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QUEDA E SALVAÇÃO

PREFÁCIO .................................................................................................................................................................. 3

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 4

O PROBLEMA DO CONHECIMENTO ................................................................................................................. 4

I. ESQUEMA GRÁFICO: INVOLUÇÃO – EVOLUÇÃO ................................................................................... 11

II. A SABEDORIA DA LEI ..................................................................................................................................... 15

III. A ÉTICA UNIVERSAL ..................................................................................................................................... 19

IV. NEGATIVIDADE E POSITIVIDADE ............................................................................................................. 24

V. PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA ............................................................................................................. 30

VI. O ERRO E SUA CORREÇÃO .......................................................................................................................... 36

VII. MECANISMO DA CORREÇÃO DO ERRO ................................................................................................. 41

VIII. EVOLUÍDO E INVOLUÍDO ......................................................................................................................... 46

IX. DETERMINISMO DA LEI ............................................................................................................................... 50

X. DINÂMICA DO PROCESSO EVOLUTIVO .................................................................................................... 55

XI. IMPULSOS DA EVOLUÇÃO ........................................................................................................................... 60

XII. O FENÔMENO QUEDA - SALVAÇÃO ........................................................................................................ 67

XIII. UMA ETICA PROGRESSIVA ...................................................................................................................... 72

XIV. NÍVEIS EVOLUTIVOS E TIPOS BIOLÓGICOS ....................................................................................... 78

XV. TÉCNICA DO FENÔMENO DA REDENCÃO ............................................................................................. 84

XVI. AJUDA DE DEUS E MISSÃO ....................................................................................................................... 90

XVII. AS ESTRATÉGIAS DO BEM E DO MAL ................................................................................................. 95

XVIII. CONCEITO DE MORTE PARA O EVOLUIDO E O INVOLUÍDO .................................................... 99

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)...............................................................................................página de fundo


Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 3
pois, que o ponto atingido, mesmo parecendo ser de chegada, é
QUEDA E SALVAÇÃO de fato o ponto de partida do volume seguinte. E assim por di-
ante. Na lógica do pensamento que fui registrando naqueles li-
vros, o presente trabalho representa a fase do controle experi-
PREFÁCIO mental e das aplicações práticas daquelas teorias, para ver se
a realidade dos fatos corresponde aos princípios gerais nelas
Este livro foi iniciado no inverno de 1959. Em julho desse afirmados. Assim, tudo vai sendo controlado racionalmente. E
ano, fui convidado a proferir uma conferência em São Paulo e fazer isso é um dever. Quem prega uma teoria aos outros é ele
logo comecei a tomar notas, mas elas foram rapidamente au- mesmo o maior responsável pelas afirmações feitas, porque de-
mentando, até que compreendi tratar-se da recepção de um no- ve possuir a certeza e a garantia da verdade pregada. Quem
vo volume, que agora estamos aqui apresentando. Era de fato ensina não pode simplesmente acreditar cegamente nas teorias
um caudal de ideias novas que estava chegando. Outra coisa que afirma aos outros, mas deve controlar cada passo, para
não restava senão apressar-me em registrar tudo por escrito, certificar-se que não está sustentando fantasias, e sim verda-
antes que elas desaparecessem. Assim, de um trabalho febril, des. Ele tem de conhecer e oferecer as provas concretas, sub-
executado quase todo durante a noite, nasceu este livro. metendo tudo ao teste da experimentação. Deve observar as
Eu havia sido pego desprevenido pela inspiração. Ao in- consequências das teorias, entrar nos seus pormenores e com-
vés de uma palestra, o resultado foi um livro. Sem ter plane- parar seus resultados com a realidade dos fatos, estando sem-
jado nada de antemão, nasceu um trabalho ordenado, segun- pre pronto a repudiar o que não resiste a esse exame, aceitan-
do um plano lógico e unitário. A primeira ideia que surgiu em do qualquer objeção e resolvendo toda dificuldade, para que
minha mente foi a visão sintética do esquema da figura apre- tudo se torne claro, lógico e demonstrável.
sentada neste livro, na sua forma mais simples, constituída Chegando hoje a este ponto, podemos compreender a lógi-
pelo eixo central XY e os dois triângulos invertidos, um posi- ca do desenvolvimento do pensamento que nos conduziu até es-
tivo (vermelho) e o outro negativo (verde). No entanto, à me- te volume, Queda e Salvação.
dida que observava essa visão, ela ia cada vez mais se enri- O Sistema havia completado a visão de A Grande Síntese
quecendo de pormenores, apresentando sempre novos pro- e Deus e Universo. Os choques, porém, dos primeiros anos
blemas, que exigiam soluções, as quais chegavam assim que a brasileiros chamaram a minha atenção para o mundo terre-
minha curiosidade de saber formulava novas perguntas. Pa- no da realidade biológica. Eis então que tive de olhar de ou-
recia que eu estava seguindo uma lógica preexistente, ao lon- tro ângulo, não mais voltado para o céu, e sim para a Terra.
go de um caminho já traçado. Não me restava outra alterna- Depois de ter estudado e resolvido o problema da criação e
tiva senão admitir que se tratava de uma verdade completa- das primeiras origens, foi necessário estudar e resolver o
mente pronta, antes mesmo de eu conhecê-la, a qual ia, pouco problema da sobrevivência do homem evangélico no inferno
a pouco, apenas descobrindo-se aos meus olhos. terrestre, do evoluído em contato com as ferozes leis da ani-
Mais exatamente, a técnica receptiva deste volume, regis- malidade humana. Essa foi a origem de onde nasceram os
trado em português, foi composta de três fases: 1 a) Uma rápida dois livros: A Grande Batalha e Evolução e Evangelho. Tu-
compilação por escrito, à mão, registrando em suas linhas ge- do isto nos levou então ao problema da conduta humana em
rais o conjunto de toda a concepção, com uma visão sintética geral, surgindo assim a necessidade de resolvê-lo. Após o
do esquema geral do trabalho; 2a) Nova leitura do texto inicial, desenvolvimento realizado nos livros: Deus e Universo e O
observando atentamente a visão nos seus pormenores, contro- Sistema, o assunto tratado foi sempre mais se ampliando nos
lando a exatidão da primeira percepção e ampliando-a agora seus aspectos humanos, de natureza terrena e prática. Nas-
em todos os seus aspectos; 3a) Transcrição à máquina deste ceram, assim, mais dois livros, A Lei de Deus e Queda e
segundo rascunho, onde se realizou, com a segunda leitura, a Salvação. Eles representam dois graus diferentes de aproxi-
tradução da visão em palavras, cuidando-se da língua, melho- mação do problema da conduta humana ou da ética. No pri-
rando-se a forma e focalizando-se com mais exatidão cada ex- meiro, o assunto foi tratado de modo geral, acessível, práti-
pressão particular, para controlar e ter certeza que a palavra co, mais próximo à compreensão do homem comum e de sua
correspondesse à visão. Assim, o trabalho se desenvolveu indo vida de cada dia, porque esta era a forma mais adaptada pa-
do geral para o particular, do conjunto para os pormenores, ra palestras na rádio. No segundo, o mesmo assunto foi am-
primeiro em forma de síntese e depois de análise. Para me pliado e aprofundado em relação a outros pontos de referên-
apoderar completamente da visão e dominá-la em todos os seus cia, não mais em função das necessidades e vantagens ime-
aspectos, tive de me aproximar progressivamente dela, através diatas da vida humana atual, mas em função dos princípios
de três degraus sucessivos de observação: 1 o) Uma leitura pa- universais fundamentais e da salvação do ser no plano geral
norâmica, de longe, poder-se-ia dizer telescópica. 2o) Uma lei- da criação. O presente volume, Queda e Salvação, pode ser
tura comum, mais de perto, a uma distância normal, poder-se- assim considerado como uma ampliação do outro, A Lei de
ia dizer a olho nu. 3o) Uma leitura minuciosa, a curtíssima dis- Deus, tratando ambos do mesmo assunto, mas em formas di-
tância, poder-se-ia dizer microscópica. ferentes, como já foi mencionado anteriormente.
Assim nasceu este volume, como consequência das teorias Eis o fio que liga, de um polo ao outro do conhecimento,
expostas em A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema. estes livros num único desenvolvimento lógico, segundo um
Cada um deles, como também o presente, é a continuação lógi- pensamento unitário, que vai sempre continuando e se reno-
ca do precedente. Quando acabo de escrever um livro, tenho a vando. Podemos assim compreender qual foi o caminho que
impressão de ter esgotado todo o assunto, havendo dito a últi- nos levou até Queda e Salvação. Neste volume, não se trata
ma palavra a seu respeito. Mas, depois, apercebo-me que tudo mais, como no precedente, A Lei de Deus, de considerações a
vai continuando e que aquela última palavra é só a primeira de respeito da conduta humana, mas sim da construção de uma
um novo livro. Quando chegar ao fim deste volume, também te- verdadeira “ética racional”, que, em vez de ser fruto dos im-
rei a impressão de ter esvaziado o depósito do meu conheci- pulsos do subconsciente da maioria e das interpretações das
mento a respeito do tema tratado, entretanto verificarei, de- vagas afirmações das revelações religiosas, é o resultado po-
4 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
sitivo de uma lógica científica e, por isso, tem valor real e uni- INTRODUÇÃO
versal, constituindo um produto das leis da vida, verdadeiras
para todos, independente do tempo, da raça e da religião de O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
cada um. O escopo da presente obra é formular e afirmar esta
nova ética, como uma norma de conduta mais inteligente e Antes de iniciar este novo livro, apresentaremos, numa vi-
adiantada para os evoluídos de amanhã. são de conjunto, um rápido resumo do sistema filosófico de-
Infelizmente, a ética atual, na sua tentativa de disciplinar senvolvido por nós até hoje, na I e na II Obra de doze volumes
os baixos instintos da cobiça, do sexo e da luta para vencer, cada uma, que estamos acabando. Esta exposição sintética po-
representa mais um desabafo dos impulsos primordiais da derá ser útil como premissa para orientar o leitor a respeito do
vida do que uma regra para o indivíduo se coordenar em novo tema, que iremos desenvolver neste livro.
função de finalidades superiores no seio de uma unidade or- Entremos rapidamente no assunto. Qual é o nosso sistema
filosófico? Não se trata de uma construção lógica artificial,
gânica, futuro estado da humanidade. Neste livro, nós, ape-
para formar um castelo de conceitos e teorias abstratas fora
lando ao sentido prático que todos possuem e a um cálculo
da realidade, mas sim de uma visão positiva, aderente aos fa-
utilitário compreendido por todos, queremos demonstrar
tos e cientificamente controlável, que abrange todos os as-
quanto seria mais vantajoso praticar uma regra de vida mais pectos da existência e dá respostas às perguntas mais relevan-
civilizada, menos primitiva e feroz. Com isto, buscamos pos- tes para a vida, podendo-se dizer que ele resolve o problema
sibilitar, em paralelo ao mundo atual, que se tornou mais do conhecimento, dando-nos, pelo menos nas suas linhas ge-
poderoso pela ciência, o surgimento de um outro, melhor pe- rais, uma orientação definitiva. A filosofia deveria responder
la inteligência e pela bondade. As gerações atuais talvez não a estas perguntas fundamentais, tais como: por que existimos,
compreendam isto. Mas nosso objetivo é atingir as futuras por que nascemos, vivemos e morremos, por que sofremos,
gerações, mais aptas à compreensão, porque, tendo sido se- de onde viemos e para onde vamos? Há um funcionamento
lecionadas no próximo expurgo terrestre, estarão amadure- orgânico no universo, mas quem o dirige? O movimento de
cidas pelas grandes dores que nos esperam, as quais têm o tudo o que existe está orientado para uma dada finalidade,
poder de abrir os olhos aos cegos. mas qual é o princípio que tudo guia para ela e qual o plano
Impelido pelo desejo irresistível de encontrar este mundo de todo esse trabalho? Qual é o seu resultado final? Se esta-
melhor, para me evadir do selvagem estado atual, procurei mos seguindo um caminho, a coisa mais importante é conhe-
desesperadamente outro lugar. Sufocado pela terrena atmos- cê-lo. Como podemos percorrê-lo sem saber para onde ele
fera de engano, egoísmo, esmagamento e ignorância, fugi em vai? E, se estamos desesperadamente fugindo da dor e procu-
busca de sinceridade, bondade, honestidade e conhecimento. rando a felicidade, qual é o meio para realizar aquilo que
Tive de viajar muito, mas encontrei o que procurava. Atrás mais almejamos? Um sistema filosófico deste tipo representa
dos bastidores desta peça humana de teatro, suja e trágica, a vantagem de nos oferecer em todos os campos uma orienta-
ção que, embora não resolva todos os pormenores dos pro-
apareceu-me uma essência mais profunda e verdadeira: a re-
blemas, permite encararmos os assuntos particulares sem ter
alidade do espírito. Quando tive diante dos olhos o plano ge-
de construir hipóteses por tentativas, proporcionando um ca-
ral do universo, o horrível presente se completou num melhor minho pré-ordenado, no qual somos dirigidos pela visão de
amanhã, trazendo uma radiante visão de conjunto, em que a conjunto anteposta à nossa pesquisa. Veremos agora qual é o
futura felicidade justificava os sofrimentos atuais. A certeza método que torna possível atingir esta visão.
de que, através da irrefreável vontade da lei de Deus, este fu- O filósofo moderno tem de ser não somente um construtor
turo melhor estava garantido à criatura amargurada pela dor de castelos lógicos, mas também um cientista, um matemáti-
e deveria, por isso, fatalmente tornar-se realidade para nós co, um biólogo, um historiador, um sociólogo, um moralista,
um dia, encheu meu coração de esperança. Vislumbrei ao um parapsicólogo etc., porque assume a posição de quem, co-
longo do caminho das ascensões humanas a lenta e fatal locando-se acima de todos os ramos do conhecimento huma-
aproximação do reino de Deus, em que Ele triunfa, vencedor no, tem a tarefa de fazer deles uma síntese que oriente e en-
das trevas. Esta foi para mim uma grande descoberta, que me caminhe para a unidade os resultados das tantas conquistas
encheu de alegria. Significou uma descoberta maravilhosa ter analíticas em que o conhecimento está hoje fracionado. Então
chegado a perceber dentro de cada coisa a imanência de o valor de um sistema filosófico pode ser avaliado pelo grau
Deus, não de um Deus a quem se costuma orar só com a boca de unificação por ele atingido, pela medida na qual ele conse-
ou no qual se tem de acreditar por medo, nem de um Deus só guiu revelar e demonstrar, além das aparências da superfície,
estátua e imagem, mas sim de um Deus que sentimos presente a substancial coordenação que, na profundidade, funde num
em toda a hora e lugar, vivo e operante entre nós, pai que nos só princípio tudo o que existe.
ama e nos ajuda a viver e a subir para o nosso bem. Final- Surge agora, como dizíamos, o problema do método que
mente foi possível sair da névoa das lendas, da fantasia, da nos permita alcançar esses resultados. A filosofia antiga afir-
ignorância e da fé cega. Finalmente uma visão clara do nosso mou e a ciência moderna demonstrou que estamos vivendo num
destino, um apoio sólido, um caminho certo e uma meta segu- mundo de aparências. Os sentidos, que representam o meio para
chegar ao conhecimento da realidade, ficam apenas na superfí-
ra, encontrando a verdadeira vida.
cie, sem saber atingir a verdadeira essência na profundidade.
Tudo isto não caiu de graça do céu, mas foi o fruto de um
Como poderemos chegar até lá?
duro trabalho de amadurecimento, de maceração interior e de
O homem possui dois métodos de pesquisa: o dedutivo e o
sofrimentos profundos. Mas este fruto está aqui, e a minha ale- indutivo. Através do primeiro, que se realiza pela inspiração,
gria agora é oferecê-lo aos que sofrem e lutam para subir, intuição ou revelação, o homem, antecipando a evolução e co-
meus companheiros na viagem da vida, a fim de lhes mostrar o locando-se acima das pequenas coisas do contingente, pode
caminho da felicidade e explicar-lhes que é possível atingi-la, atingir os princípios gerais, para deles descer aos casos parti-
vivendo conforme a lei de Deus. culares, que são enfrentados e resolvidos somente como con-
sequência do universal. Acontece, porém, que a pesquisa con-
São Vicente (São Paulo), Brasil. duzida neste nível não nos coloca diretamente em contato com
Natal de 1960 a realidade dos fatos, que é o único meio de controle da verda-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 5
de dos princípios gerais. Utilizando o segundo, que é o método velação, em forma de visão interior, que enxerga até onde o
positivo da ciência, com base na observação e na experimenta- raciocínio não alcança. Expliquei nos meus livros como, es-
ção, o homem permanece no terreno objetivo da realidade, pontaneamente, fui levado a usar esse método. Estudei também
procurando chegar ao conhecimento da verdade através do le- o progressivo desenvolvimento da sua técnica, que se vai aper-
vantamento de hipóteses a partir daquela base segura, até con- feiçoando sempre mais. Temos nas mãos seus resultados con-
firmá-las com o apoio dos fatos, em teorias positivamente de- cretos, com a obtenção de mais de 6.000 páginas escritas pelo
monstradas. Desse modo, segue-se um caminho inverso ao mesmo processo, cuja veracidade foi possível, depois, contro-
precedente. Em lugar de se descer do geral para o particular, lar com a observação e a experimentação, que a confirmaram.
sobe-se do particular para o geral. Assim o pesquisador per- Estes resultados, quando colocados em contato com a vida,
manece diretamente em contato com a realidade dos fatos. As demonstraram corresponder à realidade dos fatos.
verdades atingidas são exatamente controladas, no entanto são Que nos diz esse sistema filosófico? Qual o conteúdo da vi-
parciais, fragmentárias e relativas, ficando fechadas no particu- são que ele nos oferece? Podemos, resumidamente, reproduzi-lo
lar, de onde não se consegue sair senão depois de um longo e em síntese, nesta “Introdução”. Quem quiser entrar nos porme-
duro trabalho para subir ao universal. nores, encontrará tudo nos meus quatro livros básicos: A Grande
O primeiro método dá resultados vastos, mas não controla- Síntese, Deus e Universo, O Sistema e o presente volume.
dos. O segundo dá resultados positivos, mas restritos. Para re- O plano, embora contenha o dualismo, é estritamente mo-
solver o caso por nossa conta, usamos outro método, que pode- nista. O conceito central, que tudo rege em unidade, é Deus.
ria ser entendido como uma combinação dos dois, utilizando Ele, na Sua essência, está no absoluto e não pode ser definido,
assim as vantagens de ambos, tanto do dedutivo, que trabalha ou seja, não pode ser limitado no relativo, onde está a criatura.
por síntese, como do indutivo, que trabalha por análise. Veremos como esse relativo nasceu. Estes são os dois polos
Em outras palavras, usamos num primeiro momento o mé- opostos da mesma unidade.
todo outrora empregado pelas religiões, com base na revela- Deus simplesmente é. Ele é tudo. Deus significa existir.
ção, que mais exatamente chamamos de intuição ou inspiração, Ele é a essência da vida. Tudo o que existe é vida, isto é,
enquanto, num segundo momento, usamos o método positivo Deus. E Deus é tudo o que existe, que é vida. Deus é o
da ciência, que se apoia no controle objetivo por meio da ob- “ser”, acima de todos os atributos e limites. O nada signifi-
servação e da experimentação. Deste modo, chegamos primei- ca o que não existe, a ausência de Deus, ausência que não
ramente a uma orientação geral, que nos indica como dirigir a pode existir. Portanto o nada – representando a plenitude da
nossa pesquisa, e, depois, realizamo-la em contato com os fa- negação, ou da ausência de Deus, isto é, do não ser – não
tos, para controlar se a intuição, que aceitamos apenas como pode existir como verdadeira realidade por si mesmo, mas
hipótese de trabalho, corresponde à realidade. Colocamos as- só como função oposta à positividade, como segundo polo
sim o fruto da inspiração no banco do laboratório das experi- da mesma unidade. Eis como o dualismo fica fechado den-
mentações, como fazem o físico e o químico, quando, obser- tro do monismo, de modo que, ao invés de destruir, confir-
vando o funcionamento dos fenômenos, descobrem as leis que ma e fortalece a unidade do todo.
os regem. Temos usado este método de controle também no Este Tudo-Uno-Deus abrange tudo. Nada há fora Dele. Ele
campo moral e espiritual, observando o funcionamento da lei é: 1o) Uma inteligência que tudo dirige; 2 o) Uma vontade que
de Deus, através dos efeitos de nossas ações no bem ou no mal se quer realizar; 3o) Uma forma gerada como a inteligência a
sobre o desenvolvimento dos destinos. Pudemos chegar assim pensou e como a vontade a quis realizar. Eis a Trindade da
a uma ética biológica racional, não mais empírica, e sim posi- mesma unidade de Deus, os três momentos do mesmo Tudo-
tiva, baseada nas leis da vida. Com isso, foram alcançadas no- Uno-Deus. Eles são: 1o) Espírito (concepção); 2 o) Pai (verbo
vas conclusões, que nos levaram bem longe. ou ação); 3o) Filho (o ser criado).
O problema agora consiste em explicar como funciona esse Que existe uma inteligência, chame-se Deus ou como se
método da intuição ou inspiração. Entramos aqui no campo da quiser chamá-la, dirigindo todos os fenômenos, enclausurando-
parapsicologia. Nesta breve exposição, podemos apenas resu- os dentro de leis exatas e orientando-os para um dado telefina-
mir as conclusões. Julgo que o grau de conhecimento depende lismo, conclusivo de todo o transformismo, não há dúvida.
do nível de amadurecimento evolutivo atingido pelo ser que o Como não há dúvida também que essa inteligência possui uma
concebe. Desde tempos anteriores ao surgimento do ser huma- vontade que realiza em formas definidas o seu pensamento.
no, todos os problemas já estão resolvidos e tudo está funcio- Por esse processo, Deus gerou a primeira criação. Ele ti-
nando. O homem, portanto, não cria nada, mas apenas desco- rou da Sua própria substância as individuações de tudo o que
bre a verdade, aprofundando sempre mais a sua pesquisa, para existe. Ele as tirou de Si, porque nada pode existir fora e
conseguir ver o que já existe por si mesmo, independente dos além de Deus, que é tudo. E todas ficaram em Deus, porque
recursos perceptivos utilizados. A verdade é obra eterna de nada pode sair do todo. Portanto todas as criaturas são feitas
Deus, e não do homem. Ela sempre esteve e sempre estará toda da substância de Deus e, pelo fato de não terem saído Dele,
escrita no absoluto. E o homem, situado no relativo, vai gradu- existem em Deus, uma vez que a criação não podia ser exte-
almente, por aproximações sucessivas, abrindo os olhos, con- rior, mas somente interior a Deus.
seguindo ler cada vez um pouco mais da verdade, em propor- A primeira criação de Deus originou-se, então, do resultado
ção à sua sensibilização e compreensão, dadas pelo seu grau de de três momentos: 1o) O pensamento; 2o) A ação; 3o) A obra,
amadurecimento evolutivo. no instante em que a ideia, por meio da ação, atingiu a sua rea-
◘ ◘ ◘ lização. Aqui temos a obra terminada, na qual a ação gerou a
Então o problema do conhecimento é, antes de tudo, uma expressão final da ideia originária do primeiro momento.
questão de evolução do instrumento humano. Não se trata de Tudo assim continuou existindo em Deus, como antes da
um verniz cultural pintado por fora e colado no cérebro por lei- criação, mas, agora, de maneira diferente, não mais como um
tura de livros, mas trata-se de um amadurecimento profundo, todo homogêneo, indiferenciado, e sim como um sistema orgâ-
preparado às vezes pelos choques da vida, com o sofrimento e nico de elementos ou criaturas, no centro do qual está Deus, re-
a consequente elaboração íntima do subconsciente. Trata-se de gendo-o com Seu pensamento, que chamamos “Lei”, pois cons-
um fenômeno que se realiza para além dos comuns processos titui a regra da existência de todos os seres, dirigindo tudo.
da lógica, num plano de vida e dimensão super-racionais. Não há tempo agora para entrar na demonstração da verda-
Quando o ser está maduro, o conhecimento aparece como re- de destas afirmações, nem para dar provas ou aprofundar o as-
6 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
sunto nos pormenores, como foi feito nos três primeiros livros Deixemos agora o Sistema, isto é, o universo espiritual in-
acima mencionados. Falamos de primeira criação? Por quê? corrupto, onde Deus permaneceu no Seu aspecto transcenden-
Nas aproximações que conseguimos alcançar em nossa re- te, como causa e centro de tudo, junto com as criaturas que não
presentação humana da ideia de Deus, colocamos o conceito de desobedeceram, e olhemos para o Anti-Sistema, ou seja, o uni-
perfeição. A lógica das coisas impõe conceber um Deus perfei- verso material e corrupto das criaturas rebeldes, onde estamos
to e, por conseguinte, uma Sua obra também perfeita. Ora, o e no qual, presente no Seu aspecto imanente, Deus permaneceu
nosso universo representa, porventura, uma obra perfeita? Nele para guiar tudo à salvação, orientando e dirigindo o ser decaí-
existem a desordem, a ignorância, o erro, o mal, a dor, a morte, do, curando o que se tornou doente, reconstruindo o que foi
e essas coisas parecem mais o resultado de um emborcamento destruído, endireitando com a evolução o que se emborcou, re-
de Sua obra. Se temos de admitir que a obra de Deus deve ser organizando o caos em que tudo caiu. Sem essa presença de
um sistema perfeito, vemos de outro lado que o nosso universo Deus, a salvação não seria possível. Explica-se assim o concei-
está colocado nos antípodas da perfeição, possuindo qualidades to de “redenção”. Não existe no universo outra força salvadora
opostas. Se o Sistema de Deus representa a positividade, em pela qual o ser pudesse ser redimido. Eis que, saindo dos prin-
nosso universo nos encontramos, pelo contrário, num Anti- cípios gerais, vamos aproximando-nos das suas consequên-
Sistema, que representa a negatividade. cias práticas, que podemos controlar em nossa vida e para as
Temos, então, dois termos opostos: o Sistema, de sinal posi- quais, assim, encontramos uma explicação.
tivo, cujo centro é Deus; e o Anti-Sistema, de sinal negativo, cu- Devido ao mau uso da liberdade que a criatura possuía –
jo centro é Satanás, o Anti-Deus. Ora, como nasceu o Anti- porque feita da substância de Deus, de natureza livre – ocor-
Sistema? Que impulso o gerou? No todo, não existia senão reu a desobediência à Lei, e, por um automático jogo de for-
Deus, e Nele estavam todas as criaturas. Tudo isto representava ças, o qual não é possível explicar aqui, iniciou-se o afasta-
o estado perfeito do Sistema, no fim da primeira criação, obra mento dos rebeldes através do fenômeno da involução, que
direta de Deus. Ora, se de Deus, que é perfeito, não pode sair o originou o caos, dando início ao nosso universo. Apareceu as-
imperfeito, é absurdo que a perfeição de Deus possa ter gerado o sim, no relativo, uma nova maneira de existir, constituída pelo
Anti-Sistema, cujas qualidades são opostas às Dele, não nos res- tornar-se, ou vir-a-ser, ou transformismo, pela qual nada pode
tando outra escolha para justificar o fato positivo e inegável da existir senão encerrado em uma forma que se modifica cons-
presença do Anti-Sistema, senão atribuí-lo à única outra fonte tantemente. A perfeição ficou longe no Sistema, nada mais
que existia no Sistema, isto é, à criatura. Mas, se ela atribui tanto existindo dela senão a necessidade de recuperá-la e o caminho
mal a Deus, isto explica e até mesmo prova a sua revolta, porque da evolução, que reconduz a ela.
lançar a culpa nos outros é sempre o desejo instintivo do rebel- No dualismo que nasceu assim, surgiu então um fato novo:
de, ainda que isto, como neste caso, represente o maior absurdo o movimento de transformação, realizado nos dois sentidos, de
possível. Tudo isso somente pode ser explicado se admitirmos involução e de evolução. Foram iniciadas duas corridas em di-
que, na primeira criação, tenha acontecido uma alteração intro- reções opostas: uma para a negatividade do Anti-Sistema, como
duzida por esse outro impulso existente no Sistema, o único ao consequência da queda, e outra para a positividade do Sistema,
qual, não sendo ele de Deus, é possível atribuir a causa da for- como consequência e continuação do primeiro impulso criador,
mação de um sistema contrário, isto é, imperfeito. Tudo isto se que busca recuperar e salvar tudo, levando de volta à fonte:
mostra verdadeiro, pois podemos verificar que a imperfeição en- Deus. Dois movimentos opostos e complementares, que consti-
contrada em nosso universo representa o emborcamento exato tuem as duas metades inversas do mesmo ciclo: ida e volta,
da perfeição do Sistema e das suas qualidades positivas, agora descida e subida, doença e cura, afastamento e retorno, embor-
levadas para o negativo. Em relação à primeira criação, estamos camento e endireitamento, involução e evolução, onde a segun-
no seu polo oposto, e isto nos indica que não se trata de uma cri- da fase somente é possível e explicável em função da primeira.
ação nova, realizada com princípios novos, mas simplesmente Eis, então, que o quadro geral do fenômeno da queda, em
de uma cópia emborcada e corrompida da primeira. seu conjunto, compreende um circuito completo de ida e volta,
Eis então que aparece racionalmente justificável a hipótese ao qual chamamos “ciclo”. Este ciclo se divide em dois perío-
da desobediência das criaturas à lei de Deus, e o fato de já ser dos: a fase da descida, chamada involução, e a fase da subida ou
conhecida pelo homem através da intuição e de ter sido, desde ascensão, chamada evolução. Cada período divide-se em três fa-
a mais remota Antiguidade, afirmada pelas religiões, por meio ses, que são: espírito, energia e matéria, apresentadas nesta or-
da revelação, oferece-nos uma confirmação da teoria da revol- dem sucessiva no período da descida, ou involução, e na ordem
ta e da queda, que só agora é possível ser apresentada com ba- inversa no período da subida, ou evolução, que é o nosso.
se na evidência dos fatos e demonstrada logicamente, até às O período involutivo parte da fase espírito, que representa
suas últimas consequências, como fizemos em nossos livros. o estado originário ou ponto de partida, de onde se inicia a
Pelo fato de se referir a um mundo que não pertence ao nosso descida. Enredado no processo involutivo, o espírito sofre
relativo e de estar além de todas as nossas possibilidades de uma transformação por contração de dimensões, pela qual –
observação e experimentação, tal teoria não é diretamente sendo demolidas as qualidades positivas do Sistema – tam-
controlável em si mesma. Podemos, no entanto, controlá-la bém ele, o espírito, fica demolido até à fase energia. Através
através de seus efeitos, que constituem o nosso universo e a da continuação deste processo na mesma direção, a energia
nossa própria vida, cuja forma e funcionamento só deste modo chega à fase matéria, transformação que é fenômeno já co-
podem ser explicados e justificados. E é lógico que assim se- nhecido pela ciência moderna. Temos assim, diante dos
ja, porque o Anti-Sistema, onde nós vivemos, é exatamente a olhos, as três fases do primeiro período, chamado involutivo:
consequência dos deslocamentos realizados no Sistema, com a espírito, energia, matéria.
revolta. Esta teoria foi assim, em nossos livros, submetida a No fim desse período, a substância que constitui a parte cor-
controle racional. Observando muitos fenômenos e fatos, vi- rompida da esfera do Todo-Uno-Deus, no Seu terceiro aspecto
mos que eles confirmam em cheio essa interpretação da pri- de Filho, inverteu todas as suas qualidades originárias positivas
meira origem de nosso universo, cuja estrutura físico- em qualidades negativas. Assim, a causa originária exauriu-se,
dinâmico-psíquica, transformismo evolutivo e última finali- produzindo todo o seu efeito, e o impulso da revolta se esgotou.
dade, se não fossem relacionados com essas causas primeiras, Neste ponto de máxima inversão dos valores positivos e de má-
permaneceriam um mistério inexplicável. xima saturação de valores negativos, no Sistema invertido, o
◘ ◘ ◘ processo se detém. A transformação em direção involutiva, ou
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 7
de descida, cessa. Nesse momento, Deus retoma a Sua lenta assim, a explicação para muitos acontecimentos, inexplicáveis
ação de atração para Si, como centro de tudo. de outra maneira. E o valor de um sistema filosófico pode ser
Iniciou-se assim aquele longuíssimo processo de subida, no avaliado em função dos fatos que ele desvenda. Explica-se,
qual vivemos hoje, que é o segundo período, inverso e com- também, a origem de nosso relativo, do vir-a-ser, da evolução,
plementar, chamado: evolução. Enquanto o primeiro período, da imperfeição encerrada na perfeição, dos limites do espaço e
dado pela queda ou involução, significou a destruição do uni- do tempo no seio da eternidade e do infinito. Uma evolução as-
verso espiritual e a criação ou construção do nosso universo fí- sim orientada para o seu telefinalismo adquire um sentido lógi-
sico, esse segundo período, dado pela subida ou evolução, sig- co, permitindo por seu intermédio a manifestação da obra sal-
nifica a destruição da matéria como tal e a reconstrução do vadora de Deus em favor da criatura decaída. O maior fenôme-
originário universo espiritual. Estamos agora neste segundo no de nosso universo resulta, deste modo, dirigido para um ob-
período do ciclo, o evolutivo. Aqui, o caminho é inverso do jetivo definido, sem o qual a evolução se tornaria um caminho
precedente. Se a descida foi do espírito para a energia, chegan- sem meta, iniciado sem razão, para ser percorrido fatalmente,
do até à matéria, agora a subida vai da matéria para a energia, como uma condenação não merecida.
voltando até ao espírito. A soma dos dois períodos forma o ci- Assim, a presença do mal, da dor e da morte, qualidades
clo completo, feito de um movimento que se fecha, dobrando- próprias da negatividade de nosso mundo, que não podem ser
se sobre si mesmo. No conjunto, a correção neutraliza o erro, a produto direto da obra de Deus, encontram a sua razão de ser,
expiação reabsorve a culpa e, assim, tudo volta ao seu lugar. No sem nos fazer cair no absurdo de admitir que tudo isto tenha
fim, acima de tudo, triunfa a perfeição de Deus, que, tendo pre- saído das mãos de Deus, o que demonstraria a sua maldade,
visto tudo, acaba por reconstruir e salvar tudo. ou pelo menos falta de sabedoria. Assim, a contradição entre
A estrada que A Grande Síntese nos mostra é aquela percor- opostos, que é o princípio no qual se baseia a estrutura e o
rida pelo ser no segundo período do ciclo, o evolutivo. Aquele funcionamento de nosso universo, encontra a sua explicação
livro nos explica o caminho ascensional da evolução, partindo e justificação dentro da lógica de Deus, a qual fica inatingível
da matéria, a sua origem, e progredindo através das formas de e íntegra, acima dos absurdos gerados pela revolta. Desta
energia, depois de vida mineral, vegetal e animal, subindo sem- forma, a sabedoria domina o erro, a ordem sobrepuja a de-
pre, até alcançar o homem, seu espírito, seu mundo social e mo- sordem, o bem prevalece sobre o mal, a vida é senhora da
ral, indicando o seu futuro em mais altos planos de existência. morte, o endireitamento supera o emborcamento, a salvação
O período involutivo, precedente ao nosso atual, A Grande Sín- corrige a revolta, o Sistema é senhor do Anti-Sistema, Deus é
tese aceita como fato consumado, sem indagar-lhe as causas e superior ao anti-Deus, Satanás.
antecedentes. O seu objetivo é somente o trecho que vai do An- Neste sistema filosófico, a grande cisão do dualismo, em
ti-Sistema ao Sistema. Nisto, aquele livro segue o mesmo mé- que o nosso universo aparece inexoravelmente despedaçado,
todo da Bíblia, onde a gênese também começa com a criação da fica sanada, pois se encontra enclausurada dentro de um mo-
matéria, sem explicações sobre como isto pôde acontecer e o nismo maior, que a abrange e a encerra dentro de si. Fica
que houve antes. Assim, o assunto se torna mais compreensível, salvo assim o supremo principio da unidade do todo, onde
porque abrange apenas o nosso atual trecho de existência, que o reina Deus, um só Deus, em cujas mãos está todo o poder,
homem pode compreender melhor. que não é compartilhado com outro anti-Deus, nem despeda-
A visão apareceu completa no livro Deus e Universo, abra- çado no dualismo, como infelizmente apareceu a vários teó-
çando o ciclo todo, nos seus dois períodos, o involutivo, de ida, logos e filósofos que ficaram na superfície das aparências,
e o evolutivo, de volta. Porém, nesta primeira exposição do es- sem compreender. Com a revolta, a desordem nasceu, mas
quema geral do fenômeno, não foi possível entrar em pormeno- não saiu da ordem; o caos surgiu, mas permaneceu controla-
res para tudo explicar e provar. Assim, o livro deixou muitos do por Deus; o mal surgiu, mas ficou apenas como sombra
leitores em dúvida, porque não compreenderam. do bem. O segundo termo do dualismo não é senão uma fun-
Chegou depois o volume O Sistema. A sua tarefa foi fixar ção menor do termo originário, que permaneceu como eixo
as ideias desenvolvidas em vários cursos sobre esse assunto, fundamental, em volta do qual aquele continua a rodar. O
respondendo às objeções que neles foram apresentadas pelos ponto central permaneceu, e tudo continua a gravitar em tor-
ouvintes. Entrando em maiores pormenores, procuramos ofe- no dele. A cisão da unidade entre dois opostos não somente
recer naquele livro novas provas da verdade sobre a teoria, a lhe é interior, mas também constitui fenômeno temporário,
fim de controlar tudo, fazendo contato com a realidade de nos- que, pela própria estrutura da obra de Deus, automaticamen-
sa vida, na qual se encontram as últimas consequências daque- te tende para a sua solução. De fato, logo que surge a doen-
la teoria. Se tivesse havido erro, este exame e o contínuo con- ça, aparece o seu tratamento. Assim, o próprio erro da sepa-
trole da teoria deveria tê-lo mostrado. Se não apareceu, então ração e involução leva automaticamente à evolução, que o
é porque a teoria, ao invés de ser desmentida, foi confirmada corrige, não havendo para o processo de emborcamento ou-
pelos fatos, que correspondem à verdade. tra alternativa senão terminar no endireitamento.
Eis, em síntese, o quadro geral de nosso sistema filosófico. Na lógica desse sistema filosófico, fica resolvida a con-
O primeiro volume, A Grande Síntese, fica assim enquadrado tradição – de outra modo, impossível de suprimir – entre
na visão dos dois, muito mais vasta. Se aquele livro representa monismo e dualismo, dois fatos inegáveis, que, embora apa-
uma síntese científico-filosófica, os outros dois são uma síntese rentemente inconciliáveis, é necessário pôr de acordo, pois,
teológica. Mas o primeiro não esgotou todo o assunto, porque caso contrário, fracassa o princípio fundamental da unidade
não se pode admitir um processo evolutivo por si só, como efei- do Uno-Tudo-Deus.
to não justificado por uma causa precedente, como um movi- Fomos assim observando esse sistema filosófico de todos
mento isolado, sem o movimento oposto, no qual ele encontra a os lados e tivemos de concluir que ele satisfaz todas as exi-
sua contrapartida, que o equilibra. gências da razão, coordenando tudo num quadro lógico, onde
◘ ◘ ◘ tudo encontra a sua explicação e justificação. Ele, simples-
Este sistema filosófico nos ofereceu um ponto de referência, mente demonstrando, convence sem deixar como resíduo
o Sistema, que representa o absoluto. Sem isto, o contínuo aqueles pontos obscuros que, em razão do problema não ter
transformismo de tudo o que existe no relativo de nosso univer- sido equacionado na forma certa, precisam depois ser resolvi-
so não teria nenhum ponto de apoio nem meta final a atingir dos à força, com dogmas e mistérios. Esse sistema filosófico
que justifique e sustente aquele transformismo. Ele nos fornece, nos esclarece o significado de tudo o que nos cerca, até às su-
8 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
as razões mais profundas, satisfazendo o nosso instinto de jus- mente demonstrada até à primeira fonte da qual deriva, fundada
tiça e nosso desejo de felicidade, que é reconhecida como sobre bases cósmicas que a justificam; uma moral biológica,
nosso direito, pois tudo progride para ela. É um sistema que, derivada diretamente das leis da vida, e não da vontade do le-
além de saciar o coração, porque nos oferece uma grande es- gislador ou dos instintos das massas.
perança, também nos dá de Deus um conceito completamente Este trabalho foi realizado em vários livros meus, sobretudo
isento das maldades carregadas pelo antropomorfismo. Ofere- nos últimos quatro que se seguiram ao volume O Sistema, que
ce-nos de Deus uma ideia na qual Ele permanece verdadeira- completa até agora a exposição da teoria filosófica. Eles são: A
mente bom e grande, apesar dos tantos erros e sofrimentos Grande Batalha, Evolução e Evangelho, A Lei de Deus e o pre-
que, aos nossos olhos, parecem macular Sua obra. sente, Queda e Salvação.
Temos agora, diante dos olhos, todo o caminho do ser, sain- Tudo isto nos autoriza a acreditar que este sistema filosófico
do do Sistema, onde Deus o criou, e viajando até ao Anti- não é fantasia, uma vez que os fatos o justificam e, quanto mais
Sistema, de onde Deus o traz à salvação. Através do vir-a-ser o controlamos, tanto mais vemos que ele corresponde à realida-
involutivo e evolutivo, podemos agora seguir o roteiro que cabe de. Por mais que se queira negar e não ver, estão aí para dar tes-
a cada um percorrer, até atingir o ponto final de sua trajetória. temunho toda a minha vida, os acontecimentos da vida alheia e
E, quando conhecemos o problema maior nas suas linhas ge- milhares de páginas escritas.
rais, é possível nos orientarmos a todo o momento em qualquer Este sistema filosófico fica valorizado, porquanto represen-
ponto de nossa caminhada, colocando no lugar que lhe cabe, no ta as premissas cósmicas racionais de uma norma para a vida
quadro geral, cada fenômeno, cada movimento do ser e cada fa- humana, norma justificada por ser elaborada em função das
to particular de nossa vida. Eles, assim, por menores que sejam, origens e funcionamento do universo. O trabalho de construir
encontram a sua razão de ser, até à longínqua primeira origem um tal sistema não fica tão somente no terreno abstrato e teóri-
das coisas. Só deste modo se poderá viver inteligentemente, co, não representa apenas a produção filosófica de um castelo
compreendendo o sentido de tudo o que nos cerca e sabendo o de ideias, mas se dirige para a realização do melhoramento das
que temos de fazer e por quê. Esta visão é progresso, porque duras condições da vida humana, demonstrando que elas são,
nos aproxima do estado orgânico do Sistema, e também é van- em grande parte, devidas ao fato de ignorarmos o caminho cor-
tagem, porque nos reconduz à felicidade plena. Trata-se de uma reto que deveríamos percorrer. Sendo assim, o trabalho desta
filosofia sadia, que busca ajudar, admitindo o utilitarismo ho- construção filosófica não tem somente escopo e sentido inte-
nesto do homem de bem. É uma filosofia que vem ao nosso en- lectual, mas também sublimação, uma vez que seu objetivo é
contro para nos salvar, mostrando-nos a ativa presença entre beneficiar o homem e, ao mesmo tempo, libertá-lo o mais rá-
nós de um Deus bom, que, antes de tudo, é nosso amigo e nos pido possível dos seus sofrimentos.
quer bem. Filosofia consoladora, pois nos fala com a forma O fruto útil de tudo isto, para nós, é ter descoberto a exis-
mental do Sistema, que está no Alto, trazendo luz à forma men- tência de uma lei que representa o pensamento e a presença de
tal do Anti-Sistema, para reerguê-la até ele, aos níveis de vida Deus em nosso mundo. Esta lei dirige tudo, funcionando conti-
mais adiantados e felizes. Somos infelizes decaídos no caos, nuamente para cada um, e todos estão sujeitos a ela, não impor-
nas trevas, no mal, no sofrimento e na morte. Apesar de tudo is- tando se a conhecem ou não, se a admiram ou se a negam. Tra-
so, esta filosofia nos mostra que, mesmo se as aparências nos ta-se de uma lei cujo conteúdo – ou seja, princípios diretivos,
levam a acreditar o contrário, há ordem nas profundezas do ca- impulsos de ação e reação, técnica de funcionamento e objetivo
os, há luz nas trevas, há o bem no mal; indica-nos que o sofri- final a atingir – é possível descobrir. Essa Lei é viva e operante
mento é um meio para se chegar à felicidade e que a morte ser- entre nós, sempre presente e em ação. Ela não é só pensamento,
ve para se ressuscitar numa vida sempre melhor. Assim vemos mas também uma poderosa e irrefreável vontade de realização.
que, além da injustiça, domina a justiça e que, acima da negati- Eis o que nos mostrou a visão da teoria geral deste sistema filo-
vidade destruidora do Anti-Sistema, está a positividade recons- sófico. Isto é o que, nestes nossos livros, vamos estudando e
trutora do Sistema de Deus. Quão diferente e maior se torna a expondo como resultado de nossa investigação, conduzida com
vida, quando a vivemos em profundidade, em contato com o método positivo da ciência: a observação e a experimentação,
Deus, com o mais poderoso centro vital do universo! que aplicamos à minha vida e às vidas de outros, colocando o
◘ ◘ ◘ conteúdo delas sobre a bancada do laboratório desta nova ética
A parte mais interessante deste sistema filosófico é o seu experimental, para calcular os efeitos de cada movimento nosso
aspecto prático, quando descemos ao terreno das suas conse- no terreno da dinâmica moral e espiritual.
quências e aplicações nos casos concretos de nossa vida. É pelo Nós temos estudado essa lei porque o seu conhecimento
fruto que se conhece a árvore, é neste terreno que se pode medir nos ensina as regras da conduta certa, revelando-nos assim o
o valor da teoria, quando, para controlar a sua verdade, a colo- segredo para evitar a sua reação, que chamamos: dor. Só quem
camos em contato direto com os fatos. Se ela nos orienta, expli- conhece a Lei pode viver orientado, porque compreendeu o
cando-nos o significado das coisas, então a realidade em que significado da sua vida até às suas primeiras origens e últimas
vivemos tem, por sua vez, de concordar com a teoria até às úl- finalidades, em função da gênese, estrutura e supremos objeti-
timas consequências práticas, fundindo tudo no mesmo sistema vos do funcionamento orgânico do todo. O universo é um sis-
filosófico, que assim, embora tendo por base os longínquos tema inteligentemente dirigido, então, para quem quer viver
princípios abstratos do absoluto, pode ser vivido em todos os nele com o menor dano e a maior vantagem possível, é lógico
seus pormenores em nossa vida miúda de cada dia. que deva se comportar com inteligência e consciência, resol-
Isto é o que nós mesmos temos procurado fazer de duas vendo todos os seus problemas, inclusive os pequeninos de to-
maneiras: 1a) Observando e controlando, por mais de meio sé- da hora, em função da solução dos problemas máximos, dos
culo na minha vida, se os acontecimentos vividos por mim e quais os menores dependem. Só conheceremos a razão e a fi-
pelos outros confirmavam a interpretação filosófica do universo nalidade de tudo o que somos e fazemos, se tivermos nas mãos
oferecida por esta teoria; 2a) Coordenando e analisando, racio- a chave de nosso destino e, com ela, a possibilidade de cons-
nal e logicamente, os frutos destas observações, para construir truí-lo da forma que melhor quisermos. Com os nossos pensa-
uma nova norma de conduta humana, uma ética não mais empí- mentos e atos, livremente semeando as causas, ficaremos fa-
rica, como as que ainda vigoram, não mais fruto do desabafo de talmente amarrados às consequências.
instintos, mas sim positiva, apoiada no conhecimento e na A Lei representa uma construção lógica, que pode ser es-
compreensão do problema, filha da lógica dos fatos, racional- tudada como se estuda uma teoria matemática. Com este es-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 9
copo, fizemos neste volume um esquema gráfico, represen- vitória definitiva do Anti-Sistema. Na lógica do desenvolvi-
tando, em síntese, uma expressão geométrica dos princípios mento dos impulsos no campo de forças do todo, é absoluta-
fundamentais que regem o funcionamento da Lei. É possí- mente necessário o aniquilamento total de toda a negatividade
vel, portanto, medir o valor quantitativo e qualitativo dos di- e o triunfo completo de toda a positividade, sem qualquer re-
ferentes impulsos que movimentam o ser e as corresponden- síduo negativo. Se qualquer traço do mal sobrevivesse, isto
tes reações da Lei. O ser é livre para se movimentar à vonta- representaria a derrota de Deus, que é o bem. Todos os efeitos
de, mas, logo depois, as forças da Lei se apoderam destes da queda têm de ser destruídos definitivamente, realizando-se
movimentos, guiando-os fatalmente aos seus efeitos. Eles a reconstrução integral do Sistema.
são calculáveis, porque estão regidos por princípios de equi- Este, em síntese, é o terreno dentro do qual se movimenta
líbrio e justiça bem definidos. A Lei é inteligente, poderosa a nossa conduta ética, num jogo de ações e reações, entre os
e sensível. Não há movimento que não se repercuta nela, não impulsos do ser e a vontade da Lei, cuja presença nunca se
há impulsos ou sucessão de deslocamentos que não sejam deve ignorar. O ser age livremente, porque tem de experi-
percebidos por ela e aos quais ela não reaja. A Lei quer a or- mentar para aprender e subir, enquanto a Lei reage determi-
dem do Sistema, e não o caos do Anti-Sistema. nisticamente, para que o ser suba para o Sistema e nele en-
Em sua substância, a reação da Lei não é senão a continua- contre a sua salvação. O afastamento da Lei é o que chama-
ção de nosso próprio impulso, que ricocheteia e se volta contra mos “erro”; a reação da Lei ao erro é o que chamamos “dor”.
nós, devolvendo-nos o que nós lançamos aos outros. Assim, ca- No esquema gráfico, o comprimento da linha do erro, na di-
da força que, em sentido negativo, projetamos contra o próximo, reção da negatividade, expressa a medida do mal cometido,
transforma-se numa força inimiga, que se volta contra nós para enquanto o comprimento da linha da dor, que leva o ser na
nos agredir, e cada força que, em sentido positivo, projetamos a direção da positividade, nos expressa a medida do trabalho de
favor do próximo, transforma-se numa força amiga, que retorna endireitamento, necessário para voltar à ordem da Lei. O ser
a nós para nos favorecer. A conclusão é sempre a mesma: rece- é livre para cometer erros, mas tem de aceitar depois, forço-
bemos de volta o que lançamos aos outros. Pode-se então esta- samente, a reação corretiva da Lei, cujos equilíbrios não po-
belecer o seguinte princípio da Lei: “Quem faz o bem, assim demos violar sem que tenhamos de devolver tudo à justiça de
como quem faz o mal, acaba por fazê-lo a si mesmo”. Deus, pagando às nossas custas.
No campo de forças do todo, são possíveis três impulsos É possível assim estabelecer o princípio de reação nos se-
fundamentais: o do Sistema, positivo, o do Anti-Sistema, ne- guintes termos: “Cada ação do ser contra a vontade da Lei exci-
gativo, e o do ser, indeciso, ora dirigindo-se num sentido, ora ta e gera uma reação inversa e proporcional, de mesma natureza
no outro. A positividade do Sistema está em luta contra a ne- ou qualidade e de mesma medida ou quantidade”.
gatividade do Anti-Sistema, filha da revolta, para corrigir a Estudando as regras que dirigem o funcionamento da Lei,
desordem, reconduzindo-a para a ordem. A negatividade do podemos calcular as fatais consequências dos nossos atos,
Anti-Sistema está em luta contra o Sistema, para destruí-lo e tornando possível deste modo, com uma conduta mais inteli-
substituir-se a ele. O ser existe atualmente dentro desse dua- gente, eliminar o máximo possível das causas primeiras de
lismo de impulsos opostos. Porém, dos dois termos, o mais tantos sofrimentos, que são devidos, como agora podemos
poderoso é o Sistema, onde Deus permaneceu em seu aspecto ver, ao fato de querermos colocar-nos fora do caminha certo
transcendente, ao mesmo tempo em que continuou presente da Lei. Mas o homem não sabe ou não quer saber estas coisas
também no Anti-Sistema, para salvá-lo, dirigindo-lhe os mo- e continua errando e pagando. Não adianta explicar. Então,
vimentos no processo evolutivo. Assim o dualismo não só é para ensinar a um ser que tem de ficar livre, não resta, na in-
temporário, mas também está fechado dentro da unidade, que violável lógica da Lei, senão o azorrague da dor, que é o raci-
ficou íntegra no monismo, senhor de tudo. ocínio compreendido por todos.
Então tudo é dominado pela Lei, que expressa a positivida- Deus nos corrige com a dor porque Ele quer a nossa felici-
de do Sistema, o princípio de ordem, de equilíbrio e de justiça. dade, não havendo outro caminho para atingi-la senão seguir a
É neste campo de forças que o ser está livre para se movimen- Sua lei. E o desejo de felicidade é o nosso instinto fundamental,
tar, mas só em função da vontade da Lei. Esta quer realizar os mas a procuramos fora do caminho certo. Então a Lei, que nos
seus princípios, estabelecidos pelo Sistema, que ela representa. ama e protege, nos avisa com a sua reação e nos endireita,
Então, em cada movimento seu, o ser tem de levar em conta a constrangendo-nos com a dor a irmos para onde nos convém. O
presença da Lei, que, embora o deixe livre, está sempre o im- homem continua rebelando-se, buscando uma vantagem onde,
pulsionando para frente, para que ele volte ao Sistema. Mas ele pelo contrário, está o seu prejuízo. Mas a Lei, com grande paci-
também pode dirigir-se no sentido oposto, para o Anti-Sistema, ência, volta sempre a corrigi-lo e não para de golpeá-lo, até que
agindo não conforme a vontade da Lei, mas contra ela. No pri- a lição seja toda aprendida.
meiro caso, em razão do ser colocar-se na corrente das forças Assim, o homem vai experimentando e aprendendo. A ver-
da Lei, é por ela ajudado. No segundo caso, pelo fato de querer dade que possuímos é um fenômeno em evolução, portanto re-
andar contra aquela corrente, a Lei se opõe e reage. lativa e progressiva. Nós a vamos conquistando por sucessivas
Eis a relação que existe entre os três impulsos fundamen- aproximações, à medida que amadurecemos. Compreendere-
tais que se encontram no campo de forças do todo. O mundo, mos assim cada vez mais o pensamento de Deus, que está es-
no entanto, não quer levar em conta um fato essencial, pelo crito na Sua Lei, e alcançaremos um maior progresso, o qual
qual, se ele está livre para se dirigir ao Anti-Sistema, que é o nos permitirá dirigir mais inteligentemente a nossa conduta, li-
mal, tem fatalmente de receber o choque da reação por parte bertando-nos cada vez mais do sofrimento.
da Lei, porque a vontade dela é, pelo contrário, levar tudo pa- Quisemos nesta introdução, para orientar o leitor, apre-
ra o Sistema, que é o bem. Nunca esqueçamos que, acima des- sentar os conceitos fundamentais que desenvolveremos neste
sa luta entre positividade e negatividade, está Deus, dirigindo livro e, ao mesmo tempo, resumir numa rápida síntese – tan-
tudo, e que assim, no final das contas, tudo tem de se desen- to no seu aspecto teórico como no prático, tanto nos seus
volver conforme a Sua vontade. Se assim não fosse, a evolu- princípios gerais como nas suas consequências em relação à
ção representaria apenas uma tentativa incerta, que, se não al- nossa conduta na realidade da vida – a estrutura de nosso
cançasse sucesso, acabaria na falência definitiva da obra de sistema filosófico, que vai da primeira criação realizada por
