos seus cega”/ 0' "Contra
I Minuta loica nenhuma".-"" "Contra l'ortuna diversa não luí bom
............. nao tombe".-"7 “Km l'ortuna nao existe razão”/"" etc.
M>"0 tigiti lambem Insistiu sobre a “Inconstancia da oscilação dl-
0 i i d i 11 muña"...ble cita e aparentemente retoma por sua con
la • a* ' vi’tsos di'sabusaclos de Manilius: “O sucesso vai para pro-
|it'.' tiiiil concebidos; a prudencia se engana, e a Fortuna nao
apio» a ítem a|uda a parte que o merece, mas é levada, ao acaso
e o m •si i ilha, através da massa. Sem dúvida, existe uma força su-
1 o a *|in nos domina, nos governa e dirige as coisas mortais se-
jltlliilii suas próprias leis”/10 b Montaigne conclui que os "êxitos”
d i aii< ira dependem, sobretudo, da Fortuna, e que esta, mais ge-
çiliin uh , nao se deixa submeter ao nosso discurso e prudência.
An ' miliario, ela os "envolve em sua desordem e incerteza”.-'1
I iaque/.i cio homem em face do destino: mais ainda do
qui Montaigne, e o que ensinam os historiadores italianos con-
|t iiipontneos, como Maquiavel, sobre as desgraças cia península a
I* mil i li I iu i e durante a primeira metade do século i 6. A impo-
■ n lii da Halla, o vaivém dos exércitos estrangeiros sobre seu ter-
lll ii......... saque de Roma aumentaram o pessimismo de observa-
l m •nliisiecidos escrevendo por volta de 1530-1540.212 Era sua
Hi ,/its yjterras de Itália (em latim), conservada em manus-
>ili•• " humanista Girolamo Borgia anuncia desde a introdução
:n r>
que clr \.ii descrever ". ns acontecimentos ele,*.la época Instável
e as variações da Fortuna", <) prologo do livro III determina mu
Manida: "Se a,s mudanças de Fortuna .sao visíveis em toda vida, |a
mais Has sao uto evidentes quanto na condlçào dos listados •pn
torna patente a Inconstância das col.sas,,, Quito l’ragelu sao esses
reinos (|iie os tolos admiram tanto e cobiçam eom grande eslm
ço ... Num único listado em três anos pode haver cinco mudança*
de soberanos. Tragedia t|ue rulo e de flcçàoi at|ueles (|tie a l oiln
na de um golpe leva às nuvens, de maneira Igualmente rápida <11
os rebaixa"."' Contra semelhante força, a Virtú nao pode la *i
grande coisa. o florentino Francesco Vellorí, no sen Sumarlo . la
historia da ludia de 1511 a /5 J 7 ," ' declara varias ve/es <pn "lo
das as açbe.s humanas estào submetidas à Fortuna" e <|Ui « i i
muda constantemente."' lomando como exemplo <> gonlalonelm
hiero Soderlnl, ele afirma que este último era "bom, InkilgenlM,
ciltienle e jamais se delxou levar fora da justiça pela amblçao e a
cobiça". Mas ele Ibl vítlma da "má Fortuna (nao a sua, mas a df|
sua Infeliz (Idade)" "" () caso dos dois papas Medieis (l.eao S y
< lemenle VID párese Igualmente probatório para Vellorí, (> pii
metro cometeu erro apos erro, mas “quanto mais erros comei* u,
mais a k aluna ** *.<>ctirreu".'' Inversamente, Clemente VII o |tap *
do opn' de «orna que tinha sido um cardeal de grande n pu
lai ai tornou se um pequeno papa pouco estimado" a pesai dt
suas i |iiul!dades Mas "a Fortuna que,, depois de dar a vlli a la ai
lian* eses em Kavenu, iranslbrmou-se para eles de terna mae em
•nu I na gera, fez o mesmo para Clemente."M
Francês* o Ciuicclurdlni (em francês Guiehardln) na sua
gitllKI' 51orla d'/lalia é multo mais duro qiie Vellorí para ei an N»i*
derlnl, <llemenle VII e, em geral, todos os seus contempoiam •»n,
In* luslve Carlos Quinto. Mas fraquezas c erros de chefes e d» po
vos nao constituían para ele a razáo principal da ruma da p*mu
silla, que Ibl causada, sobretudo, pela Fortuna. Desde o Int< lo da
obra, ele adverte que “inúmeros exemplos mostrarão com ■late
' I *>. ( ¡UICCIARDÍÑI, F. Storia d lta lia , ed- Panigada, 5 v., Bari, 1929
rítinii tl lialia”. Aqui livro I, cap. I (v. I, p. 1.).
Por exemplo livro X, cap. 14 (v. III, p. 197), livro XIV, cap. 7 (v. IV,
l‘ I l<>), livro XVI, cap. 5 (v. IV, p.,288).
I. ( ill.BF.RT, F. M achiavelli..., p. 289, n. 4.
F mcs dois textos citados em lbid., p. 281. Respectivamente Scritti auto-
Itioy/ii/ii'ii "(Consolatoria” de 1527 e R icordi “ricordo”, n. 138.
I. SI IAKUSPEARE. Henry V, III, 6, Pléiade: I, p. 788!
' ' I. Iliitl,, I c Roí Lear, II, 6: IX, p. 669.
' ' i 11>id., Antoine et Cléopâtre, IV, 15: II, p. 847.
' '(>, lliid., Timón dAtbènes, I, 1: II, p. 953.
postos em cena p<»' <onlcinpoi'fliU't>,s (le Shakespeare e (|iir p,i
reccm lc*r j<>m>k l<> lora o ( ulsilanlsmo. Em Antonio o Mólllti de
Marston,'o desencanlamenh >de And rugió é total: "Á filosofía, Ai/
ele, pretende (|iie a N¡ilure/a e sabia e nao forma nada Inútil ou
imperfeito... Tu mentes, filosofia, a Natureza forma eolsas Impei
feitas, inúteis e vas". () “paduano” Uinaklo em AH 1'ooLs di
Chapman declara: “fortuna, a grande soberana do mundo tem di
versas maneiras de favorecer seus servidores. A uns ela tía a hon
ra sem o mérito, a outros, o mérito sem a honra; a estes, o t spi
rito, aqueles, a riqueza; a muitos, o espirito sem as riquezas; olí
as riquezas sem o espirito ou nem as riquezas nem o espidió,
mas apenas boas aparências”.2 2 9Em Bnssy, outro personagem de
7282
Chapman, Monsieur, é ainda mais categórico: INaturezal que la
brica tantos olhos e tantas almas para ver e prever, é ela pr«ipil i
completamente cega. E da mesma maneira que os iletrados red!
tam preces latinas mecanicamente, sabendo-as de cor <• repelln
do-as todo dia, mas sem compreender o que dizem; assim tilín
bém a Natureza reúne urna grande quantidade de elem entos c,
por hábito ou pela simples necessidade da materia, termina a |o
exterior da] obra, enchendo-a ou nao de força ou de virtude, di
erro ou de clara verdade. Ela nao sabe o que faz". ' " Denlio do
mesmo espírito, Bussy tinhá aberto a peça declarando: l ,i lm
tuna e nào a Razàò que regula o estado das coisas”.2'1’
A historia nào deve ser o lugar da sistematizaçào, mus til)
contrario,,o dos matizes. Das exposições anteriores nao v u iiiii *
concluir que toda a época estava mergulhada no pessimismo; Intui
seria uma generalização absurda. Mas o relatório 'que ai,ibumo»i
de apresentar demonstrada a evidência de uma crença amplamt n
te difundida numa potência misteriosa muito mais forte que a ll
berdade humana e mais inclinada a contrariada do que a i r i m
cé-la. A Fortuna, na época da Renascença, foi representada mal
como malévola do que com o benévola. Ele foi muís freqíu ule
mente a “fortuna do mar”, o u seja, mais os azares importunou dtl
navegação do que a fortuna no sentido atual de acumul.......... I*
227. MARSTON. Antonio,-/ MclHda, MI, Al. H. Wood, LoihIicn: I•»H, |i ' '
Para este assiinto c o que vem .1 s<[*nii cf. IIAYDS, H, Itn- Couttto /\rn,ilo,oht\
p. 440-441.
228. CHAPMAN. AH Jvo/x, v. I, I,omites, etl. Th. Pairou, I I •t,
229. Ilml., Iliissy, v, .’.
nuil r. (Quantificação rápida mas sl^nlflcMiIv.i: entre I i repré
iiiaçoes <l;i Fortuna (ou da Ocasião) levantadas numa amostra
di i liu o livros dc emblemas publicados na I rança dtí 1539 a 1588,
u» nlmnia e positiva,Wl são explícitamente negativas e 5 compor-
i«m in llexòes sobre a instabilidade da sorte. O Teatro dos bons en-
mnho\ afronta “as pessoas cegas mal conduzidas pela fortuna"
• i•• i •mvkla a verificar “como mal vos guia, / E ao buraco para
Hopean vos leva, / Abismo de males e de calamidade”.-'2 Na He-
\oh'iiiyni/id, a fortuna responde a quem a interroga sobre seus
ililbuM »■. (mastro quebrado, mar, vela, bolha e delfim sob os pés):
' ' I Rrlmt mc aqui à tese de 3o cido de Mme Sara Matthews-Grieco, Lim a-
.■i ,/<• l,i ftmtne dangereuse...
' o IA PfKRIÈRE, G. de. Théâtre..., emblema XX. 1
' ' ( ( ( )RROZET, G. H écatom graphie, p. 27.
11 1 Keliro-mc de novo à tese de 3” delo de Mme Sara Matthews-Grieco.
’ M 1.1 JTHUR, M. CEuvres, V, p. 53.
ecnça foi levado ,iN,sim ¡i duvidar do seu livre* arbítrio. I) , ii ,i nu
cessldade de repqr em causa ;ic|lK*l;i Imagem de Prometeu com .1
qual tilo apressada mente <> earaeterl/aram.
a melancolia
Tristeza e Renascença: esses dois termos parecem es» luli
se mutuamente. Entretanto, eles foram muitas vezes compañía l
ros de viagem.
Nada mais natural que òs contemporâneos da Reste Ne
gra,2*5do Grande Cisma e da Guerra dos Cem Anos tenham adi •
invadidos pela melancolia? Huizinga abriu o seu Declínio dn hhi
de Média sobre a evidência.desta “inquietude geral'' ' (pelo nu
nos no plano dá cultura escrita). Hustache Deschamps, que se de
fine a si mesmo como um “melancolioso”,2Wconstata que " I ndos
os corações tomaram de assalto / Tristeza e melancolia ..... M u
adiante, no século 15, poetas e cronistas da França e da B urgo
nha continuam alimentando pensamentos sombrios. Jean Meu lu
not pinta a si próprio como um •“coração triste, fraco e inútil i
confessa: “Sempre de lágrimas nos olhos / Nada quero a nao sei
morrer”.210 Georges Chastellain, por sua vez, apresenta se como
um “doloroso homem, nascido em eclipses de trevas, em i spi
sas brumas de lamentação”.241 Seu sucessor junto ao Duque de
Borgonha escolhe como divisa: “Quanto sofreu ha Marche”,111 Al»'
mesmo Filipe, o Bom, lamenta a vida: ao saber da morte dt si u
filho de um ano, ele exclama: “Se a prouvesse a Deus que eu II236789401
2.4 y MONSTRELET, E. de. Chroniques, 6 v., París, ed. Douet d’Arq, 1857-
IH<)2: IV, p. 430.
.M4. ( T. C.'HASTEL, A “La Mélancolie de Laurent de Médicis” em Pables,
/brilles, figures, 2 v. París, Flammariori, 1 9 7 8 ,1, p. 154.
’ r>. Sobre a melancolia no fim da Idade Média, cf. JACQUART, D. “Le Re
l’.inl d’un médecin sur son temps Jacques Despars (1380 ?-l458)” em Bibliothb-
i/ue ile/'Prole des Chaites, CXXXVIII, jul.-dez. 1980, especialmente p. 61, 68-76.
,M6. C!ap. VII. Ed. Carmelitas, París: Desclée de Brouwer, 1952, p. 46-50.
247. ( :f. DUBOIS, Cl. G. Le M aniérisme. París: PUF, 1979. p. 200-203.
248, REDONDO, A. “La Folie du cervantin licencié de verre” em Visages de
la Folie, p. 35-38.
ÇÒC.HM.11•. rcvcl.u ln| .llml.l C o .HUlVN.SO d<> IMOlUIHKMUilI tl.ll.ldti
cie Roben burlou, .1 Anatomia da nwltituvlla, publicado cm I h jl
e disputado pelos leitores Inglese,v cinco edições saem dur.mte a
vida do autor que morre em I í>M). " StaroblnsUl tem razan ao e*
.crever: “A Renascenç;! c a época de ouro da melancolia " 1
O discurso sobre ela Ibl outra maneira de lembrar os limites
do livre arbítrio - limites impostos ao mesmo tempo pelos humo
res e pelas influências planetárias. Da longínqua antiguidade ate o
século 18, considerou-se que uma tristeza prolongada prov inha de
um hum or.corrompido.*4 1522
0
5
2
9 4Hipócrates e Gaicano tiraram a lim po
3
5
essa explicação, retomada e esclarecida no curso do tempo nota
clámente por Constantino, o Africano (| 1087) que restaurou o eu
sino da medicina grega na Itália. O seu D e Melancholla constitui,
nesse sentido, o vínculo entre ciência antiga e medicina da 16 n is
cença. Esta última com Fernel,2552 6Paré,25' Bright,255 Du l.aurcir., hm
5
ton, etc., retoma sem modificações notáveis a tradicional teoria do*
quatro humores, que são respectivamente o sangue, <> fleuma, ou
pituita, a cólera, ou hile amarela, e o humor-da melancolia cul»
termo derivado cio grego significa precisamente “hile negra"
I
249. STAROBINSKI, J. Histoire du traitement de la mélancolie de\ oilyjn ri it
1900, Bâlc, Geigy, 1960 (Acta psychosomatica n. 3), |>. 38. A obra d* III
LENBACH, H. L a Mélancolie. Paris: PUF, 1979, nos interessa ,it|iii p» I.<•>n
cap. I. Em contrapartida, o livro de KLIBANSKY, R,; PANOFSKY» I ' »
SAXL, Fr. Saturn a n d Melancholy, Studies in lhe History o f N um rui l'hlfaiHáfa
Londres, Nelson, reed. 1964, passim, é fundamental para n<Vi. Mm* f
Berriot-Salvadore dignou-se comunicar-me o manuscrito dc mi.i i< s* d* ' 1 1
cio (Montpellier. 1979): Images de la fetntne dans !a médccine du ,Y1 / . /du d\/
but du X V T L siécle. Eu lhe agradeço imensamente.
250. Sobre Robert Burton o livro essencial em francés é o de SIM( >N, | I*
R oben B u n on (1577-1640) et lAnatom ie de la mélancolie, Paris: 1>idi» i, P M
Aqui, p. 41-45. Eu agradeço a André Rannou por ter me indicado t 11 "I" I
251. STAROBINSKI, J. H istoire..., p. 38.
252. Exposições modernas desta explicação notadamente cm S IAUt >IUI r I i l
Histoire..., p. 9-45. PANOFSKY, E. The Life and A n ofAlbiec hl / >ih,‘ Pilu i
Princeton Univ. Press, 1955. p. 157-160. THORNDÍKH. A Iliu oryn f ,1/ujh ,aut
Experimental Science, Çolumbia Univ. Press, v. Ve VI, 1941, passim.
253. FERÑEE, J. Universa medicina 1554 aqui, livto VI, cap. ' liad li
Sept livres de la ihéiYtptuiitjite unlversdle, 1648.
254. PARÉ, A. Üiuvres, ed. P. de Fartas dc acordo com n cdiçílo de I5M \ t *
Paris, 1909, Aqui, v. 1: Introdução, cap. VIII, p. XI XV, ExpllcaçOc* miiimU
dantes dc um médliodn século XVII cm MANI )R O l), U, /Viuru/u/t tl .t<or/
¡tríeou \ \/i tli,i,. /, w, , inédito Paris Payare!,' 1979 p 101 11
256. UIUGI-I r. I A Ih atise o f M eknehollt, 1686,
N.i 11mIIcUick*. a palavra "Mangue" teih duas significações, lí o
iiih >spllc.i Ambroise Paré, retomando Gaicano, e a comparação
l" ' iitlio novo no qual podemos encontrar quatro corpos dlferen-
t> i a lia, no fundo, é o equivalente da hile negra; a flor na su per
dí ti do liquido representa a cólera, “o mais sutil dos humores"; a
>* tilma" i>u aqúosldade é semelhante ao “fleuma”; enfim, o vinho
pn <|tllámente tillo, "bom licor suave e amável”, é comparável ao
11ia m no sentido estrito. Na prática, o sangue que circula ñas ar-
0 111 • nas veias nao é puro. Ele contém os três outros humores
•m quantidades variáveis que todavia, não devem se tornar dema-
nl ido importantes. O fleuma, sendo apenas “um sangue imperfei
to i lev e m jrmalmente transformar-se em “bom sangue” por “nos-
iii i ilm natural". A cólera amarela é progressivamente “atraída
|n 1" !"lii ulo do lei” e o humor melancólico pelo baço, órgão de
mi i i ura que se supõe ser o centro da bile negra. Daí o quadro
............. mais adiante dado por Ambroise Paré,256com referên-
1 l,i iHis quatro elementos tradicionais (ar, água, fogo e terra).
I slste, observa Ambroise Paré, “uma certa proporção e
......lid i do?, chamados humores (no'sangue no sentido geral), a
•|n il estando conservada dá saúde ao corpo; mas se ela estiver
, miii impida, ela traz e causa doença”. Em justa proporção, a “me-
..........Ii.i nos é, portanto, indispensável. Mas se ela se tornar pre-
pi nu li i.ihii- no organismo, esse desacordo dos elementos age êm
............. lelrlmento. Levando em conta as correspondências então
idi 11li ida s entre, de um lado, os humores e, do outro, os quatro
•li memos, a direção dos ventos, as épocas da vida, as estações
di i iihi i, ou até os momentos do dia, obtemos com muita coerên-
i la ms quatro grandes temperamentos humanos em função da
pi> domlnáncla de tal ou tal humor:
• <) temperamento sangüíneo, reputado “o mais perfeito",
,, -ii, .ponde ao ar, ao Zéfiro (vento do oeste suave e tépido), na
pi liiiavera e na juventude. Ele se afirma particularmente entre três
liniiis e nove horas da manhã;
• () temperamento fleumático corresponde à água, ao Austro
iM iiiM do sul que traz a chuva), no inverno e na velhice. Ele domi
na ,, ibieludo entre nove horas da noite e três horas da manhã,
• () temperamento “colérico” corresponde ao fogo, ao Euro
•■, un i quente e seco do leste), ao verão e á época da maturidade,
i li , multo ativo de nove horas da manhã a três horas da tarde;
'' I l'.MNIÍ, I.. Les Secrets m iracles de nature..., trad. fr. de 1566, p. 249.
' al, A notar que a histeria era então identificada como uma afecção de origem
o. i viisii proveniente de um mau funcionamento do útero. Cf. V E IT H , I. His-
u>he de rhystérie. Paris: Seghers, 1973.
' i'l. Im dente apresentação das teorias médicas da época sobre a melancolia
rm hAIUI, I.. The Elizabethan M alady. A Study o f M elancholia in English L i-
leiHiMY from 1580 to 1642, East Lansing (Michigan), 1951, p. 21-72. Cf.
(itmbém K U h A N SK Y ..., R. Saturn..., p. 67-126.
ra e tristeza doentia e <|ik? a acupuntura energética atual mantem
e utiliza essa relava» >.
Mas para o módico ocidental da Renascença, existe uma
“matéria melancólica”, um humor espesso, um alcatroo viscoso
.e negro, circulando com lentidão, cujos excessos no organismo
devem ser evacuados: senào elés engordam e entravam o Indi
víduo e escurecem seu espírito. Ivxplica-se então a importam la
dos purgativos, e notadamente do heléboro, no tratamento da
melancolia. Os evacuativos , com efeito, têm por resultado < h
pulsar o humor corrompido. A eles é preciso juntar os "alieia
tivos, que diluem, suavizam, umeclecem os depósitos de hile m
gra, mas sem exercer sobre eles açào mobilizante" e "os <oit/m
tativos, cujas virtudes roborativas e cordiais devolvem a» >doen
te o vigor e a alegria”.260A melancolia é, portanto, csscncialmrn
te uma doença da região abdominal onde se acumula a alialil
le e de onde escapam as exalações tóxicas para o cerebro l
ses vapores saem às vezes pela boca do paciente e enlao mi
mostram contagiosos. Cita-se o caso de um alemão que fazia <m
casa suas devoções da semana santa porque temia a qiiantld i
de muito grande de “vapores de melancolia exalados pela mui
tidào dos fiéis contritos”.261
Mas o vínculo sugerido aqui entre contrição e vapores nu
lancólicos subentende uma possível, ação de cima para bal o
com o excesso de humor negro resultante então de um prnt rvm
psíquico. Ambroise Paré identifica claramente essas duas causan
da melancolia cujo humor, escreve ele, “é feito com alimente > ••■
suco grosso e difíceis de cozinhar, e também de çontrarledatli
desgostos do espírito”.262 Robert Burton afirma igualmente' que
. “os males do corpo procedem da alma*’ e lembra que (iali um
gabava-se “de ter, por sua vez, curado diversos pacientes ili . i
afecção [a melancolia] unicamente retificando o equilíbrio de mi ii
espírito”.263 Ao que se junta a análise dos teólogps Incllnadus a
perceber a ação do demônio que tenta mergulhar as almas pl<
A27
les que nasceram sob sen signo poder e fortuna, mus cm de
trímenlo da generosidade; o se ele llies da a sabedoria, sera *to
preço da felicidade. Mas aqueles que dependem dt* sua Inlluén
cia serão na maioria das ve/es pobres camponeses, Irabalhado
'res da pedra ou da madeira (Saturno foi Dcus da ierra), llmpa
dores de latrinas, coveiros, mendigos ou criminosos, Assim ap l
recem seus “filhos” numa miniatura alema do século l > <11n
comporta notadamente dois melancólicos nos ângulos superlo
res e um enforcado no centro da ilustração. '1' No Ilaushiit b
Wolfegg (fim do século 15), que consagra urna página a cada
ym dos astrosm aiores, os “filhos” de Saturno sao, ao lado do
lavradores, um condenado levado à forca, um carniceiro es
quartejando um cavalo, uma feiticeira ao lado de uma gruid
onde dois prisioneiros têm as mãos e os pés presos num peh mi
rinho.2268 Um manuscrito lombardo da mesma época, D e S/tbae
7
6
ra , evoca por sua vez os planetas que presidem ao nascimento,
comandam os temperamentos e dispensam as doenças, Saturno
encontra-se aí representado com uma cabeleira hirsuta e tuini
grande barba. Ele se apóia numa muleta e carrega lima M ti
Este instrumento lembra que ele é o protetor da agricultura i i
o acento incide sobretudo sobre sua influência nefasta Eli u
cita as enfermidades, provoca os desentendimentos, estimula a
jogar dados e xadrez, engendra as rixas, sugere os roubos I'- i
cebem-se com efeito ladrões operando numa residência nobm,
um malfeitor atacando um fidalgo para roubar-lhe a bolsa, e,
com o pano de fundo, uma prisão. A legenda explica: "Satuuio
produz os homens lentos [porque o curso deste planeta e o
mais longol, os ladrões, os mentirosos, os assassinos, os <ampti
neses, os rústicos e os homens obscuros, os pastores, os \aga
bundos e outras pessoas semi valor,269 Na sua Tentação </<’ s<m
to A ntônio (de Lisboa), Jérôm e Bosch incluiu um "coxo snliirnl
no” seguido por cães.270 Ele é uma das ilustrações do mal ohtj
a terra. Triste destino dos melancólicos,
' I PANO ES KY, E.; SAXL, Fr. Dürers “M elancolia I ”, Leipzig, 1923. Cf.
Iiiiulnfni MARCEL, R. M arsileFicin. Paris: Belles Lettres, 1956. CHASTEL
A. M iiiülc lucin etl'art. Genève: Droz, 1954.
I. notadamente o cap. 6 do Io livro do D e Triplici vita.
' ' t, MIRANDOLE, Pie de la. Opere d i Giov. Benivieni florentino... con una
, iinvm a dcllo am ore celeste e divino, con commento d ell’ill. s. conte G. Pico M iran-
dohino, 1S 22,1, 7, f ° 10. Citado em PANOFSKY, E. Essais d ’iconologie, p. 293.
' i Esta exposição é inspirada pelo artigo de CHASTEL, A. “La Mélancolie.
rin i'tihles, formes, figures, I, p- l49s.
sentimento de urna lula Incessante, de mu lini^o ({l'fciimo e de urna
dor que chega a desolado, encontra sua cxprcssiio ein mullos
poemas de Lourenço". Km seguida, a relavar> de causa o eh lio
estabelecida entre temperamento melancólico e palxóes amorosas
É da natureza dos amantes, escreve ele, entregar se a peioii
mentos tristes e à melancolia que, em meló aos suspiros r a la
grimas, alimentam sua fome amorosa, e isso enquanto eles < pt
rimentam também a maior alegria e um'.sentimento d<’ (locura, l?U
creiò que a razão disso é que o amor, simples e constante, pio
cedê de uma imaginação forte, e esse movimento dlflcllrnoilltt
pode produzir-se sem a predominância do humor melancóllt o no
amante. Porque a natureza deste último é de estar sempre liiquti
to e pronto a transformar todo acontecimento, favorável nil ,ul
verso, em tormento e paixão.-T<'
' 'M, I IC’IN, M. D e Triplici vita, III, cap. 22-24. Utilizei a trad. francesa de
‘ .*i I.o Pèbvre de la Borderie, 1581 (na B.N.).
1 Ibid., livro III, cap. 22, p. 172^.
,’HO. Para esta exposição eu sigo PANOFSKY. The L ife... ofD ürer, notada-
mente p. 169. AGRIPPA, C. D e O ccultaphilosophia, ed. de 1 5 3 1 ,1, cap. LX,
|i /H-80. No ms. de 1510 (Bibl. univ. de Wiirzbourg) — 1* versão da obra
III, cap. XXXI-XXXII. Cf. também KLIBANSKY..., R. Saturn..., p. 241-276.
Resenha desta obra por KLEIN, R. no M ercare de Frunce, 1964, p. 588-594.
I l< >I;I;MANN, K. “Diirers Melancolia I”, em Kimst ais Bedeutungstrãger. Ge-
denkschrifi ftir Günter Bandmann, 1979, p. 251-277 e ANZELEWSKY, F.
I Viren Vic et ocuvre. Frtbourg: Office du Livre, 1980.
(islas e cheles de lisiado têm abundancia de nitlo\ os pintores, ai -
quitetos, escultores, ele,, sao ricamente providos de lni(ii>lniilh>
Dentro desse espidió, disseram de Rafael que ele era "melancO
lico como todos os homens de semelhante mérito”/"1
E. Panofsky mostrou de maneira convincente que a cuín
mática e célebre gravura de Dürei; Melencolki l de 1SI \m só si
compreende graças a Ficino relido por Agrippa. () / que segur
M elencolia poderia ser a primeira letra do adjetivo inidpjniilirti
Saturno devia governar a Geometria. Esta última, figurada pelo
grande personagem alado, representa na realidade o con|lin(o
das artes que utilizam a medida. Daí a presença ao lado déla do
martelo e dos pregos do carpinteiro, da plaina do marceneiro, da
escada do pedreiro, do cadinho do ourives e do poliedro do
perspectivista. A arte do desenho é personalizada pelo (>tilh> que
se aplica a esculpir. Diversos elementos saturninos chamam a
atenção - o cometa no horizonte; o cão e o morcego, animal!
melancólicos tradicionais; as chaves e a bolsa, porque Saluriii|
pode dar poder e riqueza, mas ele é considerado a\ árenlo, Alem
disso, a coroa de plantas que a Geometria tem na cabeça e <•qua
draclo mágico de Júpiter cujos números somados resultam sem
pre 34, que sao todos elementos mágicos para combater as r\en
tuais influencias malignas de Saturno. A composição, apesai da
ampulheta, dá uma impressão de imobilidade: o fiel da bal uu i
é horizontal, o badalo do sino não se mexe. E o silencio da me»
ditaçào acentuado pelo ar pensativo da Geometria, com a < ilu
ça apoiada sobre a mão. Finalmente, um sentimento de fia< avio
se desprende da obra. A o putto, cujos rabiscos intensos signllli a
talvez a habilidade manual, opõe-se o pensamento, .1 com eitttii
lizaçào que se procura num esforço inquieto. Frailea e (emití
acham-se separadas. O rosto da Geometria está velado de tom
bra. Seus olhos escrutam um inacessível horizonte. A nn dii,i. ,io
é ao mesmo tempo a honra e o tormento do gênio l F.tni >1 l \
graças à chave saturnina,/ logicamente aproximou da gmvtil t til
Dürer o Pensieroso de Michelangfelo na capela Medieis d< I I* m n
ça. À composição “aberta” da estatua de juliano opóe se a « oitti
posição “fechada” da de Lourenço - Eourenço II, diK|iie de isla 281
im
un 11 l i l‘M. Juliano e o extroverlldi», 11 príncipe magnánimo vol-
i din i itii.1 .1 açào, segurando uin cetro. I.ourenço, o introvertido,
........nu ao contrário a melancolía meditativa, Sen rosto está ve-
I id*i di Mimbra com o o da Geometria de Dürer. O indicador da
ni i" i mi(líenla aplicado sobre a boca significa o silencio da refle-
. 1.1 i i i i >i<ivelo apóia-se sobre um cofre fechado, enfeitado com
ilion ego, que simboliza a parcimônia saturnina.283
ricino, Agrippa, Dürer e Michelangelo contribuíram para
•ibu lima moda da melancolia' Montaigne que declara: “Eu sou
i Imm mi iK Isentos dessa paixão la tristeza], e nao a amo nem a es-
lliiii' , li tdavia constata que o mundo “se pôs a honrá-la de favor
|iiiiib iil,u Cnm ela eles revestem a sabedoria, a virtude, a cons-
|i tu l,i tolo e monstruoso ornamento”.284 Esse esnobismo grassa
p iilli ni,ii inenle na Inglaterra de Burton. Foi de bom tom para o
i un u la/er se passar por melancólico: ora ele posava de amo-
»i mi * li sido, ora desferia sátiras contra contemporáneos conside-
•nliKi ,rni la lentos nem virtudes.283Jacques, em Com o gostais, é
um Iti iiti lepresentante da “doença elisabetana”, ele que deseja
,nuil a melancolia de uma canção como urna raposa suga
hviim , luz o elogio cía loücura, condena a vaidade humana e
pliii lama que a vida é um drama em sete idades, ao fim do qual
, >-li i se ,i ser criança, “sem memória, sem dentes, sem olhos, sem
í,i , li i, iem nada”.287 Quando o interrogam sobre a melancolia, ele
n |" a a le: "|l '.la| c filha de minhas diversas lembranças de viagens
i M11 In ((üenle ruminação sempre me cobre a alma de um humor
111 i• "" l;,le e um daqueles malcontent travellers que percorre-
i mi ii mundo e aprenderam a misantropia e o amor do país na-
i il I Mi llellay desse ponto de vista é seu primo irmão.
<> nome de Du Bellay impõe-se aqui tanto mais que ele
di nvolveu seus sentimentos melancólicos na Itália. A penínsu-
I I ii< sse sentido, desempenhou um papel duplo. Ela valorizou a
meliiiu iilla a doença dos grandes espíritos - e, ao mesmo tem-
l"' .iglu como repulsor em razão dos vícios que os viajantes - in-
: i: m
mm liiiii tMIrus iimorosos aos quais Huilón consagra ires seções cio
mi li li Hui parlo,1"' incluindo aqui os cluiuonlos. Na literatura d i
tai u lana, a melancolia está mullo mais ligada ao amor cloque es-
i n i mies A influência italiana tom algo a ver com isso. Mas é
pu i ht •,n rosconlar o peso das explicações médicas. Em princípio,
i pulsan amorosa é forte sobretudo nos temperamentos sangüí-
iii os, i mm(iials dependem pelo menos parcialmente de Vênus. Mas
liuimires quentes o secos provenientes, por exemplo, da com-
i ti tan da Hilo negra rio baço podem também provocar impulsóos
. M'lli as Meques l'errancl, na suá obra consagrada à “doença do
iiuní" t |(iI.D, ensina que existe “alimentos quentes, excitantes,
II mil» uins c melancólicos”.297 í) Enfim, os “melancólicos religio-
n ■ que lum direito a uma seção especial no livro de Burton. A
11it I mi olla religiosa compreende tocios os casos em que a cloen-
■a m is *iiia.s causas ou seiis sintomas - ou ambos ao mesmo tem-
I.......... . ligada a religião. Ela se manifesta por penitências e mor-
uli. a nos Imoderadas, visões, temor excessivo do julgamento do
1*1 lis. I It
As dimensões e o sucesso do livro de Burton e o número
d ii ninas eruditas, então consagradas à melancolia,298 provam
qiii •la eslava na moda, sem dúvida, mas, ao mesmo tempo, que
i 11 •ui mais do que urna moda. A propensão à tristeza nos meios
i ulins n.in foi somente urna pose. Ela nutriu-se da filosofia neo-
p| th mii a que, a exemplo do contemptus m undi eclesiástico, cle-
p 11 i lava .sistematicamente o mundo presente e aspirava a um
Mills i asi i purificado. Ficino situou no próprio centro de sua Theo-
/.s'/,/ /i/dlonlcfi esta constatação reveladora (que se integra num
p,u igr.ilo consagrado ã ação da “bile negra” sobre a razão):
: i: ih
i" I" i<ni pin "filhos" ao mesmo lempo geómetras e enforcados,
i a|iinii lios r esic o p i a d o s .llm humanista alemao como Gonrad
• .lio leiusou a reabilitação neoplíitónlca. Nascido sob o signo
d* .m im o, ele se* queixou de um planeta que lhe “havia trazido
11Ml*in malefícios" e continuou a considerá-lo como um agente de
dt mui patrono de homens tristes, de lavradores e de monges
i to .|ii,il era preciso suplicar para que deixasse na aljava suas
II. i Ii.im mortíferas".’1' O gravador francês Tilomas de Leu figura
(i IU Itiih i»//( <> (por volta de 1600) sob os duplos traços de uma
ttiulla i suplicante e de um homem adormecido com o sono agi-
Ittdo « o ileflne na legenda com o um ser “ansioso e sombrio" e
i|Ui tem sempre medo. Kle deixa escorrer cie sua negra boca um
ytíllenlo furor" produzido “pela massa de sua bile negra”. Mes
mo n,i ll.ill.i, onde começou a reabilitação de Saturno, persistiu a
di iiiullança em relação a um astro que só podia produzir ge
ni... .< . i seu "veneno” fosse temperado por outras influências es-
li I in . , enquanto os artistas italianizantes não deixavam de còn-
liiin n esse inquietante diagnóstico. Uma gravura de Leon Davent
•li , ........ hiles Komain assimila a Melancolia a uma jovem mulher
li* .i mdo. ( )ulra de Jacques Androuet clu Cerceau, segundo Gui-
le Iiih . Porta (dito Salviati), a simboliza por uma mulher cloloro-
Min ule pensativa acima da qual se lê a legenda seguinte: “Eu te
Io i \un i para tomar cuidado com ela [a Melancolia] se quiseres le-
y.ii uma vida alegre”.317 .
() i >lhar desconfiado sobre a melancolia explica-se também
Iii a uma confusão mantida frequentemente na época da Renas-
II d....... nlre vicio e doença. Para os moralistas - e eles são então
iiiiuhmosos , razão e paixões se opõem. Charron, no seu-trata
do I Ki Sabedoria , alinha a tristeza ao lado do ciúme, dá cruelda-
. 1. . do temor. Ele a acusa de ser uma “paixão covarde, baixa e
ii.i mi. que "eslióla o rosto..., desseca os ossos..., amargura nos-
i vida e envenena todas as nossas ações”. Ele chega até a decla-
i i l.i a mais desagradável, prejudicial e injusta paixão”. É preci-
ii. ,i|Hender, portanto, a “odiá-la e fugir dela com toda fnossa] for-
lhos salientes, mas pés inchados que retardam sua marcha, arti-
1 tilaçucs atacadas por uma gota maligna... ^
325. Mustie reduces. Anthologie de lap oésie latine dans lE urope de la Renaissan-
¡e. Textos escolhidos apresentados e traduzidos por LAURENS, P; BALA
VOINE, Cl., 2 V . , Leyde, Brill, 1975. Aqui, I, p. 93-95.
326. KL1BANSKY..., R., Saturn..., gr. 89-90. Para as relações entre melanco
lia c acidia cf. também LYONS, B.G. Volees o f Melancholy. Studies in literary
Treatments o f M elancholy in Renaissance England. Londres: Routledge e Kegan
Paul, 1971. p. 6, 63, 87-90 e 127.
327. JOUBERT, L. Secondepartie des erreurspopulaires et propos vulgaires ton-
chant la m édecine..., Ia cd. 1578. Id. consultada, Lyon, 1601, p. 352-354.
'M 1
dia, com deito, o a.sno era regularmente citado para •dp.nllI* ai a
preguiça,A-H A esse título, ele figura na Iconología"' de < e*uipl
Ripa. Lemne talvez esteja pensando no asno quando d. u«vt |
“melancolia fria" que atinge "aquele tipo de pessoas que ul
miriham lentamente", “dolentes” e "de cabeça baixa" " Itiniou
por sua vez, pensa como Melfmcton3-31 que um excesso de MtJftfl
é nefasto aos melancólicos:
... Em diversos casos, dormir pode fazer mais mal dti •|MtÉ
ibem, naquela melancolia Reumática, bestial, lila e pn mui,,, i
de que fala Melâncton, que só sonha com água e u pn i , |i
cessar. Quando ela é superabundante, çla torna pesad...........
píritos e os sentidos, enche a cabeça de grossos luimon% ptu
voca vapores, reumatismos, c uma grande acumulai .n ■ dt
crementos no cérebro e outras partes."'
328. Cf. mais adiante p. 267. TERVÀRENT, (i. do. A t t r i b u t s e l »|Wv/< i ■<imi
l'ar,t profane, 1450-1500, Genève, Droz, 2 v., 1958-1964, 1, col '8
329. Na Iconologie cf as figurações da “Pigricia”.
330. LEMNE, L. Delia complessione..., p. 116.
331. Ele se refere ao I.ibrr de anim a (1540) dc Mélanduhon (v, XIII ifn /Vi
Melanchtonh opera tjuae xupemml omnia, cd. Cl. E. llictsdutrldei, 11 «li,
1834-1840).
332. BURTON, R. T beA n aioiu y..., I, p. 249.
333. TERVÀRENT, (1, dc. l.es h d g m es de l'art: 1'art suvant, l\uUi PMfti
p. 13-20. I.YONS, B. <1. Volees,,., p, 6 c 163.
334. llanda, principa Interne II, Pilludo, p, 048 049; III, i, p i.iiii,
IYONS, ( i, II, Voltee . p. 88 89.
Vi'iim a época IVeqttontemenle ligou ucídla c melancolia';.
\i ni que u.s moralistas puderam aeresecnlar esta última à lLs-
n ida Im iu I í Ion pecados capitais. V id o e doença achavam-se
4h Implli ado.s numa culpabilizaçáo global: daí a idéia de que
ft a ......... . a fragilidade física para induzir ao pecado. lile-se
imii na alma pelos pontos fracos do organismo. Entorpeci-
lllii t nisliva sao então.armadilhas alo diabo. Santa Teresa o
pIli i i I llámenle, lila nao ignora que a melancolia é urna doen-
11111 mili|uga" a razão e que “aquelas las religiosas] que sao
lingid i ' poi el.i nao são mais culpadas por suas extravagancias
............. loncos". Mas, ela sabe também que “o demonio utili-
I i Imi noel para tentar conquistar certas pessoas”. Ele sedn-
n> o intervalos de lucidez dos pacientes. É urna de suas “ter-
i ifllmunluis" e "a alma está [então] no maior perigo, salvo
i indo nao lia mais vestigio ele razão”.33’ Então, as religiosas ten
ia pi la melancolia deverão estar ocupadas aó máxima. “O
Unii ii médio e impor-lhes funções que não lhes deixem o
i i di sonhar.,, li preciso então deixar-lhes pouco tempo
mi i onn ao, mesmo em período normal...; também elas jejua
H m tu...... . lieqíientemente que suas irmãs”.336
11iii io, Igualmente, viu na melancolia uma artimanha de
lir uii ii i I r '.(■ nos seus Propos de table:
339. Ibid. Cf. KOEPPLIN, D.; FALK.T. Lukas Cnmach, 2 v., Snni^iM
Birknaüer Veiiag, 1974; aqui: II p. 292.
340. Hamlet, II, 2, p, 649.
341. LEMNE, L. Les Secrrts tnhttcles..., p, 254-255.
342. CHASTEL, A. “La T c n t n t i o n . p . 146.
m. ni* m sexo feminino, o c|i 1.11 <■ Im uusianle em razao tic sua
t Hiii|»|rk.io, di* pouca crença, malicioso, lihpacienle, melancólico
I* ii i nao poder comandar setis alelo,s", l.ssa fórmula é de Wier.'1'
(n'iiiii HI*, e Sprcnger, a gen le,s ailvo.s e significativos da repressão,
uto demasiado ortodoxos para crer que os astros constrangem os
I h iiim iio s "de maneira necessária e suficiente". Ao contrario, eles
ni miem o llvre arbitrio. Mas sabem também que “as variações nas
li ipi. il^oes do corpo fazem muito para a variação das afeições e
muid, da alma". Assim, os melancólicos terão tendência a ser
i nuil. ni< e "se alguém sonha com terra, é um sinal de preclis-
pt. ih i.. melancólica V "0 jogo demoníaco consiste então em mer-
i•.i111 ii mais profundamente nessa paixão o indivíduo já inclinado
i . Ia'" e que, deslizando sobre sua inclinação natural, pode ser
ni i .lado para os mais inquietantes devaneios.
Item mais tarde, Goya, herdeiro cie uma longa tradição,
liitlmll ara esse perigo do sonho na gravura intiulada “El sueño
Io 1, 1 . 0 1 1 /troduce monstruos”: o personagem que cochila, com
i . ai ii . a sobre os braços cruzados, avista em sonho morcegos
ii .1 .•.li.. is " O devaneio melancólico, caminho dò inferno: é sem
i., ida Mque quis ensinar Lucas Cranach, o Velho, nos três qua
111. di 1528, 1532 e 1533 que ele consagrou à Melancolia'1" e
i|in .a. i Interpretados g^ralmente com o manifestos anti-humanis-
i i i . le.sposlas de espírito luterano à reabilitação do gênio satur-
1 11 . i. idada por Dürer em Melencolia I. Duas, sobretudo, dessas
1 ii
1*1,1, WIHR, J. Histoires, disputes et discours des iliusions et impostures des diti-
/•/,, , cil. Paris, 1 8 8 5 ,1, cap. VI, p. 300. Cf. PRÉAUD, M. “De Melencolia
I > (Ia mdancolie diabolique)" em Cahiers de Fontenay, n. 9-10 (março 1978,
/Vi Mythes), p. 129. ^
1*1*1. 1NST1TORIS, H.; SPRENGER, J. Le M aneou... (trad. A Danet), p. 182.
145. Ibid., p. 279.
146. Ibid.. p. 76.
!•! . Pnfaud, M. “De Melencolia...”, p. 124.
148. < I. KOEPPLIN, D.; FALK, T. Lukas Cranach, I, p. 269-270 e 292, pl. 13
, |.r, 1,13. KLIBANSKY..., R Saturn..., p. 383-386, pl. 128-130.
- dizia Lulero é preciso beber e comer para lular contra a m u
rasión la. Urna parece totalmente’ ociosa; a oulra, quase lunilla
cíente, tálha um hasláo <|iie lembra o das l'elllcelras. Km t ai la mu i
das duas composições (com o também na terceira), avista se mi
céu a.o alto e ã esquerda uma cavalgada diabólica da qual p mi
cipam personagens nus e alguns bodes. Nenhuma duvida pm
conseguinte sobre o risco mortal que se corre ao entregai »»* a
melancolia. Está em jogo a salvação eterna.'1"
Embora a palavra melancólico náo seja proniliti lada,
pode-se perguntar se o anônimo que publica em ISH7 a ///v/tifflj
do doutor Fausto não quis, dentro de um espírito próximo do dp
Cranach, estigmatizar as am bições intelectuais demasiado alias
dos saturninos, dos quais Ficino e Dürer tinham feito . . i . .
Fausto é descrito com o “superior a todos por sua habllldai li p na
a disputa” e é doutor em teologia. Ele tem “cabeça orgulhosa r
o apelidaram de “especulador”. Ele é também astrólogo, malriiM
tico e médico. O que pode haver de surpreendente se, loman
do as asas da águia, ele. quis sondar os últimos fundamentou no
céu e sobre a terra”? Não é esse “furor melancólico" que o pet
deu levando-o a assinar um pacto com o diabo?':" Semelhiltg a <u
píementar com os outros saturninos: ao termo dos „M anos dM
triunfos terrestres que lhe concedeu Mefistóléles, ele e tomado
por um sombrio desesperô: “Ó esperança desesperada a qual
devo renunciar”,3,1 exclama ele. Ele julga que é "tarde dcmalA 1
para voltar a Deus.
A ligação entiJe melancolia e desespero era habitual na
época da Renascença. A Alta Idade Média, instruída pela /Spi /tu
nmcbíe de Prudêncio, tinha associado sobretudo cólera «• di i a
pero.3'3 Mas essa relação, sem desaparecer, passou ao xcglltulff
plano desde séculos 13-14, atrás da junção, psIeologlcamenK
mais verossímil, entre acedia ou tristilia e despendió, <> mili idlij3495012
349. As três obras são intituladas Melencolie. Elas sc encontram o npw lita
ment: a de 1528 na col. Crawford, a de 1532 no Museu reul ile ( «q•>uli itt!o
e a de 1533 numa col. particular dc La Hayc.
350. LHistoirt du docteuf Faust (1587). Tradução notas o ^londriu pni I I
FÍiBVRE, J. Paris, Bclles Lcttres, 1970, notadnmciuc p. 72 73.
351. Ibid., p. 172.
352. Ibid., p, 160 c 179.
35,3. CL SCHMITT, J.-Cl. "Lc Suicide au Moycn Age", cm Ann,d>\ / S t ,
jan./fev. 1976, p, 14-16.
:: I <.
t mi i.........nxeqüôncla c Ilustração cl;i Impenllèiu ia IInal - o suicida
• i (> a 1 i indultado a dunnçao por ter desesperado do perdão dl
i lili i lu| sobretudo apresentado aos fiéis como exemplo a não
n i ■» )Mil»lo através dos fins lamentáveis de Judas e de Pilatos.55'
■ 6*1ul ii encontramos a contaminação entre acidia e melancolia,
t mpi u11<■a forma última desta é a vontade de se matar. Nos sé-
■itli i ■ In I ((liando se queria contar um caso marcante de extre-
(II i nu Iam olla, evoca-se, na esteira de Plutarco, “as filhas dos mi
li ii.. |i|iie| <atiram num tal devaneio, que todas procuravam a
ui i ilan de se enforcar e tudo que se fizesse para impedi-las ou
il iiii i I is dessa loucura, era totalmente inútil”.355
\ associação entre melancolia e desespero é evidente
lllim i giat ma de Dürer c|ue data provavelmente de 1514/1515. Ela
i\ poiiaiilo, i (uase contemporânea de Melencoha I e corrige sensi-
%i■I•iii nlt o elogio do gênio saturnino que sobressai desta última.
•• / *. . ■ ./'iTíido e o seu título.-550 Dürer pôs em contraste aqui um
li ui' ni gi i/,mdo de boa saúde coin quatro outros personagens
n ........ iilativos dos diferentes temperamentos, mas todos sofren-
I i de um excesso de humor melancólico: como se este pudesse
t Mmluii.it ;.i enm os outros humores e desequilibrar qualquer ou
a i le\ ando-o ao limite patológico de si mesmo. O melan
IIViu .. ao <|iiadrado” - ele o é ao mesmo tempo por natureza e
poi . li ii ili, a tem um rosto desvairado que surge da sombra como'
um i iiia-u ara; o melancólico “sangüíneo” torna-se, por excesso de
lili iiid idi , um idiota careteiro; a melancólica “fleumática” é uma
.....11n i nua mergulhada no sono; enfim, o melancólico “colérico”
a ii i a .I mesmo e se arranca os cabelos: daí o título da gravura.
M,r. para os demonólogos a passagem da melancolia para
ii di ii .pero fatal opera-se através da “tacitumidade”. O demônio
m u i '» fi.ue frequentemente impedir que seus adeptos levados à
pihai» lalem e confessem. Se necessário, ele ós maltrata para que
p. imuneçam mudos.'5’ O drama da impenitência final é represen-
IuiIm m i centro desse silêncio inumano que os inquisidores de
V i |, I b i d , , p . 1 6 .
347
profl.v.an procuram <pu I>r.ti Se rios conseguem, nem por h sn
tudo está gunlto, porque, iD in o constatam o.s autOfes do M a ilrlo
das fe it¡c rin is, estas,
após a confissão de seus crimes sob tortura, fa/ein ludo paia ilial
a própria vida enfouando-se; essa é uma verdade (|tie soluessal
de nossa experiência prática. Assim, sempre depois da confhrtflii
dos crimes, guardas licavam postados todo o tempo, atentos a
isso. E quando, ou às vezes, por negligência dos guardas, « iam eu
'•contradas enforcadas com fios ou com seus véus Isabla se| que >i i
por instigação do inimigo a fim de que elas não obtivessem o pri
dão pela contrição e pela confissão sacramental.'
358. Cf. INSiiTORIS, 11.: SPRIÍNR HíR, j. I.r M urta n..., p. *» '' MU
359. Ibid., p. .* \.
360. BURTON. U. T hrA naiom y,, II!, p. 394.
361. Ibtii oípoNkno oni lltlil,, p. 395 39'/,
:M h
( m ám enle, afirma Huilón, apóN nutras autoridades, "me
I un <ilia e desespero, embora freqCienlemente ligados, nao se en-
••miiam sempre reunidos’’. A melancolía, por si só, pode, em
mal t th mu caso, ser “urna causa suficiente dos terrores da cons-
■irm la" Almas demasiado inquietas chegam a duvidar do perdão
le Iik i i alé a se perguntar se Deus existe. Um excesso de medi-
i H lo sobre os l’ins últimos e sobre a eternidade do inferno aca
to |ii ii perturbar o espirito. De novo melancolia e acidia sé reco
tín ni uma a outra. Jejuns abusivos, uma solidão prolongada, re
tí- m ti -i exaustivas sobre o além podem levar à vertigem fatal. Kn-
ii" Huilón apresenta a questão de saber se todos os suicidas.são
ob|i h de danaçào com o Judas e Pilatos. Sua resposta é comple-
- i ni.r- afinal benevolente: para aqueles que morreram tão obs-
1111 idamente c tão rapidamente que não puderam pedir perdão,
di se temer o pior”; para aqueles que levaram álgum tempo
Pmi morrer, a caridade convida a crer que tiveram tempo de se
un pender, Enfim, se alguém tirou a própria vida “por loucura ou
un I i i i h olla... levando em conta que cometeu esse gesto menos
P - n sua própria vontade do que pela força da doença, devemos
iiii< i pret.ir pelo lado melhor, à maneira dos turcos que créem que
- MIn*, os loucos e dementes vão diretamente para o céu”.30- Es
paniii'i.i pirueta final que revela o progresso da noção de “cir
- miMiitiHias atenuantes”, graças à medicina, no interior de um dis-
•ni so mui premissas culpabilizantes.
As questões e as hesitações de Burton remetem a urna
- ........i que se interroga intensamente sobre o suicidio. Montaigne
■i msagra um capítulo inteiro dos Ensaios (livro II, cap. III, “Cos-
iiiiin da lllia de Cea") a essa “doença particular, e que não se vê
- ui nenhuma criatura, de se .-odiar e desdenhar” e a esses “humo-
n , la ni asíleos e sem discurso que incitaram não somente homens
pailli tila res, mas povos a se perder” (alusão aos milésios). Pode-
ii i-ntao perguntar sé, na época da Renascença, os suicidios se
i- ii n.ii.mi mais numerosos que antes. Erasmo parece acreditar nis-
-I - <lomo vemos hoje tantas pessoas voltar a mão contra si mes-
iii i*i, escreve ele no coloquio Funus, o que seria então se a mor-
i- nao tivesse nada de horrível?”365 A Alemanha do séculó 16 te-
: hd
riu sklo atingida em varias ocasiões por epldcmlas'localN «l«• mil
c kl i o s , Mus i >s leslcmunlu >s ,i rs se res| >rHt) sd<) ilrmu,sl.u It> aili
jetivos” puru i|iir sr possa (Irar conclusões pertinentes Para > . ••
período, ful(um estatísticas serias que nos esclareceríam r nao li i
dúvida de que faltarão sempre.'''’’ Considerando as Inlerdlçótvi re
ligiosas e o castigo público infligido ao corpo do suicida, pndt
mos; pensar que os mortos voluntários eram muito raros ( dl» tl*
los aleatórios sobre os Bilis o f mortality londrinos (I (>,¡‘> Iniiin
chegam a 0,1% de mortes por suicídio (11,3 nu Inglaleira dt‘
1958).566 A palavra “suicídio”, utilizada de início em latim pi li
casuistas dó século 17, só aparece em francês em I7.V1,'" lm
compensação,, tudo leva a crer que a Renascença Interessou se
pelo suicídio mais que a Idade Média.
Um estudo feito por Jacques Le Goff e sua equipe sobir o
vocabulário de um coletânea de exempla , o Alpbahelum m ina
tionum (compilação terminada ao redor de 1308- 131 revclit
que a desesperado só preocupava modestamente os pn gudor»
desse tempo. Éssa palavra só figura em 11 exempla c so m >ui
(empatada com vários outras) na vigésima oitava posição, n»
quanto a classificação por frequência põe em clestu(|ue as d. pn
lavras seguintes: Dem õn (77 exempla), M u lie r (61), Mois i |'M
Temptado (41), Deceptio (38), Timor (35), Freíalas I ‘relado ( U i
Contemptus (33), Oratio ( 33), Penitenda (33). Ora, o exem/>huii
era um artigo cultural “produzido em série e maciçamente t •nr,u
mido”. Ele revela, portanto, os temas principais de uma InluilWl
aculturação réligiosa e moral.
Inversamente, o desespero atrai realmente a atenção dtl
cultura dirigente no início dos tempos modernos, Isso é Veidíl
deiro para literatura, desde a A m in ta jie 1’a.sso até I l.unlel (qtii?
lamenta que o Cristianismo proíba o suicídio), mas l,imin ui
para as “Artes de bem morrer” que, graças à imprensa, i onlte36457*
:tno
ii ni um miccsso con.sldorávd de meados do século IS ;ilc* os
i...... i " Ora, eles comporiam scmprc mu -capítulo consa-
iii Hlii a lula, no momento da agonía, contra a ten tatito de de-
• i|Hi,ii di i perdáo divino. “Nada ofende inais. a’ Deus do que o
di i iprin", lê-,se numa edição, provavelmente alema, da Ars
nm ilcudl (por volta de 1470).370
<> suicidio é um dos corolarios possíveis da desesperado.
Mas piule lia ver outros motivos. Assim, vemos que, na época da
I*. u,en enea, ele é objeto de uma reabilitação parcial. Montaigne,
di |" i|s de ler escrito que “todos os inconvenientes não valem que
ni qiieiia morrer para evitá-los”, consagra o final do sen capítulo
ni llar 11 "l iostume da ilha de Cea” a fazer o elogio daquelas e da
qui I. s que tiram a própria vida por grandeza de alma.371 Porque
m n ii.i enlao de coragem e não ele desespero. Exemplos cristãos,
i i|{ ins e o heroísmo estoico confortam e apóiam essa distinção.
110 su i poema O Rapto de Lite reda, Shakespeare se junta a Mon
I tij ni |>.11. i louvar aquela que “em seu seio... agasalha, para aga
ilh ii mui alma, um aço criminoso”, fugindo assim do “seu cala
Iii ti a, o Imundo”/ - Lucrecia é alias objeto de admiração unânime
Ion |i irailos europeus no fim do século 16 e com eço do 17.
I v;e período, com efeito, interroga-se sobre o suicidio. Ñas
111 is t pistolas moráis { 1598), Honoré d’Urfé despreza a morte vo
lt mi tila dos covardes, mas declara que “o ato que Catão cometeu
•i -I ii. si mesmo ao matar-se, sendo Catão, não foi crueldade, mas
i magein e magnanimidade”.373 Charron repete Montaigne. Como
i uh ultimo, ele pensa que ninguém deve matar-se “por uma pe-
qm ii , i t ii a.slâo”, mas exalta aqueles que o fizeram por uma razão
gl mde e p o d e r o s a . j u $ t a e legítima”, por exemplo, “para nào
iv * i ,i mercê e pela graça de quem eles abominavam”.371 Juste
I Ipsi , Imbuídi >de estoicismo, redige um tratado infelizmente per
dido, o Th rascas, para defender a legitimidade dos suicídios co-
i i|....... I )uvergier de Hauranne - o futuro Saint-Cyran - dá como
3613
Qucm nño <• louco? pergunta ele, Quem esi;1 Isento 11«' melai»
eolia? Quem na<> e mais ou menos tocado por ela d»' mannlia
passageira ou permanente? ... Quem nao ó governado pela pal
xão, pela angústia, pelo desejo, pela Insatisfaço, pelo meilo e o*
sofrimentos?’10
falência da
redenção?
capítulo 6
a súmula do exame
de consciência
:ir>7
boca ele Sócrates que "ninguém c mau voluntariamente'' <> * ul
pado é um homem que se engana: "... Aqueles que <> Ignoiam
não desejam o mal... O objeto de seu desejo é urna misa qiltl
julgavam boa, embora fosse má: de modo que desejando •»oi
mal que não conhecem e que julgam ser bom, e o bem <pu it i
realidade eles desejam’’.2 Aristóteles, por sua ve/., apega ■«» a
uma noção imperfeita da liberdade e a uma concepção luipn 11
sa do dever, enquanto a culpa é para ele uní erro e urna liuilll
lidade, e não a violação de uma ordem divina e urna ofensa i m
relação a um Deus que ele concebe como impessoal.
Em compensação, o estoicismo operou essa retérén» la da
ação humana à ordena divina das coisas, que faltava u n Alistóla
les, e é por intermédio do estoicismo '(.notadamente graças ao />»•
Ófficiis de Cicero) que os termos gregos para designar o pe» id*
(d gap T Ía et ágapT riiia), correspondentes ao latlm (ira tilín •
peccatum , passaram para o uso geral. Para os estoicos, toda la
■Deus, a alma do mundo, não é um ser pessoal e, por oulro latín,
não existem graus na virtude e no vicio: todos os pec ados n,ii»
iguais. Mais próximas do Cristianismo eram as religiões <<>m mi»»
térios, florescentes no mundo greco-romano no próprio mmiieii
to em que se difundia a mensagem evangélica. Como esta iililiua,
elas insistiam sobre o pecado, mancha da alma e obslaeul» i ii ■*1
vação, mas dando maior ênfase à purificação ritual do que ao e||
tido moral dos atos humanos.3 Inversamente, o Cristianismo, *»*»»
guindo a esteira do judaísmo, fez do pecado uma oposição d.i
vontade do homem à vontade de um Deus pessoal npmicrin
que não se manifesta apenas por atos exteriores, mas (aml........ mii
pensamentos e sentimentos. Ele criou os termos p e ca ito rv />o i o
t)ix que não èxistiam no latim clássico e que assumiram piogi» ■<
sivamente uma importância extraordinária na nova civilização
No Antigo Testam ento/ o pecado de Atlâo e apu ■•> nl ido
com o uma desobediência voluntária do homem a um pre»»lio di
vino. Por causa dessa ruptura, cuja responsabilidade <abe ap« ii i**
l.M én on , tradução de. A. Croiset. Paris: Bellcs L.ettrcs, 192 Ç / ' ll1I' l (
BOUCHEZ, M. La Faute. Paris: Bordas, 1971. Notadameuic |», M"» 'M
3. Discussão sobre á questão em SIMON, M. La Ciri/isatlon de / 'AnlIiftilHim
le Chrístianisme. Paris-Grenoble: Arthaud, 1972. p. 8.3-94.
4 . 0 que vem a seguir cst;í de acordo com o Vocabulairc de llhhdo^h ÓA/itMff
(sob a dir. de X. LlfoN-DUFÓUR), Paris, <:crf, 1971, to l.l) t.» 94<> * / - •-»*»
naire de Thiologie eatboUque (£). I X Paris, Lctoirzcy, XII, 1933, »<i| I lu »,H
mi homem, o pecado entrou no iihiihl«»¡ doravante ele marco
i'"l,i .1 historia, c notadamente .1 de hiael. I ,ii* povo rebelde que
lili a,1 o bezerro de ouro e prefere .1 carne ao maná afasta-se
•1iiiMantcmente dos caminhos que Deus Ihe iraca. Os sucessivos
pmlrlas censuram suas iniquidades - violencias, adultérios, injus
ta a\ mentiras, etc. - que “cavam um abismo” entre ele e Javé.
Ni i iiii miio tempo, eles lhes revelam as dimensões e à natureza *
pinlimda do pecado: ingratidão para com um pai muito amoro-
'■ ib, (11,7 ); infidelidade comparável à da esposa que se prostitui
- um qualquer um, indiferente ao amor inesgotável de seu espo-
■•1h V 12; Ez 16,23). Eles lhes indicam os caminhos da conver-
iiii confissão, cinza, expiação, fé - que lhe valerão o perdão.
I I- , lhe anunciam o Redentor, dispensador desse perdão.
o Novo Testamento não concecle ao pecado um espaço
mriii H que o Antigo. Jesus, o Servidor, veio entre os homens não
paia ' »•. justos, mas para os pecadores (Mc 2,17). Ele “redime” os
pi 1 idus, para grande escândalo dos fariseus. Ele conta a parábo-
II dn pai misericordioso que espreita cada dia na estrada o retor-
I" filho pródigo (Lc 15,1 ls.). São João diz de Cristo que ele
■1 m "(Irar o pecado do mundo” (Jo 1,29). Este último é recusa da
In/ 1|i • 3,19-20) e do amor <Mt 7,12). As obras de Satã e daque-
li 1 que lhe são subordinados são o homicídio, a mentira (Jo 8,44)
■ 11 ódio (Jo 3,20) - aquele ódio que levará à morte do Filho de
I «i iis (Jo 3,37). Mas essa morte, seguida de uma ressurreição, é a
\llmla sobre “o príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30; 16,33);
....... ¡ué Jesu s se fez “propiciação para nossos pecados” (ljo 2,22),
i- ele transmite o Espírito aos apóstolos a fim de que eles possam
irmli os pecados” (Jo 20,22s.).
Com São Paulo, a doutrina do pecado adquire um caráter
■ Imlurado: depois cio.pecado de Adão, o homem, independen
li menie cia redenção, está “vendido ao poder do petado”
l Mm l i) certamente ainda capaz de desejar o bem, mas não de
n ill m Io (Km 7,15-18), e necessariamente votado à morte eterna
i|iii r .1 "realização” do pecado (Rm 6,21-23; 7,24). Nas Epístolas
III s.iu Paulo, já sc encontram aquelas listas de pecados (deriva
•I 1 u m dúvida de listas estoicas) que inundarão o Ocidente na
c| 1111.1 da Imprensa, sendo os mais graves dentre eles, segundo o
i|iu ,|()|<>dos gentios, a idolatria, as desordens sexuais, as injusti-
• 1. uh lals e, mais ainda, a cobiça, que é apenas outra forma da
Idolatria (Rm 1,23-25; 7,7). Esta nossa pintura está assim tão for-
li um nte apoiada apenas para ressaltar por confronto a necessida-
:ir>j)
de e as dimensões da obra redentora de ('aisló, l’eeado oilglmu
e pecado pessoal tornam se parte integrante de um sistema da
salvação cuja outra peça é a justificação. Onde o pecado luí
abundante, a graça foi superabundante. O pecado de Adão pro
vocou e permitiu a redenção que triunfa sobre ele. Pela le < pelo
batismo, o homem se torna urna “nova criatura" (2Cor 5,1 ') me.
mo se, vivendo num éorpo mortal, ele recai as vezes sob o Im
pério do pecado e “se curva a suas concupiscencias" (Km (>,li)
Por sua morte salvadora, Jesus foi p primeiro que passou d.i culi
dição carnal para a condição espiritual (Km 8,32). lile vencen .¡o
mesmo tempo a morte e o pecado, e abriu assim á humauld id»
o caminho da salvação eterna.
Mensagem dos textos bíblicos com sua insistência subn "
arrependimento, dificuldades e tensões no interior da lgre|a, dt .
de antes de Santo Agostinho, levam .a uma continua medita», .tu
cristã sobre o pecado, das quais basta lembrar aqui alguns poli
tosÁ O Pastor de Hermas, redigido epi Róma em meados do sé
culo 2o, inquieta-se pela multiplicidade chapecados c|tie |a d. -,||
guram a Igreja: as dos apóstatas e dos traidores, dos Impostóte#,
dos querelantes, dos semicristãos cuja conduta desmente a le Ki
tomando o tom dos profetas de Israel, o autor lança um i aloman
apelo ao arrependimento. Tertuliano (f por volta de* 220), o lm
mem dos extremos e do rigorismo, insiste por sua vez em du.i#
obras de veemência crescente (o D e Poenitentia e o De 1‘iii/h llhi)
sobre a culpabilidade e a necessidade do arrependimento, No
gundo desses livros, marcado pelo montañismo, ele aflmut, toda
via, que a idolatria, a impudicicia e o homicídio constituem tica
pecados irremissíveis. Além disso, no DeSpectacults, ele evo» i o
salutar combate das virtudes contra os vicios: a Impúdica la ilplTU
bada pela Castidade, a Perfidia massacrada pela lioa l e, a « m. I
dade abatida pela Piedade; o Orgulho eclipsado pela I Iunilh I id»
Clemente de Alexandria (f por volta ele 216.) e sen dio tpu
lo Orígenes (f 252) lembram ambos aos cristãos tentad» >s a t iqtii
cer que o batismo não garante uma vida inocente c‘ qm•o pn tdn
é fruto de nossa liberdade. A partir do século i", os tratados o ibm
o pecado e a penitência se multiplicam, notada mente para respnn
:mi
essa imensa materia, A teologia crista adotará sua celebre defini
çâo: “O pecado c toda ação, palavra <>u cupidez contra a b I eli i
na”.10 Ele é auersio a Deo e convenio tul creaturam , enquanto ••
arrependimento é a atitude inversa. () Hispo ele I lipona rcpn >u
ta o pecado, ora como uma ofensa à obra do Criador, ora ..........
uma injustiça que viola o soberano domínio de D eus s o l........
mundo e sobre o homem. Dessas duas maneiras, a desordem do
pecado é injúria a Deus.
De Santo Agostinho a Lutero e a Pascal, passando poi Nao
Gregório (f 604), ele também “um dos mestres na'clónela do pi
cado”, Hughes de Saint-Victor (f 1141), Abelardo (j II i I’l« m>
Lombarci (f 1164), os Padres do Concilio ele Tren to e os ne«) es
colásticos dos séculos ló e 17, a meditação crista nao cessou du
interrogar-se sobre o pecado, de precisar a sua dellnlçao e mcdlt
o seu alcance. Mas a Santo Tomás de Aquino cabe o mérito da
reflexão mais serena e mais ampla tentada na Idade Media •»«>1u»fi
essa questão. Ela ocupa uma parte notável da Sufna teoloi\h,i "
Além disso, o D e M aio é inteiramente consagrado ao mesmo a*
sunto. Santo Tomás esclarece a noção filosófica de pecado <poJ
.todo homem pode elaborar sem recorrer a Deus. Como o« lllo
sofos antigos, Santo Tomás pensa que a vontade só deseja o hi ui,
real ou aparente. Mas ele integra essa convicção d e n tro d .........
esquema cristão. O pecado é certamente contrário as regias da
razão.1- Mas a teologia descobre no pecado uma dimensão malí
ampla, já que ele se opõe à lei eterna, medida soberana e pilnieh
ra da ação humana. O “doutor angélico” é levado assim a em olí
trar e aprovar a definição de Santo Agostinho “o pecado d Ioda
ação, palavra ou cupidez contra a lei eterna”.1' Mas el......... lu|
que ela inclui também os pecados por omissão. Porque "i a ii|
pre para juntar dinheiro que o avarento saqueia os outros e mui
paga suas dívidas. Do mesmo modo, é para satisfazer sua guloi
N dice que o guloso come demais e não jejua quando c obllg ilO
rio”.1' A omissão culpada é, portanto, uma negação ligada a iiiih
afirmação má. O convite para interrogar-se sobre o pe< adu dtf10234
10. Contra Faustum, 1, XXII, cap. 27: Putr, Lat., XLII; col. ã IH
11. Na edição publicada por Desche depois Lc Ccrf, dois volume» mlin ' h
pecado” e três sobre “a penitência”.
12. Suma Teológica, I-IP, quest. 71, art. 2.
13. Ibid., qnest. 71, art. 6.
14. Ibid., qnest. 72, art. 6.
iiinlviilo, agora claramente definido, n a o tU;lx<>u e nao cessou
tic marcar a consciencia ocklenlal Santo Tomás esclarece por
i miro laclo, ampliando uma reflexão de Plerre Lombard, cpic tocio
alo mau 6 pior do que o vicio, sendo este apenas urna dlsposi*
<iin a la/er o mal, ao passo que o pecado marca a passagem da
pnicncla ao alo. liste último “predomina so b reo hábito tanto no
I» m como no mal”.1, Independentemente da desordem que in-
11*idu/ na criaçào, o pecado turva a alma que o comete, a qual
lii ide seu brilho e deixa de ser luminosa. Mas iríais do que isso,
c|i c desafio a Deus. Ele ceitamente deixa intacta'a dignidade di-
i lita Mas Isso nao depende mais da vontade do pecador que te-
ii i querido, se fosse possível, ofender ao seu Criador: daí o as
pe» lo Infinito do pecado. “Todos os#pecados são contra Deus”.1"
A despeito dos esclarecimentos de Abelardo e ele Santo
luinás, os sermões e a iconografia continuaram a confundir fre
quentemente pecados e vícios. Em compensação, os especialistas
d i teologia moral, esforçando-se no curso das épocas para cate-
M'Mi/ar os pecados, tentaram sucessivamente diferentes distin-
Li 'i pecados por excesso e por falta (uma diferenciação inspi-
i ida por Aristóteles); pecados carnais e pecados espirituais (São
• .h corlo); pecados de pensamento, de palavra e de ação (Tertu-
ll 11ii i, <Jrígenes, São Cipriano: distinção reutilizada por Santo Al
lí' do, o ( irande, São Boaventura e Santo Tomás de Aquino); pe-
' idos para com Deus, para consigo mesmo e contra o próximo
il'lcnc Lombard), etc. Mas esses diferentes critérios de identifica-'
■ c i lntcgraram-se finalmente a dois grandes conjuntos - não ex-
•Ilativos dos anteriores - chamados para uma longa história: de
um lado, a lista dos pecados capitais; de outro lado, a oposição
i'iilic pecados mortais e pecados veniais.
A reflexão cristã, por sua vez, hesitou durante muito tem-
I " ' .obre o sentido da expressão “pecados capitais” - pecados
m ili iic.s ou pecados fontes de outro pecados? - e sobre o seu nú
ii" io, As Epístolas de São Paulo e de São João são pouco explí-
i lias sobre ambas as interrogações. O primeiro, em seqüêncla
i" Ia Irsiastico (10,15), .atribui uma gravidade especial à cupidez,
u i/ de todos os males” (lT m 6,10) verdadeira “idolatria”
" , v o, o segundo engloba tudo “o que vem do mundo” sob
i , 11cs rubricas: “Cobiça da carne, cobiça dos olhos e orgulho dá
17. La D idachê, cm QUÉRÉ, Fr. Les Peres apostoliejues, l\uiv '« ml I ''MM
p. 93-95. Adv. M arcionem , 1, IV, cap. 9: Patr. La/, II, col, V/S I )|»*f M
anteriormente que no fim de sua vida Tertuliano considciiiiil a lilnhiili, |
impudência e o homicídio como pecados irremissíveis.
18. In Levit., VIII, 10, 11: Patr., G r: XI, col. 502#-506\
19. Cf. D ictionnaire despiritualitéascéticpic et mystique. F.u is, Mcam lii n», I' '
col. 178. Sobre a história dos sete pecados capitais, cf. ZO< ¡KI I' U, <> / »,*• /, Nt
tüek von den sieben Hauptsünden, Munich, 1893; IM.OOMI II I I >, M Vt / Ajf
Seven Deadly Sins, Michigan Univ. Press, 1952; 2. cd., 1 % / <■ u-. nalullin ã»
Mme. Vincent-Cassy citados a seguir, notadamente a partir da nula ' 1 pin .im i
20. D e Coenobium institutis, I, IV, cap. 1: Patr, La/., XI .IX, tnl, 2(12* • *
tio, V, cap. 10, Patr. Lat„ ibid., col. 6 2 Is.
ilii 1 (,)ininto ¡i Silo Gregórlo, n Grande, <| hl)-i), do ,siiu;\ lora da
11..... o orgulho snporblfi com o sendo a "raiz de todo
uiiil" e .1 "rainha dos vícios", depols onumora os seto “vícios capl-
lilh que sao a vanglória, a inveja, a cólera, a tristeza, a cupidez,
i giilodlcc e a luxúria.22 Nessa lista, a Invcja-dúmé Faz a sua apa*
ili i" l’or outro lado, Sao Gregorio incorpora à tristeza a pregui-
■ i t •iplrltual (torpor circapraecepta). II nfim, para ele, existe urna
un sao psicológica, portanto unia filiação, entre os sete vicios
....... id' ni que ele lhes atribui. Daí por diante, as classificações de
I" ■ a li is ( apitais adquiriram direito de cidade no pensamento tço-
|i igli«• Isidoro de Sevilha (f 636) enumera os mesmos vícios que
Tio Gregorio, c bem verdade que numa ordem diferente, mas
ilillnilndo um lugar idêntico ao orgulho.23 Alcuino (f 804) prefe-
1- 1 - lassllicaçáo de Évagro e de Cassiano,24 mas Pferre Lombard
11 I Ih l ) volta à de São Gregorio25 que é também aquela sobre a
qu il trabalhou Santo Tqmás de Aquino.
Na sua enumeração, Santo Tomás de' Aquino, como São
|nan <ilímaco, junta numa coisa só orgulho e vangloria e coloca
n r un: 1 (abandono ou desprezo clõs bens espirituais) no lugar de
rJln , Sua lista é, portanto, a seguinte: vangloria, inveja, cólera,
i< luva, lristeza, gulodice e luxuria. Santo Tomás vincula as sete
^landes categorias de pecados aos fins procurados: seja a procu-
1 1 de bens aparentes mas não reais, seja a fuga de um mal apa-
n ule mas nao real.20Ademais, ele diverge de São Gregorio sobre
m i pontos. São Gregorio, exatamente como a Psychom achie cie
Cliidênclo, opunha os sete pecados aos sete dons do Espírito
Plinto Sao Tomás não mantém essa oposição, porque não se
Ih 1 a desviando-se da virtude, mas amando algum bem perecí-
' •I l’or outro lado, embora conserve a ordem proposta Por São
<m grtrlo, nem por isso estabelece uma passagem lógica cie uns
paia outros.2" línfim, enquanto para São Grçgório “capital” signl-
li* 1 "maior", para Santo Tomás, os sete pecados merecem ser
29. Ibid., quest. 75, art. 4 e sobretudo quest. 84, art. 4, / V Alu/n, qu« «I H I f
30. H om iliarum in Ezechielem, libr. I: Patr. Lat., I.XXVI, col. 9.10,
31. Expositio m oralis in A bdiam : Patr. Lat, Cl.XXV, col. 400.
32. VINCENT-CASSY, M. L ’E nvie en Frunce du X III’ nu AT uA/c, uu .1,1. i
Paris IV, 1974, aqui p. 37-39. Cf. também do mesmo autor "I Tnvii <ui Mu
yen Age” em Afínales E.S.C., mar./abr, 1980, p. 2 5 3 -2 7 1. MÁI E, lt / ',le I*
ligteux en Frunce nu X III tild e, p. 44; e LArt re/igieux A hl fin du Muyen
Paris: A. Colín, 1925. p, 103.
\ml<’ir. e na Notrc-Damo de I’íM'Ih, lí tjiii* oh artistas apegavam-se
t ilmriila," Mas depois, tanto na arte como na literatura, se limi
lai.in ( ada v e/ mais ao número sete tanto para as virtudes como
paia ' vícios: indício de um impacto crescente da especulado
t «i olastica. Se no sombrio funil do inferno Dante não dispunha
•», círculos dos sofrimentos em função das indicações de Santo
lomas de Aquino - mas esse era talvez seu projeto primitivo
•ui ' ompensaçào os sete patamares sucessivos cio purgatório cor-
c tpondem aos pecados capitais por ordem decrescente de gra-
i Idade a medida que se sobe para o céu.
I V IIOULET, J. Les Combats..., notadamente p. 14, 18, 44, 53, 57-58, 61, 69.
Vi, Suma teológica., T-2”, quest. 87, art. 1.
IS, De Libero arbitro, III, cap. 15, 44: Patr. L a t, XXXII, col. 1.293.
Wi, INSTITORES,, H.; SPRENGER, J. Le M arteau des sorcières. trad. A. Da
nei, Paris: Plon, 1973, p. 260.
307
i'¡ul< >i está .i ShI h i t*i11 i li*l illt) pui'U com l H’IIS O l<n |( i peí ai In aiiU»
reta .t ohrlgaçáo da pena (realas jxvn iie).' Mas será que enM
pode nao ser proporcional a gravidade do cuso? I■•••..i •pi>siiii,
constantemente apresentada e retomada no eurso do h nipo,
leva á segunda grande divisão anunciada anlerlormenle * mi im
pecados moríais e pecados veniais, ficando todavía cm lai< i ido
que certos autores estabeleceram uma equação ruin priiidn)|
capitais e pecados moríais,
Nào é possível encontrar fontes bíblicas para a dhilnuhl
entre venial e mortal a nao ser um texto obscuro ríe Mão |o io
“Se alguém vir seu irmào com eter um pecado (pie nao a 1 1 d§
morte, reze e lhe será dada a vida... (Isso se tal pei ado n to ba
mortal, porque h á'pecado mortal, e por esse nao digo ■pu>
ore.) Toda injustiça é pecado, mas há pecado (pie nao e t m »
de m orte” ( l j q 5,16-17). Pode-se pensar que o apóstolo Idt hll
fica pecado contra o Espírito (cf. Mt 1 2 ,3 0 e pet ado tpi» I- \ <
à morte. Durante os primeiros séculos do Cristianismo, em i on
trapartida, distinguem-se dois níveis de pecados em ...............
tipo de remissão que eles exigem, mas sua delimitação viu Ia wf»
gundo os autores (Tertuliano, Orígenes, etc.) e s e g u n d o o i
gimes penitenciais: serão eles remidos por Deie. ap« na ou
pela Igreja? Eles levam ou não a unia penitência piiblli a » a In
tervenção da Igreja que reintroduzirá o pecador na enmuiillrtft
dos fiéis? Seu perdão será ou não retardado pela lgre|a ah o
artigo de morte?3 3
78
Essas hesitações encontram fim com Santo Ag< miluliii,
que esclarece de tal maneira a distinção entre pet ados ...........
e pecados mortais que ela comandou toda a teolog ia po?m no)
Os primeiros, explica ele - crim ina le via , cjnotídUuni, reitinlti
- não tiram a vida da alma que permanece unida a I )eus \ma
se a cr ja tura, não contra Deus, mas fora dele. Portanto, <l« * nao
acarretam a danação e são remidos pela oração, o jejum » a*
esmolas. Os segundos, em com pensação - crim ina ietdlhà
mortífera - , são incompatíveis com a graça que eles extlngimiHj
fazem perder o direito ao céu adquirido pelo batismo e nó |•••
dem ser remidos pela Igreja em virtude cio podei das « Imv* *
dado a São Pedro. Assim é estabelecida doravante uma deiibii
368
it. ii i ,11).'i<>luta entre duas eutcgt u Ias •Ir |m m li »*. i <>nl< >rme eles
mm n\am ou nào o fogo eterno.'"
I ntretanto, a questão da natureza «l<>pecado venial conti-
mtMii ,i provocar debate. Santo Anselmo e Abelardo principal'
m» ule Interrogaram-se sobre ela. Daí a grande súmula de Santo
i ui r. de Aqíilno que confirmou e esclareceu a clistinçào esta
la In Ida por Santo Agostinho. Todo ato voluntário, explica San
io banas, e necessariamente ordenado a um fim último. Ora, a
l illa venial nào é aplicada a um mau fim último (sem o que ela
■ila nu alai), mas ela nào é redutível a um fim último bom (por-
ipn i nlào nao haveria pecado). Segue-se daí que o p ecad o ,ve
nid passa ao lado da lei (praeter legem), sem realmente contra-
.11 11 ,10 passo que o pecado mortal é totalmente dirigido con
tri a Ir I (slmpllciter contra legem), lile é então um pecado com-
pli to ao passo que o outro é um pecado inacabado. Sem dúvi-
il i * sir pode ser uma disposição para os pecados mortais, e seu
ob|rio r sempre "desregrado”, mas ele não é produzido pela ,
mullí Ia", Ademais, um pecado cie surpresa jamais é mortal e,
Mili i da Idade do discernimento, a criança não comete nem pe-
ti Io mortal nem pecado venial."0 Muitos teólogos e moralistas
• Holli os, desde a Idade Média até uma época recente, pensa-
\iiin que a divisão dos pecados entre as duas grandes categorias
•I' "nuMiais” e de “veniais” elaborada por Santo Agostinho e San-
lo lomas linha esgotado a questão do mal moral. Entretanto, o
inundo ( irlodoxo a ignorou, ao passo que a Igreja latina atribuiu-
IIa' tuna importância enorme já que impôs contar em confissão
linios os pecados mortais.
Com o récuo do tempo, parece que a distinção mortal-ve-
iii il so assumiu toda sua importância com o IV Concilio de La-
liao ( 12IS) que obrigou a confessar todos os "pecados mortais”,
l ii iiavante, foi necessário decidir em cada caso concreto se cada
pi i ado era mortal ou venial.
:{f>!)
os regimes penitenciáis
Ao mesmo lempo em cpie esclarecia su a doutrina do pi
cado, ti Igreja elaborava, a|)ds longas hesitardes, urna pian» a di!
confissão e da penitência. Três regimes penitenciáis suu di i mi
se ao longo das épocas." No antigo costume, a conllssa»» don p»
cados era feita ao hispo sob urna forma que ignoramos Sem dita,
vicia, ela nao era pública, mas o processo penitencial, slm Noli i|
controle do bispo, era a comunidade que admitia o peí ndilf M
rol dos peniténtes, -mais freqüentemenle. no inicio da »|iiai» ‘m iili
e o reconciliava na Quinta-feira Santa. Rituais solenes man ilVttj]|
a admissão à penitencia. Durante seu estágio de cxplaváo, os pm
cadores eram relegados a um lugar inferior na igreja. A m »un ||
liação era proclamada diante da assembléia reunida que oiilVtq
chorava, gemia pelos penitentes. Mesmo reconciliad!>s, eM» p-•.
maneciam até o fim da vida sob o efeito de proiblyòes: |o •>d>n ». i
de víver urna vida matrimonial normal, de casar se ou l» ii'nai .1 1 1
sar-se, de ocupar cargos públicos, de pleitear em juslK a. «le 1 » 1
cer um comércio, d e tornar-se diácono, presbítero ou hispo
clérigos não podiam beneficiar-se da reconciliarão, ( ),s otiIniM (¿f
eram autorizados a ela urna vez na vida. Assim, os liéis liigMiil
da penitência e na maioria das vezes só recorriam a ela as vlujl
nhanças da m’orte. De fato, esse sistema, como diz (!, Vngt I d»
sembocava num “vazio penitencial” e num “deserto e.spiiiiu il
41. Ver a esse respeito VOGEL, C. Pécheur etpénitence data /'lyjn> mHf
Paris: Le Cerf, 1966; Le Pécheur et ia pénitence au Aloyen Age l\ui l 1 i|
1969 e os “L ibri paenitentiales”, Tournai, Casterman, 1978 (t mu 1 »n 11 * » M*
bliografia). VAN LAARHOVEN, J. “Een Geschicdcim van 1 I1 biu ln> (ib 1 *
(Urna historia do confessor) em Tijdschrifí voor Thtologie, Vil. I'N, p I »
422. Uma análise crítica foi apresentada no meu seminário por WM I I' H’r ||
W.; REKKINGER, E “Die Geschichte der Beichtc in Sticlnvórin" •111 / l/r |r«
regung, 1970, caderno n. 3; HERRERQ, Z. “La Penitencia v mi» Iuiiim» I'#*»
men de su evolución histórica” cm Istiidios angustiaos, 19/,’ , p. Mt | » »*<
225. De maneira mais geral, sobre a história da penitíiu í.» >I noiail mil ||H
LEA, H. C. A History o f Auricular Confesslon and Indúlgeme* /</ //*» / «mi
Church, Filadélfia, 1896, 3 v. WATKINS, 0 . 1). A IUstory o f Péname, * v , I h))É
dres, 1920; ANC d.Al IX, P l a Théotogie du saem nent tle /lénllem e ao \tf iff
ele, Paris, 1949; POSGHMANN, B. Penante and ihe Anohtlmy ,*/ dn
New York, 1964 e .»•■ obras já citadas de ZÕCKLER, O, e MI (>< 'MI II I 11,
W. M.; BHRRC)l IAUI), M, l'r. "1 .1 Péritcncc publique diirain Ir» «,1 pn nt| |
sièclcs. Hlítolrc ei mu lologíc" cm l a M aisonD ieiti, n. 118, 19 1 , p 'U |til
:i7()
Non indos monásticos dos séi u l<»*• i" r desenvolveu-se
Io i igie-atlva mente o secundo grou penlteiu l.il e apareceu uní per
agem novo, o diretor ou pul espliltu.il, ao qual anacoretas e
II nolilias sentiam necessidade de conflar-se. A partir daí, estamos
i •amlnho tia confissão particular, lila se desenvolverá logo de
pob nos mosteiros celtas e anglo-saxóes que parecem jamais ter
11 tullecido a penitência antiga, e é graças aós missionários vindos
d is ilhas que ela se imporá progresivam ente sobre o continente
i p iitli d o século 7o e para o conjunto da população.
Ibdavla, ate meados do século 12, a confissão é apenas
um dos meios para a remissão dos pecados ao lado da oração,
da i .'«mola e dos jejuns. As características do novo regime peni-
h in ui sao as seguintes: todos os pecadores, clérigos ou leigos,
pod« in reconciliar-se tantas vezes quantas pecaram. O pecador
dlilge se em particular a um padre (e não mais ao'bispo apenas).
I • perdão todavia só é obtido quando as tarefas penitenciais
........ . a c o e s diversas, esmolas, etc.) foram cumpridas. Todo o
......... . .o de reconciliação é secreto. Desaparecem as vestimentas'
l" i lal.s dos pecadores è seu lugar particular nos ofícios religio-
*■i*. Uma vez cumprida a penitência, eles nãò são objeto de ne
nhuma proibição. [Entretanto, a penitência pública subsiste para
0 pi ■( ,ul(>s graves públicos. A Renascença carolíngia por sinal es-
II iii ,i se para voltar a dar-lhe importância.
<) novo sistema foi chamado de “penitência tarifada”. Com
1 h lio, o confessor aparece aqui sobretudo como um juiz que in-
li itoga, investiga e pronuncia a sentença, depois de avaliar os
p« t ad« ».s. Ide tem necessidade portanto .de listas de casos com as
m< i ii vi correspondentes. São os famosos “Penitenciais” que apa
d 11 ui nas ilhas no século 6°, passam para o continente no 7° e
;i7 i
*K* |e|um conlinuo ou pela recllaçái >dr .*> livros de sal nu >•. ou p.i
cerlo número t k • chibatadas) o sobretudo a "rtVíuuuV sob i. <mil
de numerário ou de missas rezadas para Uns penlleiu lals r 11||)|
preço era lixado. Os ricos podiam evidentemente lonsrgtili pMfifc
mutas que eram impossiveis para os pobres, obrigados a * s p l«
pessoalmente. Ademais, o sistema'da penitência tablada mim lt|
rava mais o pecado material do que a inlençáo c mais i .*p|)|l
ção concreta do que a contrição, Portante), ele, por sua ve*, da
semboéava num impasse.
O corretivo veio de uma evolução psicológica « n h•>iim||
que se afirmou, ela também, nos meios monástlc» >s » dei....... ..
a um valor novo que á antiguidade greco-romana nao i onlu i Mj
o arrependimento redentor.*2Nos séculos 9" 1 I, Sa«>Nilo ti <
imialdo, São Pedro Damiào, apóstolos do coiili'iii/ilth HiHItffÊ
pregam com ardor uma conversão dramática c transi» aniaili m 11
quál'eles próprios tiveram a experiência.*' Depois, no se. u|o ||.
Abelardo, Santo Anselmo, Ilugues de Saint-VIelor Insistem («nbtff
a consciência, a intenção, a vergonha necessária, as lagí lutas É|
Pedro depois que ele renegou João. fissés teólogo-, . 1.. .. o u. n (»|
nismo que põem em destaque a responsabilidade d. > p. nlli uh
são ao mesmo tempo - e é lógico - filósofos da llbetdadi IttlllM
na." Menção particular deve ser feita aqui a Abelardo l'Miqiti t
ele, escreve Jacques Le Goff, quem, “sob uma forma t-lnU i.id
desloca o centro da penitência da sanção exterlot paia i ii|illi
ção interior e abre ao homem, pela análise das inlençt. . . . . . mm
po da psicologia moderna”.*s No que ele se opòe a Sito M. ttlHlfl
cio, mais tradicionalista, que certamente insiste sobre i ............
ção da confissao.e do remorso salutar, mas declara qm- o pmg
dor não tem desculpa e que a indiferença ou a IgnorOru Ia Miti» h
minui o pecado."
t ; Ó V . V . ■: % '4
6
5
3
2
42. Cf. a esse. respeito PAYEN, J. Ch. Le M otifd u refienlir dau\ /,/ A•
fi-ançaise'm édiévale {des origines à 1230). Genèvc: Droz, 1%H,
43. Ibid., p. 33-34.
44. Ibid., p. 36-69.
45. LE GOFF, L. “Au Moyen Age: temps de I'tigli.se et lemps tlu m ... I..i.,I
em Anuales Ê.S.C., 1960, p. 429, republicado cm 1'our nn ature Mi<h'H
Paris, Gallimard, 1978.
46. DELHAYE, Pli. Le Problhne de Ia consciente monde ches utlnt ti>>
Namtir, 1957 {Ana/ecta, m ediaevalia namurcensia, n. ')), sobimi.l.. ... qt ili
PAYEN, J. Ch. l.e m otifdu rep eti i ir ,,., p, 63-66.
Ni i,*» seeulo.s 10" I I, aparecem as |>rliiH*lr.i*««>i.k t >c*s f>n>/)c-
iiihnh hu rlnifinun (Ligrimas de arrependimento, entende-se)
i|iii upeiem uma doutrina e uma prática dos monges do Oriente.
mm „ , uln 12, o monge de Cluny, hierre de Celle Cf 1183), que
i i pispo de ( '.Parires, dirá que as lágrimas sào o pão da alma ar-
11•|o ui lida: elas extinguen! o fogo das paixões, sufocam os vícios,
ipagam os pecados, amolecem o coração, irrigam os bons pro-
p o lios, fecundam as virtudes, atraem a misericordia e a benevo-
h io Ia de Deus.'" Logo se passará da contrição transformadora
paia a »onflssáo freqüente. Mas durante séculos não se deixará
ui im de lalar da “com punçào” (o conhecimento de si mesmo
m i n o peí ador) e é lançada agora a idéia, contra a penitência ta-
iil id.i, d e (|iie a humilhação e a vergonha inerentes à confissão
i mi, ili n e m por si mesmas a expiação propriamente dita. Daí a
|nn igem para o terceiro regime penitencial que concede a ab-
i ils h a o Imedlatamenté após a confissão. Estando já cumprida a
gHpl i* ao com a “confissão”, não há mais razão para adiar o per-
dao \ enlase doravante é sobre essa própria confissão (elá-aca-
liii |ioi designar todo o processo penitencial), portanto sobre o
» silmc de consciência.
Uma prática regular deste último, prova de lucidez e de
i sii'ciu |,i moral, devia logicamente levar ao abandono do contri-
ih mismo (|tie é “contraditório à prática da confissão freqüente.
• m111 eleito, ele supõe que a penitência seja bastante rara para
i|ih o penitente se deixe impressionar; supõe também a confis-
itlo de pecados graves cuja lembrança seja capaz de abalar aque-
I. 111ie os confessa”.*8 O progresso da interiorização no estágio
dos teólogos e dos monges levou então a Igreja, no IV Concilio
d* I ali.lo ( 12 1S), a impor a todos os fiéis (canon XXI) uma prá-
l|i i que, sem dúvida, já devia estar em vigor num lugar ou hou-
11o 1 a confissão anual obrigatória de cada cristão ao vigário da
P in >qui.i - uma decisão capital na história das mentalidades e da
vida cotidiana (suavizada, é bem verdade, na prática’pela. ação
373
chis ordens mendicantes, milis tarde pela dos missionários di* in
terlor), Verlos concilios regionais agravaram alucia iVutls un impe«
raíl vos de Litráu i" e Impuseram três confissões atuiu is,
Essa evolução para a eulpublllzaçáo cru/ava se mm uiitng
que tendia, na mesma época, a lixar a teologia dos sacratUPIlU*
e a aumentar por reflexo os poderes tio clero. Pela aloulv ¡ i
dada ao pecador arrependido e t|ue deseja emendar se, u padu
não somente concede o perdào mais ainda confere múltipla'* gm
ças que vão ajudar o penitente a manter-se no bom camluln iqii
reencontrou. Poder realmente enorme do homem de Deus, quM
é o canal através do qual age toda a Igreja enquanto c o q ........
tico e comunhão dos santos. Só ele doravante concede a almol
Vição (enquanto, as canções de gesta atestavam certo iim i da ......
fissão feita a leigos), e essa absolvição é fonte direta de giat, 11
Existe então, mediante a ação cio padre, uma eficácia do sai fm
mento por si mesmo (ex opere opéralo) . \l dessa maneira <|iu m
to Tomás de Aquino expõe a doutrina da penitência que vai Im
por-se como oficial.50
Será que o preceito da confissão anual implicava, nu *mpi
rito dos Padres conciliares, uma afirmação doutrinai sobre i m
cessidade da confissão em geral? Parece que não. A maloiia di
via pensar ainda com o os canonistas da época que u <unlh.au
auricular é obrigatória somente em virtude de uma iradlt, tu da
Igreja latina. Razão pela qual a Igreja grega, que tem oiltrtt Ihlfl»
çâo, não a impõe, da mesma maneira que não obriga os pitdh H
ao celibato e não consagra o pão ázimo, mas o pão fermentado
Em compensação, desde a geração de Santo Tomás, os teulugu|
apresentaram a obrigação da confissão como de “direito dlv Inu ,
isto é, de instituição divina, o que foi confirmado pelo < mu illo
de Trento (sessões XIV, cap. V).
Ao tomar a decisão de 1215, a mestra Igreja tinha em vl
ta evidentes objetivos pastorais. Ela queria não somente destMll
volver a prática d o exame de consciência, mas também prnultlf
ao confessor julgar os conhecimentos religiosos dos fiéis e dtll
lhe a oportunidade de catequizar estes últimos durante o Inli i
rogatório e o diálogo com os penitentes método slngul.imn n
te eficaz de aculturação religiosa. Em contrapartida, a obdgiit i*»
da confissão anual fornecia doravante ao clero um melo d< pu
são considerável sobre as almas. Daí, no segundo Nonum * « , t,i
\m
m retrato satírico de falso Nemhlanu , MinIc .Mti hipócrita
-!• poder enorme que admite: "lí pela salvavdo das almas /'ln
I» n o g o senhores e senhoras / lí sohre todas as suas manias, / As
Innpiledades e as vidas”.MKm segundo lugar, a nova teologia da
I" iillèncla, ampliando o papel do padre, corria o risco de dimi-
11M11 ii do pecador e sua necessária contrição. Como a ênfase era
dada piliu lpalmente à confissão - o Concilio de Tiento formu-
I ml mais tarde a obrigação de enumerar todos os pecados mor-
i a . será que se podia insistir também sobre as intenções que
Unham levado o pecador ao erro? O novo sistema penitencial
mi|matava então um perigo de formalismo e de juriclicidacle na
medida em que muitas pessoas, sem se preparar suficientefnen-
i> paia a recepção do sacramento por meio de exercícios espiri-
iii ii.. procuraram sobretudo acertar as contas com a Igreja. En-
llni, havia aí uma obrigação à qual, no regime cia “cristanclacle”,
IIai * era possível escapar.
52. Esses esclarecimentos e os que seguem cm MIC 'I IAl U > ( )l i.U 11III I1
Sommes dc cdsuhti<]ue et manurh de eonjhsion au Aloyen Aye (XII \ 1 / i /, > V f
Louvain, 1962 {Ana¡ceta meditievalia narnutrentia, n. lã). Vri i.imlnm hh In
dicações dn notn 60 próxima.
53. Ibkl., p. 40.
54. Ibkl.» p .') I i V
:i7b
11hl.i ,i mui pastoral de crlslIanl/iKao sobre .1 culpabllizaçao. As
«ln1, podemos com toda a razão slmai no Início do século 13
uma cesura capital na história d.i crlsiajulade, já que nos seis
tinos 1210 I2IS coincidiram a criação dos franciscanos, a dos
dominicanos e o IV Concilio de Patrão.
I)e certa maneira, as “Sumas casuísticas” aparecem como
uma produção internacional: elas sào redigidas na Espanha, na
\li manha, na França, na Itália. Mas as fronteiras são fluidas na
•pm a. Na realidade, todas essas obras latinas saem de um meio
homogêneo: o dos monges mendicantes para os quais a Europa
• ainda ierra de missão. Lembremos aqui apenas as obras prin-
. Ipal.s dessa literatura no período anterior a 1378: a Sum m a con -
/ i'sn*ovn i (por volta de 1290) do dominicano alemão Jeah de Fri-
liiiuni, a Sum m a elepoenitentia (1295-1302) do franciscano Jean
di ilurl, remanejada por outro franciscano, Durand de Cham
pagne; ,1 mortu mental Sum m a Astesana (por volta de 1317) com-
111nía pelo franciscano Astesánus d’Asti; a mais breve Sum m a ele
. lUlhus conscientiae (1338) devida ao dominicano Barthélémy
l. risa (daí o nome de Pisanellap enfim o Supplemenlum
m i n ) ,1 Pisanella redigido pelo franciscano Nicoló d’Ausimo
i|iii acrescentou referências à obra de seu predecessor, conside-
Iiida breve demais.
A preocupação primeira dos “sumistas” foi ajudar os-con-
h »res em confronto com a diversidade dos casos especiais, in-
dli nulo llies com o interrogar q penitente (notadamente sobre os
|h « ai los capitais), como guiá-lo no seu exame de consciência,
....... esc larecer os móveis e as circunstancias, e assim avaliar a
giavldade do pecado, como vencer os obstáculos (medo, vergo-
nha, presunção, desespero) que se opõem a urna boa confissão.
Mas os redatores de /sum as”, a com eçar por Raimond de Peña-
IImI, rram canonistas. Eles viam nos confessores verdadeiros juí-
1 ■. sediados no “tribunal” da penitência e encarregados pela
Igicja do "julgamento das almas”. No seu espírito, pecado signi-
In .1\. 1 transgressão da lei (divina, eclesiástica ou civil) e seu dis-
I m •.(> funcionou em torno das duas categorias, do “lícito” e do
iln Um", Daí a contribuição maciça do direito em suas obras e
ai.i’t c<aislantes referências a textos legislativos que deram às suas
palavras uma tonalidade muitas vezes negativa e repressiva. As
Mimas" esvaziaram então progressivamente as preocupações
IIr.ii irais, Elas foram cada vez menos guias práticos para uso dos
11 uilrssores e suas ovelhas e cada vez mais obras autônomas ex-
M77
pondo nina disciplina difícil - ti dos "cu,sos", cía proprla < au lia
mente libada .u ><llrelu><anónlr» >, l.ssa nov;i ciência tornou ■>< t ili
jeto de ensillo e cngajou-sc mima especulação cada ve/, mals te
finada e exaustiva, () número de "casos” examinados transí» u
mou-se em bola de neve e, para resolvê-los, os sabios animen
apoiaram-se num número crescente de autoridades (ainlorlla
tes), de demonstrações ( regiones) e decisões jurídicas (jura),
O Grande Cisma deleve por algum tempo a produçá» >di
sa categoria de obras. Mas ela foi retomada com vigor ainda
maior por volta de 1500ss com as “Sumas” sucessivamente pul di
cadas pelos franciscanos Battista de Salis (1480-1490) e Auge de
Chiavasso (mesma década) e pelos dominicanos Sylvestrc Prleilas
(por volta de 1516), Jean Cagnazzo de Taggia (1517) e o ivlrlm
Cajétan (1525). Com exceção desta última, que pretendía sei Im
ve e relativamente poúco jurídica, as “Sumas” dessa nova serle
(exclusivamente italianas), malgrado certas veleidades pastoral*,
acentuam as características de erudição e tecnicidade ja notad t
no período anterior ao Grande Cisma. Particularmente revelad»»
ra nesse sentido é a Sutnma sum m arum de Prierias com ambl
ções enciclopédicas. O autor declara ter utilizado os trabalh» > <k
48 teólogos, 113 juristas e 18 “sumistas”. Mas Jean Cagnazzo de
Taggia vai além, já que aumenta de mais ou menos 20% o minir
lo de autores citados e de artigos: exagero de um saber que pie
tendía basear-se em casos concretOvS mas que tinha perdido o
contato com a realidade. Esses lembretes fazem compreendei
melhor a hostilidade de Lutero ao direito canônico, "adversado
de Deus”, e sua tomada de posição, notadamente no D e ('a/>tlrl
tate babylonica , não contra a confissão, mas contra o uso qiu a
Igreja fazia dela. Para ele, o sacramento da penitência tinha se
tornado o mais poderoso instrumentó de dominação da hicrui*»
quia romana.56Entre os negociadores romanos que não consegui
ram entender-se com ele encontramos precisamente Cajétan e
Prierias. Na fogueira de dezembro de 1520, o Reformador jogou,
ao mesmo tempo que a bula Exsurge Dom ine, a Sum m a cingeli
ca de Ange cie Chiavasso que ele chamou de Diabólica o que a
seu ver encarnava todos os defeitos da prática penitencial caióll
ca. Depois do Concilio de Trento, florescerá uma nova casuística
:J7H
mi 'hit') ji iridien Inspirada por <nitro espída» ( ionio n di relio caía >
nr o lomuda respostas cada ve/ menos .ide(|iiadas para situ a re s
urn as na,si Idas da transformação da soeledade, serão feitas refe-
i* tu la*, náo mais a Icis escritas apenas, mas também a urna lei
un nal Inscrita na consciência; será desenvolvida ao mesmo tem
po a noção de circunstâncias atenuantes.
Mesmo se a contribuição do direito, por níveis sucessivos,
Inlliienclou durante séculos a teologia e a prática da penitência,
I........Iu n irse na segunda categoria de obras - os “Manuais de
i nnlksao" preocupações mais nitidamente pastorais. Trata-se
di ».ia ve/, do século 13 ao início do 16, de uma enorme ljteratu-
i i •mde numerosos livros anônimos convivem com os escritos de
pi nonagens célebres. Entre os primeiros, cabe um lugar particu*-
I ii a<» M anual cios pecados, obra anglo-normanda composta na
i gimda metade do século 13 "' Hntre os segundos, encontramos
coladamente a Sum a cio Rei, tratado de moral destinado a facili
llo i» exame de consciência, devido ao pregador Laurent, confes-
111 do Uel da I'rança, lili pe 111, o Ousado, e composto por volta
li I *H() a pedido do próprio soberano;58o Specchio delia vem pe-
uilriica do dominicano Jacques Passavanti de Florença (f 1357);
i n iluls tratados complementares um do outro (Lum en confesso-
inm e Moilus confitendi) do beneditino espanhol André cl’Esco-
b.ii (| I 127>, o Specchio delia confessione e o Renovam ini do
I i .iik Isca no Sao Bernardino de Sièna (f 1444), três opúsculos do
<|i iinlnlc ano Santo Antonino de Florença (f 1459): O m nis morta
hum cura; duram Ulitis habe; Confessionale, que precederam sua
. i uule Suma teológica. Esta última constituiu a primeira obra de
h ulogla moral” redigida na Europa cristã e pretendia ser “ciên
' Ia diretiva da conduta humana”.59Fora dos países mediterrâneos,
i r, principais títulos foram o D e Confessione de Henri Langensteln
i| I.V)7), o M am ulle confessorum do dominicano Jean Nldei
II I i4H), autor aliás do célebre Form icarius dirigido contra as lei
ilielius, o ’l'ractatus de confessione de Matthieu de Cracovia
¡1711
(f MIO), e do chancelei (l.i I Inlversldade ck* Paris, Jcmii ( ieison,
o Espelho da alma e Ihi (.'ou/hsdo «|Uf d e juntou cm I KM a
de bem morrer num U rro dos hvs /tartes. I )uas obras Inlnin» dl»l
rias entre "sumas” e "manuais" merecem uma menção p.iiihul.M
em razào cia audiênc ia c|iie granjearam. Trata se cio .Manl/inhM
curatorum de Guy de Monlrocher, vigário em Teruel n<> *ui »||l
14, e cio Confessionale do humanista neerlandés ( iode*.» al* Momm
mondt, contemporâneo de Erasmo e de I,útero.'"
Como as “Sumas cie casos”, os mais conhecidos "Manual*»
de confissão” foram com frequência redigidos poi idlglo*n<t
oriundos cias ordens mendicantes. K mais uma prova de mm
preocupação em encarregar-se da direção da obra c iisilanl. ad»t
ra. Por outro laclo, como anteriormente, essa produção inli m»
cional permanece muito homogênea porque reflete as pico» upa
ções pedagógicas que se desenvolvem nã época dentro da paiin
mais militante da Igreja. Alguns “Manuais de confissão" são maio
especialmente destinados aos padres que eles se esfop im |<m
guiar na administração do sacramento da penitência, I o chmii p il|
exemplo cio Confessionale de Santo Antonino e do Mauuule >oit
fessom m cie Jean Nicler que contêm, tanto um como outro, dlnlfl
tivas para o interrogatório do penitente, a maneira de a< misdliã
lo, a satisfação a prescrever, a maneira de administrai a alnohl
ção. Quanto ao Tractatus ele Matthieu de Cracovia, ele e i< dial
cio sobretudo para uso daqueles que devem confessai u ligio
daí as precisões sobre os pecados contra os votos e as regina \l »
vida conventual.