Deus, estabelecendo a derrota final Dele, que não teria con- Deus até à conclusão do ciclo involutivo-evolutivo, com a
seguido salvar Sua obra com a evolução, e isto significaria a salvação final de todos os seres.
10 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 11
I. ESQUEMA GRÁFICO: INVOLUÇÃO–EVOLUÇÃO A linha vermelha WXW1 representa a plenitude do S, cons-
tituindo a base do triângulo WYW1, que contém o campo de
Depois da precedente premissa orientadora, podemos agora forças positivas do S. A linha verde ZYZ1 representa a plenitu-
entrar no assunto do presente volume. Os aspectos básicos das de do AS, constituindo a base do triângulo ZXZ1, que contém o
teorias que iremos aqui desenvolvendo foram equacionados nos campo de forças negativas do AS. Este é o terreno não da origi-
livros mencionados anteriormente: Deus e Universo e O Sistema. nária unidade do S, mas do dualismo em que fracassou o nosso
O atual livro é o terreno das suas consequências e aplicações. universo. Por isso, todos os valores, impulsos e movimentos
Focalizemos então nossa atenção na figura apresentada na que vigoram no AS, realizam-se sempre em função da oposição
próxima página, que nos oferece geometricamente uma ex- entre os dois sinais: “+” e “−”.
pressão mais exata e evidente do fenômeno da queda e salva- A figura é simétrica e está dividida ao meio em duas partes
ção, por nós aqui estudado. Usamos a representação gráfica iguais, no sentido vertical, pela reta XY, comum ao triângulo
desta figura por se tratar de um recurso mais adequado para vermelho do S e ao triângulo verde do AS. Marcamos uma li-
fixar em forma visível, intuitivo-sintética, os conceitos que nha central em verde, que representa o caminho de descida ou
iremos desenvolvendo. involução, e outra em vermelho, que representa o caminho de
Esta figura nos dá o esquema completo do processo de ida e subida ou evolução, nossa atual fase.
volta do transformismo involutivo-evolutivo, que é a base da Esta figura nos oferece a representação completa da visão
estrutura de nosso mundo fenomênico, fornecendo-nos o dia- do fenômeno da queda nas suas duas fases, ida e volta, pelas
grama do ciclo constituído pela gênese, desenvolvimento e tra- quais o ciclo se fecha, chegando novamente ao seu ponto de
tamento da doença da queda e cisão, que foi causada pela revol- partida original. Tendo perante os olhos esta representação grá-
ta e deu origem ao estado material de nosso universo corrupto. fica, adequada para fixar as ideias, poderemos estudar melhor o
O princípio fundamental do dualismo, no qual se baseia o es- fenômeno nos seus pormenores. As duas cores diferentes nos
quema, é a primeira impressão que nos salta à vista nesta figu- permitem perceber à primeira vista não só a natureza e a posi-
ra, dividida em duas partes opostas e equilibradas pela condição ção de cada ser, mas também o campo ao qual ele pertence, po-
de recíproco emborcamento. Quem não estiver ainda convenci- sitivo ou negativo. Os limites geométricos da figura nos expres-
do da verdade das teorias apresentadas nos dois livros, Deus e sam o conceito da presença da lei de Deus, que abrange tudo,
Universo e O Sistema, encontrará aqui não só novos esclareci- inclusive o desmoronamento do AS, dentro dos seus limites, di-
mentos, que as explicam com maior clareza, mas também novas rigindo com as suas normas todos os movimentos, retificando
provas, que as confirmam ainda mais. os erros através de suas reações contra qualquer violação e re-
Já sabemos que, devido à revolta e à consequente queda, a conduzindo à ordem tudo o que procurou afastar-se dela.
unidade do Sistema, ou todo orgânico em Deus, despedaçou- Comecemos observando o ciclo nas suas fases de ida e volta.
se no dualismo Sistema e Anti-Sistema. Este processo de di- A figura contém dois campos de forças contrárias, as positivas e
visão chegou à sua plenitude com a realização do Anti- as negativas. Eis que elas se põem em movimento, determinan-
Sistema, que ficou, porém, sujeito a outro processo, agora de do com isso uma série de ações que excitam reações opostas,
reunificação, o qual chegará à sua plenitude com a reconstru- proporcionadas e calculáveis, as quais são expressadas pela figu-
ção da parte decaída, no seio do Sistema. Separação e reuni- ra através da posição e do comprimento das suas linhas.
ão, destruição e reconstrução, doença e tratamento, descida e O ponto de partida do ciclo na sua primeira metade, corres-
subida, saída e retorno, involução e evolução, são estes os pondente à fase involutiva, é o ponto X, situado na linha verme-
dois momentos que encontramos sempre opostos, num con- lha WW1 do S. O ponto de chegada daquela primeira metade
traste de forças rivais em luta para a supremacia. Justamente involutiva do ciclo, é o ponto Y, situado na oposta linha verde
neste contraste está a base do dinamismo de todo o processo, ZZ1 do AS. Aqui acaba a involução. Mas este ponto de chegada
que vai, assim, amadurecendo de uma posição à outra, deslo- representa também o ponto de partida da segunda metade do ci-
cando os seus elementos ao longo das posições escalonadas clo, correspondente à fase involutiva. Então o ciclo, que tinha
pelo caminho a fora, até haver percorrido todo o trajeto, des- iniciado o seu movimento de descida involutiva no ponto X do
de a sua origem até à sua conclusão. S, vira-se agora – ao atingir o ponto Y, situado no AS – no sen-
Este é o conceito fundamental que domina o fenômeno por tido contrário, endireitando o seu emborcamento, para iniciar o
nós agora estudado: a cisão no dualismo. Temos então duas seu caminho de volta, subindo. O ponto de chegada desta se-
forças básicas em luta entre si, cada uma com o objetivo de gunda metade evolutiva do ciclo é o ponto X, situado na linha
vencer a outra, prevalecendo uma em cada fase, a do Anti- do S, de onde se iniciou o processo da descida involutiva. Mas
Sistema no período de descida, ou fase involutiva, e a do Sis- qual o significado de tudo isto?
tema no período de subida, ou fase evolutiva. Estas forças são: Isto significa que, depois de ter-se esgotado, atingindo o
1) O Sistema, que representa a positividade e os impulsos seu objetivo, que é a realização do AS, o impulso inicial, reali-
deste tipo, constituindo as qualidades de afirmação: vida, sa- zado a partir do S em direção ao AS, autoneutraliza-se e anula-
bedoria, amor, unidade, ordem, disciplina, felicidade etc. Este se, seguindo um movimento oposto, pelo qual é levado nova-
é o lado de Deus, do espírito, do bem. Por isso o sinal do Sis- mente ao seu ponto de partida, ou estado de origem no S. Tudo
tema é “+” (positivo). se reduz deste modo a um erro corrigido, a uma temporária do-
2) O Anti-Sistema, que representa a negatividade e os impul- ença curada, a um afastamento compensado pela aproximação
sos deste tipo, opostos aos do Sistema, constituindo as qualida- de volta, a uma positividade perdida e recuperada e a uma ne-
des de negação: morte, ignorância, ódio, separatismo, desordem, gatividade adquirida e repudiada, a um processo compensado
revolta, sofrimento etc. Este é o lado de Satanás, da matéria, do de ida e volta, a um intervalo de imperfeição na eterna e indes-
mal. Por isso o sinal do Anti-Sistema é “–” (negativo). trutível perfeição de Deus.
Para nos expressarmos de maneira mais rápida, abreviamos Tudo isto já foi dito naqueles dois livros, mas quisemos
a palavra “Sistema” com a letra S, e a palavra “Anti-Sistema”, aqui acrescentar-lhe uma expressão gráfica, mais evidente e
que também teremos de usar muitas vezes, com as letras AS. exata. E, se temos falado de erro corrigido, foi porque procura-
Na figura, tudo o que pertence ao S está marcado com cor mos salientar melhor este aspecto do fenômeno, pois um dos
vermelha, escolhida como a cor da positividade (+), e tudo o maiores problemas que teremos de encarar agora se refere à re-
que pertence ao AS está marcado em verde, escolhida como a ação da Lei para corrigir os nossos erros, com o qual entrare-
cor da negatividade (–). mos no terreno da ética, nosso assunto atual. A este respeito, o
12 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
fenômeno da queda representa o primeiro e maior caso de erro gresso em subida, ou evolução. Observando a figura, veremos
cometido pela criatura e corrigido por Deus. Na queda, temos o que ela nos expressa todo o processo do ciclo, que contém, nos
erro máximo, atrás do qual ecoam e se vão repetindo todos os seus dois movimentos fundamentais, de descida e de subida,
outros erros menores, que o ser repete a toda hora, ao longo de quatro deslocamentos, isto é:
sua escala evolutiva, os quais veremos agora. No movimento de descida: 1) O deslocamento do estado de
Observemos primeiro o processo no momento do início do nulidade da negatividade do AS ao estado de plenitude daquela
ciclo, no ponto X do S, onde começa a viagem em descida para negatividade (gênese do triângulo verde); 2) O deslocamento
Y, ao longo da linha da involução. Na linha WW1, o S se encon- do estado de plenitude da positividade do S ao estado da nuli-
tra na plenitude da sua positividade, enquanto o valor efetivo da dade daquela positividade (destruição do triângulo vermelho).
revolta é apenas potencial, sendo o volume de negatividade ape- No movimento de subida: 3) O deslocamento do estado de
nas um ponto sem dimensões, situado na plenitude da positivida- plenitude da negatividade do AS ao estado de nulidade daquela
de do S. Mas eis que essa potencialidade vai ficando cada vez negatividade (destruição do triângulo verde); 4) O deslocamento
mais próxima do AS e, pouco a pouco, a revolta vai se concreti- do estado de nulidade da positividade do S ao estado de plenitu-
zando. Este fato está expresso na figura pela superfície sempre de daquela positividade (reconstrução do triângulo vermelho).
mais ampla que, na descida, a revolta vai conquistando e domi- Eis que a segunda parte do ciclo, inversa e complementar da
nando, até atingir a plenitude de sua realização, com uma total primeira, completa-o, concluindo a segunda parte do mesmo
inversão ao negativo na linha ZZ1, na qual o triângulo verde está fenômeno. Se, na primeira parte, como há pouco dissemos, pas-
completo, pois seus lados atingiram a abertura máxima. Assim, a sa-se da plenitude da positividade à plenitude da negatividade,
negatividade, com o processo da involução, vai cobrindo toda a vemos agora que, na segunda parte do ciclo, passa-se da pleni-
superfície do triângulo do AS, cujo vértice está em X e a base é a tude da negatividade à plenitude da positividade. Então todo o
linha ZZ1. No fim deste processo, o ponto X se dilatou sempre fenômeno da queda se reduz à gênese do dualismo, constituído
mais, até atingir as dimensões da linha ZZ1. A superfície sempre pelos dois sinais opostos, + e −, fenômeno pelo qual, num pri-
maior, coberta pelo progressivo impulso da revolta ao longo da meiro momento, a positividade se torna negatividade, gerando
linha da involução XY, representa a dilatação do campo de for- o AS, e, num segundo momento, a negatividade volta à positi-
ças dominado pelo AS, que vai assim potencializando-se sempre vidade, reconstituindo-se no S.
mais, até atingir sua plenitude máxima na base ZZ1 do triângulo. O processo de endireitamento evolutivo, que corrige a
Neste ponto, o impulso da revolta atingiu a sua completa realiza- precedente inversão involutiva do S para o AS, inicia-se na
ção com a criação do AS, que é o nosso universo material. linha ZZ1, na qual o AS se encontra em sua plenitude e o S,
O que acontece simultaneamente, então, em relação ao S? representado pelo ponto Y, encontra-se reduzido a uma po-
Se o AS, no início do ciclo, em X, encontra-se no estado punti- tencialidade. Estamos na fase do maior constrangimento da
forme, com um valor apenas potencial, o S se encontra, ao con- positividade e da maior expansão da negatividade vitoriosa.
trário, na sua plenitude WW1. Por outro lado, se durante a des- Mas, neste ponto, o originário impulso da revolta, que gerou
cida involutiva, na gênese do AS, o ponto X foi ampliando a negatividade, aprisionando a positividade do S, esgota-se e
sempre mais o seu campo de ação, até se tornar a plenitude ZZ1, o caráter fundamental de cada um dos dois impulsos volta a
a linha WW1, ou plenitude do S, foi paralelamente contraindo prevalecer. Então o AS, que não pode deixar de seguir a sua
sempre mais o seu campo de ação, até se tornar o ponto Y. As natureza negativa, será por ela levado a renegar a si mesmo,
duas transformações inversas se realizaram uma em função da anulando-se como negatividade no caminho do regresso, pro-
outra, com a negatividade ganhando onde a positividade perdia, cesso ao qual é levado também pelo impulso do S, que, por
num processo de emborcamentos simétricos das dimensões dos sua vez, não pode deixar de manifestar sua reação ao cons-
respectivos valores. O que era mínimo no S tornou-se máximo trangimento sofrido dentro da negatividade do AS, afirmando
no AS, e vice-versa. Passou-se assim da plenitude da positivi- a sua indestrutível natureza positiva, agora que o esgotamen-
dade à plenitude da negatividade. Isto porque, no processo da to do impulso contrário se desvaneceu.
queda, foi sendo realizada sempre mais a inversão das qualida- Vemos então que a negatividade, que quer continuar a ser ne-
des positivas do S nas negativas do AS. Além disso, à medida gativa, e a positividade, que quer continuar a ser positiva, de fato
que se dava o enfraquecimento do poder do S, ocorria o forta- colaboram no mesmo sentido da reconstrução. A negatividade,
lecimento do AS. Isso até que, na linha ZZ1, o poder positivo porque quer ser negatividade; a positividade, porque quer ser po-
do S, que era no início expresso pela linha WW1, ficou reduzi- sitividade. Maravilhosa sabedoria da Lei, que providencia trata-
do ao ponto Y, enquanto o poder negativo do AS, que era no mento e cura, prevendo tudo isto de antemão e pré-ordenando es-
início expresso pelo ponto X, tornou-se a linha ZZ1. Tudo isto a se jogo de forças, que, automaticamente, leva à salvação. Técnica
figura nos indica com o aumento progressivo da extensão da estupenda, pela qual vemos que o bem e o mal – o impulso posi-
superfície ou campo de forças dominado pelo triângulo do AS, tivo do bem e o impulso negativo do mal – trabalham juntos para
associado à paralela diminuição da extensão da superfície ou chegar ao mesmo resultado, que é o triunfo do bem.
campo de forças dominado pelo triângulo do S. Continuemos nossa observação. O processo, assim, vai-se
Tudo isto – é importante esclarecer – refere-se ao fenômeno desenvolvendo na segunda parte do ciclo, até que a linha ZZ 1
da queda ou ciclo involutivo-evolutivo, originado no S e dizen- da negatividade do AS fica reduzida a um ponto: X, enquanto
do respeito somente à parte corrompida, que dele quis sair, e não o ponto Y da positividade do S vai-se ampliando até chegar à
ao S todo, que permaneceu íntegro com a parte restante, não re- linha WW1. Estes deslocamentos significam que o campo de
belde. Esgotamos até aqui somente a primeira parte deste fenô- forças do S, que se havia antes comprimido sempre mais, até à
meno, isto é, a fase da queda. Observemos agora a sua segunda sua anulação, agora vai-se dilatando cada vez mais, ganhando
parte, inversa e complementar, a outra fase do ciclo, constituída em superfície, isto é, potencializando-se até voltar à sua pleni-
pela salvação. Por isso o título deste livro: Queda e Salvação. tude, enquanto o campo de forças negativas do AS, que se ha-
Se a primeira parte do ciclo está constituída por um proces- via anteriormente dilatado e potencializado sempre mais, até
so de inversão da positividade da parte rebelde do S na negati- chegar à sua plenitude, vai-se agora apertando sempre mais,
vidade do AS, a segunda parte é constituída por um processo de até chegar à sua anulação.
endireitamento da negatividade do AS na positividade do S, Neste ponto, o ciclo se completa, fechando-se sobre si
devolvendo ao S a parte corrupta que dele se afastou. Em Y, mesmo, porque atingiu o seu ponto de partida. Assim, o embor-
acabou o caminho da descida, ou involução, e inicia-se o do re- camento foi endireitado, a negatividade do AS foi reabsorvida
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 13
na positividade do S, o caminho involutivo-evolutivo está todo Deus e Universo e O Sistema, trabalho que é possível somente
percorrido e tudo voltou, reconstruído e saneado, ao seio do S. agora, pois o esquema geral já foi traçado e os problemas fun-
Desse modo, os opostos se compensam e, em perfeita corres- damentais estão resolvidos.
pondência na proporção de impulsos e movimentos, os dois Vimos em que consiste o processo involutivo-evolutivo,
caminhos – a queda e a salvação – equilibram-se, resolvendo-se isto é, as duas fases do ciclo, com a ida e a volta. Explicamos
na perfeita ordem da Lei. Tanto a construção do triângulo verde que o movimento de descida ou afastamento do S, ao chegar
do AS e a destruição do triângulo vermelho do S, geradas pelo no ponto Y, inverte-se no movimento de subida ou aproxima-
processo de involução ou descida XY, como a destruição do ção do S, até atingi-lo.
triângulo verde do AS e a reconstrução do vermelho do S, ge- Surge neste ponto uma pergunta espontânea. Por que motivo
radas pelo processo da evolução ou subida YX, estão grafica- o processo da queda, atingindo esse grau do seu amadurecimen-
mente expressas na figura, saltando à vista ao primeiro olhar. to, ao invés de continuar na mesma direção, volta para trás? A
Esta figura tem um significado profundo. Ela nos orienta, que força se deve esse emborcamento do seu caminho? Como já
explicando a causa, a razão e o objetivo do vir-a-ser universal, dissemos, o fenômeno acontece assim porque o impulso da re-
mostrando-nos as origens e o porquê do processo evolutivo em volta se esgota. Mas isto não basta para explicar. Há mais ainda.
que vivemos. Ela nos deixa ver com que exatidão geométrica a A lei de cada impulso tende a progredir até atingir a plenitude
sabedoria da Lei opera a salvação, uma vez que está contido em da sua realização. Quando, porém, essa realização for atingida, o
sua ordem todo o desmoronamento da queda. Para compreender impulso não funciona mais. Então dizemos que ele se esgota,
a figura, é necessário penetrá-la nos seus movimentos de con- porque, atingido o alvo, ele para. Isto porque, quando a causa ti-
tração e expansão, de criação e reabsorção de valores, no seu ver sido transformada toda em efeito, ela não existe mais como
contínuo dinamismo regulador de todo o ciclo involutivo- causa e, com isso, anula-se o motor do processo. Quando o alvo
evolutivo. Vemos então, de X, um ponto sem dimensão, nascer for atingido, acaba a trajetória da viagem, que não pode continu-
todo o campo de forças do AS e, igualmente, do ponto Y, o S ar. Quando realizamos uma obra, manifestando nela o nosso pen-
voltar à sua plenitude. A posição reciprocamente emborcada samento e nossa vontade – fazendo o que se encontrava dentro de
dos dois triângulos, S e AS, pela qual um diminui na proporção nós em estado potencial passar para fora de nós em estado atual –
que o outro aumenta, até um desaparecer na plenitude do outro, a força que tudo movimentou não pode continuar atuando. Como
nos mostra quão ordenadamente a Lei tenha dirigido a desor- poderia continuar, se o objetivo foi atingido? Para continuar, pre-
dem da queda no AS, até reconduzi-la toda à ordem do S. A fi- cisaria determinar novo objetivo e novo impulso para atingi-lo.
gura nos mostra como, a cada ponto e posição ao longo da linha Não há movimento que possa continuar além do seu ponto de
da involução ou da evolução, corresponde uma proporcionada chegada, a não ser iniciando outro caminho para outra finalidade.
amplitude do campo de forças negativas ou positivas dominado, Então, pela própria lei que o fenômeno traz escrita dentro
amplitude expressa pela superfície contida entre os dois lados de si, tudo está automaticamente pré-ordenado, de modo que,
oblíquos dos triângulos que se vão abrindo ou fechando. Pode- no ponto onde toda a positividade da parte rebelde do S se
se assim calcular, em cada ponto do seu caminho, a extensão do transformou na negatividade do AS, cumprindo-se a obra de
terreno dominado pelos seres que o percorrem e o valor das construção do triângulo verde na linha ZZ 1, o processo tem de
forças possuídas por eles, perdendo num sentido e ganhando no parar forçosamente e, se quiser continuar, não pode fazê-lo
noutro, conforme a direção do seu caminho. senão mudando o tipo do seu movimento e iniciando outro
Assim, a figura não somente nos expressa com representa- caminho para outro objetivo.
ção geométrica espacial o esquema estático do fenômeno, mas E que direção poderá esse novo movimento assumir? Que
também o dinamismo que o anima e transforma a cada passo, outro tipo de causa poderá surgir dentro do efeito realizado? O
da gênese à anulação dos espaços vitais, seja do S seja do AS. novo impulso somente poderá ser determinado pelas forças dis-
Pela aproximação um do outro dos dois lados de cada triângulo, poníveis naquele ponto do caminho ou desenvolvimento do
avizinhando-se pouco a pouco do vértice, a figura, com o rela- processo. Mas o que se encontra naquele ponto? O impulso pa-
tivo estreitamento do campo de forças ou espaço vital que o S ra o AS, uma vez que se realizou, esgota-se e assim, não pos-
ou o AS domina, apresenta-nos, expresso graficamente, em suindo mais força, jaz exausto, inerte. Que outro impulso ativo,
forma espacial intuitiva, o conceito de anulação do S, ou des- então, poderá surgir nesse ponto?
truição do AS. E, ao contrário, com o afastamento dos dois la- Tal movimento só pode ser determinado pelo S. Enquanto
dos dos triângulos e a relativa ampliação do campo dominado, o caminho XY consumiu todo o impulso da negatividade de-
a figura nos expressa o conceito de formação do AS, ou re- vida à revolta, realizou-se também, por esse mesmo processo
construção do S. Se pensarmos no significado implícito no es- de expansão construtora da negatividade do triângulo verde,
quema, com as qualidades e consequências de um triângulo uma compressão destruidora da positividade do triângulo
prevalecendo sobre o outro, poderemos compreender quão vas- vermelho. Disto se segue que, quando o processo chega à ple-
to significado a figura contém e a importância das conclusões nitude do AS, a negatividade atinge seu estado de expansão
às quais nos poderá levar este estudo. máxima, ou seja, de completo esgotamento e total inércia, en-
◘ ◘ ◘ quanto a positividade alcança seu estado de concentração má-
Vamos continuar observando a nossa figura, para compre- xima, ou seja, de potencialidade e dinamismo máximos. Sen-
endê-la cada vez melhor. Procuremos aprofundar sempre mais do o fenômeno da queda um jogo de emborcamento, sua vitó-
o nosso olhar no mistério da estrutura do fenômeno do universo ria só pode resultar no fortalecimento da reação evolutiva. É
e dos abstratos princípios gerais que o regem. Poderemos assim justamente no ponto onde foi atingido o completo triunfo da
penetrar os significados sempre mais íntimos de nossa repre- negatividade, que o impulso da positividade comprimida en-
sentação gráfica, as razões da sua estrutura e a técnica do fun- contra algo como uma parede, na qual bate e ricocheteia para
cionamento das suas forças. trás. E esta barreira que constrange o processo de emborca-
Temos até aqui observado, numa simples visão de conjun- mento na negatividade a inverter-se, fazendo-o endireitar-se
to, a figura em sua estrutura estática, para ver como está cons- na positividade, é o próprio triunfo da negatividade.
truída. Estudamo-la depois em seu dinamismo, isto é, no de- Isto nos permite pensar que se trata apenas de uma nova di-
senvolvimento das duas fases, uma de ida e outra de volta. Es- reção do mesmo impulso, continuando no sentido contrário, pa-
tamos aprofundando e ilustrando em forma visível, com exa- ra percorrer o trecho complementar do mesmo ciclo, do qual
tidão cada vez maior, os conceitos apresentados nos livros involução e evolução são duas fases consecutivas. Então a evo-
14 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
lução seria só a continuação do caminho da involução. Se isto é seu ponto de partida, que se torna então o ponto de chegada em
verdade, então é fato também que esse novo impulso deriva do Deus, a única referência para tudo o que existe. Por esta lei de
S, cuja prevalência sobre o AS só pode se manifestar no ponto regresso, a revolta não pode acabar senão na obediência; o em-
Y, onde o caminho do AS está esgotado. É assim que, em Y, borcamento, no endireitamento; a perdição, na salvação. A nos-
começa a predominar o S. Desse modo, no ponto onde a nega- sa admiração jamais terá limites perante tão profunda sabedo-
tividade atingiu a plenitude da sua realização, a positividade ria, que faz o erro se resolver numa experiência para aprender a
pode iniciar o seu trabalho, lento mas constante, que se realiza- verdade, o impulso para a subida despontar no fundo da descida
rá até reconduzir tudo ao S, tudo redimindo na salvação final. e o caminho para a felicidade se abrir no âmago do sofrimento.
Torna-se necessário levar em conta também o fato de que, Assim, o ser, indiretamente constrangido por esta lei de re-
com a queda, foi gerada e se iniciou a maneira de existir no rela- gresso, não pode deixar de realizar a sua salvação. Em todo
tivo, sob a forma do vir-a-ser ou transformismo. É neste processo momento, seja qual for a posição atingida, ele permanece sem-
que o ser está situado agora, constrangido a percorrer o caminho pre filho do S, com as indeléveis qualidades que possuía ali, as
do ciclo involutivo-evolutivo, no qual ele não pode parar. Então a quais foram desviadas, torcidas na negatividade, mas nem por
primeira condição para a sua sobrevivência é a continuação desse isso destruídas. O ser se tornou um exilado, mas a sua pátria
caminho. Se o fruto amadurecido pela queda não quiser ficar permaneceu sempre o S. A sua natureza positiva se manteve,
congelado na total ausência de vida – pois a vida é estabelecida porém dela, no fundo da negatividade, não subsistiu para ele
pela positividade – é necessário que o movimento continue. Po- senão o vazio, a sensação de perda, a saudade e o choro do ins-
rém, se ninguém, devido ao transformismo universal – que é lei tinto insatisfeito. As qualidades positivas do S ficaram escritas
de vida e condição de existência no relativo – pode parar sem na sua alma, como anseio de vida e de felicidade na desespera-
morrer, o ser não tem outra escolha, para continuar a existir, a da lembrança do paraíso perdido. O desenfreado desejo de
não ser emborcar-se novamente, voltando ao positivo. crescer fora da sua medida e da ordem do S, lançou o ser no
Por que não há outra escolha? Porque no todo não existe ou- AS, onde ele ficou mergulhado às avessas, na negatividade. As-
tro modelo, exceto o estabelecido pelo S. Este é o modelo do To- sim, ele perdeu o seu tesouro, que ficou no S, e, quanto mais se
do-Uno-Deus. A criatura não é o Criador e, por isso, não tem o aprofunda no AS, tanto mais fica ansioso para recuperá-lo. Mas
poder de gerar outros modelos. Tudo o que existe tem de girar ao o ser é rebelde e, então, tenta buscá-lo na descida, afastando-se
redor de Deus, estando incluído e fechado dentro do sistema de sempre mais dele, perdendo a positividade, ao invés de recupe-
forças da Sua obra. Outra obra não há, nem pode haver. Então a rá-la. Eis o que vemos de fato acontecer em nosso mundo. E,
única coisa que pode existir é o sistema de Deus ou uma altera- depois destas elucidações, podemos compreender a irracionali-
ção daquele modelo, porém jamais um novo. Não é possível um dade de um trabalho assim tão contraproducente.
sistema de outro tipo, uma ordem diferente, mas apenas um des- Mas eis que, para salvar a criatura desta loucura, intervém a
locamento, uma desordem dentro da ordem de Deus. Daí o em- sabedoria da lei do regresso. Quanto mais o ser desce, tanto
borcamento gerado pela revolta. Quando tal fenômeno, pelo fato mais aumenta a carência de tudo o que ela possuía no S e,
de se ter realizado, chega ao fim, nem por isso ele pode sair do quanto mais ele empobrece, tanto mais aumenta o seu anseio de
sistema de forças do todo, que abrange tudo. Tudo está enclausu- enriquecer novamente. Mas, quanto mais ele desce na negativi-
rado neste sistema e nada pode existir fora dele. Se Deus é tudo e dade do AS, tanto menos positividade ele encontra no seu am-
este é o modelo do todo, não é possível sair deste sistema. Por is- biente e, com isso, tanto menos possibilidade tem para ficar sa-
so, quando o impulso da ida se tiver esgotado, não lhe resta, para tisfeito. Quanto mais ele se torna faminto, tanto mais se torna
sobreviver, senão repetir o mesmo motivo do emborcamento, in- difícil satisfazer a sua fome. Quanto mais o ser procura perse-
vertendo-se para voltar atrás. Esta é a razão pela qual a negativi- verar na sua loucura de querer encontrar a positividade do S
dade do AS tem de endireitar-se na positividade do S. dentro da negatividade do AS, tanto mais ele fica traído e desi-
Observando a figura, vemos que, quando a negatividade atin- ludido, porque, como é lógico, não encontra senão o contrário
ge sua expansão máxima, a positividade fica comprimida no pon- do que está procurando. Não está tudo isto confirmado pelos fa-
to Y, acima do qual gravita o triângulo vermelho, convergindo tos que vemos acontecer em nosso mundo, a todo o momento?
para aquele vértice todas as suas forças. É lógico que, neste pon- Mas o tormento deste mal-entendido não pode durar para
to, onde é mínimo o poder da negatividade (enfraquecido devido sempre. Nada constrange a pensar tanto como a desilusão; nada
à sua maior expansão) e máximo o poder da positividade (forta- acorda a inteligência como o sofrimento. Eis que, no meio de
lecido devido à sua maior concentração, dado que o ser nada po- todas as dores, abre-se a mente fechada pelo orgulho, então a
de criar ou destruir), este último prevaleça sobre o primeiro, sen- alma começa a vislumbrar a luz de Deus, que chama de longe e,
do exatamente este o ponto onde se inicia o caminho da volta. assim, inicia-se o caminho da volta a Ele. Quem é filho Dele,
Começa assim o regresso. Por este automático jogo de for- feito da Sua mesma substância, não pode deixar de sê-lo e, mais
ças, contidas no próprio seio do processo, tudo continua desen- cedo ou mais tarde, acaba voltando ao Pai.
volvendo-se deterministicamente, pré-ordenado pela sabedoria Eis como o ser se encontra impulsionado a enfrentar o traba-
de Deus, que, havendo previsto tudo, já tinha preparado o remé- lho de reconstrução. A estrada é longa e cheia de dificuldades. E
dio para o mal, caso a criatura viesse a desobedecer. Trata-se de não há como o ser fugir, uma vez que ele, como vimos, encon-
leis que regulam todo o movimento do ser livre, dentro das quais tra-se mergulhado nesse jogo de forças. É necessário superar os
estamos situados. Leis benfazejas e consoladoras, porque que- obstáculos com o próprio esforço. Se o supremo objetivo do ser
rem e sabem dirigir a loucura de um ser livre para a sua salva- é voltar à plenitude da vida e à felicidade no S, não há outro ca-
ção. A compreensão desse processo de regresso do AS ao S nos minho senão a evolução. O roteiro da viagem está todo marcado
mostra e garante que, no fundo do mal, o ser não pode encontrar de antemão. O ser, feito da vida do S, não pode permanecer para
senão o caminho para o bem e que, no fundo da culpa, não pode sempre nas angústias do AS. Ele tem de subir e, por isso tem de
haver senão o arrependimento, pois a Lei determina, no extremo lutar e vencer. O paraíso perdido o está esperando, mas ele tem
do afastamento de Deus, o início do processo de aproximação e, de reconquistá-lo com o seu esforço. O ambiente é hostil, a exis-
no máximo da revolta, o começo da obra de reconciliação. tência é dura. Ao anseio de felicidade e vida responde apenas
Chegamos então a compreender e podemos aqui afirmar que uma realidade de sofrimento e morte. Para sobreviver, o ser tem
existe uma lei que poderemos chamar de “lei do regresso”, pela de lutar a cada passo contra mil inimigos.
qual, obedecendo a um princípio geral de equilíbrio, tudo o que Eis que estas nossas elucidações nos explicam porque a
se afasta de Deus tem de retornar, retrocedendo para trás, até ao existência do nível vegetal, animal e humano se baseia numa
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 15
guerra contínua de todos contra todos, que não conhecem ou- Mas será que Deus verdadeiramente escraviza, recorrendo à
tras relações senão o ataque e a defesa. Isto é fruto do AS e do força? Toda a ação Dele, neste caso, não vai além do que cha-
esforço evolutivo para sair dele. Nos níveis de vida mais adian- mamos de “reação da Lei”. Mas isto não é escravidão, porque o
tados, que estão mais próximos do S, tudo isto vai desapare- ser não fica de modo algum constrangido pela força. Aqui não
cendo no pacifismo evangélico do “ama o teu próximo como a há força nem coação direta. Deus não tira, nem poderia tirar a
ti mesmo”. Podemos compreender assim qual é a origem, razão liberdade da criatura, porque, deste modo, faria dela um autôma-
e objetivo da fundamental lei da evolução: a luta pela vida. to. Se isto fosse possível, Deus teria antecipadamente resolvido
Deus é vida, e tudo tende para a vida, que é Deus. A luta pe- todo o problema da queda, criando uma máquina perfeita e, por
la vida é a luta pelo S, contra o AS. Ela representa o esforço do isso, totalmente obediente, em vez de um ser livre e consciente.
ser para emergir da negatividade, que o sufoca. Através dessa Mas os fatos nos mostram o contrário. Tudo o que aconte-
dura lição, ele vai experimentando, aprendendo e reconstruin- ceu no drama da revolta é exatamente o efeito da inviolável li-
do. Tudo isto é trabalho pesado, mas o ser está apegado à vida, berdade do ser. Se a Lei reage, é porque o ser foi deixado livre
princípio do S, e não pode deixar de defendê-la desesperada- para violá-la e, se ela continua reagindo, é porque o ser é livre
mente. Portanto ele tem de fazer esse esforço. Mas isso implica para continuar violando-a quantas vezes quiser. Mas isto não
em desenvolver a inteligência, o que significa voltar para o S. significa que Deus renuncie aos Seus planos e deixe nas mãos
Então a função da lei da luta pela vida não se esgota na sua fi- da criatura o poder de emborcar e destruir toda a Sua obra, por-
nalidade mais próxima, que é a seleção do mais forte, mas ad- quanto isto resultaria também na destruição do próprio rebelde,
quire e contém um significado mais profundo, pois constitui um que a quis. Tudo que o ser pode realizar com a revolta trans-
meio para abrir a mente e acordar o espírito adormecido, para forma-se em seu próprio prejuízo. Eis a perfeita justiça e equi-
que este, potencializando-se, progrida e, emergindo da materia- líbrio, pelo que o efeito tem de ser proporcional à causa.
lidade, suba até regressar ao S. Esta é a história de nossa evolu- A criatura não gosta de receber punição e desejaria uma li-
ção planetária, entendida no seu sentido substancial e concebida berdade que lhe permitisse fazer o mal sem ter de ficar sujeito
na mais vasta amplitude do ciclo inteiro da queda e salvação. às consequências. A possibilidade de violar a Lei, mas ter de
pagar por isso, não é considerada liberdade pelo ser, mas sim
II. A SABEDORIA DA LEI escravidão. Ele se rebela ao amargo remédio. Mas como pode o
médico não procurar curar a doença e suprimir, para satisfazer
Antes de entrar no estudo dos pormenores da maravilhosa o doente, o amargo remédio, paralisando assim a sua ação sal-
técnica de funcionamento da Lei, que nos mostra a sua expres- vadora? Como pode Deus deixar de impulsionar a criatura pelo
são gráfica em nossa figura, continuemos observando as razões caminho da evolução, se esse, embora duro, é o único que leva
que a explicam e justificam. para o S, somente onde é possível encontrar a salvação? Com a
Falamos no capítulo precedente do constrangimento ao revolta, o ser se tornou ignorante, tornando-se agora tão louco,
qual o ser está sujeito para que se realize a sua salvação. A es- que vai procurando a plenitude da vida na morte, no AS. O ser
te respeito surge espontaneamente uma pergunta. Como se emborcou-se e quer continuar a descer. Se não fosse constran-
pode conciliar, de um lado, essa absoluta necessidade de sal- gido pela dor a endireitar o seu caminho para a subida, ele se
vação, que leva ao constrangimento, e, de outro lado, a liber- aprofundaria sempre mais no pântano, até à sua destruição. Esta
dade do ser, sua qualidade fundamental e inviolável? Como se não pode ser uma solução, nem a poderia permitir Deus, que
pode conciliar essa invencível vontade da Lei de realizar a gerou a criatura para a vida, e não para a morte. Eis, então, que
salvação e o livre arbítrio do ser? Se é a Lei que tem de atuar aparece, no meio do triângulo verde (AS), a linha vermelha da
e se o ser está fechado dentro dela, sem possibilidade de se Lei, ou evolução, que representa a salvação. Todo o fenômeno
evadir, então ele não é mais livre. Eis que encontramos aqui a se desenvolve, em cada momento, com perfeita lógica.
Lei em conflito consigo mesma, porque vemos existir nela Ora, a sabedoria da Lei tem de conciliar as soluções de dois
dois princípios opostos: o domínio absoluto da Lei e a liber- problemas opostos: a necessidade da salvação e o respeito à li-
dade do ser. Posição de plena contradição, porque, num berdade individual. A salvação tem de ser atingida, porque, se
momento, a Lei quer a liberdade do ser e, em outro, ela quer a não o fosse, fracassaria toda a obra de Deus. Mas, ao mesmo
sua obediência. Como se resolve esse conflito? tempo, ela não pode ser realizada à força, porque o ser não po-
O fato é que a Lei foi elaborada para o ser funcionar nela de regressar ao S como escravo. No S, não há lugar para escra-
por convencimento, obedecendo-a espontaneamente, e não à vos. Eis então que a solução dos dois problemas é dada pela re-
força. O constrangimento não existia no S e somente apareceu ação da Lei. A função dela não é impor-se à força, mas sim en-
fora dele, com a revolta, que gerou a necessidade de salvação sinar e educar. E, à força, não se educa. Então a Lei deixa o ser
dos rebelados. A Lei não é responsável pela desobediência, po- livre para experimentar e, assim, aprender. Com a sua reação,
rém previu a doença e a cura, cuja realização ela atinge através ela não escraviza, mas educa. Através da dor, a Lei ensina a li-
do constrangimento, que, de outro modo, não seria necessário. ção ao ser e, com isso, reergue-o para salvá-lo.
Tal recurso é inconcebível no S, sendo apenas fruto do AS. Se olharmos bem, veremos que há uma razão mais profun-
Porém, se a Lei realiza essa coação, ela o faz somente para da para tudo isto. A reação da Lei, em substância, não é, como
o bem de quem errou. Quando um homem enlouquece, amea- pode parecer, o resultado de uma vontade contrária inimiga,
çando matar-se, pode alguém que, mesmo respeitando a liber- no terreno do ataque e defesa, mas sim o automático efeito da
dade dele o máximo possível, constranja-o a salvar-se da auto- negatividade que o ser, com a revolta, produziu na positivida-
destruição ser chamado de escravagista? Será isto escravidão de do S. Trata-se de uma reação automática que o ser provoca
ou um ato de bondade? Representará isto para o ser um ataque contra si mesmo, em razão da posição emborcada na qual ele
ou um ato de defesa? Como poderia deixar de fazer isto uma lei quis colocar-se com a revolta. Revoltando-se, ele renegou
baseada na justiça e na bondade? E, de fato, é justo que o rebel- apenas a si mesmo e, em vez de alterar a Lei, como desejava,
de sofra as consequências da desordem que semeou, experi- mudou somente a si próprio, permanecendo dentro dela, que,
mentando no sofrimento, para aprender a lição e, assim, não apesar de tudo, continuou indestrutível, indelevelmente escrita
cair mais. Constitui, então, um ato de bondade constranger um no íntimo do ser, constituindo a própria natureza dele. Pen-
louco suicida a salvar-se, mesmo que, para isso, seja necessário sando renegar a Deus com a revolta, a criatura só renegou a si
tirar-lhe a liberdade, quando esta, nas suas mãos, torna-se um mesma. Sendo um elemento do sistema de Deus, ela, ao agir
instrumento de mal e um prejuízo para ele. contra Deus, agiu contra si mesma. Desse modo, o que apare-
16 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ce agora como reação da Lei nada mais é, na realidade, senão didos de fugir às suas consequências; livres para se afastar do
a reação da íntima e própria natureza do ser contra a sua re- caminho da Lei, mas não para fugir aos dolorosos efeitos que es-
volta, que o levou à dor e à morte, enquanto ele não pode dei- se afastamento produz. 13) Por isso Deus usa o único método
xar de querer a felicidade e a vida. que satisfaz a todas essas exigências, empregando o método do
Não há escravidão alguma nisso. O ser ficou perfeitamente constrangimento indireto. 14) Esse constrangimento é represen-
livre para continuar a se aprofundar à vontade na dor, até anular- tado pelas reações da Lei, que nos devolve em forma de dor cada
se. Por isso, para que não fosse violada a sua liberdade, foi ne- violação nossa contra sua ordem, golpeando-nos até que apren-
cessário admitir a possibilidade da sua destruição final como in- damos a lição, ensinando-nos a não errar mais.
dividuação ou eu pessoal (“eu sou”), no caso extremo em que o O método da reação da Lei resolve o caso. Ela estabelece
ser quisesse insistir na revolta, aprofundando-se na negatividade, que o ser fica livre para violar a Lei à vontade e afastar-se do S,
até ao aniquilamento da sua positividade como elemento do S. mas, com isso, ele se afasta da felicidade e cai no sofrimento,
Então, se ocorre a reação da Lei, esta, na substância, não é diminui em positividade e perde em vida, aprofundando-se cada
senão a reação do ser, que não quer sofrer e morrer. Sua escra- vez mais na negatividade da morte. Então, se o ser não quer
vidão é dada pelo fato de ser ele cidadão indestrutível do S, fi- anular-se, tem de voltar para trás e evoluir, para, com o seu es-
lho de Deus, isto é, da felicidade e da vida. O constrangimento forço, sair do inferno que gerou para si. Esta é a encruzilhada
depende apenas do fato de que o ser não pode viver fora do S em que ele se encontra: ou ter que sofrer sempre mais, se quiser
nem deixar de ter de voltar para o S. E, se ele hoje se encontra continuar satisfazendo o seu desejo de revolta, ou arrepender-se
nesse impasse de estar situado no AS, isto se deve justamente e mudar a sua trajetória, se quiser libertar-se do inferno e re-
ao fato de ele ser livre e ter querido sê-lo demais. Enquanto o conquistar o paraíso perdido. São os próprios resultados da sua
ser estava no S, possuía plena liberdade, mas a perdeu devido revolta que o obrigarão a se revoltar contra ela, cujos frutos são
ao mau uso que fez dela. Assim, o ser se lançou, por si mesmo, amargos demais para ele aceitá-los.
na falta de liberdade, não lhe restando senão endireitar-se do er- Isto é o que nos confirmam os fatos oferecidos pela vida. Os
ro, se não quiser piorar sempre mais as suas condições e sofrer seres se encontram disputando os fragmentados sobejos da
mais ainda. Não há coisa alguma que possa sair de Deus e da grande vida que possuíam no S. Aprofundados no AS, não é
sua Lei, feita de justiça e ordem, e não voltar a Ele. Se os equi- possível viver senão em trechos intercalados com períodos que
líbrios foram deslocados, não resta outra alternativa senão ree- negam a vida, sempre abraçados à morte, devorando-se uns aos
quilibrá-los. O ser quis lançar-se na negatividade do AS, e ago- outros numa luta contínua. A existência tem de ser ganha a todo
ra não há para ele outro caminho a não ser reconstruir a positi- o momento, com o próprio esforço, o que significa necessaria-
vidade perdida do S. Tudo isto é consequência natural e auto- mente evoluir, experimentando, aprendendo e, assim, desen-
mática da estrutura do S. Não se trata de escravidão, mas da ne- volvendo a inteligência, para acordar o espírito. Da grande vida
cessidade de reintegrar os rebeldes na posição de filhos do Pai. no S nada restou senão esse pobre resto, uma vida fechada no
A lição a se aprender é que é absurdo e impossível encon- tempo, despedaçada a cada momento pela morte, que está sem-
trar a positividade na negatividade, a felicidade na revolta, a pre à espera, espreitando-a para destruí-la. Quem pode aceitar
vantagem no emborcamento. Isto nos explica a função educa- isto para sempre? Eis aí a causa que gera o irresistível impulso
dora e saneadora da dor, cuja presença se justifica assim, em para se libertar dessa condenação e, com isso, a necessidade de
consonância com a bondade de Deus, como Seu instrumento fazer o esforço de evoluir. Este é o significado do livre cons-
para atingir o nosso bem. Assim, respeitando a nossa liberdade, trangimento pelo qual a Lei obriga o ser a atingir a sua salva-
Ele nos conduz à nossa felicidade, usando um método duplo, ção, voltando ao S. Enquanto isso não se realizar, teremos de
que estabelece o livre arbítrio nas causas e o determinismo nos defender, com o nosso esforço de toda hora, a nossa vida inse-
efeitos, sendo o primeiro temperado, corrigido e retificado pelo gura, acossados pelo constante medo de perdê-la. E muito te-
segundo. Este é o método da livre semeadura e da colheita remos de lutar e sofrer, para que possamos subir todo o cami-
obrigatória. Assim, a sabedoria de Deus soube conciliar a ne- nho da volta e atingir o ponto final de chegada.
cessária liberdade do ser com o imperativo de que ele seja ◘ ◘ ◘
salvo. Maravilhosa escola, na qual os alunos, permanecendo li- Os problemas são conexos e interdependentes uns com os
vres, têm necessariamente que aprender e subir. outros. Tendo resolvido agora a questão do constrangimento,
Eis, então, a série dos momentos sucessivos através dos aproximamo-nos de um problema paralelo, dado pelo aniqui-
quais se desenvolve, por um encadeamento lógico, o processo lamento da substância constituinte do ser, no caso em que ele
da salvação: queira persistir definitivamente na sua revolta. Já tocamos neste
1) Deus é bom e quer o nosso bem e felicidade. 2) Bem e fe- ponto em nossos dois livros: Deus e Universo e O Sistema. Será
licidade não podem ser atingidos a não ser no seio do S. 3) Deus, útil para o leitor encontrar aqui o assunto rapidamente resumi-
respeitando a liberdade do ser, deixou que ele se afastasse do S e, do, porquanto ele é apresentado de forma diferente, com rela-
com isso, caísse no mal e na dor do AS. 4) Para regressar ao seio ção aos outros problemas que estamos tratando, levando a um
do S, é necessário evoluir. A salvação está na evolução, para re- maior esclarecimento de todos eles.
cuperar o que foi perdido. 5) Por não haver outro caminho para a Tratando há pouco do assunto do constrangimento, vimos que
salvação, Deus nos impulsiona para que avancemos ao longo de a Lei, só indiretamente, impulsiona o ser à sua salvação, ficando
nossa trajetória evolutiva. 6) O ser não pode voltar ao seio do S sempre na posição de um absoluto respeito para com a sua liber-
senão livre e consciente. 7) Então Deus não pode escravizá-lo, dade. Surge então o problema. Será que esse respeito da Lei para
pois uma máquina ou autômato, embora perfeito e obediente, não com a liberdade do ser chega até ao ponto de ter de aceitar a re-
serve. 8) O ser, para voltar ao S, tem de se transformar, ficando volta definitiva dele? Se o ser quiser usar da sua liberdade até ao
absolutamente livre, sem coação. 9) Não resta a Deus outra coisa caso limite, teoricamente possível, de nunca querer voltar atrás,
senão educar-nos, sem usar a força e a escravidão, que não edu- recusando-se a evoluir para a salvação, poderá então a Lei permi-
cam. Deus não pode querer o absurdo. Ele não age loucamente, tir que tal violação atinja o ponto de aniquilar os seus efeitos?
mas com sabedoria e poder. 10) Por isso não há para Deus outro Chegará esse respeito pela liberdade ao ponto de deixar o ser,
caminho senão nos educar, para nos fazer conscientes cidadãos com a sua revolta, vencer definitivamente a Lei e construir um
do S. 11) Para alcançar tal condição, os alunos têm de aprender a AS não temporário e sanável, mas eterno e definitivo, o que re-
lição, experimentando-a livremente. 12) Isto significa aprender às presentaria o fracasso da obra de Deus? Como a sabedoria da Lei
próprias custas, livres para cometer erros, mas fatalmente impe- resolve esse outro conflito entre duas exigências opostas?
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 17
Temos aqui dois princípios contrários: a liberdade do ser, Antes de tudo, a lógica impõe a necessidade de admitir essa
que não pode ser destruída, e a supremacia da Lei, que tem de destruição como uma possibilidade teórica, porque, se ela não
atingir as suas finalidades. Temos de um lado a impossibili- fosse possível, seria necessário aceitar que a criatura poderia
dade de tirar a liberdade do ser, porque ela é o requisito fun- destruir a obra de Deus, e isto seria inadmissível. Então, se o
damental da substância divina da qual o ser é feito. O filho ser quiser usar a sua liberdade para permanecer definitivamente
tem de ser da mesma natureza do pai, então, se a natureza do rebelde a Deus, não resta outra alternativa, porquanto não se
pai é ser livre, a do filho também deve ser. Se o espírito não pode escravizá-lo, senão a sua eliminação. Essa é a natural so-
fosse livre, ele não seria filho de Deus, porque não seria cons- lução para o dilema entre as duas condições impossíveis: 1) Ti-
truído com a livre substância do Pai. Mas eis que, ao mesmo rar a liberdade do ser, violando a própria natureza da divina
tempo, na própria liberdade está contido o perigo da revolta, substância da qual ele é constituído; 2) Permitir que tal liberda-
que está implícito nela, pois, se tirássemos do espírito a liber- de possa destruir a perfeição da obra de Deus.
dade para desobedecer, ele não seria mais livre. A liberdade Temos falado de destruição e eliminação do ser. Mas como é
deve ser total, completa, incluindo também a possibilidade de que isto aconteceria? Também neste caso, Deus continua sempre
uma revolta perpétua e definitiva. respeitando a liberdade do ser, não sendo Sua vontade de modo
Eis, então, que é necessário deixar nas mãos da criatura o nenhum destruí-lo à força, o que seria pior do que lhe tirar a li-
poder de desvirtuar para sempre, com uma rebelião permanen- berdade. A destruição do ser está implícita na própria estrutura
te, a obra de Deus. No entanto, se uma só gota de desobediência do fenômeno. Se o ser não fez da liberdade o uso para o qual ela
e de mal sobrevivesse na obra, ela não seria mais perfeita, pois estava destinada, isto é, no sentido positivo e construtivo, mas a
se constituiria de bem corroído pelo mal, o que deixaria a di- empregou às avessas, emborcando-a no sentido negativo e des-
vindade derrotada pelo seu inimigo, manchada, mutilada e frus- trutivo, é lógico que, com a revolta, aprofundando-se cada vez
trada pela imperfeição. mais na negatividade do AS, ele acabe por si mesmo destruindo-
Encontramo-nos na contradição entre duas posições opostas. se e eliminando-se. Logicamente, no caso limite da revolta perpé-
A liberdade existe e representa um perigo, mas não se pode tirá- tua e definitiva, o ser tem de atingir o extremo do processo de
la do ser, para garantir a obra de Deus. Que esta fique sujeita à emborcamento da positividade na negatividade, ou seja, um esta-
vontade do ser é absurdo inadmissível. Então é necessário admi- do de destruição completa de toda a positividade e de absoluto
tir que, pela divina sabedoria, existe um meio para impedir essa triunfo da negatividade, que é o nada. É automático e fatal que,
liberdade de fazer naufragar a obra de Deus. Qual é esse meio? por sempre querer negar tudo, o ser rebelde acabe negando tam-
Primeiramente, antes de se chegar à última e definitiva so- bém a si mesmo, até chegar ao próprio aniquilamento. Não quis
lução, existem muitos meios para resolver o caso, evitando des- ele, usando a sua livre vontade, destruir todas as qualidades posi-
sa forma a necessidade de usá-la. Há a elasticidade da Lei, ha- tivas que possuía no S? E o que pode ficar quando tiramos de
bitualmente chamada de divina misericórdia, que nos espera no uma entidade tudo o que é positivo? Somente pode restar o nada.
tempo, oferecendo-nos assim a possibilidade de encontrarmos Eis a solução, automática e fatal, implícita no próprio fenômeno
as condições mais adaptadas para compreendermos, pagarmos e da queda, sem intervenções coativas e exteriores. É o próprio fato
nos corrigirmos. Há a bondade de Deus, que nos ajuda, e a sua de ter desejado com a revolta escolher o uso do método da nega-
vontade, que nos impulsiona ao longo do caminho da evolução. ção, que leva o ser fatalmente para o seu aniquilamento no nada.
Neste sentido atuam duas grandes forças: uma negativa e Tudo é simples e claro, regido por uma lógica perfeita,
outra positiva, colaborando para atingir a mesma finalidade. como num processo matemático. A dificuldade para compre-
Pela primeira o ser é repelido para longe do AS; pela segunda ender está no fato de que estamos acostumados a pensar an-
ele é atraído para o S. Quanto mais o ser insiste na revolta, tropomorficamente e ficamos fechados nessa forma mental
tanto mais ele desce para o AS, aprofundando-se nas suas também quando enfrentamos esses problemas. Por isso eles
qualidades de negatividade, que são as trevas, a dor, a morte. não são equacionados do modo correto e não encontram ex-
Ora, como é possível que o ser queira insistir para sempre plicação, fazendo que tudo tenha de acabar na fé cega e no
num caminho que o leva para uma tão absoluta negação do mistério. Mas isto, além de não ser a solução, não pode mais
que ele mais almeja? Como pode durar algo que vai contra si ser aceito hoje pela mente humana, que vai amadurecendo.