Em contrapartida, outras obras visam expressa menk* »•»
público dos fiéis. O prólogo do M a n u a l dos pecados anum Ia i hk
ramente: “Pará a leiga gente é feito”. Outros autores e.st I ............
que escrevem para amueles “que não são gramáticos", "que ii-lu
sabem de clerezia”, “Para aqueles que não sabem nada n* m d.
literatura nem de clerezia”.01 Estas últimas fórmulas devem m i eil*
: i hi
rucia a ralla i <andida, Sanio Ante mino, Pac ifico ele* Novara e, na ex
telni deles, inultos redatores de* "Manual,s" anónimos Integram >10
exame de e<>n,si léñela considerações relativas ao eslatulo pmlh
sional ele) penitente e* a seus deveres de estado,1" Mas sobretudo a
mania escolástica da subdivisão, sua propensão a categorizar, n
finar e complicar levam, em parlicúlar nos "Manuais" anónimos, a
uma inflação prodigiosa do número de* pecados. I\ssa evolu^ito
encontra, confirma e acentua um movimento mais ampie >t pu leva
uma civilização inquieta a debruçar-se cada vez mals sobre a •ul
pabilidade. A partir daí, o interrogatorio do penitente januilft sent
considerado com o suficientemente exaustivo, nem o exame de
consciência suficientemente minucioso. Percebe-se ¡sso pela leí
tura de unía Confessio genera lis, brevis et utilis que enumt u pi 1
ordem de gravidade crescente, os diferentes pecados .sexual*»
um assunto sobre o qual a Igreja sempre quis que" os fieis I» »*e«i m
muito vigilantes e sobre o qual voltaremos no capítulo segullIU
j As dezesseis categorias de pecados se apresentam assim: I ) o be|
jo impuro; 2) o toque impuro; 3) a fornicaçãp; i) a llbertlmtg» m
geralmente entendida com o a sedução de uma virgem; S) o adtll
tério simples.(quando um só dos parceiros é casado); 6) o adtll
tério duplo (quanclo os dois parceiros são casados); 7) o *,a« lili'
gio voluntário (quando um dos parceiros pronunciou votos n ll
giosos); 8) o rapto e a violação de uma virgem; 9) o rapl<) e a viu
lação de uma mulher casada (pecado mais grave que o pr< u d* n
te já ‘que se complica de um adultério); 10) o rapto c .1 vlol \\ 10
de urna freira; 11) o incesto; 12) a masturbação, primeiro tios pi
cáelos contra a natureza; 13) as posições inconvenientes (mesmo
entre esposos); 14) ás relações sexuais não naturais; 13) .1 moiIh
mia; 16). a bestialidade.
Certos “Manuais” se transformam assim numa longa II 1 1
de todos os pecados possíveis, a qual, como acabamos d< \» 1
pelo exemplo anterior, toma o nome de cofi/vssio gez/e/v///s l ■ <
termo pode designar, em Gerson por exemplo, uma conll 10
que abrange toda a vida do penitente desde a idade da m/ílo
Mas nos séculos 14 e IS, ele designa, sobretudo, as longa.*........
merações de pecados ofci;ecidas aos confessores para qiu 1 li645
: ím: i
i apiesçntem por .sini v e / an.s priillcnh Neslr caso, sobredi
•lo, InlervCm refinamuñios e desdnbinmvntos,"" llin datado inti*
miado (Juta circa confessionem enum ua I >.-S pecados dp pensa-
un nio, de palavra, de ação e de omissão. I lm outro Primo con-
m> ir* dvht'i identifica 168 faltas e 106 deficiencias pecaminosas,
l m lereclro, Confessio generalís exigít, divide os pecados em
lina .10 de sua oposição às virtudes e descobre assim 92 tipos ele
l illas A Interrogação do Tractatumpraesentem divide o exame
d. . ada uní dos dez mandamentos a partir do quarto em três
paid i que comportam cada uma, em média, de oito a dez peca
dos () que não impede em seguida urna lista dos pecados mor-
i ils . om suas “filhas”,e a enumeração de uma quinzena de fal-
i 11 dis ei sãs. Ksse excesso de sutileza faz compreender o protes
to ulterior de hulero contra essas “eXcogitações de charlatões”
lm lm a lulo se o espirito
383
nunca sera demais e úlpa blllxar se, I > i <j i u■ "e iin iü colsa mu, giii
ve v potigosa, esquecer i u 11 'iilfinfnlt* seus pecados....
Examinar s e cuidadosamente s o e possível quando wi» mi
nhecem todas as artimanhas pelas (|iials o Maligno, adaptando
sua tática ¿i personalidade de cada um, pode zomba i das ínclito
res intenções e arrastar para o pis ado a alma mals bem dlspo^i i
mas insuficientemente lúcida sobre si mesma. Assim, (leisnit ps
dige (em francés) um Tratado das diversas tentações do Ininneo "
no qual, com urna grande acuicladé psicológica, eselarei e ...........i
tiplos> deslizes pelos quais alguém se toma pecador acredlttflltli
ser virtuoso. Para isso, ele estuda nada menos que '->Mcasou ou
“tentações” durante os quais essa conversão do bem em mal i nr*
re o risco de operar-se quase sem nosso conheeimeni" I’••* o
zes, o Inimigo deixa de nos tentar durante um certo tem|........
de adormecer nossa vigilância. Ele encoraja alguém a empinen
der “altas e fortes obras de virtudes”, sabendo que ele u.m pode
rá levá-las a bom termo e afundará na tristeza. A outro <1. . n\ ia
“dores muito grandes e maravilhosas em forma de devoção a lim
de que a'pessoa sinta o maior prazer em tais dores e só qiinlhl
amar a Deus ou seivi-lo para tê-las” - uma tentação bem »oiiliti-
cida dos místicos. Uma outra vez, o Inimigo envia bons pendil
mentos a uma pessoa: não é para o bem, mas para Impedi |m de
rezar, por exemplo na missa. Ou ainda, “a pessoa arrepiMuJltlfl
pergunta se tem a boa vontade de nâo pecar jamais; e •> Inimigo
põe diante dela ... como ela é frágil e como por lautas vc/ ch ln
correu em pecado”. Gerson nào procura inquietar pot pia/» i l 'm
de seus opúsculos ensina O proveito de saber qu al o />e<. a<h tnov
tal e venial.71 Da mesma maneira, o Tratado das diversa s leahi
çôes pretende ser tranquilizador e coloca em face de i ada ninia
dilh.a satânica a defesa apropriada. Podemos entretanto i" .......
tar se esse refinamento na introspecção e essa incessante luiente
gaçào sobre si mesmo nào correm õ risco de levar a uma t 'pu«
cie de paralisia interior. Em todo caso, as obras morais d» ( int
son, considerando a sua audiência, exerceram um papel Impoi
tante na história do pecado no Ocidente.
69. G ER SO N , J. iiswnen de eonuúenee.... «I. KllicS Du Pin, 170o, II. |< i lii o l
70. G E R S O N , j.ih d tif dex diverses tentritlom de TEnnetni, UI , ( i l m l t um, \II
p. 343-359.
71. Ibiil.i p. 370 389.
: íh l
Para medir essa propaganda » ulpablll/udnia, alguns mime*
i " . ,,n> necessários, o lexto da Suma tio AV/ e conservado por
uma i entena de manuscritos,'-’ de/, d oh quais são traduções ingle-
sa»i <) M anipulas curatorum de (iuy de Montrocher deu lugar a
pi 111 menos 98 edições^no século IS e a uma dúzia no 16 (em
r ni., l oiulres, Veneza, Lovain e Anvers). Da Summa angélica, vi-
llpendlada por I,útero, conhecem-se 24 edições de incunábulòs
i impicss.is em Veneza, Lyon, Nuremberg e Estrasburgo) e 23 do
0 i ulo l(>. () Opus tripartitum de Gerson - 16 edições no século
1 . conheceu um sucesso duradouro até o século 18, com os
bl pus franceses continuando a recomendar sua leitura. Aparece-
lam traduções em flamengo, em sueco, em alemão e em espa-
uliul, not.idamente no México em 1544. As obras completas de
•icisi >n foram elas próprias impressas 10 vezes antes de 1521. Do
.i ii / >e modo au dien d i confessiones, foram assinalados 54 manus-
tiliu', Entretanto, os" dois “gigantes” no domínio da literatura
i i li slastk a consagrada ao pecado e à penitência foram André
•II siubar e Santo Antonino. Do primeiro, o M odus confitendi
I•\• •civa de 86 edições diferentes publicadas no século 15 em
' \ •idades da Europa, enquanto o Lumen confessomm, por seu
i idu, era difundido por 48 edições de incunábulòs. Quanto ao
• onfcsslonale de Santo Antonino, ele foi impresso 119 vezes no
»u •ulo 15 em 32 cidades.7 7
23
Essas obras de autores muito conhecidos não podem fazer
• n|iiccer'os tratados anônimos sobre a confissão que a imprensa
ignia espalha em profusão por toda a Europa: assim, na Alema
nha, i Miele hulero vai logo entrar em cena, o Fspelbo da confissão
do\ /u'uidores ( Peycht Spiegel der Sünder) publicado em Nurem-
bcig em 1510 e o M a n u a l para os padres das paróquias que al-
•uuça cerca de 15 edições no século 15 e três outras ainda em
I d .’. IS li. O primeiro, em língua vernácula, dirige-se aos fiéis:
|m\viii confessor, declara o autor, fui solicitado por vários peni-
i•ules a compor para os leigos um pequeno tratado sobre a con-
llssai)" (pie tem, entretanto, 200 páginas. O M an u al para os pa
do-\ das paróquias, ao contrário, é em latim, mas de escrita fácil
• manuseio cômodo. Ele parece ter sido, na Alemanha central
¡187
íícll'' pct'lU.loN <.ipllitls, I.OglCMIlK'Mte i’.sMil Ii dtfNcrlÇilO d,l dlVOl
re dos vicios r seguida d.i evocação eom Ilustrações das pt
ñas do inferno, comlnatõrla.s dos pecados", cuja conlrapurtklu á
a “ciência salutar o a árvorc ou campo das virtudes", Ao termo
dessa lição de moral tito detalhada, um diagrama hem es» ohhlh
co expõe a arquitetura da "torre de sapiência" em rujo pico se oí
um cadafalso e um enforcado: essa c a puniçào que espera o*
“maus”, Como as danças macabras das (|uais ele integra urna \co
são, o Composto e Calendário dos pastores ê um apele) uigeni. á
urna pronta confissão:
79. P 32v°.
80. MANDROU, R. De In eu/ture populaitv aiix XVII'-XVllI sièe/ru Io J
ed.), Stock, p. 44. BOLl.kMlí, ( I, Àbnttnuchspopuluires <m\ XVH o \l IIt
sièdes. Paris-La Hayc: Mentón, 1969.
81. Cf. O’CONNI‘1 I , l>,; I I1 tiOI;l;, |, les Propos de Siihit luuí\ l\uU*
Gallimard ("Archivo."), I*) ’ i. p, 142 bi-1.
82. ARNOUII), I•■I e Mente/ . p. S6‘) V/S. Umu alisto il*i Jditie de p,'nl
tunee fbl trio |>oi 11, bicynniim, TUbiiitycn, IH74.
11» t'\p ||u ! que nos.HU carne 0 um "espia" (um espião) que nos cs-
Ioi li.i r (|iic! nosso corpo não cessa tU■ nos combater com um exér-
•iim i |uc iom por ca piules Inveja, Ira, Avarc/a e, sobretudo, Orgu-
llii •• Arrogância. Alguém só pode "se vingar" de seus pecados pela
pt ullênela que compreende a contrição, a confissão e a satisfação.
\ amargura" ou contrição é como uma lixívia que exige cinza ati
va e longos movimentos da roupa suja. Tão logo o homem toma
t min léñela da extensão de seus erros, “tão logo os diga sem de
ntina" (,)ue ele remexa suas faltas como a lavadeira faz com a sua
milpa, I lina vez feita a confissão ao padre, que ele aceite de bom
Miado |e|uar (a arma suprema contra a carne) e realizar as outras
i iln i . de penitência que arrombam a poita da prisão onde o Inimi
go m.miem o homem cativo. Menos didáticos, mas mais comoven-
|i . são os (À)iií>cs de jean Bodel, o poeta leproso, que datam do iní-
i Io do século 13 e constituem talvez a mais antiga confissão literá-
tl,i em francês."' () trovador de Arras pecou: ele aproveitou mal os
pia/eies da vida. Deus, por meio de uma horrível doença, o leva
...... .. ai •arrependimento e o faz entrar numa “quaresma prolonga-
d i .■ uma "penosa semana” (isto é, uma Semana Santa) que se pro-
li 'iii' iia ale sua morte. Ele aceita esse sofrimento como uma expia-
•ao que deve levá-lo a Deus:
Ht, lliitl., p. 579-586. Cf. FOULON, Ch. L ’CEuvre de Jean Bodel. Paris: PUF,
I95H.
H i. Resumo do Voyage deparadis em DUFOURNET, J. Rutebeuf. Poésies. Pa- .
lis: 11. Champion, 1977. p. 74s.
lio ( Huillín, i Icm i’Mtlo mil HCglO vlllf, els ;l l'ilNil il.l Aviliv/i», l II
jos vassalos sao nebros, depols o domicilio ila Cólera "que •|io i
sempre cerrar os denles". Seus pilares sao (ellos ele odio e *UA
porta de tristeza. No fundo de um vale escuro, ele onde a luz de
sapareceu, esta escondida a Inveja, nao muito longe ele onde i *| i
instalada a Ociosidade, "a tia da preguiça". A alguns passos dali
'na estalagem do Acaso, vive (íulodice, "Irma ele Excesso" t„)uan
to a Luxúria, ela é vizinha próxima ele (iulodlce. (v)uem entia a
cavalo em sua casa, sai dela nu e sem sapatos, lila eleslról o col
po e a alma e cobra caro seus serviços, lóelo homem i,Motive)
deve então evitar esses maus domicílios e dirigir se sem desviou
à Cidade do Arrependimento onde a desgraça jamais t liega paia
ninguém. Essa cidade foi fundada após a ressurreição de < il lo
no dia de Pentecostés, no próprio lugar em que o Espirito Santo
veio à terra para inspirar aos apóstolos a conversão dos peilldiM
judeus. Ela é protegida por quatro boas portas que se chamatit
respectivamente Lembrança, Esperança-na-bondade do Sah id •
Medo e Verdadeiro Amor. Esta última dá acesso á casa d e ........
são que purifica tudo.
Essa estrada difícil que leva ao paraíso, Dante lambem i
segue naquela grandiosa epopéia de um tipo novo, a Plntim < n
média, que é a mais bela realização.literária da Idade Media I
sintomático que essa obra poderosa seja inteiramente base,ida so
bre o pecado, já que é a evocação dos castigos definitivo* ittl
provisórios daqueles que cederam ás tentações satánicas e das n
compensas* concedidas às almas de elite que resistiram a « Ia*
Desde o primeiro canto da Comédia, parece que o eamlnhi * pai i
a graça divina é barrado por três animais: a lupa (cupidez), a /<
za (luxúria), o lione (o orgulho). Dante foi o genial i . n u .......li
condenados, mas também dos eleitos do purgatório, l’oiqin i I.
não se contenta em descrever o banho ignóbil onde se eslinga
Tais encolhida, os túmulos de fogo onde estão aprisionado* «ia
que negam a imortalidade da alma ou o espetáculo alm Inanlg
dos autores de discórdia que exibem eternamente seus ««npi M
despedaçados. Ele reserva também duros suplícios aos Iniuio*
bem-aventurados purificados por algum tempo no purgali >rln Np
inferno, os coléricos são afogados na lama do Styx, os do pmg i
tório procuram com dificuldade seu fôlego na espessa Inmaçit
que enche o patamar em que se encontram, Os simonía* o-, dn
oitavo círculo são enfiados de cabeça para baixo na terra de que
foram ávidos, os avarentos e os pródigos do quinto patamai * »
Un estreitamento ligados ao solo No Inlerno, línguas de logo
* aun sobre os condenados por sodomía; no purgatório, um muro
di t liamas bloqueia os luxurlosos no sétimo patamar, homósse-
mials e heterossexuais juntos, Mesmo se o poeta, pela ficção de
uma viagem ao além, proporcionou a si mesmo cômodas oca-
iloes de vlngar-se de seus inimigos, é impossível nào colocar a
C u in o Com edia no centro da história do pecado no Ocidente,
olirruido (piando se leva em conta sua ampla difusão OS edi-
. i íes no século IS, 30 no 16), que nào é sinônimo todavia de urna
\udadelra compreensão por parte dos humanistas.85 Pela sua
nina prima, Dante demonstrava em todo caso que a culpabiliza-
i an iInlia se tornado desde o século 14, mesmo entre os leigos,
a glande preocupação da cultura dirigente.
I o que provam de outra maneira dos Contos de Canter-
bnry Nesta coletânea redigida por volta de 1386, o poeta escu-
d< ii'», que desposou urna dama de honra da rainha, ouviu os ser-
..... es de Wyx'lif e conheceu Froissart, pretendeu traçar urna vas-
ln quadro da sociedade inglesa de sua época. Ele evoca grandes
h ni lores e cavaleiros, clérigos e monjas., mercadores e campóne-
.i s, ira ha Unidores e ladrões, tendo com o quadro desse afresco a
peregrinação que todo ano atrai a Canterbury multidões de fiéis,
i »ia, o ultimo c/onto - mas será que é.de Chaucer? - é um trata-
dn mullo didático sobre a penitência, colocado na boca de um
■Igado de paróquia.*6 O caminho da salvação, declara ele, passa
pela penitência que é uma árvore cuja raiz é Contrição. Confis-
sao constitui seus ramos e folhas, Satisfação, o fruto, ficando en-
lendldo (|ite Arrependimento não concerne apenas os atos mas
lambem as intenções, não apenas os fatos mas também as pala-
vias A Contrição, que se acompanha de “maravilhosa angustia”,
de\ e durar tanto quanto a vida do homem. “Ela destrói a prisão
di i Inlerno, enerva e enfraquece as forças do diabo, restabelece
m dt ms d< i Espírito Santo”. O vigário do conto que leu Santo To-
ma,i de Aqulno, estabelece a mesma distinção que ele entre pe-
• ido mortal e pecado venial. No primeiro, “ama-se a criatura
mais que Jesus Cristo”; no segundo, “ama-se.Jesiis Cristo menos
dn que se deve", 'lomemos cuidado com a acumulação de peca-
:u)i
dos veníais: "I Iimii guilde o ik Iu do mur vrm as viv .cn mili Mó
gnmck* vloléndti que engole o navio. f. essa inesmu desgrana, *áu
íis vezes pequeñas golas de agua (|iic a proclu/.em, quatulo |m
netram na semina por uma estreita lenda e dai alé i> fundo dt*
navio, se os marinheiros nao cuidarem de esvaziar".
Segue uma analise detalhada dos peeados capitais e dio
remédios para combate los. I >c- Orgulho nascem laníos ramo«i
que “não há padre que os saiba enumerar". Mas Inveja é "o plo|
dos pecados porque, enquanto todos os outros pecado?....... uh •
tem uma virtude particular, Inveja combate todos". Coleta, pm
sua vez, “é a caldeira do diabo, que esquenta o logo tio Inh i
no”. Ela destrói todas as coisas espirituais, com o o logo dt tio|
as coisas terrestres. Preguiça sobrecarrega o homem c e pet ado
mortal porque o Livro diz: maldito seja aquele que fez, m gllgt ti
temente o serviço de Deus. A Avareza, concupiscencia do «oui
ção pelos bens da terra, é uma atitude ele idólatra, "so que o ido
latra por acaso nào tem mais do que um ídolo ou dol.s, enqutth
to o avarento tem varios. Porque todos os florins de sen mffl
são ídolos para ele”. Guloclice corrompeu o mundo, como mu \P
no pecado de Adão e Eva. Ela tem diversos galbos, e prlmelio a
Embriaguez que é “a sepultura da razão humana", lüs os oiilno,
segundo São Gregorio:
MiU
•.o Integra o casamento a coiilugi >si<> voltaremos a fular dlsso —
• mede com rigor os divertimentos dos leigos. Na ldadc Media,
a*, relações sexuais eram proibidas para as pessoas casadas du
rante as épocas de penitência coletiva quaresma, vigílias, nove
nas e triduos. Um jejum sem continência era apenas um meio-je-
|um, Alegrias da mesa e alegrias da cama eram consideradas
tom o companheiras. “Um cálculo rápido desses dias [de proibi-
i, ao| no calendario medieval, escreve Franco Chiovaro, leva á
11 inclusão que, durante quase a metade do ano, era necessário
abster-se de relações amorosas no casamento. Se a tudo. isso
acrescentarmos os períodos de menstruação é dé gravidez - três
meses antes e quarenta dias depois do parto - , deve-se dizer que
a malor parte do ano o amor era proibido entre os esposos.””-
No momento em que se esboça a modernidade européia,
a meditação sobre o pecado invade a consciência da elite culta e
se exprime principalmente no discurso poético. Numa célebre
paráfrase do Pater, o retórico Jean Molinet (1435-1507) desenvol
ve assim o versículo Debita nostra-.
1 '
Por falso olhar, língua gulosa,
Boca muito glutona e vadia
Tanto em falar como em carne,
Nossa pobre alma, vil e suja„
O curso da razão desborda...
MIM!
• no horizonte*: "O Dia do Julgamento m- aproxima de nós! /
•odio desprezou o perdáo dos pc*t ado\ luz ela graça, /as tre-
' i', i oíais / vilo logo nos mergulhar / numa noite opaca; / vai n o ss
d ohlecer / o que jamals se den: / a Ñau será logo / virada, de
quilha para o ar”.<r>
o territorio do
confessor
a iiiveja
A obrigação da confissão, decidida pelo IV Concilio de La-
11,1*> ( 1215), provoca urna enorme ampliação do poder e do ter-
i Hurlo do confessor, transformado agora em especialista ele casos
dr consciencia. Urna casuística ao mesmo tempo refinada e ma-
i ii ,i modificou profundamente as mentalidades huma civilização,
ela própria, em via cie transformação.
O estudo cie Maclame VincentrCassy consagrado à Inveja
ihi I''rança do século 13 ao 15 mostrou bem como os esforços da
Igreja, aliados à evolução econômica e social, levaram a uma to
mada de consciência coletiva daquele pecado capital, antes mal
percebido pela opinião média. Certamente que ele figurou muito
i edo na lista negra dos pecados maiores estabelecida pelos espe-
•lallslas da teologia moral. Mas muitas pessoas confundiam a in
veja com o ciúme amoroso e, antes do século 13, “com algumas
exceções, ela jamais é realmente reconhecida, nem nos manuscri
tos, nem na escultura, nem na pintura. Ninguém sabe representá-
la, porque é um pecado cujo conteúdo não se apreende”.1 Em
( ompensaçào, desde 1216-1219, nos estatutos sinodais de Angers,
do qual cada padre dessa diocese clevia em princípio possuir um
exemplar, encontra-se esta fórmula: “O confessor perguntará ao
penitente se ele se aflige ou é afligido pelas vantagens do próxi
m o, ou se ficou contente pelo seu infortúnio”.2 Por seu lado, San-
:ií)i)
to Tomás tic Aqulno mostra c|iic I.úelftT c os demônios so m iiii1
teram e com ctcm dois pecados: o orgulho c .1 Inveja. I! poi mgu
lho que eles desobedeceram a Deus. Mas sua decadenc ia eoush
te em ser dilacerados pelo terror da Inveja, uma ve/, que, poi um
lado, eles olham em vào para a direção do paraíso perdido e, ptit
outro lado, desesperam-se por ver-os homens chegando ao lui al
da felicidade, de qnde foram excluídos. Então eles procuram pela
tentação impedi-los de atingir o porto da salvaçao.'
O cistèrciense normando Guillaume de Digullevllle, <pu-
redige entre 1330 e 1358 um poema alegórico em três parle . 1Pe
regrinação da vida hum ana, Peregrinação da alma e Peregrina
ção de Jesu s Cristo), dá uma descrição evocalória da inveja. < oill
efeito, o peregrino que ele pòe em cena encontra uma velha mu
Iher macilenta que se arrasta como uma serpente. <)s dois daidi m
que seus olhos lançam são “furor pela alegria do próxlmc >" 1 tii
gria pela adversidade do próximo”. Ida carrega nos ombro1, li a
Ção c Detração. A primeira, perita em enganar, dissimula uma
faca e uma caixa de veneno. Ela morde sem latir, encolhe se na
relva como a serpente que espreita sua presa, l ia é prancha •ai
comida que se rompe sob oi> passos. “Detração” ( - maledlc ém Ia)
tem entre seus dentes a extremidade de uma espada que .ilrave»*
sa as Orelhas c|iie foram complacentes para as suas cruéis menti
ias. lia tem o rosto ensangüentado como o lobo que estrangul' itl
uma ovelha.' Essas descrições assumem toda a sua Importam la
<|uando se sabe c|ue as obras de Guillaume de Dlgullevllli •111
particular a Peregrinação da vid a hum an a, conheceram um vivo
m u esso até o século 16 e mesmo além. Porque a célebre I (agem
V. IbKl., p. 7H. < ’l. Sumi teológica, l\ guest. 63, art. 1 c li ll a qucM. 10, mi '
1. Ibiil., p, 71-73. Mine Vintenia ússy remete ao texto e iVs ininliutli.u á" m»
1130 ila Bibl. SaiiHc C¡cncvièvc.
400
I ). () tu mo so é empregadv>iluus vezes por Vlllehardouin e nao
ii encontram mais que seis menções nas 1500 páginas iri-4° que
icpiesenla a versão de 1225 ele Lint celóte do lago na edição de
Sununer. Durante a primeira metade do século 14, a situação não
muda em nada: nenhuma menção em Joinville, nenhuma em
|i m de Venette, duas apenas no cronista Guillaume de Nangis.
I ui compensação, registram-se 78 em Gilíes Li Muisis, abade de
Intimai, que escreve por volta do ano de 1350. Nas poesias de
I m.iachc Deschampa, inveja torna-se uma palavra-chave. No sé-
i iiln IS, o termo aparece 80 vezes em Monstrelet e 111 vezes em
1 liasicllain. Parece portanto que primeiro a Peste Negra, depois
ms acontecimentos trágicos dos anos 1380, aceleraram no plano
loleilvo uma identificação da inveja que antes só era clara nos
Hielos eclesiásticos.
( )utra pesquisa paralela à precedente e, desta vez, sobre a
li mingrafia da inveja na França durante o mesmo período chega
i et inclusões concordantes. Maclame Vincent-Cássy só descobre
11cs representações da inveja no século 13 e quatro no 14, mas
i • no 15. Mesmo se numerosas reconstruções de igrejas foram
uri essa rias depois da Guerra cie Cem Anos - o que pode expli-
• , i i parcialmente o último número - , impossível não encontrar na
s.lbid., p. 115-120.
(>. Ibiil., p. 121-131.
y.flml.. p. 161-249.
101
cio os nobrt'N *' os novos ricos, cm razão chi mcs.i suntuosa e dai
vestimentas Insólenles, Icv.mi os pobres ¡1 cobiçar seus bens 1 1
povo deseja ;is riquezas dos abastados ckif as revoltas do sn 11
lo 14 —ao mcsm< •tempo poi sinal c|ue cert<>s senhe>rcs empol ire
cidos denunciam o ritmo de vida oslenlatorio dos arrlvlstas I n
fim, ao termo dessa evolução c‘ enquanto "a frequência d.i pala
vra ‘inveja’ explode”, eis que ela é associada ao ckllo, A 1 obl\ 1
do poder leva efétivamente a ódios inexpiáveis revelados |" Io
Cisma dó Ocidente, as guerras civis da França e da Inglaterra, a
competição entre os duques de Borgonha de um lado, 0 os ivll
da França, do outro. Os homens torpam-se Caim uns paia o-, otl
tros. A inveja, contrária ao amor e à caridade - com o ja notava
Santo Tomás de Aquino - , é pior que a morte. Fia e uma d um
ção sobre a terra. O Composto e calendário dos pastores ludlvl
dualiza nada menos que 13 galhos, 39 “ramos” e I 17 folhageim
para a inveja e a iconografia na virada dos séculos IS e 16 dlviil
ga amplamente as imagens do castigo infernal que espera os Im
manos culpados desse pecado:
a luxúria
Tomemos de início 9 caso da luxúria. O setenario oíl» 1 4
a coloca em última posição. No Composto ... dos pastores , ,1
exemplo da gulodice, ela e divida cm ap en as 5 galhos, |5 ramos
e 45 brotos, enquanto esses números transformam-se respectiv a
mente em 20, 60 e IHO para a "avareza" (l.slo e, a cobiça) 1
classificação e essa relativa lalia de Interesse pela luxúria (e pela
gulodkv) constituem uma herança «Ia li/a.i miirora estabelecida
l»ui Kvágrlo, o Pôntlco, (juc* aronsclluva aoâ Mondes do deserto
i|iie começassem por vencer a guloilkr e a luxúria para em se-
(Milda atacar pouco a pouco c por ordem de dificuldade cresccn-
lt os vícios mais resistentes. Mas, no Início dos,tempos.mocler- \
n o s , n o espírito de muitos diretores de consciência da cristanda-
»l«•, ,i luxúria encerra uma gravidade que contradiz sua habitual
i ulocacào no fim da lista. Um penitencial anônimo dos anos
I |0() ensina que a fornicaçào é um pecado “mais detestável que
0 homicídio ou o roubo que não são substancial mente maus”.
1'oique, em caso de necessidade, somos autorizados a matar ou
1 roubar. Mas “ninguém pode fornicar conscientemente sem co
meter um pecado mortal”.8 Para os autores do Martelo das feiti-
>riras , que escrevem também no fim do século 15, “o mundo
esta cheio de adultérios e de fornicações sobretudo. entre os
principes e os ricos”; é o “tempo da mulher” e do “amor louco”
marcado para a desgraça de todos. É preciso suprimir pelo fogo
a mais grave das perversões heréticas - a feitiçaria: porque é o
picço a pagar pelo restabelecimento da ordem, primeiro no ní
vel da moralidade sexual.9 No D outrinai de sapiência (ed. de
f r u y e s , 1604), obra amplamente difundida, é dito da luxúria, co
lín. ida aliás na quarta posição dos pecados capitais contraria
mente a ordem mais frequente: *
f
4o a
do pcctidn tlr Imptiie/n. I lm pequeño linio e mu pequeño il» a
so de ( nieta Silo .tpcii.is pecados veníais; mus mu . •Ilt.ti lulitlt o §
um pensamento Impuro com a menor coinplacéiu l.i sao po oPm
moríais, que i oiulenam as chamas ciernas lullm, nao lia \|* lu
qye arraste um lito prodigioso número de almas aos luh num
como a impure/a. Infeliz daquele que for desse nUmeio 1
ior>
■retomada no "supIcMiienlo" <|ik • o Iranelxcano Nlcblo tlc* < ímIiiii »,
amigo e colaborador de São llcrnardlno de Siena, acrescenta em
1444 à Piscincllci, Segundo ele, o alo sexual cios esposop mu ■
isento de pecado se na< >houver nele "nenhuma deleita». .1»>da \u
lupia”. O que púnicamente nao é jamais o caso: dai um pei ddfl
pelo menos venial."’
Raimond de Peña Fort, ao mesmo tempo em que propon a
célebre distinção entre as quatro motivações do ato con|ugal i ll i
um adágio pagão qualificando dè adúltero todo homem que #
apaixonado demais por sua própria,mulher - fórmula retomada
em seguida por .Santo Agostinho, São Jerónimo, Graciano - l'let
re Lombard (omnis am atarferventior est adulter). I'.xpll<itai nl<■
ou denegrindo - o pensamento.de Raimond, Guillaume «I. M u i
ríes cita um rigorista do século 12, Huguccio, é declara com el#
que excitar-se pelas mãos ou em pensamento ou usando bebida#
quentes “de maneira a poder mais vezes copular com sua mu
lher”1617 é pecado mortal. No Directorium a d confitendum de Alt
toine.de Butrio (impresso em 1474), um penitente su posta mentí*
confessa: “Eu pequei ao contrair matrimonio para a procura di)
prazer ... e não em vista da procriação ou a fim de cvitai a h mil
cação”.18 Denys, o Cartuxo, na mesma época, reconhece qiu u
ato sexual no casamento é sem pecado quando se1 tem em vista
Somente os filhos, d dever conjugal ou a fuga da lórnlcaoin
Mas, segundo ele, muitas pessoas casadas pecam morlaliui ni>
por uma excessiva procura do prazer.19 No início do século le, o
Confessionale de Godescalc Rosemondt comporta este tipo di
declaração: “Eu procurei e obtive o prazer da carne de mam h i
ilícita e sempre com demasiado ardor. Eu pensei muito pota <> n.t
procriação, esse bem para o quaí o casamento foi prinelpalim u
te instituído”.20A opinião mais drástica sobre a questão l<>1 dad i
entretanto por Nicoló de Osimo cujo raciocinio era o seguinte i >
que somente três motivos legítimos autorizam as pessoas casada#
a ter relações sexuais: a procriação, o dever conjugal e a fuga d i
407
ja, esforçaram se paia ii!ii,i maior compreensão das pessoas «
das, J, T, Noonan mostrou bem t|iu* essa corrente mais humana
V
foi-se ampllaiulo t lentamente, e verdade) ao longo do icmp»»,< >
imenso cslorç<>ele* reflexão sobre a e<>nfl,ssá( >, pr<>voeail<» pela de
cisão de I2IS, produ/lu, enire oulros resultados, uma mais |usla
apreciação das condiçoes concretas da vida sexual no i as amen
to. No fim de sua vida, Alberto, o (irancie, inseriu na sua Suma
teológica uma frase espantosa para a época: “Não existe pecado
na relação conjugal”.-" A fórmula era, a bem dizer, ambígua, mus
Alberto, o Grande, tinha ensinado há muito lempo o seu aluno
Tomás de Aquino a não permanecer prisioneiro do pessimismo
agostiniano. Certamente que este não está ausente da obra do
“doutor angélico”. A.concupiscência nascida do pecado original
marca, pensa ele, a vida sexual de todo homem e “na unlao du
homem e datnulher, há um prejuízo para a razão”. Porque "esta
última é absorvida pela veemência do prazer até não mais poder,
nesse momento, dedicar-se a uma atividade intelectual..."." Mas
em contrapartida, Santo Tomás declara que, se o coito conjugal i
bom, ocorre o mesmo com o prazer ao qual está ligarlo, < qu.
seria ainda maior se o homem não tivesse cometic lo o pecad» >oi I
ginal.-0 O prazer é então reconhecido como valor positivos mas
totalmente ligado à finalidade procriadpra.'0 No curso desse mes
mo século 13, -um'franciscano inglês, Richard Middleton, apresen
ta uma defesa do “prazer moderado” fazendo valer, contra Sanio
Agostinho e contra “a opinião mais corrente”, que “sallslazet a
concupiscência e desejar um prazer moderado não sao duas »< a
sas semelhantes”.J1
O que é um prazer “moderado” e, portanto, permitido/
Gerson explica nas suas Regulae morales que o prazer sexual é
sempre lícito quando os esposos desejam oú procriar, ou ctim
prir o dever conjugal, ou evitar a fomicação; e c|ttando se pio
l()H
i um apenas o pra/cT, nrto lu p riad o un
lili o
I ) pecado é apenas
,12. ( ¡1ÍRSON, Regulae morales, ed. E. Du Pin das Opera om nia, Anveis,
1706: III, 95B-C.
,13. ILORENCE, Anronin de. Summula confessionis (Confessionale-D efece-
runi), 1499, p. 30.
34. ,Sum à angélica, ed. de 1534, “Debitum conjúgale”, 4.
.15. Sylvcstrina, “Debitum conjúgale”, quest. 2 § 4.
36. NOONAN, J. T. Contmception, p. 390-398.
37. LE MAISTRE, M. Questiones morales, 1490, v. II, “De tempeiantia”, foi.
•101)
mui muIIir r para Ut pra/er", Nao lia malor pecado cm unirse
pelo pra/er (no i .o.am ena >, heñí entendido) cío (|iie em " k i iih h
unía befa maca pelo pra/er <|iie Isso proporciona". Adémala, e
absolutamente legítimo Ut relações para a prbprla .'.ande e a da
mulher: Aristóteles o recomenda,'" Pensadores ousados, M, l«
Maistre e J. Muir tiveram em seu lempo, como |a dissemos, uma
audiência apenas restrita.
Entretanto, os confessores deviam de (|ual(|Uer mudo sulu
cionar os casos concretos que lhes expunham os penitentes
Ademais, os diretores ele consciencia da cristandadc sem pre ju|
garam que os esposos deviam prestar mutuamente o ...................i
jugal”. São Paulo tinha, com efeito, escrito aos corintios: "t,)ue o
marido cumpra seu dever para com sua mulher c Igualmente a
mulher para com seu marido. Não se recusem uni ao outro, se
não for de comum acordo” (IC or 7,3-3). Mas ate <|iie ponto ••<
tender a legitimidade do pedido de um dos esposos e a aceita
ção cío outro? Gerson estima que se pode recusar o devei eonju
gal por urna importante razão de saúde ou para c*vltar um abui
to. Mas “nem todas as desculpas são válidas: épocas e locáis sa
grados não isentam o parceiro ou a parceira da obrigarão de
cumprir o dever conjugal”.w O Com pendium thcolo^iac atribuid* •
por engano a Gerson raciocina da mesma maneira: os dois * spi t
sos não devem realizar o ato sexual em público. "Mas a qualqiu i
hora, em qualquer circunstancia, antes de tudo, quando se sabe
que o outro está num estado de desejo perigoso; deve-se prot ti
rar um canto secreto e cumprir o dever”.10 Para bertoldo de I ii
burgo também, deve-se cumprir o dever conjugal mesmo num li»
cal sagrado. P. claro que o outro esposo eleve então esforçai se
para dissuadir seu conjuge de exigi-lo, Mas, se náo conseguir, i li
devé aquiescer. Ademáis, reclamar o dever num lugar sagiadn
para evitar a tentação ou para procriar não constitui um pecado
venial. Mas será preciso tornar a consagrar o local poluído."
Quanto às relações sexuais que na época pareciam "mn
Ira a natureza”, notadamenle a posição a tergo%serão elas sem
411
k
a diversos mulos, (áunprlndo o'dever para eom o cón|uge, usill
/.a-se uní alo de |u,silva líese),indo l’llhos c|iie serão educado*» RM
amor de Deus, proeluz se mu ato de piedade, Preservando uai
cônjuge do adulterio, faz se prova ele caridade,"' lima anal! « i|i|i
, nào é isolada em sua época,
Resta que a nota dominante das "Sumas” c "Manual*" di»
confissão referentes á sexualidade, mesmo no casamento, e pi *
simista. Uma investigação inquieta percebe nas relações cOltjM
gais múltiplas ocasiões de pecado, estando os conlessoies peí
‘ su a elicios ele que muitos pecados mortais, em particulat ah »s mui
tra a natureza”, são cometidos pelos esposos da época Ih lli Un
elo sem dúvida uma opinião comum ao seu redor, Santa < al m
na, numa visão elo inferno, constata que o único grupo d< pewi
dores que constitui aí uma classe ã parte é formado poi "aqui lt s
que pecaram no estado ele matrimônio”. r Meiò século mah lai
ele, pregando sobre o casamento, São Bernardino de Siena det Ia
ra sem hesitação: “Entre mil Casais, eu creio que1 novecentos e no
venta e nove pertencem ao diabo”.'1* Exagero de pregadoi qm Af
julga obrigado ao uso de uma pastoral aterrorizante, «ertaini lUl1
Mas também convicção do meio eclesiástico de que < pu •I
sensibilizar os leigos quanto aos múltiplos perigos morais que n
casamento*comporta. Ao seu confessor que lhe pergunta poi qu>
as pessoas são mais severamente punidas no inferiu > peh • (
elos nõ casamento elo que por outros pecados, Catarina rewptill
de paradoxalmente: “Porque eles não são tão conscientes m m Aff
arrependem tanto'com o por outros pecados e, portanto, stu um
bem àqueles com mais frequência”. 1''
A culpabiíização, em matéria sexual, a partir da ■1mli li
operarse na época de maneira complexa. Porque as Ia slt n m
dos autores especializados, as diferenças de opinião de mu p ui
outro não facilitam a tarefa dos confessores nem a dos |x ulli n
tes e só podem criar uma atmosfera de mal-estar. Assim, <>s i |gii
ristas obrigam a abster-se do'ato amoroso antes da eomunhdn46789
lid
esse motivo c sempre qunlllleada de pecado nu>rt;iI. Oeorie o
mesmo ti fo iH o ti rom toda forma eleonunl.smo e com .1 uuNui
baçáo, a respeito da <p1.11 um tratado freqücntcmenle atribuído a
Gerson c bem explíello. Nessa matéria, lê se nesse doewiVHMltM
espantoso, o confessor deve "exortar cada ve/, mais abei lamen
te o penitente a dizer a verdade”, Quando se trata de um In miem
jovem, deve-se primeiro falar-lhe "com um rosto tranqüllo pm •
fazer parecer que aquilo sobre o que ele está sendo questiona
do não é desonesto, mas, ao contrário, é algo sobre o qm * li
pode ficar descansado”. Todavia, se o jovem penitente rei usa ne
a confessar, devq-se abandonar o artifício e passar a pergunUi*
diretas. Assim “[na idade de dez ou doze anosl, por acaso vtitf§
tocou ou esfregou o seu membro como os meninos têm 0 co|Í
turne de fazer?”5* É claro que no pensamento do autor do n u 1
do tais atos comportam risco <le danação. Lembremos do <tiMl
go de Sodoma è Gomorra.
Esta curiosidade inquisitorial e este excesso de detalla'*
não são habituais em Gerson e, mais geralmenlc, nos autores ilp
“Manuàis” e de “Sumas”. Extrapolar desta obra para o re-.lo da li
terãtura sobre a*confissão constituiría um erro histórico, MulUl*
vezes, pelo contrário, autores de peso - Gerson precisamenU?,
Santo Antonino, Sylvestre Prierias - aconselham o confessor a as
sociar prudência e diligência e, na interrogação, não ultrapassai
os limites razoáveis da discrição. Num manual (em francês) d(l
século 15 destinado aos padres, cõhvida-se o confessor a uma all
tude discreta, “seus olhos no chão deve manter”. Senão, lun........
o risco dé o penitente não-ousar dizer seus “pecados vergonlio
54 Essa circunspecção irá por sinal se acentuando em segui
3
sos”.5
da, a convite de um São Carlos Borromeu que, entretanto, era il
goristá.55*Th. N. Tender convida com razão a não imaginar a »on
fissão da época sob a forma de um questionário exagera»lamen
te realista e indiscreto. Os penitentes não eram forçados a conUn
em detalhes toda sua vida sexual no casamento,,6 a qual rcalnit 11
415
a u s u r a <» a a v a r e z a
DI.sísernos anteriormente que os autores ele "Sumas" e "Mil
nuais” dos seculos l,V l(i sdo menos obcecados pelos p e í .idos ’u>
xuais do que se poderla crer a prlorl, A secunda parte da simiti
de Santo Antonino, especialmente' consagrada às diversas t ali go
rías de pecados, revela a seguinte divisão: a cobiça (a ra rlU ii) "1
capítulos; a obrigação de restituir, 8 capítulos; o orgulho, l i t a
pítulos; a vanglória, 9 capítulos; a luxúria, 15 capítulos; a gulodl
ce, 8 capítulos; a cólera, 8 capítulos; a inveja, 9 capítulos; a at I
dia, 16 capítulos; a mentira e o perjúrio, 8 capítulos; os volt NI e
sua transgressão, 2 capítulos; a infidelidade, 11 capítulos, l'oitan
to, é à cobiça e à necessidade de restituir que cabe, de longt , o
prim eiro lugar nas preocupações do arcebispo; 25% dos i apilu
los, mas 32% das páginas na edição de Veneza de 1571 Ora, lia
ta-se neste caso de uma distribuição bastante clássica relnmatlrt,
lembremos, pelo Composto... dos pastores. Neste, todavia, desil
nado a um público relativamente modesto, a usura é apenas uitl
dos vinte ramos da “avareza” . Em contrapartida, dentro do- di
senvolvimentos que Santo A ntonino atribui a este pecado, i i
capítulos se referem à usura cpbrindo 74 páginas 019 so pañi a
luxúria). Numa época de ascensão econômica e enquanto se liis
talava um ampio capitalismo comercial,61 a civilização cristã Intel
rogou-se intensamente sobre a licitude das transações men aMilu
e bancárias. A culpabilização, portanto, atuou lambem plenamen
te neste dom ínio.
Como sempre, ela se'apoiou sóbre referências vcnerávulf
e antigas. O Êxodo (22,25), o Levíticq (25,33-37), o Deuteionõ
lld
iii Im (,'.3,IP-25) proibiam o empréstimo .1 |n 1<>'• entre on Israelitas,
Mi lato, <> Livro de Kzcqúlel (22,12) prova e|iu* em Jerusalém a
111111 >1 era corrente. No m undo greco-romano, os filósofos, em
|i iiil< 11l.11 1‘latào e Aristóteles, ergueram-se contra o empréstimo
1 |tinis, Nesse sentido, a análise de Aristóteles deve ser lembra
da, considerando sua longa posteridade através da escolástica.
ginulo (.da, a p io r atividade social é a de alguém que empresta
dinheiro, poi’(]ue ele pretende tirar um produto de uma coisa es-
1111 1 i unió a moeda. Ora, esta última tem como únicá função ser
uma medida das coisas (P olítica, I, 10). A Idade Média dirá clen-
......Io mesmo espírito: o dinheiro não engendra o dinheiro. To
davia, apesar dessa condenação e dos ataques de Aristóteles, Plu-z
I in o, Planto, Cíçero, Tácito, contra os usurarios, as legislações
mm gas c romanas não contestaram seriamente a legitimidade do
• mprestlmo a juros, esforçando-se no máximo para. lim itar a taxa.
V. 1 olsas mudaram na cristandade.
Jesus tinha aconselhado a emprestar “sem nada esperar em
II torno, Vossa recompensa então será grande” (Lc 6,34-35). Mas
. v.,i recomendação não era uma condenação do empréstimo a
|u 11 e., (|iie os Padres da Igreja, ao contrário, tanto gregos como
latinos, fustigaram sem piedade. Clemente de Alexandria, São
«iiegório de Nazianzo, São Basilio, São Gegório de Nissa, Sao
I' i.i<) ( ãisóstomo, Santo Ambrosio, Santo Agostinho, São Jerónimo
pmlessaram juhtos que o usurario colhe onde não semeou, que
1 mprestar a juros é tomar o bem do próxim o, que o rico deve
emprestar gratuitamente ao pobre e que a usura é contrária ao
mesmo tempo ã religião e à lei natural. Assim, ela deve ser espe-
• talmente proibida* aos clérigos - uma proibição confirmada pe-
los concilios a partir do século 4o. Em compensação, foi somen
te sob Carlos Magno (A dm onitio generalis de 789) que a-legisla-
• ao civil proclama a proibição geral a todos - clérigos e leigos -
do empréstimo a juros assimilado à usura. Em seguida, concilios
locais e estatutos episcopais consagram e difundem essa proibi-
v-to. Enfim, no século 12, o decreto.de Graciano (C oncordantia
iU sconlantium canonum ) e as Sentenças de Pierre Lombard re
petem que há usura quando o emprestador exige, em dinheiro
ou em espécie, algo além do bem emprestado, sendo tal prática
proibida pelo quarto mandamento.
A despeito dessas condenações repetidas, a noção de usu
ra permanece ainda bastante vaga, a justificação racional de sua
proibição, imprecisa, e a distinção dos casos, apenas esboçada,
117
Ora, .1 111(111i | >11> dofi símbolos monetarios, o i irse Imcnlo
econômico, o surto ilo com ételo na terra o no mar, o drxenvol
vim ento das luirás de Champagne, colocam doravante p io b lr
mas cada v e / ivíais complexos: associação c remuneração do
capitais, transferência c cílm bio notadamente para as neicssida
des da Santa Sé, danos e riscos ñas empresas. Além disso, lasa»»
de juros consideráveis (da ordem de 30 a 40% ao ano") sao en
tão praticadas correntemente mis cidades mercantis Italianas n
pelos “ lom bardos” da França."- Fnfim - conjunção a subllnliiil ,
a obrigação da confissão anual desde 1215 obriga os moralisUIQ
a estudar os diferentes aspectos da usura tanto ou mais <|iit i»
da atividade sexual.
Os casuistas do século 13 põem como principio que o u u
rário vende indevidamente o tempo,' bem comum a todas as ( ila
turas. Guillaum e d ’Auxerre ( f 1229) parece ser o prim eiro a a\an
çar este argumento em sua Summa aurea-.
_______________________ a___
IIH
Mas mais capital, sem dúvida, •• a Intervenção <l«• santo To
ui,is de Aqulno no debate sobre a usura Apolaiulo se sobre um
Nilsiótelos recentemonte descoberto, o doutor "angélico" declara
lili li a ioda prática que leva a exigir um empréstimo (n rn tin u n ),
te|a como Ibr, acima do principal, lo d o empréstimo náo gratuito
• usurário e leva a pecar nào só o credor, mas também o deve-
d< >i' () usurário vende efetivamente o uso da coisa cuja proprie
dade ele transferiu. Não se deve vender seu vinho ou seu trigo e
a* >mesmo tempo o uso desse vinho e desse trigo porque se ven
de duas vezes o mesmo bem .6 66 Além disso - lembrança da análl-
5
,i aristotélica - ò dinheiro, instrumento de troca e dc medida,
nao e frutífero; ele não devç engendrar lucro .67 O usurário é cul
pado de pecado m ortal .08
Semelhante condenação leva às vezes m uito longe. Se al
guém vende acima do preço justo porque espera para o paga
mento a conveniência do comprador, existe “usura manifesta” . I
Igualmente se o com prador paga abaixo do preço justo porque
salda a quantia antes da entrega da mercadoria. “Em compens.)-
^a<), se o vendedor, para ser pago mais depressa, consente em re
baixar o preço justo, não existe pecado de usura ”.69 Como todos
ns seus precleêessores, Santo Tomás não distingue entre empres
limos de consumo e empréstimos de produção. E entre os prl
melros, ele não considera aqueles que poderíam ser concedidos
,i alguém mais rico. Ele é herdeiro de uma corrente mora lista ju
deu cristã que só percebe os empréstimos consentidos a pessoas
em dificuldade: tais serviços devem ser gratuitos. É só no Início
d«> século 16 que Jacques Lefèvre d ’Etaples (1455-1537), precur-
o a dc- Calvino notadamente nesse aspecto, inventará a expressão
econom ia pública” , estabelecendo. assim uma distinção entre
esta última e a economia doméstica .70
Por outro lado, Santo Tomás, como Aristóteles, considera
apenas o dinheiro em si, independentemente dos m últiplos usos
III)
(jilo se | >( k l«' la /r i d i'Ir I Ir so 11 msldeia o m rt.il e luz .11>str,KUi>
dac|iillo c|iir ele |»n>|x»n lonai .1 l.nílm , ele nao diz unía palaviu
dos câmbios que esiuvám assumindo uma Importância con,sido
rável. 'lambem, sob mullos aspn los, o ensinamento do Santo l<»
más sobre a usura, loiulo om conta sou Impacto, Incomodou o*i
negociantes, Mas nao constituiu um bloqueio, porque delxavu
portas abertas. Sem duvida, o doutor "angélico” so concebe a íal
ta de lucro e a compensação ele 11111 sacrifício sofrido por ocasião
do empréstimo independentemente de qualquer pacto expío lio
concluído de saída e somente a partir do vencimento do erédl
to .71 As noções de lu cru m cessans e ele dam m im emergeas será»»
precisadas e ampliadas somente depois dele. Mas se também na» •
conhece a noção de p e ricu lu m sortis (risco que corre um 1 apllal
com prom etido) admitida pelo jurista Paul de Castro no fim d<»sé
cu¿o 14, ele só condena aquelas que são “leoninas” . Parece Un
normal que o negociante que faz seu comércio ou o artesão sua
obra com o dinheiro de um sócio pague a este ultim o urna pai
te dos lucros .72 Urna ampia abertura era então oferecida a 1oni<
m enda e às sociedades em nome coletivo.
Em seguida a Santo Tomás, os escolásticos vão doravante
trabalhar sobre a “usura”, ora am pliando seu dom inio, ora un
contrario restringindo-o. Mas, independentemente das desiguais
dimensões do espaço que eles lhe atribuem, este pecado acha-se
agora plenamente qualificado e fortemente reprovado. Santo To
más afirma que “ele fere a justiça natural” . Guillaume d ’Auxerre
o tem por mais grave que o hom icídio, porque enquanto este ul
tim o pode ser legítim o, a usura (com o a luxúria) jamais o r l;la
é um pecado em si (secundum se), sendo sempre “¡moderado' ,
diagnóstico que se encontra notadamente na Sunm ut de Astesu-
nus. Santo A ntonino vê na duração da transação uma cireimstán
cia agravante. O Concilio Ecumênico de,Viena (1311-1312) dccre
ta: “Se alguém cair no erro de afirm ar obstinadamente que exei1
cer a usura não é um pecado, que ele seja punido como liereil
co ” .73 Os pregadores nos seus exempla insistem todos sobre .1 sor
te dos usurarios que, já aqui na terra, vivem na companhia de de
71. Som m e'thiologique, II' II" quest. 78, ar». sol. 1-4, 6. Cl. tainbiíni o /»r
M aio , quest. 13, urt. 4, sol. S, 10, 12, 13.
72. Ibid., qiics». 78, nrt. sol.
73. Concllforum <>•<unioihvnmi 07,/. «I, (í. Alberi^o, Holounr, Isditito pet
1c scico/.c t'cligiorc. 1073, |». Wl>t UIS
<l:!0
mônlos. ' A legislação canônica n*. cw om tinga e ordena sua se7
pultura lora dos locais consagrados, Kobert dê Courçon, num 'tra
tado De usurà redigido no Início do século 13, deseja que seja in
fligido como penitência aos paroquianos “em lugar de jejuns, es
molas e satisfação ordinária, a obrigação de acusar os usurarios” .
Ainda mais, ele determina com cuidado os nove modos faltosos
di* participação na usura: ordem, conselho, consentimento, lou
vor, receptação, relação, neutralidade, tolerância.
A corrente rigorista manifestou-se no dom ínio da usura
como no da sexualidade .74 75 Guillaume de Rennes, glosador de Rai-
moncl de Peñafort, qualifica de usurario o moleiro que empresta
,10 padeiro para conseguir sua clientela e o professor que adian-
1.1 dinheiro a seus estudantes a fim de que estes sigam seus cur
sos. Os Decrétales de Gregorio IX (1239), que se tornaram uma
parte importante do direitò canônico, condenam no título De
usnris a comissão recebida por um credor que aceitou os riscos
do transporte m arítimo das quantias que emprestou. Essa conde
nação é retomada por Inocêncio IV ( f 1254) num comentário dos
Decrétales. Toda superaban d a n tia , mesmo baseada sobre o ris
co, é reputada usuraria. É, portanto, uma recusa do pe ricu lu m
sortis. A Sun?ma de Gofredo da Trani ( f 1245), as de Hostiensis
(I lenri de Suse f 1271) e de Barthélemy de Pise ( f 1347) decla
ram ilícita toda operação de câmbio em quç se faz um arranjo
para jogar com a variação da cotação das moedas. O mesmo jul
gamento pegativo qualifica os empréstimos prorrogados de feira
em feira (de n u n d in is in nundinas). Astesanus, cuja grande obra
e escrita ao redor de 1317, percebe com razão que inúmeros
câmbios camuflam empréstimos. Então ele os repròva quando o
emprestador recebe mais do que emprestou. A A ngélica, com
preensiva a respeito da sexualidade conjugal, é mais rigorista em
matéria de câmbios. Ela se recusa a ver neles uma transação de
compra-venda de moedas e só aceita os que são fechados para
vir em auxílio a viajantes ou quitar dívidas no exterior. O antigo
banqueiro Pandolfo Rucellai ( f 1497), que se tom ou dom inicano
e discípulo de Savonarola, e que sabe por seu antigo ofício que
(> juro se dissimula muitas vezes por trás das cotações de câmbio,
81. SOTO, D. de. De Justitia etjure, 1. ed., Salamanca, 1563, livro VT, quest. 8,
.ni. I, ROOVER, R. de. LaPensée économ ique..., p. 36.
8,*.. ( T. entre outros FOURQUIN, G. H istoire économ ique..., p. 222-224.
GOURERT, P. LAncien Régime. Paris. A. Colin, 1969. t. I. p. 127-128.
83. BulL rom ., Vil, p. 736-738.
que foram abandonadas por mui sucessor (ire g o rlo MU " D i
lato, ja 'lu í varios séculos a renda constituida ilnha se i<>iim »I»i
uma peça-cluive da economia ocidental.
A ficção da compra-venda permitiu Igualmente justllli ai h H
empréstimos públicos e as rendas anuais as quais eles dav am In
gar. Descle o século 14, cidades italianas - (iênova, I loieiu.a, \»
neza - recorreram a empréstimos forçados que nao ptuleiaili
reembolsar. Elas decidiram entào, em compensação, pag.tt to
credores um juro anual e perpétuo. C) sistema aperfeiçoou se eut
seguida de duas maneiras: os governos lançaram < ni|)t< llm
públicos não obrigatórios rendendo um juro anual e o ll/e iu in
numa escala que ultrapassava o horizonte municipal: in o iill p o n
tificais, rendas da prefeitura cie P.ari&, Juros espanhóis, el< I n ii|
1526 e l606, o papado tomou emprestado, por esse melo, 1 eu a
de 382 toneladas de prata fina, a Espanha, de ISIS a I(>()(), mah
ou menos 78 milhões de ducados.8- Mas antes da gencrall/avAli
desses empréstimos, os casuistas tinham-se interrogado .•«ohn t
licitucle do processo. São Bem ardino de Siena aceita que alguém
receba um pequeno juro d o dinheiro qué foi obrigado a pagai a
municipalidade. Em compensação, não se deve, s e g u n d o r|n,
comprar espontaneamente títulos cio M o n te 80 para oblei poi eus#
melo uma gratificação anual. Quando lhe objetam que le ligl.......
o lazem e que os papas e os cardeais são menos Intianslgenl» «
t|iie ele, o grande pregador franciscano responde: "Quando h,|
divergência de opinião entre os teólogos, existe dúvida, e nu dn
vida e preciso abster-se: está em jogo a salvação da alma"
Ademais, expor-se a cometer um pecado mortal |.i 0 mu
pee a d o m o rta l, segundo Santo Tomás; e comprar os re fe ild o n 11
lulos e justamente expor-se, já que há dúvida sobre a leglilmlda
de em fazê-lo. Confrontado com a mesma dificuldade, o d o in l
nleano Santo A ntonino tende, vinte anos mais tarde, para a all
lude oposta:8 5
4
84. DELUMEAU, J. Vie économitjue..., II, p. 870; fíotne nn X\ 'l fIMe, |t Mil
2 1 1, c UI.l.OA, M . Lu Hacienda trai de Castilla en el trinado de lrllf>e II ' ni ,
-12 7
criava e |>111\lui .1 venda certo número de cargos ■ gcrulmenle mil
lela .ion quais e u destinada uma iviuln anual, por exemplo i||
10%, garantida .sobre receitas determinadas. ( ),s papas dos s0«t||(jg
15 e 10 c a monarquia francesa do Antigo, Uegimc, para Ikai em
dois casos bem conhecidos, utilizaram em larga escala esse 'ilum
ina que, como os empréstimos de listado, desviou o dlnhelio dos
poupadores dos investimentos produtivos e sobrecarregou di ma
neira crescente a dívida publica. Km todo caso, sob a apaiein Ia d»
uma transação de compra-venda, ele evidentemente camullavil
empréstimos a juros que os particulares concediam aos govetlUHli
Mas duas outras justificações teóricas vieram juntai se a
noção de compra-venda para autorizar a cobrança de um |ui< i no
tadamente nos m onti. Trata-se do lu crum cessans (quando htli l
vém a ausência de lucro) e do dam num emergens (quandi >se mm
fre uma perda financeira). Pela primeira vez, um doutol do sd u
lo 13, Hostiensis, aprova o lu crum cessans.quando algia m l(
abstém de negociar para emprestar a uma pessoa necessitadai*
Este ponto de vista é adotado no início do século segulnli p-->
Astesanus que introduz igualmente a noção de dam num emef*
gens. Esta e a precedente são porém rejeitadas no se< ulo I I pnt
autores importantes, como o nominalista jean Ikirlilan (| poi vol
ta de 1358). Mas a multiplicação dos m onti leva Sao lle in .iid ln ii
de Siena e Santo A ntonino a aceitá-las no caso dos cmprcsIiniiMi
forçados. Porque, neste.caso, pessoas são privadas de seu dinlu i
ro (dam num emergems) e não podem empregá-lo em iians.it, mcs
diversas ( lu crum cessartç). Com a prática fazendo progredli a li o
ria, essas duas justificações acrescidas ã noçáò de i <>mpi i enda
perm itiram a aquisição com a consciência tranqülla de título da
dívida pública, de rendas constituídas e de cargos,
Na altura do fim do século 16, constafa-.se que em par. i i
tólico o empréstimo á juro encontra-se sempre proibido e usMltl
permanecerá oficialmente até 1830. Mas as noções de />«•//« n/nm
sortis, poena, lu cru m cessans e dam num emergerts de.s» ulp.iblll
zaram muitas transações efetivas de empréstimos a |um Alem
disso, contornando a doutrina oficial, estes funcionam de mam I
ra maciça nas feiras bancárias onde os soberanos p rln d p .ili......
tom am 'de empréstimo somas enormes pára as suas nei eNsIdiidmi9 0
90. Nos seus Comnientariu su/>rr libio* (Ituioiuliuni, V, De i imii1h , I <• >1
NOONAN, J.T. SthoblUb.... |>. I IHr.. Ao ijiiul eu remem u m l x m |m i i u i|iu
vem a seguir.
428
Iii iliiii,is, <) sistem atle letras de cámbln |in n ilie 11íes entilo, como
ii • - simples particulares, obter a erudito o dlnlielro de que neces-
•iliam, No total, e considerando a complexidade das operações
(Minadas que confundiu mais de um doutor, a moral oficial foi
Ulitis aberta no d o m inio da “ usura” do que no da sexualidade.
Mas seria compreender mal as mentalidades da época con*
-idi i ai a culpabilização como algo desprezível, mesmo nesse clo-
niinln Se Gal vino,' rompendo com a tradiçào escolástica, admite
- - - m ip irs tlm o s de empresas nos quais “a usura não é pior do que'
unía compra ",''1 em compensação ele declara, “indigno de um ho-
ii ii ni i rislao e honesto” ,9- ser emprestador profissional. Quanto a
I mi n i, ele não deixou ele marcar urna violenta hostilidade à “usu-
i i , que entendeu de uma maneira totalmente medieval e comba
tí ii .a i longo de toda a sua carreira: no Apelo ci nobreza da nação
iili'in d ( IS20), num tratado de 1524 intitulado Do com ércio e da
iis lim , no i Irá n de Catecismo de 1529, numa instrução ^4os pasto-
>i s para pregar contra a usura (1540) e também nos Propósitos de
mesa, () Reformador fica desolado ao constatar que “o mal [a usu-
i i| le / enormes progressos e... predominou em todos os países” .9*
i le líala tle “bandidos entronizados, bandidos e ladrões de estra
da aqueles que, sentados em seu trono, são considerado^ como
glandes senhores, respeitáveis e piedosos burgueses, e que sa
queiam e roubam com a aparência de honestidade ” .94 Ele declara
nao compreender “que com cem florins se possa ganhar anual
mente vinte e até florim por florim , e tudo isso sem tirar da terra
e do rebanho ” .99 Estritamente fiel à concepção rigorista do emprés
timo, ele afirma: “Trocar alguma coisa com alguém ganhando so
bre a troca não é fazer obra caridosa, é roubar. Todo usurário é
- llgn<* da forca. Eu chamo usurarios aqueles que emprestam a cin-
lo e seis por cento ”.96 Lutero ataca aquéles que “não sentem ne
nhum escrúpulo em vender suas mercadorias a crédito e a prazo
mals caro do que a vista”.9” Ele recusa completamente as socieda-
9 1. Comm entaire sur Mo'ise citado em BIELER, A. L a Pensée économ ique et so
lía Je de Calvin. Genéve: Georg, 1959- p. 464.
92. Cómm entaire sur E zéchiel citado em Ibid., p. 468.
93. LUTHER, M. CEuvres, IV, p. 123 (Du commerce et de l ’usure).
94. Ibid, VII, p. 69 ( Grand Catéchisme).
95. Ibid., II, p. 152-153 {A la noblesse chrétienne).
96. Propos de table (ed. G. Brunet), p. 358.
97. LUTHER, M. CEuvres, IV, p. 135 {Du com m erce...).
■121)
clc.s comerciais. "Tudo nela e tao sem fundamento e hciu rayan,
escreve ele, m m cublva »■ ln|u.stlya apenas, que não o povaw I i n
centrar nela nada que se possa iraiar com total boa coivm b'ii« l»t
Se as sociedades devem subsistir, será preciso que a Instiga o a h><
nestidade desapareçam. Mas se a justiça e a honestidad» d» • m
subsistir, as sociedades devem desaparecer.,M |M
Não há dúvida de que, tanto na Alemanha como em otn
tras partes, continuou-se a emprestar a juro, mas os liona n » de
negócios do início dos tempos modernos eertamente nao st s» n
tiam m uito à vontade com sua consciência. I)aí as mulll|da doa
ções feitas à Igreja em seus testamentos pelos negociantes »atoll
eos e das quais se aproveitaram, em particular, as ordens mendi
cantes que, implantadas sobretudo nas cidades, eram multo liga
das à burguesia emergente. Lembremos também a reacilo de I i i
Santi Rucellai, antigo banqueiro agora dom inicano, No seu nata
do De cam bi, ele estigmatiza os câmbios secos e quallíh a d ........
rários os câmbios “de Lyon” . Segundo ele, os câmbios eMrtn • m
perigo de perder sua alma. Fato revelador: os negociantes d.t po
derosa colônia espanhola de Anvers enviaram, cm l>V,, seu • o il
fessor a Paris para submeter aos doutores da Sorbonne dheisoU
casos de consciência referentes aos câmbios. Ora, n.to era a pil*
meira vez que se dirigiam aos teólogos de Paris, porque neMlil
época elas fazem alusão a uma consulta anterior.'" A linha gt i il
da resposta parisiense é que os juros do câmbio sao iIk iti >s r usu
rários e que o fator tempo não conta. Só as despesas matei lati)
ocasionadas pelo câmbio podem ser legítimamente conlablll t
das. A resposta dos teólogos parisienses é seguida das \ islas | mi
Aculares” dé Francesco de Vitoria, que é ainda mais rigorista e n •
cusa principalmente toda noçàp de lu cru m cessa ns.
Essa severidade torna-se; mais clara se confrontada n mi u
que escrevia Ludovico Guichardin na sua célebre Desi rl^tlo i/r lo
dos os Países-Baixos (1567) a propósito dos “depósitos" .allanta•
mentos concedidos de feira em feira a particulares ou a m >1in.iin • •
Os negociantes, escreve ele, “para cobrir ti infamia da coisa m ili
um título especial, chamam agora depósito, quando se tía um i
soma em dinheiro a alguém por ceito tempo, medianil' p u v a
juro limitado e determinado, ou seja... à razão de doze poi t . uto
•uto
iiii uní)","111 lísse julgamento permite .u llvlnh.ii como a influência da
di Minina escolástica permanecía forte entrp <>s negociantes, que se
>'iloivavam para aplacar sua consciencia usando de estratagemas
11»ii* nos parecem hipócritas. A proibição global dos “câmbios se-
11 n por Pio V em 1571 atingiu notadamente os depósitos ou “cám-
bli »*. de feira em feira” . Certamente, durante algum tempo, notada-
mente em l.yon, continuou-se a indicar a cotação do depósito das
lelias Impressas onde se escreviá na última hora números à mão.
I nlrelanto, a prática tinha recebido um golpe sensível e os ban-
i|iielr< >s utilizaram cada vez mais o “câmbio com recurso” ( ricorsa)
i|iie, com seus sutis movimentos de ida e volta entre uma cidade
• uma praça de feiras, confundiu mais do que nunca as autorida-
i l i religiosas. I Iipocrisia mas ao mesmo tempo escrúpulos que
jilcslam a importância que assumiu nas mentalidades mercantis o
dhi urso eclesiástico sobre o pecado da usura.
;i preguiça
P., sem dúvida, graças ao meio mercantil e sob o impulso das
mudanças econômicas e sociais que a cristandade latina fez a des-
1 1 iberia tio pecado “mortal” da preguiça. A julgar pelo caso francês,
a*i palavras quê se referem à repugnância diante do esforço eram
<li ■ um emprego relativamente raro no francês medieval: pereise; pa -
irlsc, p(irc( (>, parecier existem certamente, -mas só dão lugar a utili
zações episódicas. Mais freqüentes, é bem" verdade, são as que gi-
iam em torno da ociosidade .101 Mas esta nem sempre é tomada no
mau sentido. Ainda no século 16, alguns humanistas opõem o
o llim i, isto é, o recolhimento longe dos ruídos do mundo, ao nego-
lltim , que designa então a agitação e a dispersão em extenuantes e
i .lereis ocupações. Quanto ao termo fa in é a n t 1= vadio], atestado
em ( alvino e Montaigne, não parece muito freqüente antes deles.102
4111
liin çom plem enlt) .1 essas Indicações, veja se o resultado est I u•«>
dórele urna contagem ivall/ada por |, I,e (io lT e Mía equipe Mirilla
unía coletânea de (wvmftld do Inicio do século 14. Na IrenU v#l||
Dentou I I >emónlo| c*m 77 e.wmplci, M n lle rh Mulherl em fi i l/n>|
1= Mottel em 49: conllrmaçà» >, seja dllo de passagem, d<)s medí w m
tudados em nosso primeiro volume. Km contra pan lela, a Aci;/f,t|fty|4
cia só tem direito a seis menções, a AccíclUt a cinco, o (h tlitH 1
cinco, a P igricia a tres e o Labor, noção inversa da pteiedenu •
seis.10310
5Trabalho e preguiça na época nao sao portadlo pn • •• upa
4
ções dominantes dos pregadores. Ksses meio-siléñelos e ewMN qtt»|ij
se-ausências remetem a uma civilização que nao eonhet la a i ililW
são da produção.
Mas, desde os tempos dos Padres do deserto, a Ign |a to n
siderou com o grave é m uito logo mortal o pecado d* m itih i \
“acidia” significava o torpor espiritual, a aversão aos e x c ri'M u l
religiosos, urna tristeza desanimadora que lira da alma a i» mi m.i
tempo o desejo de servar a Deus e a vontade de vlvet SatiU• lo*
más de A quino prefere chamá-la precisamenle "tristeza'' in d i
tía - e a define como um “vazio da alma” , uní “ tedio" p io liin d il
em face do bem espiritual por causa do esfe >i\<) lisie o que eli i a i
ge; e liga-se a ela a ignorancia (voluntaria) em materia de n libido
“pela qual alguém se recusa a adquirir bens espiritual*, pm . m o
do trabalho que isso dá” .m Chegando ao quinto em ulo do lulta
no, Dante parece lembrar-se da análise do doutor "angi ll« o
águas negras do Styx, ele descobré ao lado dos coléricos, os ,h
cidiosi que carregaram “no coração tristes fumaças", Agota * I*n
trazem “lu to ” em “ lodo escuro” . É bem verdade que, Do qiuirlJ
patamar do purgatório, agitam-se febrilmente aqueles qtii n ■
tam agora p o r esse “ fervor agudo” suas “ indolencias", sena \tlhi*
sos” e seu “ to rp o r” na terra. Essa morosidade aparenta se • lilao
com a preguiça. Todavia, eles são punidos esseru lalmenle po|
falta de zelo e de amone, sobretudo, por ter cedido ao desanimo
com o certos hebreus que, após a travessia do mar Ve mu II .........
daram a seguir Moisés e pereceram no deserto e como dl ve 1*0 i*i
t a . Ibid., 14; 2 3 .
1 13 . Ibici., 1 9 ; 15.
1 1 4 , Ibici., 2 4 ; 3 3 - 3 4 .
I IS. Mlí URI RR, G. Recueil de sentences notables... Anvers, 1568, n. 2.605,
2.628 c 3.218. Agradeço a Daniel Rivière por ter me comunicado esses ditados.
I 16. CAVALGA, D. D isciplina degli spirituali, ed. Bottari, Milão, 1838, p. 128.
117. Ibid., p. 129.
I 18. Ibid., p. 131.
•i:ir>
lamente ií.i preguiça <> rancor, ;t "vaidade no coração" c .1 presuiV
Vilo, Sua concepção cío quarto peálelo capital enláo permanei c
aínda bástanle confusa. Todavía, ele Insiste sobre a "ociosidade'
123. Para o que vem a'seguir cf. MOLLAT, M. Les Pauvres au Moyen Age,
p. 266-316.
124. DUPIN, J. L e Román de M andevie ou les m élancolies sur la condition hu-
tnaine (B.N. Res. Y2761 in-4°), VIII, cap. 29 “Des paresseux”.
123. Román de la Rose, ed. R Lecoy, II, v. 9.511-1.512.
126. Le M enagier de Paris, II, p. 3.
127. Ibidi, II, p. 17.
4M7
qüOnela de iiniii escolhu s<>1un(.trl.i . l ie delxu entender que Iih Iii
hornera eneonlm tlols caminhos dlante ele si. <) da di rol tu, lelilí de
“diligência" o de "perseverança", leva a riqueza aquele qm 't i"
'manter-se nele, () da ".sinistra" leva ao contrário para a "angUMllii”
e a “miseria", lile nao encontra ai "conforto, nem ajuda Nem i olti
selho, nem esperança, nem bens; / Hxcelo dor, tedio e Inlnitim io
Ao bom entendedor, meia palavra: "Para atrás é bom enl.to ala*»
tarase / Do caminho que leva a isso” ( Afastar-se do caminho que
leva à pobreza). Finalmente, os pobres não merecem cmiipahílMi
“De tais pessoas, na verdade / Devemos ter pouca piei l.u le < »it f
tenham incômodos, é justo” . A acusação é agora bem laut oda .
durante séculos, nào se deixará de misturar numa mesma m iu lw
nação global “rufiões, malfeitores, ladrões... pessoas Inúteis e d( ' (I
condição” . As pessoas “sem eira nem beira” e “sem domk ill<» *>e
rão chamadas “sem confissão” e de “ má fama”. F.sscs analcma'i b •
ram a contrapartida da multiplicação de desempregados nu I uih
pa do início dos tempos modernos - um assunto agora bem eslu»
dado e sobre o qual é inútil insistir mais.1*
O terceiro caminho, mais sutil, para a plena Idenllll» >i •i•»
da preguiça foi traçado a partir de uma reflexão sobre o icmpM,
cuja origem se encontra talvez numa fórmula atribuída u '.ao
Bernardo: “Nada é mais precioso dò que o tempo,.." 1 l ia i •
plicitada no século 14 por Dom enico Cavalca que, na sttu /)/#i l
p lin d degli s p iritu a li consagra dois capítulos á "perda de le m |iiiM
e ao dever de “prestar conta do tem po” . Por meio d« um i Im
guagem de mercador, observa Jacques Le Gol f,1'" ele u a s n l la
tem po e espiritualidade e compara o tem po desperdiçaiI....... lu
lento oculto e estéril da parábola evangélica. Deus nos pcdliU
conta nào apenas do mal que teremos cometido, mas la m b e m
do bem que não tenhamos realizado por não termos e m p n g.i
do bem os dias de nossa vida .131 O autor do M c m i^lc r do /W t/q
128. Além da obra já citada de M. Mollat e as que figuram mis num» do ulil
mo capítulo de La Petir en Occident, cf. Les M arginanx et les e\< ht\ t/am
toirc (obra coletiva). Cahicrs Jussicu n. 5, Paris, 10/18, I’)"/1» Solo* o t.mt
mais particular da acidia cf. RICAJID, R. “Pour une hiscoirc tlc I o •.11. . m
Nouvelles Enteles re/igieuses, 1973.
129. “Gaufrididcclamrttioncs cx x. Bcmaixli scrmnnihus": Patr. /<// . ' ! P
col. 465. l.RGOPK |. "I r lémps du rravall duns Ia crise du \ IV a, •l> ,ln
temps médiéval au temps moilemc" cm Pour um ñutir Aloyen p,
130, LEGOIT, |. Ibkl,
131, GAVAI.i A, I). IHwlpllnn.,,, cd. lUntarl, p, 132 133.
m
dentro do mesmo espírito, aílrm.i, "No dia do Julgamento, toda
piwioa ociosa deverá prestar conta do tempo que terá perdido
pela sua ociosidade” .lw Dessas considerações, cujo espírito, era
nitidamente religioso, resvalou-se para uma secularizaçào cres-
i ente. Na virada dos séculos 14 e IS, o possuidor de urri mahus-
i uto do U lu cid a riu m apresenta um uso do tempo característico
do t om portam ento e da mentalidade de um burguês bom cris
tão Alguns anos depois, o biógrafo de Gianozzo Manetti lou
va o senso do tem po que ele tinha observado no humanista. Este
ultimo, relata ele, tinha o costume de dizer que Deus contabili-
m o tempo passado a comer ou a dorm ir e que no dia do julga
mento ele pedirá razão não somente dos anos e dos meses de
nossa vida, mas também dos dias, das horas e dos mais breves
Instantes. Então, Manetti nào queria desperdiçar a menor pareé
is ilo tem po que lhe havia sido dado.13" Na época em que apa-
n r i ’iii os relógios mecânicos, quando as cidades começam a rit
mar suas atividades pelas indicações dos campanários, quando o
humanismo após Petrarca descobre a história e nasce também a
I >erollo m oderna com seus conselhos de método para uma boa
oração, homens de negócios, de Igreja e de letras descobrem
i • injuntamente - e sem dúvida apoiando-se mutuamente - o pre-
I. o de cada instante e a gravidade da indolência.
Pode-se apreender essa descoberta (e as hesitações que a
precederam) na Suma de Santo Antonino. Escritor espiritual, ele
i oncebe a acidia de maneira ainda tradicional: uma “tristeza” ,
um “ torpor” , que deprim e tanto a alma humana que ela nãó se
•tente mais motivada a fazer o bem .13214
135 Ele não deixa passar em
silencio a ociosidade ,136 vício que leva ao inferno e engendra
uma m ultidão de males. Mas ele a considera fora de qualquer re-
leien eia ao trabalho cotidiano, Cristo, diz ele, fo i infatigável ao
li ingo de sua vida pública. O reino dos céus nào será então dado
aos ociosos e aos negligentes, mas àqueles que o pedem pela
oração, o procuram pela leitura e a audição de textos sagrados,
4: $i)
o impulsión.un por nii . in boas obras", E o arcebispo e.scluret e
a pos Sao bernardo <|u«■ "otaipar se de Deu.s nao e ociosidade r,
portanto, pecado, mas ao contrário é a ocupação das ocupa
ções” . O termo p lg rú lo aparecí1 em seu escrito, mas para deslg
nar a lentidão a converter se, a confessar se e a bem agir.1’ < > di
retor de consciência so tem em vista, portanto, objetivos esplii
mais, até mesmo eclesiásticos, () essencial de seus desenvolví
mentos a esse respeito incide sobre as múltiplas “ negllgém las'
que sobrecarregam a vida religiosa dos clérigos c dos lelgoN
prelados recusam instruir-se ou cum prir os deveres di' seu caí
go; religiosos nào recitam as horas canónicas; fiéis nào observam
as festas de guarda, esquecem a confissão e a comunhão anuais,
não vão aos sermões ou os ouvem sem escutar ou os escutam
sem colocá-los em prática.1-* Mas, depois dessas considerações
bem clássicas, Santo A ntonino assinala de maneira mais Inter» s
sante para nós o inestimável valor do tempo. Como Sa< > bernai
do, ele afirma: “Nada é mais precioso do que o tempo, mas nada
hoje tem reputação mais v il” . E prossegue:
I MI
( ilanni)/./(»; lli i i i i m l'u'i <|ik * i i liomom pode considerar
m u ís na medida em <|iir, «U<>uU* o día em <|ue vem ;i luz, a natu
reza as dá com liberdade di1 ullll/a las secundo tua vontade para
o bem ou para, o mal, I , a nalureza ordenou que elas estejam
sempre ao teu lado e que aí permaneçam juntas até o último dia,
Uma é este espírito móvel pelo qual desejamos e nos inquieta
mos ... A outra ... é o corpo.
- I.ionardo: Qual será a terceira?
- Giannozzo: Ah! Uma coisa muito preciosa. Minhas máos e
meus olhos não são tão meus quanto ela.
- I.ionardo: Maravilha! E o que é?
- Giannozzo: Uma coisa que não podes dar por testamento nem
retirar. É impossível que ela não seja tua desde que tu a vigies.
- I.ionardo: Posso dá-la a outro?
- Giannozzo: Quando, quiseres, ela não será mais tua. Essa coi
sa é o tempo, meus filhos.
II 5
Mocledadc que clá ênlase cada \ r / 111.11*<.1 »ii Ivlduclc* ierre nu, ao lu
• i<> c .10 dinheiro. A acidia era .11>c'n. 1 . um |x*cado individual. A
picgulça assumiu rapidamcnic feição de flagelo social.
N cbasiicn Brant c uma boa testemunha dessa evolução. O
1 i| titulo XCV1I da N au dos insensatos consagrado “à preguiça c à
ni li tfildadc’'1*” retoma temas morais clássicos: “a ociosidade é mãe
1I1 l<idos os vícios” ; o diabo “se apresta a explorar a preguiça e a
meá Ia". Mas certas fórmulas já soam de maneira mais moder
na "<) preguiçoso nào serve a ninguém... Feliz o lavrador que
• uva com ardor... Deus castiga a indolência e abençoa o traba-
II mi' liste é, portanto, valorizado como um absoluto. Além disso,
,1 abertura do capítulo determina que a sátira visará sobretudo os
1 l iados e criadas. Mas mais revelador é o capítulo LXIII"* que ata-
• .1 "a mcndicidade”, a qual enriquece muitas pessoas inclusive as
ordens monásticas, os negociantes de relíquias e de “bugigan
gas". Brant admite que a miséria, às vezes, “ força” infelizes a
mendigar. Mas,-essa breve concessão nào contrabalança a longa
diatribe contra os falsos aleijados, gatunos, vadios e outros “can
didatos à forca que circulam nas feiras” . Certas generalizações sào
Inquietantes, como esta, por exemplo: “Todo mendigo tem sua
rapariga que mente [e] rouba” . Em definitivo, sob o disfarce in
consciente de uma condenação global da preguiça, Brant expri
m i 1 o medo que sentem dos pobres as pessoas de posição do iní-
<iu dos tempos modernos: “Eles Los mendigos!, infelizmente sào
numerosos e estão aumentando... Muitos exercem esse ofício
para divertir-se, fornicar e viver largamente, e é um ofício segu-
10 que nào teme o desemprego... Ninguém proíbe de mendigar
nas estradas; jamais se confisca o bastão do m endigo” .
A despeito desse texto e de outrossemelhantes, foi preci
so tempo para que a preguiça fosse objeto de uma condenação
universal e se integrasse em suas mais amplas dimensões ao d is
curso culpabilizador. No painel consagrado por Jérôme Boscli
aos Pecados capitais (Museu do Pradò) é a acidia que é Fustiga
da. I Ia é simbolizada por um religioso adormecido no canto do
logo ao qual estendem em vào um rosário. I.utero revoltà-se con
Ira a ociosidade, mas pensando sobretudo na dos monges. C) que
o leva a valorizar os ofícios e o hum ilde trabalho cotidiano dos
leigos: ninguém deve abandonar um ofício para se “ enfiar num 1 8
7
4
443
convento" I Jen?* "n.io se tlelxa... satisfazer pelo lato de le i<miot
res um asceta, mu monge, unía freirá, mu pároco. Isso Ihe i gi ■
da m uito menos que o mals modesto olYclo da térra",11" Mas i • Ib
form ador que, como a l'.scrlttira, despreza os indiferentes,'" lie
qüentemente redu/ a preguiça a acidia, misto tic inórela e di o|
gulho espiritual. No G rande Catecismo, ele utili/a sobre ewtf»
tema expressões totalmente tradicionais e insiste como Santo Su
tonino sobre a alergia à pregação:
III
Mr.•■mó (.Indurando c|ut* .1 "IndoU'in la' r um "vicio” , ele confessa
I m íu Iit 'evidentemente" para c l.i pm au "compleição".11"
l ssa é uma tentação descorçheelda de (d iv in o cuja obra lo
lall/a as diversas reflexões e condenações anteriores a respeito d.i
pivgulça, Na In s titu iç ã o cristel, ele pensa na acidia quando trata
do'i perigos da “ indolência e do orgulho” espirituais. Essas atitu-
di *. extinguem “a humildade e reverencia de Deus” e induzem
em esquecimento de suas graças” .151561578*Mas Calvino assimilou o dis-
• urso da Renascença sobre o tempo:
•i.ir>
tenia que botavante cía coloca sobre a pichulea (,Miando
Bruoghol, o Vc IIim, grava cm ISSfi ISS7 a .seqiiéiicla dos sc/c /mv
caclbs capftais (biblioteca Albcrl I, Bruxelas), ele fustiga nao a
acidia, mas a p re til Iva que toma pobre'. A legenda e assim icdl
gida: "A Preguiça, Os preguiçosos e poltróes o todos e.s.srs \ o 11<• i
são sempre bem providos dc* vento, mas não ck- dinheiro" Nflil
se trata mais aqui de torpor religioso ou dc' lentidão para orar I Itl
compensação, há pessoas que "caçam moscas cm lugai de liaba
lhar” . “Ociosas não cozinlgim nem fiam nem costuram" Mm lio
mem cata as pulgas de um cão. Outros vêem cegonha*. qu* i i
sam, etc .160 A esse respeito, o D o u trin a i de sapiencia, na sua s* i -
são modernizada cie 1604, fala como Calvino. Encontra se Inii
grada aqui a concepção da preguiça: ao mesmo tempo "entoipc*
cimento que nos torna frouxos e lentos no trabalho" e "despi• . •
e aversão das coisas espirituais” .
As mensagens de Santo Tomás çleWqiiino, dc Sanli» Anlii
nino e de Alberti estão aqui reunidas - inconscientemente sem
dúvida - pelo autor anônimo que deu a lume o velho texto do
D o u trin a i. Ele fustiga, certamente, aqueles que começam algimiii
boa obra e não a terminam, ou que têm aversão pelas p» isoa
virtuosas, ou que procuram “indolentemente dc todos oh lado*
criar ou ouvir contos inúteis que divertem o espírito". Mas, ■ il m
tudo, ele insiste sobre o valor do tem po e a imperiosa neee.sslda
de de jamais estar inativo:
160. I.AVAI I íVT, |, liin ii i'iiH I ryi/i'ii, hrtti' HruígM /'(incidi, (iniriiifi,
Alt» et Md leis p*oq >bi*i o |\ulh, I*)(■»(•, 1,1 purtCi p. 't.*..
I >;i¡ os conselhos: "I U'w ■<> <i h .11.11 1,11 l.i <ll.i t|ue começa como
se Ibsse o último cl;i vida: «■ p ro b o controlar e regular hem o
tempo para o sono, paia .1•* relclçOes e para tocios os deveres e
(arelas do dia”.'"'
a iconografia do pecado
A ascensão da classe burguesa e uma situação econômica
que punha em circulação numerosos mendigos provocaram, por
"I.e Sysicnu* drn inSlié. inpluuix ilniit fari dc Ia fm du Muyen A|ic", A n »ata*
tl'( )iL<.ui‘. i- di i Mam Imam deuiuida*..
llm dos sistemas de ivpivst'nlnváo dos vicios - ou pe-
i .idos principáis f'oi o da árvore do mal, Inspirado em Sao Gre-
g o rlo c precisado por I I ugues de S ain t-V íctor.A idéia geral re
tí mi,ida do Eclesiástico. (10,6-18), é <|iic lodos os vícios saem do
oí guillo e escapam de um troncó comum em forma de gal líos
i um |<ilhas e frutos maus, que o artista freqüentemente inclina
para baixo, enquanto eles tendem a elevar-se nas árvores do
Imim. Esse tema iconográfico naturalmente diversificou-se em di
versas variantes. Ora o orgulho está na raiz da árvore enquanto
no alto desta impera o Maligno, de braços cruzados, regozijan
do •se, Ora, com o em algumas pinturas murais inglesas do sécu
loo |p "1 Eeviatà e seus seguidores formam as raízes da árvore. Os
galhos terminam cada um por uma cabeça de dragão da qual sai
um personagem representandojam vício. O Orgulho está empo
lo lia d o no último galho. Ou então, numa miniatura francesa do
seetilo l í ilustrando o Vergei de consolação , os vícios saem da
0,mda de dragões e constituem outras raízes para uma árvore en-
1 Imada pela rainha do mal (superbia ).16 1768
Outro tipo de filiação dos vícios vem de São João Clímaco
que linha mostrado que eles se mantêm juntos como os anéis de
uma corrente. Madame Mireille Vincent-Caussy nota que todas as
pinturas murais que representam os vícios na França do século
IS amarram os pecadores um atrás do outro por uma enorme
IIu rente, apertando-os na cintura ou no pescoço, e puxados por
demônios. Estes os arrastam para o inferno. Por uma razão aincla
mal explicada, tais pinturas estão localizadas na região alpina e
na região do Lot. Essas cavalgadas de vícios, que freqüentemen-
le ocupam toda uma parede lateral de igreja ou capela, geralmen-
le fazem face às virtudes pintadas na parede oposta. Todavia, nos
Vlgncaux (Altos-Alpes), o afresco dos vícios se encontrava fora
da Igreja para que os habitantes pudessem vê-lo indo e vindo da
i Ulacle. As intenções pedagógicas dos que encomendaram essas
i omposições eram evidentes.
A imagem do círculo também serviu para exprimir a solida-
i lr< lacle dos vícios ente si. Ela é utilizada desde o século 12 para ilus-
449
irar um manuscrito do i ><• wptoutirtts de litigues de Salpl Vlrtoi1""
e para enfeitar bailai litúrgicas em bronze «pk• a presunta m «»•. nu
mes dos vícios girando cm torno do prato.1" l)o mesmo modo, a*
rosáceas de Notrc Dame d<• Paris o de Auxerre en cen am a palto
maneia dentro de- um círculo dominado por Deus. () tema e enil
quecido em seguida. Ilm manuscrito em iluminura da ( 'lilih lr i/e
Deus (século 15) representa uma cidade cercada por uma muralha
circular e dividida por raios em sete bairros onde personagens em
movimento simbolizam os pecados capitais e as virtudes <pu
opõem a eles.1607117
17
9 3Duas pinturas murais inglesas tiram partido <Ia m<
2
ma imagem e fazem partir de um inferno central os ralos d< uma
roda que separam os compartimentos dos vícios do setenílrlo 1
Uma gravura realizada em Augsburgo em 1477 apresenta uma nora
de água da qual cada vício é um balde. Girando, ela despeja < t lili
pados num lago infernal onde os esperam monstros c demônio*»' '
Outra gravura alemã - de 1490 - coloca Deus no centro de uma
roda. Ele está rodeado por circunferências concêntricas que I» \ im
os nomes dos vícios e das virtudes.174É quase uma síntese de vdilt i*
temas que acabamos de evocar realizados por Jérôme Boscli no |>al
nel dos Sete pecados capitais que se encontra no Museu do Prado
O olho de Deus, cuja pupila representa o Cristo ressuscitado vigia
um círculo. Este está dividido em sete compartimentos onde uu Ia vl
cio é etiquetado e evocado por uma cena falada.
O vínculo entre a Besta do Apocalipse e o$ pecad» >s di >se
tenário veio rapidamente ao espírito dos moralistas cristãos, <a
suístas ou artistas. Sobre um alto-relevo de Solesmes (secul» i Pa
sete cabeças orgulhosas se torcem sobre seus monstruosos pi s
coços. Irmão Laurent, autor da Sum a do Rei, vê nas sele » aln\dH
175. Cf. VAN D ERM EER, Fr. LApocalypse dans Vart, ed. du Chêne, Paris
Anvers, 1978.
176. WALL, J. Medieval..., p. 196s.
177. Cf. DEBIDOUR, V. H. Le Bestiaire sculptél Paris-Grenoble: Arthaud,
1961. pi. 448, p. 324.
178. Opera omnia, ed. Quarachi, X, p. 24s.
179. DEBIDOUR, V. H. le Bestiaire sculpté, p. 323.
1,1
tornou-se nuil* pruebo, Num muniisc'rlto cl;i Hlbllotci w Ntn Iniuil
(por vollil de l,V,)0) esludwdo por I,, Mílle, ;i,s lektçoes c u tir pt
cado, nivel soclnl c simbolismo imlmul sao ckinimenle « Itu i«lo
das, e os vicie>s sao rc|>re,sent;ulos de nina maneira que lia se loi
nar clássica, cavalgando animais,1""
180. MAU*, lí, 1,'Art rfllgitux tis h i j l n d ii M oycn /(çv, |>, ,MI. M.N, M» lim
181. lbicl., |>. I2‘) ,W ..
182. 11)1(1,, |). m ,
o,:
«ni M7 i, o U rro dos sele /»<•( o jo s niorhds e dos sete virtudes , o
lum en uninute inspirou gravadme» e la peed ros na Alemanha e
n.i I landres do fim do século I'1 e Inicio do 16.
A depredação dos animais assim associados aos pecados
i apitais merece que nos deten liarnos mais sobre eles. Ela remete
i « llámente a ura ensinamento bíblico njaior que, colocando
Atl.io no centro da criação, afirma que apenas ele foi feito h ima
gem de Deus. Daí a necessidade de marcar a distancia entre ele
i o s outros seres vivos. Por isso, São Bernardo desconfiou de
urna arle cristã que concedia demasiado espaço ao bestiario e
• saltava exageradamente o reino animal. Na esteira desse prótes
is, os pensadores da Igreja dos séculos 14-15 consideram que o
|i<unem pecador se rebaixa ao plano dos animais, com essa sim-
bollzação dando a medida da queda. Eles se afastam então de.
uma tradição iconográfica que, notadamente durante os primei-
los séculos do Cristianismo, deleitou-se em associar a fauna e a
llora a mensagem evangélica numa espécie de paraíso reencon
trado. Para melhor compreensão, evocarei aqui dois exemplos
que falam por muitos outros. Próximo ao lago de Tiberíades, o
mosaico (século 4o) da igreja de Tabgha representa a multiplica-
• a o d o s pães e dos peixes, mas faz evoluir patos, garças e pavões
tu i meio de uma vegetação de lótus inspirada pelo Egito. Da mes
ma maneira, em Jerusalém, um grande mosaico do século 5o, que
servia de pavimento a uma capela armênia, é unicamente com-
p<>sl< >de motivos animalescos e florais, criando uma atmosfera de
tranquila felicidade. Essa harmonia entre o~homem e a natureza
encontrou mais tarde no célebre Cântico ao sol cie São Francisco
uma d e suas mais belas expressões.
Mas na época em que cresce o sentimento de culpabili
dade na Europa dos séculos 14-16, os inspiradores da arte reli
giosa tendem pelo contrário a marcar a distância entre o animal
e o homem, cio qual o m acaco, por exemplo, é a caricatura. A
literatura freqüentemente segue atrás. O tabelião real que com-
pós no início do século 14 o R om ance de Fauvel fez deste últi
mo um animal simbólico, asno ou cavalo, que encarna todos os
vidos humanos nas seis letras do seu nome: Flatterie [= Lison
ja I, Avareza, Vaidade, Vilania, Envie [= Inveja] e Lâchetç 1= Co-
vardial, enquanto todos os homens - papa, rei, senhores, pa-
•11es, burgueses e aldeões - não têm outra ambição a não ser
espancar Eauvel”. Todo um simbolismo anteriormente recebi
do encontra-se então posto em questão, ou até invertido no
453
sentido negativo: <> pavao, que un les significava a vida etenuh
c agora Identificad* > ai> <)rgulht>.
Como a p reocupado do pecado mortal era onlpresenle
nos espíritos, os artistas imaginaram lodo tipo de rcprescutaçne*
para evocá-la. Alguns utilizaram a história. Os tapeeeiros, m i p u
ticular, que se dirigiam a mu público culto, recorreram eom pie
dileção a comparações entre os vícios e personagens c<’lelm i
Tarquínio, Holofernes, Judas, Ñero, Maomé. A idéia dessas com
parações parece ter nascido na Itália onde ela é explorada em dl
versos manuscritos do século 14 .m Mas ela transpõe rapldameit
te os Alpes já que, desde 1396, Filipe, o Ousado, compra uma la
peçaria (de Arras) na qual virtudes e vícios são simbolizados pot
imperadores, reis e ouros personagens célebres. Mais tarde cm
1488 - , as Horas pa ra uso de Rom a de Simón Vostre mostram a .
virtudes triunfando sobre seus mais célebres inimigos: ,i I. «l> i
ruba Maomé, a Esperança, Judas, a Justiça, Nero. Sobre a grande
tapeçaria (flamenga) de la Granja,184 ao redor da Justiça sentada
num trono, agrupam-se os grandes homens que a honraram, cn
quanto ao fundo estão acumulados os antigos criminosos e re\ •>|
tados famosos que o céu fulminou.
Todàvia, considerando a imagem negativa que .i lgre|á II
nha então da mulher, esta não deixou ele ser identificada ao pc
çado pela iconografia.185 A “rainha dos vícios” no pico das di vo
res do mal é sem dúvida a superbia, mas será que não e lambí m
mais simplesmente a mulher? Na Peregrinação da vida hum ana
redigida por Guillaume de Digulleville, o viajante, que c cada um
de nós, encontra tantas mulheres quantos pecados. Estampa*
francesas do século ló, mencionadas no volume anterior.. e 11 m
sagradas aos pecados capitais, simbolizam ora cinco, ora seis de
les por figuras femininas. Mas mais impressionantes e revi lado
res são aqueles verdadeiros diagramas que constituem Imagen*
boêmias e alemãs representando a Mulher-vício. Coroada de plu
mas de pavão, símbolo do orgulho, ela simboliza a totalli la<li «h >
pecados capitais graças a achados iconográficos cjue os contem
porâneos interpretavam facilmente: uma cie suas pernas em Imi
ma de pata cie ave, chamada acedia , c mordido por sua outrtl
455
do ilr uma luí .1 que liin.i mullid lenta deter, N;lo somt’uli
Busch deu diversas veisnes dessa obra, jiniih .iluda retomou o
tema dos pecados i.ipltals e das punições Infernáis <|lk* eles
acarretam ¡\ns Ja/^amentos fin a is de llruuc.s e de Vlena, <> pal
nel direito do Ja rd lm J a s (/cítelas (Musen do Prado) volia, poi
sua vez, aos suplicios merecidos e sofridos por cada e.iiegiiiiu
de pecador, estando claro que o jardim das delicias uní patai
so para nudistas num gigantesco parque de a tra p e s longe de
representar o paraíso terrestre, evoca sobretudo um mundo en
tregüe à luxúria.190 Nem sequer está excluido que, na T raillólo
de Santo A nton io de Lisboa, os sete sedutores rodeando o ero
mita não Simbolizam os pecados capitais, l’.m outra de ,sua*i
obras mais célebres, A carroça d e fe n o , Bosch ataca o a mui lu
sano das coisas terrestres que faz esquecer a única realldadi
que conta: a salvação. Ainda, em neerlandés antigo, a pal.n i i
H oo i (feno) significava alegóricamente o caráter efêmero das
coisas deste mundo. O conjunto forma um tríptico que p< >d< ii i
ter como legenda: “Nascimento, propagação e castigo d< > mui"
À esquerda é lembrado o pecado original; á direita aparece o
inferno para onde os demonios arrastam a carroça e todos
aqueles que furtam feno para saciar sua cobiça. Sentados sobl’t
o enorme monte, dois namorados, fascinados pelo dcse|o i ul
pado e encantados por uma melodia demoníaca, náo escutam o
anjo da guarda que, desanimado, se volta para Cristo. Ao tedoi
do feno, imagem do ouro perecível, apressam-se mi entn i lm
cam-se papa, imperador, monges, bandidos e representantes di
todas as classes sociais. A dominante da obra c, portanto, a di i
pía denuncia da luxúria e da cobiça.
Brueghel, o Antigo, sucessor de Bosch a vários utulim
consagroir, por sua vez, uma série ele estampas ao tema d< •. |h
cados capitais.101 Os personagens monstruosos e as visees Inlei
nais de Bosch, sua mescla ele realismo agudo e de íaniusilin
aterrador ressurgem nas sete gravuras realizadas poi Brueghel
sobre o tema dos pecados capitais, A mulher que simboliza a
guloelice bebe gulosamente, enquanto um porco selvagem qm
ela pisoteia e um cão disputam nabos entre si. No Jardim tio
190. MARIJNISSEN, R. 11. r col. ¡Mtnc Houb, llmxdlcs, Al. Au.ulc, 19,0,
p. 126, 150-152. C f. aunhI TOI.NAY, Ch, dc. l/ltnmymus Botch> Lomlui
Mcilmcn, 1966. Noiuduiuciuc p Slt (i9.
191. I.A V A I I l\Y I,, |. t uiii» isiii li vt/i u , pl, II ,i 97 inclusive,
li >b
•mu )i cvtpaço cl;i luxiirlu umu nuilhci nua se entrega a um
monstro com cabeça de peixe, rh
Às vezes, os artistas simbolizaram mais particularmente
um dos vícios capitais. Penso aqui no tema da “'forre de Babel”,
ni.igl.slralmente tratado por Bruegliel (Viena, Kunsthistorischcs
Museum), mas que foi explorado nào apenas pela pintura, mas
também pela iluminura.192*Compreende-se que ele tenha seduzi
do os artistas da Renascença. Porque ele fornecia a ocasião de
n produzir a arquitetura tão admirada do Coliseu e evocar ao
mesmo tempo a técnica da época, notadamente ^as grúas que
i ada um podia ver em Bruges e em Anvers. Mas a essa leitura
deve-se acrescentar outra, de ordem diferente. Os homens dos
séculos 15 e 16 viam na torre dei Babel o símbolo do orgulho
punido por um duplo castigo: o desabamento dos andares su
periores que focavam o céu e a confusão das línguas, lista últi
mo significava a impossível com unicação entre os homens que
Insistem em seu pecado.
Os homens do Ocidente no início cios tempos modernos
eram colocados constantemente na presença do pecado c de sua
punição. Até mesmo o meigo, e luminoso Fra Angélico pintou
um inferno (no Julgam ento f in a l do Convento de San Marco, em
I lorença). Por toda parte surgiram representações da grande
prestação de contas e das evocações do julgamento individual
em que os demônios procuravam fazer a balança pender para o
lado do inferno.195 Mas há um pecado curiosamente esquecido
pelo setenario clássico e que os contemporâneos encararam com
temor (e deleite) novos: a maldade, principalmente aquela que
se exprime pela crueldade. É reveladora a esse respeito a proli
fera iconografía do século 14 ao século 16 (inclusive) consagra
da não apenas à crucificação do Salvador, mas também às dolo
rosas etapas de sua Paixão. Nenhuma época na história da arte
cristã pôs tanta aplicação e exagero na representação clps carras
cos odiosos que injuriam o Cristo coroado de espinhos, o flage
lam ferozmente e tornam a golpeá-lo quando ele cai, extenua
do, no caminho cio calvário. 0 “Homem das dores” - Devoto
192. Cf., entre outros, de Tobias Verhaecht (1561-1631) uma grande torre de
Babel ameaçada por um céu de tempestade (Museu Real de Belas Artes, Anvers)
c uma miniatura de- 1433 conservada em Londres reproduzida em CALI, Fr.
L'Ordreflam boyant, Grenoble, Arthaud, 1967, p. 87,.
i 93. Por exemplo na sala 32 do Museu de Arte antiga de Barcelona. Sobre a
crueldade cf. a última parte do cap. V do presente livro.
457
Cristo ele IVrpIgnan, Crurll'lunlo de Issenhelm ou "Cristo mm
clor de denle" dii »aledral de Vlena (Áustria) ■ aparece entilo
como a vitima privilegiada da maldade humana (|Ue se deleita
em torturar, De maneira pedagógica, itm triplico pintado eut
1507 por (loo,sen Van der Weyden (Museu das Helas Artes, Alt
vers) coloca no centro a cruz e, atrás dela, mu quadro represe n
tativo clos instrumentos, crueldades e traições da Paixão. Na lm
nografia da época, o sadismo dos carrascos explode também
contra os santos confessores da fe. O martirio destes últimos |iín<
pirou os artistas tanto quanto o .de Jesus.
AconteCeu-me varias vezes em museus - em Barcelona,
em Anvers, em Varsóvia, etc. - de fazer a experiência seguinte
(menos evidente na Itália ou quando se trata de obras italianas!
passando de sala em sala, e descendo da alta ldade Media pata
os séculos 14-16, eu via multiplicarem-se as cenas de tortura l;' a
época em que se corta, se queima, se esfola, se atenaza, Assim,
incessantemente, uma sociedade representou e denunciou iiium
sem dúvida também saboreou - a crueldade, a qual parece’ ler as
sumido uma dimensão e uma extensão novas entre a época das
Grandes Companhias e o fim das Guerras de Religião, I oi oln n
vado194 que a Legetjda dourada, tão frequentemente pul>ll< ida
em iluminura ou pintada e depois impressa, tinha constituid...... ..
verdadeiro “manual cie torturas”. Julgue-se: São Bonifácio vé en
fiarem agulhas sob suas unhas e São Quintino, pregos em sua i a
beça, São Vital é enterrado vivo, São Brás varado com pinos, San
ta Eufêmia prensada entre as mõs de um moinho, Santo I llpollio
atado pelos pés e mãos às costas e amarrado à cauda de um i i
valo, São Sebastião crivado de flechas a ponto de parecer um <ui
riço, São Cristóvão sentado à força sobre um banco mcuilii.........
brasa. Uma notável ilustração dessas cenas de torturas esta <mi
servada no Victoria and Albert Museum de Londres. Trata se diá
um políptico pintado para uma confraria do início çl<> século l >
por um artista alemão que vivia em Valencia (Espanha). Eli »
põe com uma surpreendente riqucy.a cie detalhes todos os suplí
cios sofridos por São Jorge “o grande mártir”. Perguntam»» nos
como o herói pode sobreviver a tantas provações já que, miles
de ser decapitado, ele é escalavrado com rodas dentadas, mergu
lhado em óleo fcrvcnte, esfolado s<>bre uma mesa, Seus algo <s
tinham até com eçado a sena Io como um animal de .g o n g u e
458
Tuilo.se pus,s;i com o .*>»•, m v m «l< >inlnl< >, o h fatos tivessem
apanhado ele surpresa .1 i mu «<111ia11e.1 .i<>: uma civilização se
descubre cruel antes que os moca lisias tivessem tido tempo de
Integrar a maldade - pecado, porén*», tão capital quanto os ou
tros - nas suas categorias Intelectuais. O discurso sobre ela foi
mais iconográfico do que teórico; ele pode a justo título pare-
t er-nos ambíguo. A ausência da maldade crueldade (que nao é
forçosa mente um subproduto da cólera) na lista dos pecados
1 apitais constitui uma nova prova que o discurso culpabiliza-
dor tinha elaborado dentro do ambiente monástico. Essa omis
são por parte dos monges era natural... e para sua honra. Eles
podiam sentir tentações de orgulho, de invjeja, de ciúme, de có
lera, de tristeza, de luxúria ou de gulodice. Mas é difícil imagi
na los cruéis. Então esqueceram de incluir a maldade na lista
dos pecados maiores.