mesmo, contra a sua própria natureza? Deus não é exterior aos fenômenos, como se dá com o ho-
Por outro lado, quanto mais o ser se torna obediente à Lei, mem, que vive no relativo. Isto seria concebê-lo antropomor-
tanto mais ele se aproxima do S, isto é, ganha nas suas qualida- ficamente. Deus é interior a tudo o que existe, assim como o
des de positividade, subindo para a luz, para a felicidade, para a nosso eu é interior ao nosso corpo, agindo nele, movimentan-
vida. Como pode o ser continuar usando a sua liberdade no senti- do-o e curando-o de dentro, e não de fora. Eis o que nos ensi-
do de aumentar o próprio dano e diminuir a própria vantagem, nam estes fenômenos que vamos observando.
quando o seu instinto quer justamente o contrário, isto é, diminu- Continuando o nosso processo lógico, poderia ser contra-
ir o primeiro e aumentar o segundo? O fato é que há sempre mai- posta outra dificuldade. Se o ser, como criatura filha de Deus, é
or vantagem na obediência e sempre maior dano na desobediên- antes de tudo espírito, constituído da substância de Deus, que é
cia. Do fundo do ser não pode deixar de falar a sua íntima e pró- eterna, então essa substância e o espírito feito com ela não po-
pria natureza de cidadão do S. Acontece então que, naturalmente, dem ter fim, porque não tiveram origem, e não podem ser des-
cada posição em descida se faz sempre mais insustentável e insu- truídos, porque não foram criados.
portável. Assim o problema tende a se resolver por si mesmo, Analisemos a questão. O que nasceu na primeira criação
porque a mecânica de redução da utilidade e aumento do dano realizada por Deus não foi a substância, mas sim a sua indivi-
leva automática e fatalmente ao arrependimento e à retificação. dualização pessoal, que constitui o ser. A substância de Deus,
Tudo isto, porém, não basta para eliminar a possibilidade com a obra da criação, foi transubstanciada no particular mo-
teórica de uma revolta perpétua e definitiva, porque, se esta delo da individuação pessoal. Somente a individuação teve
possibilidade fosse negada, não haveria uma verdadeira liber- um nascimento, portanto somente ela pode morrer. Então o
dade do ser. No entanto é necessário que a obra de Deus esteja aniquilamento final, mencionado aqui, só pode referir-se a es-
absolutamente acima de toda tentativa de alteração, permane- sa individuação, que constitui o ser, e não à eterna substância
cendo inatingível na sua perfeição. Existe então, no fim, um úl- da qual ele é constituído. Eis que, quando entendemos o con-
timo e definitivo meio de defesa: a destruição do ser. Veremos ceito de destruição e aniquilamento neste sentido, tudo se tor-
agora em que sentido isto se daria. na lógico, claro e admissível.
18 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Tudo isto também é justo, porque o rebelde, neste caso, que lhe pertence, sendo livre somente para destruir a si mesma,
acaba destruindo somente a si próprio, e nada mais, somente a seja temporariamente, recuperando-se depois com a evolução,
sua individuação, seu eu pessoal, mas nada do que pertence ao seja definitivamente, se quiser insistir para sempre na revolta.
S, à Lei ou aos outros elementos, tanto dos que não se rebela- Tudo é justo e lógico. Mas queremos saber ainda mais. Con-
ram como dos que escolheram recuperar o que tinham perdido, tinuamos então olhando para a nossa visão, para vê-la sempre
seguindo o caminho de volta. Assim o mal fica sempre fechado mais profunda e pormenorizadamente. Perguntamos, então,
em si, isolado, sendo levado à destruição somente de si próprio, como acontece mais exatamente esse aniquilamento do ser?
quando o singular elemento livremente o quiser. Ninguém pode Com estas contínuas perguntas, às quais vamos respondendo,
ser infectado por essa doença, que mata só quem a gerou dentro pedimos a Deus que Ele nos mostre um pouco da Sua face, que
de si e quis depois, definitivamente, aceitá-la. é feita de pensamento e na qual procuramos lê-lo.
Tudo isto é justo também porque a destruição do ser é o O conceito de aniquilamento do ser está ligado ao conceito
retorno, contra ele, do impulso de destruição que ele, com a de limite de desmoronamento da queda, que se realiza em
revolta, lançou contra o S. Quanto mais aprofundamos a nossa proporção ao poder do impulso originário na revolta. O efeito
pesquisa para compreender a estrutura da Lei e as suas rea- tem de corresponder à causa. Isto quer dizer que a amplitude
ções, tanto mais nos apercebemos que não há um Deus à ima- do caminho percorrido em descida na queda tem de ser pro-
gem e semelhança do ser humano, que intervém premiando ou porcional ao volume do impulso que o ser gerou com a sua
punindo. Os fatos falam diferentemente. Deus não opera nesta revolta. Deus, criando dentro de Si e com a Sua substância,
forma antropomórfica. Embora Ele exista em forma pessoal, gerou as individuações conforme o modelo fundamental for-
no Seu aspecto transcendente, não O encontramos em nosso mado por Ele, pelo qual a criatura se constituiu de um eu cen-
universo a não ser no Seu aspecto imanente, em forma impes- tral com autonomia dentro dos limites da obediência hierár-
soal, presente em todos os fenômenos e individuações do Ser. quica, capaz de gerar impulsos próprios e independentes, que
Então, quando nós violamos a Lei e ofendemos a Deus, não deveriam se coordenar com os paralelos impulsos de todos os
significa que a Lei nos castigará ou que Deus nos punirá, mas outros seres, em função do impulso central de Deus, como
sim que as forças do S nos devolverão os impulsos que lan- acontece nas células de nosso organismo. Assim, dentro dos
çamos contra ele. É o retorno dos nossos próprios impulsos, limites do campo de forças da própria individuação, o ser es-
ricocheteando de volta, que proporciona a reação à ação, equi- tava livre para gerar e lançar os impulsos que quisesse, dando
librando-as e constituindo a base da justiça divina. O que os origem a efeitos que, depois, seriam fatalmente seus. E foi is-
fatos nos dizem a respeito da natureza de Deus é muito dife- to que aconteceu com a revolta, cujos efeitos têm de ser pro-
rente de tudo que o homem, com sua concepção antropomór- porcionais ao poder do impulso que os gerou.
fica, até agora imaginou. É difícil para ele, acostumado à in- Se esse impulso é limitado, então, no momento em que
certeza da escolha e à tentativa, próprias do seu estado de im- atinge seu efeito, dado pela sua completa realização, ele se es-
perfeição, compreender esse estranho modo de operar segun- gota, como vimos no capítulo precedente, e o ser pode voltar
do um determinismo automático, que parece mecânico, mas atrás, para corrigir e recuperar tudo. Mas, se o impulso corres-
age com lógica, justiça e segurança absolutas, como só pode ponder a uma revolta completa, absoluta e definitiva, isto não
acontecer na obra perfeita de Deus. pode acontecer. Cada causa não pode parar de atuar enquanto
Somente encarando-o assim, em sua profundidade, pode- não se esgotar completamente, atingindo todo o seu efeito. En-
mos compreender o problema da destruição do ser. A Lei nos tão, se foi tal o impulso original, ele não poderá parar até se es-
devolve automaticamente, em bem ou mal, o que de nós rece- gotar, e o ser, não podendo voltar atrás, terá de atingir a realiza-
beu. Os seus equilíbrios se restabelecem à nossa custa, na me- ção da causa em toda sua plenitude, representada pelo estado de
dida em que nós quisemos deslocá-los. Seja qual for o dano negatividade absoluta, isto é, de aniquilamento do ser.
que fizermos, temos de restaurá-lo. O fenômeno da evolução Ora, esse processo de destruição do ser corresponde à sua
se baseia nesse princípio. Temos que reconstruir os equilí- causa não apenas como quantidade, na medida dos efeitos, mas
brios da Lei na medida em que os violamos. Assim acontece também como qualidade, isto é, na natureza deles. A revolta re-
porque, quando saímos da ordem da Lei, aparece a dor, que presenta um movimento separatista, correspondente a um im-
nos continuará golpeando até regressarmos àquela ordem. A pulso pelo qual o ser procura afastar-se e separar-se do S. Po-
dor não é o efeito de uma intervenção de Deus, mas sim a ca- demos ver então qual é a técnica do fenômeno da queda ou ani-
rência de harmonia com as forças das quais depende a nossa quilamento. Sendo o impulso original de tipo separatista, o pro-
felicidade. Cada revolta nossa destrói essa harmonia, lançan- cesso, uma vez iniciado, não pode deixar de continuar a se de-
do-nos na desordem e na carência, que chamamos dor. Assim, senvolver e, tal como uma desintegração atômica em cadeia,
a cada afastamento da Lei, tem de corresponder uma propor- não se detém até o esgotamento do impulso, tendo como resul-
cional aproximação dela. Então é lógico que, com o esforço tado final, no caso da revolta completa e absoluta, a pulveriza-
da evolução, seja possível pagar uma revolta temporária, cor- ção do ser. E isto é possível, porque o espírito, sendo constituí-
rigindo o seu impulso limitado, percorrendo em subida o ca- do de substância divina, é de natureza infinita e pode, portanto,
minho feito em descida. Mas, quando a revolta é completa e gerar impulsos e efeitos também de natureza infinita.
definitiva, não há subida que possa corrigi-la facilmente, tão Mas por que pulverização? Porque o impulso é de tipo divi-
grande é a desordem provocada. Neste caso, o ser se aprofun- sionista. Este, como vimos, não pode sair dos limites do campo
dou tanto, que é difícil recuperar-se. Assim, ele não pode res- de forças do ser. Então o impulso divisionista, lançado pelo ser
suscitar do seu negativismo, daí a razão do seu aniquilamento. contra o S, ricocheteia e, devido ao princípio de regresso à fon-
Tudo é lógico. Com a revolta, o ser procurou destruir a obra te, pelo qual tudo o que é lançado para fora acaba retornando à
de Deus. Mas a obra de Deus, com relação ao ser, foi justamen- sua origem, começa a trabalhar dentro do próprio elemento que
te criá-lo. Seu estado de criatura, portanto, como eu individua- o lançou. Assim, o princípio divisionista começa progressiva-
lizado, é exatamente o produto da criação. Então o ser, revol- mente a transformar interiormente o ser, desagregando-o cada
tando-se contra a obra de Deus, revolta-se contra a sua própria vez mais nos seus elementos componentes. É um processo pa-
existência e procura destruí-la. A individuação do ser represen- recido ao que vemos verificar-se num organismo biológico no
ta um campo de forças limitado, dentro do qual lhe é permitido momento da sua morte física, que, com o afastamento do eu
agir, mas sem poder sair dele. Isto quer dizer que o S, a obra de central diretor do organismo, resulta no fenômeno da dissocia-
Deus, não pode ser atingido pela criatura, que é dona apenas do ção dos elementos componentes, verificado no caminho involu-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 19
tivo. Assim como, na desagregação do corpo físico, as células, sões, que somente se deterá quando o impulso originário se es-
não mais vivendo em função umas das outras e não mais se co- gotar completamente, com a realização da causa no seu efeito.
nhecendo, dissociam-se, porque a unidade orgânica se dissolve, O fato de chegar ou não até ao aniquilamento final depende do
também na morte da célula, suas moléculas se separam em peso do impulso que o ser quis lançar em sua revolta. Deus não
componentes químicos, seguindo apenas os mais simples im- persegue e não inflige pena a ninguém. É pela própria mecânica
pulsos associativos da matéria inorgânica. Essa desagregação do fenômeno que o rebelde, escolhendo livremente esse cami-
do edifício biológico poderia continuar até à separação dos nho, acaba condenando a si mesmo e se penitenciando. A culpa
átomos constituintes da molécula, dos elementos constituintes e a pena não saem do campo de forças do ser responsável. As-
do átomo, e assim por diante. O mesmo processo de pulveriza- sim cada um, por sua própria conta, paga o que deve e recebe o
ção se verifica no caminho involutivo, de modo que, quanto que merece. O S permanece perfeito e inatingível, acima de
mais a organicidade do S desmorona e o ser, involuindo, apro- qualquer revolta e queda. Não é possível vencer Deus. Quem
funda-se no estado caótico próprio do AS, tanto mais a unidade procura fazer isto, vence a si próprio. Se a vontade do filho é
orgânica do eu se vai dissolvendo. É lógico que, se o impulso destruir a obra do pai, ele atinge o seu escopo, porque acaba
foi limitado, o processo, ao esgotar-se, para num dado ponto, destruindo a si mesmo, que é a obra do pai.
permitindo ao ser desemborcar a descida em subida. Mas é cla- Quando, nos outros volumes, falamos de destruição do espí-
ro também que, se a revolta foi completa e definitiva – um caso rito, muitos, por não entenderem, reclamaram. Mas repetimos,
tão excepcional, que é praticamente apenas uma possibilidade trata-se da destruição apenas da particular individuação da
teórica – esse processo de desagregação terá de acabar no ani- substância que constitui o ser, e não da substância em si. So-
quilamento da unidade que constitui o ser. mente essa individuação, que teve princípio com a criação, po-
A contraprova de tudo isto pode ser encontrada no fato de de ter fim, pois a substância eterna, que não teve princípio, não
que, enquanto a involução se nos apresenta como um processo pode ter fim. Também esse processo do aniquilamento da indi-
divisionista, a evolução é constituída por um processo unifica- viduação é regido pela ordem do S e tem de se desenvolver se-
dor. Neste segundo caso, não vemos mais uma desagregação, gundo as regras precisas estabelecidas por esta ordem.
na desordem do AS, do estado orgânico do S, mas sim uma Concluímos esse assunto com uma explicação prática. Tudo
reunificação, na organicidade do S, dos elementos desorgani- se passa como se tivéssemos uma estátua feita de material in-
zados do AS. De fato, como explicamos em A Grande Síntese, destrutível. Não se pode destruir esta matéria, no entanto é pos-
na evolução vigora a lei das unidades coletivas, cuja função é sível anular a forma tomada por ela na estátua. Assim, se temos
reconstruir, com os elementos que se desuniram, a organicida- uma estátua de bronze, então, fundindo-se a estátua, o bronze
de destruída do S. Então, o fenômeno, em toda a sua amplitu- continua existindo, mas a forma da estátua deixa de existir.
de, resulta situado entre dois polos opostos ou casos limites. Desse modo, a forma da estátua é aniquilada, enquanto fica in-
No extremo da queda, no fundo máximo do AS, temos a pleni- tacta a sua substância, que é o bronze. No caso que observa-
tude da dissolução da unidade até ao aniquilamento do ser. No mos, a substância espiritual, por ser indestrutível, volta à ori-
extremo oposto, no cume máximo do S, temos a organicidade gem, à fonte que a gerou, reabsorvida em Deus. Sendo Ele um
plena da unidade no Tudo-Uno-Deus. infinito, não pode por isso ser aumentado nem diminuído, e tu-
De fato, vemos a evolução progredir neste sentido, levantan- do permanece inalterado e inalterável, seja qual for a quantida-
do andares cada vez mais elevados da sua construção, agrupan- de (n) que se lhe acrescente ou que se lhe diminua, porque:
do seus elementos e organizando-os em unidades coletivas sem- +n= e −n=
pre mais vastas. O ser humano encontra-se ao longo desse cami-
nho. Ele é constituído pela organização de átomos em molécu- Eis o que significa destruição do espírito, conceito concebí-
las, de moléculas em células e de células em tecidos e órgãos, vel e lógico, quando bem entendido. Eis como a sabedoria de
com os quais atinge um organismo unitário, dirigido por um só Deus resolve este caso, satisfazendo com harmonia e coerência
eu. Mas o ser humano, embora já conheça os organismos da todas as exigências opostas.
família, do grupo a que pertence e das várias formas de associa- III. A ÉTICA UNIVERSAL
ções, de Estado, de povo e de unidade étnica, ainda é uma célula
desorganizada em relação à unidade coletiva da humanidade e às Depois de termos resolvido no capítulo precedente alguns
sociedades de humanidades. Eis o passado e o futuro, o caminho problemas colaterais, para esclarecer as dúvidas e responder
percorrido e aquele a percorrer no trabalho da reconstrução da às perguntas que vão surgindo ao longo do caminho, voltamos
unidade máxima na completa fusão orgânica do S. agora ao assunto central deste volume, cujo objetivo principal
Quando o ser, com a sua revolta, sai dessa organicidade que não é nos fornecer uma orientação geral – trabalho já realiza-
o funde em unidade com os outros elementos componentes do do nos livros Deus e Universo e O Sistema, com uma visão de
S – suas criaturas irmãs – ele fica sozinho, abandonado ao pro- conjunto de todo o ciclo involutivo-evolutivo – mas sim foca-
cesso de sua desagregação interior, pela qual se vai dissolvendo lizar mais de perto o processo de recuperação, que se chama
nos seus elementos constitutivos, até que o edifício todo do seu evolução. Entramos cada vez mais no terreno das consequên-
eu se pulveriza. Assim, a centralidade representada pelo eu pes- cias e aplicações práticas das teorias, encarando sempre mais
soal se fragmenta, pulverizando-se cada vez mais, num movi- de perto os problemas de nossa vida, dentre os quais o mais
mento centrífugo, dirigido à periferia, oposto ao realizado na importante é o da nossa salvação.
evolução, que vai na direção centrípeta, no sentido da recons- O nosso universo representa o fato consumado da revolta e
trução da unidade, forma na qual se manifesta o eu. A unidade se nos apresenta imerso nas suas consequências. A primeira e
máxima é o “Eu sou” de Deus, que centraliza e reúne em si to- maior foi a cisão da unidade do S no dualismo S e AS. Este
dos os elementos do todo, suprema unidade que a revolta tentou dualismo constitui o esquema fundamental do universo em que
quebrar, mas só conseguiu quebrar os revoltados. vivemos. Ele se apoia sobre duas posições básicas: a positivi-
Eis como se realiza a eliminação do ser rebelde. A observa- dade e a negatividade. Esta última, com todas as qualidades
ção de perto desse fenômeno nos levou a uma compreensão que a acompanham, apareceu como produto da revolta, porque,
mais profunda do processo involutivo e evolutivo. Quando o na obediência dentro do S, não pode haver senão positividade.
ser escolhe o caminho da revolta, ele movimenta as forças da A desobediência gerou o que a Bíblia representa com a ima-
negatividade, então se inicia e se desenvolve o desmoronamen- gem da expulsão do paraíso terrestre, depois do que nasceram
to do seu eu, numa progressiva desintegração das suas dimen- todos os males e dores. Se, acima de tudo, ficou inatingível e
20 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
inalterado o monismo de Deus, que abrange tudo, incluindo o A história do mundo se baseia no dualismo; trata-se da histó-
AS, o nosso universo, dentro desse monismo, representa a ci- ria do progresso, da evolução, da luta entre S e AS. Observemos
são dualista. Todos os seres têm de viver nesta forma de exis- como falou Deus nos dez mandamentos. A primeira frase é: “Eu
tência despedaçada pela queda, enquanto o processo inverso da sou”, a afirmação absoluta, que testemunha a completa positivi-
evolução não tiver saneado esse estado, que representa uma dade. Este é o terreno de Deus e do S, o ponto de partida da Lei.
verdadeira condição patológica do ser. Quando Deus fala de Si, tudo é afirmativo. Assim que Ele se di-
A revolta gerou o caminho do afastamento, expresso pela rige ao homem, começa a série de negações, que se repetem a
linha verde da figura, isto é, a posição emborcada da negativi- cada passo: “não terás, não farás, não tomarás, não matarás, não
dade. A evolução, percorrendo a linha vermelha da positivida- adulterarás, não furtarás, não dirás, não cobiçarás etc.”. O terreno
de, em obediência à Lei, reconstrói tudo, até atingir a plena do homem é o terreno da negatividade, no AS. E logo se delineia
reintegração na perfeição do S. Este volume foi intitulado Que- a luta, porque, assim como a afirmação do S é a negação do AS,
da e Salvação porque analisa esses dois momentos ou proces- a afirmação do AS é a negação do S. A primeira coisa que Deus
sos inversos, nos quais o ciclo se cumpre e o dualismo se com- tem de fazer na formulação da Sua Lei é a afirmação do S contra
pleta, fundindo-se na unidade que abraça, num mesmo movi- a revolta do homem, para vencer o AS, a que ele pertence.
mento, tanto o primeiro, de separação para longe do S, como o A estrutura das leis divinas e humanas nos faz pensar que, por
segundo, de reunificação no S. Que representa a salvação senão sua natureza, o homem seja mau, como se ele tivesse nascido pe-
a destruição do dualismo e a reconstrução de tudo na unidade? cador e assumisse por regra uma conduta errada. A tarefa da Lei,
A função da evolução é exatamente eliminar a negatividade do impondo com sua ética uma conduta correta, é corrigir essa cria-
AS e restaurar tudo na positividade do S. tura má, que, senão admitirmos a revolta e a queda, não podería-
Eis então que o problema nos aparece como uma situação mos absolutamente aceitar ter saído das mãos de Deus. Seria co-
de conflito, na qual lutam duas forças contrárias, uma para mo se disséssemos que Deus, arrependido pelo Seu erro, procura
sobrepujar a outra e vencê-la. A análise do contraste entre es- agora remediá-lo, retificando tudo com a Sua Lei. Este seria o
ses dois impulsos, o da negatividade e o da positividade, nos significado da ética e da Lei, se não aceitássemos a teoria da
permitirá equacionar e resolver vários problemas que se refe- queda, pela qual o mal, que mancha o ser e satura o mundo, foi
rem à nossa conduta e posição na vida. O impulso da negati- devido à desobediência da criatura, e não obra direta de Deus. Se
vidade é devido à vontade da criatura, que gerou o processo a causa de tudo isto estivesse em Deus, então Ele, para remediar
da queda. O impulso oposto, da positividade, é devido à von- o Seu malfeito, não teria condenado ao trabalho duro da evolução
tade de Deus, que, com a evolução, gera o processo de salva- a criatura inocente, injustamente julgada responsável e, por isso,
ção. No primeiro caso, tudo é devido ao erro cometido pela forçada a pagar à sua custa. Da mesma forma, Cristo, em vez de
vontade do ser. No segundo caso, verifica-se a correção desse redimir o homem, deveria ter redimido Deus, que, com o Seu er-
erro, realizada pela vontade de Deus. O nosso mundo se nos ro, gerou tanto mal. É verdade que o homem é mau e que a Lei
apresenta como um campo de luta, no qual se chocam esses está aí para corrigi-lo. Mas, se o homem é mau, é porque ele quis
dois impulsos, gerados por duas fontes rivais; de um lado, a cair no AS, e não porque Deus o criou mau. De Deus não pode
criatura rebelde e pecadora e, do outro, Deus, que retifica e sair o mal. E, se o homem não é mau pela maldade de querer ser
redime tudo. Lá, onde vence a desobediência, tudo acaba na assim, mas sim pela ignorância decorrente de sua involução, en-
destruição. Se o ser renunciar à sua vontade de revoltado, tão esse estado de negatividade tem de ser consequência da que-
aceitando a vontade de Deus, poderá encontrar a salvação. da e, por isso, representa uma responsabilidade.
Vimos que, embora respeitando a vontade do ser, Deus o A revolta foi um desvio da posição correta. Esse foi o pri-
impulsiona para a subida, que é o caminho da salvação. Mas o meiro e o maior erro, que gerou todo o processo da queda. Mas
ser quer a sua vontade, e não a de Deus. Não há dúvida que a veremos agora que, ao longo do caminho da evolução, o ser
evolução está orientada e dirigida por Deus para a Sua última pode voltar a realizar o seu impulso de desobediência, afastan-
finalidade, que é a salvação. O desenvolvimento desse proces- do-se da Lei e gerando quedas semelhantes, porém menores,
so é representado pelo desenrolar dessa luta entre aquelas duas sempre acompanhadas da respectiva recuperação. Porém, ago-
vontades opostas: a rebeldia da criatura e a lei de Deus. A pri- ra, a queda não é mais representada pela linha verde XY, que
meira quer a queda no AS, a segunda quer a salvação no S. Eis sai do S para o AS, e o caminho de volta não é mais representa-
os dois termos de nosso assunto atual. Do choque entre esses do pela linha vermelha YX, que leva tudo novamente do AS
dois impulsos nascerão várias posições de luta, problemas e para o S. Em vez disso, o desvio é representado na figura por
soluções, que iremos observando. deslocamentos laterais, que se afastam da linha central verme-
Estes conceitos nos explicam a razão pela qual, como ponto lha da Lei. Para confirmar o que já foi por nós sustentado, estu-
de partida, as leis civis e religiosas pressupõem que o homem daremos nas próximas páginas esses casos menores, constituí-
seja um rebelde e que a tarefa delas é subjugá-lo. Elas revelam dos pelos acontecimentos de nossa vida comum, nos quais vi-
essa luta entre as duas vontades opostas. Parece que a primeira goram os mesmos princípios gerais da queda e da salvação. O
função do legislador é, antes de tudo, reprimir e domar, proi- conceito é sempre o mesmo, retornando em todos os momentos
bindo o que o homem desejaria espontaneamente fazer, como e pontos, porque constitui o problema central de nosso univer-
se o instinto natural dele fosse somente ser mau. Os mandamen- so. Trata-se do erro que nos levou à negatividade e da sua cor-
tos de Moisés são uma lista das culpas humanas, onde se pre- reção, que nos conduzirá de volta à positividade.
sume que o ser tenha muita vontade de cometer aquelas faltas, Como quer a vontade de Deus, tudo que decaiu no AS deve
as quais Deus ordena que não sejam consumadas, porque são ser reconduzido salvo para Ele, no S. Assim, também é vontade
proibidas. Ninguém se pergunta por que a voz de Deus se mani- da Lei que todo afastamento do ser, devido ao erro, seja recon-
festou nesta forma de imperativo negativo. Mas isto se explica, duzido a ela, isto é, à linha vermelha que a expressa. Eis, então,
porquanto a Lei representa a positividade de Deus, que se dirige que a nossa figura nos mostra, utilizando o caso maior da queda
à destruição da negatividade na qual a criatura, com a revolta, e salvação, como se realiza e depois se corrige a repetição de to-
mergulhou. Eis o que a ética das religiões busca corrigir e por- dos os outros casos de desvios menores, que podem acontecer a
que ela assumiu a forma de condenação. Está claro que a Lei toda hora e altura na escala evolutiva, ao longo do caminho. Isso
segue o principio do dualismo e encara o problema como nós o se verifica através do mesmo processo. Teremos então, em lugar
encaramos. Ela representa a positividade, que impõe a luta con- da linha XY e YX, outra linha, que se desenvolve lateralmente à
tra a negatividade, para destruí-la. linha vermelha da Lei, com igual movimento de ida e volta, ou
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 21
seja, de erro e correção, de doença e saneamento, de afastamento sua trajetória numa ética universal, que abrange e disciplina
e recuperação. O ciclo involução-evolução, nestes casos meno- não somente uma posição relativa do ser ao longo do caminho
res, repete-se segundo o mesmo modelo da grande queda, pelo da evolução, mas também todas as suas posições possíveis.
qual as duas forças opostas têm de se equilibrar: o impulso do Essa ética universal, abraçando todas as restritas éticas relati-
ser para a desordem, e o impulso corretor da Lei para a ordem. vas atravessadas pelo ser na sua ascese para o S, é a que estu-
Neste caso, também temos uma linha verde que expressa o damos neste volume. Ela está acima das éticas particulares e
afastamento para a negatividade, e uma linha vermelha que ex- transitórias de nosso mundo. Essa ética universal é a Lei. Des-
pressa a aproximação de volta para a positividade. Assim, te- te modo, estudando-a, é possível descobrir os princípios uni-
mos a linha da queda, gerada pela vontade da criatura, e a linha versais que sintetizam as normas pelas quais o ser é dirigido
da salvação, gerada pela vontade da Lei. Tudo se desenvolve em todos os níveis de evolução, proporcionadas a cada um de-
com o mesmo método da retificação do erro, ou seja, pela cor- les. Sem ficar fechados em nenhuma posição particular, pos-
reção da desordem, que é reconstituída na ordem. Contra a von- suiremos a chave para compreendê-las todas, porque, ao invés
tade destruidora do ser levanta-se sempre a vontade reconstru- de conceber cada uma como completa e definitiva em si mes-
tora de Deus, que trata e cura toda doença. ma, passaremos a reconhecê-las como expressões de uma éti-
Assim como, no caso da grande queda, o ponto de referência ca progressiva em evolução, vendo-as não mais isoladas, e
é o S, o ponto de referência, nestes casos menores laterais, é a sim no seu conjunto, todas unidas numa corrente, quais mo-
Lei. Da mesma forma, o ponto de partida e de chegada, que era mentos sucessivos da mesma ética universal.
antes o S, agora é a Lei. Neste caso, também há um ciclo com- Cada uma dessas éticas relativas, como por exemplo a hu-
pleto de ida e volta, isto é, um processo dividido em duas partes mana atual, contém as normas de vida adaptadas para fazer o
inversas e complementares, que, em forma dualista, constituem ser evoluir em relação ao nível em que ele se encontra ao lon-
uma unidade. Tal como o ponto de referência, no fenômeno da go do caminho evolutivo, a fim de superar aquele plano e en-
grande queda, é o S, em função do qual tudo se movimenta, o trar num outro mais adiantado. Assim, a ética do homem de
ponto de referência em função do qual, no fenômeno desses hoje não é igual a de ontem nem será a mesma amanhã. O ho-
afastamentos parciais, tudo se movimenta é a Lei, expressa pela mem atual julga crime o que o selvagem do passado julgava lí-
linha vermelha YX. Podemos agora compreender o seu signifi- cito e normal. Do mesmo modo, o homem mais civilizado do
cado. Marcando o caminho da evolução, essa linha representa a futuro julgará crime muitos atos que o homem atual julga líci-
norma a ser seguida para se atingir a salvação. Ela expressa, en- tos e normais. Cada período de evolução possui o seu dado ti-
tão, o princípio da ética, ou norma de conduta correta. Afastar-se po de ética, a qual vai-se transformando e, com o progresso,
dela significa erro e culpa, sendo necessário depois voltar para tem de ser continuamente superada. Tudo está proporcionado
recuperar o que foi perdido, trabalho que não pode ser realizado ao grau de sensibilização e inteligência atingidas. Constrói-se
senão com o esforço do ser, como dever, penitência e sofrimen- assim o sentido moral, que é fruto de duras e longuíssimas ex-
to. Assim, porquanto se trata de um trabalho de reconstrução, is- periências. Logicamente, na proporção do grau atingido, há re-
to tem de ser realizado pelo próprio ser que, em sentido oposto, gras diferentes, escalonadas nos vários níveis, conforme o tra-
fez a obra de destruição. Tudo ocorre dessa forma porque o nos- balho a ser realizado, que é dirigido por elas. Em todos os pla-
so universo, apesar de estar decaído na desordem devido à revol- nos de existência, o ser fica sempre enquadrado em um jogo de
ta, continua sempre sendo regido pela ordem de Deus, que im- princípios e forças proporcionado ao trabalho que a Lei o sub-
põe um princípio de equilíbrio, pelo qual não são possíveis afas- mete, para fazê-lo atingir um determinado escopo, percorrendo
tamentos definitivos e gerais, com resultados permanentes, mas o trecho do caminho evolutivo pertinente a ele naquele dado
somente deslocamentos temporários e locais, prontamente corri- momento. Tudo isto é lógico, pois, se o nosso universo se ba-
gidos, contrabalançados e restituídos ao equilíbrio de origem, seia no princípio do relativo em evolução, tudo, e também a
constituindo desordens parciais, que, por fim, têm sempre de ética, não pode deixar de ter que acompanhar o movimento
acabar sendo reconduzidas à ordem geral. desse transformismo universal.
Podemos ver assim, neste caso, o dualismo equilibrado nos ◘ ◘ ◘
seus dois momentos opostos, tornando possível até mesmo cal- Se a ética universal da Lei representa a linha central ou
cular, a cada momento, a posição de débito ou crédito na qual o tronco das normas que dirigem o ser na realização da sua evo-
ser se encontra a respeito da Lei, que, sendo o ponto de referên- lução, esse tronco, na prática, vai sempre mais se ramificando,
cia universal, estabelece os valores e as normas da vida. Eis quanto mais nos aproximamos do caso particular. Vemos então
como pode despontar a ideia de uma regra de vida, ou norma de que o ser não se movimenta livremente, como é comum se
conduta, baseada sobre princípios que mergulham as suas raízes acreditar, mas enclausurado numa rede de princípios menores.
na própria estrutura do universo. Começamos então, desde já, a O homem conta, antes de tudo, com a sua força e astúcia, acre-
vislumbrar a possibilidade, como veremos neste volume, de es- ditando ser livre para realizar à vontade tudo o que deseja. As-
tabelecer uma ética positiva e racional, poderíamos dizer cientí- sim, ele nem imagina que vive enredado dentro de uma gaiola
fica, independente da fé e das religiões, obrigatória porque de- de regras, onde nenhum de seus movimentos pode ser realizado
monstrada; uma ética exata, suscetível de cálculo, cujos valores senão em função de muitas outras forças em ação, continua-
podem ser medidos, contendo assim qualidades que as éticas mente submetido a normas que, como paredes invisíveis mas
em vigor estão bem longe de possuir. férreas, agem para canalizar cada atividade, livremente, na di-
Poderemos deste modo atingir um conceito de ética de uma reção de finalidades preestabelecidas.
vastidão até agora desconhecida. A presente ética humana, dada Com a revolta, o ser pensou que poderia emborcar o S e se
pelo tipo fundamental a que se podem reduzir as várias éticas tornar ele o chefe, substituindo a ordem da Lei pela desordem
das religiões atualmente em vigor na Terra, não é universal, representada por uma lei sua. Mas, não conseguiu emborcar se-
mas sim particular a esta humanidade e relativa ao nível de evo- não a si mesmo dentro do S, que permaneceu íntegro e sobera-
lução por ela atingido. Tal como acontece com todas as verda- no. Desse modo, apesar da tentativa de revolução, as funda-
des que o homem consegue possuir, trata-se de uma ética rela- mentais leis de equilíbrio do S continuaram a vigorar e a domi-
tiva e em evolução, na qual o homem conhece somente uma nar tudo, inclusive o AS. Estas regras representam barreiras in-
aproximação do seu ponto final: a perfeição do S. transponíveis, e o ser tem de levá-las em conta, uma vez que
No entanto as transformações evolutivas dessa ética nos não pode evitar suas devidas reações todas as vezes que não as
dizem que ela é progressiva, transformando-se ao longo de respeitar, chocando-se com elas.
22 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
A consequência de tudo isto é que o homem, embora acredite possuir um automóvel mais poderoso e ser mais hábil – ou seja,
ser poderoso porque sabe vencer com a força ou astúcia, não faz só pelo direito da força e da astúcia – acredita estar autorizado a
de fato outra coisa senão contrair dívidas perante os equilíbrios correr à vontade, sem qualquer regra, numa pista repleta carros,
da Lei, para depois ter de pagar, reconstituindo-os à sua custa. desrespeitando toda a disciplina do trânsito. Todos pensam horro-
Isto não quer dizer que o ser, embora enclausurado dentro rizados nas consequências desse método de dirigir, e fala-se que
desta rede de regras, não seja livre. Ele o é, mas somente a perda de vidas nos acidentes rodoviários é maior do que nas
dentro do espaço que a Lei, para lhe tornar possível cumprir a guerras. Este porém é o método que prevalece na conduta huma-
oscilação entre o caminho certo e o errado, deixa-lhe dispo- na. No terreno do trânsito, o homem chegou a compreender a ne-
nível, condição necessária para ele realizar o trabalho de ex- cessidade de uma disciplina, sendo levado a esta conclusão pelos
perimentação, a fim de aprender e, assim, evoluir. Fora des- sofrimentos resultantes da sua ignorância. Quantas dores teremos
tes limites, vigora o determinismo absoluto e o indivíduo não de sofrer ainda, como consequência dos nossos erros, para com-
tem poder algum. A sua vontade de revolta pode alterar so- preender que, se não quisermos continuar sempre pagando, é in-
mente ele, e não a obra de Deus, que está acima de qualquer dispensável seguirmos uma disciplina igual também no campo da
revolta e tentativa de emborcamento. O ser rebelde, com toda ética, que dirige a nossa conduta? Tudo, com o progresso, passa
a sua revolta e as respectivas consequências, está contido do estado de desordem ao de ordem. Assim, a Lei vai sempre
dentro da ordem do S e não pode de maneira alguma sobre- mais se revelando e se manifestando em nosso mundo, transfor-
pujar os limites pré-estabelecidos pela Lei. A revolta foi co- mando-o, cada vez mais, no estado orgânico do S.
mo uma rebelião de peixes contra o rio onde vivem, de den- Então o que de fato encontramos, acima de tudo e regulando
tro do qual eles não podem sair de maneira alguma, pois a tudo, é a ordem soberana de Deus, da qual nada pode escapar.
sua liberdade não chega até lá. E, aconteça o que acontecer Contida e fechada dentro das paredes invisíveis dessa ordem es-
dentro do rio, fora dos seus limites tudo permanece inatingí- tá a desordem da revolta, que quer estabelecer como principio
vel e inalterado na ordem de Deus. dominante o caos do AS. É verdade que a desordem é somente
A Lei da luta pela vida e da seleção do mais forte, vigoran- um episódio dentro da ordem, constituindo apenas uma sua va-
te em nosso mundo, é apenas uma lei transitória para aprender riante excepcional e transitória, que nunca conseguirá fixar-se
uma determinada lição. Deste modo, além desta pequena liber- em forma definitiva, porque não pode existir senão como vir-a-
dade, que chamamos de livre arbítrio e que nos parece absolu- ser ou transformismo dirigido para a ordem da Lei, que é o seu
ta, há uma lei de ordem da qual ninguém pode sair. Quanto ponto de chegada. No entanto isso não impede que ela constitua
mais nós queremos ser fortes para nos rebelar, tanto mais ela uma vontade contrária no seio da ordem, o que torna possível,
nos constrangerá a regressar à sua ordem. Isto não significa no estado representado pelo nosso universo atual, o nascimento
que ela reaja ativamente. A sua resistência, assim como a da de um choque entre as duas vontades opostas.
rocha, que só quer ficar onde está, é passiva, e ninguém conse- Eis então como o nosso mundo se tornou um terreno de lu-
gue deslocá-la. Quando os peixes rebeldes procuram sair do rio ta entre dois impulsos opostos: a vontade da criatura e a vonta-
para espalhar a sua revolta, eles não são repelidos por nin- de do criador. Dualismo não significa apenas cisão em duas
guém, mas tão-somente pelo choque automático que recebem partes, mas também oposição entre elas, uma contra a outra,
de volta ao se lançarem contra as paredes, batendo nelas com a porque, com a revolta, o ser, ao invés de se coordenar no seio
cabeça. É o que chamamos de reação da Lei. A lição que o do S em obediência à Lei, quis erguer-se como principio autô-
homem tem de aprender é que existem limites dentro dos quais nomo independente. Logicamente, sendo Deus o mais forte,
cada movimento do universo, inclusive o caos da revolta, está quem, apesar da cega tentativa de revolta para substituir-se a
canalizado, de modo que ninguém pode sair da ordem e, se al- Ele, terá por fim de dobrar-se, vencido em obediência, não será
guém tentar, baterá com a cabeça contra as duras paredes da Deus perante a criatura, como esta acreditou ser possível, mas
Lei, ficando preso nas dolorosas consequências do seu erro, até sim a criatura, que é a mais fraca, perante Deus, que é o mais
que, evoluindo, esteja retificado na posição correta. Este é pro- poderoso. A diferença de valor intrínseco entre as duas fontes
blema fundamental da vida e é o nosso presente assunto. que deram origem aos dois impulsos não pode deixar de
Num mundo onde se acredita na liberdade indisciplinada, acompanhá-los até à conclusão do seu caminho.
na qual tudo é lícito, bastando que seja sustentado pela força, é A revolta não tirou nada à supremacia e poder de Deus, que
necessário mostrar quantos sofrimentos custa ao homem o erro permaneceu dono absoluto de tudo. Ela só foi possível porque
tremendo de violar os princípios da Lei. Este é o nosso traba- Deus a permitiu, deixando o ser livre para realizá-la. Por outro
lho, no qual também estudamos a medida do esforço necessá- lado, a rebeldia, que o ser viu como prova de sua força, consti-
rio para reconstituir os equilíbrios destruídos e reintegrar na tuiu, de fato, somente a sua fraqueza, porque, no choque entre
ordem a desordem gerada pela liberdade indisciplinada. Como as duas vontades, quem vencerá será Deus com a Sua Lei, e não
se vê, estamos nos antípodas da concepção normal do mundo, a criatura, que quis violá-la. No fim, não será o ser rebelde que
que obedece mais aos instintos primitivos do que a um verda- conseguirá construir um AS, mas será o S que reabsorverá o AS
deiro conhecimento, racional e exatamente demonstrado, do e toda a revolta. Tudo isto, porém, não pode anular o fato de
fenômeno conduta humana. que a revolta se realizou, continua existindo e pode repetir-se
Eis, em última análise, a liberdade que o ser possui. Ele se em casos menores, que iremos observar agora.
move como um avião livre no ar. Mas, nessa sua liberdade, o O ser possui uma amplitude de liberdade que lhe permite
avião está fechado dentro de uma estrutura de forças que domi- afastar-se da linha da Lei, violando as normas da conduta cer-
nam todos o seus movimentos, submetidas a um emaranhado de ta. Veremos, no entanto, ocorrer uma verdadeira maravilha,
leis que exigem obediência completa, caso contrário, ao primei- pois, independente do que o ser faça, a Lei permanece inviolá-
ro erro, o avião cai e tudo fracassa. Vemos que todas as ativi- vel, e ele, mais cedo ou mais tarde, tem de voltar para a sua
dades humanas demandam uma disciplina tanto maior, quanto ordem. O estudo de nossa figura nos mostrará como se desen-
mais vastas e importantes elas se tornam, condição resultante volve a luta entre essas duas vontades e como, a cada impulso
da necessidade de retificar a desordem na ordem, o caos no es- e movimento do ser no sentido do afastamento da linha da Lei,
tado orgânico, os métodos do AS nos do S, a fim de corrigir a corresponde um proporcionado impulso e movimento de cor-
revolta com os princípios da Lei. reção no sentido da aproximação e retorno a ela. A consequên-
No terreno da ética e das normas de sua conduta, o compor- cia necessária é que, assim como não foi possível o ser alcan-
tamento do homem atual é parecido ao de quem, pelo fato de çar a construção definitiva do AS, também não é possível ele
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 23
se afastar definitivamente da linha da Lei, isto é, do caminho universo é caos, mas também é luta, para transformar a desor-
que o leva à sua própria salvação. O resultado final é que o re- dem em ordem, a guerra em paz, as rivalidades em concórdia.
belde não vai conseguir aniquilar-se com a sua loucura. E esta Compreende-se e se justifica assim, apesar de ninguém desejá-
é a vitória de Deus: o bem da criatura, reintegrada na perfeição la, este triste e inevitável fato: a guerra, algo inconciliável com
e felicidade do S. Eis aí a verdadeira vantagem, para os dois, a bondade de Deus e com as regras da moral pregadas pelo ho-
da vitória do mais poderoso: Deus. Esta é a razão que torna mem. O que ele prega representa o impulso salvador do S, e o
saudável e justo aquele impulso da Lei para trazer tudo de vol- que ele faz deriva do impulso destruidor do AS. Explica-se as-
ta a ela, com uma outra conduta, enquadrada na sua ordem. sim a ferocidade da vitória do mais forte sobre o mais fraco, re-
Uma vez que estamos dentro do dualismo e, por isso, tudo sultado que não se coaduna com a justiça de Deus. No entanto,
está cindido em dois termos opostos, a luta é inevitável. Ela é por intermédio das rivalidades, realiza-se o progresso, que faz o
universal e se encontra em todos momentos e lugares, porque a mais adiantado vencer, destruindo sempre mais a ignorância, o
estrutura de nosso universo, originado com a revolta, baseia-se mal e a dor. Desse triste pântano, desabrocha a esplêndida flor
na oposição e contraste entre positividade e negatividade, fun- da redenção e da salvação. O impulso para o emborcamento
damentando-se sobre o princípio de contradição. É por isso que acaba por inverter a si próprio, de modo que ele mesmo, auto-
a ética tomou a forma dualística dada pelo erro e sua correção. maticamente, retifica tudo. É para se atingir a paz que existem
Até às suas últimas consequências, tudo é o resultado da pri- tantos extermínios de vidas nas guerras, é para se chegar à
meira revolta, de que se conservam os caracteres fundamentais. compreensão que há tantas inimizades, é para se alcançar à feli-
Eis por que a luta de todos contra todos é o motivo dominante cidade que tão grande mar de sofrimentos tem de ser atravessa-
de nossa vida. Dada a exigência lógica e absoluta que Deus seja do. Eis o significado da presença da dor e da luta numa criação
unidade, não seria possível, sem a revolta, explicar o fato ine- que foi obra da bondade de Deus.
gável dessa contraposição dualista. Entre as duas partes não há A luta está destinada a resolver-se. A monstruosidade em-
outra ponte que possa ter estabelecido uma passagem, a não ser borcada, o AS, saiu do S como um aborto. O câncer não tem
um desvio capaz de realizar o emborcamento. Não quis o ser direito à vida. A negatividade nada pode gerar, porque termi-
separar-se? Eis a separação desejada então, no dualismo e na na na sua própria destruição. O AS é uma doença contida no
luta, cuja existência é prova da revolta. Não se explicaria, de organismo sadio do S. Mas o S é Deus, ou seja, um organismo
outra forma, como poderia, sem a revolta, ter nascido tal prin- tão forte, que não há doença capaz de vencê-lo. Então não é a
cípio e estado de luta, nem se compreenderia como um Deus doença que destrói o doente, mas é o doente que destrói a do-
unitário tivesse escolhido essa técnica separatista, de oposição ença. O antagonismo existe em posição de inferioridade para
de contrários, quando o principio Dele é o da unidade. quem se rebelou à ordem. Não pode vencer uma batalha
Só assim se explica e justifica o fato de existir uma Lei, que quem, colocando-se em posição invertida, luta em posição
é regra de vida, e, ao lado dela, o impulso da desobediência. emborcada. Não pode avançar quem quer ir para trás. Nada se
Não é esta a história de cada ato nosso e da nossa vida? Temos pode construir com os métodos destruidores, próprios da ne-
sempre, de um lado, o legislador e a ética, querendo impor-se à gatividade. Como pode a revolta alcançar sucesso, se ela con-
força, e, do outro, o instinto humano da revolta. Não é verdade siste em se colocar em posição de inferioridade? Quem toma
que, apesar de sabermos como deveríamos agir, acabamos fa- esse caminho sempre trabalha em perda e, desde o início, pelo
zendo o contrário? A Lei, que representa a ordem do S, está seu próprio método, está condenado à derrota, que é a dor. Eis
sempre presente. Mas parece que essa afirmação solene dos por que, para não ficar derrotado no sofrimento, o rebelde tem
nossos deveres esteja aí só para ser renegada nos fatos, a cada de voltar desta condição à obediência.
passo. A Lei é sempre a pedra angular do edifício da vida, mas No S, tudo é positivo. A negatividade foi um produto da
só para nós batermos a cabeça contra ela, em choques contí- revolta, da qual nasceu para terminar no seu próprio autoani-
nuos. O que tende a prevalecer em tudo não é a ordem do S, quilamento. A unidade fundamental original reabsorverá toda
mas a desordem do AS. Tudo isto tanto mais é verdade, quanto a cisão do dualismo. Mas, com a revolta, o ser, que antes
mais nos aproximamos do AS e nos afastamos do S, descendo existia apenas numa posição, terá de viver, até que se tenha
involutivamente. Prevalece então, sempre mais, o princípio di- tudo saneado, oscilando entre os dois polos opostos: a positi-
visionista, e a luta se torna mais feroz. Verifica-se o contrário, vidade e a negatividade. Assim, ele terá de viver oscilando,
porém, quando subimos evolutivamente e nos aproximamos do até que tenha, com seu esforço e sofrimento, reabsorvido e
S, que representa o princípio unitário, até a luta desaparecer neutralizado completamente essa oscilação, reconduzindo a
completamente na harmonia universal. separação do dualismo à unidade.
Se o sistema da luta domina em nosso universo, ele não Como é possível encontrar a felicidade na negatividade? É
existe no S. Tendo sido gerado pela separação, ele desaparecerá como querer encontrar na morte a plenitude da vida. Como po-
com o regresso ao ponto de partida. A primeira e maior luta foi deria a revolta, com essa estranha lógica, realizar o absurdo? E
entre a criatura rebelde e Deus. No estudo da ética, veremos o homem repete esse erro todas as vezes que se afasta da linha
voltar, a cada passo, esse motivo da luta entre a Lei, que repre- da Lei, violando as normas de conduta da ética. É o impulso
senta a ética, e o ser, que não quer, na sua conduta, seguir-lhe inicial da rebeldia que o leva novamente a lutar contra Deus.
as normas. Verificaremos aparecer sempre o mesmo contraste Como é possível, também nesse terreno das menores desobedi-
entre a vontade do ser e a de Deus. Eles são os centros dos dois ências, construir, destruindo; avançar, retrocedendo; adquirir as
impulsos e os dois elementos básicos do problema da ética, que qualidades do S, descendo para o AS? Conclui-se então que, se
enfrentaremos. Não se trata, porém, de um contraste inútil e a função da revolta é emborcar tudo, a sua lógica constitui um
destrutivo, mas sim construtivo, porque se vai resolvendo sem- absurdo, representado nesse caso pelo fato de procurar a felici-
pre mais, até desembocar na salvação. Seja o que for que o ser dade onde não é possível encontrar senão dor. O princípio é
realize, ele tem de voltar à ordem da Lei. O AS rebelde se con- sempre o mesmo. O processo de recuperação é só um. Não se
trapõe à positividade do S na posição menor de negatividade. pode sair do inferno do AS senão subindo até ao S; não é possí-
Mas o impulso da positividade é maior e, por isso, tem de ven- vel libertar-se do sofrimento senão reintegrando a desordem na
cer, levando tudo à salvação final. ordem, voltando, em obediência, ao seio da Lei.
Esta é a maravilha do processo da queda, que tem deposita- O absurdo da revolta é acreditar que seja possível chegar à
do em si a semente da salvação, tornando esta automática e fa- positividade, ou felicidade, seguindo o caminho da negativi-
tal. Estamos observando a técnica desse fenômeno. O nosso dade, ou desobediência. A lógica do movimento oposto, da
24 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
salvação, consiste em saber que somente se chega à positivi- ção, o nosso barco para a salvação. Nós existimos e temos de
dade, ou felicidade, percorrendo o caminho da retificação da funcionar dentro dessa grande máquina do universo, mas não
negatividade em positividade. Continuaremos sempre encon- conhecemos a Lei que a dirige. Assim a nossa conduta se asse-
trando frente a frente, de um lado o absurdo do ser rebelde, e melha a de um cego ignorante, que vai sempre cometendo er-
do outro, corrigindo e ensinando para salvá-lo, a lógica da ros, sem terminar jamais de pagar as consequências. Quantas
Lei. É a lógica da obediência que retifica o absurdo da revol- dores se poderiam evitar, se o homem aprendesse a se movi-
ta. Eis o significado das palavras que, em Sua oração do Pai mentar com inteligência dentro dessa máquina, pois ela é diri-
Nosso, Cristo nos deixou para repetir: “Seja feita a Vossa gida por uma suprema inteligência, a inteligência de Deus! É
vontade”. Ora, fazer a vontade do Pai quer dizer obedecer à necessário compreender essa máquina, para funcionar de acor-
Lei, e obedecer à Lei significa o caminho da salvação. Eis o do com ela, disciplinadamente, ao invés de violar suas leis com
problema que estudamos aqui: a nossa salvação. a desordem, batendo a cada passo a cabeça contra as suas sá-
bias resistências. Enquanto não aprendermos a nos movimentar
IV. NEGATIVIDADE E POSITIVIDADE corretamente, teremos de aceitar a dura lição da dor, necessária
para aprender. Não se trata de teorias longínquas, mas dos mais
O problema que iremos agora focalizar cada vez mais de vivos e próximos problemas de nossa existência. Trata-se de
perto, não é mais o da grande queda – já estudado por nós em conhecer a Lei, e isto não constitui só uma grande vantagem,
outros volumes e expresso na figura pela vertical XY – mas sim mas também imenso consolo, porque ela representa o princípio
os das quedas menores laterais, há pouco referido por nós, onde do amor de Deus, que tudo reordena, reconstrói e salva.
observaremos as consequências desses afastamentos da linha da Este é o significado da linha da Lei. Ela representa o centro
Lei, ou ética, que estabelece qual deve ser a conduta correta. Es- dos fenômenos que iremos estudando. Observaremos primeiro
tas quedas menores são o que chamamos de erro ou culpa. Po- o percurso da linha verde da negatividade, que o ser origina la-
demos agora dar a estas palavras um significado positivo de des- teralmente, quando se afasta da linha da Lei, para vermos de-
locamento para a desordem, longe da devida posição de ordem pois a linha vermelha de retorno à Lei, completando o ciclo que
estabelecida pela Lei. Uma lei universal de equilíbrio impõe que reproduz em medida menor o trajeto XY e YX. O processo da
esta ordem, todas as vezes que for violada, seja reconstituída. queda se repete nestas menores tentativas da revolta, dirigidas
Podemos assim dar um valor exato também às palavras expiação para a construção de pequenos anti-Sistemas laterais, que são
e redenção, em função desse processo de reordenação. Revela-se construídos e destruídos, desenvolvendo-se e sendo reabsorvi-
assim todo o valor da dor como meio de recuperação e elemento dos com o mesmo método de ida e volta. Obedecendo ao im-
fundamental na lógica do fenômeno da salvação. pulso inicial da desobediência, o fenômeno avança ao longo da
Essa linha da ética representa a espinha dorsal do processo linha verde, até que o impulso se esgote. A reabsorção se reali-
de salvação. Este é o percurso dentro do qual está canalizado o za ao longo de uma linha vermelha paralela correspondente,
caminho da evolução, que o ser tem de percorrer para recuperar que representa a correção dos valores negativos e a recuperação
tudo que perdeu com a queda. Todas as vezes que o ser se afasta dos valores positivos. Na figura, podemos controlar o fenôme-
dessa linha de retorno, dirigida para o S, comete um erro e tem no em seus movimentos, posições e medida.
de sofrer até neutralizá-lo, reconstruindo tudo com o seu esforço Vemos assim que o nosso erro tenta gerar um pequeno AS
e sofrimento. Também no processo desses afastamentos laterais, lateral, fugindo da linha da Lei YX, assim como, na primeira
temos uma linha verde de descida para a negatividade, represen- queda, o ser fugiu da linha WW1 do S. Esse processo também
tando o afastamento ou trabalho de destruição e uma linha ver- tem de ser neutralizado por um equivalente caminho de regres-
melha de volta para a positividade, representando a aproximação so. O trajeto percorrido na ida pela linha verde lateral tem de
de retorno ou trabalho de reconstrução. Assim como a força de ser compensado por uma proporcional linha vermelha de re-
atração terrestre constrange tudo a ficar equilibrado, em contato gresso. Trata-se de um fenômeno menor, contido dentro do
com a superfície do solo, fazendo voltar qualquer coisa que se caso maior da involução-evolução e regido pelo mesmo princí-
afaste, a Lei, que representa a divina bondade e vontade de sal- pio. Eis por que vemos aqui, novamente, aparecer o modelo du-
vação, também constrange tudo a ficar em equilíbrio, unido à li- alista da oposição de contrários. Por isso este processo se de-
nha da Lei, fazendo voltar a ela tudo que se afastar. senvolve em forma de inversão recíproca, de erro e sua corre-
Essa é a função da linha da Lei. Ela representa um raio do ção. A linha da desobediência sai da linha da Lei e volta a ela
pensamento e da vontade de Deus, que desce no próprio centro transformada em linha de dor. O movimento que se iniciou com
do universo dos rebeldes para salvá-los da destruição em que de o sinal negativo volta à fonte com o sinal positivo. O ser adoece
outro modo acabariam. Além da pequena redenção realizada para voltar à saúde. É o princípio de equilíbrio que aprisiona o
por Cristo num dado momento, em favor de uma das infinitas fenômeno dentro do jogo de reciprocidade.
humanidades que povoam o universo, existe uma redenção Vemos assim repetirem-se os motivos fundamentais do uni-
muito maior, contínua, realizada por Deus no Seu aspecto ima- verso até aos últimos pormenores do particular. E isto é lógico.
nente, em favor de todas as humanidades e de tudo que existe. No todo existe somente o modelo do S, no qual existe Deus.
Essa redenção maior, operada pela Lei, está expressa na figura Uma vez que a criatura não possui poder para criar, ela é incapaz
pela linha vermelha YX, de sinal positivo, que sustenta o triân- de gerar outros modelos. Sendo efeito, e não causa, ela não pode
gulo da mesma cor e seu respectivo campo de forças, represen- ser causa inédita de novos efeitos. Tudo o que ela podia fazer,
tado por sua superfície. Com a base no S e a ponta dirigida para então, era alterar o que já existia. Se o S era tudo o que havia, na-
baixo, esta linha penetra todo o triângulo do AS até ao fundo, da de novo poderia surgir, mas somente a sua negação. Como o S
como uma projeção da positividade lançada no campo da nega- permaneceu o centro de tudo, a negação não pôde seguir outro
tividade, a fim de, através do seu impulso reconstrutor, salvá-lo caminho senão o seu endireitamento para o positivo, isto é, rea-
do aniquilamento, que seria a conclusão lógica do processo. firmando o que foi negado. Eis por que, no caso ora observado,
Tudo o que, na figura, é vermelho representa o princípio de aparece primeiro a linha verde e depois a vermelha. Aqui tam-
positividade do S, a presença de Deus, a salvação. Disto deriva bém, a primeira fase é constituída da queda, e a segunda, da sal-
a grande importância de se conhecer a Lei, o seu conteúdo, a vação. Tudo foi criado de tal modo que, em qualquer caso, inde-
técnica do seu funcionamento, as normas de ética com as quais pendente da negatividade do ser, nada se perde, sendo tudo re-
ela nos dirige, porque este conhecimento significa saber a rota a solvido e redimido nos braços de Deus, sempre centro de tudo.
seguir e ter nas mãos o leme para dirigir, no oceano da evolu- ◘ ◘ ◘
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 25
Analisemos de perto como se desenvolvem esse processo do quire o valor oposto, porque passa a ser considerado em relação
erro e sua correção. Entramos agora no terreno específico da não à positividade, mas sim à negatividade. Neste caso, tudo o
ética, para estabelecer as suas bases positivas. Colocando-nos que na figura é positivo se torna negativo. Em outras palavras, se
perante a figura, escolhemos ao longo da linha vermelha YX da o ser, com a sua revolta, quer o contrário da vontade de Deus,
Lei o ponto N, situado num dado nível de evolução. Suponha- concebendo tudo em função de si mesmo, e não em função de
mos que a posição do ser cujos movimentos agora estudamos Deus, é lógico que os valores se emborquem, adquirindo o valor
seja esta, num ponto intermediário ao longo do caminho da oposto. E, realmente, o homem, doente de antropomorfismo crô-
evolução do homem. As linhas YN e NX representam, respec- nico, costuma erguer-se em centro do universo, substituindo o
tivamente, o caminho já percorrido e o caminho ainda a percor- seu “eu” ao de Deus, fato que acontece a toda hora e representa a
rer. Este último é o trecho que falta para o ser acabar de cum- maior prova da teoria da revolta. Este é o ponto de referência
prir a sua redenção, e ele deveria segui-lo, porque constitui o humano, portanto é lógico que seja às avessas, pois o ser que de-
caminho direto e, portanto, o mais curto para voltar ao S. Mas caiu no AS se encontra em posição emborcada e não pode con-
eis que retorna o motivo da revolta, e o ser, assim como se afas- ceber senão nessa condição, que estabelece sua forma mental.
tou do S para o AS na queda, agora se afasta da linha da Lei Temos então, frente a frente, dois centros opostos, que que-
com o erro. Enquanto tudo o que pertence ao AS não for neu- rem impor-se como “eu” absoluto: o “Eu” de Deus e o “eu” da
tralizado pela evolução, este impulso divisionista continuará criatura. A oposição nasceu com a revolta, pela qual o “eu” do
ecoando em casos menores até que tenha desaparecido. No caso ser rebelde mudou-se da posição de coordenação dentro do S
maior, com a queda, o ser desceu a linha XY e, agora, tem de para uma de insubordinação, situada fora e nos antípodas do S.
subi-la às avessas. No caso menor, com o erro, o ser percorre a Ora, se aceitamos como centro o “Eu” de Deus, o fenômeno se
linha do afastamento NN1, para depois ter de seguir a linha da nos apresenta na sua posição direita. Porém, se aceitamos como
aproximação N1N. O ponto de partida desse processo é N, onde centro o “eu” individual da criatura, o mesmo fenômeno, ob-
se manifesta o impulso da revolta. O ponto onde esse impulso servado do seu polo oposto, apresenta-se na sua posição em-
se esgota é N1, onde sobre ele leva vantagem a atração da Lei, borcada. O ponto de partida, no primeiro caso, é X no S, ou N
que, por um processo inverso, tudo restaura na sua ordem. Esse na linha da Lei, enquanto, no segundo caso, é Y no AS, ou N 1,
é o esquema do fenômeno que estamos estudando aqui. fora da linha da Lei. Então, se o ponto de referência é a Lei, a
Temos assim dois momentos ou elementos fundamentais linha NN1, que agora estudamos, é de sinal negativo e a linha
neste processo: o da linha verde NN1, e o da vermelha N1N. N1N é de sinal positivo. Porém, se escolhemos, ao invés, como
Ambas juntas constituem o ciclo completo de ida e volta, NN1N, ponto de referência a posição do ser em revolta, a linha NN 1 é
que corresponde ao ciclo completo da queda e salvação, XYX. de sinal positivo e a linha N1N é de sinal negativo.
Trata-se do mesmo processo de emborcamento e endireitamento É lógico que, aqui, temos de estudar o fenômeno na sua
que, no caso da queda, vemos desenvolver-se na figura em sen- posição direita, em função de Deus e da Lei, e não em posição
tido vertical de descida e subida, mas que se cumpre, neste caso, emborcada, em função do ser, que se faz centro de tudo, com
em sentido horizontal de afastamento e aproximação. O princí- seu “eu” separado e egoísta. O ponto de referência em relação
pio é sempre o mesmo: um erro devido à vontade da criatura e, ao qual a nossa figura foi concebida é Deus, ou S, ou Lei. Por
depois, uma reintegração devida à vontade de Deus. isso a linha NN1 tomou o sinal negativo, enquanto a linha N 1N
A expressão gráfica que, na figura, demos ao fenômeno nos tomou o sinal positivo. Veremos daqui a pouco o significado
ajudará a compreender melhor o seu desenvolvimento. Mas, prático desses sinais.
para que tudo seja claro, é necessário antes de qualquer coisa Era necessário, porém, explicar o sentido segundo a posi-
estabelecer o valor das palavras e conceitos que usamos e o ção oposta. Para o ser rebelde, a linha NN 1 representa o triun-
ponto de referência em função do qual os usamos. Já tocamos fo da sua vontade divisionista, o que, para o rebelde, constitui
ligeiramente neste assunto no Cap. III. Dissemos que o ponto positividade, enquanto a linha N 1N representa a renúncia à
de referência do fenômeno é a Lei. Foi em relação a este ponto sua vontade na obediência e no dever, significa a penitência
que a linha verde do afastamento da linha da Lei tomou o sinal do regresso na ordem e no esforço da subida, o que, para o re-
negativo e que a linha vermelha de aproximação a ela tomou o belde, constitui negatividade.
sinal positivo. O primeiro trecho, representado pela linha ver- Cada um dos dois “eus” quer atingir uma plenitude de reali-
de, é negativo, porque nele opera o impulso do ser contra a zação oposta à do outro. O objetivo de Deus é o S, o do ser re-
Lei. O segundo trecho, representado pela linha vermelha, é po- belde é o AS. Com relação à realização do objetivo de cada um,
sitivo, porque nele opera o impulso da Lei contra o do ser. Da- o primeiro leva o sinal positivo, enquanto o segundo recebe o si-
do que o ponto de referência é a Lei, o sinal negativo expressa nal negativo. Sendo duas vontades opostas, o caminho de ida
o período em que o emborcamento prevalece e a Lei está ven- XY, ou NN1, vai do + para o − e é negativo em relação ao S,
cida, enquanto o sinal positivo expressa o período em que o porque gera o AS, mas, do ponto de vista da criatura, esse cami-
endireitamento prevalece e a Lei triunfa. nho vai do − para o +, tornando-se assim positivo em relação ao
A negatividade expressa o processo de destruição dos va- AS, que surge como afirmação para o rebelde, cujo desejo é
lores positivos da Lei, e a positividade expressa o processo de substituir a ordem de Deus pela sua desordem. Da mesma forma,
reconstrução daqueles valores. Tudo o que, na figura, tem a o caminho de volta YX, ou N1N, vai do − para o + e é positivo
cor verde ou o sinal negativo é fruto da vontade rebelde da em relação ao S, porque nele tudo se reconstrói para a salvação
criatura e se dirige em posição emborcada para o AS. Tudo o do ser, destruindo o AS, mas, do ponto de vista da criatura, esse
que tem cor vermelha ou sinal positivo é fruto da vontade de caminho vai do + para o −, tornando-se assim negativo em rela-
Deus e se dirige para o S, para endireitar as posições embor- ção ao AS, cuja morte aparece como negação para o rebelde, que
cadas pela revolta. A nossa figura está concebida em função gostaria de se afastar da ordem do S e, agora, tem de voltar a ela.
desse ponto fundamental de referência, que é Deus, o S, re- Esse jogo de contínua inversão de opostos é devido ao
presentado pela Lei. É em relação à positividade desse ponto emborcamento gerado pela revolta. É assim que, quando o ser
de referência, que todos os movimentos gerados pelo impulso se afasta do S, tudo, em relação à Lei, é negativo, mas, em re-
da revolta tomaram o sinal negativo. lação ao próprio ser, o sinal se emborca, tornando-se positivo.
É possível, porém, escolher como ponto de referência o outro E, ao contrário, no caso do regresso do ser ao S, tudo, em re-
termo existente do dualismo, isto é, não Deus, ou o S, ou a Lei, lação à Lei, é positivo, mas, em relação ao próprio ser, em-
mas sim a criatura rebelde, ou o AS, ou anti-Lei. Então tudo ad- borca o sinal e se torna negativo.
26 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
A posição direita na qual observamos aqui o fenômeno, es- ordem, e a segunda, que é de revolta, mas também nos indica
colhendo como ponto de referência a positividade de Deus, é que, neste contraste, a primeira acaba vencendo a segunda.
verdadeira e básica, sendo a predominante. A posição do ser Eis então que positividade, ou vontade de ordem, significa
representa somente um desvio lateral, um deslocamento fora da também impulso para a salvação, enquanto negatividade, ou
ordem, uma exceção à regra, uma desordem, um erro. Infeliz- vontade de revolta, significa também impulso para a perdição,
mente, porém, esta estranha posição emborcada é a que o ho- pelo qual tudo pereceria, se não fosse salvo pela positividade
mem mais usa. Nós, humanos, estamos mergulhados no AS e do primeiro impulso, gerado por Deus. Assim, em função do
somos, por isso, levados a usar o segundo dos dois pontos de ponto de referência em Deus, a linha vermelha, indo contra a
referência, concebendo tudo em função do nosso “eu”, que foi vontade de revolta do ser, expressa a recuperação e a vanta-
efeito da revolta. A nossa posição atual nasceu da vontade de gem dele em relação à vida, representando o impulso da posi-
emborcar o S e representa o antagonismo entre o nosso “eu” e o tividade de Deus contra o impulso da negatividade da criatura,
“Eu” de Deus. O nosso instinto nos levaria a estudar o fenôme- que, percorrendo a linha verde da perda, dirige-se loucamente
no às avessas, construindo uma tábua de valores não em função para o seu aniquilamento.
de Deus, mas do nosso “eu”, dando o primeiro lugar não à or- Os conceitos de positividade e negatividade são conceitos
dem do estado orgânico do todo, mas ao separatismo individua- centrais sintéticos, que, em nosso mundo relativo, vão-se ramifi-
lista da vantagem egoísta (a lei da seleção do mais forte). cando no periférico e analítico, manifestando-se em muitos con-
Se a afirmação de Deus é: “Eu sou o senhor teu Deus (...), ceitos particulares menores. Assim os sinais + e − podem ser en-
Não terás outros deuses diante de mim” 1, a afirmação do ho- tendidos de várias maneiras, dando-se a eles diferentes sentidos
mem é: “Eu sou o senhor de tudo. Não terás outros senhores e conteúdos. Então positividade pode significar não somente
diante de mim”. Afirmação emborcada, que, diante de Deus, Deus, o S, a Lei, a vontade de ordem, o impulso para a salvação,
é uma negação. A afirmação do homem é a negação de Deus, mas também o amor, o bem, a espiritualização, a linha da corre-
assim como a afirmação de Deus é a negação do homem. O ção do erro, a neutralização da culpa na obediência e na purifi-
modelo é só um, e o fenômeno se baseia sobre o processo do cação pela dor, o caminho de volta para a recuperação da vida, a
seu emborcamento. Se o olharmos de cima para baixo, ele sabedoria, a liberdade, a felicidade, a perfeição. Por outro lado,
toma o sinal +, porque é Deus que afirma. Se o olharmos de negatividade pode significar não somente a criatura rebelde, o
baixo para cima, o modelo toma o sinal −, porque é o homem AS, o caos, a vontade de revolta, o impulso para a perdição, mas
que nega. Por isso pode parecer que a concepção mosaica de também o ódio, o mal, a materialidade, a linha do desvio no er-
um Deus que quer dominar sozinho, cioso de todos os rivais, ro, a culpa pela desobediência e pelo gozo desordenado, o cami-
seja a reprodução da psicologia de qualquer rei humano, cuja nho do afastamento em direção à morte, a ignorância, a escravi-
primeira preocupação é defender o seu reino, matando todos dão, a infelicidade, o estado manco e falho da imperfeição.
os rivais do seu trono. Mas isto é lógico, porque o modelo é Por isso a linha verde NN1, que representa o caminho de
um só, dado pelo egocentrismo, que, com a revolta, cindiu-se afastamento do ser do seu ponto de referência, a Lei, pode ser
em dois polos, assim cada um deles pode, alternadamente, chamada de “linha do erro ou culpa”, dirigida para o mal (−),
funcionar como ponto de referência: o egocentrismo positivo enquanto linha vermelha oposta, N1N, que representa o cami-
de Deus ou o negativo do ser rebelde. O mesmo modelo quer nho de regresso do ser para a Lei, seu ponto de partida, pode ser
dizer o mesmo tipo de forma mental, que impõe o próprio chamada de “correção na dor”, dirigida para o bem (+). Na fi-
“eu” como o centro de tudo. gura estudaremos o fenômeno nesta ordem, isto é, primeiro a
Agora que determinamos o nosso ponto de referência, em linha da negatividade e, em seguida, a linha da positividade,
função do qual a figura foi concebida, e estudamos o caso dos porque é o trajeto do afastamento ou perda, representado na cor
afastamentos da linha da Lei, é necessário, como há pouco dis- verde, que nasce primeiro, como filho da revolta, enquanto o
semos, definir o valor dos conceitos e o sentido das palavras caminho da volta ou recuperação, representado na cor verme-
que usamos. Qual é na prática o significado e conteúdo destes lha, ocorre depois, para corrigir e reabsorver o outro.
conceitos de positivo c negativo? Eles têm de corresponder a Esclarecemos assim o sentido das várias palavras que temos
alguma coisa de concreto, que vemos existir e dirigir nossas vi- de usar no estudo da ética, tais como: bem e mal, amor e ódio,
das, porque o objetivo destas nossas pesquisas é conhecer estas erro e culpa, obediência e recuperação, revolta e perdição, etc.
normas, a fim de orientar a nossa conduta. Poderemos assim Além das acima mencionadas, também existem outras, que ad-
saber com mais exatidão a correspondência, na figura, da cor quirem um significado exato e profundo, encontrando a sua ex-
vermelha ou verde com o sinal + ou sinal −. plicação lógica em função da estrutura do grande organismo do
Positividade quer dizer Deus, ou S, ou Lei, representando a universo e da solução dos maiores problemas do conhecimento.
vontade que tudo fique na ordem e o domínio do respectivo ◘ ◘ ◘
impulso de levar novamente para essa ordem tudo o que saiu Procuremos penetrar agora, ainda mais, no terreno especifi-
dela. Negatividade representa a criatura rebelde, o ser que, co da ética, que é o nosso objetivo, explicando sempre melhor
com a revolta, colocou-se na posição de egocentrismo oposto estes conceitos.
ao de Deus. Isto significa vontade de sair da ordem e o domí- Vimos que o conteúdo da ideia de negatividade é dado pelo
nio do impulso de se afastar sempre mais de Deus, para ficar erro ou culpa, dirigindo-se para o mal, no sentido de perda,
no polo oposto, no AS. Veremos assim as duas linhas: a verde, porque é afastamento da linha da Lei, nosso ponto de referên-
de sinal −, e a vermelha, de sinal +, sempre contrapostas e cia. Vimos também que o conteúdo da ideia de positividade é
compensadas num dúplice movimento de ida e volta, que aca- de correção na dor, dirigindo-se para o bem, no sentido de re-
ba reequilibrando tudo na ordem. cuperação, porque é retorno à mesma linha da Lei. O primeiro
O fato é que o verdadeiro e fundamental ponto de referência movimento, sendo do + para o −, vai para a perdição. O segun-
é o primeiro, isto é, Deus. O outro é apenas um pseudoponto de do movimento, sendo do − para o +, vai para a salvação. Temos
referência, que, por estar no campo da negatividade, não é cen- assim, de um lado, os conceitos de erro, culpa, afastamento pa-
tro real como o primeiro e, portanto, não pode sustentar nada de- ra o mal e perdição, enquanto, do outro lado, temos os concei-
finitivo fora do seu terreno relativo. Por isso a figura nos mostra tos de dor, expiação, volta para o bem e salvação.
não somente a contraposição entre a primeira vontade, que é de Mas os princípios de negatividade e positividade contêm
também outros conceitos e aspectos. Vimos que a Lei reage, reti-
1
Êxodo, 20:2-3 (N. da E.). ficando o primeiro movimento com o segundo, isto é, corrigindo
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 27
o erro com a dor. Por quê e como acontece isto? Qual é a mecâ- tantos pequenos centros ou egocentrismos individuais das cria-
nica desse processo? Com que técnica se cumpre o fenômeno da turas. O método deles, nessa sua posição, não é a espontânea
salvação ou redenção? Esse é o conteúdo e o objetivo ético do colaboração, mas a imposição pela força. Podemos agora com-
que estamos estudando aqui: conhecer a norma que, premiando preender por que existe na Terra a lei do mais forte, o que ela
os nossos esforços positivos, refreando e endireitando os afasta- significa e por que se pratica esse método de vida. Entende-
mentos para o negativo, buscando sempre nos reconduzir para o mos, assim, por que o princípio vigorante em nosso mundo, da
caminho certo da salvação, dirige a nossa conduta. O ser rebelde luta e da vitória do mais forte, represente um princípio separa-
é louco. A Lei é sábia. O ser quer encontrar as qualidades positi- tista e, por isso, próprio do AS, e não do S. Isto significa um
vas nos caminhos que levam às negativas. A Lei, para salvá-lo, o estado primitivo, involuído, mais próximo da animalidade que
reconduz com a dor aos caminhos da positividade. Esse é o jogo do homem evoluído. Então essa lei biológica não é uma ex-
da mecânica da salvação. O ser rebelde quer encontrar a luz nas pressão de positividade, isto é, de poder construtor, como se
trevas, mas a Lei o reconduz à luz; quer encontrar a vida na mor- acredita, mas sim de negatividade, isto é, de poder destruidor.
te, mas a Lei o leva novamente para a vida. Trata-se da sobrevivência de estados involuídos do passado, e
Aqui, descemos do terreno das teorias gerais, penetrando tais qualidades, perante a Lei, que quer o evoluído do S, e não
sempre mais na prática de nossa vida. Problemas que nos tocam o involuído do AS, representam fraqueza, e não força; defeito,
de perto e nos interessam, porque se trata do nosso sofrimento e não virtude; derrota, e não vitória. Se o principio da força pa-
ou bem-estar. Com a revolta, o ser foi à procura de felicidade, rece ser de afirmação, isto é somente em função do ponto de
mas fora da ordem, da regra e da justa medida, o que representa referência estabelecido no homem. Mas isso significa cami-
um absurdo. Seguindo o caminho da revolta, que é emborca- nhar às avessas, contra a Lei, pois, perante Deus, quer dizer
mento, o ser não poderia encontrar outra coisa senão sofrimen- afastamento ao longo da linha do erro.
to. Poderia perguntar-se por que motivo o caminho da volta, ou De fato, o método do triunfo do mais forte leva a ganhar
reconstrução, é feito de dor? Isto acontece porque o ser procu- não em sentido positivo, gerando e construindo para o bem dos
rou a felicidade, que é qualidade positiva, no terreno da negati- outros, o que conduz para o S, mas sim em sentido negativo,
vidade, com a desobediência na desordem, e não com a obedi- escravizando, destruindo, matando, semeando mal e sofrimen-
ência na ordem, lançando-se para fora do S, no AS, isto é, tos para os outros, como acontece em todas as guerras, o infer-
agindo às avessas. É lógico que ele encontrasse o inverso da fe- no do AS. O vencedor não cria nada, apenas ganha espaço vi-
licidade, isto é, dor. Aqui está a tragédia da revolta. Eis o erro tal, subtraindo-o aos demais. Este é o método das rivalidades,
fundamental que fez o ser fracassar no absurdo. Para crescer oposto ao da concórdia. Estamos no caminho da negatividade,
demais fora da ordem, ele entrou na desordem. Para se afirmar no qual se conquista a vida própria tirando-a dos seus seme-
além dos limites devidos, entrou na negação. Para se estender lhantes, enquanto, no caminho da positividade, para se con-
além da lei da sua existência, o ser saiu do S, isto é, da positivi- quistar a vida, é necessário procurá-la para os outros. Eis os
dade e de todas as suas qualidades, para entrar no AS, isto é, na dois tipos: o guerreiro, egoísta e agressivo, e o homem pacífico
negatividade, com todas as suas qualidades. Assim, do bem o do Evangelho, altruísta e pronto a colaborar. O primeiro é po-
ser caiu no mal; da luz, nas trevas; da vida, na morte; da felici- sitivo só em relação à gota de água que é o seu mundo, do qual
dade, na dor etc. Tudo é lógico. Então ele tem de ficar no mal, ele se faz centro, mas é negativo em relação ao universo, do
nas trevas, na morte, na dor, imerso nesse mar de tristeza, até qual, sem saber, faz parte e cujo centro é Deus. O mártir do sa-
atravessá-lo totalmente, reabsorvendo a negatividade que pas- crifício para o bem de todos é negativo na gota de água huma-
sou a ter com a revolta e, assim, neutralizando-a, voltar à Lei, na, mas é positivo dentro do universo, perante Deus. Tudo está
reintegrando-se na positividade perdida. emborcado em nosso ambiente terreno, por isso quem se sacri-
Com a revolta, o ser quis fazer de si mesmo centro e ponto fica para o bem do próximo é julgado fraco e condenado como
de referência, enquanto o centro só pode ser Deus e nada pode tolo. Explica-se assim por que há um absoluto antagonismo en-
existir senão em função desse ponto de referência. Eis por que, tre o mundo e o Evangelho, justificando-se a existência e o
com a revolta, o ser não podia adquirir senão qualidades nega- significado desses dois métodos opostos. O homem do dever
tivas. Elas agora são suas, e não há outro caminho para se liber- se sacrifica, mas constrói na ordem; o homem da força triunfa
tar delas senão a marcha à ré da reabsorção da negatividade e em proveito próprio, mas destrói, porque é rebelde à ordem. O
da recuperação da positividade. Para se endireitar, é necessário mártir morre, mas semeia vida; o herói do mundo vence e vive,
que o ser cumpra à sua custa o trabalho de se redimir e, com o mas semeia morte. O sacrifício em obediência à Lei reconstrói
seu retorno, cumpra, no caminho de regresso à ordem, a fadiga ao longo da linha positiva da dor; a força na revolta à Lei des-
de voltar atrás em disciplina, assimilando a sua culpa. Isto é trói ao longo da linha negativa do erro e do mal. O triunfo do
dor, e eis porque ela adquire qualidades positivas de recupera- mundo é emborcado ao negativo, nos antípodas do triunfo po-
ção. Eis a sua origem, a razão da sua presença, a função que sitivo nos céus, representando a vitória das células do câncer, e
cumpre e o objetivo que deve atingir. não o domínio das células sadias do organismo. O triunfo do
O impulso fundamental da existência é sempre do S, isto é, mundo se constrói esvaziando e destruindo, e não gerando e
no sentido positivo, portanto da própria vantagem. Mas o ser construindo valores. Por isso o homem permanece sempre in-
deveria realizar esse impulso no sentido positivo, dentro da or- saciável, pois aquele nutrimento é falso, negativo e não satis-
dem. Seu erro, porém, foi querer realizá-lo em sentido negativo, faz, mas apenas dá fome.
fora da ordem, dai o seu dano. Eis por que a linha do erro, NN 1, Verifica-se então o seguinte fenômeno. O caminho do erro
é também a linha de prejuízo do ser, enquanto a linha da dor, representa um trabalho que aspira, para fora do S ou da linha
N1N, é a de sua vantagem. Assim, uma vez que a linha do erro da Lei, uma quantidade de substância, que se inverte em nega-
é de emborcamento (−), a linha da dor é de endireitamento (+). tiva e constitui os espíritos rebeldes. Este processo gera um
Mas as linhas da negatividade e da positividade têm tam- espaço negativo, que se vai enchendo (AS) fora do campo da
bém outros significados afins e paralelos. Observemo-los para positividade (S) e, paralelamente, um correspondente vazio
esclarecer melhor o assunto. Na primeira linha, temos os re- dentro desse campo da positividade (S). Tudo isto, como é ló-
beldes, os criminosos, os guerreiros, os chamados fortes, que, à gico, gera um desequilíbrio, que é necessário equilibrar de
disciplina de todos os seres no estado orgânico do S, ao redor novo. Isto quer dizer que o deslocamento da positividade para
do centro único ou “Eu” de Deus, substituíram a revolta na de- a negatividade tem de ser compensado por um equivalente
sordem do caos, cada ser por si mesmo, cercado por outros caminho de regresso da negatividade para a positividade. En-
28 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
tão o vazio que se formou dentro do campo da positividade no outro, o segundo neutralizando o primeiro. Isto porque o
(S) tem de ser preenchido com o que saiu dele, processo no movimento que vai do + para o − gera uma carência no campo
qual se esvazia o terreno da negatividade (AS), com a reinte- do +, um débito que a negatividade tem de pagar à positivida-
gração da substância no estado positivo do S. de, ou seja um crédito que a positividade exige da negativida-
Eis por que existe a linha da dor. Explica-se, dessa forma, a de. Se o ser encontra satisfação na culpa que o afasta da Lei,
marcha à ré compensadora de todo o afastamento, o caminho de ele nada ganha com isso, porque se trata de um empréstimo
ida e volta, a necessidade de recuperação. Compreende-se, que ele tem de devolver aos equilíbrios da Lei com o seu es-
também, como a linha do erro, que vai para o mal, não pode re- forço e sofrimento. A linha do erro, NN 1, expressa o primeiro
presentar senão uma pseudovantagem, uma perda, porque é ga- destes dois movimentos (+ para −), enquanto a linha da dor,
nho ao negativo. Trata-se de uma dívida, um enriquecimento N1N, expressa o segundo movimento (− para +). Com a dor, o
momentâneo, que é necessário pagar depois. Representa um − paga o seu débito ao +, satisfazendo o crédito do +.
caminho de descida fácil, que depois temos de subir de novo, Uma consequência desta oposição de contrários é que o
com nosso próprio esforço. Significa um atalho para uma feli- homem da força, vitorioso no mundo, é um vencedor somente
cidade mentirosa, que se resolve no engano, do qual não pode- enquanto o ponto de referência é o AS, mas se torna um der-
mos sair senão recuperando tudo com o nosso sofrimento. Tudo rotado em relação ao S, que representa o organismo maior e
isso nos mostra a verdade e nos ensina que a desobediência é mais poderoso. Trata-se então, como dizíamos, de uma vitória
erro. Infelizmente, não há outro meio. O raciocínio, que de- em pura perda, de um débito a pagar, de um empréstimo a de-
monstra e convence, não tem valor para o rebelde, pois a forma volver, ou, mais exatamente, de um roubo aos equilíbrios da
mental de quem vive neste estado de negatividade não se baseia Lei, delito que, perante a justiça de Deus, é culpa e exige a
na lógica, mas sim no absurdo. Faz-se necessário então a dor, sua penitência. O S está representado na Terra pelo homem do
que se imprime no subconsciente, pois só ela tem o poder de, altruísmo e do sacrifício. O AS está representado pelo homem
queimando, fincar nos instintos um marco indelével. do egoísmo e da prepotência. Que S e AS não são teorias fora
Eis a razão e a técnica dessa justiça compensadora, pela da realidade está provado pela presença destes seus dois
qual, automaticamente, todo afastamento tem de se endireitar exemplos vivos e concretos. O julgamento que o homem co-
com o regresso à Lei. O ser que quis gerar o impulso do embor- mum em geral faz desses dois tipos é logicamente às avessas,
camento tem de ficar sujeito a esse mesmo princípio até ao fim, porque ele é filho emborcado da revolta e tem, por isso, seu
isto é, até à completa reconstrução da ordem violada. Trata-se ponto de referência no anticentro negativo do AS. O choque
do mesmo impulso de emborcamento que, por inércia, tem de entre esses dois tipos é contínuo na Terra, tal como entre a luz
continuar, automaticamente, até atingir seu endireitamento, reti- e as trevas, a verdade e o erro etc. O terreno da vida e da evo-
ficando tudo. No microcosmo de nosso mundo, parece que, as- lução é o campo de luta da criatura contra o Criador e vice-
sim como as trajetórias de nosso pequeno espaço terrestre, a li- versa. Há inconciliável antagonismo, como diz o Evangelho,
nha do desenvolvimento causa-efeito seja uma reta e que o en- entre os dois opostos: Deus e o mundo. Por isso Cristo falou
cadeamento dos trechos causa-efeito aparece como uma junção que não se pode servir ao mesmo tempo a dois senhores. A ta-
de retas, uma após a outra. Todavia, saindo desse pequeno espa- refa da evolução é destruir o tipo separatista do homem da vi-
ço terrestre, encontramos no universo astronômico outro tipo de olência, substituindo-lhe pelo tipo colaboracionista do homem
espaço, cuja curvatura nos indica que a sucessão causa-efeito, do amor. Este é o conteúdo do percurso da linha YX da evo-
vista no seu conjunto ou totalidade do seu ciclo completo, tam- lução, assim como da linha N1N.
bém se torna uma curva, fechando-se sobre si mesma. Disto se Explica-se assim a psicologia dos santos e dos mártires do
conclui que o efeito não é uma consequência que, ao longo de ideal, que parece loucura ao mundo. Eles vivem no caminho da
uma reta, afasta-se do seu ponto de partida, mas sim um mo- dor, que é o trecho de regresso para a positividade, N 1N, indo
mento do desenvolvimento de uma curva que tem de voltar para a Lei, seu ponto de referência e objetivo. Para quem vive
àquele ponto, à causa que gerou tudo. Os dois termos, causa e neste caminho, orientado nesta direção, a morte é vida. O ho-
efeito, não são então os dois extremos de uma reta, mas sim o mem comum não pode entender essa psicologia, porque está
mesmo ponto, onde se inicia e se fecha o mesmo ciclo. No to- percorrendo o caminho oposto NN 1, de ida para a negativida-
do, não podem existir afastamentos verdadeiros e definitivos, de, que o afasta da Lei. Aqui, o ponto de referência é o próprio
sendo impossível o ser gerar deslocamentos nas imutáveis posi- “eu”. Eis então que o sacrifício é perda, e a morte é morte. É
ções da ordem universal. Podem existir oscilações parciais e lógico que esses valores sejam vistos em função do respectivo
compensadas, aparentes e particulares, semelhantes às ondas do ponto de referência e que, se esse pontos são emborcados, as
mar ou às vibrações da matéria, movimentos que nada deslo- mesmas coisas adquiram um valor oposto. É assim que a morte
cam, pois tudo acaba reintegrado no estado de origem, como pode significar vida e a vida, morte. Então, quando o ser se en-
Deus quer. Eis a razão pela qual a involução tem de ser corrigi- contra na posição direita de positividade, cujo ponto de refe-
da pela evolução. Eis por que, à linha do afastamento da Lei ou rência é o “eu” universal, Deus, é lógico que ele viva em obe-
linha do erro, tem de seguir a linha de regresso ou linha da dor. diência e em função do S, e que a morte, então, tenha valor de
A obra de Deus é inviolável, e nada, em definitivo, o ser pode vida, e a vida, de morte. Mas, quando, pelo contrário, o ser se
nela mudar. Se ele, por ser livre, pode realizar alguma mudan- encontra na posição emborcada de negatividade, cujo ponto de
ça, tudo tem, no entanto, de voltar ao seu ponto de partida e ser referência é o “eu” individual, em função do AS, aquela con-
restaurado na integridade do seu estado de origem. cepção de vida tem de adquirir o valor de morte, e a morte, de
Vamos assim observando sempre mais em profundidade o vida. Para quem vai do + para o −, é lógico que tudo seja às
significado das linhas da negatividade e da positividade. Ve- avessas de quem vai do − para o +.
mos que a contraposição entre estes dois termos opostos, na Eis um exemplo que nos mostra como a mente humana,
substância, não é cisão, mas sim um conjunto dualista, que ainda emborcada no AS, é levada a conceber tudo às avessas. A
constitui a forma e o conteúdo da unidade. Eis então que o du- ressurreição de Cristo é concebida pelas religiões como um mi-
alismo, ao invés de dividir e afastar, como se poderia acreditar, lagre (sobrevivência física), sendo encarada como prova de vi-
liga e funde no mesmo ciclo seus dois termos opostos consti- tória sobre a morte. Ela é prova de vida para a psicologia do in-
tuintes, que, em última análise, não são senão as suas duas me- voluído do AS, porque, para ele, a vida está no corpo, mas sig-
tades. O dualismo não é cisão, mas complementaridade entre nifica morte para a forma mental do evoluído, porque, para ele,
dois movimentos contrários compensados, que se invertem um a vida está no espírito. O fato de que o homem concebe a res-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 29
surreição de Cristo como prova de vida física, demonstra que dívida de negatividade, numa vida temporária, que se amarra
ele concebe como positivo o que é negativo, julgando ser vida o à necessidade de morrer. Mas o mártir do sacrifício, quando
que é morte. Somente pode fazer isto o ser que está situado na perde sua vida, vencido na Terra, ele de fato ganha vida, por-
negatividade do AS. Para o ser situado no polo oposto (+), o que, ao sacrificá-la, adquire crédito, pelo qual terá de ser
corpo (−) representa apenas a forma, a casca que aprisiona o compensado; quando, com a sua bondade e o seu sofrimento,
espírito, ou seja, não significa vida, mas sim morte, na qual a é vencido, ele está de fato evoluindo, subindo para a felicida-
positividade se precipita na negatividade. Para satisfazer o ins- de do S, para obter uma vantagem estável, que não é emprés-
tinto do homem, o mito da ressurreição de Cristo deifica este timo a devolver, mas sim positividade na vida eterna, onde a
produto da negatividade, a matéria, levando-o para fora do úni- morte não existe. O primeiro método parece certo, mas está
co ambiente no qual ele encontra uma razão para existir: a Ter- errado, porque é contraproducente, gerando dano ao invés de
ra, razão que não existe nos céus. vantagem. O segundo método parece errado, mas está certo,
Que a maior paixão de Cristo consista na sua descida até à porque é produtivo, gerando verdadeira vantagem, e não dano
matéria, isto é concebível. Mas que Ele tivesse de levar consigo como parece. E não poderia ser de outro modo, pois, no terre-
aos céus o instrumento da sua maior tortura, é difícil compreen- no do emborcamento, não pode existir senão verdade às aves-
der. Tanto mais isto é verdade, que essa sobrevivência nos céus, sas, isto é, engano. E este é o método do mal, que promete
de uma estrutura feita somente para a Terra e, portanto, em nada vantagem, mas traz o resultado contrário.
proporcionado àquele ambiente, implicava no fato de que o espí- É lógico que as vitórias do mundo sejam contraproducen-
rito de Cristo teria de continuar morando aprisionado em um tes, porque seguem o caminho da negatividade. Os triunfos do
corpo, a não ser que este fosse colocado de lado como uma relí- mal são como afirmação de vida do câncer. Quanto mais ele
quia sem vida, tornando-se outro cadáver a enterrar. Então, essa cresce e vence, tanto mais se aproxima da morte, porque é ne-
ressurreição não seria a continuação da vida de Cristo, mas a gativo, não tem vida própria e não pode viver senão destruin-
perpetuação de seu aprisionamento na negatividade da matéria, do a vida dos outros. Esta é a automática punição daqueles
o que, para o espírito, é morte. Impor a Cristo essa condenação que vencem à custa dos outros, querendo, com a força ou a as-
para sempre, mesmo depois de ter Ele, com a morte, atingido a túcia, furtar-se à justiça da Lei. Nada se pode ganhar com o
libertação, é crueldade demais. Além disso, sem essa libertação roubo. O que é fictício não pode dar senão frutos falsos. Mais
pela destruição do corpo físico, como poderia ele, preso no invó- cedo ou mais tarde, cada um tem de ficar reduzido aos seus
lucro da animalidade humana, voltar ao Pai? valores substanciais. O que é negativo e desejaria viver à cus-
O homem, porque vive na negatividade do AS, acredita que ta da positividade dos outros, tem de acabar aniquilado no va-
a vida e o “eu” consistam no corpo. Para ele, a morte é morte, e zio da sua negatividade. Quem age positivamente ganha vida,
não libertação. Porém a verdadeira ressurreição está nessa des- quem age negativamente ganha morte. O primeiro evolui para
truição material, que liberta o espírito. A sobrevivência física é o S, enchendo-se de vida e enriquecendo-se de todas as quali-
morte. Mas, para o homem, que concebe a vida às avessas, é dades positivas. O segundo involui para o AS, esvaziando-se
necessário que esse corpo saia do túmulo, para continuar vi- de vida, empobrecendo-se de todas as qualidades positivas e
vendo O homem concebe tudo à sua imagem e semelhança, adquirindo as negativas. Por isso, como nos referimos há pou-
porque não pode pensar senão com o seu cérebro e a sua forma co, as conquistas do mundo nunca chegam a satisfazer a insa-
mental, que é filha do plano físico onde ele se encontra. Para ciável fome de nossa negatividade.
ele, tudo o que sai desse seu mundo desaparece na morte, dei- O vencedor no mundo não é vencedor. Na sua vitória está a
xando de existir porque não é mais percebido. As ideias do ho- sua condenação, porque, com ela, ele penetrou mais e se tor-
mem saem do seu cérebro para satisfazer as suas necessidades. nou rei no AS, que é o reino das dores. As vitórias humanas
Assim, ele transforma tudo em mito para o seu uso, conforme vacilam e acabam caindo, porque não têm base. Não se pode
as suas exigências mentais. E isto é justo, porque as religiões adquirir coisa alguma furtando-a aos equilíbrios da Lei. A feli-
são feitas para o homem. O mito é uma adaptação dos fatos às cidade só pode ser atingida permanecendo-se na ordem do S,
necessidades da psicologia humana, que assim os transforma. A com o método positivo. Pela própria estrutura do fenômeno,
verdade é outra coisa, que existe de modo independente da ma- nunca se poderá, com o método da negatividade, encontrar se-
neira como o homem a vê. As interpretações que o homem faz não felicidade emborcada, isto é, dor. A condenação do rebel-
dela comprovam este fato, porquanto mudam e evoluem com o de está no fato de que ele não pode seguir outro caminho. A
seu cérebro, demonstrando que o ponto de referência é o “eu” sua meta natural e fatal é o fracasso. Furtar felicidade não pode
humano. Isto significa antropomorfismo, que é egocentrismo, e dar felicidade, mas somente carência de felicidade. A punição
prova que o ser humano pertence ao AS. está no fato de que o rebelde, pela sua própria posição, tem de
O mundo, pelo fato de estar imerso no AS, é ignorante. Por acreditar no absurdo e na possibilidade de se realizar alguma
isso vive enganado, acreditando que a vida seja vida, quando de coisa ao negativo. Com o método da revolta somente se pode
fato é morte; pensando que o caminho da desobediência o con- atingir a falta do que procuramos. O absurdo está em acreditar
duza à felicidade, quando de fato o leva à dor. E, quanto mais que equilíbrios estáveis possam ser mantidos com o poder da
ele se apega a essa sua vida de emborcado em busca de gozo, força, e não com a justiça. A primeira gera desequilíbrio ainda
tanto mais se aproxima do sofrimento. Tudo isto se explica com maior, enquanto a segunda vai gerar o verdadeiro equilíbrio.
plena lógica e justiça, pois quem vive na negatividade não ob- Com a mentira, não se pode encontrar a verdade. Posições es-
serva senão o contrário do que aparece, invertendo todas as táveis não se podem basear sobre valores falsos. Só com a sin-
afirmações em negações. Por isso o mundo foi definido como a ceridade e a honestidade é possível construir. A astúcia e a
grande Maya2 ou ilusão. Quem tem a forma mental emborcada mentira podem realizar apenas uma pseudoconstrução, que pa-
na negatividade encontra a morte onde, ao invés, há vida. rece construção, mas é destruição. Os efeitos não podem ser de
Acontece que o herói da força, quando acredita obter vida, natureza diferente das causas que os geraram.
vencendo na Terra, ele obtém de fato morte, porque, endivi- É lógico que a felicidade do mundo acabe no sofrimento.
dando-se, terá de pagar depois; quando triunfa com a violên- Quando se procura a felicidade em direção negativa, é lógico
cia, acreditando lucrar, ele está de fato involuindo, isto é, des- que não se possa encontrar senão felicidade ao negativo, isto
cendo à dor do AS, para obter uma vantagem instável, que é é, sofrimento. Com a revolta, o ser saiu do estado de felicida-
de, que, no S, é natural, espontâneo, fundamental, e caiu na
2
Termo sânscrito: engano, aparência (N. da E.). carência dele, guardando no instinto a saudade insaciável de
30 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
sua condição de origem. Afastar-se do S, assim como fugir da ticular, mas no universal, ele permaneceu bem afastado da rea-
Lei, é uma procura de satisfação fora da direção correta. Uma lidade que nos cerca, aquela que melhor compreendemos.
vez que NN1 é a linha do erro, é lógico que a procura de feli- Continuando, porém, no mesmo caminho, eis que o se-
cidade neste sentido emborcado gere dor. Quando o movi- gundo volume, O Sistema, aproximou-se de nosso mundo, pa-
mento chega em N1, atingindo a plenitude da negatividade, o ra encontrar nele as primeiras consequências concretas e par-
ser caiu em cheio no inferno da dor. Para se libertar desta ticulares dos princípios abstratos e universais do primeiro vo-
condição e não sofrer mais, não existe outro caminho senão o lume. A maneira de tratar o assunto se humanizou então,
regresso ao ponto de partida, percorrendo às avessas para a aproximando-se cada vez mais da forma mental do homem,
positividade o trajeto que foi percorrido no sentido da negati- apoiando-se nos seus pontos de referência. Por isso esse livro
vidade. O esforço da subida tem de pagar a fácil descida, a lu- foi mais bem compreendido.
ta no sofrimento tem de compensar o roubo de alegrias não Por esse mesmo caminho, chegamos ao presente volume,
merecidas. Só o trabalho de reordenação na ordem poderá li- Queda e Salvação, no qual a primeira visão, atingindo as suas
bertar o ser da desordem que o atormenta. últimas consequências, enxerta-se em cheio e se funde em nos-
Somente nos apercebendo que vivemos num mundo em- sa vida humana, como lei de salvação. Podemos agora, como
borcado, poderemos compreender essas verdades e encontrar estamos fazendo no momento presente, ao chegar neste ponto
uma explicação para as ações humanas e seus resultados. Nesta de nosso caminho, explicar esta nova ética. Podemos compre-
posição, a verdade parece erro, e o erro parece verdade. As ender por que, depois de ter nos outros livros falado da teoria
conquistas reais se fazem obedecendo a Deus, na ordem da geral da criação, acabamos agora falando da conduta humana,
Lei, e não se impondo ao próximo à força, com o próprio ego- do erro e da dor, da Lei e da redenção. Eis o valor prático e o
ísmo. A riqueza é conquistada com o desapego e o desejo de fruto concreto das abstrações do livro Deus e Universo.
usá-la para o bem dos outros. As aparências nos mostram uma O caminho foi longo, mas era necessário percorrê-lo todo,
face oposta à verdade. O que é absurdo se apresenta como ló- porque, se não tivéssemos começado das primeiras origens das
gico, e o que é lógico se apresenta como absurdo. Mundo es- coisas, não teria sido possível chegar a esse tipo de ética, isto
tranho este, onde tudo está disfarçado em formas enganadoras é, não empírica e arbitrária, mas sim racional, justificada pelo
e onde as portas se fecham, abrindo-as, e se abrem, fechando- fato de derivar, por dedução lógica, dos princípios absolutos de
as. O corpo, onde vemos a vida, representa a morte de nosso Deus e da Sua primeira criação. Se quiséssemos traçar o fio
verdadeiro “eu” espiritual, enquanto o fim deste corpo, o que condutor que liga esses três livros, poderíamos dizer que eles
chamamos de morte, abre as portas à vida. representam o mesmo caminho pelo qual Deus vai progressi-
As religiões e a ética conhecem e ensinam estas conclusões. vamente sempre mais se aproximando de nós. Esta nova ética
Dirigindo a nossa conduta, elas nos mostram o caminho da sal- é a etapa final, o ponto de chegada deste caminho, constituindo
vação. Não dizem a razão pela qual temos de segui-lo, parecen- o momento em que Deus aparece entre nós, vivo na Sua Lei,
do não saber por que isto acontece, o que justifica essas nor- para nos salvar, dirigindo-nos e impulsionando-nos para o S. É
mas, qual é o jogo íntimo do fenômeno da redenção que esta- assim que da teoria da queda chegamos à demonstração desta
mos vivendo e por que temos de realizá-la. O fato é que o ser se nova ética racional, que constitui o objetivo deste livro.
encontrava no paraíso do S, mas, devido à desobediência, saiu O mundo precisa desse novo tipo de ética, bem sólida.
de lá e caiu de cabeça para baixo no inferno do AS. O ser está Uma ética derivada dos princípios fundamentais que regem o
agora saindo deste inferno e tem de reconquistar o paraíso per- universo, apresentada de forma lógica, demonstrada e susten-
dido, atravessando um purgatório de penitência, constituído de tada por eles, mas, ao mesmo tempo, coerente com a realida-
um imenso oceano de dores. Estamos encontrando sempre no- de de nossa vida prática, capaz de explicá-la até às suas pri-
vos fatos que nos confirmam esta teoria. meiras causas, confirmando com os fatos ao nosso redor os
princípios universais.
V. PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA A ética hoje vigorante em nosso mundo e as regras de vida
que o homem estabelece para si de fato, não são produtos nem
Antes de continuar a nossa pesquisa no terreno da ética, pa- da lógica nem do conhecimento, mas constituem um simples
remos um pouco para nos orientar. O nosso caminho se dirige desabafo de instintos, produto do subconsciente. O ponto de
do universal para o particular, do tronco para os ramos. Depois partida desta ética é a fera, e o seu ponto de referência é a ani-
de ter explicado as teorias gerais nos nossos livros: Deus e malidade. Esta ética, exatamente pelo fato de ensinar a supera-
Universo e O Sistema, entramos, agora, no terreno das suas ção do nível biológico da fera, reconhece e prova com isso que
consequências práticas. Isto é útil, porque aproxima o absoluto o homem pertence a esse plano de vida. Quando os mandamen-
de nosso relativo, transformando os longínquos princípios abs- tos dizem: “não matarás”, pressupõem que o desejo do homem
tratos em normas práticas à nossa vida. É necessário, porém, é matar, e quem quer agir assim é fera. Tanto isto é verdade,
não perder contato com aqueles princípios fundamentais, por- que o homem, apesar de todas as leis e sanções penais e religio-
que, se nos afastarmos daquele fio condutor que tudo orienta, sas, continua matando. A ética representa uma tentativa de apa-
há o risco de nos perdermos no labirinto das particularidades gar esses instintos, regulando-os e disciplinando-os, o que de-
de que está feita a realidade dos fatos. Neste caso, ficaremos monstra o seu conteúdo fundamental.
imersos na ilusão das aparências da superfície e nos escapará o As grandes massas humanas vivem nesse nível. Estes instin-
verdadeiro sentido das coisas. tos se encontram adormecidos apenas momentaneamente, pois
Eis então as linhas gerais de nosso caminho, no qual procu- estão sempre prontos a reaparecer, como vimos nas últimas duas
ramos conciliar as duas exigências opostas. A primeira visão guerras e como vemos, também fora do terreno bélico, a cada dia
apareceu na sua forma mais abstrata no livro Deus e Universo. na delinquência. E as verdades que vigoram na prática são aque-
Aí, a concepção é cósmica, científica, esquemática, fria, tão las estabelecidas pela maioria, cuja vontade os chefes mais ilu-
acima da realidade de nosso mundo, que parecia não ter contato minados, caso eles não sejam da mesma raça e não possuam os
nem qualquer relação possível com a vida prática, que nos inte- mesmos instintos, têm de conhecer para se adaptar ela, se quise-
ressa de fato. Por isso esse livro não foi compreendido, pois ele, rem ser obedecidos. Infelizmente, o homem não é de forma al-
iniciando a partir das primeiras origens, permaneceu no terreno guma civilizado. Se ele assim se considera, é apenas por orgulho.
do absoluto, longe de nosso relativo. Focalizado não no concre- A civilização é apenas um verniz colocado na superfície, pintado
to, mas no abstrato, não no prático, mas no teórico, não no par- por fora. Nos fatos, o homem vive a lei da sua animalidade.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 31
Isto não quer dizer que não exista na Terra uma ética supe- tro cérebro senão este, como pode ele compreender que Deus
rior. Mas ela não é produto do homem, desceu do Alto por re- está completamente acima desta forma mental? Outro Deus
velação, ditada a seres superiores excepcionais, que no-la ensi- representa para ele um inconcebível. De tal cérebro humano,
naram. Mas esta é a ética oficial, escrita nos livros e nas leis, nascido das necessidades e feito para resolver os problemas da
aquela que se prega, não a que se pratica. Ela representa uma vida material, não podia sair outra concepção senão esta. O