Resta que, num mundo radicalmente dividido entre o bran
co e o preto, os cristãos da época foram convidados por adver
lencias repetidas e multiformes, por palavras e por imagens, a
abandonar às pressas o espaço da perdição para se lançar do
laclo certo da barreira da salvação. Um retábulo alemão cio fim d< >
século 15, outrora em Gdansk e agora conservado no Museu Na
cional de Varsóvia, fornece sobre o tema geral cios dez. manda
rnentos uma clara ilustração dessa pedagogia insistente. Compar
límenlos, cada um dos quais dividido em duas partes antitéticas,
põem em contraste, termo a termo, atitudes virtuosas e condutas
pecadoras. Um desses painéis opõe, de um lado, a assistência pa
eífica e recolhida ao sermão clc um pregador e, de outro lado,
uma série de ocupações frívolas entre as quais figuram com des
laque a freqüência a um cabaré e perigosas companhias femini
nas. A homilia do pregador é fácil de ser reconstituída a partir de
Inúmeras dissertações sobre os pecados capitais que foram então
propostas aos fiéis. Esta, por exemplo, mais uma véz tirada do
Doutrinai de sapiência-.
Saibam ... que é com muita razão que se deve atacar sem des
canso os sete pecados capitais, e levá-los à morte, porque são lan
ías cabeças que, uma vez abatidas, causarão a ruína e a derrota
completa de todos os outros vícios: são os sete demônios que Je
sus Cristo expulsou do corpo de Madalena, e que, com sua fuga,
dissiparam e levaram à ruína todo o resto de sua legião. São, en-
451)
Mm, <>Mmi'U' Inlllilgi>s ilo |rovo de l.sr.icI, »|iu* •(lew iu't CMnilftp
mente vencer p a ra entrar n a ierra de proml.ssãu, cine e o iru 1
o pecado original
1. SPINA, B. Quaestio de strigibus et,lam iis, Venise, 1523, p. 9. Esta obra foi
várias vezes reimpressa com o M alleus m aleficarum , notadamente na ed. Bour-
geat deste último, Lyon, 1669.
2. MALEBRANCHE, Recherche de la vérité, 2 v., em CEuvres complètes ed. por
G. Rodis-Lewis, Paris, Vrin, 1963, IV, IX, § 3: II, p. 104. Cf. também V, III,
p. 142-157- Agradeço a M. Jèan Mellot por ter me chamado a atenção sobre
o silogismo de Malcbrauchc.
1(11
St* Lulero iiniHU .i i.i/,lo di' ser urna "maldita |n11,r , n
porque ela lol viciada pelo pecado de Ailílo, I.Ico,sienes u ■ .ili *
que o primeiro acontecimento "monstruoso" da historia lol pro
duzldo pela diabólica serpente que .sedu/lu I.\.i, Donue dn I im
o homem pior do que o sapo e a aranha, porque "iiiini i aillo
invisível” de si me.smo, ele esconde urna reserva de veneno
consequência do primeiro pecado que corrompe todas as vía*
ações. O poeta puritano Cícorge Wlther (| l()67> aprésenla a
retórica como uma (necessária) concessão a fragilidade e a <mi
rupção cío homem que, se ni o pecado original, nao lerla lldo
necessidade dela. Ela se dirige aos sentidos que, depoh da
queda, destronaram a razão.3Louis 'l’ronson (| 1700), .............. d>
São Sulpício, ensina a seus seminaristas que “nos so deveilannm
usar [nossa roupa de baixo] sempre com profundos sentimento#
de penitência; porque [ela] é uma marca contínua de n< > .........|)(
No estado de inocência, o homem não precisava de nenhuma
roupa para vestir-se, porque um certo jorro da gloria de I leus quis»
o rodeava, até mesmo por fora, servia-lhe de vestimenta" 1
Um pregador francês do século 16, Simón Vigor, \>■d> ni I
mente antiprotestante, acusa Adão de heresia: "... DepoU II tal o
apresentou [o fruto] ao seu marido, Adão, que se deixou enganai
por sua mulher e o comeu: de tal modo que o prlmeln • pe» ido
do mundo foi a heresia (eu o digo depois de Tertuliano), pi Io
motivo de que o homem preferiu acreditar em sua mulla i i tai
diabo que lhe diziam mentiras, e não em Deus que lhe havia dllif
a*verdade”.5 Numa obra publicada em 1699, o relórmadi« |a» qtu -i
Basnage vê também em Adão “o primeiro herético" da lih..... ..
“Ele deveria, diz o autor, manter a sucessão da dotltfllUl Ma#
embora tivesse [tido] - no paraíso terrestre - uma luz pura e tilllil
santidade suficiente para guiar-se; ele nào deixou d»- mudai a
religião que lhe havia sido confiada"." Igualmente slgnlllt unt o
3. Cf.'RANNOU, A. George Wither critique et tèmoin d e sou lem /m, 11 «t i|> l||vi
tado, Paris IV, 1981, ms. dat., p. 485.
4. TRONSON, L. CEuvres comp/ètes, cd. Mignc, 2 v., Pari'.. IMS I, p •! M
{M anuel du séminariste, IV “du lever").
5. VIGOR, S.-Sermons catboliijues sur les d ¡manches etJ?tes, IV)/, p 'II \ l^iit
foi Arcebispo de Narbonne e pregador do rei. Semiíto compoMo |.......Ih I
1597 (3o domingo depois da Páscoa). Ulc remete u Trmiliiuio, i onm M ,n,h•
nem, 1, II.
6. BASNAGE, J. H istoire de L'Eg/ise, 2 v., Anisicrdum, I, mp I i I '*•
scin de cct ouvrage").
• 1(12
•«iio os tn\s textos seguintes, proposll.ul.miente escolhidos longe
mi1, dos outros pelas dalas e pelas Intenses. O primeiro se refe-
ii ao nascimento da melancolía e tem por autora Santa I lildegarcla
d» IUngen C.fl 179), autora, entre outros, de uní tratado de, medic
ina, ('miscie et curae:
4(M
Dentro tío mesmo espirito, uní sermão preparado poi Silo
Vicente ele Paulo (e sen seerelarkul< >) para ser ullllzatI»>p e l t mi'»
sionários do campo faz esia pergunta Inesperada: se »* piluu im
homem tivesse conservado seu estado de IriocOnela, todos o
seus descendentes teriam sido igualmente nobres? Kesposla
(dada como provável): havería superiores e inferiores, mas ns
primeiros não teriam governado os segundos "despóticamente",
e não os teriam considerado com o seus servidores. “O homeni so
atraiu para, si esse nome [de servidor] por sen pecado, De sorle
que, se O'homem nao tivesse pecado, vós não lerieis nenhuma
autoridade sobre ele... Por conseguinte, se vós comandais esse
senador, é o pecado que vos dá esse direito”. O sermão concluí
dirigindo-se aos mestres: “Vossos servidores são homens como
vós e vós sois pecadores com o eles”.101
Contrariamente ao islamismo que - notemos de passagem
não mergulhou no macabro, a civilização'cristã colocou a queda
original\no centro’ cie suas preocupações e a compreendeu comu
uma catástrofe que marcou o início da história." Embora a narrai!
va do pecado de Adão e Eva figure no primeiro Livro do Antigo
Testamento (Gn 3,1-24), o judaísmo antigo não centralizou sua
teologia sobre o primeiro pecado. Foi somente nas vizinhanças da
era cristã que alguns escritos judaicos. (nào-canônicos) la/eiri
464
remontar a Adào om i .i-iilgi t i qnc pr'i.im .<»l>u■.i humanidade, mas
•>t in marcar nitidamente a liansmhNáo cio estado pecaminoso cio
primeiro pai à sua raça, Nos I \.mgelho,s c no símbolo de Nicela,
nao se laia do pecado original, lí sobre o “pecado do mundo" que
lesus insisle e ele nào faz menção a Adào. Sào Paulo, em com
pensado, num texto celebre da lípistola aos Romanos (5,12-21)
pòc vigorosamente em destaque o papel de-Adào: é por ele, diz o
apóstolo, que nào apenas a morte, mas também o pecado
entraram no mundo. Todavia, o objetivo do apóstolo cios gentios
c sobretudo mostrar que a graça predomina sobre o pecado e que
<> ( íristo redentor apaga a “condenação” aplicada contra a
humanidade. Graças ao sacrifício da ■•cruz, “a multidão será consti
tuída justa”: trata-se portanto de uma linguagem de esperança.
Iím seguida, até o ultimo quartel do. segundo século, a
questão do pecado original permanece obscura nos textos dos
padres apostólicos e dos apologistas cristãos. “A narrativa da
queda, èscreve o Padre Rondet, não é obsessivo [para eles). O
dogma da Redenção não é baseado em primeiro lugar sobre o
pecado de Adão como sobre uma catástrofe primordial".1- “O
pecado original, continua o mesmo autor, só faz parte da fé cristã
de uma maneira ainda bastante geral. É conhecida a narrativa do
( lênesis: Adào e Eva pecaram, mas qual foi a natureza desse peca-
11<>; quais foram em detalhe suas consequências, que lugar se deve
dar ao pecado individual no estado miserável do gênero humano,
quanto a isso, a Igreja ainda não se preõcupoú exprofesso.”" Em
compensação, no fim do século-2° e durante o século 3o, Irineu,
Tertuliano e Orígenes, cada um à sua maneira, interrogam-se
sobre o pecado de Adão, que vai-se tornar a preocupação'essen
cial de Santo Agostinho. Provável criador da expressão “pecado
original”, o Bispo de Hipona faz ao mesmo tempo uma sistemad
zaçào e uma dramatização da doutrina à esse respeito. A formu
lação que ele propõe contra Pelágio e seus adeptos irá dòravante
exercer um papel decisivo na história - e na vida cotidiana - da
cristandade latina, enquanto na tradição oriental o pecado apare
cerá menos do que no Ocidente “com o a categoria maior e lun
dadora da experiência da salvação”.1412 4
3
405
Esquemáticamente, <> slsletua do pecado segundo S.tillo
Agostinho "apilguóse transformada numa quase g n o se'1 »t|m
sen tu sc* assim: no estado primitivo de retid.to e de jusllca, Ad to
e Eva controlavam peifeltamenle todas as aspirações de seus i nf
pos e notada mente seus desejos sexuais (e uma ret< >mada do ideal
estóico do sábio governando suas palxòes). Se o paraíso tem sln
não se tivesse desfeito, os homens teriam gerado lllltos *• m
nenhuma volúpia ou pelo menos com uma volúpia governada 1
regulada pela vontade”."' A dàoe Eva eram mortais por ualitn i
mas a morte náo penetrava no paraíso terrestre. <)s animais saiam
dele para morrer1' e nossos primeiros pais escapavam da ntoih
comendo os frutos da árvore da vida.1" Sua alegria era perpetua t
sem qualquer'sombra. Eles desfrutavam de Deus. Ides eram I><u
Eles eram habitados por uma caridade ardente, uma le sluteia,
uma consciência reta."' Mas a desobediência mudou tudo. Aduo ■
Eva escorregaram da eternidade para o tempo (que <• o Itigui dt
Ioda degradação), da abundância para a miseria, da estabilidad»
para a debilidade,111 liles nào foram apenas submetidos ,u> sohl
mento e a morte, mas perderam aquela subordinação das palsoew
a vontade que lhes tinha sido outorgada com o uma grava espu
clal Da mesma maneira que os animais se revoltaram contia "
homem a ponto de alguns procurarem devorá-lo, assim lamín m
o homem tornou-se um feixe de tendências contraditórias I •• idt
enl.to "ele e dividido, disperso, estranho a si mesmo".Jl
Com o pecado inaugural apareceram a Ignorância • a
cnncuplseêncla, esta última se manifestando partleulamtenle na
e l n vt-M enela .sexual q u e a razào nào con trola m ais, a tal ponto
qu e mesmo um casamento legítimo nada mais ê q u e o limii too 1 5678920
22. Patr. Lat., XLIV, ContraJulianum , livro 3, cap. 21, n. 42, col. 723. Cl. um
bém Ibid., D é Nuptiis et concupiscentia, livro I, cap. 25, n. 38, col. 429-430.
23. Patr Lat., XLIV, D e N uptiis..., livro 2, cap. 5, n. 15, col. 444-445. Ibid.,
De Peccatorum m eritis et remissione, livro 3, cap. 7, n. 13, col. 193.
24. Patr. Lat., XLIV, Contra Julianum', livro 3, cap. 18, n. 35, col. 720-721 c
livro 5, cap. 14, col. 812-813.
25. SAINT AUGUSTIN, Lettre 217, 5 (16-17), ed. Péronne... Reproduzida
em MARROU, H. I. Saint Augustin et laugustinisme. Paris: Seuil, 1965.
26. Mesmas referências que a nota precedente.
27. Canon 3 do Cóncílio de Cartago (conforme alguns manuscritos) DEN-
7.INGER, H.; BANNWART, Gl. Enchiridion symbobrutn, definitionum etd e-
ciarationum de rebu sfidei èt morum, ed. de 1922, p. 47. n. 3.
Por Ir.is di v,,i 11 >iuli'ii.K ,i(»dos IIIIk>s ná<) I>at Izados, tIrmi ••
brc-so de novo .i visão dramática tío uní pecado prlmlllvo, á i><I
ponto enorme que deveda logicamente levar a justiça divina
ofendida a lanzar no Inferno ioda a humanidade pecadora •m
Adão. Mas a redenção isenta os eleitos desse trágico destino
Foi tão grande o impacto dessa concepção do per ...........i
ginal, que daí por diante no Ocidente cristão toda relio li»
teológica sobre esse problema se situou em relação a ela nía
para suavizá-la (com Santo Tomas, Frasmo ou Molina, ora paia
agravá-la mais um pouco ainda: o que fez notadamente I uieu i
Mas o que nos importa aqui, no quadro de urna historie igral'l i da
mentalidades, é que o pessimismo agostiniano atingiu sua HUllA
forte coloração e sua mais ampia audiencia no período |>ii\ 11>
giado de nosso estudo: ou seja, do século IS ao 17 inclusive I Ml
uma. reação em sentido contrário: o molinismo c|iie se tornou
logicamente o alvo preferido dos “antipelágicos” e Ibrner eu um
alimento novo à sua melancolia. Não é exagerado afirmai q........
debate sobre o pecado original com seus diversos sul>pi«»diilo
problemas da graça, do servo ou do livre arbítrio, da piedi II
nação - tornou-se então uma das preocupações prlivlpal da
civilização ocidental e abrangeu finalmente todo mundo, desdi
os tçóíogos até os mais modestos camponeses. Porc|ue rsii < •••
viram presos no turbilhão das Guerras eje Religião. Alé os índio*
da América foram batizados às pressas para que na morie nãil
fossem encontrar seus ancestrais no inferno.
Temos sem dúvida alguma dificuldade hoje em inedii o
lugar que o pecado original ocupou nos espíritos e em h »«l<is <is
níveis sociais. Esse lugar era certamente muito maior qu< iqin l
que ocupa hoje a noção de “luta de classes”, que não c realnu lili
Vivida por uma ampla fração das populações. I um falo qm no
início da modernidade européia o pecado original e suas i uirm
qüências ocupam o centro do palco - um palco multo agll uln \
Reforma protestante é de início e sobretudo a proclamação da
justificação pela fé, sendo esta absolutamente necessária ao
homem decaído. No seu tratado sobre o Servo arbítrio, <|u|
responde a uma obra simétrica de Erasmo sobre <> l.lvre ..........o
I.utero dirige ao seu adversário este estranho cumprimento In
pelo menos, não me cansas com tuas chicanas dr lado solm o
papado, o purgatório, as indulgências e outras ninharias. . lu rtf
o único c|ue pegou o no da questão, lu mordeste na \» Ia
dílH
obrigado, liras nu Dentro iln mesmo espírito, Belarmino
exclamará: "Toda a controvérsia cnln* católicos e íuteranos é
saber sc a corrupção da natureza e sobretudo a concupiscencia
cm si, tal com o ela permanece nos batizados e nos justos, é pro
priamente o pecado original V"
I.útero e Belarmino tinham razão. Certamente, o conflito
entre católicos e protestantes se ampliou e se dispersou por
múltiplos terrenos - eclesiologia, tradição, sacramentos, presença
real, jejum, etc. Mas o essencial era realmente aquilo que, desde
o Início, o doutor Martin tinha designado como o problema
maior. Do mesmo modo, a Confissão de Angsburgo (1530)
exprimiu sua concepção - bem agostiniana - do pecadq-original
Imediatamente após ter proclamado sua fé na Santíssima Trin-
dade.'" O Concilio de 1 rento, reunido em dezembro de 1545,
respondeu-lhe em junho do ano seguinte, depois novamente em
janeiro de 1547, sublinhando a parte do esforço humano na obra
da salvação. Foi só em seguida que se ocupou dos sacramentos:
prioridade reveladora.51
Alguém podería julgar que as posições sobre a gravidade
e as consequências do primeiro pecado estavam esclarecidas e
lixadas pela divisão da cristandade latina em duas partes agora
hostis uma ã outra. Absolutamente não. Era tal o interesse por
esse problema incessantemente renovado e mostravam-se de tal
modo inesgotáveis as interrogações a esse respeito, que'surgiram
conflitos cada vez maiores no intérior de cada confissão. Os
católicos se dilaceraram entre jansenistas e motinistas, e os
Protestantes entre Arminianos e Gômaristas. Em todos os casos,
ira lava-se não apenas de medir o impacto do pecado original
sobre a natureza humana, mas também de sondar os mistérios da289301
460
predestinado, emitíanlo os Gomarlstas afirmavam que o ilet reíd
da eleição ou da reprovação é anterior ao da c|iietla de \•11- •
Todo o peso da crítica global de Volta iré contra o (Irisllanlsinq
devia, em breve, incidir sobre o pecado original''1 tal tom o era,
então, ensinado.
Ele era constantemente apresentado aos fiéis pela livutgr m
e pelos textos. A iconografia consagrada ti esse tema <• anliga MA
tentação e o primeiro pecado já figuram numa plntllrtl dal
catacumbas de São Januário em Nápoles (sécu lo 2"), de|.........
afrescos "cie Doura-Oropos. Ao longo da Idade Media, sao em oq#
trados nas paredes de Saint-Savin, nos capitéis cie ( lluny ott dl
Saint-Benoit-sur-Loire, nos mosaicos de Monreale, nas l,u liada*
cie Notre-Dame-la-Grancle em Poitiers, da catedral cie E.sliashuq i
e em muitos outros santuários. Entretanto, a proliferação ma sima
cias representações do pecado cie Adão e Eva se locaII » uo
séculos 15-17 sob o duplo efeito cia multiplicação das u b i a s . l.a
arte e das preocupações conjuntas das Igrejas docente e d Is» enle
Não féria fim enumerar os artistas de renome que, durante ■»« ••
período, evocaram a trágica desobediência: de Ghiberll a Pult» ii
de Hugo van der Goes a Ticiano, passando por Ki/zo, I Min i
Lucas Cranach, o Antigo, Rafael e Miehelangelo. O n/e gravunfl
de Lucas de Leyde são consagradas ao pecado original 1 Ma
sobretudo, ao lado das obras maiores, quantos vi Ira Is, e qu mti
retábulos incluíram o primeiro.pecado na sua catequese colmldal
Alguns marcos permitem balizar a crescente dllusao da
doutrina. O Dram a de A dão (século 12) foi uma das pi lim li n
obras dramáticas representadas fora da igreja. Entretanto, ai< o
século 15, os textos sobre o pecado de Adão e Eva são sobrei u
cio obra de teólogos dissertando para o círculo restrito d< is <li 11
gos. As coisas mudam a seguir com o sucesso dos "mistérios" c
a invenção da imprensa. Um público cada vez mais ampl..........a
ta agora sobre o primeiro pecado e suscita obras de grani 1» repéi
cussão. A primeira jornada da Paixão de Arnoul Grélxm ( M
apresenta de início a história cia criação até o assassinato de \l»*i
e a morte de Aclão; depois, vemos nos limbos Adão rogar p< n um
Redentor, enquanto no inferno os demônios cantam ,i perdí» to32*
170
do gênero humano, Enfim, io ••<u, ,i Mrdeiiçdo c dedclida, Num
outro mistério, o do Velho Tcslamculo, Impresso por volta de
1500, Eva morre diante dos espeeladores deixando escapar este
triste “adeus”/
47B
do homem no aparei linenio do ni.il sol)iv a ierra e alenuáila, <|iuin
do não suprimida: uní principie» mau <>põs se* ao I >eus hom; 011 um
Deus perturbou a obra dos outros deuses; ou an|os maus enslnti>
ram aos humanos as arles perversas da civilização; ou as alma*, pi
caram antes ele sua existência terrestre e entibo "caíram" pot etico
lha nesse corpo transitorio que c seu castigo. Os idealistas alem ti
dirão que o mal nada mais é que um momento dialético do desi n
volvimento do bem. Em compensação, o judeu-crislianlsmo, sem
cancelar a iniciativa da serpente tentadora* deu ênfase ao IIvn •p«
cado do homem e a inevitável solidariedade entre Adão e m u di
cendência. Sob certos aspectos, Kant permanece fiel a explli ação
crista quando detecta no homem um “mal radical”, lima tendí m la
natural à perversidade.4’ Todavia, para o filósofo de Kónlgsbi ig
deve-se renunciar a procurar a raiz desse mal num fato passai I. * m
a Bíblia fala de um começo do pecado, não se deve entendei I.....
historicamente. Adão é cada um de nós. A dimensão diacrónli a, ai •
contrario, é restabelecida por Freucl que, ao mesmo tempi >em i pn
esvazia a transcendência, coloca na origem do sentimento de <ul
pabilidade um grande acontecimento traumático: o assassinato do
pai da horda.16, Th. Reik tem então razão ao escrever que "
Cristianismo e a Psicanálise, nas suas tentativas de elucidaçái», pai
tem de uma mesma suposição, ou seja, que um acontedmeul<» pu
histórico é a causa do sentimento de culpabilidade coletivo",1 seu
do verdade, entretanto, que Freud em seguida rcintroduz no *.« 11
sistema explicativo um elemento diferente do pecado hertslliailo
o “instinto de morte” que se junta ao “mal radical” de Kanl,
Se tentarmos distinguir as características principais d.i dou
trina cristã tradicional relativamente ao pecado hereditário qu.i
tro elementos sobretudo se impõem: J°) a constatação da exlslén
cia do mal sob todas as suas formas através da história hutiniiut
2°) o imensQ esforço teológico para esclarecer a esse ivspHto i
responsabilidade de Deus, o que foi feito colocando a carga no
homem. Como escreve São Boa ventura:
45. Sobretudo cm /,./ Religión dam les lim ites de Ia Raison, cil. I <■il •>Iln
1952, p. 50-60.
46. FREUD, ,S. lotou et talam. Puris: 1’ayot, 1976, p. 162-165.
47. RI.IK, Th. Mythe et citl/utliHM. (rim e et ehàliment de llittmitiiite l'm
PUF, 1979. p. 166,
171
nos tlvcasc .sobiei .hii j 1111...... ni 1111111111 misérias ou permitido que
o fôssemos sem nenhuma i ulpo. .1 divina providência oào nos
governaria nem com piedade, nem eonlbrme a justiça. Nosso es
lado atual, sob o governo de um Deus justo e bom, só pode en
tão resultar de uma punição.'"
475
Como iiiio tu >i ,ii iitt semelhanças entre essti nurratlvn e .i i lo
Génesis cjuc- sublinham, tim.i e oulru, .1 curiosidade da Mulher, ,i
necessária solidariedade dos humanos entre si, a punição man a
da pelo afastamento de Dens, o tlesap«ireí Imenló do paraíso leí
restre e a erupção da morte?
O texto do Génesis, entretanto, não ocultou aos espíritos
mais penetrantes o caráter misterioso do pecado e da culpabllld l
de hereditários. Um teólogo do século 12, Robert de Md In, Intuí
rogando-se particularmente sobre a sorte das crianças não batl/a
das, declarava: “Ninguém deve fazer a pergunta: de onde vem que
a alma da criança seja culpada diante de Deus por causa do pei 1
do”, acrescentando mais uma vez: “É preciso reconhecer com I In
gues [efe Saint-Victor] que a justiça de Deus, se é irrepreensív el, »•
incompreensível”.50Pascal não hesita em escrever: “Nada nos to» ,1
mais do que essa doutrina... O nó de nossa condição pega suas
dobras e suas voltas nesse abismo”.515 4
3
2São Vicente.de Paulo, num 1
conferência a seus missionários, declara: “Senhores c meus lrma< >s,
é preciso que haja alguma coisa de grande que o entendimento
não pode compreender nas cruzes e nos sofrimentos”. ”
Bayle, sobretudo, foi obcecado pelo problema do mal, qui
tão insolúvel colocada à fé num Deus único e bom.' Porqu< «
Deus “previu o pecado de Adão, e se não tomou medidas liem >•1
tas para evitá-lo, ele carece de boa vontade para com o homem, ,
Se ele fez tudo o que pôde para impedir a queda do homem, 1 .1
não pôde chegar a bom termo, então ele não é todo-poderosn
como o supúnhamos”.51 Bayle continuou cristão, nota J. P. Jossua
que destaca esta declaração final: “Eu morro como filósofo <lisl/m,
penetrado e persuadido das bondades e da misericórdia de I leus' '
50. MARTIN, R. “Les idées de Robert de Melin sur le péché originei ■ni AV
vues des Sciences philosophiques et théologiques, IX, 1920, p. I IS.
51. PASCAL, Pensées, n. 434 da ed. Brunsclivicg
52. PAUL, Vincent de. Entretiens spirituels aux missionmires, cil. A, I
Paris, Seuil, 1960, p. 129.
53. Sobre Bayle cf. o notável trabalho de LABROUSSH, U. P iare H,iyJc, I I S,
pays de Foix h la cité d'EtUStne; II / léiéivdoxic et rigorisme, La Haw, M I li|
hofF, 1964. Sobretudo aqui t. II, p. 146-387. Cf. também [OSSUA, I I'
P iem Bayle ou lobsessiou du inul, Paris: Atibier, 1977; D iscotas chiétiem el
scandale dunutl. Paris: Chalet, 1979.
54. Répon «vi nus que\tion\ d'ttn ptvvim htl, ¿,[ pane, cap. Hl (cm Uiutw\ t/hiei
ses), La I lave, 1/31, III. p. 063 dtiidu em |t)SStIA, L I! Discouts, , p, 111.
55. IO S SI IA. I I! P i e m H,iyle , p, Io/. I.ABIU HJ.SSL, b. /,' Rqy/c, I. p, ’o9,
Másele mio procurou negai ,i linpi tvilhllkludc para a razão de com
preender o porque tío mal. Nomiu Inteligência deve humilhar-se
dlanle desse misierlo <|iu' la/ ao mesmo lempo “o homem conhe-
i ei Mías trovas o sua Impotencia, o a necessidade de outra, revela
i .a i"," Eormulando esse fideísmo, Bayle nao está muito afastado, no
Ilindo das coisas, de Pascal e de Bossuet. Todavia, mais do que es
te.',, ele dá ênfase ao caráter incompreensível do mal e do malefí-
i ii>, enquanto os Pensamentos ele um e os Sermões de outro acen
tuam vigorosamente que a solução foi encontrada.
Pascal mostra que a fé propõe duas verdades “igualmente
»<justantes”: urna, que o homem no estado da criação ou no da
giaça está acim a'de toda criatura, torna-se semelhante a Deus e
participante de sua divindade; outra, que no estado ele corrupção
ou de pecado,'ble decai daquele estado e tornã-se semelhante
aos animais”.ST Quanto a Bossuet, 'ele anuncia quase triunfante:
"Nos explicamos o enigma. O que há de tão grande no homem
e uní resto de sua primeira instituição, ... mas por sua vontade
<lepravada ele caiu em ruinas”.5 *58Bayle sem dúvida não teria acei
6
tado com tanta segurança fazer o homem assumir toda a respon
sabilidade do mal e do maleficio que desolam a terra. Ele critica
os diversos teólogos cristãos - do Tomismo ao Socinianismo -
por querer resolver um enigma que ultrapassa ó entendimento
humano. A explicação pelo pecado original não.é urna explica
d lo. "A maneira como o mal introduziu-se sob o império sobera-
n< >de um Ser infinitamente bom, infinitamente santo, infinitamen
te poderoso(é nao apenas inexplicável, mas até mesmo incom
preensível.”59 Não se resgata Deus imputando a culpa a Adão:
"Permitir uma coisa, propriarhente falando, é deixá-la seguir um
curso que se podería impedir”.60 Nossos contemporâneos, agora
prudentes, concordam com Bayle e co m je a n Nabert que é pre
ciso “renunciar a perguntar por que existe mal e com o o mal e
477
possível num universo cuja existência se começou ;i ¡itrlluili .1 um
princípio (|ue garante* sua ordem e sua hondada","1
Ao contrário, para a Imensa maioria dos europeus de ,m
tlgamcntc, ate o século IK ainda, náo existia realmente* um mis
té'rio do mal. Ides pensavam com o Iios.su et que "o enigma" rntd
esclarecido, lima "questáo Insolúvel da filosofia humana"' loi
na sc* clara pela religião que Indica "o momento preciso em qm
|o liomeml foi despojado da justiça’’,"^ ) pecado original tornou
se para uma elvllizaçáo inteira uma espécie de deus c,\* iinn hi
ua utilizado a lodo instante como razáo última c* definitiva de
tudo o que vai mal no nosso universo. () recurso a essa expll
caçao constitui um lato histórico de primeira grandeza: como
nota justamente, um teólogo de nossa época, o Padre Martelei
61. NABERT, J. Essai sur le mal. Paris: Aubier, reed, de 1970. |). *i(> ’>/. A^ia
deço ¡mensamente à filha de Jean Nabcri por ter chamado minha aicnçin
para 0 ensaio dc seu pai. Cf. também ADAM, M. Le Sentiment du M /V (iene,
Paris, 1967), p. 127.
62. MONTAZET, A. dc. histfuction pastonde ... sur les sotares de /'incrd/itlih1
ei les fondernents de la religión, 1776, p. 136. CROI*. I'HUYSHN, H, Origine1
de l'esprit bottrgeois, Paris, Callimard, cd. de 1956, p, 136 Mnntpa/rt,
Arcebispo de I.yon era favo nivel ao Jansenismo.
63. DU CiUb.T. J. |. lispllciition dit Unir de ht Cíenhe, 1732, I, p. 3H2. <iRt )l
l'l íUYSEN, II. Ibid. Ih iC u e t fol amigo do Antoine Amauld.
64. MAR'I T'i T'.T, < Vítor o 11/01111 / 'hui l,t foi de tottfoiirs: irlecturt dn ordo l'a
lis: <’.crl. 197/. p, |9, |, ......iiabdeiiilo a partii <le conferências dada* 0111
N01ic I )anie de l'arU,
I7H
lal ocorrida sobre .1 tena 1 <> >«nl m che .1 ordem de mover-se e
ile brllluir de manelr.i .1 ,1leí, 11 .1 lena au n um frió e um calor ape
nas suportáveis, de tra/.ei do norte o inverno decrépito, de trazer
do sul o calor solsticial do verán,““ Anjos ensinam “às estrelas fi
xas corno derramar sua influência maligna” e aos ventos quando
deverão “perturbar o mar, o ar e o litoral”.6567 Adão desesperado
queria morrer. Ele se lamenta dizendo: “De mim, o que pode sair
<1ue.não seja corrompido?... [Eul unicamente sou... a fonte e a ori
gem de toda corrupção”.08
A historiografia das mentalidades deve evidentemente es-
forçar-se para compreender com o uma civilização pode tomar
para si a explicação - sobretudo agostiniana - que Milton, com e
após tantos outros, lembra no Paraíso perdido. Bm primeiro lu
gar, quase ninguém sabia na Europa dos séculos 15-17 que na Bí
blia adão é muito mais um nome, coletivo do que um nome pró
prio. Não se levava em conta o conselho de Richard Simón:
“Como então a maioria das palavra são equívocas, principalmen
te na língua hebraica, é necessário saber todas as suas diferentes
significações; depois aplicaremos- aquele que convém melhor à
matéria de que se trata”.69 Em hebraico, a mesma raiz exprime
normalmente o todo (o homem) e a parte (Adão). Daí as ambi-
gü idades. A Bíblia de Jerusalém traduz Gênesis 4,1: “O homem
conheceu Eva, sua mulher”, e Gênesis 4,25: “Adão conheceu sua
mulher”. De fato, nos textos bíblicos, adão é empregado 539 ve
zes no sentido coletivo de “homem” e mais precisamente de “ter
roso” e menos.de uma dezena de vezes com o nome próprio; “Je
sus, por sua vez, jamais fala de Adão nem cio pecado de Adão”.70
A atribuição ao primeiro homem de um pecado de dimen
são cósmica foi facilitada pela idéia unánimemente aceita de que
a história humana se desdobrava dentro de uma cronologia cur
ta (de seis ou sete mil anos) que se aproximava de seu termo.
Não se tinha a menor idéia da espessura dos arquivos geológicos
471)
%
dHO
viveram os pré-adamllUN A oliia, l'tvdihmilUH’ .. (1655), agraciou
aos libertinos mas suscitou as coleras conjuntas dos católicos e
do*, protestantes. Sen autor lól preso na Bélgica por ordem do
Anchispo de Malines e o livro condenado pelo Parlamento de
l'ails. l.a Peyrére retratou-se e abjurou o Protestantismo.'
No universa mental da Europa pré-industrial, outro ele
mento importante, solidario ao precedente, é a crença geral no
paraíso terrestre. Pascal, é certo, recomendava que se falasse dele
i om prudencia: “Nós nao concebemos, escreve ele, nem o esta-
•li i glorioso de Adão, nem a natureza de seu pecado, nem a trans
missão que se fez em nós. São coisas que se passaram no estado
de uma natureza totalmente diferente da nossa e que ultrapassa
i» csUlgio de nossa capacidade presente”.”’ Milton, entretanto,
•i mtemporáneo de Pascal, tinha prazer em evocar “o estado glo-
i li i.si >” de Adão. Tendò ficado cego, ó poeta compensou essa en -
I» rmidade dando uma descrição do paraíso terrestre tão colorida
• I.lo Inebriante (livro IV) qüe geralmente é vista como o auge de
s eu poema. Ele mostra Satã chegando à beira do Éden. Desco
brindo uma paisagem maravilhosa, os animais fraternais entre si,
i ' homem e a mulher belos, puros e nus, ele quase lamenta seu
|lis ado. Piores e frutos formam “um esmalte mesclado de ricas
11ires"; brisas suaves e perfumadas espalham uma alegria prima-
verll; de uma fonte de safira correm riachos que rolam “sobre pé-
11ilas brilhantes e areias de ouro”. A serpente avista Adão e Eva,
"d mais belo casal que jamais se uniu nos abraços do amor”.
Mais adiante “o leão brincando empina e nas suas patas acalenta
o i ervo; ursos, tigres, linces, leopardos dão cambalhotas diante
deles V Para além dos séculos, a descrição idílica de Milton jun
ta se as dissertações prolixas de Santo Agostinho sobre o Jardim
do Éden.7'’7689
76. RONDET, H. Le Péché originei, P> 259-261. D .T.C., VIII, col. 261S
2616, “La Peyrère”; XII, col. 2793-2796, “Préadamites”. HAAG, La Fratue
protestante, VI, p. 305-307, “La Peyrère”. PINTARE), R. Le libertinage érudit,
Paris, 1943, p. 362.
77. PASCAL, Pensées, n. 560 da ed. L. Brunschvicg.
78. MILTON, L e Paradisperdu, livro IV, versos 130-358, trad. P. Messiaen,
p. 200-201.
79. Sobre o estado glorioso de Adão antes da queda segundo SANTO AGOS
TINHO; cf. notadamente D e Genesi a d litteram, VI, XXIV-XXVII, 35-38
(Patr. Lat., XXXIV, col 353-355), IX, X-XI, 18-19 {Patr. Lat.,. \bid., col. 399-
400), XI, 1 ,3 {Patr. Lat., Ibid., col. 430); D eN uptiis et concupiscentia, II, XIII,
481
A erenvii num estado *’<|ua.st* feérico"”" da humanidade n.r<
con lo permanecen por longo lempo mullo viva na nos,su civiliza
vão ocidental. lintretanto, os primeiros escritores aislaos ilnliam
rejeitado em bloco a época de ouro e as libas encamadas da pi n
sia greco-romana, Mas desde o século 2", com Sao Justino, esseii
mitos pagaos se introduzem no comentário do Génesis.’" bles san
Helos como uma versão pagà do bden cristão. No Orlenle, o llr
xam m rn de São Basilio (| 379) e as homílias anónimas Inspirada ,
por ele contribuem amplamenle para propagar a Imagem populai
de um paraíso terrestre situado sobre urna alta montanha, com um
Clima sempre temperado, repleto de llores e ele frutos, com ríos
de mel e de leite e animais sempre mansos, hm (al amblcult ,
Adão e bva viviam como anjos: belos, imortais e sem paixão, São
João Damaseeno (| 749) completa esse quadro idílico precisando
que o paraíso terrestre estava situado a leste da terra, sobre uma
montanha mais elevada que todas as outras e vivia mergulhado
numa luz, maravilhosa. Todos esses detalhes encontram-.se* ainda
melhorados no Conicntcirip cio paraíso, redigido em siríaco no sO
t ulo U" por Moses Bar Gephas, Bispo de Mossoul. Sua obra e uma
•ilnlesi de iodos os escritos anteriores consagrados ao bden,
Na t tistandade latina, os grandes divulgadores da Imagem
pai o li ,i,»< ,i du lilen são Santo Ambrosio e Santo Agostinho, I l« .
Ini* giam a época de ouro a narrativa da Bíblia e Imaginam uma
naliin a que responde a todas as necessidades de um prlmelio
• • il mgi Ileo e Imortal, vivendo sem cuidados num. constante
l o i a l.o e i mu I >eu.v h nessa trilha que se situam os poetas e os
t tu |i li ip n 11.*11.i*• dn ( )clck*nte cristão que, do século 5° a<> 7", evo-
■ un 'i pa taino terrestre: l'rudéncio, Santo Hilario de Arles, Avilo,
entre o?, primeiros; Santo Isidoro de Sevilha e Beda, o Venerável,
entre os segundos, Isidoro de Sevilha localiza na Ásia o "Jardim
das delicias" agora proibido e o descreve cercado de chamas cor
m
Sanio l'uniílfi i s|»ll« ,i ainda; "( orno ill/ Sanio Agostinho, deve
sc* pensai t|iii* lugai e.nirt multo afastado elas Investigações
humanas,.., que os rios i li is quais m * dl/ i |iio as |<mies sa<><onllí
etelas se perderán) cm alguma paru* nas (erras e tornaram a l>io
tar em outros lugares Codi elello, (|uem ignora que esse e um
fenômeno que costuma ocorrer com certas águas?""1
84. Ibici.
85. íbicL urt. 2, |>. 2HI.
86. Maiificri/lò ihivct , ni, l! I l . m u l m v., loiitlics, ll)|*) l.p, 100
204.
IH-I
Sonharam esse lugar i i lv. t mi Parnaso,
Ali existiu a inocente ial/ humana;
Ali a eterna primavera r todo fruto:
Ali o néctar do qunl todos lalam."'
'IH7
do k'i mulo .‘iillii algum lriii|>u 11| I •<>|s por ,i<|UI*I« * ( Iill.ll I<I| .1 (lo
lloilK'ln cm loilii.i de ovo, c poliro rlcpol.s vlllllíl eclndll rni lio
1110111 | >1*1 U 'lli
-18H
¡ijjjori) milita. )á ha scsseiil.i am»1*, lelilí.irtI de Chardin linha as
sinalado as dificuldades da lepiesenlav^o tradicional do paraíso
terrestre ao escrever:
dHI)
a autoridade de santo agoslinho
contra a culpabilidade atenuada
Nossos anceslmls acrecí liavam no paraíso lerre.sirc I iu
compensação, elc‘s tinham menos do <|iie nos a noçao cie i In uns
líindas atenuantes, ou melhor, de culpabilidade atenuada. <)s ca
suíslas (tilo menosprezados por Pascal) eertamente c onlrlhuliam
para Identifica Ia e difundi la. Inversamente, a concepção agiwll*
nlana do pecado original freou sua formulação e sua expansao
Santo Agostinho, com efeito, afirmou claramente que nos tc uh «o
lomos culpados cm Adao porciuc "nos fomos todos esse homem
unlco”, D a í eletiva nossa miséria: nds nascemos culpados •,
alem disso, a concupiscencia liberada pelo primeiro pecado nos
leva a cometer pecado sobre pecado. Kazao pela qual o auloi
mullí) AgOstlnlano da Imitação, dirigindo-se- a Deus, lamenta »n
nestes lermos:
a g u a s d o m ar. e u a in d a n a o s e r ia d i g n o d e v o s s a s c o n s o l . iço * s
N a d a m e e d e v i d o a n a o s e r a v a r a o o c a s t ig o ; p o r q u e m u i t a 1
v e / e s < g i . n 'e m e n t e e u v o s o fe (ld i, e m e u s p e c a d o s s á o s e m ntl
m e io , H nltlo, i l e p o l s d e u m e s tr ito e x a m e e u m e r e c o n h e ç o lu
d i g n o d a m e iio i c o n s o la ç ã o . . . \
N,to i m l i o nenhum a l e m b r a n ç a d e ter le it o a l g u m h e m ; ao
m i m a r l o , s e m p r e fu l p r o p e n s o a o v í c i o e le n t o a m e e o n l g l l
i » cjiie m e r e c í p o r m e u s p e c a d o s a n á o s e r o In t e r n o e o í o g u
e ie r m ti'1”"
V c \ e t á o v e r d a d e ir o q u e e u s o u p e c a d o r d ia n t e d e li, q m sito
p e ca d o s tam bém m in h a n a t u re z a , m e u s e r p r liu Ip la iiu , m in h a
concepção, com m a io r raxao m in h a s p a la v r a s , m in h a s o h iits ,
m e u s p e n s a m e n t o s e a s e q ü é n d a d e m in h a v id a , " "
•11)0
O homem pode ceiltimenle esperar o perdão divino, mas
ele não lem desculpa, Apoiando se em Sao Bernardo, Bucer cle-
i Iara: "Se considerarmos (oda a nossa justiça.(nossas boas obras)
a luz da verdade, ela aparece com o a roupa manchada ele urna
mulher incomodada”.10' No universo agostiniano, a moral da in
tenção, à qual Abelardo já tinha dado ênfase, passou em silêncio,
lambem Pascal pode escrever: “Nossos pecados... sâo horrí
veis”.10'Jesus confirma dizendo: “Se conhecesses teus pecaclos, tu
p e r d e r í a s coragem”.10
4 Linguagem jansenista, dirão alguns? Não
só. Num sermão redigido por São Vicente de Paulo ou seu secre
tariado, descobre-se esta adveitêhçia terrível: “O cristão não pode
apoiar-se em nenhuma desculpa^quandó viola os mandamentos
de seu Deus”.104
Kntre os pecados sem desculpa figura até mesmo a igno
rância. Os pregadores do século 17 são inesgotáveis sobre “a ig
norância criminosa”. É bqm verdade 'que sua insistência sobre
esse tema é freqüentemente um urgente #convite aos fiéis para
•|iie sigam os sermões de uma missão. Numa cias homílias que os
la zaristas levavam com eles imagina-se este nkle diálogo entre a
alma condenada e o Cristo do julgamento:
491
ponto, no livro I de n u í i .n 'Rotm e tu i to n o s cap, XV: " A<pu-U •* i pi*
pecam por Ignorância so fazem sua apio porque querem I.i ■« i ,
embora pequem sem que queiram pecar",1"" I cerlo que I’,cu â •
Santo Agostinho admitem uma hie*rar<pila na culpabilidade da Ig
norancia, mas esta nem por isso c menos cond enável, pi>rque,» i
creve o Bispo de I lipona:
107. Retractationum lib ri duo, livro I, cap. XV, 3: Ruir. Lu ., XXXII, ml titl'1
Cf. também Patr. Lat., XLIV: Contra Julianum , livro IV, i.ip. 0, n ('• ml
850-851. Exposição importante sobçe a culpabilidade tl.i"ip.iu>iáim i>
em SELLIER, Ph. Pascal et saint Augustin. Paris: A. Colín, 19/0. p '<■ . *i, n
108. PASCAL. Provinciales. Paris: Garnicr, Pléiadc, 1950. p. 4/1 I '
109. SAINT AUGUSTIN, D e G ratia et libero arbitrio, cap, l, Si l\in Lu
XLIV, col. 885. SELLIER, Ph. Pascal..., p. 267.
1 lO.tDODIN, A. Entretlensspiritucls (dc São Viccnte-de Paulo), au\ ui/ulfH
m ires. Paris: Scuil, 1960. p. 347.
111. Ibid.
41Kl
m:i salvação para *i*. |h-mmimm i |tir igmiraní .is verdades cristãs noces-
síirkis, a sabor, segundo«*•< iciitlmrnlos tio Santo Agostinho, do San
to Tomás o outros que estimam que uma pessoa que náo sabe o
que é o Pai, nem. o Pilho, nem o Espírito Santo, nem a Encarnação,
nem os outros misterios, nao pode salvar-se.
117. í ’l. ti esse icupcito a» cxpo»i<,Ac» c&dfircccáortui ilc MAItIU )l i, 11. I, \ iim
AuftHstht et l'niiyuttlnhfnf. I . c i l . 1'iuis: Senil, tH s s .p , M l) 180.
padres explicaram tllv«'i *i.c. coisas, mas só cie disse tudo em la-
tlm, explicando os j h Is Ic i Iom no trovão de sua grande voz”.1'8
Na crista ndade l.itlna, portanto, Santo Agostinho esteve
constantemente no ápice, Isidoro de Sevilha o coloca acima de
todos os padres gregos e latinos. Sào Cesário de Aries (f 543) e
Sao Gregorio, o Grande (f 604), apresentam-se, com demasiada
modéstia talvez, com o continuadores e adaptadores do Bispo de
I lipona. Beda, o Venerável (f 735), coloca Santo Agostinho ime
diatamente depois dos apóstolos: M axim us post apastólos eccle-
slam n i instructor .u9 A fórmula é retomada por Gottschalk, o filho
de um conde saxão"convertido por Carlos Magno, que ele tam
bém vê no grande doutor post apostólos omniunt ecclesiarum
mugiste?*.'10 A obra abundante de Santo Agostinho inspira tanto os
conselheiros religiosos dos carolíngios quanto o humanismo pla
tonizante das Escola de Chartres no século 12. Numerosas famí
lias de cônegos regulares no curso da Idade Média colocam sua
vida sob o patronato da Regra atribuída a Santo Agostinho e de
seu ensinamento. São Domingos, por sua vez, dá à sua ordem a
regula sancti Augustini. Até Santo Tomás de Aquino, portanto,
pode-se falar de uma “presença quase obsessiva do agostinis-
ino"1-1 na teologia. Ele é o mestre privilegiado, a autoridade por
excelência, o filósofo inconteste.
A síntese tomista, cristianizando o aristotelismo, modifica
parcialmente essa situação, mas só parcialmente. Porque ela inte
gra parcelas inteiras de agostinismo. I^ão é por acaso que na épo
ca dos grandes debates sobre a graça (séculos 16-17) os Tomistas,
no conjunto, serão antimolinistas. De fato, a torrente agostiniana
continua seu caminho preparando a inundação agora próxima. A
Ordem Franciscana pede a Santo Agostinho a inspiração de sua
teologia. Era 1256, Alexandre IV funda os Eremitas de Santo Agos
tinho que logo em seguida, depois dos carmelitas, se tornam a
quarta Ordem Mendicante. Será a de Putero. E eis que nos sécu
los 14 e 15, no clima de inquietação crescente que conhecemos,18920
405
se firma a tendência dura c pessimista do agostlnlsmo atraves das
obras de Gregórlo de Rlmlnl (f I3S8), que condena a.s crianças
nao batizadas; tio Arcebispo infles Hradwardinc (j I.Vih), "o d<mi
tor profundo”, autor de uní tratado antipelágico;1" de Wyclll (|
1384), que associa anticlericalismo e negação do livre adMirlo,
Esse crescimento do pessimismo teológico coincidiu com
a reação antiaristotélica, o interesse novo pelo platonismo e n
desejo de retorno às fontes (inclusive as fontes cristas, olí ne|a,
os escritos dos Padres da Igreja) que caracterizaram a llena,si en
ça. Daí uma situação complexa e aparentemente paradoxal: p m
um lado, Santo Agostinho, notaçlamente pelo seu De Ihxlrlihi
christiana, foi um guia e um animador do humanismo, de 1'e-
traréa a Erasmo;1212312
4e, por outro lado, mais do <|uc num a "na pu
meira página” da cultura, ele serviu de porta-estandarte 1 1I1
ponto cie encontro a todos aqueles que denegriam o quadn» tia
condição humana. Assim, para qualquer lado que se oll.........
época da Renascença e depois na era do Classicismo, em outra
se Santo Agostinho. Ele favorece a moda neoplalónica, ensina a
despojar Os templos antigos para enfeitar a Igreja de <ãlsli ><l< .
integrar na.medida do possível a cultura greco-romana ao uni
verso cristão) e, ao mesmo tempo, ele cauciona e encoraja .1 dn
preciaçào do homem pecador. O papel exercido no século lh
pelo autor da Cidcule de D eus demonstra mais uma vez que nao
se eleve forçosamente associar humanismo e otimismo, <) gran
de poeta Luís de Leon, do qual já lemos anteriormenti beli 1
mas passagens inspiradas pelo contemptus m u n d i , pertenciam a
Ordem dos Agostinianos.
Múltiplas indicações restituem o enorme espaço ocupado
por Santo Agostinho a partir da Renascença. Ide e o 1’adn da
Igreja mais citado no Enchiridion de Erasmo,12' O nielhoi espe
cialista francês de Thomas More escreve a respeito deste: ",Ni
fosse preciso nomear um autor latino cujos, registros cU < q»n
são e cie comportamento geral se encontram em More mais que
122. Cf. a esse respeito LEFF, G. Bradwardinr and lhe 1'elayjans, ' .milnlily»
1957; OBERMAN, H. A Archbishop Thòtnas Bradwardinr, a ¡‘ourirriiih < , n
tury Augustinian, Utrecht, 1958.
123. Cf BENE, Ch. Erenme et saint Angustín ou 1'influence de mim .Intfinl/H
sur Ihumanisme d ’Emsme, Gcnèvc: Droz, 1969. NoiaJiUticiiic p, I M» I I '
124. Ibid.
qualquer outro, cu proporia sanio Agostinho".12'1 I', entilo que
nascem e se multiplicam a1. |irlnk*11ar» gratules ediçôev s de con
tinuo da obra' do Doutor latino:1" a cie Amerbach (Basiléia,
1506), a de Erasmo (Basiléia, I1’roben, 1527-1529), reedições de
1551 a 1584 em Basiléia, Paris, Lyon, Veneza), aquela, notável,
realizada por 64 teólogos de Louvain (Anversf Plantin, 1564-
1577), com seis reedições de 1586 a l 6l 6 em Paris, Genebra e
Colônia). Em 1654-1655, o Oratoriano Biguier publica em Paris
cm dois volumes um supplementum a todas as edições anterio
res inçluincto principalmente sermões e o Contra Ju lia n n m . En
fim, em 1679-1700, aparece a grande edição em 18 volumes dos
beneditinos de Saint-Maur.
Alguém se espanta de encontrar Erasmo na lista preceden
te? E bem verdade que no fundo de si mesmo o humanista de
Roterdã preferia São Jerónimo e Orígenes a Santo Agostinho. Mas
ele admirou o Bispo de I lipona e contribuiu para aumentar mais
ainda a sua estatura na opinião letrada do século 16. No prefacio
da edição de suas obras, ele exclama: “O que é que o mundo
cristão possui de mais brilhante e de mais augusto do que esse
escritor?” Da mesma maneira, São Erancisco cie Sales, que não
compartilhava o pessimismo dos escritos antipelágicos, foi porém
um grande leitor de Santo Agostinho. Nos seus tratados, o Bispo
de Annecy faz 70 citações tiradas de 24 obras dele.12 *127 De modo
5
que os Agostinianos mais categóricos parecem agir conforme o
sentimento geral da época reiterando com novo esforço o elogio
de seu grande inspirador e abeberanclo-se abundantemente em
sua obra. Certam ente que Lutero teve às vezes a impressão de su
perar o Mestre. Um dia, ele escreveu de maneira significativa ao
mesmo tempo sobre si hiesmo e sobre a sua época: “Agostinho
não alcançou suficientemente o pensamento e o sentido de São
Paulo, embora se tenha aproximâdo dele mais do que os esco
lásticos. Mas eu puxo Agostinho para nós, por causa da grande
consideração cie que ele goza junto a todos, embora não tenha
407
e x p lic a d o .s u fic ie n t e m e n t e .1 j u s t l f l c a v á o p e la l e " . 1'" T o d a v ía , on
teste m u n h o s d e a d m lh R á o de I, u le r o e in r e la ^ á o a o a d v e r sa rlo
d o s p e l á g ic o s s it o n u m e r o s o s :
I 01 I 111 |M U, Wirkc, cil. Wciniar, 1883s. III, p. 18), Sobre <> «igomiiiiMiui»
lie I 11100 d, iiiHiulamciue MÜLLER, A. V. Luthers Werdegctng bi\ cien lltr
nifi/elnih, (¡othn, 1920. VICNAUX, P. Luther commentalenr de . "Sentem ,.",
0>35, p. o JO. ( 1RISTIANI, L. “Luther ct Saint Angustia”, cn\ Auyin/tnui
mayhter, Paris, 0)54, II, p. 1.029s. BENDISCIOLI, M. “I.’Agosiinhiim .lo
riíonmuori protcstaitti”, em Revue destituyes agustiniennes, I, 1955, p, si v,
(< HJR( .ELLE, P. “Luther interprete des Confessions de sainé Augiistia", un
Reúne d lih to ire trt de phllosophte religiettses, 1959, n. 3, p. 235 251,
129. LUTHER, Werke, ix, p. 29.
130. LUTHER, CEuvres, V, p. 57 (Du Ser/arbitre).
131. LUTHER* Werke, IV, p. 380.
132. Ibid.,.V, p. 664. i
I 13. CALVjNi Opent omn'ta,.. {Corpus Refórm atorim ), BrinwwLk, I Hf. i*. I\,
p. 835.
134, SMITS, l„ Saint Angustia dans l'cetwnt dejean C'a/uin, 2 v., Aancii, los 1
1058. ( :r. também ( -Al)IER, J . " ( !.tlvin ct snint Angustí n" un Angnstbint un\
gister, París, 0)54, II, p. I.039s.
lilH
mente admirável" Indo <i "lis t•i di ,iliniin.i do lomo II de Alt
\\nstlnns e um longo elogio di 'Millo Agostinho: o capítulo XIV
nílrma que sua doutrina da gruç.t e "evangélica, apostólica e de
uma iiTcfragavcl autoridade, l ie escreveu por toda a lgreja, en
quanto os outros escritores se calavam’’;1'0o capítulo XXIII declara
que Santo Agostinho é "único”, lile "ocupa o lugar de todos”, ele
é "superior a todos”;13
1637 o capítulo XXX conclui que seria melhor re
5
tirar da teologia aquilo que nao vem dele.138 Mas no século 17,
mesmo fora do círculo dos jansenistas de estrita obediência, mui
tos viram em Santo Agostinho “a águia dos doutores”, o “doutor
dos doutores” - fórmulas de Bossuet - e um "oráculo” infalível, li
também Bossuet quem escrevia (contra Richard Simón): "... O cor
po da doutrina de Santo Agostinho, sobretudo nas suas últimas
obras (isto é, cóntra os pelágicos), para quem todos os séculos se
guintes mais.se declararam, está acima cie qualquer ataque... Per
sistir ainda em encontrar inovações nesses livros, seria acusar toda
0No capítulo Dos
a Igreja católica de se desmentir a si própria”.13914
Ispírítos fortes, La Bruyère, um amigo de Bossuet, iguala Santo
Agostinho a Platão e a Cícero:
135. JANSÉNIUS, C. Augustinus (ed. consultada 1643), t. II, cap. XVIII, p. 17.
136. Ibid, p. 14.
137- Ibid., p. 17.
138. Ibid., p. 98.
139. BOSSUET, Défense de la tradition et des saints Peres, t. VI das CEuvres
completes (ed. Rennes, 1862), p. 442.
140. LA BRUYÈRE, Les Caracteres, ed. A. Destailleur, Paris, 1854, 2 v., II,
p. 264-265, cap. “Des esprits forts”. Esta passagem significativa é citada por
MARROU, H. I. Saint Angustin..., p. 169.
tom uma ponía do olumo, para estabelecer urna córrespondéiu la
entro sua doutrina o "os senil montos tío Monsleur Desearles"
Pascal nota, a propósito do cogito, <|uc Santo Agostinho "llnlwi
dito a mesma coisa mil o duzentos anos antes”, N o contalo i mu
Descartes, escreve Arnaultl, descobrc-so em Santo Agostinho um
“homem de-grande espirito e de lima singular tloulrlna, nao *<0
mente em matéria de teologia, mas também nb que concomí' ít
humana filosofia”. "J E revelador que o oraloriano Malobram Iu•
tenha tentado organizar a filosofia crista dos novos tempos
apoiando-se tanto em Santo Agostinho como un Desearles, < 0111
efeito, é comum ao Padre da Igreja e ao filósofo do cogito ,1 no
ção de que a existência de Deus é inala em nós cnquanlo idol.i,
Harnack, portanto, estava correto ao escrever: “Onde* encontrai
na historia do Ocidente um homem que, pola influência, possa
ser comparado [a Santo Agostinho]”;11' e mais: "A longa corrente
de reformadores católicos é agostiniana... até os. jansenistas nos
séculos 17 e 18, e até depois deles”.1" O que é ainda mais venia
deiro dos Reformadores protestantes.
Insistamos, todavia, contrariamente talvez a historiografía
mais corrente, sobre o fato de que a dominação de Sanio A gos
tlnho sobre a cultura ocidental não culminou apenas durante o
século 16 011 17. A Renascença e a época clássica formam nesse
sentido um único conjunto atestado pela iconografía. Manuserl
tos em iluminura da Cidade de Deus, pinturas e esculturas nao
cessaram durante três séculos de exaltar o grande Doutor, Imíe
«i', artistas mais célebres que o representaram encontramos l ia
Angélico, l.uca e Andrea della Robbia, Benozzo Gozzoll, Bolllcelll
Gorregglo, Greco, Van Dyck, Rubens, Ribera, Murillo, eh Na
época barroca, muitas igrejas colocaram perto das volutas de seus
Ironioes a silhueta do Bispo de I lipona, de mitra na cabeça, bal
ba e nobres vestimentas agitadas pelo vento. Ainda no século IM,
a Igreja de Santo Agostinho do México evocará o Triunfo do San
lo sobre a heresia num imenso ambiente plateresco, Traía se real
mente de um grande tema de história cultural, estudado e esi la
r> o o
i e i Ido por J c i i n n o e IMenv C t m i i • llt < 11k * < t tn.Nagraram tjiuiirt> rl
501
(Iut• .1 ll.ill.i letrada da Urnas<ença se encontrava ausente dela
Mullos humanistas desse |min penderam |>ai.t essa doulrlna paia
livrar-se da angustia do pot ado,"" Semelhante catequese tornava
Santo Agostinho Intocável o explica o drama do janscnlsmi»iU n
tro da Igreja católica, dom clclio, rom o exaltar o Ilispt) ile I ll| •
na e, ao mesmo tempo, condenar as doutrinas extremistas exiiai
das de sua obra? C) ( lardeaI Albl//I era mais uma exceção <pian
do declarava em 16S6: ao inves de dar mais autoridade aos |,m
senistas esclarecendo que a doutrina de Santo Agostinho n.o >lo|
condenada pela bula Cum occasione, “seria melhor se piidessi
mos suprimir Santo Agostinho”."" Na falta desse esçlaret Imoulu,
os jansenistas, encontraram facilidade para abrigar-se atras do
Doutor por excelência para justificar suas posições e embaraçai
Roma e foi preciso esperar até 1690 para que um papa - Alosan
dre VIII - condenasse esta fórmula que muitos doutores tinluim
implícita ou explícitamente adotado no curso das épocas: " N e o I
guém acha que uma doutrina é claramente baseada em Símio
Agostinho, ele pode defendê-la e ensiná-la sem consideração a
nenhuma bula do soberano Pontífice”."0
503
ternura atestada por numerosas In.st rlções Iuium;irl.i.s «Ion <[u.ili<>
primeiros sáculos de nos,s;i era; o, de outro Litio, sentimentos «U
dureza provados pola exposlçáo tías crianças abandonadas poi
dcclsáo do pctterfamilias. Puer, cm latJm, significava ao mesmo
lempo "menino” e “oseravo". No momento om cjtit* começa a nm
dernltlado eufopéia, a atitude do inoomprcensáo om relaçdo ,i m
liVncda aparooo sempre amplamente disseminada o reveste dois
aspectos complementares um tio outro: todos sao pouco sensi
veis ao frescor o à inocência tia criança pequena, pouco comoví
do por sua fragilidade; e, de outro lado, há uma tendência em ve|
a criança em idade escolar (assim diríamos lio|c) como um ton
junto tle defeitos, um ser malvado e vicioso que ê absolutamen
tc necessário treinar para que nho se torne um mau Indivíduo \
Isso se deve acrescentar que as duras condições da exlstêru Ia
para muitas pessoas e uma alta mortalidade no primeiro ano de
vltla e mesmo até vinte anos levam sempre inevitavelmente ao
endurecimento dos corações: a morte de crianças e de adolesi en
les era mais banal tio que hoje. Os provérbios em uso nos sé» u
Io IS-16 (e depois ainda) revelam essa gama de sentimentos ne
gullvos em relaçào ao filhote de homem: "lí feliz quem tem filhos
e nao e Infeliz quem não tem”.1,4 “De criança pequena, luto pe
i |iieii< »“ 1 "(.Hiem vê criança, vê rtadja”.1** “Diz grande ofensa ao
lioinem quem criança o chama”.r’7 “Crianças, galinhas e pombas
fiiam e sujam as casas".1'"' "Bem age quem o filho castiga",1" l'al
t e mo e piedoso torna seus filhos infelizes e preguiçosos",..... Nao
se deve contar segredo para mulher, louco e criança".1"1
I ss.i amostra, por mais sucinta que seja, fornece todavia
est lurei imentos convergentes: a criança nào é reconhecida como
tal lile sõ lerá valor depois cie treinado e se tornado homem As
noi
fórmulas anônimas <|in ,a al hiih <, «|« In n .un cm consonância
com as citações de Monlalgin , I a fonlalnc, l.a Bruyère, ele., tan
tas vezes c multo )iisiamcnlc avançadas pelos historiadores que
se ocuparam da história da Inláiu Ia: "Hu perdi dois ou tres filhos
pequenos, nào sem pesar, mas sem tristeza” (Montaigne).11,2 “lista
época é sem piedade” (l.a l,'ontalne).1<,•
, “Qs meninos sào altivos,
desdenhosos, raivosos, invejosos, curiosos, interesseiros, pregui
çosos, volúveisy tímidos, intemperantes, mentirosos, dissimula
dos; ...nào querem sofrer nenhum mal, e gostam de fazê-lo; eles
|a sào homens” (La Bruyère).16'* Quanto a Descartes, ele nào du
vida cie que “o espírito, tão logo é infundido no corpo cie uma
criança, já começa a pensar”.165 Mas ele corrige essa afirmação po
sitiva por sentenças opostas; “A faculdade cie pensar está ador
mecida na criança”.166 “Se a alma é sempre incomodada pelo cor
po para pensar, é na primeira idade que ela é mais”. “A primeira
e principal causa de nossos erros [de adultos] .... são os precon
ceitos de nossa infância”.10' Esta é fraqueza e erro.
Poderiamos facilmente alongar adista de citações dessa
espécie, todas marcadas pela incompreensão em relação a
criança. Encontraremos outras no meio do caminho. Mas várias
correções de leitura se impõem. E de início esta: a cultura que,
na época, se exprime pela escrita ou pela imagem é a cultura
dirigente, e isso é verdadeiro, pelo menos parcialmente até
para os provérbios. Será que se deve então extrapolar para o
conjunto cia população dando importância, com o com plem en
to de prova, às alusões de Lutero e de Félix Platter à dureza de
suas respectivas mães? Seria talvez arriscado. Porque da Idade
Média até o século 18, quando narrativas cie milagres permitem
um mergulho numa sensibilidade coletiva que ultrapassa a da
elite, o que descobrimos? Um lugar importante ciado à criança;
pais que pedem e conseguem a cura e a vida cie seu filho em
5or>
perigo. Milagres ohtUlos por Intermedio de Santa Melena na
abadia'do Ilauvlllers (Champagne) beneficiam criança* e ado
lescentcs em 25% dos casos no século I I e em 3l)% no se» ulo
1776* Entre os milagres de Santa Ana de Aurny em lO.Vl luiu,
encontramos 34,5% de crianças, ou seja, IH(> casos entre >11 I
entre essas 186 crianças, 147 tinham menos de onze anos (e
103 menos de cinco an os).10” Não nos pronunciemos, poilimlu,
sobre o conjunto da sociedade. Em com pensação, podemos
considerar com o quase certo que no estagio cultural mais tic
vado, entre os séculos 15 e 18, subsiste uma forte prevenção
em relação à criança.
Mas uma segunda correção se impõe aqui: a posse da p '
lavra nesse nível cultural era essencialmente masculina. A leim i
ra pelo recém-nascido, a gentileza para com as crianças, seriam
primeiro as mulheres que pocleriam exprimi-las. Mas elas multo
raramente revelaram seus sentimentos sobre esse capitulo assim
como sobre outros. No nível da cultura escrita, a mulhei de ei\
tão permanece frequentemente silenciosa. Não c cia quem, li ibl
tualmente, redige os livros de razão. Mas se, por exceção, clã
conta sua vida privada, então vem ã tona a felicidade de sei mãe
ou avó. Maclame de Sévigne, por mais que se desculpe, ama a pai
sonadamente sua neta Pauline:
líu a amo muito. Mandei cortar seus cabelos: ela r.siá p< n(< I
da de modo extravagante; esse penteado é feito para cia Sua <u
tis, seu busto e seu corpinho são admiráveis. lia faz uma «ciile
na de colsinhas, fala, acaricia, bate, faz o sinal da cruz, pede pri
dão, faz reverência, beija a mão, ergue os ombros, d.mçn, I m | ii
Ia, segura o queixo: enfim, ela é linda em todos os pomo*1689
168. SIGAL, R A. “Les Miraclcs de sainre Hélènc fabbayc d'l Iamvillt i .tu
Moyen Age et à 1’époque modernc” cm Actes da 9? congvh des sorttiA hustH
tes, Nantcs, 1972: Philol. et hist., p, 499-513. Cf. também l:INU< ANI', M
Miraclcs and Pilgrhns. Popular Beliefi in Medieval Chwr/j, I multes I >mi
1977, p. 109-110.
169. St JANSSEN-PEIGNÉ. "Lcs Miraclcs de sainte Annc d Atiiny" em /h
Mort des Pays de cocagne (sob a dir. dc J, Delumcau), p, I 73 <•cm I >1 I U
MI'.AU, J. Un Chmin d'histoire, p. 199. Mas, proporção de apcmi* I "n I
crianças cm três “lares de sacralidadc" entre Picardía c Bmgonliii, nn tiltt
XVII: R A I U M N , H.¡ PUTEI L, J.-R "Mímele et pèlcrinagc au XVII •a.,!, ,
cm Hevue d!listoiir de lig/ise de Dance, n. 167, Jul.-d<v.. 1973, p. '46 ’3ti
D l v I r t o - m c c o m c id l i m . i . m ic ii. c . N;u> q u e r o q u e is s o m o rra ,,.
niU> s e i c o m o e p o s s í v e l n .io a m a r sua própria filha.170
G07
I s.s.i sensibilidade nova tende já a extrapolar do quadro
religioso. Dos trípticos cm que, no compartimento reservado
aos doadores, as crían o s aparecem com seus pais, passa se nos
meados do século 10 aos quadros de família que nao sao mais
destinados a igrejas ou a capelas. Além disso, cada v e/ mais nu
merosas são as iluminuras, depois as gravuras, os calendados,
as tapeçarias que evocam as profissões, os trabalhos do ano, as
épocas da vida com as mulheres e as crianças em posição de
destaque. Outra inovação interessante aqui; o aparecimento
sempre no século 16 - das efígies funerárias de crianças falei I
das. Doaclóres cie retábulos fazem-se representar com seus li
Ihos vivos e mortos, com estes últimos segurando uma peque
na cru /; ou ainda uma criança levada prematuramente aparece
sobre um túmulo, seja ao lado da mãe, seja aos pés de delun
los, I' eis que aparece, no início dos século 17, o primeiro lu
mulo Isolado dedicado no Ocidente a uma criança morta em
lema Idade: um berço de alabastro encomendado por Jaime I
para uma de suas filhas nascida e morta em 16061'* (abadia d<
VVesimlnslei), Alguns anos antes, o maior poeta polonês do sé
culo lii, Kochanowskl, tlnlui consagrado a melhor de mi.ii
obij-t, ,r. I>c i'tioiv Hlofttas, a sua pequena Ursula desabarei Ida
aos qualio anos,
\ U e ii.iN c e n ç a e x e r c e u , p o r t a n t o , u m p a p e l im p o r ta n te na
it u b l l l l u v u o d a c r i a n ç a , e u m m e lh o r c o n h e c i m e n t o d a a rte a n il
H i l.u l l lt o u M i a t a r e f a n e s s e s e n t i d o . P o r q u e e x i s t i u u m v í n c u l o
p i • • h u m o s r e p e t ir e n tre e s s a r e a b ilit a ç ã o e a r e p r e s e n t a ç ã o d a
Ilu d e / In la n lil, A fo rt u n a e x t r a o r d in á r ia d o putto (a p a r t ir d a ha
II. D d e v e , c o m e f e it o , s e r p o s t a e m r e la ç ã o c o m a p r e d ile ç ã o d a
época p e la e s c u lt u r a ro m a n a . In v e rs a m e n t e , um a s e n s ib ilid a d e
que p ro cu rava p o r ta s d e s a íd a e n c o n tro u n e ssa r e u t iliz a ç ã o d o s
a m o r e s a n t i g o s u m n o v o m e i o d e e x p r e s s ã o . D o ¡ '.r o s A t t i s d e I >o
n a le llo a o Triunfo de Bctco c de A tia dn e n o P a lá c io P a rn e s c , pas
. sa n e io p e l o s b a i x o s - r e l e v o s d a P o n te d o s In o c e n t e s , o bebe nu,
s o r r in d o e r e c h o n c h u d o c o n q u is t a p r o g r e s s iv a m e n te a lc o n n g iu
lia o c i d e n t a l . L o g o n ã o s e c o n c e b e r á m a i s p i n t a r u m p a r a ís o s e m
p o v o á - l o d e a n j in h o s b o c h e c h u d o s e In m d u d ln h o s c L u ís X I V v a i
q u e r e r "In f â n c ia p o r to d a p a r le " - In f â n c ia n u a , e c la r o n o s jai
cU n s d e V e r s a lh e s , 1
2
7
172. ftrproduvto na minha CívlUsiitlon d e ¡a R o ír titíio itr, III. ISO, p, >112 II '
Mas, no Início tía modernidade européia, o Interesse pela
criança nem sempre significou, longe disso, admiração pelo seu
frescor ou .reconhecimento de sua alteridade. Os pedagogos -
Gerson, Melâncton, os jesuítas, os mestres das “pequenas esco
las” de Poit-Royal, os oratorianos, etc. — atribuem, sem dúvida,
muita importancia ã educação e à instrução, mas eles só têm um
objetivo: formar homens. Julgando segundo os critérios do adul
to, eles não pensam no presente da criança. Só vêem o futuro
tiestas e concebem sua tarefa com o uma correção propriamente
"medicinal” das fraquezas e tendências más inerentes à tenra ida
de. Aristóteles tinha escrito: “As crianças que julgamos felizes só
sao declaras assim em razão das esperanças que dão”.173Daí a ne
cessidade do enquadramento, do isolamento em relação ao mun
do exterior, do silêncio, de uma perpétua vigilância, da discipli
na, da recusa de qualquer ociosidade, como exaltam em comum
todos os tratados educativos da época. Numa obra muito lida no
século 17, o Testamento ou conselhos fiéis de um bom p a i a seus
filhos (1648), Fortín de la Hoguette ensina que “a negligência do
eueiro do corpo e da alma inicia todos os defeitos” do corpo e
do espírito.174 No regulamento do seminário paroquial de Saint
Nicolas-du-Chardonnet (sem dúvida do fim do século 17), encon
tra-se esta afirmação:
1
Como'o espírito do homem, estando por si mesmo envolvido
na carne e nas trevas, é incapaz de qualquer assunto, de qualquer
erriprego, de qualquer profissão, se não for esclarecido, instando
e formado com cuidado, deve-se necessariamente fornecer-lhe
meios próprios para poder ser treinado para alguma coisa,r '
173. ARISTOTE, Ethique à Nicomaque, I, cap. IX, 10, cd. J. Voilquin, Paris,
Garnier, s. d., p. 33. Ver também III, cap. XII, p. 141 e V, cap. VI, p. 225-227.
174. FORTIN DE LÁ HOGUETTE, Testament ou conseils pídeles d ’un bon
p ire à ses enfants, 1648, 3a parte, cap. 3, p. 394. Em toda a exposição que se
gue eu extraio várias citações da obra de G. Snyders, La Pédagogte...
175. A.N.: (MM. 474). Reglement du sém inaireparoissial de Saint N icolas-du-
Chardonnet, p. 225.
r»ot)
Santo Agostinho, é um.i evidência: "Tão pequeno, e |.i Iflo grau
de pecail<>r", "l.ii lnl e<invehido na Inlqüldade... foi no pecado
que minha mãe mc carregou,,. ( )mlc, Senhor.,., onde e quando
eu fui Inocento?"1'" I. o ¡mini das (¡ouflssòcs acrescenta e.sia ou
tra questão: “Não era um pet ado cobiçar o selo ehorantlo, poi
que se agora eu eobivas.se com igual ardor um alimento eonve
niente à minha idade, zombariam de mim e me repreenderíam
com razão. Era Iportantol uma avidez ma, já que, ao crescer, nos
a arrancamos e a rejeitamos’'.1’ Se deixássemos a c riaik.a eren
cer seguindo seus instintos, ela se tornaria um monstro:
r, io
Pecado, igiioráni l.i < li.iqucza: no discurso religioso de an*
ligamente essas três realidades negativas sào inseparáveis. É por
Isso que a fraqueza é culpabilizada e apresentada como um lia
casso. Até mesmo Sào Francisco de Sales escreve: “Nós nascemos
para <> mundo na maior miséria que possa imaginar, porque nao
apenas no nosso nascimento, mas também durante nossa infân
cia, somos com o animais privados de razão, de discurso e de jul
gamento”.18- Bérujle é ainda mais categórico: “O estado da infan
cia, escreve ele, léj o estado mais vil ejn ais abjeto cía natureza
humana, após o da morte”.183 A infancia “é dependência, indigen
cia, impotencia, dependência até à indigencia, indigéncia até a
impotência".1* Condren, sucessor de Bérulle à frente do Oratorio,
opina no mesmo sentido: “1A infancia], afirma ele, é um estado
cm que o espirito está mergulhado na fraqueza, e em que os sen
tidos da natureza corrompida reinam sobre a razão. Nesse esta
do, a graça da nossa adoção divina e o espírito de Jesus são ca
tivos da impotência e reduzidos a um aniquilamento”.183 Perigosa
fraqueza. “O diabo ataca as crianças, e elas não o combatem”, lê-
se na Conversação entre M . de Saint-Cyran e M . Le M a í t r e . For
mula que o jansenista Claude de Sainte-Marthe ultrapassa assim:
i
r> i i
I'. s s e s e n u n c i a d o s p e s s i m i s t a s p a r e c e m l.il.n p m n m
c, e e r t a ilie n le , r e v e la m n ñ o ; i p v n iiN m i u .•*!i»»|m <lv«M » • Ml u l
In lT ln c la , m a s n a v e r d a d e n i n a c o n d e n a b a n d e l a
I nlrctanln, eles desembocaram «U* ceda man» lia MM
Untas positivas e o>mpfecn,slvds, (ie org e Snydeis h I mui
com juste/a. Por isso, devem os altula percorrei mim m t m lt#|
in ln lio com este autor. I de Início, |a (|tic * \h n Icapa <
tié n d a sc Im pòc aos mestres; M. ele* Saint t \ia n , n laia ! m
"(|iiorla c|tic suportássemos las crlancasl nos seu* cim a »* ty;
/as a Um de com Isso o b lig a r Delis a lei m ls e iln lit llll d n á
sos"."" <) pedagogo Plerrc C.ouslel dil o mesmo coma Ih r
rar sua falta de aplicarán ao estudo e Indos os seus im liH fl
tos com grande pacléhda.., T u la los com multa iirm a d a o
pregar mais as exortardes do que o rlgoi e as ameauis
tio particularm ente evidente na eilanvu a n a iu n va t o iio m p
ser luim ano, o o jíe lo tle ensinar est.i entre os mais d u i o s : |
terrível, porém , <|ue o do artesao que sc enledia na s u a
ou d o negociante exposto aos naufragios I »• pois 11* ■»ia!
essas com parardes, o Padre Jouvency 11 I '| d l um |i “ iiiM
ml iva uma obra destinada aos prnlcssnien poi esu in io ia l*
lo. resignado, onde aflora de novo o p n ado o iig ln a l
512
I it 11iti iii ’liii eonc< udanie, J.ift |tu*lln(* Pascal julga difícil Ins-
ltmu un nlna>, "tendo multo a .suportar densas pequeñas criaturas”.1,11
M i ■ Mimo si' (iota ilr endireitar uma natureza estragada pelo pe-
i i I" nao eslste tarefa mais elevada. M. de Saint-Cyran, diz ainda
l huí I. .i 'apiri lasa de tal modo a caridade daqueles que se em-
|n nli e mi i'in educar de maneira crista as crianças, que dizia nào
li e i i i Hupadlo mais digna de um cristão na Igreja”.192
Mas a Inl.jncla para o adulto nüo é apenas ocasião de,su-
l .............. de i arldade. ! ' "preciso condescender” com as fraque-
i 11 i ii,un, as e ainda Lmcelot quem fala - como “Jesús Cris-
|m |i <i i ii iii se senK’lhante a nos para nos tornar semelhantes a
1 Aquí l ancelot se encontra com Bérulle que "glorificou o
mi i. Un de )esus menino. Deus voluntariamente escolheu duas
mi ■o i , mullo »ruéis, duas humilhações: ser criança e ser crucifi-
> i • l Ii se rebaixou "na carne, nas fraldas e no estabulo”. A
i i i i . gli nía" escondeu-se “na infancia, na impotência,.no sofri-
11•> Mi** i » lodo-Poderoso nadificou-se. Desse modo o nada se
|< ............iii |
i I. I )eus escolheu “o embrutecimento” para humilhar
m
os santuários de trégua:
“inútil ternura?”
Em país católico, a concepção tradicional, predomi
nantemente agostiniana, do pecado original explica em grande2034
515
pai(c d fenómeno NiiMliüIrli »•» "tic liegiui", sobre o qu.il .1 hls
lorlogntfia atual se clc*l>11iv'.t enm I n t e r e s s e ,"1 ;io mesmo irmpn em
que e esclarecido tle maneira dellnlllva pelas trabalhos deJaequcN
(íe lls, dos quais sou particularmente tributário aqui.
Para esses santuários, dedicados ora á Virgem caso mais
frequente , ora a outros Santos, eram levadas crianzas morías
aijlcs do batismo. O pequeno cadáver, frequentemente nu, era
colocado, conforme o caso, sobre o altar ou sobre o degrau do
altar, sobre a escada do coro do santuário ou ainda sobre uma
pedra situada abaixo ou ao lado da "imagem milagrosa". Aeen
diam se velas, rezava-se, mandavam celebrar missas. Km dclerml
nado momento, os assistentes - pais» amigos, parteira, vigário ou
religioso - acreditavam ver a manifestação de sinais vitais: "< ulor"
na região do coração, "notável e visível rubor" do rosto, abeilu
ra de um olho, gotas de sangue no nariz ou nos ouvidos, Jato de
urina, movimento de um braço ou de uma perna, língua saindo
2 0 8 . G É L I S , J . “M ira c le e t m é d e c in e ...”, p. 8 6 .
r,i7
Imv detltlV eles, o (Jr llispetg nu Siiábl.t, n.i diocese de Allgs
bourg c que está confiado ,ium i ónego,*» regulares promonsi talen
se.sVw( ) ) cliis ctmsei V.lç u r %de .tlt ItlIVoN deli a COIlliet et IH
casos de “ircgiiu" entre l lSo e l-iHi) cm Viena (cia 1'rança) .sobre
o túmulo dc unia piedosa leiga entenada no claustro de Salnl
Mau rice,210 489 eni 1’averney (Doubs) de I369 a ISP.V11 ou se|a,
cerca dc vinte por ano, c 1.35 cm A\ l<>i11 (Meuse) dc l(»2 i a
l()7,l L Mas a série aqui só c contínua dc l()57 a 1673, então eoiu
sele ou oito batismos por ano. Nestes dois últimos santuários, as
exposições dc crianças foram evidentemente mais numerosas, já
que, como em toda parte, havia fracassos dos quais nao se co n
servava traço escrito.
Com mais freqüência o pequeno defunto era levado ¡media
lamente após a morte. Mas era preciso ter em conta a distância en
Ire o lugar do falecimento e o santuário, “em regra geral um pra
/o de dois a quatro dias a cavalo ou de carroça".^ Mas citam se
( asos de crianças “ressuscitadas” para o batismo oito, ou oto quln
ze dias após o nascimento. Tinham sido então enterradas depois
desenterradas, por exemplo, ao retorno de um pai ausente na oca*
slão do nascimento. A decomposição já devia ter começado. Do
mesmo modo também quando o milagre demorava a produzir se
e se deixava o pequeno morto ficar no santuário á espera da "ire
gua". () protestante Gabriel dTániliane, de passagem por Dljon,
conta no fim do século 17:
Por volta das dez horas da manhã, fomos àquela igreja onde
estava a milagrosa imagem da Virgem chamada geralmente de
pequena Nossa Senhora de Sào Benigno, e vimos duas crianças
natlmortas que lá estavam há dois dias totalmente lívidas e estal
las, e quase completamente decompostas. Os pais,-que eram das
melhores famílias de Dijon, durante esses dois dias tinham man
dado celebrar nessa igreja mais de duzentas missas a um escudo
cada uma, para Obter de Deus, por intercessào desta Imagem e
Mas a mulher lhe responde: "Se meu filho tosse balizado, eu mio
duvidaria de sua salvação... mas lelel morreu sem ser balizado e
esse é o verdadeiro motivo de minha dor"."1'
l )cm.k|uc meu.
2S6. RltUtl rotuiiin 1) 1'tuuge i/u dlocisc <le Hoiy/niitx, I. cd. I (>2'1; cd. ligei 1a
mente muililiwula de 1728 rccdiuuki cm I82‘), p, (>.
r>uH
bre os butlsmo,s ,i scivm realizados durante os paitos difíceis. Era
normal que se exigisse das parteiras que fossem “instruídas sobre
a maneira de administrar o batismo”, já que elas tinham “às ve
zes entre as mãos a salvação eterna”' das crianças.257'Uma salva
ção que palavras mal pronunciadas podiam comprometer para
sempre. O Resumo do D icionário dos casos de consciência de
Pontas (1715) publicado em 1764 pelo Lazarista P. Collet apresen
ta no verbete “batismo” o caso de uma parteira ignorante que ba
tiza “in nom ine m atris” em vez de “in nom ine patris”. Esse ba
tismo será nulo “porque essa mudança destrói absolutamente o
sentido católico da forma desse sacramento”.2582 9Em compensação,
5
um camponês empregando a fórmula: “Ego te baptizo in nom ine
patria, etfilia , et spiritu sanctd" terá administrado um batismo vá
lido, porque “patria para um homem que fala mahuma língua
significa o mesmo que patris para um homem qué fala bem”.250
Mas há uma questão mais delicada ainda: a partir de que
momento durante um nascimento difícil deve-se conferir o batis
mo? Dito de outro modo: a partir de que momento a proteção es
piritual da mãe batizada não cobre mais a criança? O Ritual de
Blois de 1730 ensina: “Não se deve ordinariamente batizar uma
criança que ainda não tenha saído? Resposta - bastante embara
çada - do Ritual de Blois consultado: se um membro apareceu do
lado de fora e por seu movimento deu sinal cie vida, deve-se ba
tizar sobre essa parte. Se depois disso ele saiu inteiro e estiver
vivo, será rebatizado sob condição”.260Mas que conduta adotar se
a mulher morrer antes que a criança tenha saído? Resposta - bas
tante embaraçada - do Ritual de Blois, consultado aqui a título de
amostragem significativa:
Nào é permitido abrir uma mulher antés de sua morte para sal
var seu fruto e dar-lhe o batismo. Porque sé ela morresse antes
de completar o parto seria preciso manter sua boca aberta, para
que a criança não seja sufocada, e recorrer prontamente a um ci
rurgião ou algum outro para abrir as entranhas da mãe, puxá-lo
5:10
sos o c11ic* os |).in it os c vlin ios deveriam lê-lo no sermão. O edi
to foi ademais renovado por Henrique III em 1586, Luís XIV em.
1708 e Luís XV em 1751. Ainda no início do século 18, ¡números
parlamentos ordenavam aos juizes que cuidassem para que os
párocos fizessem a leitura no serm ão.264
Essa concepção dramática do batismo sobreviveu mais ou
menos dentro do Protestantismo, não apenas no nível das popula
ções - como lembramos mais atrás - mas também, durante certo
tempo pelo menos, no nível do discurso teológico e da pastoral.
O artigo 9 da Confissão de Augsburgo condena os anabatistas que
concedem a salvação às crianças não batizadas, e o artigo 2 decla
ra que quem não for regenerado pelo sacramento da água cai na
morte eterna.265 Na Inglaterra, o primeiro PrayerBook insiste sobre
a necessidade de conferir o batismo nos primeiros dias de vida, e
aquele qüe o sucedeu na época elisabetana permite que em caso
de “necessidade” o sacramento seja administrado fora dos domin
gos e festas. É bem verdade que a maioria dos teólogos anglicanos
do fim do século 16 e início do 17, embora considerando o batis
mo como “formalmente” indispensável, recusam-se a julgá-lo “ab
solutamente” necessário para a salvação. Mas, em 1569, o vigário
de Ashford, no Kent, declara- que as crianças não batizadas vão
para o fogo do inferno. A questão permaneceu durante muito tem
po controvertida também dentro do Protestantismo francês.266 .
r>:n
ilo século 17, c’in I Jijón, o Irónico ( jabíleí d'l.mlllane nota que ¿i.s
linas crianças Invadas dlanle da "pequena Nossa Senhora” de S.lo
Benigno pertenciam as "melhores lamillas" da cldade.200Jacques
( ¡élis constata por sua ve/ a variedade das origens sociais dos pe
rcgrlnos que se dirigem aos santuários de protelarão: em Benoitc
Vaux (diocese cie Clarmont) no século l como em Amberl, ao ui
mulo do Padre Gaschon, no século 19. Além disso, as protelações
nao se produziram apenas em santuários rurais. Acabamos de
mencionar Valencia, Aix-em-Provence e Dijon. Anteriormente lia
víamos invocado o milagre realizado por São Francisco de Sales
em.Thonon. O oratório de Nossa Senhora de Loos onde, no séeu
Io 17, eram obtidas protelações, entre outros milagres, estava situa
dó "no primeiro marco depois da cidade de Lille”, portanto na vl
zlnlnmça imediata de uma grande ciclade.270Entretanto, parece que
na época clássica os santuários de protelação mais numerosos e
mais reputados se encontravam agora na campanha, longe do
olhar suspeltosQ da hierarquia.
( )utra constatação notável - feita ainda por Jacques ( ¡élis:
» sei tilo I ' que vê a "multiplicação”, ou até a “explosão” des
srs santuários i ujo apogeu se situa por volta de 1700. O leñóme
no riiltlo ,ii entiiou se na época de o.uro da Reforma católica e en
qiianlo um eslorço de crlstiani/ação sem precedentes era em
piei ndldo ' iii direção ao universo rural. Essa correlação deixa
idhlnliat qiii a catequese da época fez crescer no mundo cam
pi oi< • a angustia diante da morte das crianças não batizadas. A
■ \ to ao ballsmo” proposta notadamente pela escola franco
o di fsplrllualldade, .i abundante literatura batismal da época o
as tentativas pastorais para santificar o dia do aniversário de ba
llsiito 1 tiveram como consequência distante no nível mais coti
dlano um reforço na solicitação de um sacramento tão neeessá
rio que sua lalta privava da eternidade bem-aventurada a criança
morta rápido demais.
Entretanto, a Igreja oficial era hostil aos santuários de pro
telação. () pároco Jean-Baptiste Thiers, no fim do século 17, lem
brou no seu Tratado das superstições que se referem aos sacra
meatos... os principais textos que condenam o recurso a tais san
n:i:»
tuárlos. Fies ciitiin.n,im '•«mcv.lviimonte dos Bispos de Langrcs em
1452 e MSS, dos «"•l.ilulin slnodals de Sens em IS24, de Lyon em
I5S7 e 1566, de lU-s.inçon em IS92 e 1666, das ordenações gerais
da diocese de Totil em l()S8. Bento XIV, um papa das Luzes, que
não acreditava, ele tampouco, nas ressurreições dos pequenos c a
dáveres, cita numa passagem consagrada ao batismo o decreto
exarado pelo Santo Ofício, em 27 de abril de 1729, condenando
o costume de levar as crianças natimortas a certos locais de culto,
particularmente Ursperg, na Suábia.272 Esses textos nos surpreen
dem pelo espírito crítico de que dão provas desde o século 15. No
estatuto sinodal dé 1452, o Bispo de Langres, Filipe de Viena, es
creve: “Muitas vezes nascem crianças que não têm nem vida nem
alma e são batizadas por certas pessoas ignaras, que acreditam
que éssas crianças têm uma vida e uma alma, porque as vêem mo
ver-se aó movimento do fogo e por causa do calor que se produz
geralmente em torno dessas crianças em certas igrejas ou locais
piedosos de nossa cidade e de nossa diocese...”.273 No outro ex
tremo do período, Bento XIV obseiva de maneira concordante:
53:)
1’sse espírito critico é acompanhado dc um estrem o .1 ou
Ik ) do período por um lom de d* spn " em relação aos* balizan
le.s mullo apressadas e .1. lestciminluis 1 rédulas ou interessadas.
Os primeiros são tratados de "pessoas Ignaras"'’" ou “pddres mal
instruídos’* . 'O s segundos sao em geral (|uallílcados cK* mullie
res desprezíveis: “Kxistem certas mulheres que por lucro pecunia
rio se metem nesses abusos"'7- (sínodo de l.angrcs, 1455). “Velhas
mulheres hêhedas e de pouca consciência observam essas crian-
cas nas igrejas durante dois, três ou vários dias e em seguida
prestam testemunho de que esses sinais de vicia apareceram”- "
(estatutos sinodais de Besançon de 1592 e 1656). “São na maio
ria mulhcrzinhas incultas que são testemunhas desses fatos”(Ben
to X I V ).lís s a s acusações antifeministas demandam duos corre
ções: a) as testemunhas não eram forçosamente mulheres. Na
Anunciação de Aix-em-Provence em 1558, são todos homens; b)
e provável; entretanto, que as mulheres fossem maioria ao redor
dos pequenos cadáveres: o que há de anormal nisso, trátando-se
de rec ém-nascidos e, portanto, de uma legítima solidariedade na
dor c na esperança entre aquelas que ,dão à luz e que sem dúvi
da solVíam mais do que os homens ante a idéia de que o bebê
n.io conhecería as alegrias do paraíso?
<> clericalismo masculino esforçou-se, então, paio proibir
' ■’* sanluailoN de protelação e a inumação dos “abortados” em tor
ta ...... sagiada Mas pelo menos alguns desses santuários conti
imaiam a funcionar até o século 20, sobretudo nas campanhas. I;
que a angustia dos país era muito forte: uma angústia que pode-
<la sei aplacada por outra doutrina do batismo e que provável
mente <>'. pais cristãos dos primeiros séculos da Igreja não conhe-
<Iam A prova e esta Inscrição galo-romana de La Cayóle <]ue data
do llm do século 5", e na qual os pais afirmam sua esperança no
destino bem-aventurado do filho m<prto antes do batism()-'
r > :ii
listo gnu loso menino munido do sinal da cruz / cuja inocência
nao eslava manchada por nenhum pecado, / o pequeno Teodo
ro ao qual os pais, com justiça, desejavam o santo batismo, / Uma
cruel morte o arrebatou; mas o senhor do céu supremo / conce
derá o repouso ao seu despojo que o nobre sinal / da cruz tinha
marcado e ele será chamado Herdeiro de Cristo.-*1
a massa de perdição e
o sistema do pecado
5¡)7
pois <|iir n.iliiri i h <i | HIv ii 11 i l,i gi ,n ,i | >i*l(i ti >mi|>ç.\o do
pec ;ulo orlgln.il, cshit m pi nu i >, In >in«' 11‘>nal vos.
2. THOMAS D’AQUIN, Soniinc Ia, t|iic.xt. 23, art. 7 (na ed. Des
cléc, trad. A. D. Sertiltaiige*.: /Ve/t, (. p. 206-207). Ver neste volume a cx
célente discussão solue “o |>r(|tu'iio mimem de eleitos”, p. 326-329.
3. B014A, J. Opem onuihi, VpiiL» , I ’(**l him /phi viuif chrhtittnae, cap. XUX,
p. 52.
O mimem ilu*t reproviidos será semelhante à multiplicidade
das olivas que caem por terra quando se sacode a oliveira; e o
pequeno numero de escolhidos será comparável às poucas olivas
que, escapando das màos dos colhedores, permaneceram no alto
dos galhos e serão colhidas à parte. Da mesma maneira ainda, a
multidão de reprovados será comparável à vindima que enche
numerosos janos com os cachos de uva que os camponeses re -.
colheram; e o pequeno número de escolhidos se assemelhará aos
poucos cachos que, terminada a vindima, ainda sè encontram por
acaso na vinha.'
58»
I>l'e ";l |)< )l'l.l estreita", iii t i n i l l r x h m |,i |t r e g ã Ç â t ) d e Je .N lls n o m e l o
h e b r a i c o , c c l a r o r |i u* * I» •. ■<i >•11111« , u n a r e c u s a d o s J u d e u s I n f i é i s
c o a p e l o e lo s p a b i l o s , No que sao c o n so a n te s co m .1 v l s í l o d e
S a o J o ilo a v is t a n d o d ia n t e ilo t r o n o d o c o r d e ir o , e a o la d o d o s
I i i m il s o b r e v i v e n t e s d e Is r a e l , " u m a m u lt id ã o im e n s a , Im p o s s í
\ 'e l d e c a l c u l a r , d e t o d a n a v á o , ra ça , p o v o o u l í n g u a ”, l í s s a p a s
sage m d o A p o c a l i p s e ( 7 / í - 12 ) n a o d e i x o u , a l iá s , d e e m b a r a ç a i a
t e o lo g ia c lá s s ic a , ”
lista última, em compensação, IVeqlientemente apoiou se
num sermáo de São João Crisóstomo dirigido aos habitantes de
Antloqula e no qual se lê: “Quantos salvos credes que haverá
nesta cidade? () que eu vou dizer talvez ofenda a muitos, mas eu
direi. Dos milhares qjue habitam esta cidade, nào há mais de cem
que será o salvos, e ainda duvido desse número”.’1 huís de Crana
da numa hornilla10e Louis Tronson numa “meditação” de retiro"
se referem ambos àquele sermão de São João Crisóstpmo: dois
casos entre muitos, Entretanto, “até Santo Agostinho, os padres
acreditavam de bom grado numa salvação bem ampliada, pelo
menos entre os cristãos, e alguns até, como Orígenes e os <)rlge
nislas, na salvação universal. Depois dê Santo Agostinho, teve* lu
gar uma reação ...”.1-
Esse resumo histórico cio Padre Sertillanges convida a por
de novo em destaque a importância de Santo Agostinho, do qual
algumas afirmações ligadas à doutrina da “massa de perdição"
parecem hoje surpreendentes. Kle escrevia a Optatus: “Aqueles
(|ue ele previa cjue não corresponderíam à sua graça, Deus os
fez tão numerosos que sua multidão é incomparavelmente maior
do que o número dos filhos da promessa que ele predestinou a
glória de seu reino. Assim, a própria massa dos rejeitados de
monstra que urna ¿quantidade tão importante quanto se queira de
homens condenados justamente não põe absolutamente em cau
8. Cf. a esse respeito “Le premier sermón pour laToussaint" de Louis ilo <ire
11.ule, cm CEuvrescompletes, Paris, Vivès, 1865: VIII, p. 352-353.
‘). Patr. G r,, LX, col. 18‘) (hornilla 2-1).
10. ( JRKNADE, Louis de "Sermón II pour le M ' dimundic après Ia IVutcirt
tc"; CEuvres..., VI, p, 32 1,
11. TRONSON, I , Retnthe nyléiiUtíifiir utívie </e médittttions, «I. de 182 \,
p. 262.
I 2. ( 'omcntitilo du Pittln* A, I > St iilllaniv <ua sua uaduyiin tia Sotume tbt'o
loghjur, <ip. dt,, p. Ull.
b io
sa a justiça de Deus".1'A essa sentença se junta um texto célebre
da C idade de Deus que o explicita:
13. Patr. Lat., XXXIII, col 860, n. 12: Epist 15 7 (alias 190) a d Optatum.
\4. C ité de D ieu, livro XXI, cap. 12: ed. de Combés, p. 21.
15. GODTS, F. X D e paucitate salvandorum qu id docuerunt sancti?, 3. ed.,
Bruxelles, 1899. Este livro, cuja doutrina parece hoje ultrapassada, é muito
útil pelas suas referências e citações. Eu o utilizei muito por essa razão.
16. Patr. Lat., LXXVT, col. 1.286 e 1.290 (homilía XXXVIII).
vivos c (>s u n )i'l(),s e il.ii ,i i lil i mu H Mtm.lo siiiis <jbriis? Km rom
pensaçáo, c*is .t(|uI uniii i Iriii i , i i|iir nnn lodos, nrm mullos, mus
som rnlr alguns posmieni, ,i s.ihn i|in* lia vcidndelramente pou
ros (|iir se salvam".1 I' Inméiu'ln III explica: "Ném todo mundo
eró no Evangelho de Cristo, <ira, quem nao ere já está julgado,
Logo, como os incrédulos sáo mals numerosos do que os eren
les, sem dúvida nenhuma 'Mullos sao os el jamados, mas poucos
os escolhidos’. Mas muitos dos liéis lambém seráo condenados,
ou seja, aqueles que renegam sua le por suas obras: porque 'e
melhor nao conhecer o 'caminho da verdade do que retirar-se
dele depois de tê-lo conhecido’ (2Pd 2,21)” .18São Boaventura re
pelí' e explicita Santo Agostinho:
17. Patr. Lat„ CLXXXIII, col. 96: Sen no tento in vigília nativitatis D ei.
18. Patr. Lat., C CXV IJ, col. 357: Servio .V in Septo,tg.
19. BONAVENTURE, Saint Brevilvijoíooi, M parte, cap. IX, trad. fr. (ed.
franciscanas, 1967), I, p. 1ll>.
20.1UI >OJ PHE LE ( M i R] \ 1 /, f é m «'heist, trad. M. P.
Angustia, Paris, 1865; Aqui 111. p, wi i
() Anel )h|>< •sum<» Anlonlno de Morença ( f 14*59), amigo de
Era Angelito e lumianlsUi, cuja audiência como casuista já foi men
cionada/1 pergunta como conciliar a fórmula pa u ci sunt electi com
o capítulo Vii do Apocalipse que, ao contrário, deixa perceber
uma multidão imensa de salvos. Ele resolve a contradição da se
guinte maneira: parece-nos impossível conseguir contar os eleitos;
entretanto, eles são numerosos em relação ao número de repro
vados. “Da mesma maneira, os. grãos de areia de um saco são
quase inumeráveis, mas com o são pouca coisa em relação a toda
a areia do mar!”2 1222
4
3
Na Igreja romana, foi de “fé” até a uma época recente que
a maior parte dos humanos estava destinada à danaçãó. Era cer
tamente o sentimento da escola rigorista, e Pierre Nicole ò expri
mia afirmando: “Não existe verdade mais espantosa na religião
cristã do que aquela que nos assinala o pequeno número dos es
colhidos; entretanto, não há nénhuma outra que o Espírito Santo
tenha tido mais cuidado de exprimir em termos claros. Quem nos
garantirá, então, que nós pertencemos mais ao número daqueles
que correm com sucesso do que daqueles que correm inutilmen
te?”.25 Ainda mais revelador é o dramático sermão de um Bispo
de Vence em 1788 que não posso deixar de citar em seguida a
pichel Vovelle.21 O orador (Mons. de Surian) não procura aqui
apenas causar medo; ele confessa seu próprio medo diante da
certeza do grande número de reprovados:
25. Cf. Ibid. Sermons de M. de Surian, ¿vêque de Vence... Petit cctrfone, Paris,
1778, p. 278-279.
26. SAINT VINCENT DE PAUL, là t m k m sp lrltu tk p. 542.
27. Ibid., p. ,103. Todavia, Sao Vicente Mito i|ticl'l« ver ensinada a doutrina da
“massa de perdição". C f COSTE, l! X ihil Vlncent de ñutí. Corm gondance.
lüitrethns. Documeftts, 14 v., I\uk 1920 19 III, p. .118-.M6, 362-374s IV,
p. 633i XIII, p. 650.
28. MONTFORT, E, t irignlon de </ m »«i (rd, du Senil, 1961), p, 229.
Respondemlu ,i% i mli.as de Malcbranchc, Función, por sua
vez, escreveu: "(,)ue o autor entilo nào venha mais nos perguntar
por que tantos homens perecem, já que Deus que quer salvar to
dos eles, poderla, sem lhes ferir a liberdade, fazê-los desejar tudo
o que lhe agrada.. Como Santo Agostinho, eu respondo que ig
noro... Experimente então, direi eu ao autor, se assim quiser, son
dar o fundo deste abismo cios julgamentos divinos”.-0 Santo Afon
so de Liguori (f 1787). Fundador com o São Vicente de Paulo de
uma congregação de missionários, esforçou-se para conservar o
meio-termo, entre rigorismo e laxismo e esbarrou em contradi
ções jansenizantes.30 Mas várias, vezes ele afirmou que “o núme
ro de reprovados é muito mais considerável que o dos escolhi
dos”,31 declarando um dia: “O caminho do céu é estreito, como
se costuma dizer, ele não pode absolutamente conter carruagem;
os que quiserem chegar à ele de carruagem nào poderão entrar.
Bem poucos lá chegam, porque bem poucos se violentam para
resistir às tentações”.3^
Será que se pode dizer que a partir do século 16 a corren
te jesuíta trouxe um sensível abrandamento para uma concepção
da salvação que podia levar ao desânimo? Seria um erro. Muitos
porta-vozes da Companhia partilhavam a opinião comum dos
teólogos a esse respeito. O Padre Godts, no seu catálogo dos au
tores favoráveis à doutrina do pequeno número dos escolhidos,
nào inclui menos de 31 jesuítas dos séculos 16-18. É bem verda
de que às vezes ele procede-a um tal recorte das citações que a
argumentação do livro se vê enfraquecida.33 Entretanto, é difícil
não ficar impressionado pelo consenso que se manifesta, mesmo
entre os jesuítas de amigamente, de Belarmino a Bourdaloue, em
favor dos efeitos limitados da Redenção. Tomemos com o exem
plo o pensamento (moderado) de Suarez (f 1617) a esse respei
to. Podemos resumi-lo em três proposições: a) a opinião “comum
29. FÉNELON, CEuvres, ed. Paris, 1848: II, p. 157 (Réfutation du P. Malty
branebe, cap. XXXVI).
30. REY-MERMET, Th. Le Saint du siècle des Lumières, Alfonso de Liguori, Pa
ris, Cité Nouvelle, 1982, sobretudo p. 433-450. Cf. as diferentes citações da
das em GODTS, E X. De Paucitate..., p. 49-51.
31. Cf. as diferentes citações em GODTS, R X. D e Paucitate..., p. 49-51.
32. LIGUORI, Saint Alphonse de. “Sermón pour le 3" dimanche de l’avcnt”
em CEuvres compíètes, em 29 v., Paris, 1843, aqui'XIV, p. 43.