tentativa para civilizar o animal humano. A este convite e à homem comum pensa que o mais forte seja também o mais
ajuda do Alto para melhorar e subir, os instintos inferiores gra- perigoso, porque a experiência com a qual ele construiu a sua
vados no subconsciente responderam com o método dos rebel- forma mental lhe ensinou que quem tem o poder nas mãos
des do AS, lutando para se eximir do esforço evolutivo, eva- costuma fazer dele um uso egoísta, só para a vantagem pró-
dindo-se desse jugo para libertar-se desse constrangimento. As- pria e o dano dos outros. Os chefes que o homem conhece na
sim, os seres inferiores, ainda criaturas do AS, apegados à sua Terra são, na maioria dos casos, dominadores que escravizam
forma mental de rebeldes, procuraram aprender a arte de esqui- e exploram os seus súditos. Os cidadãos, por experiência mi-
var-se da disciplina, ao invés de segui-la. Da escola da ética lenária, consideram os governantes como patrões, seus inimi-
saiu uma contraescola às avessas, com a sabedoria dos embor- gos naturais, assim como acontece para cada criado em rela-
camentos, própria do AS, constituída de adaptações, sagacida- ção a seu dono. Então é dever defender-se, é mérito e valor
des, astúcias e escapatórias. Seguindo o instinto fundamental, usar a inteligência não para obedecer, mas para torcer tais leis
que é o egocentrismo, a ética, ao invés de praticar as virtudes inimigas, usando a astúcia para escapar delas.
para melhorar, emborcou-se na procura e na perseguição dos Eis o que está no cérebro do involuído. Mas, logo que se de-
defeitos do próximo. Assim, o homem conseguiu emborcar a senvolva um pouco a inteligência, aparece o absurdo de tudo is-
lógica do S na do AS. Infelizmente, o maior trabalho de todas to. Deus não é de maneira nenhuma um chefe desse tipo. Ele
as formas de cristianismo na Terra, isto é, dos seguidores de não domina para escravizar e explorar as Suas criaturas. As Su-
Cristo, transforma-se, em última análise, na arte de enganá-Lo. as leis são sábias e benfazejas, e obedecer a elas não é dano,
Acreditando que aprenderam a se evadir das Suas leis e respec- mas vantagem. Tal Deus é muito inteligente, justo e bom. Pode-
tivas sanções, pensam que podem lograr a Deus. Como verda- se falar com Ele, porque sabe compreender bem, e o homem
deiro cidadão do AS, o homem preferiu colocar-se na posição honesto não tem o que temer Dele. Ele não está morando nos
de luta contra a Lei do S e, ao invés de se transformar conforme céus, como um soberano no meio da Sua corte, olhando de lon-
os ditames dela, busca torcê-la, adaptando-a aos seus instintos ge para o nosso inferno selvagem, só para receber na Sua glória
inferiores. Assim, a sabedoria dos deveres se tornou, nas mãos egoísta as nossas humildes homenagens. Ele está sempre pre-
do homem, a sabedoria das escapatórias. sente, vivo entre nós, operando ao nosso lado, tomando parte na
O homem acabou criando para si um Deus à sua imagem e vida e nas dores dos Seus filhos. Não precisa de ministros e in-
semelhança, conforme a sua forma mental e instintos. Tudo is- termediários hierárquicos para nos comunicarmos com Ele e,
to foi trabalho despercebido, fruto de instintos, feito sem que- quando falarmos de coração aberto e tivermos nosso ouvido
rer nem saber, sem má fé; trabalho realizado no passado, bastante sensibilizado para ouvir a Sua voz profunda, Ele nos
quando o controle positivo das ciências psicológicas, que ana- responderá, dizendo-nos coisas maravilhosas, bem diferentes
lisam esses fenômenos, era desconhecido; trabalho profundo daquilo que os homens dizem. Descortina-se então um mundo
do subconsciente das massas, do qual as próprias Igrejas fazem novo, que a Terra não conhece, onde tudo é claro, justo e bom,
parte, porque elas, no seu conjunto, não podem ser constituídas de uma sabedoria e de uma beleza indescritíveis. Aparece então
por biótipos diferentes do comum. todo o absurdo da corrente concepção de Deus, pela qual não se
Aconteceu deste modo porque, na luta entre o ideal e o pode chegar à obediência a não ser pelo caminho do terror, co-
homem, quem, até o momento, venceu na Terra foi o homem. mo exigem os selvagens, enquanto, pelo contrário, é vantagem
A ele pertencem o passado e o presente, ao ideal somente resta e festa tornar-se, mesmo que seja em medida mínima, conforme
o futuro. Apesar das revelações das religiões, o homem criou as próprias forças, operários colaboradores de Deus na grande
para si uma ideia absurda de Deus, que vigora na prática, pro- obra da evolução redentora da criatura decaída.
duto da forma mental do homem, a única que ele sabe compre- Se o homem concebe tudo às avessas, isto se deve ao fato
ender, porque corresponde aos seus instintos. A sua lei é a luta de estar ele situado no AS. É a sua posição de emborcado que o
pela vida, que impõe a necessidade de vencer, se quiser sobre- leva a imaginar um Deus emborcado, que domina à força e faz
viver. Daí o instinto fundamental do homem de se afirmar con- mau uso do Seu poder, atormentando-nos com punições doloro-
tra todos. Eis então que o Deus concebido pelo homem tem de sas, enquanto a causa dos nossos sofrimentos não é Deus nem a
ser antes de tudo, para ser obedecido, o mais forte, o todo- Lei, mas a nossa desordem e desobediência a Ele e à Sua lei.
poderoso no sentido humano de arbítrio, capaz de impor com o Deus não pune. Somos nós que nos punimos a nós mesmos.
milagre, ainda que se contradizendo, uma correção à Sua pró- Somente nós, que estamos no AS, podemos fazer alguma coisa
pria lei, efeito do capricho de uma vontade desordenada, inad- de negativo, que vai contra a vida e a nossa felicidade. Repre-
missível na perfeita organicidade do universo. Este Deus pode senta o maior absurdo acreditar que alguma coisa desse gênero
operar à vontade, fora da lógica e dos justos equilíbrios do me- possa sair das mãos de Deus, que existe no S e representa o
recimento. Ele é respeitado não pela Sua inteligência, justiça e centro de toda a positividade. Mas quem está situado no AS não
bondade, mas porque está armado de punições infernais eter- pode conceber tudo o que se encontra perfeitamente lógico no
nas. Isto revela o homem primitivo, que, desprovido de raciocí- S, senão emborcado no absurdo de que está feito o AS. Tal é a
nio, não age convencido pela compreensão, mas só pelo terror lógica do AS, a lógica do absurdo. E é lógico também que a ló-
do seu prejuízo. Este homem não pode ser dirigido pelos cami- gica do AS não possa ser senão a lógica do absurdo.
nhos de uma inteligência que ele ainda não desenvolveu, mas Eis a ética atual e as suas bases psicológicas. O tipo de ética
só pelo temor do mais forte. É deste temor que foi gerado o de- que explicamos aqui é diferente. Nela não há lugar para enga-
sejo de escapar da força de Deus. Eis então como Ele foi con- nos. Encontramos finalmente uma ética sem escapatórias. Ela é
cebido como um simples ser, ludibriável com astúcias, suscep- sincera, evidente, claramente demonstrada. Nela, funciona em
tível de ser amansado com sacrifícios, ofertas e preces. toda a hora e lugar, automática e infalível, a justiça de um Deus
Ninguém pode sair da sua forma mental e conceber mais que não é pequenino fruto da forma mental do homem, mas es-
do que a sua ignorância permite. Se a psicologia do homem é tá bem acima de nosso mundo, ao lado de Sua bondade. Um
subjugar o fraco e enganar o simplório, e se não ele possui ou- Deus tão inteligente, que não há astúcia humana que O possa
32 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
enganar. Embora o primeiro desejo do homem seja aproveitar- gundo o seu tipo, revelando assim a sua natureza e recebendo as
se da bondade alheia, porque a julga fraqueza, Deus previu tudo consequências que merece. Logicamente, quem entendeu o jogo
isto e arrumou as coisas de maneira tão justa e perfeita, que Ele das ilusões da vida não cai mais nelas. Assim, é justo que quem
pode continuar infinitamente bom, sem que por isso seja possí- tem cobiça seja por ela atraído e submetido aos perigos que são
vel aos seres inferiores explorar esta Sua bondade. Pelo contrá- evitados por quem não tem cobiça, pois isto é o que cada um
rio, como estamos demonstrando neste livro, vigora substanci- merece, além disso é bom que quem ainda não sabe aprenda.
almente uma lei de justiça, soberana e absoluta, pela qual tudo Deste modo, quem ainda não subiu tem de subir. Quanto
volta à sua fonte geradora e quem faz o mal o faz a si mesmo. mais o ser se encontra atrasado em baixo na escala evolutiva,
Quem entendeu a lógica e a técnica desse fenômeno conhece tanto mais para ele a lei é a força. Mas quanto mais ele pro-
uma grande verdade, que o mundo não conhece e paga caro por gride, tanto mais a lei se transforma em justiça. Assim à lei do
isso, ou seja, sabe que fazer o mal nunca pode levar à própria “eu” separado e rebelde, substitui-se a lei do “eu” organizado
vantagem, mas só ao próprio dano; sabe que tentar ser astuto pa- e disciplinado. A primeira é a dura lei do AS, a segunda é a do
ra lograr a Deus, significa querer ser astuto para intrujar apenas S. Tudo isto também é lógico e justo, correspondendo ao me-
a si mesmo. Perante tal sabedoria da Lei, as armas humanas da recimento. Para quem, com o seu esforço, subiu acima de to-
força e da astúcia não têm poder algum. No final, a Lei corta as das as prepotências humanas, funciona uma lei de justiça, que
garras da fera e a justiça triunfa. Os inferiores podem gerar o in- ninguém pode torcer ou enganar. Se o passado e o presente
ferno só para si. Que Deus possa ser enganado é um absurdo em pertencem ao mal, o futuro, por lei de evolução, pertence ao
que só o involuído, na sua ignorância, pode acreditar. O que de bem, que não pode deixar de ser o vencedor final. Das pro-
fato vigora na substância é a lei do merecimento. Isto significa o fundidades da vida responde uma voz que satisfaz a procura
triunfo da sinceridade, bondade e honestidade, qualidades hoje desesperada dos honestos em busca de justiça. Esta voz nos
completamente desvalorizadas em nosso mundo, que segue a lei diz que há para todos uma lei de justiça, que ninguém pode
do mais forte e as considera quase imperdoáveis fraquezas de torcer ou enganar para escapar a ela.
doentes. Trata-se de um Deus no qual se pode confiar, porque dá ◘ ◘ ◘
prova de ser invencível de fato; um Deus mais inteligente, cuja Eis o conteúdo deste novo tipo de ética. Finalmente, ao tra-
Lei não pode ser torcida; um Deus no qual se pode acreditar, se- balho milenário do homem, para torcer as verdades eternas e
guindo-O, porque Ele sabe garantir a vida para quem segue a adaptá-las aos seus instintos inferiores, querendo enganar a Deus
Sua Lei, que o mundo julga loucura; um Deus que pode ser se- para escapar às suas leis, é possível hoje contrapor uma concep-
guido em segurança, porque significa inviolável justiça, que tu- ção diferente da vida, em que o jogo contra a Lei é um absurdo
do retribui segundo o merecimento. antiutilitário, perigoso e contraproducente. Finalmente, um lugar
É interessante observar a técnica dessa luta, na qual, contra onde há justiça, onde é possível ser sincero e honesto sem ter de
a força e a astúcia do homem, vence a sabedoria e a justiça de pagar caro por isso. Finalmente, alguém em quem se pode con-
Deus. O ponto fraco do método do homem é a sua posição em- fiar e colaborar com amizade, um amigo que ajuda, e não um ser
borcada de cidadão do AS. Ele é forte e astuto, mas o seu ego- todo-poderoso que vive só para si e contra o qual temos de nos
centrismo separatista o expulsa do terreno do S, onde está o co- defender. Finalmente, um Deus inteligente, que, ao invés de se
nhecimento, deixando-o isolado na sua ignorância. E, no fundo apegar à forma, compreende a substância. Um Deus que vive ao
dessa sua ignorância, ele continua acreditando saber tudo. A re- nosso lado, luta e sofre conosco, que é, com justiça imparcial,
volta, filha do egocentrismo, significa orgulho, e o orgulho tira vencedor absoluto dos maus, onde quer que eles estejam, sem
a visão. Assim, apesar de cego, o homem se julga plenamente favorecer grupo algum para condenar todos os demais. Caem as-
capaz de se orientar. Alucinado por esta condição, ele acredita sim as barreiras interesseiras humanas, e cada um é julgado não
nas ilusões do mundo e nas miragens criadas pelos seus desejos, pela sua posição terrena, mas segundo o que é e merece. Então
estando sempre pronto a cair em qualquer uma das incontáveis os maus ficam maus e pagam, e os bons ficam bons e recebem,
armadilhas contidas em seu ambiente terreno. Seu orgulho, re- qualquer que seja a sua nação, grupo, partido ou religião.
sultado do exagerado crescimento do “eu”, leva-o a crer que Deus não é chefe desta ou daquela hierarquia religiosa, mo-
bastam a força e a astúcia individual para vencer, desconside- nopolizado por ela e armado contra os deuses de todas as outras
rando totalmente o fator merecimento. Este, no entanto, é o religiões. Ele é universal, abraçando a todos sem preferências e
único meio para obter alicerces firmes na construção de nosso exclusividades; usa a Sua Lei na mesma medida para todos,
destino e de nossa posição na vida, porque só o merecimento sem privilegiar um grupo em detrimento dos demais. Sua justi-
representa o verdadeiro valor. Apoiando-se sobre estas bases ça está acima de todas as injustiças humanas; é universal, e não
verdadeiras, respeitando os princípios de equilíbrio e de ordem particular; é amiga de todos os justos, e não somente dos segui-
da Lei, qualquer posição pode resistir, porque é real, e não ar- dores de um dado grupo, considerados bons, e inimiga dos se-
rancada pela força ou furtada com a mentira. guidores de outros grupos, somente por isso considerados
Sabemos que esta ética não pode satisfazer aos fortes e aos maus. É necessário superar essa psicologia animal de vencedor
astutos do mundo, que não a aceitam, pois não a compreendem, e vencido, pela qual tudo o que é feito por quem vence está cer-
mas somente aos maduros, que a merecem. Nada se pode ganhar to, e tudo o que é feito por quem perde está errado!
de graça, e quem não fizer o esforço necessário para subir, tem Encontramos nessa ética uma verdade sólida, positiva, aci-
de ficar em sua ignorância, submetido aos respectivos erros e so- ma da luta, dos poderes e dos enganos do mundo. Ninguém lhe
frimentos, até ter aprendido toda a lição. Seria fácil demais re- escapa. Não adianta possuir comando de grande chefe, recursos
solver o problema da evolução e da salvação só porque alguém econômicos, poder bélico ou força política. Não há como fugir,
nos explicou o método com palavras. Os mestres ensinam, mas mesmo se tratando da massa do povo, que, por representar a
nós mesmos temos de fazer o trabalho de nosso amadurecimen- maioria, age como quiser. As nações têm de pagar, assim como
to; nós mesmos temos de aprender à nossa custa, pagando as os indivíduos. Ninguém pode fazer o mal impunemente. A Lei
consequências dos erros, para não cometê-los mais. É assim que é um torno de ferro que nos prende a todos, confinando-nos
os fortes e os astutos ficam surdos aos conselhos e, acreditando dentro do canal das consequências de nossas ações, ao longo da
saber tudo, não querem abrir os olhos para ver, permanecendo, linha dos efeitos, cujo amadurecimento é fatal, não havendo
como é justo, imersos no inferno que merecem. Acontece então distância de espaço ou de tempo que possa impedi-lo. Cada um
que todos encontram no mesmo ambiente terreno as mesmas tem de colher o fruto daquilo que semeou. Todos têm de pagar:
oportunidades e os mesmos perigos, mas cada um escolhe se- os grandes, os pequenos, os homens de todos os partidos ou re-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 33
ligiões. É a derrota dos finórios do mundo, contra os quais se victa, quanto mais o ser regido por ela se encontra no alto, perto
levanta a lei do merecimento. O mundo quer outras verdades, do S. Este fenômeno é lógico e tem uma razão profunda.
em função dos seus interesses. Mas encontramos aqui uma ver- Não foi Deus quem tirou a liberdade do ser, quando este
dade mais profunda, que ninguém pode abalar. involuiu pela revolta, mas foi o próprio impulso do ser que
Eis a ética por nós sustentada. Ela representa uma revolta emborcou tudo. Por ter iniciado um caminho às avessas, o ser
contra a revolta, uma reação contra o AS, para voltar ao S. Isto não podia deixar de emborcar tudo, inclusive a sua liberdade
significa trabalho de retificação para chegar à salvação. Procu- na escravidão do determinismo, que é o seu oposto. A vontade
ramos aplicar à ética o método positivo da lógica, para conven- do ser rebelde era destruir a Lei, para substitui-la por si pró-
cer os que sabem pensar, oferecendo um produto da razão ilu- prio, mas ela estava acima de toda tentativa de destruição.
minada, e não dos instintos do subconsciente. Aconteceu então que o ser conseguiu emborcar somente a sua
Estamos atualmente percorrendo o caminho da reconstru- posição dentro da Lei em relação à sua liberdade. A Lei ficou
ção. Com a revolta, o “eu” menor da criatura, que existia no de pé, mas, ao invés de conservar-se na forma livre do S, as-
S em função do “eu” maior de Deus, tentou o absurdo de fa- sumiu para o ser a forma compulsória do AS. E esse processo,
zer o “eu” maior de Deus existir em função do “eu” menor da quanto mais o ser se aprofundou no AS, tanto mais se intensi-
criatura. Acreditar nesse absurdo, ou seja, que o maior possa ficou. Eis a lógica e a razão desse fenômeno.
existir em função do menor, constitui o ponto fraco do AS, e Assim, o que era antes livre aceitação tornou-se constran-
isto é a garantia da vitória final do S. Esse contraste que te- gimento à força. O ser pôde transformar a ordem em caos no
mos até agora observado entre os dois tipos de ética expressa AS, mas, acima deste, a ordem ficou íntegra, para constrangê-lo
em nosso pequeno mundo a cisão e a contraposição dualista a regressar, deterministicamente, do caos à ordem, impondo ao
entre S e AS. Também o AS tem a sua ética, que é a do mun- rebelde louco a sua salvação. É absurdo e inadmissível que
do. E nós sustentamos, em contraposição a ela, a ética do S. Deus possa ser vencido pela Sua criatura, que a parte seja mais
Ora, se a vitória do S está garantida, o mesmo acontece com poderosa do que o todo, que uma revolta pudesse sobrepor-se à
sua ética. Isso significa que ela está destinada a vencer a ética Lei e destruir a obra de Deus.
do mundo, a qual, com o tempo, terá de ficar abandonada nos Esse fenômeno se explica também pelo fato de que, devido
níveis inferiores da evolução. à queda e involução, a linha da livre expansão do ser se foi
Essa nova ética não é um invento inédito, pois, na sua subs- sempre mais curvando sobre si mesma, contraindo seu dina-
tância, nada mais é senão a ética do Evangelho. Trata-se, po- mismo numa cinética cada vez mais apertada em si mesma, até
rém, de um Evangelho racionalmente demonstrado, compreen- atingir a forma de movimento fechado nas trajetórias do átomo.
dido profundamente na sua lógica férrea e, sobretudo, tomado a Os seus elementos não podem sair delas, escravos completos
sério, para ser vivido, e não apenas pregado. É evidente que o das leis da matéria. Esta é a sua ética, dada pela obediência for-
Evangelho se encontra na linha que vai para o S, portanto esta çada no AS, nos antípodas da obediência livre dos espíritos no
ética não pode deixar de repeti-lo. Porém, aqui, ele adquire ou- S. Os cristais têm de orientar as suas moléculas e moldar as su-
tro sentido e importância. Universalizando-se, ele sai dos limi- as formas exatamente conforme modelos pré-estabelecidos. Es-
tes de uma religião e se torna lei biológica, psicológica e social, ta é a sua ética. No mundo inferior da matéria, não se concebe
entrando no terreno positivo da ciência, que não poderá mais, desobediência. Ninguém pode desobedecer à Lei, isto é, a
como fez até agora, afastar o problema com o seu agnosticismo. Deus. A obediência se realiza sempre, tanto no AS como no S,
A doutrina de Cristo, assim entendida, não é somente um pro- porém, no AS, às avessas, sem liberdade. Assim o resultado au-
duto histórico, fruto de uma casta sacerdotal, algo que, para tomático da revolta, para o ser, foi ele permanecer aprisionado
quem pertence a outra religião ou seja ateu, só por isto não teria no determinismo. Para o homem, que está subindo ao longo do
mais valor. Ela constitui um fruto vivo da vida em evolução, caminho da evolução, há liberdade, mas ela é limitada, pois, tão
fenômeno sempre presente e atual. O Evangelho expressa uma logo ele cometa erros, estes são sempre corrigidos à força pela
lei biológica que terá fatalmente de se realizar no futuro. Trata- dor. Permanece assim a regra geral de se perder qualquer van-
se de princípios universais, nos quais, e neles acima de tudo, o tagem tão logo se faça mau uso dela. Quem quer emborcar,
homem pode acreditar, utilizando-os para se realizar. Ninguém acaba emborcado. A violação da Lei gera dor.
pode alterar ou destruir estes princípios, que, independentes de Tudo vai-se transformando com a evolução. Quanto mais o
serem aceitos ou não, permanecem. ser sobe na escala evolutiva, tanto mais o determinismo se
Trata-se de uma ética universal, que está hoje em vigor na abranda, suavizando-se até desaparecer, reabsorvido na liber-
Terra, como caso particular no tempo e no espaço, sendo ela dade, que se amplia, expandindo-se e prevalecendo sempre
também concebida não como fenômeno estático, mas em evo- mais à medida que o ser se avizinha do seu estado de origem.
lução, como é tudo o que existe no relativo. A ética do mun- A planta se liberta mais do que o mineral, o animal mais do
do, portanto, é relativa e progressiva, representando no seu es- que a planta, o homem mais do que o animal, conquistando in-
tado atual apenas um nível de vida ou degrau da escada que dependência e amplitude de movimento cada vez maiores, da
sobe do AS ao S. água dos mares à superfície da Terra, à atmosfera com o voo, e
Assim se deslocam as nossas concepções comuns da ética, agora no espaço interplanetário. O homem possui uma vasti-
que se torna um momento do fenômeno do transformismo uni- dão de escolha que os animais, regidos apenas pelo instinto,
versal. É assim que, como já mencionamos, cada plano de vida não conhecem, mas tal autonomia existe apenas na sua parte
tem a sua respectiva ética. As feras têm a sua ética, que não é a espiritual, a mais adiantada, pois nele ainda sobrevivem deter-
do homem, assim como ele tem a sua ética, que não é a do su- minismos que ele tem de aceitar, inerentes aos mundos inferio-
per-homem. Dessa forma, desde os mais baixos níveis, que se res, como a estrutura atômica e molecular na parte mineral, o
abismam no AS, até aos mais altos, que se levantam para o S, a metabolismo no nível vegetal e os instintos no nível animal. A
ética, concebida no sentido mais vasto de ordem e regra que di- liberdade maior começa a aparecer só no alto, no espírito, gra-
rige a vida do ser, vai-se transformando, assumindo qualidades dativamente, em proporção ao desenvolvimento deste e tanto
diferentes conforme a sua posição mais atrasada ou adiantada mais quanto mais o ser se aproxima do S. Assim como a nossa
ao longo do caminho de subida pelo qual o universo decaído ética é mais adiantada do que a das feras, a ética do homem de
regressa para Deus. Eis então que vemos a ética tornar-se tanto amanhã também será mais adiantada do que a do homem de
mais determinista e compulsória quanto mais o ser regido por hoje, a qual será julgada selvagem pelas gerações futuras, tal
ela se encontra em baixo, perto do AS, e tanto mais livre e con- como são julgadas por nós a ética dos nossos antepassados das
34 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
épocas primárias. Quanto mais o ser sobe, tanto mais ele se Ética diferente, em função de outras finalidades a atingir,
torna consciente, passando, por isso, a obedecer à Lei de uma porque a vida nunca para no seu trabalho de construção e, ago-
forma cada vez menos compulsória e sempre mais livre. Assim ra, quer levantar um outro andar do seu edifício, levando o ho-
essa ética universal vai-se transformando do seu ponto mais mem para um mais alto plano de existência, regido por leis di-
baixo, no AS, até ao seu ponto mais alto, no S. Não se trata de ferentes, que têm de sobrepor-se ao passado, até apagá-lo. As-
um modo estranho de conceber a ética, porque tudo o que exis- sim, o método da luta entre egoísmos separados se tornará cada
te está fundido em Deus, numa só lei unitária. vez mais antivital e, por isso, será condenado e repelido como
Chegamos assim ao conceito de uma ética cósmica, na qual desordem perigosa dentro da harmonia da nova ordem, na qual
se revela a presença universal da lei de Deus; uma ética que, é vantagem e interesse de todos permanecerem unidos em cola-
nos seus diferentes níveis, sustenta todos andares do edifício do boração. A evolução progride pelo caminho da organização dos
ser, regulando a existência e dirigindo a evolução, para reorga- seus elementos em unidades coletivas cada vez mais vastas e
nizar o caos na ordem. Ela representa a assistência contínua de complexas. O ponto final desse caminho é o estado orgânico
Deus, no Seu aspecto imanente, ao lado e em favor do ser, para completo do S, que abrange a fusão de todos os seres do uni-
que ele siga fatalmente o caminho de sua salvação. Trata-se de verso na unidade em Deus. O processo da descida foi uma que-
uma ética viva, inteligente e sempre em ação. Ela dirige o con- da no separatismo, período no qual a desordem dos elementos
tínuo transformismo do relativo, operando pouco a pouco e dis- pulverizou a unidade do S no caos do AS. O atual período de
ciplinando tudo, para reconduzir o caos ao estado orgânico do subida é representado por um processo inverso, no qual os ele-
S. É por esse caminho que tudo vai voltando àquela ordem, pois mentos separados são reunidos e fundidos no originário estado
a revolta deslocou para a desordem tudo que estava na devida orgânico do S. A humanidade não pode deixar de seguir o ca-
ordem no S. Os egocentrismos separados, filhos da rebeldia, minho da evolução universal e tem de galgar agora um novo
têm de se fundir para colaborar em unidades coletivas sempre degrau na sua escalada ascensional.
maiores, até reconstruir a organicidade do todo, voltando ao S. Eis então a razão positiva pela qual chegou a hora do Evange-
Ética estupenda, que desce do infinito e do absoluto. Ela lho, razão também científica, porque ele representa a lei biológi-
expressa a suprema vontade de ordem contida na lei de Deus. ca no novo nível evolutivo que o homem agora tem de atingir. O
Ética global, presente em todos os níveis da evolução, manifes- Evangelho é exatamente a lei do “ama o teu próximo”, ou seja, o
tando-se em formas diferentes, cada uma adaptada à posição de método da convivência pacífica, da colaboração e do altruísmo,
cada ser. Temos assim a ética atômica, molecular, celular, dos que funde os egocentrismos rivais até agora em luta. Assim, será
grupos celulares reunidos nos tecidos, de cada órgão, de cada julgado o melhor biótipo, ou modelo da raça, quem tiver perdido
organismo no seu conjunto, do sistema nervoso e cerebral, dos as qualidades desagregantes do involuído egoísta de hoje, substi-
sentidos, psíquica, espiritual, reguladora da ordem de uma de- tuindo as virtudes da fera pelas do homem civilizado.
terminada unidade. Assim, todos os seres, caminhando na gran- É para explicar esse fenômeno e orientar o homem neste sen-
de marcha da evolução, são orientados para um objetivo único tido, obedecendo às leis da vida, que estamos aqui falando no
pela Lei, que, embora se adaptando às exigências de cada caso momento histórico em que a evolução está amadurecendo os
particular do relativo, dirige todos eles segundo um mesmo novos destinos da humanidade. Tudo está pronto para a realiza-
princípio, levando-os para a unidade. ção desse novo destino, e ele se realizará, tão logo a inteligência
Agora está nascendo na Terra a nova ética social interna- humana se desenvolva o bastante para chegar a compreender.
cional e mundial, que terá de reger em unidade o novo orga- Uma das características essenciais da ética é que ela deve ser
nismo coletivo da humanidade. Se a ética do homem primiti- preventiva, e não repressiva. É inútil chegar depois que o mal já
vo do passado teve de basear-se no princípio da seleção do foi feito. Uma ética eficiente previne e evita o mal, impedindo
mais forte, que leva à agressividade e à luta, e se o homem que ele se realize, mais do que o reprimindo depois com a puni-
atual deve ao fato de ter usado essa ética a sua condição de ção. É o que acontece no S, onde a Lei estabelece qual deve ser
ser o vencedor e dono do planeta, eis que hoje a vida tem de a ordem e os seres compreendem e obedecem, evitando que o
atingir objetivos diferentes, sendo necessário, portanto, mu- mal se verifique. Este é o terreno da positividade, onde não há
dar a ética que dirige a conduta do homem. Assim apareceu a lugar para nenhuma forma de negatividade, tanto para o mal
civilização com as suas leis civis e religiosas, dando origem a como para a sua punição e repressão. Tudo está previsto e pre-
uma nova ética, pela qual furtar e matar, que eram no mundo venido naquela ordem, onde a desordem não pode nascer.
selvagem virtudes do mais forte, são, pelo menos em alguns Nós existimos nos antípodas, no AS, onde prevalecem prin-
casos oficialmente reconhecidos, considerados como culpa e cípios opostos. A mesma lei de Deus, irradiada do S para o AS,
crime. Isto porque a humanidade começou a se encaminhar também está presente aqui, impulsionando para a sua ordem,
para o estado coletivo social orgânico, constituído pela con- mas o biótipo que mora aqui é um rebelde, que quer, mesmo
vivência pacífica na colaboração. A humanidade, sem dúvi- sendo à sua própria custa, impor-se contra a vontade da Lei, o
da, está atingindo um novo plano de existência com a mu- que lhe é permitido, porque ele é livre. Aqui, estamos no terre-
dança das regras que a dirigem. Trata-se de uma ética dife- no da revolta, da desordem e da luta. Só o fato de ser este o tipo
rente, porque tem de atingir finalidades mais adiantadas, sen- de ética vigorante em nosso mundo constituiria uma prova sufi-
do necessário conquistar outras qualidades, com outras nor- ciente para demonstrar a teoria da queda.
mas de conduta. Eis por que o Evangelho, que as representa, Explica-se, assim, por que a nossa ética não é filha da com-
não tem, como há pouco dizíamos, somente um significado preensão, que evita espontaneamente o mal, mas sim da luta.
religioso, mas também social e biológico. Está sendo constru- Entende-se por que ela, em vez de ser positiva, altruísta e edu-
ída hoje a nova unidade coletiva, constituída pelo estado or- cativa, tendo por objetivo realizar o bem, é uma ética negativa,
gânico da sociedade humana, fato que requer uma nova or- fechada no egoísmo para evitar o prejuízo do próprio grupo.
dem e uma nova disciplina de cada indivíduo em função do Vemos aqui se revelarem os dois métodos opostos: o do S e o
interesse comum. Trata-se de conceitos antes desconhecidos do AS. A ética do mundo também é educativa, mas na forma
e contraproducentes, mas que hoje são úteis e, por isso, valo- emborcada, atuando não de forma preventiva, a priori, e sim
rizados. São virtudes novas, mais adiantadas e inteligentes, repressiva, a posteriori, deixando o mal acontecer e depois in-
que tomam o lugar dos já superados valores da força indivi- tervindo para corrigi-lo, o que revela a posição do rebelde do
dual desorganizada e destrutiva, socialmente negativa e cri- AS. Em outras palavras, a fim de respeitar a liberdade de um
minosa, inadmissíveis nas novas condições de vida. ser rebelde, permite-se que ele erre, para, depois, endireitar o
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 35
erro por intermédio da dor. E é lógico que, no mundo do AS, lar-se, tanto mais a dor o aperta, até que ele tem de desistir. De
emborcado na negatividade, não haja outro caminho para se fato, são justamente os indisciplinados que se chocam com as
chegar ao bem, a não ser a dura lição do sofrimento. reações da Lei. Para aqueles, porém, que a obedecem e a se-
Os seres do S permaneceram inteligentes como Deus os cri- guem ordenadamente, a Lei, ao invés de reagir, fala então so-
ou, compreendendo que é a vantagem para eles permanecer na mente da bondade de Deus. Para quem quer ficar dentro da or-
ordem, em obediência à Lei. Os seres do AS, com a queda, tor- dem, tudo corre bem. São apenas os desordenados que recebem
naram-se ignorantes, sendo, por isso, levados a acreditar que de volta o choque dos impulsos lançados por eles contra a or-
seja vantagem existir em posição emborcada na desordem do dem. A Lei não agride ninguém, mas tem de ficar íntegra, de
caos. Mas a Lei continua firme em sua vontade de ensinar, o pé, respondendo com a mesma agressividade com que a sua or-
que, neste caso, é ainda mais urgente, porque se trata da salva- dem for agredida por uma vontade de desordem.
ção de criaturas extraviadas. Como é possível ensinar a seres ◘ ◘ ◘
que, por serem ignorantes, são incapazes de compreender onde Para encerrar este assunto, observemos, em resumo, outras
está a sua vantagem e o seu bem? Como é possível ensinar- das principais qualidades que caracterizam esta nova ética. Elas
lhes, senão por intermédio do sofrimento? Esta é a única coisa já foram mencionadas rapidamente, para uma primeira orienta-
que conseguem entender, porque aparece depois do erro, como ção geral do leitor, no início do prefácio, no fim da introdução e
sua consequência, para que aprendam a não cometê-lo mais. na metade do Cap. III deste volume. O assunto foi desenvolvi-
Eis a razão pela qual a ética humana é a posteriori, e não a do não como teoria geral da ética, mas de um ponto de vista
priori, como a lógica exigiria. Mas, tratando-se de um sistema mais fácil e prático, em nosso livro A Lei de Deus, que contém
emborcado, é lógico que, no AS, também vigore uma lógica a transcrição de uma série de vinte e quatro palestras, proferidas
emborcada no absurdo. Dada a sua posição, o biótipo comum por mim na Rádio Cultura de São Vicente, no ano de 1958,
não pode aprender a regra certa da vida senão pelo caminho também publicadas no Diário de Santos. Aqui, completaremos
do sofrimento. E é isto o que de fato acontece. Na lógica em- estes conceitos, reunindo-os em resumo, para concluir.
borcada do AS, este absurdo é perfeitamente lógico. Explica- Tal ética é teórica e prática ao mesmo tempo, no sentido de
se assim a técnica da tentativa – método de cegos ignorantes – que, enquanto se justifica até às suas primeiras origens, porque
que vigora em nosso mundo. A automática condenação para as suas raízes se encontram nos princípios do S, que regem a
os cidadãos do AS está no fato de que eles não podem chegar criação, ela também se realiza até às suas últimas consequên-
à positividade a não ser pelo caminho da negatividade, ou se- cias práticas dentro do AS, em nossa vida de cada dia. Ética
ja, não podem alcançar a felicidade, senão através do sofri- completa, porque vai do S ao AS, do absoluto de Deus ao rela-
mento. Assim o homem tem de aprender à força a ética da sua tivo da criatura e, assim, abrange tudo, de um polo da existên-
salvação, constrangido pela dor a seguir o caminho que o leva cia ao outro. Ética universal, porque contém todos os tempos,
para a felicidade, que, ao mesmo tempo, representa o seu todos os planos de evolução, todas as éticas relativas; universal
maior desejo. Eis em que estranho jogo de absurdos se em- porque está colocada no quadro geral do todo, desde as primei-
borca a lógica do S, quando o ser cai de cabeça para baixo no ras origens até às últimas finalidades, com a conclusão da obra
AS, ficando constrangido a alcançar à força a realização do de Deus. Ética máxima, porque, na sua substância, coincide
seu maior anseio: a felicidade. Desesperadamente o ser vai com a lei de Deus. Ao mesmo tempo, ética mínima, porque re-
invocando e procurando por ela, mas a cegueira na qual ele ge o universo até os seus mais ínfimos pormenores.
decaiu o impede de ver onde o seu objetivo se encontra! Tudo Porque está escrita na lei de Deus, que está acima de todas
é absurdo, quando o ser usa a psicologia do AS, mas volta a as divisões do relativo, essa ética é verdadeira para todos, aci-
ser lógico, tão logo seja visto e julgado com a psicologia do S. ma de todos os partidos e religiões, independente da orientação
E, de fato, a dor corrige o erro, ensina e ilumina a consciência, e posição étnica, política, filosófica ou religiosa do sujeito. Éti-
destrói a ignorância e reconstrói a sabedoria, reabsorvendo a ca verdadeira porque imparcial e positiva, não mais empírica,
negatividade do AS e reconstituindo a positividade do S. Eis a concebida em função do homem; moral biológica, concebida
profunda razão da estrutura dessa técnica do erro e sofrimen- em função das leis da vida, da evolução e do funcionamento
to, com a qual a Lei se realiza em nosso mundo. Eis a lógica orgânico do universo. Ética à qual não se pode fugir só pelo fa-
fatal dessa ética que vigora em nosso mundo, de caráter corre- to de ser descrente, cético ou ateu materialista. Não adianta ne-
tivo, a posteriori, e não preventivo, a priori. gar, rebelar-se, pensar e agir com outra psicologia. A Lei conti-
Tudo o que existe na Terra assume as qualidades do AS. É nua funcionando igual para todos. Ela vence os vencedores do
por isso que vigora aqui uma ética exterior, e não interior; mundo, porque é mais poderosa e inteligente do que a força e a
uma ética que ao invés de atuar de dentro para fora, porque o astúcia deles. Ela sabe se fazer compreender por todos, também
ponto de partida é o espírito do S, atua de fora para dentro, pelo tipo involuído e ignorante, porque fala a linguagem da dor,
porque o ponto de partida é a matéria do AS; uma ética de linguagem que todo homem compreende, qualquer que seja a
formas, e não de substância; uma ética que, ao invés de norma sua raça, nível social, crença ou forma mental. A cada erro se-
para o pensamento, é regra para atos; uma ética que, ao invés gue automaticamente a dor corretora, pela qual cada um tem de
de se basear nos princípios gerais para orientação nas grandes se corrigir à sua custa. Trata-se de uma lei que está dentro da
linhas, respeitando a liberdade de quem compreende, apoia-se substância das coisas, funcionando sempre, e que ninguém po-
sobre particularidades materiais, amarrada aos pormenores fa- de agredir e destruir; inatacável porque invisível, indestrutível
risaicos, constrangendo quem não merece liberdade, porque porque inatingível. Ela constitui a essência do ser, que não a
não sabe e não quer compreender. pode aniquilar sem, com isso, aniquilar a si mesmo.
O deslocamento do S para o AS transformou tudo. E, como Trata-se de uma ética racional, que não se baseia no princípio
prova da verdade dessa teoria, vemos aqui os efeitos que vigo- da autoridade, mas na lógica e na demonstração das razões pelas
ram no mundo humano. Eis então que, no S, porque o ser é quais é nossa vantagem obedecer. Sem mistérios, oferecem-se as
obediente, tudo é livre e espontâneo, enquanto, no AS, porque o provas do que se afirma e a razão porque temos de operar de uma
ser é rebelde, tudo é constrangido à obediência. Isto é o que a forma em vez de outra, explicando-se e justificando-se as conse-
criatura gerou com a sua revolta. Mas, acima de toda revolta, quências necessárias e inevitáveis de cada ato nosso. Assim, por-
ficou inatingível a Lei, dentro da qual ficou preso o ser rebelde, que estabelece virtudes que levam ao bem e à felicidade de quem
sem poder fugir. Tão logo ele se arrisca a fazê-lo, é paralisado as pratica, ela é também uma ética utilitária, que, ao invés de
pela dor que a tentativa provoca. Quanto mais ele procura rebe- oprimir, reconhece o direito à vida e à expansão.
36 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Ela é uma ética objetiva, impessoal, que, ao contrário do blema da ética aparece por si mesmo, como norma de conduta
que sucede com a ética comum, está acima dos instintos e in- indispensável para evitar esse choque, filho da revolta, e con-
depende da forma mental. Trata-se de uma ética que, ao invés duzir tudo para a ordem da Lei. Esta é a gênese, o ponto de
de ser função somente do homem e do momento histórico – partida e a finalidade da ética.
subjetiva, pessoal, relativa ao tempo e a quem a definiu para Antes de penetrarmos ainda mais no estudo da técnica do
seu uso, seguindo os gostos e os descontrolados impulsos ir- fenômeno do erro e sua correção pela dor, será útil resumir
racionais do subconsciente tanto do legislador como das mas- brevemente o assunto, esclarecendo melhor o significado des-
sas, que estabelecem as verdades para si pelo direito da maio- tes conceitos e definindo o valor destes dois impulsos opostos
ria – é função da própria vida. que entram em choque. O problema, assim observado de no-
Chegamos, assim, como foi anunciado em A Grande Síntese vos pontos de vista, poderá aparecer sob novos aspectos. Em-
(Caps. LXXV e LXXXVI), a uma ética cientificamente conce- bora isto possa parecer repetição, voltamos às vezes ao mes-
bida em forma exata, não só racionalmente demonstrada, posi- mo assunto, isto porque não podemos evitar que, em última
tivamente apresentada e controlada, baseada na lógica dos fa- análise, o assunto, em sua substância, seja sempre um só, ou
tos, mas também geometricamente representável e matemati- seja, o nosso universo, além disso nunca há de fato uma ver-
camente calculável, porque os fenômenos contidos nela são dadeira repetição, porquanto não podemos deixar de dizer a
suscetíveis de expressão gráfica em forma de linhas e de cam- mesma coisa de modo diferente, para explicá-la melhor, nem
pos de forças. Isto nos permite, como já mencionamos no fim podemos deixar de acrescentar alguma observação para ilu-
da introdução, medir quantitativa e qualitativamente o valor dos minar o assunto com uma nova luz, a fim de esclarecê-lo
diferentes impulsos do ser e das correspondentes reações da sempre mais, em todos os seus aspectos.
Lei, verificando-se a extensão das superfícies cobertas pelos Um dos efeitos da revolta foi a queda do estado orgânico do
campos de forças, ou seja, o volume do dinamismo conquistado S no estado de separatismo do AS, resultando na pulverização
pela positividade ou negatividade na luta entre S e AS, ao longo da unidade em muitas unidades menores. Assim, ao invés de
do caminho evolutivo ou involutivo. A ética, assim, pode ser permanecerem fundidos na unidade orgânica, os “eus” ficaram
estudada como um momento vivo do grande fenômeno do dua- separados uns dos outros, em posição de antagonismo, tal como
lismo universal em seu dinamismo de choques contínuos, pelo os encontramos nas diferentes individuações de nosso universo,
qual se estabelecem ações e reações entre os dois termos opos- entre elas a personalidade humana. Nestes níveis inferiores,
tos (+ e −) do todo, ou seja, a Lei e o ser rebelde, o S e o AS. próximos do AS, vigora o princípio do egocentrismo e do sepa-
Ética sólida como um teorema de geometria. A novidade está ratismo, que encontramos em nosso mundo. Esta é a razão pela
no fato de apresentar a possibilidade de aplicar os métodos ci- qual este é regido pela lei da luta. É por isso que o homem, por
entíficos exatos à ética, estudando e definindo seus impulsos e sua natureza, é espontaneamente levado a agredir e subjugar
os movimentos resultantes, com a aplicação dos processos da tudo, para que vença somente o seu “eu”.
matemática no cálculo dos seus valores. Que acontece então quando o homem se encontra perante a
Esta é a ética que oferecemos aqui, a moral da qual o ho- Lei? Com o seu método, ele entra em choque com tudo, porque
mem moderno precisa, proporcionada ao seu atual mereci- não quer colaborar, mas só subjugar e dominar. Enquanto ele
mento. Ética séria, a única que os inteligentes, pela sua forma está imerso no seu nível, este método pode ser útil para superar
mental crítica e positiva, podem aceitar; ética prática, razoá- os seres do seu mundo. Mas, quando o homem, rebelando-se
vel, honesta, utilitária, que calcula com justiça e, por isso, com este sistema de agressividade pelo triunfo apenas do seu
convence. Ética que dá o que promete e de tudo explica o “eu”, enfrenta a Lei, violando-a, então ele, com a sua conduta,
porquê, a razão pela qual nos convém obedecer e o bem que excita uma reação automática em forma de dor, da qual não há
temos o direito de receber em troca do sacrifício que ela nos força que lhe permita fugir. É assim que se realiza a ação sane-
pede. Ética evidente, onde tudo está claro, porque cada um po- adora através da dor, porque o homem, realizando as suas expe-
de calcular o efeito dos seus pensamentos e atos. Ética justa, riências, vai aprendendo pelas reações dolorosas que recebe e,
que nos devolve o que lhe apresentamos, de acordo com nosso com isso, adquirindo uma sabedoria que lhe ensina a não
mérito, premiando os justos e golpeando os injustos com a dor mais se rebelar, ou seja, a não mais se desviar, por meio do er-
e a desilusão, sendo estes dois últimos resultados explicados ro, fora do caminho certo da Lei. A dor existe como método de
como consequência lógica e automática do caminho errado ensino e educação na escola dos primitivos.
percorrido pelo ser, em direção à negatividade, quando ele de- Os involuídos são ignorantes porque, decaindo no AS, per-
sobedece à Lei. Tudo isto é implícito e fatal, decorrendo da deram a luz da inteligência, que é qualidade das criaturas do S.
própria estrutura de todos os fenômenos do universo. Ora, para ensinar aos ignorantes, não se pode usar os meios de
O que oferecemos neste livro é somente um esquema dessa uma inteligência que eles não possuem. Por isso é necessária e
nova ética, apresentada nos seus elementos básicos, fornecen- aparece a dor, pois este é o único raciocínio que eles podem
do, assim, o quanto basta para uma orientação geral, que permi- compreender. Não há outro meio para que, na forma mental de
ta depois o desenvolvimento do assunto e o aprofundamento um rebelde, possa nascer a convicção de que o caminho da de-
dos princípios gerais nos seus pormenores, possibilitando sub- sobediência não representa uma vantagem, mas sim um prejuí-
metê-los a cálculo matemático, com a medição exata dos valo- zo; não leva à felicidade, como só uma lógica emborcada no
res e das suas transformações. absurdo pode acreditar, mas sim à dor. Então, por falta de co-
nhecimento, o ser ignorante vai experimentando ao acaso, por
VI. O ERRO E SUA CORREÇÃO tentativas, de todos os lados, e, para ele aprender o caminho
certo, é necessário, todas as vezes que entrar na porta errada,
Nestes capítulos, entraremos cada vez mais no terreno rechaçá-lo para trás, fazendo-o perceber que, ao invés da alme-
específico da ética, para estabelecer as suas bases positivas. jada felicidade, encontrou a dor, até que ele, de tanto experi-
Tivemos de nos afastar do assunto central da figura, demo- mentar, descubra a porta certa e entre por ela. Isto se verifica
rando em problemas colaterais e exemplos demonstrativos, quando o ser, cansado de todas as experiências realizadas no
porque este trabalho era útil para esclarecer e compreender terreno do AS e desiludido por não ter encontrado aí a felici-
melhor o tema fundamental. dade, acaba compreendendo que ela é inatingível no AS. Então
Uma vez estabelecido o jogo da ação do ser contra a Lei, e ele é constrangido a procurá-la alhures, fugindo do mundo in-
da reação da Lei contra o ser, isto é, do erro e da dor, o pro- ferior, que o traiu. Inicia assim uma nova tentativa em direção
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 37
diferente, evadindo-se nos céus, em busca de superiores níveis do humano de ofensa e reação punitiva, buscando vingança
de evolução. Verifica-se então o fenômeno da sublimação dos contra o ser por ele ter errado. Tal ideia é fruto da forma mental
instintos, fazendo surgir o ser evoluído e o santo. Quando o do homem, que concebe tudo à sua imagem e semelhança. A
homem tiver assimilado todo o fruto da sua escola terrena, en- Lei não odeia e não pune, apenas restabelece os equilíbrios,
tão não será mais o ser ignorante e simplório que, errando, vai quando eles são violados. Trata-se somente de um absoluto e
contra a Lei, mas se terá tornado, ao invés, inteligente e terá universal princípio de ordem, que tem de se realizar, regendo o
acabado, por isso, com a loucura de cometer erros, deixando funcionamento de todos os fenômenos.
de receber o seu efeito, que é a dor. Dada essa estrutura da Lei, há efeitos necessários, já marca-
Esse choque entre tais impulsos opostos nos mostra, de um dos com antecedência, que têm de se verificar como conse-
lado, a loucura do homem querer procurar a felicidade onde é quência de cada movimento, conforme sua natureza. Não se
absurdo que ela se encontre e, de outro, a sabedoria da Lei, pode negar o fato de que vemos a Lei reagir, fazendo aparecer a
que usa a dor como meio seguro para que o ser compreenda dor quando violamos sua ordem. Mas, se olharmos melhor, ve-
qual é o caminho certo para atingir essa felicidade. De um la- remos que esta reação, ou seja, a dor, é de fato gerada pelo pró-
do, é lógico que o ser, por causa de sua revolta, seja levado a prio ser, que, com a sua revolta, age na direção errada e movi-
percorrer o caminho inverso. De outro lado, é lógico também menta os mecanismos da Lei, estabelecendo assim a forma e a
que a Lei, sábia e boa, venha endireitá-lo através do único medida dessa reação. Este resultado, portanto, é apenas uma
meio possível: a dor, dirigindo-o deste modo para o único ca- resposta automática e determinística, que se pode calcular com
minho que leva à felicidade. Dada a estrutura do sistema do antecedência, como estamos fazendo neste volume. Assim,
universo, é absurdo que a felicidade possa ser encontrada pe- apesar de parecer bastante ativa, trata-se de uma ação passiva,
los caminhos da revolta à ordem de Deus. É lógico que, pro- porque a Lei apenas responde ao impulso do ser, nada iniciando
curando a felicidade no AS, isto é, às avessas, com a revolta, ou provocando por si mesma. A Lei quer somente se manter em
em vez da obediência, não se possa encontrar senão o oposto, sua ordem, reconstruindo os equilíbrios violados. Ela existe pa-
isto é, uma felicidade emborcada, ou seja: a dor. ra permanecer imóvel em sua perfeição, sem exigir mais nada,
Esta é a estrutura lógica desse jogo entre os dois impulsos a não ser que a vontade livre do ser queira gerar impulsos con-
opostos: o erro, da parte do ser, e a dor, da parte da Lei. O ser trários, buscando deslocar seus equilíbrios. Quando isto aconte-
está livre para se movimentar à vontade, mas só dentro das pa- ce, a Lei simplesmente os reconstrói. Se isto implica dor, ela se
redes da gaiola de ferro constituída pela Lei. Ele, através da deve ao ser, que quis deslocar tais equilíbrios. O trabalho e a
sua experimentação, tem de aprender livremente a dirigir-se função da dor são para que ele aprenda a não os deslocar mais.
com exatidão, sem fazer movimentos errados, que o levem a A Lei é um organismo de ordem perfeito, que ninguém
bater a cabeça contra as paredes. Se agir em harmonia com a pode violar. Ela é toda positiva, afirmativa. Nela, não existe a
Lei, tudo corre bem, sem choques. Mas, se for contra ela, eis cisão dualística dos contrários, não há lugar para a negativi-
que surge o atrito chamado dor. Quanto maior for a desobedi- dade. Quando erramos, saímos da ordem e, com isso, geramos
ência do ser e o seu desvio fora da ordem, tanto maior será o um vazio de negatividade, movimentando os impulsos reequi-
impulso oposto da reação por parte da Lei, na forma de dor, libradores da Lei, que têm de encher esse vazio, e eles o fa-
para restabelecer o equilíbrio. Quanto mais baixo o nível evo- zem da única maneira possível, isto é, à nossa custa, tirando
lutivo do ser e quanto maior a sua rebeldia contra a ordem, tan- de nós e reabsorvendo o que nós furtamos àqueles equilíbrios.
to maior é a reação da Lei, para que tudo volte à ordem. Tudo, Assim, a positividade tem de ser reconstituída com o nosso
automaticamente, equilibra-se em perfeita justiça. esforço e dor, porque se trata de um débito nosso para com a
O ser é livre e pode cometer à vontade todo os erros que ordem, o qual temos de lhe pagar.
quiser. A eles, porém, segue a dor, que queima, e este fato per- O problema está todo no fato de que a Lei é ordem, e nin-
manece como regra absoluta, à qual ninguém pode fugir. O ser guém pode mudar esta realidade. O ser quis substituir esta or-
não deseja cair na dor, portanto tem de aprender e seguir as dem por uma outra, ditada por ele mesmo e oposta, de tipo AS,
normas da boa conduta. O S é como um grande relógio que a qual, para a Lei do S, é desordem. E esse mesmo motivo
funciona com perfeição, porque cada roda está no seu respecti- continua repetindo-se toda vez que o ser, desobedecendo à Lei,
vo lugar, funcionando na devida ordem. O AS é um relógio cu- comete um erro. Eis como nasce a luta entre os dois princípios
jas rodas se deslocaram, emborcando os seus movimentos numa opostos, razão pela qual, no egocêntrico instinto humano de re-
desordem que gera atrito, isto é, dor. Para sair desse estado, o volta, encontramos a origem da dor, que é gerada pelo contraste
ser tem de eliminar, com o seu esforço, estes atritos, que geram e atrito entre a vontade da Lei e essa outra vontade de desordem
o sofrimento. Mas, para eliminar estes atritos, é necessário re- por parte do ser. Este, assim, fica submetido a um processo de
ordenar toda esta desordem, recolocando cada coisa no seu de- constrangimento por parte da Lei, pelo qual, forçosamente, ele
vido lugar e aprendendo a se movimentar ordenadamente. Este tem de voltar à ordem. Tudo isto significa dor, porque, se a re-