33'. O livro do Padre Godts combate a obra de um jesuíta, Padre Castelein, inti
tulada, Le Rigorismo, le nombre des élus et la doctrine du saint, publicada em 1898.
rvir>
o vcrfclkil" e (11k* ,i in.tlnl |nirti* «|u*i luiMl.inos sera condenada; I))
se conxlderuríno.s n^orn mi o*» hall/,k l « . levando cm conta todos
o.s. heréticos, cism áticos e m.iii'i i ulollc»»s que se encontram entre
eles, a maioria dos cristãos lambem perecerá; e) em compensa
cao, a maioria dos católicos chega a *.alvavao porque, por um
lado, muitas crianças falecem antes da Idade da razão e, por ou
tro lado, os adultos l'rcc|üentemenle se arrependem e recebem os
sacramentos antes da morte.'1
A doutrina do “pequeno número dos escolhidos” foi proles
sada pelos mais eminentes jesuítas: Canlsius, Salmerón, delarmlno,
Suarez, Vasquez, Lessius, Bourdaloue, etc. Jean-Baptistc Saint Jure
( | I0S7), cuja autoridade na Companhia foi grande no século I \
após ler declarado (|iie "o número daqueles que se condenam" e
"Incomparavelmente maior que o daqueles que se salvam”, resol
via nestes termos a difícil objeção: “Porque se rae perguntardes
como é possível que Deus que ama os homens tào períeitamente,
que tem tanto desejo de salvá-los e sofreu tanto para esse efeito,
queira vir a condená-los quase todos, eu vos respondo que ele
tem ainda mais amor por eles, e mais desejo pela sua salvação do
que nós podemos dizer ou pensar...”'11 Sabe-se, enfim, que Bour
daloue, por sua vez, abordou de frente o terrível assunto:
IVIO
salva”.r Professor nu colegio ele Palermo, Gradina publicou em
1762 a obra de um de seus confrades falecidos, o Padre Plazza,
Dissertatio cu la g o te a , ibeo lógica, paraenetica de paracliso, inse
rindo nela um capítulo sobre o número dos escolhidos. É revela
dor que a obra suscitou um protesto geral nos meios eclesiásti
cos de Palermo e que foi condenado pela Congregação, cío Index
em 1772. Todavia, delineava-se agora urna corrente que, notada-
mente entre os jesuítas e logo entre os ex-jesuítas, mas também
fora da Companhia, ia na mesma direção que Gravina. O Padre
Perrin (f 1767), dirigindo-se aos rigoristas jansenizantes, dizia-
Ihes: posso eu amar um “tirano impiedoso e bárbaro, um Deus
(|ue seria digno de meu ódio? Vosso Deus não é o meu; amo um
(|iie é pleno dè justiça e de clemência, e absolutamente não co
nhece aquele que vosso' coração tenebroso forjou”.38 O capuchi
nho Ambroise de Lombez, numa obra de título significativo, Tra
tado da p a z interior, fazia a pergunta: se Deus fez saber aos san
tos que os predestinava à salvação, “alguma vez pôs no espírito
de algum reprovado que ele o seria?”59. Um piedoso nobre de
ITanche-Comté, Lezay-Marnésia, acusava os discípulos de Port-
Royal (mas sabemos que eles não eram os únicos em causa) “de
tornar o Cristianismo quase impossível” e de reduzir Deus “a po
voar o céu só de crianças mortas antes da idade da inocência”.'0
No século 19, Lacordaine, Ravignan, Monsabré, Cáístellein, etc.,
eforçaram-se por reverter uma crença de mais de mil anos. Lacor-
daire observou: “O pequeno número de escolhidos não é um
dogma de fé, mas uma questão livremente debatida na Igreja” e
acrescentou com ênfase: “Cristo tudo reparou, tudo abençoou,
tudo venceu e suas mãos generosas abraçam & universo”." Des
de então, começou a ser combatida uma teologia que, na práti
ca, tinha ensinado a falência da Redenção.
r>-i7
P o d o , s e m e d i r o » iim ln t i« • p* u n í t i d o e m m enos de duzcn
io s u n o s p o r e s ia fr a s e d o < u id c a l M a m i la e m l % 7 , n o p r e fíle lo
d e u m a A p r e s e n t a r ã o d o J o n i t o l h o e d it a d a p e l o s e c r e t a r ia d o r o
m a n o p a ra o s n ã o cre n te s: Nenhum hom em p o d e j u l g a r s e al
g u é r n i n c o r r e u e m s e m e l h a n t e d e s g r a n a |o I n f e r n o l . S ó D e a s s a h e
q u a i s s i l o e s s e s h o m e n s e s e e l e s e x l s t e m " . ,J
o homem criminoso e
o deus terrível
Aquela reconfortante declaração de Lacorclaire anterior
mente citada, o grande Ama nid e muitos outros com ele feriam
oulrora respondido: “A natureza humana é uma mulher possuída
pelo diabo”.1* “Nós somos doentes que precisam ser curados e
pecadores que precisam ser punidos”44 e, na “vergonhosa neces
sidade de corar pelas ações mais naturais, mesmo quando são
permitidas”.'4 Fórmulas extremas certamente, pelo menos aos
nossos olhos de homens do fim do século 20, mas elas esclare
cem o vínculo estreito conmínente estabelecido pelos antigos
teólogos,entre o pequeno número de escolhidos e a enormidade
do pecado em geral e de cada erro em particular.
Do ponto de vista cristão, a história humana é, sem dúvi
da, uma história do pecado, mas ela é ao mesmo tempo uma his
tória da salvação. “E em virtude da superioridade da graça sobre
as forças do mal que a revelação cristã tem o direito de se cha
mar uma 'boa nova’.”46 Ora, no discurso doutrinai pronunciado
42. Cf. Documentation catholiqúe, n. 1.491, 2 abril 1967. t Espérame qui CSl
en twus. Breve présentation de la fo i catholiqúe par le secrétariat pour les non
( íircticns, IVefácio do Cardeal Marella. ,
43. ARNAULD, A. CEuvres, Lausanne, 1775-1783: t. XVII, Seconde apologic
de Jansénius, p. 331. Citado por GROETHUYSEN, B. Origines..., p. 140.
44. Képonse de M** à M. 1'bêque de** sur cette question: y a-t-il quelquè remi
de ítux tnaux de 1’Eglise de Francf, '1778. Citado por GROETHUYSEN, IV
Origines..., p. 136.
45. ARNAULD, A. SecondeapologiedeJamlnlus (t. XVII das CEuvres), p. 140.
Citado pttr GROETHUYSEN, IV Origine* , p I D
46. Une huroduetion /) tu fo i catholiqúe I e t nh'ihione holfandais, TouIounc,
Privai, 1968, p. 345.
r>48
com maior livqOtTuiu anlcs da revolução religiosa de nossa épo
ca, o pecado aparecia com o o essencial da existência, e a noção
de circunstâncias atenuantes não estava claramente estabelecida,
salvo pelos casuistas desprezados por Pascal. Depois do pecado
original, Deus tornou-se um credor terrível apresentando ao ho
mem uma dívida à qual ele não podia nem se furtar, nem saldar.
O Homem crim inoso..., esse é o título de uma obra publi
cada em 1644 por Jean-François Senault, capelão do Cardeal de
Bérulle, mais tarde quarto superior do Oratório e considerado o
melhor pregador de sua época474 8- seus sermões eram vendidos
em manuscritos. Hostil ao jansenismo e favorável ao Formulário,
Senault é um excelente representante do agostinismo ortodoxo
dentro da Igreja Católica. O “homem criminoso” ofendeu a Deus
pelo pecado original. Desde então, “o sol está manchado por ilu
minar culpados... e a luz deixa de ser inocente quando ilumina
criminosos”. Mas esse é apenas um dos aspectos da punição co
letiva e geral decidida pelo Todo-Poderoso:
47. Cf. BREM OND, H. H isto ire ..., notadamente III, p. 218-219.
48. SENAULT, J.-F. LH om m e crim inel ou la corruption de la nature p a r le pe
ché selon les sentim ents de sa in t Augustin, Paris, 164 4 , p. 854-855.
cipa o uno iki r.i/.ii i, r m t<MMil mhctávcl antes (ki Idade, >i Um de
<|iic se solha que eles são i (i l i t « ».*• antes de sou nascí ment<>"
l)o liiio, o pecadoi duplamente criminoso porque ele
provoca ii morto nào apenas de si mesmo, mus liimhom cio I >eus
I Hcrulle que o afirma:
551
( hoi'í/ls),'" "( ) pecado venial iu I h i d in iin l in . il t o m o o l e á o q u t ?,
n u il u n í s ó g o lp e , n o s <| im i> i.1 o pi tençn M us m u it a s ve/,e s .11
guns animal/inhos, mullo m iiu e io .... . 1,unhem matam, Joguem
alguém num lugar cheio ele pulga1., sera que d e nào morre?
(lomo sào minúsculos os graos de arela, mas encham com eles
um navio, este afundará a ponlo de naufragar, domo sào peque
nas as gotas da chuVa! Mas nào sào elas que enchem os rios e
derrubam casas? Então, nào desprezem os pecados veniais”.''"
Essas considerações nào se juntam apenas ao tema e à ico
nografia há muito já clássicas da solidariedade entre os pecados,
expressa pela árvore dos vícios ou a corrente dos pecados." Elas
pretendem confirmar um versículo cie Sào Tiago (2,10): “Aquele
que observa a Lei inteira, se cometer um desvio sobre um único
ponto, é do todo que se torna culpado”. Como acontece freqüen
temente, essa fórmula, fora de seu contexto, foi dramatizada. Por
que o apóstolo explica logo clepois: “Se tu evitas então o adulté
rio, mas cometes um assassinato, tu te tornas transgressor da Lei”
(2,1 I >. E por isso que Santo Tomás de Aquino dedica-se a mati
zar a fórmula: “Aquele que cai num sõ pecado está sujeito a to
dos os outros”. “Qualquer ato, explica ele, não suprime a virtude
contrária. O pecado venial não suprime nenhuma virtude... Um
único ato, mesmo cíe pecado mortal, não destrói o hábito da vir
lude adquirida. Somente quando os atos se multiplicam a ponto
de engendrar um hábito contrário, o hábito da virtude adquirida
desaparece”.08 Um pouco mais adiante, dentro da mesníia “ques
tão”, o doutor angélico julga também que “a diferença de gravi
dade se apresenta para os pecados como para as doenças... fe
quel um pecado é mais ou menos grave conforme-ele incida so
bre um ponto mais ou menos capital”.6 89
7
6
5
A despeito dessas análises serenas, é mais freqüentemente
a dramatização que prevalece no discurso religioso do passado.
Num sermão pregado em Bruges, o franciscano Olivier Maíllard
(f IS02) dizia a seus ouvintes:
553
I )(• imilK'lm COIlCl H'tliIMU I' l a til l.il.t das " ( '( )IVSl*(|lU',I K ,l;l.,« e
seqüénclus.,, terrível» don utlitlim |m ,iili i* M ía irmdjacque
llnc da esta orientação as religiosas eruanegadus tías eriancas tle
l’orl-Royal: "li bom c|iic Has las menlnasl nao laçam tanta dlle
renca entre os graneles pecados »■ u-, menores para sentirem me
nos horror, li por Isso <pk* devenid» tll/ei lites (|ite para urna alma
<|ue ama a Deus, náo há nada de pom a eonseqiiéneia”. " l;ol sem
diivkla urna educação desse tipo (|tie Maria Teresa da Áustria ll
nha recebido na sita Pispan ha natal, embora longe das orlas <ln
jansenismo. Na oração fúnebre c|ue pronuncia em sua liorna,
bossuet nota: “lila nào compreendia como se podia voluntarla
mente cometer uní só pecado, por menor que fosse, linldo ela
nap dizia: ‘ti venial’; ela dizia: ‘li pecado’, e seu c o r a ç ã o Inocen
le se transportava. Mas, como escapa sempre algum pecado a Ira
gilldade humana, cia nào dizia: Ti leve’, mais urna vez, T i peca
d o ’, dlzla t“la’’. Antes, Bossuet tinha exclamado: "Cristão! T u sabes
muito bem a distinção entre pecados veniais e mortais’’,"’
A ê n fa se c o lo c a d a p e rp e tu a m e n te so b re o p e c a d o t e n d ía ,
por um a in e v it á v e l c o n t r a p a r t id a , a a u m e n t a r a im a g e m t e r r ív e l
do D e u s j u iz . lis t a i m a g e m , c o m o s u c e s s o c r e s c e n t e d a lile r a lu
ra a p o c a l í p t i c a d e p o i s d a P e s t e N e g r a , a s s u m i u u m d e s t a q u e s u i
p r e e n d e n t e n a liu r o p a d o s s é c u lo s l í - 16 . T a p e ç a r i a s , v it r a l» , Il u
m ln u r a s c g r a v u r a s m u lt ip lic a r a m as re p re se n ta çõ e s d o 1’l l h o - d o
I l o m e m - c o m - u m a - e s p a d a - e n t r e - o s - d e n t e s . ’* ’ L e m b re m o -n o s d<>,s
te m o re s c o n fe ssa d o s por h u le r o : ‘T i u nào a c re d it a v a em C ris t o ,
m as eu o tom a va p o r u m j u i z s e v e r o e t e r r ív e l, tal c o m o o p in
ia m se n ta d o so b re um a r c o - í r i s ”;’" e a i n d a : “M e u s c a b e l o s se a r
r e p ia v a m na cabeça quando eu p e n sava n o j u lg a m e n t o f i n a l ” ,’"
lis s e ju iz t in h a - s e torn ad o um g u a r d a - liv r o s r ig o r o s o m an te n d o
{
83. LESSIUS, D e P erfectionib u s..., n. 65, p. 381.
84. É a “meditação IV do 3o dia”: R etra ite..., p. 129-131.
que o ultimo pecado "que t tu lii .1 medida ii.io o de outra expé
( Ir, nrm (Ir QUtra naluu va qm m t tul i<>*•, urm r nrrrss.u io <|i|r
r lr seja malor". A última Ilota da vida que precipita na morir
será mala longa do que as Otilias? A <|uinta verdadtj d eto n e das
p rrrrd rn lrs: este ultimo priado "que encherá vossa medida,..
Ulive/ só chegue dentro de vlntr anos; talvr/ d e/; talvez este
ano; tal v e / lioje”. líntáo temamos todo pecado "como a morir c
a morte eterna”.
Uourclaloue usa a mesma linguagem sobre a aritmética di
vina num sermão sobre “a cegueira espiritual”:
Tende cuidado, diz ele a seus ouvintes, para que essa honda
de Ido Senhor] enfim nào se canse e temei a própria paciencia de
um Deus que golpeia tanto mais rudemente quanto mais tempo
releve seus golpes. Quem sabe se ele resolveu esperar mais?
(v)uem sabe se nào será depois do primeiro pecado que ides co
meter que ele apagará para vós suas luzes e vos cegará? Quem
nao deverá sentir-se tomado de pavor pensando que há um pe
cado que Deus marcou como o último termo de su a graça, en
digo daquela graça poderosa sem a qual jamais nos salvaremos?
Qual é esse pecado? bu nào posso conhecê-lo; depois de qué nú
mero de pecados ele vira? tí o -que ignoro; de que natureza, de
que especie ele é? Outro misterio para mim; será um pecado par
ticular e extraordinário? Será um ‘p equeño ordinario e comum?
Abismo onde nada descubro, l udo o que sei, ó meu Deus! 6 qui
nao devo esquecer nada, economizar nada para prevenir a des
graça com que vós me ameaçais.”*'
... Deus não quer ser o único a nos castigar, ele quer que seja
mos punidos por todas as criaturas. O homem é perseguido
como uma caça que se quer oferecer ao Imperador; ele é caça
do, dilacerado e mordido pelos cães, e assim ele é muito mais
agradável ao Imperador do que se fosse apanhado suavemente.
Deus é o Imperador que quer comer a presa apanhada na caça.
Ele tem também seus cães de caça; é o Inimigo que caça o ho
mem com tentações de toda espécie; ele desliza sobre ti de to
dos os cantos, de toda espécie de maneiras e te caça por múlti
plas tentações; às vezes, é o orgulho, a avareza, vícios de toda
espécie, outras vezes por um abatimento e uma tristeza desorde
nada. Caro filho, aguenta firme, isso não te prejudicará em.nada;
é necessário que tu sejas caçado/’
87. TAULER, Serm ons... (“2' sermón ponr le saint sacrement”): II. p. 93.
88. TOUR, H. de Maupas du. La Vie de la vénérable M ère Jea n n e Françoise
Paris, 1644, p. 443.
Frem iot de Chantal,
89. Cf. BELLET, Mi Le D ieu p ervers. Paris: Desclée de Brouwer, 1979. Nota-
damente p. 168-175.
90. Cf. anteriormente p. 137.
m u .'. I<uicurás, I.K.mlu'i i v a líItitU in mih>lr,«l<,nuinlui I)¡ivl), ñus
de um riso tào ¿ik’ii.idi*i, qu* m i . I i mu oIIht tic metió e tremer
toda a térra"."1 Deu.s s.u tuIUl<> |mi uiTi liso enorme e medonho
diante das vaidades humana*., i|iir t'Mi.inho espetáculo! Hntrelan
to, essa representação do l'<>tlo hodeioso |unla se de certa manel
ra ao Caçador de Tauler, ávido de "lomee a cava”; e a esta allí'
maçáo tío célebre pregador cego tio século 17, o Padre Lejeune,
num sermão “sobre os energúmenos": ' <)s divertimentos ordiná
rios de Deus é de vos ver hitar corajosamente contra o leão rugi
dor”.''-’ Os fenômenos de possessão demonstram justamente que
Deus utiliza Sata para por à prova os humanos e manifestar sua
gloria ou suas vinganças. Daí esta declaração que não está mui
to longe do pensamento do Padre Lejeune, colocada na boca ¿le
Deus por um texto saído dos meios “convulsionarios” do século
18: “Deixai-me jogar no .meu furor um jogo terrível”."'
Um Deus “totalmente ocupado em vingar-se” dos conde
nados, fazendo escorrer sobre eles “fontes inesgotáveis de betu
me e de enxofre”: assim o descreve no século 18 um técnico da
pregação."' A imagem do Deus terrível foi durante muito tempo
familiar ã elite religiosa do Ocidente. Como prova, entre muitas
outras, aquilo que se escreveu no século 17 sobre M. de Quério-
let, conselheiro no parlamento de Rouen, que se “converteu” ante
o espetáculo dos possuídos de Loudun, tornou-se padre e, ele
próprio, um reputado exorcista:
... Novo Saul, caído e prosternado por terra, lele estava] tào trê
mulo e tào assustado que jamais ousou depois elevar os olhos
para o alto, a não ser para considerar os raios e trovões que de
viam esmagá-lo e reduzi-lo a pó. O temor o mantinha sempre de
olhos no chão; e ele se apegava a isso fortemente para refrescar
sua memória da horrível visão que tinha tido do inferno, onde
seu lugar estava marcado, e onde ele ficaria para sempre, se Deus
o castigasse segundo a enormidade de seus crimes... ele ficaria91234
558
extremam»'lile ,i|mvn,slvo ele cair entre as mitos de um Deus en
furecido conlra ele...
lile pensava e repensava sempre em seu espírito àquilo que ti
nha lido e ouvido pregar sobre o pequeno número dos Eleitos...
Ruminava sem cessar o rigor dos julgamentos de Deus, o horror
da morte, a fúria dos condenados, e as penas inconcebíveis das
almas que estão nas chamas do purgatório..
559
;i tMiornilcliitlc cío pt'i¿ui»», |,i que |. ar. ae deu como guruntlu pe
los pecadores" e .so cobre da "a|imOiu l.i iIo pecado", enlão "Deus
Pal o abandona, entrega o .1 lm 1,1 dos puUmim, trata <>como o mais
abominável dos homens; c após uma infinidade de opróbrlos, de
Ignomínias e de sofrimentos, sem lei nenhuma consideradlo e de
que ele é seu ¿Pilho, o faz morrer pelo suplício mais vergonhoso
e mais cruel que jamais existiu... lile exerce sobre ele sua ylrigan
va, como se ele nào lhe pertencesse. Será possível que o pecado
seja tão horrível para cobrir de horror o Filho de Deus e torna Io
abominável aos olhos desse terno Pal? Ó pecado, como és negro
e como és horroroso!”.97
Bossuet fala a mesma linguagem num patético sermào de
Sexta-feira Santa consagrado ao “divino leproso”. A ofensa feita
ao Criador pelo pecado original foi de tal dimensão que “era
preciso uma satisfação digna de Deus, e que um Deus a fizesse;
uma vingança digna de Deus, e que fosse também Deus que a
fizesse". Depois de assinalar esse crescendo da “satisfação” a
“vingança”, Bossuet não teme ir até o fundo de uma lógica que
obriga o Pai a oprimir o Filho:
r > d i
llVI'Ao r .11)CI|,i‘. iilllil 111>I i \ lllgillli i ele; esses lAIlgldos (Ir
tlc'IltC'S, esses gemidos t i i h(i|||i!i . • v.e,1*t higos <|lie jilinals
devem extinguir -se, lililí >i-m i ttit> • • iiiii Ia i ui quase nada em com
paraçíto com o sacilltclo ilr l< ui . < ih to ao morrer,'’”
Se Deus agiu assim contra seu filho hem amado, que dirá
contra nós? Kssa pergunta vem espontaneamente ao espírito e
Tronson nào deixa de fazê-la a cada um dos participantes do re
tiro de Sáo Sulpício: “Se o pecado tem tanto horror era si, mes
mo a ponto de pôr em fúria o pai contra o filho, e o pai tão cle
mente contra um filho tão amável, tão caro e tão precioso, um
filho que forma um todo com ele: qual será o horror que dará a
Deus uma criatura tão abominável no nascimento, já banida e
separada dele, que tem em si mesma um fundo maldito, insu
portável aos olhos de Deus? Enfim, se nosso Deus exerce sua
vingança, se ele faz passar pela fornalha uma madeira imprópria
para queimar Ijesusl; o que será da madeira própria para ser
consumida pelo fogo?”.100Esse destaque dado pelo discurso ecle
siástico de alto nível à “fúria” e à “vingança” divinas explica a in
sistência mil vezes assinalada nas obras de piedade, nos catecis
mos c sermões sobre os “decretos” do “juiz infalível”, as “contas”
que será preciso prestar-lhe, a “condenação” pronunciada sobre
a humanidade “após o pecado original”, o “terrível” julgamento
pailleular, "o tribunal da penitência” e os Padres “juizes” estabe-
lei Idos para abrir ou fechar o céu por meio de suas sentenças.101
lambem os pedagogos ensinavam com Pierre Coustel: “A felici
dade do homem sobre a terra consiste, diz São Bernardo, a te
mei mullo o S en h o r... Para isso deve-se mostrar bem às crianças
os terríveis eleitos de seus julgamentos na punição dos anjos re-
bi Ides no céu ”.1"* Numa pequena coletânea de piedade impres
sa em 17,30 na intenção dos alunos do colégio oratoriano de An-
gets, recomenda-se aos estudantes que roguem a Deus tremen
do “exalamente com o o infeliz acusado quando ele se expõe aos
Assim, observa-se que ele jamais riu! Nada jamais igualou a se
riedade de sua vida: e é claro que o prazer, a diversão e tudo o
que pudesse distrair o espírito não faz parte dela. A vida de Je
sus é totalmente tensa, totalmente ocupada com Deus e com a.s
misérias dos homens, sem que ele nada desse à natureza, a não
ser aquilo que não lhe poderia recusar sem destruí-la.106
ROM
I'.SN.I uplnlílo Cl.l M t|ll|lil!lllllilil(l |IIII Bossilet, qtic CSCrCVCll
ñas M áxim as,, so h tva <anii'Jlii
r>(sr>
111M sentimento nuriiul de culpabilidade aparece como
um apoio não .1 .supressão, mas a •transi nrmnçáo c a subllmuçan
das pulsões (|iic estilo cm (lesai ordo com o Ideal do eu e ,1 re
lação com Deus, Mais geral mente, e destue, indo essa observarão
de 1’reud do seu julgamento global negativo sobre a religião, po
demos dizer que toda religião se 1ontenla com "renuncias 1ultu
rals” e exigencias morais,111 No capil 111<>das nuancas necessárias,
uma observacao se Impõe ainda: .1 auto-acusacào frcqííenle na
neurose obsessiva não é forçosamenle assimilável a confissão
dos pecados visando ao perdão. A confissão dirigida para um
melhoramento moral não deve ser confundida com um "dl/ei
tudo” tagarela resultante de uma introspeceào narcisista e que
nem sempre comporta o arrependimento. Para resumir com An
tolne Vergote essas referencias preliminares: basear-se numa psl«
cologia dá "grande normalização” para "alinhar sem mais a per
versão masoquista, a neurose, a ascese e a espiritualidade (|ite
pretende participar da cruz de Cristo, é um discurso... tão lYilll
(juanlo fácil de sustentar".Do mesmo modo, 6 difícil traçar
uma fronteira segura entre o normal e o patológico, "entre a ma
consciencia que aumenta a obscuridade e aquela que leva a cia
1Idade de uma vida na verdade”.110
Uma vez enunciadas essas observações Indispensável1., e
Impossível tanto ao clínico como ao historiador ijegar que <>
Cristianismo carrega consigo o risco de fazer pesar sobre seus
lieis uma culpabilidade desconfiada e repressiva, lile comporta,
com eleito, duas vertentes: por um lado, ele tranquiliza, já que
Delis perdoa por Jesus e promete ao homem um amor fiel; mas,
por outro lado, ela incita a má consciência. Porque nada desta
ultima escapa ao olhar cie um Juiz exigente que sabe tudo,
Como associar numa síntese harmoniosa a justiça que justific a o
homem e aquela que o julga? Mesmo porque o "pecado” pesa
mais do que o "erro”, já que ele inclui a noção de uma res pon
sabllidade pessoal não só diante dos homens, mas também
diante de "um Outro que não se poderla mistificar"."' fazendo
114, PREUD, S. M lüsc et le tnonothii/ttue. 1’atis: (iallimard, 1948. |>. 150 I v.,
115. VERGOTE, A. Deite«tdéslr.,., p. 252.1IUSNARD. A. l.Uilven... p. 2V>¡
" Iodas as transições existem cutre a «.ul|nibilithuU* i mli'ipciu dos indivíduo1. >101
mais c a culpabilidade totalmente irreal tio donuc mental",
11(>. Iliiil,, p. 117.
117. lliiil. |>. 64.
5ti(l
da confissão do pecado uma exigência fundamental, solidária
da mensagem de libertação, o Cristianismo expõe o homem a
uma. culpabilidade mórbida.
Nào é de espantar, por conseguinte* se efetivamente se
produziu uma deriva nesse sentido, assumindo em certos meios
um verdadeiro aspecto coletivo, em particular durante'as: épo
cas estudadas no presente livro. Os documentos já citados e os
que serão em seguida por acaso não fazem aparecer claramen
te uma angústia patológica diante do julgamento de Deus, um
aumento de escrúpulos, uma ruminação mental do pecado (ori
ginal, mortal e venial), uma fixação sobre a morte? Impõe-se en
tão o diagnóstico de uma neurose coletiva de culpabilidade que
não se trata de julgar, mas sim de esclarecer e de explicar. Por
neurose de culpabilidade entendemos aqui “o desvio religioso
e patológico de um Cristianismo que focaliza sua mensagem so
bre a lembrança do pecado e se resume em dispositivo de luta
contra ele”.118 Seu caráter obsessivo se manifesta por conteúdos
psíquicos que “assediam” o espírito, que se impõem ao sujeito,
que o arrastam a uma luta inesgotável contra si mesmo (às ve
zes com verdadeiras anorexias). Ele se debate em incessantes
exam es de consciência, entrega-se a uma escalada de mortifica
ções, fixa seu olhar interior sobre o pensamento da morte. O
nuindo exterior parece-lhe vazio de substância; os objetos, ir
reais; a existência, um combate perpétuo contra as ameaças de
um mundo impuro e apodrecido.119
A psiquiatria percebe por trás dessa culpabilidade exacer
bada uma agressividade recalcada. A célebre explicação de Freud
não perdeu a validade. A consciência culpada, pensa ele, forma-
se pelo retorno sobre si de uma agressividade normalmente diri
gida para fora e sentida como destruidora dos vínculos de amor
e de amizade.120 Ora, ao longo das épocas e mais particularmen
te na época da Reforma católica e nos meios mais religiosos, uma
formação opressora demais superculpabilizou e feriu a necessá
ria agressividade, ou se se preferir, a “pulsão de domínio” que é
5 (|7
essencial ao desenvolvimento <l> i<••li. i . allvldades humanan. A
repressão da agressividade, dupla ando • agravando a da sextta
Helado, exallou para além don llmllcs la/oávels as virtudes passl
vas de obediência e de humildad» |)ai uma vlravoltu ao mesmo
lempo contra si - a má consciência e a doença do escrúpulo e
contra os pecadores. Como nao ficar Impressionado pela violen
cia e a freqüênda> dos anatemas lançadas pelos homens da Igre
ja contra todas as categorias de pecadores? lí exatamente uma
agressividade recalcada que retorna à superficie no discurso mil
vezes repetido contra “o homem criminoso”.
Quando relemos as inúmeras afirmações de outrora sobre
o pequeno número de.eleitos e_a dureza das “vinganças” divinas,
ficamos Impressionados pela coexistência nos mesmos espíritos
de duas imagens de Deus que se contradizem, uma sublinhando
sua justiça e outra sua misericórdia, de maneira que dois senti
mentos parecem dividir a consciência: um ódio recalcado mas
presente do Perseguidor e um amor altamente afirmado, líssa
coabitaçUo de sentimentos contrários foi admiravelmente analisa
da por Sao f rancisco de Sales quando escreveu no Tratado do
a m o r d r / >e//\: "iDcve-sel adorar, amar e louvar para sempre a
justiça vingadora e punitiva de nosso Deus... e beijar-lhe, com
uma dllet çao e reverência igual, a mão direita de sua misericór
dia e a mâo esquerda de sua justiça”.121 Semelhante ambivalência
alellva parece aos psiquiatras o centro da neurose obsessiva. A
..............i simultânea de ódio recusado e de amor acentuado pela
piopila delrsa, t í-, al o conflito que provoca a neurose e corre o
ihi o de exaurir o indivíduo numa incessante luta interna.
Iis.se "mal-estar" da alma dividida é ele próprio tributário
da acenluaçâo exagerada de; dois elementos da mensagem reli
giosa a m.K tila e a dívida. Congelar estas últimas em idéias fixas
<• desembocar no desconhecimento do homem real. “A nostalgia
da pureza e o sentimento da insolvável dívida pertencem a es
senda da problemática religiosa, Quando o obsessivo penetra no
amago de suas interrogações, ele se choca com as antinomias do
puro c do impuro, do prazer e da dívida.”12-’
A obsessão tia pureza absoluta transforma o exame de
consciência em olhar hostil a toda conivência com as esponla
121. SAI.lí.S, Prançois de Clüwm, Paris, 1833: Vil, Tmilé de 1'amour <le
Piru, I, IX, cup. 8, p. 144.
I V l i K t iOT Iií, A. Dem et dAir..„ p. 88.
non
fieldades carnais. 'lodo pecado é qualificado de “impuro” e se
torna urna substancia quase material que “mancha” a alma (a
ponto de explicar a transmissão do pecado original pela heran
ça biológica da procriação). Uma excessiva materialização do
pecado faz com que o impuro físico atraía para si o impuro re
ligioso e moral. Hssa degradação leva não somente à condena
ção cie todo prazer carnal, mas a um verdadeiro horror da obs
cenidade do mundo. No mais profundo cío psiquismo, descobre-
se a recusa de aceitar a si mesmo com seus desejos e com seu
corpo. O obsessivo quer ir cliretamente para a pureza sem o tem
po da paciência e sem se deixar ensinar por seu ser instintivo.
Como já foi assinalado,123 esse angelismo remonta longe na his
tória cristã (e, ademais, ele não é uma exclusividade do
Cristianismo). Santo Atanásio escrevia: “O primeiro objetivo de
Deus era que os homens não nascessem pelo casamento e a cor
rupção, mas a transgressão do seu mandamento levou à união
sexual, por causa da iniqüidadé de Adão”.124 São Gregorio de
Nissa reitera explicando que essa divisão em sexos não concer
ne de modo nenhum ao divino arquétipo; ela torna o homem
próximo dos seres irracionais. O Criador fez o homem à sua inda
gem, isto é, 'nem macho nem fêmea. Mas “como ele viu de an
temão na sua ‘potência presciente’ a tendência que, em plena
possessão cie si mesmo, (devia seguir) o movimento cia liberda
de humana, no seu conhecimento do futuro, ele estabeleceu na
sua imagem a divisão em macho e fêmea, divisão que não se re
fere mais ao moclelo divino, mas... nos classifica na família dos
seres sem razão”.12512
6Não se pode contradizer mais nitidamente o
texto do Gênesis. Mas essa tradição de angelismo faz compreen
der o horror da carne experimentado por M. Olier, esse “herói
cie humildade crista” cujo fragmento a seguir, já citado por Re
nán,120 é representativo de uma tenaz corrente de pensamento:
127. OLIER, J . - J . Catéchum e ctm 'tk’n pone hi ric ihtéríeurc cm CEuvres com
pletes,cd. Mignc, Paris, 1856, col, 472-474.
128. C:f. a esse respeito Diiiiotinuhr de t¡>h'iiii,dit¿ I.im . I .XIV XIV, col. 349*395.
129. LANGUET, J. f l >< ' T de l,i v M h tb ft M h r M tvpucrhc-M d)’ie (1729),
ctl. utilizada Paris, 1H(>(), p, Vrl,
570
terrestre <• n i!.in milhado tic Deus. Daí a luta sem trégua das duas
Reforma.', contra as danças e outros divertimentos profanos. o
carnaval foi suprimido nas cidades reformadas da Suíça; chegan
do ao poder na Inglaterra em 1642, os presbiterianos fecharam os
teatros, etc. A certeza inconsciente que sustenta tais atitudes c a
de que só existe um lugar e que Deus e o homem nào podem
ocupá-lo juntos. “De direito, ele cabe ao Pai. Afirmar-se, vencer,
gozar, até mesmo existir, é saquear o Pai, matá-lo imaginariamen
te, o que equivale a assassiná-Lo segundo as leis do psiquismo.
Impossível então nào contrair com Ele uma dívida insolvável e in
cessantemente renovada, a menos que se ceda tudo a Ele”.1'1’ Um
pai enorme e sem fraqueza esmaga o filho por uma herança fan
tástica, provocando-o a igualar-se a ele, mas condenando-o ao
mesmo tempo a permanecer sempre aquém de um ideal imagi
nário.1'1 No limite, chega-se, mais uma vez, à negação do huma
no e não se percebe mais a autonomia dada ao homem pelo Cria
dor. Existe desejo de confusão - mas uma confusão irrealizável -
entre este último e sua criatura.
Logicamente o Deus credor e ciumento torna-se sanguiná
rio quando os pecados da terra ultrapassam à medida e as dívi
das para com ele aumentam. Então, suas “cóleras” são terríveis e
o incitam à “vingança”. Quantos textos nesse sentido na literatu
ra cristã sobre os castigos já neste mundo das coletividades peca
doras e sobre os suplícios prometidos aos condenados! E quan
tas afirmações categóricas sobre a morte do Filho,' “satisfação”
substitutiva para os pecados! “Porque Jesus sofreu tanto e mor
reu?”, lemos num “resumo” siciliano do Catecismo romano publi
cado em 1768. “Para pagar a pena cios pecados de tóelos os ho
mens.”13132 “É possível imaginar fantasia mais obsessiva do que a de
0
um Deus que exige o suplício à morte de seu filho para saciar
sua cólera?”133 Era essa fantasia, entretanto, que habitava Bossuét,
Bourdaloue e Tronson e mil outros diretores de consciência do
Ocidente. O cordeiro de Deus tipha-se tornado um bode expia
tório carregado de pecados de toda a terra e cuja morte devia
571
"satisfazer" a Ira do um l)oih l<' •>«<l<> om ,suu honra om eonsc-
c(üOncl;i do um conflito mortal onliv oh* o o homoin,
St) so escapa a essa tom opean geradora do neuroses Ion
do tio outra maneira a narrativa da Redenção o interpretando di
ferentemente o “sacrifício" do Jesus o, do maneira mais geral,
todo sacrifício pelo qual se oldreoo a I >eus o melhor daquilo que
existo neste mundo. Estabelecendo um vínculo entre o humano
o o divino, o sacrifício autêntico se situa "além da luta imaginá
ria por um mesmo lugar... [Ele] nào é a autonuitilaçâo para pagar
uma dívida insolvávèl. Ele não procura pagar uma dívida; ele a
afirma como não sendo para pagar”.1WA presente análise coinci
de polo menos num ponto com a de René Girard.13 135 Como este
4
autor, eu creio, pela leitura dos evangelhos e notadamente o de
João, que Jesiís, no curso de sua paixão, sofreu uma violência
"dessàcralizáda” que vinha dos homens e não de Deus: ele tinha
vindo entre os seus e os seus nào o receberam.
Medo-pânico da mácula e consciência de uma dívida insol-
vavcl, imagem de um Deus devorador, ao mesmo tempo odiado
0 amado, que não concede nenhum desejo próprio a seus súdi
tos e se satisfaz cóm o martírio deles, são alguns fatores que im
pelem ao mesmo tempo ao perfeccionismo e ao narcisismo. Por
que o sentimento de culpabilidade associa dois temores: o de
perder o amor do outro e o de ser indigno de si mesmo. Quan
do (al sentimento se exaspera, o preço a pagar pelo amor do ou
tro jamais parece bastante elevado. A impossível identificação
com o pai idealizado leva a automutilações que desvinculam o
paciente de seu destino humano. Ele é tomado pela vertigem e
pela obsessão de ultrapassar os limites do humano. Mas essa es-
1alada nào proporciona a tranquilidade. Porque quanto mais uma
consciência é exigente, mais as renúncias sucessivas correm o ris
co de excitar púlsões e tentações que se tornam, por sua vez,
Ibnles de angústia moral. Lembremos o interminável debate so
bre a culpabilidade da tentação (na qual Lutero acreditava total
mente.'). Os mestres espirituais diversas vezes denunciaram a ar
madilha do perfeccionismo. Perceberam nele o perigo de uma
c .iibra narcisista e de um ,olhar incestuoso sobre si mesmo e o
134. Ibid.
135. GIRARl), R. Des Chases w e h to firpuh l<i fondiillon du monde. Paris: Gras
sei, 1978, notadamente p, .’.M . < I Minltdm "Qu.ind íes dioses commence-
ront,,.", entrevista com l’li. M iiitmv •ni A/ tjn eí n, 'H, inverno 1979, p. 49.
impossível d e s e jo d e sc* pretender sem lalhas. Ademais, um me
canismo d e delesa contra uma culpabilidade invasora pode levar
as coletividades religiosas, mas também os indivíduos, a por em
açào um legalismo que tente aliviar a angústia da consciência
pela observação meticulosa de rituais exigentes. Mas relembre
mos aqui em poucas palavras as observações apresentadas no
início deste estudo sobre “a neurose coletiva de culpabilidade”: o
quadro clínico apresentado anteriormente corresponde aos com
portamentos patológicos. Ele só é aceitável em cada detalhe se
acrescido de nuanças, e nào subestima o alto valor religioso de
uma sublimaçãovpela qual alguns místicos superaram um “maso
quismo primário”. No caso deles, uma “identificação compassiva”
(São Bernardo) com o Cristo sofredor tornava-se descentralização
de si (e não narcisismo) e participação na vida do Amado.
Feita essa observação, será que se pode negar a existên
cia de um superego hipertrofiado da Igreja no curso das épocas,
mas mais particularmente no momento do triunfo das duas Re
formas sobre seus rêspectivos terrenos? No Ocidente, o auge da
culpabilização situòu-se nos séculos 16-17. Essa constatação
constitui, por si só, uma aquisição historiográfiea. Mas onde e
com o encontrar a, ou melhor, as chaves dessa situação? No pla
no individual e em nossa época, parece às vezes que a presen
ça numa família de um pai apagado e humilhado - ou ainda a
ausência do pai - deixa uma casa vazia na qual os filhos têm ten
dência a colocar um Deus todo-poderoso, perseguidor e devo-
rador. Ao mesmo tempo, eles recolhem desse pai insuficiente
(ou ausente) uma mensagem de renúncia.1,(5 Mas a experiência
prova também que uma obsessão de culpabilidade pode nascer
em circunstâncias inversas e que um pai demasiado autoritário-é
susceptível de criar em seu filho um universo mórbido do pecar
do: com o em Kafka. De qualquer maneira, essas análises, por
mais interessantes que sejam, dificilmente são transferíveis para o
passado, mesmo que possamos pensar que a primeira hipótese
se aplica a Santa Margarida-Maria Alacoquç (pai falecido quando
ela tinha oito anos) e a segunda a Ditero.137 Referindo-se a perso
nagens de outrora nossos arquivos psicológicos só podem ser in
completos. Ademais, quem poderá jamais reunir e catalogar a
r>7:i
multiplicidade clt* casos que inilimiii m»• Hinl.iuin para criar ¡1 In
cllscufívol "neurose coletiva de iiilpiihllld.uk'11 que existiu cm ,se
tores mais 011 menos ampl<r< di* 111 »*.-.• 1 ( hIdenle? () papel do hls
(orlador entilo consiste sobretudo em estabelecer concomitancias
e relações (|tie esclarecem, sem pretensão a exausllvidadê, um fe
nómeno dessa importância,
A humanidade nem sempre sonhe relativlzar o pecado.
Durante muito tempo ela careceu de uma noção que se tornou
familiar para nós: a de culpabilidade atenuada (ausente em hu
lero). Do mesmo modo ela teve - e tem ainda hoje - tendên
cia a confundir justiça e vingança, porque uma inércia profun
da a levava a permanecer no estágio das Eum ênides de Esqui
lo,l,H O discurso religioso que acabamos de analisar deu em
todo caso amplo espaço a essa terrível equação, por sinal mui
to presente no teatro elisabetano assim com o nas Novelas de
handello. Os homens cia Igreja da época consideraram a si pró
prios com o vingadores de Deus a serviço de um Todo-Podero-
so mais zeloso do que misericordioso. Quanto à idéia, tantas,
vezes encontrada ao longo de nosso estudo, cie que'D eus se
vinga neste mundo dos indivíduos e das coletividades culpadas,
ela também finca suas» raízes num passado distante. O Antigo
Testamento a põe muitas vezes em destaqué, embora o exem
plo de Jó vá no sentido contrário, uma vez que este justo é
oprimido de sofrimentos.
E preciso lembrar que Jesus, por três vezes, levantou-se
contra a associação explicativa entre pecados e desgraças: a pro
posito do cego cie nascença (Jo 9,1-4), cias vítimas da torre de Si-
loé e dos galileas massacrados por Pilatos (Lc 13,2-6). Mas essa
lição lào moderna cio Senhor durante muito tempo foi esqueci
da. Na época clássica, assim com o na Idade Média, os pregado
res cristãos são unânimes em ver as catástrofes coletivas com o
respostas de um Deus colérico a uma excessiva maldade huma
na. No início cio séciilò 19, Joseph de Maistre atualiza eSsa ex
plicação. Em As Noites de São Petersburgo (1821), ele nota que
Jesus só curava os doentes após a remissão de seus pecados e
faz um de seus porta-vozes dizer: Deus não é o autor do mal
moral, mas “do mal que pune, isto ,é, do mal físico e da dor,
com o um soberano é o autor dos suplícios que são infligidos sob
1)8. Cf. GREKF, ti. tk\ /.« fm/hidt íA'/iW n >!>' .1ym/hit/tit, Paris: PUF,
1947. p. 40.
suas Id*",1'" l uí lM ' I, .1 Igreja francesa vê na recente derrota uma
punição illvlna. Ainda em 1897, um dominicano, pregando em
Notre-Dame por ocasião do serviço oficial pelas vítimas do in
cêndio do Bazar da Caridade, lembra o velho tema: “Nossas lá
grimas [sãoj.o preço com que se paga nossa entrada na miseri
córdia... A França mereceu este castigo por um novo abandono
de suas tradições”.110 Mais perto de nós, Leon Blum constata em
1945: “Uma calamidade nacional - alusão à débâcle cie junho dé
40 — liga-se desde a origem dos tempos à idéia de um pecado
ou de um erro, com seus desenvolvimentos naturais: contrição,
expiação, redenção”.13914041 Assim, até os difíceis questionamentos de
um período recente, as coletividades de outrora tinham como
certo o vínculo causai entre pecado e “justa” vingança divina já
neste mundo. Nos séculos 15-17, os processos repetidos contra
feiticeiras e blasfemadores só se tornam inteligíveis quando rela
cionados à convicção antiga - mas então exacerbada - de que
Deus, irritado por esses crimes individuais de “lesa-majestade”,
não deixaria de vingar-se sobre as comunidades humanas que
toleravam tais infrações.
Convicção “então exacerbada”, por quê? Os europeus que
viveram entre a chegada da Peste Negra e o fim dos conflitos re
ligiosos tiveram a sensação de um acúmulo de desgraças - epi
demias, misérias repetidas, guerras civis e estrangeiras, rupturas
confessionais, ameaça turca. Eles as identificaram como punições
.vindas do alto e acreditaram perceber na proliferação do mons
truoso o signo precursor de castigos ainda mais pesados. As vin
ganças divinas só tornavam mais evidente a onipresença do pe
cado que as suscitavam.
Entretanto, apesar de medos e fracassos, ou talvez por cau
sa deles, a civilização ocidental ia à frente, tomada por um dina
mismo profundo. Nos intervalos deixados livres para as experi
mentações, ela inventava, inovava, descobria, enriquecia, ofere
cendo, a alguns pelo menos, possibilidades inéditas de promoção
individual. A época chamada “Renascença” apresenta-se então a
nós como uma associação de fortes impulsos de vida e de mergu-
o “mal-estar”
religioso
o dolorismo
Duas conseqüências notáveis da neurose de culpabilidade
na sociedade católica de amigamente foram o dolorismo e a
“doença do escrúpulo”.
O cristão deve ser bastante corajoso para ter medo de Deus.
O ímpio, declara Massillon, é alguém “que, não podendo suportar
e observar com olhar firme os terrores e as ameaças da religião, ten
ta se distrair repetindo sem cessar que são temores pueris”.1 Den
tro do mesmo espírito, um especialista da pregação, Hyacinthe de
Montargon (f 1770), afirma a seus ouvintes: “Infelizes... daqueles
homens que, não gostando de pensar naquilo que os inquieta, afas
tam de seu espírito a terrível idéia de um Deus vingador; saibam
eles que apenas as almas temerosas é que terão motivo de espe
rança no último dia”.2 Esse tema religioso foi muitas vezes associa
' do ao da recusa do mundo, isto é, do nosso universo, que coinci
de, é bem verdade, com .o de Satã. Saint-Cyran escrevia: “Os mate
máticos consideram a terra apenas como um ponto e a Escritura só
fala dela como um deserto, unia prisão, um hospital e uma imagem
do inferno. Infelizes então daqueles que se apegam a ela e que não
se esforçam por morrer pára todas as coisas da vida presente”.' Nos
ÍY7I)
-sormòo.s (|iio no século 17 «■ no inh Iii dn IM rram fornecidos nos
lazarlstus (|iio partiam un missão, llguia • ,u sentença: "O mundo
c tima pristió da qual so saímos pola morí o".'
As duas idéias-força c|iic u< abamos de sublinhar lovavam,
uma reforçando a outra, a desvalorização elo si, a busca elo sofri
mento o à recusa elas alegrias humanas, devendo a criatura jul
gai se - ó Arnaulcl quem diz - “digna do toda especie de despre
zo, do humilhações e de aniquilamentos".'' Lembremos esta pas
sagem da Imitação já citada: “Nada me é devido a nao ser. a vara
o o castigo... Após ... um estrito exame eu me .reconheço indig
no da menor consolação”.6 São de fato os mais santos - Freud
tem razão nesse ponto - que foram os mais críticos sobre si mes
mos, a exemplo do autor, da Imitação. “Só íiá- vicio em rriim”,
constata Santa Catarina de Gênova.' Santo Inácio cie Loyola escre
ve* um dia a Ribacleneíra: “Son apenas estrume” e desèjávque após
a morte seu corpo seja jogado às aves e aos cães. “Não é isso que
devo desejar para o castigo cie meus pecados?”8 Santa Teresa de
Avila qualifica-se de “miserável hospedaria do Senhor” e de
"oceano de misérias”.6 São Vicente de Paulo trata-se de “abomi-
nacao” e confessa no crepúsculo de sua existência: “Ai! Não vejo
nada em mim que não mereça castigo; todas as ações que prati-
quei são só pecados, e é o que me faz temer os julgamentos de
Deus”,10 lima das mais surpreendentes confissões de culpabilida
de pela pena de uma santa é a de Maígarida-Mariâ (f 1690). A
seu ver, ela era um “monstro”:
r>H0
horrível di’ veri lili nilo via nele nenhum bem, mas tanto mal
que era um tormento só pensar. Pfirece-me c|iie tildo me con
dena a um eterno suplicio, pelo grande abuso que fiz de tantas
graças, para as quais só tive infidelidades... N ã o 'me reservo
nada em toda a vingança que cabera a vossa divina justiça exer
cer sobre esta criminosa, exceto que vós não a abandoneis a si
mesma, e que por novas recaídas nao me castigueis de meus
pecados precedentes."
r.Hi
terrível era de aínda ter cn| u■i,i 11 e 111u*i <-*i lentur lazer o bem,""
I le eslava obcecado por Idélas de oíili'lilit>, enviadas por Sata.
I Hirantc noites Inteiras, ele manteve uma lat a contra a própria
garganta. Urna ve/., ele pulou pida Janela e quebrou o joelho, Id
eou aleijado.
I lina obra como a Anatomia da melancolía de Robert Bur
lón permite passar desses casos célebres para a angústia religio
sa de homens cômuns e deslizar assim do singular para o plural.
Nao é por acaso que um autor do início do século 17 insiste so
bre a melancolia religiosa. Tratando longamente desta última,
Murtón nào poderia esquecer a obsessão da danaçào.15 Referindo-
se a Félix Plattqr16e a Pierre Forestáis,17 ele cita o exemplo da mu
lher de um pintor, em Basiléia, desesperada após a morte de seu
filho. Deus, pensava ela, recusava-se a perdoar seus pecados.
Durante quatro meses, ela foi presa de delírios, já se vendo no
Inferno. Aparece agora um mercador que tinha deixado deterio
rar uma pequena quantidade cie grãos que ele tinha guardado
durante um tempo demasiado longo. Embora piedoso e instruí
do, ele se cobria de censuras: por que não tinha vendido esses
grãos a tempo? Por que não o tinha dado aos pobres? Ninguém'
conseguia chamá-lo à razão; ele se julgava condenado. Terceiro
caso: um padre observava com exatidão os jejuns da quaresma e
mergulhava em profundas meditações: ele acabou por cair no de
sánimo; via demônios em seu quarto e desesperava-se pela sua
salvação. Ultima história: um homem que cometeu um erro gra
ve não queria comer nem beber nada durante 14 dias. Qs padres
nao conseguiram aplacar sua angústia e ele morreu. Dessas his
torias, Burlón passa ã conclusão, retomada de seu preclecessor
Guatinerius: “Muitos [notemos cie passagem o indefinidoj caem
no desespero por temor do julgamento final”. E observa que o
excesso de solidão, de jejuns prolongadps, cie extenuantes medi-
14. SURIN, J.-J. Lettres spirituelles, ed. L. Michelet e F. Cavadera, 2 v., Tou-
louse, 1926-1928. Aqui, II, p .20, 32, 54‘ Cf. BREMOND, H. H istoire..., V,
p. 148-310. .SURIN, J.-J. Correspondance, ed. M. de Certeau, Paris, Desclée
de Brouwer, 1966, notadamente p. 15 e 133. KOLAKOWSKI, L. Chrétiem
satis Eg/ise, 1969, p. 443-491.
15. BORTON, R. TheA natom y... III, p. 396-399.
16. Para esta nota c as duas seguintes i í, novumrmc BURTON, R. The Ana-
totny..., III, p. 398-399. PI.ATI I K, I <>/>srri‘,it¡onuni tihri tres (1614), cap, 3.
17. FORRSTUS, P. (Picrn? Van I W m). O h ,n aílon es (1602), l.X , cap. 12.
t»h:j
tações, uma Indiscreta "contemplação” dos julgamentos de Deus
e uma Incessante ruminação do mistério da eternidade, “com seu
número infinito de milhões de anos”, só podem levar à melanco
lia. A mira dessa argumentação estava evidentemente dirigida
contra a Igreja católica acusada de encorajar mortificações abusi
vas e miniiciosa contabilidade das boas obras. Pastor anglicano,
Burton agradece a Lutero por ter encontrado uma solução para
essas “torturas” e “crucificações” de si mesmo e cita São Bernar
do que escrevia: “Não devemos falar do julgamento sem falar
também do perdão...”.18 Afastado ao mesmo tempo do
Catolicismo e do Puritanismo, Burton observa enfim - voltaremos
a isso19 - que certos pastores protestantes mantêm também nos
fiéis o medo do além.20
O temor dos julgamentos de Deus, uma busca desespera
da da perfeição, a convicção de qué os pecados continuam a cru
cificar Jesus e que é preciso “reparar” não somente seus próprios
erros, mas também os do mundo e uma sede de humilhação im
peliram, ao longo das épocas, a um “heroísmo cristão” cujas
proezas causam espanto. Entretanto, não se deve tomar ao pé da
letra os detalhes excessivos e terríveis das penitências de Henri
Suso, morto aos 71 anos em 1366, que nos são ciados pelo autor
cie sua Vida.11 A crer nesta, o piedoso dominicano conservou o
silêncio à mesa clurante trinta anos, só o rompendo uma vez. Ele
usou por muito tempo um cilicio e uma corrente de ferro, só os
abandonando quando o sangue escorria. Mandou fazer em segre
do uma camisa de crina que aderia ao corpo e fixou nela correias
guarnecidas de 150 pontas voltadas para a carne. Essa vestimen
ta dolorosa, que ele jamais tirava, atraía os vermes e muitas vezes,
à noite, parecia-lhe “estar cleitado sobre um formigueiro, tantos
eram os vermes que subiam por ele”.22O livro que se chama Suso
relata aincla outros achados do herói, outros suplícios que ele in-
r»8:i
Illgla ¡i si mesmo, Assim, He i<ii.t iistitl", i nnst.mlemente duran
lo oito anos", "sobre suas instas nuas, <oili<* os ombros", uma
c m / guarnecida de trinta progn* de leito o de sele agulhas pon
tudas, estas últimas em lembrança das vlouvtde Maria/’ A aeumu
laçâo‘de detalhes horríveis torna Impossível que o santo religio
so st' tenha infligido ao mesmo tempo todas essas provações.