duro trabalho pertence ao ser, porque foi ele que, com a revolta, volta, para a Lei do S, foi emborcamento, então a retificação de
gerou a desordem. Os seres são como as rodas de um relógio retorno ao S, para o ser rebelde, criador do AS, representa a ne-
que, saindo da posição correta, passaram a se atritar, gerando a gação da sua afirmação, ou seja, o emborcamento da ansiada
dor, condição na qual se permanece, enquanto todas as partes revolta e a destruição da sua construção: o AS.
não voltarem ao seu lugar de origem, para funcionar em ordem. Eis a íntima técnica do fenômeno erro-dor. O ser, no caso
◘ ◘ ◘ maior da queda e em todos os erros menores repetidos por ele,
Podemos agora compreender quais são as primeiras origens não é ferido pela Lei, mas sim pela sua própria vontade de ferir
e as causas profundas do fenômeno da dor. Quando falamos a Lei. Esta, uma vez que nunca age em sentido destrutivo, não
que a Lei reage contra o rebelde, estamos apenas usando uma faz nada contra o ser, apenas lhe devolve seu próprio impulso
imagem antropomórfica, a fim de facilitar sua compreensão pe- destruidor, deixando-o ricochetear para trás, na direção dele, ao
lo homem, que concebe tudo em função do seu instinto de luta invés de absorvê-lo, como ele desejaria. A completa positivida-
para dominar. A Lei não é um “eu” livre e pessoal que queira de do S constitui uma barreira insuperável, na qual é impossível
dominar alguém, mas sim uma vontade determinística e impes- qualquer penetração de negatividade. É exatamente pela com-
soal, cuja realização se dá automaticamente, cumprindo os pleta positividade do S que nenhuma negatividade pode ser
princípios que a constituem. Por isso não há lugar para se pen- emitida pela Lei, de onde se conclui que não provém da Lei a
sar que exista na Lei uma vontade inimiga específica, no senti- reação negativa recebida pelo ser, mas sim do próprio impulso
38 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
negativo lançado pelo ser contra ela. Não há nem pode ser ge- como no caso menor erro-dor, já estudado, a sabedoria da Lei,
rado no S nada de mal, agressividade, dor e negatividade, qua- substituindo ao mal o bem, continua sempre corrigindo e re-
lidades exclusivas do AS, filhas da revolta. É importante com- construindo, lá onde o ser errou e destruiu.
preender este conceito, porque, conforme ele nos mostra, a cau- Aquela sabedoria nos mostra que, com a revolta, surgiu não
sa primeira dos nossos sofrimentos está em nós e em nossa somente o modelo do fenômeno da queda, mas também do en-
conduta errada, e não na Lei, que nos responde sempre benfaze- direitamento-salvação, que corrige o primeiro. Esse segundo
ja, reconstituindo para o nosso bem os equilíbrios violados. Nós modelo estava implicitamente contido no primeiro, latente, à
a culpamos porque ela faz isso à nossa custa, com a nossa dor. espera de se tornar atual, tão logo o ser acionasse o botão da re-
Mas a Lei não pode deixar de ser justa. Faz parte dos seus invi- volta. Em outro lugar, já observamos que o universo – portanto,
oláveis equilíbrios exigir o pagamento da parte de quem é cul- mais perto de nós, também a natureza – funciona por repetição
pado. Explica-se assim como, no terreno da ética, é possível dos tipos de fenômenos ou modelos construídos anteriormente,
chegar à conclusão de que tanto quem faz o bem como quem que voltam depois como hábitos adquiridos e continuam, assim,
faz o mal acaba por fazê-lo a si mesmo. ecoando em série na economia do todo. Podemos, por isso,
Temos à nossa custa de compreender que levar a desordem considerar o caso erro-dor, que estamos estudando aqui, uma
da desobediência para dentro do organismo de ordem da Lei é o repetição menor do modelo do fenômeno da revolta-
maior dos absurdos, que só um ser ignorante pode conceber. endireitamento ou queda-salvação, que estabelece a estrutura
Revolta ou não, nada há que não fique contido na lei de Deus. do objeto de nossas pesquisas atuais. Eis que, antes de enfrentar
O ser rebelde não construiu para si outra lei, mas somente se o estudo do fenômeno erro-dor, já possuímos seu esquema fun-
colocou em posição emborcada dentro da organização perfeita damental, dado pelo ciclo queda-salvação, que vemos repetir-se
do S e dos princípios da Lei. aqui nas suas características fundamentais.
Chega-se deste modo a um resultado que pode parecer es- Assim como, no ciclo involutivo-evolutivo, o ser está cons-
tranho, no qual se conciliam duas posições aparentemente in- trangido a voltar ao S, para fugir dos sofrimentos que encontrou
conciliáveis, ou seja, a Lei permanece perfeitamente justa e, ao no AS, ele também está constrangido, no deslocamento de ida e
mesmo tempo, o ser recebe a sua punição. Ele cai na dor, mas volta do fenômeno erro-dor, a retornar à Lei pela dor, que não
não pode culpar a ninguém senão a si mesmo. Nada do mal pode terminar, enquanto não terminar todo o trabalho de recu-
que a revolta produziu pode atingir Deus e a sua Lei, mas fere peração. Em ambos os casos vigora a mesma lógica, pela qual
apenas quem foi a causa desse mal. Triunfa assim a bondade não se pode fugir aos efeitos do mau funcionamento da máqui-
de Deus, que não nos deixa sofrer, a não ser para nos corrigir, na, até que seja eliminada a causa, que é a desordem. Para
a fim de atingirmos a felicidade. Triunfa a justiça de Deus, que quem sai do caos, não é fácil funcionar organicamente na or-
não deixa a dor atingir senão quem a mereceu. Não é necessá- dem. Com seu próprio esforço, o ser tem de reconstruir a sua
rio que Deus se torne mau para que Sua justiça seja feita. A inteligência, que é necessária para chegar àquele funcionamen-
dor ministra assim a sua lição, respeitando a liberdade do ser e, to. Ele quer fugir a este esforço, mas não pode e, enquanto,
ao mesmo tempo, fazendo com que tudo seja deterministica- através da sua dura experiência, não reconquistar a inteligência
mente retificado para a salvação. Quando erramos, Deus não perdida, ele continuará, com seus movimentos errados, chocan-
nos pune, lançando-nos num inferno criado por Ele para se do-se com a Lei e recebendo dor. Para se afastar do inferno do
vingar das ofensas recebidas. Essa psicologia é do homem, e AS e atingir o paraíso do S, só há um caminho: a evolução.
não de Deus. A Lei está construída de uma tal maneira, que Quem não quiser, com seu próprio esforço, ir em frente e subir,
nós mesmos, ao errarmos, geramos com isso nossa punição, terá de ficar no sofrimento. Se o ser quer libertar-se da dor, tem
lançando-nos no inferno que a nossa desordem criou, para nós de reconstruir para si a ordem que destruiu.
mesmos, na felicidade da ordem da Lei. Tudo ocorre assim de- O binômio erro-dor é um momento do dualismo universal
vido à nossa ignorância, e isto é justo, pois ela é o merecido em que, com a revolta, a unidade do todo se despedaçou. Não
fruto da revolta, que destruiu a sua qualidade oposta, a inteli- existe mais uma felicidade duradoura em posição estável de
gência, característica do S. Não podemos deixar de ficar admi- equilíbrio, mas somente uma felicidade instável, pois é fruto
rados perante tanta sabedoria, e é agradável contemplar a per- de contínuos e desequilibrados deslocamentos no sentido do
feição da Lei, que, soberana, sempre triunfa de tudo. erro, corrigidos depois pela dor.
O único resultado que o ser podia atingir e atingiu foi a efe- Eis de onde nasceu essa oscilação erro-dor, que caracteriza a
tivação, somente para si mesmo, do princípio da desordem e da nossa vida. No reino da revolta, carregado de negatividade, não
luta, pelo qual ele é atormentado. Desde o inicio, dada a estru- é possível um tipo de felicidade contínua, completamente positi-
tura da Lei, a revolta não podia ser senão uma derrota e o re- va, mas somente temporária, como dívida a pagar, sempre mis-
belde senão um vencido. Isto fazia parte da própria lógica do S, turada com o seu termo oposto (AS) no dualismo, isto é, a dor.
na qual não pode haver a possibilidade de Deus ser vencido, Se esta oscilação erro-dor representa os contínuos desloca-
pois, se houvesse, Deus não seria mais Deus. mentos de um estado de desequilíbrio, a Lei está no meio para
Pelo contrário, o que sempre vemos triunfar é a sabedoria equilibrar a cada passo a balança e restituir tudo à ordem con-
Dele. Esta se revela também na revolta, mesmo que esta possa forme a justiça. Quando funciona o erro (revolta), a agulha da
parecer um erro e um defeito do S. A revolta gerou ignorân- balança se desloca para a esquerda, no sentido da negatividade.
cia, luta e sofrimento. Mas eis que, por este caminho embor- Quando funciona a dor (em obediência), a agulha da balança se
cado, a Lei sabe atingir o objetivo oposto, realizando com desloca para a direita, no sentido da positividade, corrigindo e
seus meios o endireitamento, porquanto, com a experimenta- equilibrando assim o deslocamento oposto. É lógico então que,
ção na luta e na dor, desenvolve e reconstrói a inteligência. quanto maior for o erro e seu deslocamento para a esquerda, tan-
Assim, a Lei destrói a ignorância, causa de tanto mal, acaban- to maior terá de ser a dor, isto é, o deslocamento para a direita.
do com o sofrimento, porque o rebelde chega a compreender A medida da dor é estabelecida pela medida do erro. Quanto
que a causa das suas dores está na desobediência e que não há mais o ser, com a revolta, afasta-se da positividade e aprofunda-
outro caminho para conduzi-lo à felicidade, a não ser a obedi- se na negatividade, tanto mais cai no sofrimento, tornando-se
ência na ordem. Desse modo, pela sabedoria da Lei, o cami- maior o trabalho necessário para sair dele. É o homem que, com
nho da perdição, iniciado pelo ser rebelde, tem automatica- a sua conduta errada, determina a quantidade das suas dores.
mente de se endireitar dentro do caminho da salvação. Tanto Nisto ele está totalmente livre, com autonomia para sofrer à von-
no caso maior da queda e do grande ciclo involutivo-evolutivo tade. Mas ele, porque é filho do S, não gosta de sofrimento, e is-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 39
to é o que constrange o ser para a sua salvação. Ele, livremente, nhecimento e vontade, obedecendo a outras forças e leis, que
não pode deixar de cumprir o duro esforço da subida, porque, se chamamos de imponderável. Um imponderável bem ponderá-
não o fizer, terá de sofrer até o fim do seu resgate. vel nas suas consequências, porque resolve contra os cálculos
Se o erro representa o afastamento da positividade para a humanos, de modo bem diferente do que pensávamos e deseja-
negatividade, é lógico que, quanto maior for o erro, ou seja, es- ríamos. Qual é o conteúdo desse misterioso imponderável? Es-
te afastamento, tanto maior terá de ser o caminho a percorrer ta outra inteligência e vontade, que está além do conhecimento
para voltar da negatividade à positividade. É lógico também e vontade do homem, é a Lei. Se o homem conhecesse a Lei,
que, assim como é a negatividade da revolta que destrói a posi- não haveria mais para ele imponderável. Ele está imerso nesta
tividade da obediência à Lei, também é a positividade da obe- Lei, que é um mundo de forças poderosas, que dirigem tudo
diência que neutraliza a negatividade da revolta e recupera o para finalidades bem definidas; forças que reagem contra
que foi perdido. É sempre a Lei que domina tudo. Ela é o pon- quem, fazendo movimentos errados, viola a sua ordem; forças
to de referência em relação ao qual toda revolta que afasta e contra as quais o homem, pela sua ignorância e espírito de re-
destrói torna-se negatividade e cada dor que reaproxima e re- volta, vai chocando-se a cada passo, para depois ter de pagar.
constrói torna-se positividade. Eis o valor e o significado da Eis como aparece o binômio erro-dor.
função de reconstrução dos equilíbrios deslocados. Eis então Que acontece então? É lógico que o homem procure a sua
que a dor, para corrigir o erro, neutraliza os efeitos dele, ou se- vantagem. Mas os sentidos que o guiam podem facilmente en-
ja, ela não somente corrige o erro, mas também se destrói a si ganá-lo a respeito da sua vantagem, dirigindo-o para um bem-
mesma. Com o seu funcionamento, ela consome, destrói e eli- estar imediato, que representa na verdade um prejuízo futuro. O
mina a si mesma como negatividade, deixando o lugar livre fato é que o homem não sabe qual é para ele a verdadeira van-
para o seu oposto, a positividade da alegria. É assim que se re- tagem, nem o caminho para atingi-la. Esta, em geral, não é
aliza automática e fatalmente a correção do caso particular, aquela imediata, escolhida por ser a mais visível, mas sim uma
que, no conjunto, leva à salvação final. Foi possível aqui con- outra, a longo prazo. Então é facílimo que ele escolha o cami-
templar a maravilhosa sabedoria da Lei, revelada neste jogo de nho errado. Acontece então que ele, ao invés de ir ao encontro
equilíbrios entre opostos, pelo qual, no contraste entre impul- da Lei, para que ela venha ao seu encontro, ele vai de encontro
sos contrários, consegue reordenar a desordem através de cho- à Lei, de modo que esta reage contra ele. A Lei, que não permi-
ques restauradores, que sempre, seja repelindo ou seja atrain- te ser torcida, opõe resistência a quem não segue a sua vontade
do, impulsionam o ser para a sua salvação. e corrente de forças. Essa resistência contra o ser, que desejaria
A revolta foi o erro maior, e a evolução representa o esforço subjugá-las em favor do seu “eu”, é o que chamamos de reação
maior que o ser tem de cumprir para corrigir aquele erro. A dor da Lei. Tal como a corrente de um rio, a Lei representa um im-
é o peso que o ser tem de carregar, percorrendo todo o caminho pulso para que tudo avance na sua direção. E, como tudo o que
da subida, e só esse peso de um lado pode equilibrar o outro existe, nós estamos imersos nesse rio, que é a Lei.
prato da balança, saturado de erro. A involução é corrigida pela O resultado de tudo isto é que, se o ser seguir os impulsos
evolução, a louca desobediência é corrigida pela dura obediên- da Lei, acompanhando o seu caminho, ela o envolve em sua
cia, a culpa tem de ser reabsorvida pelo sofrimento. Cada afas- corrente e assim o ajuda. Mas se, pelo contrário, o ser quiser
tamento da linha da Lei gera uma carência de positividade, um seguir somente os seus impulsos, buscando outro caminho, con-
vazio negativo que é necessário encher de novo, se não quiser- forme sua própria vontade, eis que a Lei, com a sua corrente
mos ficar para sempre nesse estado, que se constitui de dor. Ela contrária, resiste e, ao invés de ajudá-lo, passa a arrastá-lo e
nasce da exigência de satisfazer essa carência, da necessidade persegui-lo, porque a vontade dela é que tudo avance para os
de saciar o pedido desse abismo, esfaimado do equilíbrio com- seus objetivos. Muitas vezes, o sucesso é devido ao peso de
pensador da sua negatividade, em que a vida morre. Por isso a uma série de circunstâncias que se harmonizam, obedecendo a
dor, no organismo universal, representa a função da recupera- uma vontade que, embora não seja a nossa, está a nosso favor.
ção, um meio de salvação. Tivemos que explicar tudo isto por- Isto nos escapa no que chamamos de imponderável. Mas o
que só assim é possível compreender a função benfazeja da dor, imponderável é a Lei, e a sua vontade é a sua corrente, que
o seu valor positivo, o único que lhe podemos atribuir num sis- nos ajuda, quando a seguimos. No caso oposto, o fracasso é
tema perfeito, como tem de ser o universo regido por Deus. O muitas vezes devido ao peso de uma série de circunstâncias
mundo concebe a dor em sentido oposto, como um empecilho, que, de acordo umas com as outras, obedecem a uma vontade
e não como uma ajuda, como um inimigo, e não como um ami- contrária à nossa, atuando até vencer todos os nossos esforços.
go, isto porque o ponto de referência do homem não é a Lei do Eis aí o outro tremendo imponderável, que se manifesta como
S, mas o seu próprio “eu” rebelde. Esta maneira de conceber às um fardo, dirigido pelas mãos de Deus. Esse imponderável é
avessas prova que o homem, em relação à Lei, vive em posição sempre a Lei, cuja corrente, neste caso, é a vontade inimiga que
emborcada, que deve ser retificada pela evolução. se rebela contra nós, fazendo que recebamos de volta tudo o
Eis o sentido deste jogo de contradições e compensações que semeamos. É essa nossa revolta que automaticamente nos
entre os dois opostos, erro e dor, que vamos estudando sempre condena ao fracasso. Então o imponderável, isto é, a Lei, ao in-
mais de perto. Por isso chamamos a este volume de Queda e vés de nos salvar, vem nos arruinar. Explicam-se assim muitos
Salvação. Eis a razão pela qual vemos estes dois elementos fracassos, tanto de indivíduos como de acontecimentos históri-
contrários e complementares correrem um atrás do outro, como cos, que, de outro modo, seriam inexplicáveis.
inimigos abraçados e indivisíveis, em contínua luta um contra o Tudo isto se refere ao nosso tema atual, do fenômeno erro-
outro, com a única finalidade de colaborarem juntos para a re- dor. A tentativa do ser de procurar a sua utilidade contra a cor-
construção da unidade despedaçada, ponto de partida e de che- rente da Lei se chama: erro. O impulso da Lei para reconduzir o
gada do imenso ciclo da queda e salvação. ser dentro de sua corrente e, com isto, levá-lo para a sua salva-
◘ ◘ ◘ ção, contra a sua vontade, que quer o contrário, produz o atrito
Vamos assim explicando estas verdades tão vivas e tão chamado: dor (o peso do imponderável). A causa é a ação do
pouco conhecidas, que tanto nos tocam de perto e que tão pou- ser. A reação da Lei é o efeito. É lógico que o tamanho do efei-
co levamos em conta em nossa conduta, mas segundo as quais, to seja proporcional ao da causa, isto é, que a medida da dor se-
se errarmos, temos depois de pagar as duras consequências. ja estabelecida pelo homem com o seu erro. É lógico que, quan-
Não há quem não tenha reparado que, na solução dos aconte- to maior for o erro, isto é, o impulso do ser contra a corrente da
cimentos de nossa vida, há uma parte que escapa ao nosso co- Lei, tanto mais ela resistirá e se manifestará com um impulso
40 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
contrário, para arrastar o ser na direção dela. Esta imagem da letiva maior, que, por sua vez, jungindo-se a outras iguais, for-
corrente e, dentro dela, a vontade contrária do ser, oferece-nos ma uma nova unidade coletiva ainda maior, e assim por diante.
uma ideia bastante clara do que significa a reação da Lei. Cada unidade, portanto, resulta constituída pela junção de
De tudo isto se segue que, quanto mais formos a favor da partes elementares menores e, tanto no espaço como no tempo,
corrente da Lei, tanto mais fácil será o nosso caminho e tanto organiza-se conforme o mesmo modelo de agrupamento de ele-
mais aquela corrente nos ajudará e, por isso, nos fortalecerá. mentos por ritmo de ciclos, em que a composição das unidades
E, ao contrário, quanto mais nos rebelarmos à corrente da Lei menores edifica a unidade maior. Deste modo, assim como se
com as nossas tentativas de desvio, tanto mais difícil será o organizam no espaço os planetas, os sistemas planetários, sola-
nosso caminho, porque, na corrente contrária, ao invés de aju- res, galácticos etc. e, no terreno da vida, os grupos humanos, as
da, encontraremos resistência, o que nos levará ao fracasso, e humanidades e sistemas de humanidades, também o desenvol-
não ao sucesso. Quanto maior for o nosso erro, tanto mais fra- vimento dos nossos destinos se realiza pelos intervalos mínimos
gilizados e vulneráveis estaremos e tanto maior será a reação de cada minuto, que, juntando-se, produzem deslocamentos de
da Lei contra nós, aumentando, nesse embate, nossa amargura horas, dias, anos, séculos, sempre maiores, tudo ordenadamente,
e padecimento. O impulso corretor da Lei para reconduzir o segundo um ritmo de ciclos menores incluídos em ciclos maio-
ser à ordem é proporcional à desordem gerada pela vontade do res, estes em outros ainda maiores, até se cumprir o destino mai-
próprio ser, que terá de voltar àquela ordem, pois, quanto or do ser, que é perfazer o ciclo da queda e salvação.
mais ele se afastar da Lei, tanto mais esforço terá de fazer pa- Criados pela corrente da Lei, cada deslocamento mínimo
ra vencer a corrente contrária, gerando com isso atrito e so- vai se somando ate produzir um deslocamento maior, que, so-
frimento cada vez maiores. Assim, por um automático jogo de mando-se a outros maiores, gera outro ainda maior etc. Trans-
forças, o ser, permanecendo livre, não pode deixar de voltar à corre assim uma quantidade de ciclos miúdos, que constituem
corrente da Lei, renegando e reabsorvendo o seu próprio im- os maiores e que, pela sua pequenez, passam despercebidos.
pulso rebelde, porque este impulso é a causa da sua dor, que Mas não há instante de nossa vida em que um destes desloca-
não irá parar de atormentá-lo, enquanto ele não tiver pagado mentos não se realize, amadurecendo alguma coisa. Assim, por
tudo e voltado à ordem, em obediência à Lei. sucessivos movimentos imperceptíveis, do nascimento chega-
A conclusão é que, pela própria lógica de todo o processo, mos à velhice e à morte. Mas, a cada momento, nada vemos se
a dor é o destino dos rebeldes, enquanto a Lei, com a sua cor- alterar, parecendo tudo imóvel, como o Sol no céu. Porém, no
rente, conduz para o sucesso final aqueles que a seguem. En- fim, vemos que tudo mudou, o mundo se transformou, muitos
tão o segredo do sucesso está em conhecer a Lei e obedecê- desapareceram e não conhecemos a nova geração, porque nós
la. Mas como pode fazer isso o homem que, por ser ignoran- mesmos nos tornamos diferentes. Acumulando incontáveis
te, não conhece a Lei e, por ser filho da revolta, é levado à transformações mínimas, porém constantes e dirigidas sempre
desobediência? Este organismo de leis, para ele, é um mundo no mesmo sentido, uma mudança profunda se realizou.
de forças desconhecidas, que ele chama de imponderável, Os olhos míopes de nossa forma mental, feita para ver as
como se fosse alguma coisa irreal, fora do seu alcance e da coisas miúdas da vida, percebem apenas as linhas deste dese-
vida. No entanto é justamente este imponderável a causa nho menor, escapando-lhe a visão maior, do esquema geral. Fi-
primeira de tudo que depois, na sua fase de efeito, torna-se camos fechados no pequeno ritmo de nossa vida de cada dia,
bem ponderável. Eis como o mundo vai amontoando erros sem nos apercebermos do ciclo maior do qual ela faz parte. Co-
em cima de erros, pelo que tudo tende ao fracasso. Assim, nhecemos bem o ciclo quotidiano do trabalho, das refeições, do
com tudo funcionando às avessas, contra a corrente da Lei, repouso, do dia e da noite, mas não sabemos para onde tudo is-
nada se pode colher senão desilusões e sofrimentos. to avança. Vivemos a realização de princípios gerais que nos
Trata-se de forças sutis, contra as quais a prepotência do escapam. Efetuamos amadurecimentos que nos levam para bem
homem não tem poder algum. Elas trabalham no íntimo das longe, atravessando transformações profundas. Estamos desen-
coisas, de dentro para fora, e não, como acontece no mundo, volvendo o nosso destino, e de tudo isto não vemos senão uma
de fora para dentro. Elas agem lenta e constantemente, des- sucessão de pormenores miúdos e episódios desconexos, cujo
percebidas na superfície, escapando aos nossos sentidos, tudo desenho geral, que constitui a nossa verdadeira vida, escapa aos
construindo e acumulando em nosso favor, da profundeza para nossos olhos. Só os evoluídos, que aprenderam a olhar nas pro-
cima, como nossas amigas, quando navegamos obedientes à fundezas, vivem conscientemente em função dos grandes ciclos
corrente da Lei, ou tudo roendo e consumindo em nosso preju- da vida, onde se revela mais evidente a presença desses vastos
ízo, operando como nossas inimigas, quando navegamos re- impulsos da corrente da Lei, os quais estamos estudando aqui.
beldes, contra a corrente da Lei. Quanto mais o indivíduo é involuído, tanto mais apertado é o
Os nossos olhos não percebem o movimento do Sol. Mas círculo dos seus horizontes, mais estreita é a visão que ele do-
vemos que ele, ao se pôr, deu a volta em todo o céu. Assim, em mina e menor é o ciclo que ele conhece e regula de sua vida. Os
nossa vida, os acontecimentos amadurecem através de peque- momentos sucessivos ficam separados, isolados um do outro,
nos deslocamentos, imperceptíveis, que, se movidos por um sem o fio condutor que os liga em uma unidade maior, pela qual
impulso constante numa dada direção, acabam por se manifes- são explicados e justificados como elementos de um plano geral,
tar em efeitos gigantescos, como uma avalanche. A vida se de- que confere outro sentido à vida. É para atingir esse outro modo,
senvolve com a soma de instantes que perfazem minutos, minu- mais profundo, de concebê-la, que vamos aqui estudando o fun-
tos que perfazem horas, horas que perfazem dias, dias que per- cionamento da Lei e as consequências de nossos erros a seu res-
fazem meses e anos, anos que perfazem vidas inteiras, séculos, peito. Se, em vez de considerarmos os acontecimentos de nossa
milênios etc. No tempo vigora também o princípio das unidades vida como momentos divididos e isolados um do outro, passar-
coletivas, que vemos manifestar-se no espaço, através da união mos a vê-los como trechos unidos ao longo de um mesmo fio
de partículas elementares para construir átomos, de átomos para condutor, que os liga num desenvolvimento lógico comum, apa-
formar moléculas, de moléculas para formar células, e depois recerá para nós uma outra vida a longo prazo, na qual se torna
órgãos, organismos, famílias de seres, cidades, nações, huma- visível, além dos pormenores do momento, as grandes linhas de
nidades etc., tal como as moléculas da matéria compõem jazi- nosso destino. Veremos então aquilo que o homem comum,
das geológicas, planetas, sistemas solares, galáxias, sistemas imerso nas particularidades de sua vida, não consegue perceber;
galácticos etc. Assim, em todos os campos, cada elemento me- veremos a presença da Lei e o funcionamento do imponderável,
nor, associando-se com outros iguais, constrói uma unidade co- realizando os princípios que aqui sustentamos.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 41
VII. MECANISMO DA CORREÇÃO DO ERRO ser para o ponto X. A vontade do ser é realizar a plenitude da
sua revolta no ponto Y.
Tomemos novamente as nossas pesquisas, continuando a Disto se segue: 1) A linha do erro NN1 é produto da vontade
desenvolver o tema do Cap. I, a respeito do esquema gráfico do ser contra a da Lei; 2) A linha da dor N1N é produto da von-
do processo involutivo-evolutivo, e o tema do Cap. IV, a res- tade da Lei contra a do ser; 3) Este deslocamento lateral NN1N é
peito dos diversos pontos de referência. Voltemos assim à da mesma natureza do deslocamento maior XYX, do qual se
nossa figura, para observar outros aspectos do fenômeno que apresenta como um caso menor; 4) Cada erro ou pecado repre-
ela representa. No Cap. I, observamos o caso geral do ciclo senta uma tentativa de revolta contra o S, para se aproximar do
completo nos seus dois caminhos, abrangendo a ida e a volta. AS, e tem origem na vontade do ser rebelde à ordem de Deus,
No Cap. IV, observamos o fenômeno menor, que se repete, surgindo como efeito desse impulso de emborcamento e consti-
conforme o mesmo modelo, no caso particular de cada erro do tuindo uma queda menor, da qual é necessário depois recuperar
ser. É neste ponto que o ser, ao errar, é corrigido pela reação com a dor; 5) O deslocamento lateral NN1 representa um desa-
da dor. Desponta assim a necessária forma orientadora para bafo da vontade rebelde do ser, que quer ir contra a vontade da
dirigir a sua conduta, entrando no terreno específico da ética. Lei e, para atingir a satisfação de sua vontade, segue o caminho
Observemos este fenômeno, representado na sua expressão de menor resistência, afastando-se no sentido lateral porque,
gráfica, em nossa figura. Continuamos dessa forma levando as nesta direção, encontra menor resistência do que se retrocedesse
teorias dos dois livros, Deus e Universo e O Sistema, às suas diretamente contra a vontade da Lei, no sentido vertical para Y.
consequências práticas e aplicações. Este é o caso mais simples, que estudamos primeiramente.
Estudamos na primeira parte do Cap. IV o caso simples de Mas veremos agora casos diferentes e mais complexos, cujos
um deslocamento horizontal nos seus dois movimentos, de ida e afastamentos não são horizontais, mas sim oblíquos, tanto para
volta. Já conhecemos o significado das expressões gráficas da cima como para baixo, e nos quais, por conseguinte, prevalece
figura, dadas pela linha do erro NN1 e pela linha da dor N1N, in- em maior ou menor medida o impulso da vontade rebelde do
versas e complementares. A primeira representa a vontade do ser contra a vontade da Lei.
ser, que quer o emborcamento e dirige-se da positividade para a O ser, impulsionado por sua vontade de revolta – dirigida pa-
negatividade. A segunda representa a vontade de Deus, que quer ra o AS, contra a vontade oposta da Lei, que quer levá-lo para o
a retificação e dirige-se da negatividade para a positividade. Se S – procura uma saída para solucionar esse contraste, por meio
escolhemos como ponto de referência o ser, a primeira linha re- de um compromisso que lhe permita atingir a sua satisfação.
presenta a satisfação do rebelde, que realiza a sua vontade de Uma vez que o caminho de retrocesso para o AS ao longo da li-
vencer contra Deus, enquanto a segunda representa o sofrimento nha XY apresenta uma resistência muito maior, ele busca, então,
do rebelde, que tem de renegar a sua vontade de revolta para empregar o menor esforço possível para ir contra a vontade da
obedecer à vontade de Deus. Se escolhemos como ponto de re- Lei, que o aperta do outro lado, a fim de levá-lo ao S. Do con-
ferência a Lei, a primeira linha representa o caminho que, com a traste entre esses dois impulsos opostos nascerão, segundo a po-
violação da Lei, vai para a desordem, enquanto a segunda repre- tência do impulso de revolta do ser, diferentes modelos ou tipos
senta o caminho que, em obediência à Lei, volta à ordem. Como de afastamento, como agora estudaremos. Veremos que as li-
já dissemos no Cap. IV, o fenômeno pode ser observado em nhas do erro e da dor tomarão posições, medidas e valores dife-
função destes dois diferentes pontos de referência, tanto de Deus rentes, mas sempre obedecendo ao mesmo princípio de equilí-
e Sua Lei, como do ser rebelde e sua vontade de revolta, pontos brio que rege o caso mais simples NN1N, já observado por nós,
opostos, que representam os dois polos do dualismo universal. princípio pelo qual sempre há uma exata correspondência e
Procuremos agora compreender como funciona o mecanis- compensação entre a amplitude do erro e a dor recebida.
mo da correção do erro pela dor. A coluna central do fenômeno Estudaremos assim, em vários dos seus aspectos, esse fe-
da queda é representada pelas duas linhas XY e YX. A primeira nômeno pelo qual o ser tenta buscar saídas laterais para escapar
representa o desenvolvimento do impulso negativo da revolta, ao impulso corretor da Lei, a fim de realizar sua própria von-
devido à vontade do ser; a segunda representa o desenvolvi- tade revolta sem ter de chocar-se com a reação da dor. Como já
mento do impulso positivo do endireitamento, devido à vontade mencionamos, observamos até agora apenas o caso mais sim-
de Deus. O primeiro deslocamento XY quer destruir a positivi- ples, dado pelo deslocamento horizontal, em que as duas linhas,
dade, dirigindo-se para a negatividade; o segundo quer destruir a do erro e a dor, são iguais entre si e perpendiculares à linha da
a negatividade, reconstruindo a positividade. O primeiro movi- Lei. Observemos agora o caso em que a linha do erro não se
mento vai contra Deus, o segundo vai contra o ser. Por isso o afasta em sentido horizontal, perpendicular à linha da Lei, mas
primeiro é erro, e o segundo é dor. É erro a revolta para embor- sim em direção oblíqua. Temos de considerar primeiro a linha
car a vontade de Deus. É dor o endireitamento que emborca a do erro, que expressa o impulso gerador do fenômeno e estabe-
vontade do ser. Este, com a dor, recebe de volta o seu próprio lece a forma do seu desenvolvimento, definindo a medida da li-
impulso de emborcamento, que volta, no fim, contra o próprio nha da dor e suas consequências.
ser. Assim ele mesmo, que, com a revolta, quis torcer a Lei, fi- A linha do erro pode então ser oblíqua em duas direções:
ca constrangido por ela à obediência. 1) Dirigindo-se para o alto, isto é, para o S; 2) Dirigindo-se
O caminho da evolução não é pacífico, mas se realiza no para baixo, isto é, para o AS. Como poderemos então calcular
choque entre essas duas forças contrárias. Isto representa o es- qual será a correspondente linha da dor, que leva o ser de vol-
forço da reconstrução que o ser tem de realizar contra a sua ta à linha da Lei?
própria vontade de destruição. O ser tem de percorrer o cami- Aqui, a direção oblíqua introduz no fenômeno novos ele-
nho YX da evolução, constrangido pela dor, contra a sua von- mentos, já que ela implica um deslocamento não somente late-
tade rebelde, que é de se afastar do S, e não de retornar a ele. ral, de afastamento da linha da Lei, como no primeiro caso, mas
Eis que chegamos ao ponto chave do problema e podemos também um deslocamento que se repercute ao longo da linha
compreender porque nasce o erro, isto é, a causa primeira do vertical, seja no sentido de subida ou no de descida. Assim, se a
que se chama culpa ou pecado. A posição do ser situado ao posição oblíqua for dirigida para o alto da figura, então a linha
longo do caminho YX da evolução representa um contraste do erro terá percorrido também um trecho da linha da Lei em
entre o impulso da Lei, que impele o ser para o S, e o impulso sentido evolutivo, para o S, mas, se a posição oblíqua for diri-
do ser, que opõe resistência, porque ele, pelo contrário, quer gida para baixo, então a linha do erro terá percorrido também
dirigir-se para a realização do AS. A vontade da Lei é levar o um trecho da linha da Lei em sentido involutivo, para o AS.
42 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
o o
Nestes dois casos, que chamaremos 2 e 3 casos – tendo em ma emborcada, gerando, por isso, valores opostos. Aqui tam-
vista o primeiro, horizontal, já estudado – o desvio adquire e bém, como acima, para simplificar, escolhemos só duas posi-
representa valores diferentes, porque não se trata mais, como no ções principais, deixando as outras possíveis posições interme-
1o caso, apenas de um afastamento da linha da Lei, enquanto diárias, que são apenas variações. Igualmente, neste caso, cada
tudo permanece sempre à mesma altura na escala da evolução, posição pode ser expressa pela sua fórmula, como veremos.
isto é, à mesma distância e na mesma posição em relação tanto a) Posição a, do 3o caso. Esta posição do afastamento oblí-
ao S como ao AS. Nestes dois casos, pelo contrário, o desloca- quo em descida resulta do percurso NN6N7. Uma vez que a li-
mento da linha do erro, sendo oblíqua, gera também correspon- nha do erro, desta vez, é em descida, o caminho reconstrutor
dentes deslocamentos na posição ao longo da linha da Lei. Mais pela dor acaba no ponto final N7, e não no ponto de partida N.
exatamente, no 2o caso (oblíquo em subida), verifica-se um des- Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam-
locamento de aproximação para o S, com todas as respectivas bém no trajeto NN7, percorrido em descida, em sentido negati-
vantagens como consequência evolutiva, enquanto, no 3 o caso vo, involutivo, ao longo da linha da Lei, em prejuízo do ser,
(oblíquo em descida), verifica-se um deslocamento para o AS, pois tudo que o leva para o AS representa um dano para ele.
com todas as respectivas perdas como consequência involutiva. b) Posição b, do 3o caso. Esta posição resulta do percurso
Assim, no desenvolvimento do processo de correção e endirei- NN8N9 e é semelhante à precedente. A diferença está apenas no
tamento, é necessário então, para chegar a conhecer quais são fato de que, sendo o afastamento ainda mais oblíquo em desci-
os seus resultados finais, levar em conta e calcular o valor de da, tornam-se mais intensas, acentuadas com maior evidência,
todos esses movimentos, que vemos expressos pelo compri- as qualidades do caso precedente ou posição a. Uma vez que a
mento das linhas apresentadas na figura. linha do erro é ainda mais íngreme em descida, o caminho re-
Aqui, a trajetória de retorno ou linha da dor não é constitu- construtor pela dor não acaba no ponto final N7, mas no ponto
ída somente pela contrapartida igual à linha do erro, mas sim N9. Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica
por um caminho mais longo e complexo, no qual aparecem ou- também no trajeto NN9, percorrido em descida, em sentido ne-
tros elementos, cujo valor é necessário definir. Enfrentemos gativo, involutivo, ao longo da linha da Lei, em prejuízo do ser,
então o problema mais de perto, observando as suas diferentes porém maior que o precedente NN7.
posições em nossa figura. Ela nos apresenta três modelos ou Eis o esquema geral dos três casos e suas posições. Entrando
casos fundamentais: em outros pormenores, explicaremos mais adiante tudo melhor.
1o) O primeiro caso representa o afastamento horizontal, de ◘ ◘ ◘
que já falamos. Ele está expresso pelo percurso NN 1N, isto é, Analisemos agora os conceitos acima mencionados, para
pelo mesmo comprimento da linha verde do erro e da linha compreender o seu significado e ver a que realidade eles cor-
vermelha da dor. A primeira linha nos expressa a medida do respondem. Vigora sempre, em todo o momento do fenômeno,
afastamento para fora da linha da Lei, ou caminho percorrido o contraste entre as duas forças opostas: o impulso da negativi-
em sentido negativo na ida, e tem amplitude igual à segunda li- dade, devido à vontade de revolta do ser, dirigido para o AS, e
nha, que nos expressa a medida do trabalho de reaproximação à o impulso da positividade, devido à vontade de ordem da Lei,
linha da Lei, ou caminho a percorrer em sentido positivo de dirigido para o S. Na figura, tudo que é negativo está marcado
volta. A fórmula deste 1o caso é: em cor verde e com o sinal “−”, enquanto tudo que é positivo
está marcado em cor vermelha e com o sinal “+”.
NN1(−) = N1N(+)
O impulso da negatividade gera a linha do erro, e o da posi-
o
2 ) O segundo caso representa o afastamento oblíquo em tividade gera a linha da dor. Então a linha verde do erro, de sinal
subida. Aqui, o problema se torna mais complexo, porque po- “−”, representa o dano do ser, pois ele, por esse caminho, apesar
demos encontrar muitas posições e relações diferentes entre as de correr atrás de gozos efêmeros, afasta-se da Lei, que repre-
duas linhas, a do erro (−) e a da dor (+), a segunda encarregada senta a sua verdadeira felicidade. E a linha vermelha da dor, de
de neutralizar a primeira. Para simplificar, escolhemos na fi- sinal “+”, representa a vantagem do ser, porque ele, apesar de so-
gura só duas posições principais, pois todas as outras represen- frer por esse caminho, neutraliza o erro e, recuperando o que
tam apenas possíveis variações destas. Cada posição pode ser perdeu, aproxima-se de novo da Lei, onde está a felicidade.
expressa pela sua fórmula. Aqui, quando falamos de dano ou vantagem, o nosso ponto
a) Posição a, do 2o caso. Esta posição de afastamento oblí- de referencia é o mais importante, isto é, Deus, o S, a Lei. É aí
quo em subida resulta do percurso NN2N3. Uma vez que a linha e somente aí que se encontra o único verdadeiro bem do ser, e
do erro é em subida, o caminho reconstrutor pela dor acaba no não no gozo momentâneo e ilusório, que rouba à justiça da Lei
ponto final N3, e não no ponto de partida N, como no 1 o caso. e, por isso, é dívida a pagar, cujo pagamento leva ao estado
Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam- completo e definitivo da sua felicidade.
bém na trajeto NN3, percorrido em subida, em sentido positivo, Este novo modo de equacionar o problema em direção oblí-
evolutivo, ao longo da linha da Lei, em favor do ser, pois tudo qua, com a consequente inclinação da linha do erro em relação
que o leva para o S representa uma vantagem para ele. à linha da Lei, introduz no fenômeno elementos e valores no-
b) Posição b, do 2o caso. Esta posição resulta do percurso vos, que é necessário levar em conta e definir. Nestes dois ca-
NN4N5 e é semelhante à precedente. A diferença está apenas no sos, 2o e 3o, não há somente a linha do afastamento lateral, do
fato de que, sendo o afastamento ainda mais oblíquo em subida, erro, mas verifica-se também um deslocamento no sentido ver-
tornam-se mais intensas, acentuadas com maior evidência, as tical, ao longo da linha da Lei. Se esse deslocamento é em su-
qualidades do caso precedente ou posição a. Uma vez que a li- bida, para o S, ele se resolve num caminho percorrido no senti-
nha do erro é ainda mais íngreme em subida, o caminho recons- do da obediência, mas, se é em descida, para o AS, então ele se
trutor pela dor não acaba no ponto final N 3, mas no ponto N5. resolve num caminho percorrido no sentido da revolta.
Assim, neste caso, o deslocamento lateral do erro implica tam- Assim temos agora de calcular não somente os valores da
bém no trajeto NN5, percorrido em subida, em sentido positivo linha do erro no sentido da negatividade e da linha da dor no
evolutivo, ao longo da linha da Lei, em favor do ser, porém sentido da positividade, mas também, no 2o caso, os valores po-
maior que o precedente NN3. sitivos construtivos, produto do deslocamento ao longo da linha
3o) O terceiro caso representa o afastamento oblíquo em da Lei em subida (evolução), e, no 3o caso, os valores negativos
descida. Aqui, nos encontramos nos antípodas do 2o caso, pre- destrutivos, produto do deslocamento ao longo da linha da Lei
cedente. O mesmo processo se repete, mas às avessas, em for- em descida (involução). O valor do resultado final, atingido pe-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 43
lo ser nestes dois casos, será obtido através da comparação en- outra para corrigir a revolta, percorrendo em subida o caminho
tre o valor expresso pelo comprimento do conjunto de todas as percorrido em descida, involuindo. Para neutralizar a negativi-
linhas positivas de um lado e o valor do conjunto de todas as li- dade de duas linhas em descida, seria necessária a presença de
nhas negativas do outro, ou ao contrário. um correspondente caminho positivo, isto é, de uma linha da dor
Nestes dois casos, temos então de observar os comprimen- maior, a fim de neutralizar a linha do erro mais a linha da revol-
tos de 4 linhas, que nos expressam e dão a medida do conteúdo ta. É lógico que os valores negativos destruidores não podem ser
e valor delas. levados ao seu endireitamento e correção, senão pela sua neutra-
1) A linha do erro (−), oblíqua, de afastamento da linha da lização por um correspondente peso de valores positivos, atuan-
Lei, em subida (2o caso), ou descida (3o caso). do no sentido da reconstrução. Temos então neste 3o caso uma
2) A linha da dor (+), horizontal, de volta, dirigida para a dupla linha de correção. Ela se realiza em dois momentos: 1) A
linha da Lei. linha do erro (−) resulta corrigida pela linha da dor (+), que se
3) A linha vertical ao longo da linha da Lei, em subida, no desenvolve em sentido horizontal; 2) O trecho que, pela inclina-
sentido positivo, dirigida para o S, como no 2 o caso. Poderemos ção da linha do erro, foi uma descida tornou-se, com isso, tam-
chamá-la de linha da obediência. bém linha de revolta, e esta, para ser corrigida, tem de ser per-
4) A mesma linha vertical, mas em descida, no sentido ne- corrida de novo às avessas em subida, como linha de obediência,
gativo, dirigida para o AS, como no 3o caso. Poderemos chamá- fato que, como veremos, representa um valor diferente.
la de linha da revolta. É necessário compreender que o impulso gerador da linha
Então o resultado final do processo do 2 o caso será dado pe- da revolta não é da mesma natureza que o da linha do erro. Es-
la soma do comprimento das linhas de sinal positivo (neste caso ta, como há pouco mencionamos, deriva de um desejo de feli-
maiores), isto é, a linha da dor (+), mais a linha da obediência cidade, o qual, por si só, não constitui um impulso errado, pois
(+), menos a linha do erro (−), neste caso a linha menor. Assim, pertence ao ser como seu direito fundamental, que ele possuía
agora prevalecem e vencem os valores positivos. No 3 o caso, em seu estado de origem, como cidadão do S. Esse impulso,
pelo contrário, o resultado final do processo será dado pela so- portanto, pertence à positividade. O que o torna errado é a sua
ma do comprimento das linhas de sinal negativo (neste caso direção, que, afastando-se da linha da Lei, o leva à negativida-
maiores), isto é, a linha da erro (−), mais a linha da revolta (−), de, na medida em que se distancia. A linha da revolta, por sua
menos a linha da dor (+), neste caso a linha menor. Assim, ago- vez, tem como princípio psicológico o egocentrismo separatista
ra prevalecem e vencem os valores negativos. contra Deus, para substituir-se a Ele. Trata-se então, pelo con-
Qual é mais exatamente o significado contido nestas linhas? trário, de um impulso fundamentalmente errado, completamen-
A linha do erro expressa a nossa direção errada na procura te negativo, porque dirigido somente ao emborcamento do S no
da satisfação de um desejo fundamentalmente legítimo, para AS, para a derrota de Deus e a vitória do Anti-Deus. Neste ca-
atingir a felicidade, porque para isso fomos criados. O caminho so, não se trata de erro, mas sim de revolta. Este não é um da-
certo para ela é dado pela Lei, que vai direto para o S. Todos os queles pecados comuns de nossas vidas, e sim o maior. Trata-se
outros caminhos são errados. É lógico porém que, como está da rebeldia que gerou a queda, um pecado que a criatura não
expresso na figura, quanto mais oblíqua é a linha do erro e, com comete contra si mesma, mas sim contra Deus. Se a linha do er-
isso, quanto menor o afastamento para longe da linha da Lei, ro representa o princípio do afastamento, a linha da revolta ex-
tanto menor tem de ser o comprimento da linha da dor, que é de pressa o princípio do emborcamento total. Este é o pecado de
correção do erro e retorno à Lei. Lúcifer, pecado de orgulho, que tenta agredir a Deus para des-
Mas o fenômeno não se esgota só com estas duas linhas, a do truí-Lo. Não se trata da comum fraqueza humana, que toma o
erro e a da dor. Se a primeira expressa a procura da felicidade caminho errado na busca do gozo, mas de uma revolta consci-
em sentido errado, e a segunda a correção de tal erro pela peni- ente, feita de propósito, para atingir a sua finalidade subversiva.
tência da dor, as duas linhas que, no 2 o e 3o casos, aparecem Seja em subida com a linha da obediência (2o caso), seja em
em sentido vertical, não são afastamentos para longe do cami- descida com a linha da revolta (3o caso), trata-se sempre de
nho correto da linha da Lei, mas constituem um deslocamento fundamentais deslocamentos evolutivos ou involutivos, cujo re-
vertical, que se dirige, no 2o caso (obediência), direto para o S e, sultado é de construção e adiantamento para o nosso bem, ou de
no 3o caso (revolta), direto para o AS. Nestes dois casos, não se destruição e retrocesso, dano que depois é necessário pagar com
realiza apenas uma fuga para longe do caminho da Lei, como na um novo trabalho de reconstrução e recuperação. Neste último
linha do erro, mas também um caminho direto ao longo da linha caso, ao erro se junta a culpa da revolta. Isto se verifica quando
da Lei, seja para Deus, seja contra Deus para o Anti-Deus. Nes- se faz o mal de propósito, com conhecimento e vontade de fazer
tes dois casos, uma vez que o ser, em vez de agir no sentido de o mal. No 2o caso, em subida, existe somente o erro, onde a von-
se afastar da linha da Lei, permanece dentro e percorre um tre- tade, ao invés de revolta, é, pelo contrario, de obediência, que
cho dela, repete-se então o motivo fundamental da primeira re- contrabalança o afastamento da Lei, levando para o alto, e não
volta e queda para o AS, se o ser vai em descida, e o motivo da para baixo. Esta boa vontade de, embora errando, seguir a Lei
obediência e salvação para o S, se ele vai em subida. significa introduzir no fenômeno uma dada percentagem de po-
Podemos agora compreender como se desenvolve o fenô- sitividade, capaz de neutralizar a negatividade do erro. No 3o ca-
meno. No 2o caso, a linha do erro não se resolve só em puro so, a má vontade da revolta contra a Lei significa introduzir no
valor negativo de erro, mas também, pelo fato de ser dirigida fenômeno ainda mais fatores de negatividade, que se somam aos
para o alto, resulta corrigida pelo valor da linha da obediência, elementos negativos do erro. O ser também é responsável pelo
que, com a sua positividade, neutraliza a negatividade da linha erro cometido sem vontade de revolta, e isto é justo, pois o erro
do erro, resolvendo o caso com uma linha de dor proporcio- se deve à sua ignorância, consequência da queda, que foi o fruto
nalmente menor. da sua vontade de revolta. É justo então que o ser também tenha,
No 3o caso, pelo contrário, a linha do erro não somente fica à sua custa, de resgatar esse erro pela dor.
com o seu valor negativo de erro, não corrigido pelo valor de al- ◘ ◘ ◘
guma linha positiva de obediência, mas também, pelo fato de ser Analisemos ainda mais de perto o problema, escolhendo
dirigida para baixo, resulta aumentada, porque soma a sua nega- agora como ponto de referência a verdadeira vantagem ou pre-
tividade com a da linha da revolta, resolvendo o caso com uma juízo do ser.
dor proporcionalmente maior, porque funciona duas vezes, uma Com a ajuda de nossa figura, procuramos chegar ao cálculo
para corrigir o afastamento do erro, voltando à linha da Lei, e geométrico dos fenômenos da ética. Colocamos aqui os seus
44 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
princípios fundamentais, suscetíveis de desenvolvimento com Não esqueçamos a observação feita há pouco, de que estu-
teoremas, demonstrações e conclusões racionais. damos aqui o fenômeno em função da vantagem ou do dano do
Voltemos a observar o 2o e o 3o caso, nas suas duas posições ser, sendo estes, portanto, os nossos pontos de referência agora.
„a‟ e „b‟, para resolvê-los em termos de débito ou crédito da Na posição „a‟ do 2 o caso, temos então que, se, para corri-
parte do ser. gir o erro expresso pelo comprimento da linha NN 2, é neces-
2o caso: Poderíamos chamar este caso de favorável, porque, sária a dor expressa pelo comprimento da linha N 2N3 (dano),
sendo o caminho das linhas positivas maior do que o das nega- ao mesmo tempo o ser percorreu em sentido evolutivo o com-
tivas, o balanço se fecha em vantagem do ser. primento da linha NN 3, em seu proveito. No 1 o caso, NN1N, o
Posição „a‟ do 2o caso: O cálculo, neste caso, baseia-se so- ponto de chegada é N, que coincide com o ponto de partida.
bre três linhas: 1) A linha verde negativa do erro, NN 2; 2) A li- Mas, no 2o caso, o ponto de partida é N, mas o ponto de che-
nha vermelha positiva da dor, N2N3; 3) A linha vermelha posi- gada é N3, e isto significa que, embora errando pelo caminho
tiva da evolução ao longo da linha da Lei, NN3. Na balança en- do mal, o ser realizou alguma coisa no caminho do bem. Isto
tre os valores negativos e os positivos, vencem os positivos, não é absurdo nem impossível na realidade de nosso mundo,
uma vez que estes são representados por duas linhas contra uma onde vemos que bem e mal muitas vezes se misturam no
só negativa. Do lado da negatividade, temos a linha NN 2(−). Do mesmo ser e na mesma obra. Acontece, desse modo, que o
lado da positividade temos: pagamento por meio da linha da dor não somente neutraliza a
linha do erro, mas também, através desta experimentação,
[N2N3(+)] + [NN3(+)]
deixa, no fim, o ser numa posição mais adiantada. Isto repre-
Então a linha do erro (−) fica compensada por duas linhas senta uma vantagem que compensa e anula parte do dano pro-
de sinal oposto, a linha da dor (+) e a da obediência (+). A dife- duzido pelo erro. Este trecho que foi ganho como progresso
rença entre o caminho de destruição e o de reconstrução de va- constitui um tipo de abatimento na dívida que o ser tem de
lores é no sentido positivo. Então o movimento todo, no seu pagar para se resgatar do erro com a sua dor. Eis aí o signifi-
conjunto, resolve-se em proveito do ser, porquanto a soma das cado da fórmula resolutiva da posição „a‟ do 2 o caso.
duas linhas positivas é maior do que a negativa. Na posição „b‟ deste 2 o caso, as características do fenôme-
A fórmula da posição „a‟ do 2 o caso tem de exprimir a van- no vão sempre aumentando em favor do ser. A linha da dor, ao
tagem (+) em termos de valores positivos em favor do ser, as- invés do comprimento NN 3, fica reduzida à linha N4N5, e a li-
sim como, no 3o caso, que é o oposto, a respectiva fórmula tem nha do progresso em subida, ao invés do comprimento NN 3,
de exprimir, como veremos, o dano do ser (−) em termos de va- resulta aumentada a NN5. Desta vez, o ponto de chegada é N5,
lores negativos. Desse modo, enquanto, no 1 o caso, os dois va- e isto significa que foi percorrido em subida um caminho ainda
lores opostos, + e −, são iguais e se equilibram, há neste 2 o caso maior e que, por conseguinte, no fim, o ser se encontra numa
uma diferença em sentido positivo favorável, de vantagem, co- posição ainda mais adiantada. Tal condição representa uma
mo também é lógico que haja no 3o caso, oposto, uma diferença vantagem maior em favor do ser. Este trecho a mais que foi
em sentido negativo contrário, de prejuízo. ganho como progresso constitui um abatimento maior na dívi-
Expressemos com a letra V(+) o conceito dessa vantagem. da que o ser tem de pagar com a sua dor, cuja linha teve seu
Ela significa tudo o que o ser ganha em sentido de positividade, comprimento diminuído. Eis aí o significado da fórmula reso-