Além disso, como tena ele mantido secretas tantas mortificações
<|tie teriam muitas vezes manchado de sangue suas vestes bran
cas? Com a sábia Madame Ancelot-Hustache, devemos então ra
zoavelmente pensar que “o relato das mortificações, tal como o
lemos na Vicia, |él ... absolutamente suspeito”.2* Mas é verdade,
por um lado, que Suso foi incontestavelmente um hoiriem de pe
nitência e, por outro lado, que foi “um dos autores mais consu
midos do fim da Idade Média”.2324S26A imprensa contribuiu em segui
da para fazer conhecer suas obras entre as quais sua Vida figu
rou várias vezes.20 Daí a disseminação de semelhante exemplo.
Nos séculos 16-17 - para nos limitar a essa fatia de histó
ria as proezas ascéticas preenchem a crônica. Em Manresa,
Santo Inácio de Loyola passa noites inteiras em vigília, fica uma
semana sem comer, açoita seu corpo com correntes de pontas,
golpeia o próprio peito com uma pedra, faz orações sete horas
por dia. Como o poverello, ele dá o “beijo franciscano” a um in-
1’ellz abandonado por todos, aplicando seus lábios sobre uma
chaga e “sugando a podridão para curar o doente”.272 8São Pedro
i le Alcântara surpreende até Santa Teresa. Ele era tão magro que
"tinha a aparência de raízes de árvores”. Ele confessou à
carmelita de Ávila que “durante quarenta anos... só tinha dormi
do uma hora e meia por dia, e que jamais tinha conhecido pe
nitencia mais implacável; no início, para vencer o sono, ele per
manecia sentado, com a cabeça apoiada num pedaço de madei
ra fixado na parede... Habitualmente, ele só comia um dia em
i ada três". '" Quando São Carlos Borromeu é despido para sua
29. Sobre a vida ascética de São Carlos Borroineu, cf. notadamente ORSE-
NIGO, C. La Vita d i San Cario Bonom eo, Milán, 1929 e DEROO, A Saint
Charles Borromée, cardinal reform atam Docteur de la pastorale. París, ed. Saint-
Paul, 1963.
30. SAINT-BEUVE, Port-Royal, Pléiade, París, 1 9 5 2 ,1, p. 159.
31. < ¡(.ido por ORCIBAL, J. Jean Duvergicr de H auranne, a b b é de Saint.
<yiiin <i \on lem ps (t. II das Origines du Jansénism e). París: Vrin, 1947. p. 57,
o ipn n iiict* .i M ém oires d'U trecht, 1 7 4 2 ,1, p. 316.
(I<) |)iiríifs( >". "O liomctu pode 11mI.i i li >i |inmiir m •crede>r de I )<*ii*.,
permanecendo por outro hulo mu devedni I*<>i\|tic sofrendo He
clã n Deus d,o sou próprio bem, enquanto nas outras coisas cio
recebo de DeusV* Assim o entendia uma "Madona 1'austlna", la
leclda em IS62 que, quase na agonia, trocou com o Padre Giro
lamo Cacdaguerra - amigo de Plllpe Nial • palavras espantosas:
() padre lhe dizia: "Já náo lhe basta o que você está ,sofrendo?
- Náo, respondeu ela, porque eu ainda queria sofrer tanto que só
me restasse a pele sobre os ossos". O religioso observa: "Mas
você obteve essa graça: só lhe resta a pele sobre os ossos", Al
guns dias depois, o estado da doente se agrava e Cacdaguerra
lhe diz: "Todos os sofrimentos que você tem deveriam bastar-lhe
e você deveria contentar-se com eles”. A moribunda retruca: "Oh
rulo, padre, nào me contento. Eu queria ver com meus próprios
olhos os vermes comerem meu corpo”."
587
nos sapillos, comía misas honoiosas I >111 illa, lamhcm Ha colo
m u ‘•leus lalilos sobre uní liorru •I uo» a n o 1 I icpols ele* preceden
les como essvs, os "pequeños" e "guindes s o c o i t o s " dos grupos
convulsionarlos do secuto IH parce u n m enos Incríveis, As vítimas
voluntárias, para as quais a dor era o i amlnlio real da salvado,
pediam (|ue lhes aplicassem golpes na i .ibrç.i ou na barriga com
paus, pedras, bastões de ferro ou pesados volumes in-fólio. Al
guns eram entregues a um início de* esquarlejamento, outros
eram aperlados “por urna máquina que linha sido Imaginada para
essa finalidade”. A apoteose, é bem verdade que excepcional, era
a crucificação, às vezes com cravos verdadeiros.41 Esses sofrimen
to.'» no corpo davam aos visionários o direito à profecia e lhes
permitiam anunciar a volta do Crucificado e o restabelecimento
de uma Igreja purificada.
Menos espetaculares e mais ordenadas, as austeridades
que Kancé': estabelece para a Trapa suscitaram uma polêmica no
ser illo 17: supressão de peixe, ovos, especiarias, açúcar, xaropes
ou mnfeitos e legumes de qualquer espécie; aumento da dureza
d.is camas; obrigação de dormir vestido com o hábito; silêncio
perpétuo; proibição de cartas e visitas; proibição de acender fogo
anle.s da prima (= seis horas, mas levantava-se às três horas e
niela) e depois das completas. As celas foram destinadas unica
mente ,i<> repouso; para elas jamais se levaria luz. O estatuto dos
doentes excluía agora a chamada de médico; os doentes jamais
pei m.meceriam acamados, mas seguiríam o ritmo da comunida
de, eles lambem dormiríam com o hábito; iriam à igreja receber
os últimos sacramentos; não se acendería fogo na enfermaria an-
l< . da prima. Outra disposição espantosa; o religioso que acaba-
'10. I <i Vic de M me J.M .B . de la M othe Güyon, écritep ar elle-mêtne, 3 v., Co-
lognc, 1720: I, p. 88-90. KOLAKOWSKI, L. Chrétiem sans Èglise..., p, 523.
11. Utilizo aqui utn memorial de mestrado de Paris I, 1971, ex. dat. KURAL, R.
i.m de de deux manuscrits convulsionrütires jam éniste du XVIII' siéc/e, p. 45-48 e a
tese de III" ciclo de COTTRET, Mme Monique. Les Représentations mythiques de
riiglise prim itive dam les polémiques entre lesJansénistes et les Jésuites (1713-1760),
2 v., dat., Utiiv. Nantcrre, 1979 (sob a dir. de R. Mandrou). Aqui: t, p. 70-74.
42. As duas melhores obras antigas sobre Raneé com valor de documentos s5o
as dc I.E NAIN, R. P. La Vie de Dom A m iand-Jean de Raneé... a b b é d ela Trap-
pe, 1715 c 1719, e dc Dom CiERVAISE, Jugem ent critique mais équitable des
vies de fèu M. V abbé de Rance ¿evites p ar les sieurs M arsollier et M aupeau, Lon-
dres (Reims), 1742. O Raneé de Chateaubriand não é uma biografia propria-
mente dita. Obra muito útil é a de BRJiMOND, H. “LA beé Tempête" de Ran
eé, Paris: I Iacheite, 1929.
fiHH
v;i tic |MTtlcr n |Mi uu .1 máe devia calar a dor que o atingía, |íi
que, alln.il, li ni o eMá morto para ele no mundo”. Foi necessário
atenuar u n seguida algumas das austeridades impostas pelo rucie
reformador. Mas, por um lado, a despeito das críticas, a Trapa
atraiu vocações - a comunidade passou de 10 a 300 membros en
tre 1664 e 1700, ano da morte do “abade Tempestade” e, por ou
tro lado, “a obra do abade de Raneé atravessou vitoriosamente a
prova do tempo”.*43 O que mudou, em compensação, em relação
à época do fundador, foi ó espirito das mortificações.
Sob a escrita (inesgotável) de Raneé encontramos o dolo-
rismo mais agudo e suas mais perturbadoras motivações. Na sua
célebre Carta a respeito das hum ilhações e outras práticas de re
ligião ,HRaneé não cessa ele ter diante dos olhos o modelo angé
lico, e ã palavra “anjo” retorna frequentemente sob sua pena. As
sim, deve-se “humilhar e... confundir os monges enquanto eles
não tiverem nem a mortificação do Calcificado, nem a santidade
dos Apóstolos, nem a pureza dos anjos”.434 5Ora, os monges estão
longe da conta. Eles são “criminosos”. A conclusão da Carta é
surpreendente a esse respeito:
- i
43. BREMOND, H. “V A bbé Tempête...", p. 245, citando Dom Canivet.
44. Publicada em 1677.
45. RANCÉ, A. J. de. Lettre sur le sujet..., p. 7.
46. Ibid., p. 212, e para o que segue p. 212-217.
tropología o .1 teología conjuntas •po o H’lormailor da Trapa de
leí ule apolantlose em S¿1« i Joan ( Jlmai o Mas, dirão, nã( >existem
monges justos? Ranee responde sem liesllai
EDO
Ranee, In! (Ir que t i‘i religiosos fossem exercitados pelas Immilh.i
çòos" e, ( ( uno n mundo natía mais pode sobre eles, "é preciso
cpie se|am necessariamente seus superiores que lhes forneçam os
meios, destinándoos a ocupações infames e humilhantes, ou
exercitando-os por meio de humilhações e de opróbrios”.'0
Semelhante doutrina suscitou reprovação, inclusive nos
meios monásticos. O Geral dos Cartuxos, Le Masson, em 1689
surpreendeu-se de que se pudesse afirmar “que nào se vem ao
mosteiro para ali viver, mas para ali morrer” e recusou-se a acre
ditar “que se deva praticar austeridades considerando-as como
meios de abreviar a vida e diminuir a santidade até perdê-la to
talmente”.% Mabillon revoltou-se igualmente contra a recusa de
Raneé em permitir a seus monges trabalhos intelectuais sob o
pretexto de que “o estudo destrói a humildade” e transforma ca
sas de paz e de retiro em “academias tumultuosas”.51 H. Bremond
tem razão de' pensar que os rigores excessivos do abade da Tra
pa impediram sua canonização. Mais geralmente, será que não
somos tomados de perplexidade e de vertigem diante dos pou
cos exemplos de mortificações espantosas qlie extraímos dos lon
gos anais da santidade cristã? Aqui. se impõem um momento de
pausa e uma reflexão serena.
Georges Bataille escreveu com desânimo: “Eu esperei a
Tachadura do céu. Eu a esperei, mas o céu não se abriu”.52 E ele
cita, com nostalgia esta passagem .do Livro da vida crucificada
de Jesu s, de Ângela de Foligno (f 1309): “Quando Deus apare
ce nas trevas... todas as amizades fque ele me fez], numerosas
e inenarráveis, e suas doçuras, e seus dons e suas palavras e
suas ações, tudo isso é pequeno ao lado d’Aquele que eu vejo
na imensa treva”.55 Existem aqueles para os quais o céu “se
abre”: Ângela de Foligno, Santa Teresa de Ávila, São João da
51)1
( áuz, etc. Tendo decidido "(i»iiin|>«h >i piiv,,igem", "arriscar lucio
por Dons”, não negociar com t lr, rxpot mu vkki, "só dcpen
der do bom prazer" divino,’1 eles i liegam a experiência mística
e podem dizer com o poeta do (YInlUo cs/tlrUmil: "Descobre-
me tua presença. Que a visão de tua bcle/a me m ate".’’ Seu iti
nerário passa necessariamente pelo sol rímenlo, pois "dos aman
tes, penas são as insígnias”. ’'' Classificar de imediato a experiên
cia mística com seus inevitáveis sofrimentos e suas terríveis re
nuncias prévias na simples categoria do patológico é nivelar a
historia humana, querer que nela só existam planícies, negar a
existência do Himalaia.
Mesmo no plano mais modesto das Angélica e dos Raneé,
será que é razoável desprezar de modo demasiado racionalista
seus excessos de renúncia? Raneé irritou bom número de contem
p o râ n e o s , mas também teve admiradores: Bossuet, Saint-Simon,
e t c e sua obra permaneceu. Saint-Beuve, em seu Port-Royal, de
saconselha qualquer-julgamento simplista sobre comportamen
tos, certamente desconcertantes, mas que é preciso apreciar à vis
ta de seus resultados. “É à custa dessas particularidades [das mor
tifica çõ e s com o as da Madre Angélica]... que a alma humana che
ga... a certo estado fixo é invencível, a um estado realmente he
ro ic o , de onde ela executa em seguida suas maiores coisas... Não
ha muito de que sê admirar da singularidade, ora repulsiva, ora
fú til em aparência, desses meios”. Para “forçar” “a barreira entre
o mundo e Deus... toda abertura é boa se por ela se penetra”.S7
() grande historiador de São João da Cruz - o agnóstico Jean Ba-
ruzl - escreve de seu herói: “A despeito de limites e de pobre
zas Ide ordem filosófica!, ele triunfou, para além das regras co-,
muns, das taras nervosas”;™ e elè constata que “o esquecimento
e a alienação de todas as coisas do mundo”, “a mortificação de
todos os apetites e de todos os gostos” fizeram-no atingir uma
"tranqüilidade” e uma "ordinária suavidade” que não o abando-.
50: i
essa.x ehagiiN, Mu nu* laiael i Ir |t u*l|t« ».*• I .t compaixão pelo
Anuido <|iu* explica todos nu liUHlveMi "IU*l|us , ion leprosos" da
historia (. lisia, A carmelita dr Mcaune Margarida cío Santo Sacra
mentó, como relata lima biografía do sceulo 17, "s('> vía e so po
día discernir a pessoa de Jesus na pessoa daqueles pobres, e co
locando a boca sobre suas chagas todas repletas do pus (|ue sala
dr suas úlceras, ela carregava uma Impressão das chagas sagra
das de Jésus Cristo, e parecla-lhc. ter a boca chela de seu, precio
so sangue"." Dolorlsmo, certamentel Mas de i|ualc|uer modo
olhemos mais além: em sua raiz, existe um amor louco. Margad
da-Maria (|iie se reconhece “insoívável,,ft7 em relação ao seu dlvl
no amante, entrega-se a ele nestes lermos: “Para o meu bem
amado, eu sou para sempre sua criada, sua escrava, sua criatura,
|,i (|ue ele é todo meu. Sua indigna esposa, irmã Margarida Ma
ria, morta para o mundo. 'Tudo em Deus e nada em mim. Tudo
a I >eus e nada a mim. Tudo por Deus e nada por mim".,’M
Outra linha de reflexão sobre as proezas ascéticas em ter
ra cristã revela que os excessos mais insólitos não duram toda a
vida, Mies correspondem a um período (mais ou menos longo) de
( rlse espiritual. Depois do qual as penitências não desaparecem,
mas assumem um caráter menos desumano e, por outro lado,
» mais regular. Ao mesmo tempo, o santo se volta mais para o
apostolado exterior. Suso entrega-se desde os dezesseis anos as
mortificações que sabemos quando uma visão o aconselha a
abandonar doravante aqueles exercícios pelos quais “toda sua
natureza estava arruinada”. Deus “mostrou-lhe que aquela auste
ridade e todas essas maneiras de agir tinham sido apenas um
bom com eço e uma conversão de sua natureza indomável... Ago-
ra ele devia ir mais lortge de outro m odo...”.'“° Suso joga então no
Keno todos os seus instrumentos de tortura. Santo Inácio inflíge
se em ÍVlanresa as penitências mais duras. Ademais, ele faz voto
de nao mais comer carne. Mnfim, ele substitui freqüentemente o
sono por aquilo que de início ele toma por conversações com
Deus. Mas ao fim de um ano, ele reconsidera, conclui que é me657*9
504
Ihor "clonnli dniiinli' n lempo destinado ao sono", decide voltar
a comer <arne e "nbiuulonar as medidas excessivas que tinha to
mado antes","
Dom Marlene, discípulo, amigo e biógrafo de Dom Martin
(filho de Maria da Encarnação), narrou as “penitências terríveis”
que seu mestre se infligiu para fazer cessar nele as tentações da
carne. Mas ele nos conta também que a vitória foi enfim conquis
tada. A partir daí, as mortificações desumanas nào eram mais ne
cessárias. O fato é dado por Dom como uma regra bastante ge
ral. Depois que a Sabedoria manteve amarrada e na escravidão
uma alma fiel e... a fez passar por certos trabalhos necessários,
ela a põe em liberdade e... só a prende.por seus abraços eternos,
que são uma espécie de corrente muito forte na verdade, mas
qiie se usa com um prazer que ultrapassa tudo que se possa di
71 Madame Guyon explica por sua vez que a passagem pelos
0
zer".7
suplícios voluntários deve ter apenas um tempo, porque “o de
masiado apego às mortificações impede a do espírito e da pró
pria vontade". Aquele que morreu da morte dos sentidos e de sua
própria vontade “não tem mais necessidade dê mortificações,
mas tudo isso passou para ele”.727 4
3
Enfim, terceiro elemento desse processo: os mestres espi
rituais, de maneira constante, desaconselharam o abuso das mor
tificações. Súso, em primeiro lugar, recusa que o imitem e repro
va o exagero do ascetismo. Às monjas que se infligem verdadei
ros suplícios, ele declara que estes são inúteis e perigosos.75 San
ta Teresa de Ávila, dirigindo-se às prioresas dos conventos que
ela fundou, diz: “O que eu digo é muito importante, sobretudo
no que concerne à mortificação. Que as superioras prestem aten
ção nisso, pelo amor de Nosso Senhor. Nesse assunto, toda dis
crição nunca será demais, assim com o aplicar-se em discernir as
diversas aptidões. Se não forem extremamente circunspectas em
tudo isso, as prioresas, em vez de serem úteis às suas religiosas,
lhes SÍerão muito prejudiciais e as lançarão na inquietação”.7' Ao
75. I.OYOLA, Ignace de. Exercices spirituels, trad. Fr. Courel, Paris, Desclée
dc Brouwer, 1960: 3a semana; 3a e 4 a regras, p. 116-117.
76. ALPHONSE DE LIGUORI, La Vraie ¿pouse de Jésus-Chirist ou lã sainte
religieuse, trad. F. Delerue, Paris-Saint-Edcnne, 1926, p. 116.
77. Règles des moines: Pacôme, Angusún, Benott, Fmnçois d ’Assise, ed. J.-P. Lapiene,
p. 77.
78. THÉRÈSE D’AVILA, Le Lim e des Im da/ionu cap. VI, p. 42.
500
S;ilev» llir .ip.iicicu c ivpreendeu-a severamente: "(lomo? Pensáis
agradar .1 Detis, d i/ ele, passando os limites da obediência? lila é
o principal sustentáculo desta congregação, e nào as austerida
d e s " . 'Um pouco mais tarde é Jesus quena lhe diz: “ Tu terás por
suspeito tudo o que te afastar da exata prática da regra, quero
que tu a prefiras a todo o resto”.7 80
9
Essas precauções remetem a uma distinção proposta no
início da presente obra entre “desprezo do mundo” e “afasta
mento do mundo”: alguém pode retirar-se do mundo sem lançar
o anatema sobre a criação; e igualmente praticar a ascese sem se
destruir. Mas é bem verdade que ao longo da história cristã es
sas duas atitudes efetivamente se produziram. É verdade também
que, no caso de Rancç, por exemplo, a negação da criação ás
vezes predominou sobre o amor ardente. É verdade, sobretudo,
que a pedagogia religiosa deu o excepcional como modelo, o
não-imitável com o exemplo, e insistiu mil vezes sobre alguns
destinos tão fora do comum que acabaram por suscitar nos fiéis
desânimo ou aversão. Entre a austeridade tão elogiada e uma
vida normal, onde se encontrava a passagem? O apelo continua
mente dirigido aos religiosos e religiosas para viver de “olhos
baixos” tornou-se difícil de compreender quando levou ao des
prezo da beleza e da criação. Ora, até o sorridente São Vicente
pede às irmãs de caridade para “não olhar as belas coisas quan
do a curiosidade incita a fazê-lo”, e para mortificar os ouvidos
“que se deleitam em ouvir os cânticos, as músicas, os louvores
que vos são dados, o canto das aves. Os ouvidos se regozijam
com èssas coisas; mas é preciso mortificar-se e fugir delas, em
lugar de procurá-las”.81
Enfim, o drama da reparação assumiu um tal volume no
discurso eclesiástico que levou às vezes a insustentáveis quantifi
cações. Nào faz cinqüenfa anos que algumas religiosas - na Suí
ça, por exemplo - liam para as crianças, durante a via-sacra, a se
guinte lista tirada das “revelações” feitas por Jesus às Santas Eli-
sabeth, Brigitte e Metchilcle “que tinham desejado saber o núme
ro de golpes que ele tinha recebido na sua paixão”:
507
( iiin.ililtM.il, m inino irn iiii, i|ii* tu • l« nuinel poi non u.’ .'<><> lagil
InniM, »• gotas <U sangue ti" h u illín das Oliveiras, / ao *
Iteeel>1 sobre iihmi em po sagiado I <u*' quipus,
bofetadas sobre minhas <|plh ada >hu < 110,
( ¡olpes no pescoço, lo*
Nas cosías, ,AH0,
No pello, 13.
Na cabeça, HS,
No.s llamos, .AH,
No.n ombros, 62,
Nos bravos, 4().
Nun coxas e nas pernas, 32.
Maleram-me na boca 30 vezes.
lançaram sobre minha preciosa face sujos e infames escarros,
¡32 vezes,
Trataram-me a pontapés, como um sedicioso, 370 vezes,
hmpurraram-mc e me derrubaram no chito 13 vezes.
Puxaram-me pelos cabelos 30 vezes.
Arrancaram-me e arrastaram pela barba 3H vezes,
One vosso cora vito se inflame.
No coroa mento de espinhos fizeram-me na cabeça 303 furos,
r:u geml e suspirei, pela vossa salvaçáo e conversão, 600 vezes,
Tormentos capazes de causar-me a morte, eu sofrl 162,
bxlremas agonias, como se estivesse morto, 16 vezes,
|)o Prelórlo até o Calvário, carregando minha cruz, eu dei
1320 passos,
Por tudo Isso, eu só recebí um ato de caridade de Santa
Verónica, que me enxugou o rosto com um lenço onde
minha face llcou Impressa com meu precioso sangue,,,"'
a doença do escrúpulo
() dolorlsmo foi frcqüenterncuile .icot upan hado cie exaiis
Uvas Interrogações, (),s ascetas crlsiaos, nos momentos em i|tie
H2. I'\tu "(Ihiivc do pniüíno" c oae "i umlhlio tlu u*ti" cttflu impicsito.% (n.I.ii.cI.)
un qiiiitrn pitglna» urninptinlitidnc <l«- um * Imito" de Itnm Socorro edc imiii
oi.ti,,to cm honiti de Sumo I lulusio
\
MIM
se eim vgavti in muís rudes excessos de penitencia, cram
atormentados pcl.i doença do escrúpulo, a convicção de sua
danaçáo e .1 lentaçdo do desânimo. "Tinham dito la Susol (]ue
sua entrada na Ordem Idos dominicanos] foi obtida doando um
bem temporal; esse é o pecado que se chama simonía." Duran
te dez anos, Suso foi torturado por esse escrúpulo e “sempre se
considerou com o um condenado”. Ele se dizia: “Tu estás perdi
do, faça o que fizer”.838
4Enfim, ele se confessa a Mestre Eckhart,
“que o livrou de sèu sofrimento”. Santo Inácio de 'Loyola, ele
também relatou a crise de escrúpulos que atravessou em Man
tesa: a análise que ele deixou de seus estados de alma na épo
ca constitui um modelo de penetração e poderia figurar num ar
quivo médico:
Embora sua confissão geral ele Montserrat tenha sido feita com
muita diligência e inteiramente por escrito..., entretanto, parecia-
lhe, às vezes, que ele não tinha confessado certas coisas é isso
lhe dava muita aflição. Embora se confessasse de novo, não fica
va satisfeito... Finalmente, um doutor da catedral... lhe disse em
confissão que ele devia escrever tudo de que podia lembrar-se.
Ele fez isso e, depois de confessar, foi assim mesmo assaltado por
escrúpulos, com as coisas ganhando cada vez mais em sutileza,
de tal modo que ele se encontrava aflito. E embora percebesse
que esses escrúpulos lhe causavam grande mal e que seria bom
desfazer-se deles, ele não podia conseguir.8'
500
SOIIS p e t a d o , H | >,l'iN,ld< I>| \ | >>11111 dem< 1 11.1, II» (>11 llviv clt * s e tlS
C.MTÚpulON",'"
A crise cU* Santo In.a In *»o durou alguns meses, ma.s a tio
Smln prolongou-se por vinte .mos |)o mesmo modo, Margarida
tio Santo-Sacramento parece ler remoldo durante totla a vitla
.m u í s pecados (?) de Infância. Aos três anos, ela mentiu para des
culpar uma criada em falta, Carregou tantos remorsos por Isso
que, tornando-se religiosa, acusou-se mais de cem vezes, termi
nando por expiar esse pecado por rigorosas penitências. Seu
confessor a tranqüilizava dizendo: "Irmà, sabeis bem que as
criantas nunca pecam antes de ter a idade da razào”. Ao que ela
respondia: “Sei muito bem, mas isso faz ver a malignidade do
fundo que está em mim”.80Quanto a Santa Margarida-Maria que,
ainda no fim da vida, considerava-se com o um “monstro”, no iní
cio da vida religiosa, era tomada por mortais inquietações antes
de cada comunhão. Seu biógrafo do século 18 relata que “fre
quentemente seu exam e de consciência era tão rigoroso, que a
lançava na perturbação e no temor, de tanto que ela temia levar
a mínima mancha para a Santa Comunhão... Ela não via quase
nenhum pecado a acusar, e julgava que eram sua cegueira e seu
endurecimento que os escondiam. Nessa pretensa cegueira, ela
condenava em si mesma todos os pecados que não via, e dos
quais se julgava culpada”.87
Em nossa civilização ocidental, essa doença da alma não
atingiu apenas personagens fora de série. Ela foi um fenômeno
relativamente disseminado, identificável, suscitando a reflexão
dos especialistas da melancolia.88
Emmanuel Mounier teve razão ao notar que “o escrúpulo
tem fronteiras históricas. Ele era desconhecido da Igreja çlo
( írlentc. Mesmo no Ocidente latino, não o encontramos mencio
nado antes dos teólogos moralistas da segunda metade cia Idade
Média".80 A Igreja do Oriente, com efeito, não conheceu a distin
ção entre pecado mortal e pecado venial e jamais obrigou os fiéis
HVJbkl., p. 71.
86. ROLAND-GÓSSELIN, J. Le Carmel de Beaune..., j>. 60.
87. 1.ANGUET, J.-J. La Vie ... de M arín en teM arie, p. 91.
88. Ver mais adiante p. 619-622.
89. MOUNIER, E. Trailédu nnaethe, cm (làw m , i. II, Paris, Senil, 1961,
p, 694. Agradeço ao Padre Pr. Boiudcau pin ter me dtamado a atenção sobre
este texto,
000
.i conílvido di i.illi.ul.i dos pecados. Portanto, ela nao compeliu a
analise exau.sllv.i dos casos de consciência.1X 1 lista última, inversa
mente - Impulsionando, é bem verdade, um extraordinario de
senvolvimento da introspecçâo desenvolveu-se na Igreja latina
com a confissão anual e obrigatória de pecados precisos e classi
ficados em rubricas.
Na época de Santo Tomás de Aquino, o fenômeno ainda
nào tinha adquirido a amplitude que conheceria em seguida. O
grande doutor trata da “consciência” somente como filósofo, in
dagando se ela é ou nao uma “potência”. Ele não estuda o es
crúpulo. Mas muito logo se multiplicam “Sumas” de casos de
consciência e “Manuais” ele confessores,9 91 porque é preciso es
0
clarecer os padres e os fiéis. A inquietação escrupulosa no sécu
lo 15 já se tornou um fenômeno de civilização, pelo menos num
certo nível social e cultural. Ela atinge sua maior dimensão nos
séculos 16-18, mas em seguida desaparecerá lentamente. Calcu-
la-se que de 1564 a 1663 nada menos, que 600 autores católicos
- franceses, italianos, espanhóis, flamengos, etc. - compuseram
tratados de casuística.929 3
Ora, a função dessas obras ,era permitir aos confessores
orientar-se dentro da floresta fechada das situações concretas e,
portanto, trazer soluções às interrogações dos fiéis. A casuística
é inseparável da história do escrúpulo. Mas esta última extrapo
la ò extenso campo dos catálogos comentados de casos de cons
ciência. Porque ela se lê melhor ainda nos tratados especializa
dos que procuravam acalmar as almas inquietas. Seu repertório
seria longo. A montante, descobrimos notadamente a Consolatio
theologiae do dominicano Jean von Dambach (século 14) e so
bretudo o s ' escritos de Gerson: Instm ctio contra scrupulosam
conscientiam ; Tractatus de rem ediis contra pusillanim itatem ,
scrupulositatem. . Tractatus pro devotis sim plicibus qualiter se in
suis exercitiis discrete et cante habere debent?- etc. A jusante, fi-
90. Ele condui que elaé um “aro”: Somme th êol, T q. LXXIX 13: Desclée de
Brouwer, 1961, 9, p. 260-264.
91. Ver anteriormente cap. 6, p. 222-229. .
92. H istoire des religions, Pléiade, 1972, II, p. 1.083: “Le Catholicisme posttri-
dentih” por R. Taveneaux.
93. Estes três tratados em Opera, ed. Du Pin, Anvers, 1704, III, col. 242-243;
579-589; 605-618. Sobre o escrúpulo no fim da Idade Média e no século
XVI, cf. TENTLER, Th. N. Sin an d Confession..., notadamente, p. 75-78,
113-115, 156/348.
601
gumm noludamente as « d t t a s e^ptHIuuls sobre a p a c Interior
(1766) do capuchinho Ambrohr d* In m b c/." I,niic* esses mar
c o n emergem obras com títulos reveladores; o Diretor pacifico
(in:t
"III,I" ( ■"e.scrupuhisa' n<iU’iih ».*»»1 1 tiiitililu > |>erc< )n kl() desde Sá<i
Te unas , define o eserúpllh •u)|iii • "urna duvida 11lie* c acompa
ni tilda de temor sem fundumeniu e (|iir, vinda do algumas con-
loluras frágeis o incertas, aflige o espirito o o faz apreender o pe
<ado onde ele nao existe".1"' (illlotle, que da essa tradução, pre
cisa (|iie lodo escrúpulo é dlívida, mas que nem toda dúvida é
escrúpulo, porque se pode duvidar rom fundamento. Em com
pensação, "a consciência escrupulosa duvida sem razão".l0H Para¡
Santo Antonino, “o tédio e a tristeza" que oprimem uma alma a
ponto de paralisá-la sao suficientemente graves para que^se com
parem "a tempestade que, abatenclo-se sobre o Egito, consumiu
tudo o que aIi encontrou de verdejante”. Da mesma maneira, “a
tristeza causada pelo escrúpulo consome o vigor e a força cía
alma".1"'' Porque é próprio das almas com boa saúde' “não ver o
pecado onde ele não existe”.10 910
18
7 d ,
Lidos a través da análise eclesiástica os comportamentos es
crupulosos de outrora apresentam vários aspectos dominantes.
Ues;salta enf primeiro lugar a importancia das “imaginações sujas”,
|,t que muitas almas piedosas são obcecadas por tentações de or
dem sexual. Guillotte é formal a esse respeito quando escreve:
"(ionio os escrúpulos que vêm por ocasião dos maus pensamen
tos sao os mais freqüentes, e do número daqueles que mais afli
gem o espirito, os autores espirituais estenderam-se mais para en
sinar os remedios que devem ser usados a fim de expulsá-los”.111
I >u Guet, no artigo XVIII de seu Tratado... esclarece igualmente:
"No me resta urna última espécie de escrúpulo a examinar: mas
que e mais fecunda que nenhuma outra; e que tem por objeto a
castidade”.112 E sobretudo nesse domínio que as almas inquietas
têm tendencia a identificar tentação e pecado.
Urna segunda categoria de escrúpulos, não excluida da
anterior, nasce da tentação de blasfemar. Vários caminhos con-
vergentes levam a essa situação dramática que Du Guet prefere
113. Du GJJET, J.-J. Le Traité des scrupules, ed. Y. Pélicier (Vapeurs 2), 1976,
p. 198.
114. Ibid., p. 190.
115. BÉNÈDICTI, La Somme despechezet remedes d ’iceióc, Paris, 1595, p. 621.
116. Cf., entre outros, REGNAULT, V. (S.J.) Praxispoenitentialis ad d irectio-
nem confessarii in usu sacri sui muneris, Mayence, 1617, livro II, cap. 9 e 10,
p. 88-94. LOARTE, G.; FORNARIO, M. (ambos S.J.) Enchiridium seu ins-
tructio confessariorum, Paris, 1653, cap. XVIII, p. 180-189. REIMS, Jean-
François de. Le D irecteur pacifique, 2a parte, 1. I, art. III, p. 222-227.
117. TENENTI, A. La Vie et la m ort..., p. 104-105.
118. GILLOTTE, C. L e D irecteur..., p. 180-195.
119. GERSON. IdCEuvre finnçaise: Le P rofit de savoir qu el est p éché m ortel et
véniel, ed.Glorieux, p. 370-389.
120. Esta indicação figura na explicação do título. C f também nesta obra 2“
parle, I. III, inste, V, art. 1, p. 6 3 6 $.
.sabor "distinguir entre aqullt>que dev riu e»trrlglr r .K|uilo que sao
obrigados a sofrer; entre .i<|u11<>que os macula o ac|iillo que lhes
é deixado para humilha los <■ paia manir los em v ig ilâ n cia ".L e
vando mais longe a análise, ele condena também a tendência "a
ver pecados bem leves como ocasiões próximas de pecados mais
Importantes, porque se está persuadido de que Deus os pune
ordinariamente por esse terrível castigo”.1 '
Adicionando-se muitas vezes às perplexidades anteriores e
derivando delas, um comportamento frequente dos escrupulosos
consiste em multiplicar as confissões, às vezes até mesmo as con-
li.N.soes gerais:1--1 versão espiritualizada da obsessão de se lavar
com frequência descrita pelos psiquiatras.1-' Exames de çonsciên-
cla extenuantes com redação da lista de pecados, procura de uma
contrição cada vez mais forte, retornos constantes ao confessio
nário, ou até peregrinação “de tribunal em tribunal” (da penitên-
i Ia): são procedimentos mil vezes evocados nas .obras que pro
curam "ajudar” e “.acalmar” essas almas inquietas, frequentemen
te "insuportáveis”'-5 para os outros e notadamente para os confes
sores. (ii llotte define assim a tipologia cia pessoa sempre insatis
feita de suas confissões:
Quando ela acredita que a maioria das confissões que fez são
nulas e sacrílegas, seus escrúpulos e suas penas aumentam, tan-
(o mais quanto ela vê por uma falsa persuasão que aquilo que
lhe devia servir de remédio a tórna mais doente do que nunca;
e que aquilo que é instituído para a destruição dos pecados é
causa de que o seu número aumente. É o que acontece quase
sempre; ela leva um tempo nào apenas suficiente, mas até mui
to mais longo do que o necessário para examinar seus pecados
que ela escreve com uma exatidão extraordinária, e para se dis
por com a graça a unia verdadeira e sincéra dor por tê-los co
metido: e todavia, quando ela se confessou inteiramente, não só
ela relê seu papel onde seus pecados estavam escritos, mas ain
da faz um segundo exame de consciência, mais longo que o pri
meiro, para saber se não esqueceu nada, se explicou-se sobre12345
(10(1
iodii‘1 ,i*i divuiwlAnchis; o como ela está nas austeridades, Imagi
na que ii.lo lem a contrição necessária, porque ti contrição não
luí sensível.1*
(108
um jugo c >*,i,imlivi lucilos c|iie o.s pecadores nao podem carregar
nus losiiis” " () franciscano Benedieti, ainda mais severo, alaea
os "confessores pouco experimentados em tratamentos de almas
ou demasiado escrupulosos que pretendem, diz um doutor es
panhol (Bart. Medina, D ePoen iten tia, 1. I, cap. 12), manter as al
mas dos penitentes entre suas màos co m o ‘escravos, e notada-
mente pobres e miseráveis mulheres”.137138 O capuchinho Jean-
François Reims ataca, ele também, “certos diretores que condu
zem as almas com demasiado temor provocando-lhes escrúpulo
de quase todas as coisas, de modo que elas não ousam em
preender nada sem m edo”.139*Du Guet, por sua vez, crê que é de
seu dever “advertir que às vezes são lançadas na tentação pes
soas de uma piedade sincera, mas cie uma imaginação viva,
exortando-as a sondar seú próprio coração, e perguntar se esta
riam em condições de superar todos os obstáculos que se opo
nham à sua salvação”.130
Na mesma ordem de idéias, Gillotte desaconselha aos es-
crupulosós a leitura das obras “que tratam da predestinação e da
graça e aquelas que, sob um especioso pretexto de reformar os
abusos de uma doutrina relaxada que se deve evitar - alusão aos
jansenistas e outros rigoristas da época vão ao outro extremo,
contendo uma moral demasiado severa, exagerada e inteiramente
contrária ao espírito de Jesus Cristo, que é um espírito cie doçura
e cie misericórdia.141 De maneira mais geral, os diretores espirituais
cie outrora observam que a doença do escrúpulo é contagiosa. San
to Antonino já tinha dito: “Um escrupuloso torna o outro escrupu
loso”.142143Jean-François de Reims afirma, ele também, “os escrúpu
los podem vir da frequência de pessoas escrupulosas”" 3 e Gillotte
insiste notando que os escrúpulos “são também causados por uma
má conduta: por exemplo, quando alguém tem demasiada convi-
BOI)
vénda com as pessoas csi ni|mloM.i'i pin estima, Iporquel al
gucm se lom a escrupuloso i um to e n uipulosos com o se torna
mau com os maus".1" Nao se poderla sublinhar m elhor o aspec to
coletivo assumido por essa neurose obsessiva
Ioda uma literatura esforçou se para concillar e aplacar as
almas Inquietas indicando-lhes os melhores remedios contra a pa
ralisia do escrúpulo: evitaros excessos de mortificações, tratar pela
medicina os humores melancólicos e as perturbações da imagina-
cao, saber distinguir os peeados mortais dos pecados veniais e a
teniac/ao do consentimento, nào repetir o passado, nào repetir con-
flssoes feitas com um coração sincero, nào repetir orações'em que
distrações se introduziram (“nossa fraqueza é tão grande que mal
podemos dizer um Pater noster sem distração”),145 nào ter uma
Idéia orgulhosa de si mesmo e saber ver sem perturbação suas im
perfeições,1'"’ confiar-se a Deus com simplicidade, obedecer docil
mente aos avisos razoáveis de um diretor de consciência bem es
colhido (este importante personagem era antigamente a necessária
contrapartida da doença do escrúpulo), etc. O Supplementum (sé-
culo M), embora rigorista, na Summa pisanella, convida a não sé
acusar de pecados que não se cometeu e a não tomar ao pé da le
tra a tão célebre fórmula cie São Gregorio, o Grande: “IO homem
pledosol se reconhece culpado mesmo quando não o é”.1'7
Entretanto, a própria massa de obras que pretendiam tran
quilizar prova que a inquietação subsistia. É que a linguagem re
ligiosa de outrora era contraditória consigo mesma e soprava si
multaneamente o quente e o frio. Aconselhava a “amar e servir a
Deus nao em vista do paraíso e do inferno, mas simplesmente
porque ele merece por si mesmo ser amado e servido;148 mas
quantos sermões insistiam sobre o inferno! Ela convidava a não
se deixar desconcertar pelas “sujas imaginações”; mas os exames
de <onsciência propostos aos fiéis, por exemplo em O Bom C on
fessor de Sào João Eudes, podiam fazer brotar todo tipo de escrú
pulos a propósito da sexualidade.1'9 Ela ensinava a “discernir o
u i:!
dos mili'» <<'li<1>ii ¡tutores espirituais”.I0J E o franciscano ella os es
crupulosos mals lamosos: Sao Boaventura, Santa Catarina de Geno
va, Santa Madalena dos Pazzi, Santa Ángela de Eoligno, Ilenri Suso,
Santo Inac ió de Layóla, os padres Baltazar Alvares e Zanches de
Ávila, confessores sucessivos da grande Teresa, a Madre de Quin
tal, Surin, o Padre Juan de Jesus-Maria, Geral dos carmelitas, etc.
O autor do Diretor das consciências escrupulosas sem dú
vida tem razão. De fato, os escritores espirituais procuram sobre
tudo tranquilizar devotos relativamente instruídos. Observa-se,
como contra-prova, que os sermões para grande público detêní-
se muito pouco sobre o escrúpulo. O Bom Confessor ( 1642) de
São João Hueles, um clássico para uso dos missionários do inte-
> rior, não -diz uma palavra sobre essa questão.103 Na época clássi
ca, a doença do escrúpulo parece ter então atingido sobretudo os
meios mais envolvidos pela Reforma católica, ou seja, ao mesmo
tempo os mais piedosos e os mais cultos, e é verdade què den
tro desses limites ela conheceu uma verdadeira extensão, que in
quietou os confessores. No seu D icionário dos casos de consciên
cia, Ponthas escreve que o escrúpulo é “uma doença da alma das
mais incômodas e tcom a qual] se deve ter muito cuidado, como
reconhecemos por uma experiência de cinqüenta e seis anos”.1<vf
a dificuldade de morrer
As constatações apresentadas anteriormente apontam para
uma conclusão mais ampla e de grande alcance. Em nossa épo
ca, adquirimos o hábito de insistir sobre a coerção exercida ou-
trora pela Igreja sobre as consciências. Nós percebemos melhor
do que nossos antecessores os vínculos éntre poder e doutrinas,
estas reforçando aquele. DòTnesmo modo que o discurso dolo-
rista tendia a fazer os pobres aceitarem docilmente as “misérias
desta vida”,16
465 assim também uma linguagem aterrorizante reforçou
13
2
efetivamente a autoridade do corpo eclesiástico. Não se poderia
(}|:t
J
negar aquela "pastoral do medo", glande litli) histórico sobre o
(|ii.il Insistirão nossos Oltiliu>*« eapllulns M.i*» o erro consistiría em
I k t)cr apenas os aspectos "utilitarios" dessa pastoral e em crer
c v I
1 6 6 . D F .L U M E A U ; J. LaPeur..., p. 2 4 c 107.
1 6 7 . T R O N S O N , Retinto... ( 3 o d ia . t 1' i n n l l t n ^ f l o ) , p . 11 4 1 2 8 . L e m b r o q u e
a cd . c o n su lta d a c d c 1 8 2 3 .
"Um padre deve temer terrivelmente o pecado", por
que quando cai nele “é extraordinariamente difícil que se erga,
isso é muito raro”. O motivo é que ele cai de muito alto.
3°) “A terceira consideração que nos deve fazer tremer
fnós, padres! ao pensar no pecado é o furor absolutamente ex
traordinário de Deus contra o pecados dos padres e os castigos
assustadores com os quais ele nos pune”.
Eis-nos aqui diante de uma linguagem do medo dirigida
não às massas, mas à elite das elites cristãs, e diante de uma par
tilha de padre para padre de um autêntico terror da alma. Medi
tações desse estilo não poderíam deixar de engendrar a doença
do escrúpulo no meio das pessoas da Igreja. O temor da dana-
ção foi mais duramente sentido pelos santos do que pelo povo
comum. Até mesmo São Francisco de Sales o conheceu no início
de seu itinerário espiritual. “Tomado por terrores, lembra Bos-
suet, unja negra melancolia e convulsões... faziam-no perder o
sono e o apetite (e) o levaram tão próximo da morte, que não se
via remédio para seu mal...”168 O Cardeal Bona (f 1674), antigo
Geral dos Trapistas e personagem ascético, escreveu nos seus
Princípios da vida cristã-. “Quando recordo as ações de minha
vida passada e faço um ,sério exame, sinto horror por ter trans
gredido tantas vezes a‘ lei de Deus... Quando volto meu pensa
mento para o futuro, apreendo o julgamento de Deus, e não es
tando seguro nem do perdão de meus pecados, nem de minha
salvação, eu tremo de corpo inteiro”.169
Daí a dificuldade de morrer mesmo para os ascetas: “Até
meados do século 13, escreve André Vauchez, os últimos instantes
dos servidores de Deus não parece ter merecido especial atenção.
No máximo, nota-se que depois da morte seus corpos permanece
ram bem conservados e um odor agradável emanava deles... De
pois de 1300, em compensação, tem-se a impressão de que a qua
lidade de uma existência se julga pela maneira de morrer”.170 Mas
éssa bela morte não é forçosamente tranquila. No seu sermão “so-
tu r>
bre o pcc|ucno número dos elHIo’» , M.isaIIIoii evoca a livqüentc
angustia dos heróis cristãos .1ni>* a apiosliu.Kao da morte:
171. MASSILLON, Pctit carême suivi fie smnom,.., cd. 1824, p. 320.
172. Cf. THÉRÈSE D’AVILA, Le Livre des fondations,' p.' 68-71 (morte de
I5«fatiitc ile rincarnation).
173. MARIK DE CINCARNATION (IV19 1672), Cormpondancc. cd. G.
Oury, Solcsmcs, 1971. p. 1.029.
liou iiio tle.sejadu chegava..'.”.171 As últimas palavras de nina visl
(andina (de Bourges) foram estas: “Os horrores da morte e da se
pultura, cjue me causavam tanto mal amigamente, agora fazem a
minha alegria. É um prazer para mim pensar que serei destruída
e que pela minha anulação prestarei homenagem ao Ser imutá
vel de Deus”.17 175 Uma terceira religiosa da mesma Ordem (em Au-
4
xerre, desta vez) recebe assim o anúncio de sua morte próxima:
“Oh, que boa notícia, logo irei ver meu Deus, irei desfrutar da
quele que há tanto tempo desejo”.176 Mortes assim são freqüentes
em numerosas biografias de santos personagens que nos deixou
a época clássica. O oratoriano Jean Hanant, numa evidente preo
cupação apologética, apresenta-se numerosos fins serenos, e até
mesmo desejados, de piedosos cristãos dos séculos 16 e 17.177
Mas esses relatos mascaram outros onde se percebe que os
últimos dias de homens e mulheres profundamente cristãos fo
ram muitas vezes trágicos e só no fim do percurso desemboca
ram numa serenidade confiante. Ainda em nossòs dias, Paul Mil-
liez nota, por um lado: “eu vi padres e religiosas, sobretudo jo
vens, morrer santa e alegremente”, mas por outro lado também
constata: “Eu sempre fiquei impressionado pela morte de certos
padres. Às vezes, eles morrem mal. Eles crêem demais no infer
no ou no nada...”.17- Mas voltemos ao século 17. O melhor bió
grafo de Raneé, Gervaise, escreve resumidamente do seu herói:
“Desde esse triste momento, o santo homem não teVe mais dias
felizes, perecia a olhos vistos, definhava e nada mais; uma som
bria e triste melancolia minava-o insensivelmente e alguns meses
depois levava-o enfim ao túmulo”.179 Bossuet foi visitado pela in-
1 7 4 . C ito a q u i o a rtig o d e B A U D E T - D R I L L A T , M m e G e n e v iê v e . “ R eg a rd à
1’ in té rie u r d es c o n g ré g a tio n s relig ieu ses” p u b lic a d o p rim e ir o e m DELU -
M E A U , J. La Mort des pays de Cocagne..., p. 1 8 9 - 2 0 6 , d e p o is e m D E L U -
M EA U , J. Un Chemin d'histoirey p. 2 2 7 - 2 2 9 .
1 7 5 . D I N E T , D . “M o u r ir e n re lig ió n a u x X V I L e X V I I P siécles. L a m o r t d an s
q u e lq u e s co u v e n ts des d io cèse s d ’A u x erre, L a n g res et D ijo n ” e m Revue histo-
rique, C C L I X , 1 9 7 8 , p. 4 7 .
1 7 6 . Ib id .
(117
quletaçáo n;i>s .susv.s li 111111•i *• m iii . i i m i *mmi ’iccreUliio, l.o Dicu, ñola
cm abril de 1704: "|Scu| espirito • >i.1 bcm presente ê mareado
pelo ruedo dos Julgamentos de Den ., ele confessa".1"" Seu auxi
liar conta, por sua voz, depois d.i mulle do grande hispo e a res
peito de sua última doença: T ruino as vezes cu lhe dizia que
eslava espantado de que ele (|iilsosse me consultar, ele a quem
Deus tinha dado tão grandes e vivas luzes: ‘Nao vos iludais, di
zia, ele só as dá ao homem em favor dos outros, deixando-o mui
tas vezes nas trevas quanto à sua própria conduta’.”180181
Não parece oportuno insistir aqui sobre o medo extraordi
nário da morte que durante toda a sua existência demonstrou Ma-
dame de Sablé, que, na segunda parte de sua vida devota, tor
nou-se glutona e jansenista. Foi Tallemant de Réaux quem nos
deu essas informações maldosas.18218 4Em contrapartida, é mais es
3
clarecedor para nós descobrir numa biografia de Santa Joana de
Chamal que esta, no fim da vida, conheceu sofrimentos físicos e
angústia dó além-túmulo. “Deus a tratou, lemos na obra de Mau-
pas du Tour, como trata essas grandes almas cie têmpera absolu
tamente celeste, cujos longos sofrimentos ele recompensa còm
novos suplícios (sempre o Deus perseguidor), a fim de tornar sua
fidelidade mais depurada, seus serviços mais gloriosos e suas pe
nas mais dignas de louros... Ele aincla se escondeu ao seu olhar
Interior pelo resto cia vida, deixando-a nos abandonos e nos in
cômodos de sua ausência [pensamos em Santa Teresa cie Lisieux],
tão acerbos e tão horríveis que ela dizia sempre que se olhasse
para dentro de si morrería imediatamente”.185 Durante sua última
enfermidade, ela conservou um perfeito domínio de si mesma.
■ouando tinha um pouco de força, via-se um rosto risonho, di
zendo o que podia para consolar... as irmãs que estavam ao seu
lado”,181 mas admitindo ao seu confessor: “Ah, padre, como os jul
gamentos de Deus são horríveis! - Isso vos causa sofrimento? per
gunta ele - Não, mas vos garanto que são bem horríveis”.185
1 8 1 . Ib id ., I I , p. 2 6 6 : re la tó rio d o ab ad e d e S a in t-A n d ré .
1 8 4 . Ib id ., p. 5 0 3 .
1 8 5 . Ib id ., p. 5 0 8 .
Ú1H
Siilnic lloiive, que notou (jue Nlcole era exlraordlnarlamen
te m a Iroso,""' evocou de modo comovente os temores du Madre
Angélica nas suas ultimas semanas (.1661):
... Essa pessoa tão pura e que, há mais de cinqüenta anos des
de que recebeu o véu sagrado, não cessou de vigiai- é de traba
lhar sobre si mesma, na aproximação do fim foi tomada de um
indizível terror e teve de sofrer todüs as angústiás de uma ver
dadeira agonia. Ela se via diante de Deus, segundo sua própria
expressão, como um criminoso junto ao postigo, que espera a
execução da sentença de seu ju iz ; e, pronunciando essas pala
vras, parecia que ela estava destruída e aniquilada. Nada mais a
ocupava além disso. A idéia da morte, uma vez entrada em seu
espírito, ali permaneceu gravada e não mais a deixou um só ins
tante. Todo o resto desapareceu; ela só pensava em preparar-se
para aquela hora terrível. Ela pensou nisso a vida toda: “ Mas o
que eu imaginei, dizia ela, é menos do que nada em compara
ção com o que é, com o que eu sinto e comprèendb nesta hora".
Ela tinha medo da justiça suprema, e havia momentos em que
não ousava ter esperança na misericórdia.I8'
1 86. S A IN T E -B E U V E , Port-Royal, 1. IV , P lé ia d e, I I , p . 4 8 9 .
1 8 7 . I b id ., p. 647-648.
188. V O V E L L E , M . L a M orí en Occident... e t M ourtr autrefois..., p. 8 9 - 1 0 0 .
A R IE S , Ph. VHomme..., p. 3 0 6 - 3 0 7 . N o tá v el ex em p lo d e m o rte cristã seren a cm
CZA PSK A , M . Une Fam ille d'Europe centróle. Paris: P lo n , 1 9 7 2 . p. 2 0 5 - 2 0 7 .
1 8 9 . C ita d o p o r B R E M O N D , H . H istoire..., IX , p. 3 4 1 .
nas m.ios; Molitiva puilum lii iimplim < a otivlam mullas vives
repetir com lacrimas i'sias palavias 11htTh'dhlIt-i, nwit Dais, mi
w rlcórdlci, Mma das rcllglt».kim, i * arm iinlu »Ira,so lalo, illsse <|ue
ela lhe assinalou que mu dos motivos do son lomor ora a vistió
cia perda de tempo, que ola |ul^ava nao toi empreñado bem para
su a salvação".1’’
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liANI J)f¿IRANK-.S
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