como subida do AS para o S, em termos de evolução e do cor- lutiva da posição „b‟ no 2 o caso.
relativo melhoramento. Então a fórmula resolutiva da posição Estas duas posições „a‟ e „b‟, como há pouco dizíamos, são
„a‟ deste 2o caso é a seguinte: apenas dois exemplos básicos para a nossa demonstração entre
os muitos possíveis, que cada um pode escolher à vontade. Mas
V(+) = [N2N3(+) + NN3(+)] − NN3(−)
os dois, como se pode ver na figura, já bastam para nos mostrar
Posição „b‟ do 2o caso. Nesta outra posição se repete em a tendência do fenômeno em deslocar os seus valores no senti-
medida e evidência maiores o que temos observado a respei- do de fazer corresponder, às posições cada vez menos oblíquas
to da posição „a‟ do mesmo caso. A fórmula contém os mesmos e inclinadas da linha do erro, uma progressiva diminuição do
elementos, porém ainda mais deslocados para os valores positi- comprimento da linha da dor (dano) e um progressivo aumento
vos em favor do ser. Aqui selecionamos só estas duas posições do comprimento da linha do progresso em subida (vantagem).
„a‟ e „b‟, para simplificar. Mas é possível imaginar entre elas Esta tendência nos leva a considerar a posição limite deste
quantas posições intermediárias quisermos, conforme a medida processo, a qual poderíamos chamar de posição „c‟ deste 2o ca-
de deslocamento de valores que escolhermos. so. Isto significa que o fenômeno está dirigido para conquistar
Aqui, o cálculo também se baseia sobre três linhas: 1) A uma quantidade de valores positivos sempre maior, em vanta-
verde negativa do erro, NN4, 2) A vermelha positiva da dor, gem do ser, e para uma quantidade de valores negativos cada
N4N5; 3) A vermelha positiva da evolução, ao longo da linha vez menor, à custa e em dano do ser. Não há somente o fato de
NN5. Igualmente vencem aqui os valores positivos, representa- que os primeiros funcionam em favor do ser, como resgate do
dos por duas linhas contra só uma negativa. Do lado da negati- seu erro, mas há também, ao mesmo tempo, uma diminuição
vidade, temos a linha NN4(−). Do lado da positividade, temos progressiva do comprimento da linha da dor.
[N4N5(+)]+[NN5(+)]. Novamente, a diferença é no sentido posi- Ora, é claro que, se levarmos esse processo até ao seu caso
tivo, e o movimento todo se resolve em proveito do ser. Então a limite, atingiremos uma posição na qual a quantidade dos valo-
fórmula resolutiva da posição „b‟ deste 2 o caso é a seguinte: res positivos conquistados será máxima e, portanto, também
máxima será a vantagem do ser, ficando anulada a quantidade
V(+) = [N4N5(+) + NN5(+)] − NN4(−)
dos valores negativos e, com isso, o dano do ser. Acontece que,
Algumas observações. Observamos que, quanto mais verti- no fim, a linha da dor desaparece e o erro deixa de ser erro, mas
cal e menos obliqua é a linha do erro e, com isso, menor o seu só uma tentativa bem sucedida que se resolveu em progresso no
afastamento da linha da Lei, tanto mais diminui o comprimento caminho de subida. Isto é lógico, porque a crescente inclinação
da linha da dor e aumenta a linha do progresso em subida, isto da linha do erro para o alto, cada vez mais a aproxima da linha
é, o comprimento do trajeto percorrido em sentido evolutivo, da Lei, até anular todo afastamento e, com isso, a linha da dor,
em favor do ser. Isto significa que: 1) Diminui sempre mais o que é a sua consequência, porque representa o caminho de volta
caminho de volta para a Lei (dor); 2) O ser realizou um traba- à Lei. É lógico que, não havendo mais afastamento, não haja
lho útil de progresso ao longo da linha da Lei, em seu proveito. também a linha da dor. Neste caso limite, o fenômeno chega
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 45
então a uma posição na qual não há mais afastamento, nem dí- do que a linha positiva. Se, no fim do processo da posição „a‟
vida a pagar, nem dano e dor para o ser, nem valores negativos do 3o caso, o ser havia descido até ao ponto N7 da escala evolu-
a resgatar, mas somente a vantagem da evolução realizada. Este tiva, agora, no fim do processo da posição „b‟ deste mesmo ca-
é o caso de santos como Agostinho e Francisco de Assis, peca- so, o ser desceu até ao ponto N9, o que exige depois um traba-
dores na sua juventude, que souberam tirar do erro a experiên- lho de recuperação muito maior. Então a fórmula resolutiva da
cia útil para realizar um progresso espiritual e, assim, alcança- posição „b‟ deste 3o caso é a seguinte:
ram um nível de vida mais alto.
◘ ◘ ◘ D(−) = N8N9(+) − [NN8(−) + NN9(−)]
Continuemos agora analisando este mesmo processo nas su- Algumas observações. Se, no 2 o caso, vai cada vez mais
as duas posições „a‟ e „b‟, mas no sentido oposto. aumentando a linha percorrida em subida evolutiva em favor
3o caso: Poderíamos chamar este caso como desfavorável, do ser, no 3 o caso o mesmo fenômeno se repete às avessas,
porque, sendo o caminho das linhas positivas menor do que o e, assim, vai cada vez mais aumentando a linha percorrida
das negativas, o balanço se fecha com prejuízo para o ser. em descida involutiva, em desfavor do ser. No 2 o caso, tudo
Posição „a‟ do 3o caso. O cálculo, neste caso, baseia-se so- está orientado em sentido positivo construtor. No 3 o caso,
bre três linhas: 1) A verde negativa do erro, NN6; 2) A vermelha tudo está orientado em sentido negativo destruidor. Trata-se
positiva da dor, N6N7; 3) A verde negativa da involução, percor- de dois sistemas de forças opostas: um dirigido para o alto, e
rida em descida ao longo da linha da Lei, ou seja, a linha NN 7, outro para baixo. No primeiro prevalecem os valores positi-
que terá de ser corrigida em sentido oposto, positivo, evolutivo, vos, e é lógico então que o resultado final seja positivo:
com o esforço de subida N7N. Verifica-se então que, na balança V(+). No segundo prevalecem os valores negativos, e é lógi-
entre os valores negativos e positivos, vencem os negativos, uma co então que o resultado final seja negativo: D(−). Se, no 2 o
vez que estes estão representados por duas linhas, contra apenas caso, em subida, a linha verde (−) do erro resulta corrigida
uma positiva. Do lado da negatividade, temos as linhas [NN6(−) só pela linha vermelha (+) da dor, acrescida, porém, da van-
+ NN7(−)]. Do lado da positividade, temos só a linha N6N7. En- tagem (+), por ter atingido um ponto mais adiantado no ca-
tão à linha do erro (−) junta-se outra linha negativa, dada pela minho da evolução, no 3 o caso, em descida, a linha do erro
descida involutiva. A diferença entre o caminho de destruição e resulta corrigida pela linha vermelha (+) da dor, acrescida,
o de reconstrução de valores é no sentido negativo. Então o mo- porém, da desvantagem (−), por ter retrocedido para um
vimento todo, no seu conjunto, resolve-se em prejuízo do ser, ponto mais atrasado no caminho da evolução.
uma vez que a soma das duas linhas negativas é maior do que a Para voltar ao ponto de partida N, recuperando o que foi
positiva. Se, no fim do processo da posição „a‟ do 2 o caso, o ser perdido, é necessário reconstruir o que foi destruído, isto é,
se encontrava em N3, com a vantagem do caminho percorrido cumprir de novo, com o próprio esforço, o trabalho de percorrer
em subida como progresso, agora, no fim do processo da posi- em subida o caminho que foi percorrido em descida. É por isso
ção „a‟ do 3o caso, o ser se encontra em N7, com a desvantagem que, no 3o caso, o trabalho necessário para chegar ao resgate do
do caminho percorrido em descida como involução, que é ne- erro é muito maior. Enquanto, no 2o caso, a linha em sentido
cessário pagar depois, subindo de novo, com o próprio esforço. evolutivo representa um abatimento na dívida do ser, consti-
Então a fórmula desta posição „a‟ do 3 o caso tem de expri- tuindo um crédito em seu favor, verifica-se que, no 3o caso,
mir esta desvantagem (−) em termos de valores negativos, com além de não existir essa compensação, a linha percorrida em
dano para o ser, como acima mencionamos. Encontramo-nos, sentido involutivo também representa um acréscimo na dívida
aqui, na posição oposta à correspondente „a‟ do 2 o caso. do ser, porquanto gerou um novo débito a pagar, o qual será
Expressemos com a letra D(−) o conceito deste dano. Ele acrescido ao outro, expresso pela linha do erro.
significa tudo o que o ser perde em sentido de negatividade,
como descida do S para o AS, em termos de involução e do Se olharmos para as posições „a‟ e „b‟ do 3 o caso, veremos
correspondente prejuízo. Então a fórmula resolutiva da posição a mesma tendência para um sempre maior deslocamento de va-
„a‟ deste 3o caso é a seguinte: lores, que, se é em sentido positivo no 2 o caso, verifica-se, ao
contrário, em sentido negativo neste 3o caso. Em outros termos,
D(−) = N6N7(+) − [NN6(−) + NN7(−)] enquanto, no 2o caso, a tendência é dirigida para um contínuo
aumento em favor do ser, ela se torna, no 3 o caso, um contínuo
Posição „b‟ do 3o caso: Nesta outra posição, repetem-se
aumento em desfavor dele.
mais acentuadas e evidentes as mesmo condições da posição „a‟
do 3o caso. É lógico então que os valores negativos prevaleçam Continuando por este caminho, chega-se, como vimos no 2o
ainda mais sobre os positivos, o que significa aumento de des- caso, à posição limite do fenômeno. Nesta posição, a linha do
vantagem para o ser. A fórmula contém os mesmos elementos, erro tanto se inclina para baixo, que acaba sobrepondo-se à li-
porém ainda mais deslocados para os valores negativos, em nha da Lei, mas às avessas, isto é, em sentido emborcado, com-
desfavor do ser. Aqui vigoram os mesmos princípios, mas com pletamente negativo, em descida, e não em subida.
resultados sempre piores, ao contrário da correspondente posi- A esta condição podemos chamar de posição „c‟ do 3o caso.
ção „b‟ do 2o caso, onde iam sempre melhorando. Nesta posição, se a ausência de afastamento da linha do erro
Aqui também, o cálculo se baseia sobre três linhas: 1) A em relação à linha da Lei, no 2o caso, implica na inexistência da
verde negativa do erro, NN8; 2) A vermelha positiva da dor, linha da dor, resultando no fim em um trabalho somente positi-
N8N9; 3) A verde negativa da involução, percorrida em descida vo, realizado em sentido evolutivo, esta mesma ausência do re-
ao longo da linha da Lei, isto é, a linha NN9, que tem de ser ferido afastamento, no 3o caso, implica na inexistência da linha
corrigida em sentido oposto, positivo, evolutivo, com o esforço da dor, porém com resultado contrário, somente negativo, reali-
do ser, pelo caminho inverso N9N. Aqui vencem sempre mais zado em sentido involutivo. Não há, portanto, outro meio de re-
os valores negativos, representados pelas duas linhas deste cuperação a não ser repetir, sozinho, o mesmo esforço de quem,
mesmo sinal, contra só uma positiva. Do lado da negatividade, involuindo, caiu no fundo de um abismo e tem de subir nova-
temos as linhas [NN8(−)]+[NN9(−)]. Do lado da positividade, mente, escalando à sua custa as íngremes paredes. Não se trata
temos só a linha N8N9(+). A diferença, aqui, também é em sen- mais, então, de apenas uma penitência para neutralizar o peca-
tido negativo, e o processo se resolve todo em desfavor do ser, do. Pela sua descida, o ser retrocedeu a um nível de vida mais
uma vez que à linha do erro (−) junta-se outra linha negativa, de baixo, repetindo e confirmando com vontade de revolta um tre-
descida involutiva, e a soma das duas linhas negativas é maior cho do mesmo caminho da primeira grande queda.
46 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
Para o ser abismado nesta posição, até mesmo a linha ver- mesmo plano de vida, mas constitui um deslocamento de nível
melha da dor (+), com os seus poderes de reconstrução da posi- biológico para o S ou para o AS, com todas as correspondentes
tividade, ficou anulada. Com isso, desaparece a possibilidade consequências. No 3o caso, trata-se do emborcamento dos valo-
de resgate pelo caminho do arrependimento e da dor, que repre- res fundamentais da existência, de um retrocesso, da gênese do
sentam o meio pelo qual quem subiu ou ficou no mesmo nível mal, como no caso da primeira revolta. A inclinação da linha do
de evolução pode corrigir o erro. Em tal condição, o ser se tor- erro para o alto expressa a boa vontade, que é tanto maior quan-
nou fera, porque involuiu num trecho do caminho para o AS e, to maior for a inclinação, até se tornar completa, quando as du-
com isso, adquiriu mais qualidades negativas, enquanto perdeu as linhas coincidem na posição limite. A inclinação da linha do
as que tinha conquistado no S, em conhecimento, felicidade, erro para baixo expressa a má vontade, que é tanto maior quan-
vida e liberdade, decaindo proporcionalmente para a ignorân- to maior for a inclinação, até se tornar completa, quando as du-
cia, o sofrimento, a morte, o determinismo e o caos do inferno. as linhas coincidem na posição limite.
Este é o justo galardão que recebe, porque merecido, quem Tanto o erro como a boa ou má vontade são elementos que
cumpre o crime da revolta absoluta contra Deus, não por erro, todos conhecemos em nossa prática quotidiana e que, na práti-
mas, como mencionamos, por orgulho, por espírito de revolta, ca, vemos misturados em cada ato nosso, em proporções dife-
com conhecimento e vontade de praticar o mal. Este caso é rentes. Eis que este estudo geométrico de nossa figura, apesar
mais raro que o do erro comum, porque requer um impulso de poder parecer um trabalho abstrato, afastado da realidade,
muito mais decidido para a negatividade, impulso de revolta leva-nos a compreender o valor e as consequências de nossa
que tem de ser tanto mais poderoso quanto mais for inclinada a conduta, permitindo-nos formular racionalmente as normas
linha do erro, até ao caso limite em que ela não é mais lateral, dessa nova ética, cujos alicerces estamos aqui construindo, com
mas só descida vertical, involução, posição de revolta absoluta, a enunciação dos seus princípios.
para a vitória do AS, vontade do ser contra a da Lei. Não se tra-
ta mais do pecado do homem, e sim, como dissemos, de Lúci- VIII. EVOLUÍDO E INVOLUÍDO
fer, que não se resolve só com o arrependimento, percorrendo a
linha da dor, mas apenas transformando-se e amadurecendo de Agora que foi analisada e entendida a estrutura da nossa fi-
novo pela profunda e dura fadiga redentora da evolução. gura, podemos compreender melhor o significado exato do
Neste caso, não se trata de uma negatividade acidental, de conceito de evoluído e de involuído, dos quais muitas vezes fa-
superfície, fácil de corrigir, originada no erro, que, por si só, lamos neste livro, bem como nos precedentes.
não subverte fundamentalmente a natureza do ser. Trata-se, pe- Como explicamos no Cap. V, cada plano de evolução está
lo contrário, de uma negatividade central e profunda, cujo endi- regido por sua própria ética, relativa e particular a ele, a qual,
reitamento exige uma renovação igualmente central e profunda partindo de um nível inferior, transforma-se gradativamente
no sentido da positividade, porque, neste caso, em razão da re- em uma ética de nível mais adiantado, que o ser vai atingindo
caída, acordam e voltam a se desencadear as forças obscuras do com a sua evolução. Estamos no terreno do ser decaído, onde a
AS. Este é o caso oposto ao dos santos acima mencionados, que perfeição do absoluto desmoronou no transformismo do relati-
erraram na procura da verdade e do bem, para acabar santifi- vo, que percorre continuamente o caminho de regresso à per-
cando-se. Neste 3o caso em descida, trata-se, pelo contrário, de feição. Eis que, ao longo da linha da evolução YX, ou linha da
seres que quiseram fazer o mal pelo próprio mal, com pleno lei de Deus, cada ponto representa uma diferente posição do
conhecimento, agindo não por erro, mas por uma vontade deci- ser e o respectivo tipo de ética relativa a seu nível, a qual esta-
didamente resolvida a realizar o emborcamento do S no AS. Es- belece a regra que dirige a vida do ser conforme o seu grau de
te não é só um pecado secundário, devido à ignorância e à fra- evolução. Assim, da duríssima lei determinística da matéria e
queza do ser; não é apenas o afastamento lateral gerado pelo er- dos seres inferiores chega-se à lei sempre mais livre e feliz do
ro, que a penitência da dor pode corrigir. Trata-se aqui do peca- espírito e dos seres superiores. Todos esses diferentes tipos de
do fundamental, o primeiro e maior, devido ao espírito de re- ética, cada um relativo ao nível particular de evolução onde o
volta, que gerou o processo involutivo da queda e o desmoro- ser se encontra, estão contidos na Lei, que, sendo o pensamen-
namento de todo o nosso universo. to de Deus, abrange e dirige tudo o que existe.
Eis o significado das duas posições limites „c‟ do 2 o e 3o ca- Marcamos em nossa figura, ao longo da linha YX da evo-
sos. A primeira é toda em subida, fato que neutraliza o erro e lução, os pontos A1, A2, A3, A4 e A5. Cada um expressa um ní-
acaba reabsorvendo a linha da dor. A segunda é toda em desci- vel evolutivo ou plano de vida diferente e o respectivo tipo de
da, fato que transforma o erro em crime, para o qual não há ar- ética que o rege. Na realidade, o número desses pontos é muito
rependimento nem sacrifício comuns que possam facilmente maior, preenchendo, na contínua transformação de uma para
apagá-lo. A progressiva inclinação da linha do erro para o alto outra no trajeto de subida, todas as posições intermediárias.
no 2o caso, até à referida posição limite, tende a transformar o Esta questão de evoluído e involuído representa um caso parti-
erro (−) cada vez mais em trabalho de evolução (+). Tal trans- cular dessa transformação de um tipo de existência e de sua
formação se realiza em cheio na posição limite „c‟ do fenôme- correlativa ética para outro.
no, na qual triunfa completamente a positividade. Por sua vez, a Se imaginarmos o homem atual situado num grau de evolu-
progressiva inclinação da linha do erro para baixo no 3 o caso, ção que esteja mais ou menos na metade do caminho ascensio-
até à sua posição limite, tende, ao contrário, a transformar o er- nal YX, poderíamos colocar o biótipo atual, chamado normal,
ro (−) cada vez mais em trabalho de involução (−). Tal trans- que constitui hoje a maioria na Terra, no ponto A3. Então o sel-
formação se realiza em cheio na posição limite „c‟ do fenôme- vagem estaria situado no ponto A2 e o mais evoluído, no ponto
no, na qual triunfa toda a negatividade. A4. Cada uma dessas posições relativas representa um dado ní-
Na primeira destas duas posições limites, o ser, seguindo a vel de existência, o qual, em função da posição ocupada, é re-
Lei com a obediência, ganha. Na segunda, o ser, desobedecen- gido por sua respectiva ética, donde se conclui que o melhor
do a Lei com a revolta, perde. Nestas duas posições limites, o para um dado biótipo não é melhor para outro, assim como o
movimento não se realiza lateralmente, mas todo ele dentro da que é justo e bom para o primeiro não o é para o segundo.
linha da Lei, adquirindo, por isso, um sentido resolutivo de Eis então o que significa evoluído e involuído. O ser de
progresso em direção à positividade, que é vida, ou de regresso nível A3 (hoje normal) é um evoluído em relação ao ser do
em direção à negatividade, que é morte. Nestes casos, o deslo- nível A2 (selvagem), enquanto o ser do nível A2, ao contrário,
camento não é só um afastamento lateral, que deixa o ser no é um involuído em relação ao do nível A 3. Da mesma forma,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 47
o biótipo de nível A 4 (hoje super-homem) também é um evo- res, enquanto a substância dos fatos é bem outra coisa. Não há
luído, se comparado ao ser do nível A 3 (homem atual), en- ser humano que não deseje a ordem e a unidade, mas sempre
quanto o ser do nível A 3, ao contrário, é um involuído em re- subentendo que ele só admite uma unidade onde é ele quem
lação ao biótipo do nível A 4. manda e uma ordem na qual são os outros que obedecem.
Temos assim três posições que se julgam reciprocamente de Estamos apenas observando o fenômeno imparcialmente. É
modo diferente, conforme o ponto de referência onde o ser está claro que a coisa mais urgente para todos é, antes de tudo, de-
situado. Elas são: 1) A posição A2, nível do selvagem; 2) A po- fender-se, e não há motivo para que a sociedade faça exceção a
sição A3, nível do homem normal; 3) A posição A4, nível do essa regra, tanto mais que os criminosos conhecem mais do que
evoluído. Dentro de nossa sociedade, o homem do tipo A2 exis- todos o método de ataque e defesa. Ninguém pode negar à soci-
te como subdesenvolvido nas camadas inferiores, como primi- edade esse direito à legítima defesa. Mas isto quer dizer que es-
tivo ou como criminoso e rebelde à ordem constituída. O ho- tamos no terreno da luta, onde a vitória pertence ao mais forte.
mem do tipo A3, que domina pela força do número, estabelece O mal-entendido está no fato de que esta luta e defesa ficam es-
as leis e os métodos de vida, adaptando tudo ao seu nível, en- condidas sob o manto do direito e da justiça. Quando, nas revo-
tendimento e utilidade. No outro lado, o homem do tipo A4 re- luções, são os rebeldes que estabelecem uma nova ordem para
presenta uma minoria sem direitos, que tem de se adaptar às si, eles armam tribunais para condenar, conforme a justiça, os
leis e hábitos, para ele selvagens, da maioria. seus inimigos em nome da lei, como fazia antes contra eles a so-
Cada um dos três tipos concebe o outro sempre a partir do ciedade regularmente constituída. O espírito de luta, de agressi-
seu relativo e diverso ponto de vista, julgando-se a si mesmo o vidade e de defesa é legítimo neste plano de vida e faz parte da
tipo perfeito, o modelo para todos e, assim, aquele que tem mais lógica de sua ética. Estamos ainda na fase caótica do egocen-
direito à vida. Mas quem domina em nosso mundo é o tipo A3, trismo separatista, na qual a defesa para a sobrevivência não po-
que, por isso, julga justo impor a sua ética a todos, tanto inferio- de ser confiada senão ao indivíduo isolado ou, por instinto gre-
res como superiores. Observaremos agora a atuação da maioria, gário, unido em grupo com alguns semelhantes seus. O Estado,
que faz as leis para si, em dois casos: 1o) Dirigindo-se aos infe- com a sua autoridade em nossa sociedade dita civilizada, apesar
riores involuídos; 2o) Dirigindo-se aos superiores evoluídos. de democrático e representativo, é constituído por um desses
Escolhemos como ponto de referência o biótipo dominante grupos, formado pela classe dominante, que defende, contra to-
porque é ele que, com a sua forma mental, dada pelo seu plano dos os demais, os seus interesses e sua vida. Tudo isto se pode
de vida, estabelece as regras de conduta de nossa sociedade, as considerar lógico e justo, se colocarmos a nossa sociedade no
leis civis e religiosas, ou seja, toda a ética, impondo-a aos outros. nível biológico ao qual ela pertence, que é o da luta e da força.
◘ ◘ ◘ O engano se revela quando, neste mundo, queremos falar de
Como esse biótipo hoje dominante trata então os outros dois, verdadeira justiça, coisa que só aparece num mais alto nível de
que se encontram, em relação a ele, na posição de involuído e existência, ao qual o homem ainda não chegou. Não há dúvida
evoluído? Observemos primeiro o caso do involuído. Quando que todos têm o direito de viver, em todos os planos de vida e
este é representado por outros povos em terras coloniais, as rela- em todas as relativas formas de ética. Mas, com a evolução, mo-
ções estabelecidas pelo homem chamado civilizado, obedecendo difica-se o método para atingir essa finalidade. Então não é mais
à ética do seu plano, são em geral – pelo direito da força, da in- o indivíduo que se defende, mesmo usando as leis como arma na
teligência e dos recursos materiais – de exploração de quem é sua luta contra o próximo, numa contínua peleja de ataque e de-
menos provido desses meios. Neste nível, pertence ao mais forte fesa, onde só o mais astuto ou mais rico tem razão, mas é a cole-
estabelecer as leis, cabendo a ele todo o direito. Trata-se de uma tividade, para a qual o indivíduo faz tudo, que faz tudo para ele e
ética de luta, pela qual tudo acaba nas mãos de quem sabe agar- o defende no seio de uma ordem imparcial e universal, não mais
rar as coisas. Como consequência lógica dessa ética, aqueles que partidária. Isto, porém, somente poderá acontecer quando a hu-
não sabem defender-se e impor-se são esmagados. Esta é a rea- manidade houver atingido o estado orgânico e o indivíduo tiver
lidade que de fato existe além das teorias políticas ou religiosas adquirido a consciência necessária para saber viver nele.
pregadas. Neste plano vigora o método do vencedor e do venci- Se a substância do método atualmente em vigor em nossa
do, que vai das invasões bárbaras à exploração do trabalhador sociedade é o de sua defesa, pode-se dizer que esse objetivo foi
analfabeto. É por isso que, no mundo de hoje, enquanto estão atingido. Mas aqui o mal-entendido reaparece, quando, com tal
pregando a paz, todos se preparam para a guerra. Esta é a única método, essa sociedade pretende tratar e curar a doença da cri-
ética deste nível de vida. Este é o método e a base da glória de minalidade. Perante este objetivo, que deveria ser a suprema fi-
todos os imperialismos. Esta é a moral em que concordam todas nalidade do poder judiciário, a atual conjuntura social é uma fa-
as raças e povos, de todos os tempos e países do mundo. lência. Mas, para que isto não acontecesse, seria necessário usar
Mas, em outra forma, o involuído também se encontra den- a forma mental e a ética de um outro plano, onde a tarefa de
tro da sociedade dos assim chamados povos civilizados. Como quem domina não é defender contra todos a sua posição de do-
trata aquela maioria dominante esse biótipo subdesenvolvido? mínio, mas sim levantar os inferiores, educar e remir os crimi-
Refiro-me aos que não conseguiram encontrar, na ordem social, nosos, eliminando a semeadura de tanto mal, a qual diariamente
o seu lugar para viver e o procuraram fora daquela ordem, como se está realizando em nosso mundo, na mais completa inconsci-
rebeldes ou delinquentes. Estando fora da organização coletiva e ência das consequências. O atual método repressivo correspon-
representando eles apenas uma minoria, pelo menos nos perío- de à tentativa do cirurgião que procura curar o câncer cortando
dos normais, não revolucionários, gravita sobre eles o peso da o tumor. Assim, apesar de todas as providências da justiça hu-
maioria com a sua ética de domínio, que estabelece com as leis o mana, teoricamente perfeita, a doença da criminalidade, atra-
que é direito e justiça. Esta minoria então, quando não consegue vessando os séculos, ficou sempre de pé.
romper os diques com as revoluções, tem de se submeter às leis Infelizmente, a realidade é que todos possuem a mesma
civis e religiosas, que, constituindo a ordem, representam a de- forma mental e usam o mesmo método de luta. Quem julga
fesa dos interesses da classe dominante. Os fatos da realidade não está situado acima e fora da raça humana, para que lhe seja
biológica nos mostram que, neste nível, a vida se baseia na luta possível julgar. Todos seguem o mesmo caminho, não sendo
de todos contra todos, vigorando o método de ataque e defesa, possível chegar à ordem a não ser constringindo os rebeldes à
onde somente sobrevive o vencedor. Disto se segue que os con- obediência, porque o ponto de partida é o caos. Da mesma
ceitos de direito, justiça e punição em nome de princípios ideais forma, também não se pode chegar ao direito senão ordenando
ou até mesmo em nome de Deus, são apenas aparências exterio- a força nem se alcançar a justiça senão disciplinando a injusti-
48 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ça. É seguindo este mesmo caminho que os diferentes grupos rado os ambientes onde tudo isto pôde nascer, agora pune o fru-
vencedores se alternam no palco da história, obedecendo aos to deles com a prisão. O indivíduo vai morar num ambiente sa-
mesmos instintos do seu nível biológico e usando as mesmas turado de criminalidade, onde mesmo quem nunca houvesse si-
armas, para atingir as mesmas finalidades. Também na livre do delinquente seria levado a tornar-se tal. Escola às avessas. E,
escolha democrática do pleito eleitoral, é sempre o poder da quando ele terminar esse curso de mau exemplo e de revolta in-
posição, da inteligência e dos recursos que permite alguém terior, a sociedade o considera curado, aceitando de novo em
vencer os seus antagonistas políticos. seu seio aquele indivíduo, que se tornou pior, porque a pena
Eis qual é a luta recíproca entre o biótipo A 2 e o A3. Ambos não convence, mas atormenta e gera nova revolta. Isto, do pon-
querem e têm o direito de viver. Mas o segundo não quer reco- to de vista educativo, revela uma grande ignorância. Explica-se,
nhecer esse direito ao primeiro, que tem então de conquistá-lo porém, porquanto é fruto do passado, quando os segredos da
com a força. Para o tipo A2, não há lugar no castelo dos vence- psicologia humana eram desconhecidos e vigorava uma ética
dores. Por isso ele tem de ficar fora, como rebelde. Claro que, atrasada, fruto descontrolado do subconsciente instintivo.
se os revoltosos encontrassem um abrigo dentro do castelo, O resultado lógico de tudo isto é que a delinquência conti-
eles acabariam tornando-se homens da ordem. Para acabar com nua como um câncer social permanente, o que revela a impo-
os homens da desordem, seria necessário colocá-los dentro da tência dos métodos atuais para a solução do problema. Quando
organização da ordem, porque, se viessem a se tornar inimigos uma doença não se cura, isto se atribui em geral à ignorância do
dela, tornar-se-iam inimigos de si próprios. E, de fato, qual- médico. Temos assim a medicina repressiva. Mas a doença, em
quer um deles, tão logo se enriqueça e consiga ocupar posições vez de uma fera a ser domada com a força, é antes um processo
elevadas na sociedade, torna-se prontamente um defensor da lógico, que se penetra com a inteligência. A substância da pena-
ordem. É do interesse do mundo que não haja mais expulsos, e logia é constituída por uma luta armada entre ações e reações
ele deveria compreender isso. É absurdo um banquete a sós, da mesma natureza. Isto não significa que defendemos o crimi-
onde aqueles esfaimados que estão olhando não acabem fur- noso. Queremos apenas reconhecer que, enquanto esse método
tando alguma coisa. A nossa sociedade não consegue compre- vigorar, nunca poderá acabar a luta recíproca entre o biótipo A 3
ender isso, pois não pode ir além da forma mental dada pelo e o A2. Seria necessário antes de tudo educar os educadores. O
seu nível biológico, com a qual não sabe conceber tudo senão método da luta não pode gerar senão luta. Da guerra só pode
em função do próprio eu e da sua vantagem imediata. É assim nascer guerra. Seria necessário acabar com esse método, procu-
que a coletividade fica continuamente repleta de rebeldes cri- rando compreender e ajudar, em vez de condenar e reprimir, re-
minosos. Por este caminho, o problema não se resolve, en- conhecendo que não se pode eliminar o direito à vida, sem que
quanto não forem suprimidas as causas primeiras, situadas esta ressurja torcida em outra forma. Em vez de se ocupar em
dentro do próprio corpo social dos vencedores, que, assim, cobrir a realidade com um manto de hipocrisia, falando de jus-
continua sempre levando consigo a sua doença crônica. tiça, quando, na realidade, trata-se apenas da própria defesa na
Eis então o que acontece em nosso mundo. Justificando-se luta, seria necessário enfrentar o problema mais honestamente,
com um castelo teórico de princípios e leis, a classe dirigente, usando de sinceridade para resolvê-lo, a fim de eliminar os am-
que tem em mãos o poder, estabelece, com a sua forma mental, bientes onde nasce o mal, cuidando dos criminosos através da
uma ética cujos conceitos abstratos de bem e mal significam, na educação e fazendo desaparecer assim as causas do fenômeno.
realidade, só o bem ou o mal daquela classe. Na substância, tra- Dado o seu nível biológico, toda a nossa vida social se ba-
ta-se somente de justificar em nome de princípios superiores a seia não na compreensão e na colaboração, mas sim na rivali-
necessidade de constranger à obediência os rebeldes. O restante dade e na luta. No entanto, com tais métodos, o problema das
é problema longínquo, que é posto de lado. Este constrangi- relações sociais não pode ser resolvido. O criminoso luta contra
mento se baseia no princípio da satisfação ou do sofrimento, as leis, que são as armas dos seus inimigos naturais, com uma
atuando por meio do prêmio ou da pena. Assim, aparece nas re- estratégia mais ou menos perfeita e poderosa, como qualquer
ligiões a ideia de paraíso e inferno, que, nas leis civis, corres- guerreiro lutaria contra outros guerreiros. Desse modo a inteli-
pondem às honras ou à cadeia. Mas isto, em vez de educar e gência se desenvolve, mas no sentido das astúcias e enganos,
melhorar o indivíduo, apenas o estimula à luta egoísta, para por caminhos oblíquos. Explica-se assim a função biológica
ganhar a própria vantagem e evitar o próprio dano. E é lógico da mentira e também dessa hipocrisia da qual falávamos agora,
que a ética do egocentrismo não possa gerar senão frutos da como meio de defesa da vida. Quem não desenvolveu a inteli-
mesma natureza. Acontece então que o biótipo A3, em vez de gência até esse ínfimo grau de capacidade, ou quem a desen-
levantar o ser do nível A2 para um mais alto plano evolutivo, fi- volveu a um tal ponto, que não lhe seja possível retroceder até
ca abraçado com ele no mesmo pântano. esse nível, será sempre julgado um deficiente, merecendo e de-
Se o criminoso furta ou mata, faz isso porque a experiência vendo, por isso, ser condenado.
adquirida por ele no ambiente onde nasceu e cresceu lhe ensi- A vida, nos seus níveis mais evoluídos, baseia-se sobre
nou que era mais provável conseguir vencer na vida pelos ata- princípios diferentes. Para quem vive em tais planos, não há
lhos da desordem e da revolta, do que pelo caminho direito e gente fora do castelo dos vencedores, porque todos se ajudam
longo do trabalho e da ordem. E, de fato, a vitória no caminho fraternalmente e sabem que são elementos da mesma unidade
da delinquência, assim como tudo na Terra, depende de inteli- orgânica. Só quando, superando o método atual de desconfi-
gência, poder e recursos. Assim, o criminoso funciona confor- ança, chegarmos à compreensão fraternal, os problemas que
me a ética vigente. Na realidade, quem cai na rede das leis é o hoje nos atormentam poderão ser resolvidos. O sistema da lu-
delinquente simplório, desarmado, isolado e sem recursos, des- ta em vigor é contraproducente. A severidade das penas de-
provido de inteligência ou mentalmente doente. A rede em ge- monstra a fraqueza dos dominadores, pois é fruto do temor de
ral pega somente os peixes fracos e pequenos. Os grandes tuba- que os rebeldes avancem contra o poder. Até há poucos anos,
rões lhe escapam. O lema é: “A lei é igual para todos”, ao qual a justiça dava, como exemplo educador, espetáculo público,
alguns acrescentam: “os simplórios”. punindo ou matando os criminosos. E o povo corria para ver.
E o que acontece, depois, com esse criminoso que a lei con- Mas o exemplo educador que se passava na realidade era o
segue agarrar? Com uma pública e solene demonstração de jus- escândalo, muito apreciado e procurado. E, quanto mais feroz
tiça nos tribunais, isolam-se esses sujeitos por um período de o espetáculo, tanto mais gente corria para gozar de tão sabore-
tempo arbitrário nas cadeias. Que faz o preso? Ele continua re- ado petisco. Claro que assim se realizava uma educação às
agindo ainda mais contra a sociedade, que, depois de haver ge- avessas, porque o povo, além de aprender a arte do crime,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 49
também aprendia que este se torna legítimo quando é cometi- próximo mais fraco, para se aproveitar dele, visando somente a
do por quem tem o poder nas mãos. Assim, todos ficavam sa- própria vantagem egoísta e semeando ruína ao seu redor.
tisfeitos: 1) Os chefes, porque acreditavam dar um exemplo É isto que o involuído, mesmo preservando as aparências,
de sua força, confirmando o seu domínio; 2) Os juízes, por- faz na substância, mas não por maldade, e sim por sua nature-
que, agradando ao seu senhor e mostrando o seu poder, forta- za, porque esta é a lei do seu plano, a sua ética espontânea. Pa-
leciam a sua posição, ao mesmo tempo em que a pública en- ra ele, as qualidades de bondade do evoluído são ingenuidade
cenação da justiça tranquilizava a sua consciência, porque tu- condenável e fraqueza inadmissível, porque no mundo valem a
do se havia realizado com o consentimento de todos, endosso força e a astúcia, que levam à vitória. Quem não atinge essa fi-
universal que as legitimava, deixando as condenações dentro nalidade não tem valor, é considerado coisa negativa e contra-
dos limites da lei e da ética; 3) O povo, porque podia estudar a producente, o que se chama com muito respeito de loucura dos
arte de matar o próximo e vingar-se, além do que, com tão santos. Assim o evoluído é julgado um menino grande e inex-
apetitoso espetáculo de ferocidade, seguindo a sua ética de lu- periente, um utopista que vive de sonhos e fora da realidade. A
ta, também podia satisfazer o seu instinto de agressividade e conclusão imediata do involuído é que o evoluído constitui um
destruição, qualidades do involuído. Deste modo, todos fica- simplório cuja fraqueza é justo aproveitar e explorar. Assim
vam satisfeitos juntos, chefes, juízes e povo, cada um encon- são a ética e a forma mental do involuído, com as quais ele
trando a sua utilidade particular, podendo assim, unidos, liber- concebe as coisas e das quais não sabe fugir. E tal fuga não se-
tarem-se de um inimigo comum, sem ter de enfrentar qualquer rá possível, senão quando ele conseguir evoluir, subindo para
perigo, porque se tratava de um fraco vencido. um mais adiantado plano de vida.
Eis qual é, brevemente resumido, o jogo das ações e reações O problema é subir, e não julgar-se, por orgulho, mais adi-
entre o tipo A3 e o A2 e vice-versa. antado, sem o ser de verdade. Quem, em seu nível atual, renun-
◘ ◘ ◘ cia à sua própria supervalorização? Isto faz parte da forma
Observemos agora o 2o caso, isto é, quando a maioria, que mental do ser deste plano, correspondendo ao seu impulso ego-
faz a lei para si, dirige-se aos superiores evoluídos. Como o cêntrico e instinto de luta. Ao contrário, reconhece-se o ser ver-
biótipo A3, hoje dono do planeta, trata o biótipo A4, que excep- dadeiramente adiantado pelo seu constante dinamismo constru-
cionalmente aparece na Terra? Estudemos agora o jogo de tor, pela ausência de negatividade, pela sua bondade e inteli-
ações e reações recíprocas entre estes dois biótipos. Se esco- gência. Como se trata de valores reais do evoluído, a conse-
lhermos como ponto de referência a posição A3, dada pelo ho- quência lógica é a ausência de orgulho. Quem é de fato superior
mem comum, o ser do nível A4 nos aparecerá como um tipo de não precisa inchar-se de ar para aparecer maior, porque já o é e,
super-homem, evolutivamente mais adiantado. Mas, se esco- por isso, fica espontaneamente humilde. O evoluído é funda-
lhermos como ponto de referência a posição A4, o homem co- mentalmente honesto. Não pode, por isso, aceitar os métodos
mum, situado no nível A3, nos aparecerá como um involuído, da mentira e do engano vigorantes no mundo. Tudo isto é lógi-
evolutivamente mais atrasado. Este é o sentido que demos, nes- co, pois ele se encontra mais próximo do S e mais afastado do
te livro e nos precedentes, às palavras evoluído e involuído, es- AS. O problema para o involuído não é procurar sinceramente
colhendo como ponto de referência a posição ocupada pelo não fazer o mal, mas sim conseguir escondê-lo com a astúcia,
homem atual na escala da evolução. enquanto procura fazê-lo para atingir a sua própria vantagem.
Cada uma dessas duas posições traz consigo a sua forma Ele não usa o intelecto no sentido de obedecer às leis para viver
mental, assim como a sua correlativa ética e particular lei de na ordem, que representa a vantagem de todos, mas sim para
conduta, bem diferentes, das quais já falamos bastante. O evo- escapar delas, evitando suas sanções. Para quem está maduro
luído desejaria que sua ética regesse a vida neste mundo. Mas para viver no estado orgânico de verdadeira sociedade humana,
sua ética não é a mesma do biótipo dominante. Disto, então, é duro ter de viver num estado caótico de egocentrismos desen-
nasce o choque. Ao involuído não interessa nada se o outro é cadeados. Indivíduos desse tipo biológico, no plano de vida do
evolutivamente superior. Com a forma mental do seu plano e evoluído, seriam isolados como criminosos, porque, nesse ní-
sua ética, ele sabe que o evoluído representa um caso isolado vel, é absurda e inadmissível a conduta descontrolada da ética
ou uma pequena minoria e, por isso, não tem direito algum; do subconsciente, vigente em nosso mundo.
sabe que aquele tipo não está armado, não usa a força e, na De fato, pelo caminho percorrido, o evoluído chegou a criar
prática, é um fraco, um covarde, um vencido, somente com a instintos diferentes, de modo que, para ele, é natural e fácil tudo
função de obedecer. Só a quem possui a força para dominar o que para o involuído é esforço difícil (virtudes, altruísmo, inte-
pertencem todos os direitos. Mas o evoluído não pode de ma- ligência, atividade etc.), enquanto é difícil tudo o que é fácil, ins-
neira nenhuma viver conforme uma lei que, para ele, é de fero- tintivo e, às vezes, irresistível para o involuído (ataque e defesa,
cidade. Pela sua própria natureza, ele não pode impor ao mun- egoísmo, ignorância, ócio etc.). Para um selvagem, é facílimo es-
do, com o método da força ou do direito armado, a sua ética, calar uma árvore, correr vários quilômetros ou viver na mata en-
feita de compreensão e bondade. Ninguém quer nada dele, e tre as feras. Seria, porém, muito difícil proferir uma palestra, es-
não há lugar para ele no mundo, onde ele pode ser apenas um crever um livro, trabalhar em escritórios ou viver num aparta-
excluído, colocado fora da vida. mento. E vice-versa também. Que problema sério, se um tivesse
Os dois tipos de personalidade são tão diferentes, que uma que mudar para o ambiente do outro! Evoluído e involuído se re-
parece o emborcamento da outra. Esclareçamos com um exem- pelem reciprocamente. Um não se adapta a viver a vida do outro.
plo. O evoluído encontra-se completamente deslocado no am- O evoluído é evangélico, fraternal e compreensivo, para co-
biente humano, tal como um homem civilizado que tivesse de operar. Ele usa sua força e inteligência para lutar não contra os
morar numa aldeia de antropófagos. Ele teria que de se adaptar seus semelhantes, mas sim contra a sua animalidade, para atin-
muito para sobreviver num tal ambiente. Tudo o que é natural e gir a sua sublimação. Ele aparece no mundo como um anjo, cu-
justo para os selvagens, não o seria para ele. Que faria um ho- ja lei natural é o Evangelho. Mas a lei dos outros é diferente.
mem das nossas cidades se, ao sair do seu apartamento, visse Ele, que dá tudo, ama e perdoa, não pode neste mundo ser se-
que era hábito normal, em vez de cumprimentar o vizinho, não espoliado e desprezado. Tal mundo, depois de haver tirado
agredi-lo para matá-lo e cozinhá-lo, a fim de devorá-lo no al- dele toda e qualquer possível vantagem egoísta, repele-o desde-
moço? Da mesma forma, o evoluído fica horrorizado quando vê nhosamente, como se faz com um fruto espremido. O involuído
que, em nosso mundo, é lícito e comum, na prática, violar as se interessa pelo próximo para tirar proveito dele, enquanto o
leis penais, civis, religiosas e morais, enganando e esmagando o evoluído o faz para beneficiá-lo, ajudando-o a subir. Apesar
50 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
disso, uma vez que o evoluído caiu no plano inferior da anima- Qual é então a posição do homem atual a este respeito? To-
lidade humana, ele tem de suportar o choque com a lei deste dos lamentam que, na Terra, a felicidade seja inatingível e se
plano. Mas é como se a vida quisesse expulsá-lo deste mundo, resolva numa ilusão. Por que razão o prêmio, depois de tanta
que não é o seu. Esta é a história de Cristo e de todos que o se- luta e corrida, deve ser somente a amargura desse engano? Por
guem. O encontro entre os dois planos de vida não pode acabar que motivo o homem tem de ser traído no seu maior anseio?
senão no martírio do evoluído. O involuído quer expelir do seu Somente com a teoria da queda isto se explica.
reino o estrangeiro. E é a este que está confiada a função de No S, o ser era feliz. Com a revolta, ele transformou a feli-
ajudar na evolução do mundo! Assim, quem trabalha e sofre pa- cidade de que gozava no S na sua infelicidade no AS. Explica-
ra salvar o mundo é por ele explorado e atormentado. Custa ca- se assim, e é lógico, o seu desejo de voltar à felicidade de ori-
ro ser evoluído de verdade, e quem segue esse caminho só por gem e de fugir da dor em que caiu, condição na qual ele revela
vaidade não pode deixar de fracassar ao primeiro passo. a sua natureza de cidadão do S, agora desterrado no AS, de on-
Para a ciência, o evoluído é um anormal. Trata-se de um de quer fugir para voltar à sua pátria, o S.
princípio aceito em psicopatologia que é psiquicamente doente Há, porém, também o fato de que esse cidadão está abis-
o indivíduo rebelde ao ambiente, provido de forma mental dife- mado no AS e possui, por isso, sua respectiva forma mental,
rente da maioria, enquanto é psiquicamente são o indivíduo que dada pela revolta, que o leva não para a almejada felicidade,
se adapta, ajustando-se ao ambiente, com forma mental seme- mas sim para a dor. Eis então que o homem se encontra em
lhante à vigorante na coletividade. Então o ponto de referência contradição consigo mesmo. Procura uma coisa que deseja
de todo o julgamento, a unidade de medida para todos, é a mas- desesperadamente, no entanto segue o caminho que o leva
sa da maioria, que representa o modelo do biótipo ideal. Essa justamente para o contrário; quer atingir algo que os métodos
igualdade entre os conceitos de ambiente, maioria e valor do utilizados por ele impedem-no de alcançar. Ele quer chegar à
indivíduo nivela todos no mesmo plano, expelindo os que são felicidade, mas, ao invés de utilizar as qualidades construti-
de outra medida, seja para mais ou para menos. Eis como são vas do S, que são de obediência na ordem, usa o método da
repelidos tanto os biótipos A4, os mais adiantados, como o os revolta, que é qualidade destrutiva, pertencente ao AS. É a
biótipos A2, os mais atrasados. É como se um sábio fosse morar mesma coisa que querer abrir uma porta empurrando-a no
num hospital de doenças mentais, onde a normalidade da maio- sentido em que ela se fecha, ao invés de puxá-la no sentido
ria é a loucura, e, para não ser expulso como louco, tivesse que em que ela se abre. O mal está todo no princípio errado do
se tornar louco. Trata-se, porém, de um ser superior, que com- emborcamento que o ser, com a revolta, introduziu na sua
preende e julga a loucura de todos os outros, procurando, pelo existência. Foi assim que, ao lado da perfeita lógica do S, pô-
contrário, ajudá-los a voltar à razão, mas que não pode, de ma- de nascer este absurdo pelo qual, para satisfazer o seu legíti-
neira nenhuma, adaptar-se àquele ambiente de loucos. Esse é o mo instinto de felicidade, que só pode ser encontrada no S, o
choque e o jogo de ações e reações entre esses biótipos que per- homem usa a sua forma mental errada, própria do AS, e é le-
tencem a níveis evolutivos diferentes. vado para o sofrimento. Como pode então o seu esforço para
procurar a felicidade atingir o seu objetivo? É lógico que con-
IX. DETERMINISMO DA LEI duza ao seu contrário, como de fato acontece. Eis por que o
homem lamenta que a felicidade na Terra seja inatingível e
Continuemos desenvolvendo o nosso tema, para cumprir a que sua busca é uma ilusão. Mas é lógico que, quando procu-
tarefa de demonstrar cada vez melhor o funcionamento da Lei ramos uma coisa em sentido emborcado, não seja possível en-
aos que amadureceram a inteligência para compreender e contrá-la senão em posição emborcada, isto é, o seu inverso.
aprender a arte da conduta certa, o único caminho que nos pode O erro não está na estrutura do sistema do universo, mas so-
levar à felicidade. mente no homem, no seu espírito de revolta, no fato de querer
Procuraremos agora expor um quadro mais completo do fe- ele usar a psicologia do AS. É lógico que um processo absur-
nômeno da evolução, para melhor entendermos o segredo da do acabe no absurdo, e assim, neste caso, a procura da felici-
sua técnica, estrutura e significação profunda. Na sua substân- dade se resolva num engano e gere dor, ao invés de felicidade.
cia, a evolução é representada pelo caminho que vai do AS para O que de fato vemos acontecer no mundo é que o homem
o S, isto é, de um estado que tem todas as características do quer substituir o seu eu a Deus, a sua lei à Dele, utilizando o
primeiro para um estado que possui as do segundo. Para o ser, princípio da usurpação à força, para fugir à ordem estabelecida
as características que mais interessam, porque mais de perto o pelo princípio do justo merecimento. O pecado que leva para
toca, são a dor, qualidade do AS, e a felicidade, qualidade do S. uma felicidade emborcada no engano é o desejo de chegar a
Estes dois fatores são importantes porque representam os im- ela ilegitimamente, furtando-a, ao invés de legitimamente, me-
pulsos fundamentais que impelem o ser, repelido pela dor e recendo-a. O que emborca todo o processo em prejuízo do ho-
atraído pela felicidade, a cumprir o esforço que lhe é necessário mem, e não a seu favor, é somente o seu método errado. O en-
para subir do AS para o S. De fato, o impulso que mais movi- gano que ele lamenta está no modo escolhido por ele. Quando
menta o ser neste seu duro caminho é a carência e, por isso, a um erro está nas premissas, não pode deixar de aparecer tam-
desesperada procura da felicidade. Este seu anseio responde a bém nos resultados. Ninguém pode impedir que o efeito seja
um ímpeto instintivo e irrefreável, devido a um vazio, à falta de de natureza idêntica à da causa. O absurdo que o homem quer
alguma coisa imensa e indispensável, que por certo o ser possu- realizar e que ele, na sua ignorância, não compreende está no
ía no S, mas depois foi perdida. Este seu anseio prova que se fato de querer chegar a possuir uma qualidade pertencente ao
trata de algo que ele conhecia bem, mas que agora não possui S, usando métodos que a negam, e não os do S. Os métodos do
mais, da qual, porém, lembra-se e sente infinita saudade. AS, pela sua própria natureza, não podem levar senão ao opos-
A involução, produto da queda, foi um movimento em dire- to do objetivo almejado. É claro que uma alegria arrancada à
ção errada, porque procurou a felicidade às avessas, isto é, não força ou com o engano não pode produzir senão veneno. Se o
na obediência, mas na revolta. É lógico então que, com tal mé- homem fosse inteligente, deveria compreender a simples lógi-
todo, por esse caminho emborcado, o ser não pudesse chegar ca de tudo isto. Mas a ignorância também é uma qualidade do
senão ao resultado inverso, ou seja, à dor, exatamente o contrá- AS, onde ele está situado. A sua astúcia é a esperteza do igno-
rio da felicidade. Ora, o endireitamento desse processo involu- rante, que termina em loucura. Explica-se, assim, como ele
tivo se faz através da evolução, que representa o caminho na di- prefira praticar o absurdo de procurar a felicidade, usando mé-
reção certa, o único capaz de recuperar a felicidade perdida. todos que o fazem encontrar o sofrimento.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 51
O homem é livre para fazer o que quiser, mas nada pode senta apenas um saudável remédio e a dor, que parece uma mal-
impedir que permaneça vigorando o inviolável princípio da Lei dade de Deus ou pelo menos um erro no sistema da Lei, existe
pelo qual, com a injusta usurpação, não se pode conquistar feli- apenas para ser automaticamente destruída, envolvida num pro-
cidade. Apesar de, na superfície, dominar e parecer vencer o cesso de autoeliminação. Na substância, o engano e a dor nada
princípio da força e da astúcia, o que de fato continua domi- mais são do que uma escola para aprendermos a nos libertar des-
nando e vencendo na substância, contra toda a vontade humana, se mesmo engano e dessa mesma dor. A pior traição seria se o
é a lei de Deus, pelo princípio do merecimento e da justiça. homem, em vez de um engano, encontrasse neste mundo a ver-
Quem quer evadir-se disso, leva consigo a autopunição, porque dadeira felicidade e ficasse satisfeito, pois isto significaria para-
acaba na ilusão. A Lei permanece sempre perfeitamente lógica, lisar a sua evolução, fazendo-o permanecer para sempre estacio-
e o absurdo fica nas mãos do homem que assim desejou. nário nos mais baixos níveis de vida, sem possibilidade de sal-
Mas a sabedoria da Lei não se esgota somente com a per- vação. O homem rebela-se porque o sofrimento e o esforço para
feição de sua lógica. Ela não deixa o ser abandonado, perdido sair dele têm de ser seus. Mas isto é lógico e justo, pois, como a
em sua ignorância, mas sabe, para o bem dele, extrair daquela desobediência foi do ser, dele também têm de ser as consequên-
ignorância toda a vantagem possível. O método das ilusões cias. Veremos a função do esforço do ser como elemento cons-
pode ser útil para impulsionar um ser ignorante, mergulhado trutor de evolução. E isto não somente é lógico e justo, mas
no AS e guiado pelos seus desastrosos métodos, a voltar, ape- também expressa a bondade e a ajuda de Deus, porque, sem este
sar de tudo, ao S, único modo possível para encontrar a alme- constrangimento indireto para subir, não haveria capacidade de
jada felicidade. O homem deseja a felicidade com todas as su- redenção. Assim, por seguir demais os atalhos que conduzem a
as forças, mas não sabe que ela, em razão de nossa insaciabili- uma felicidade-engano, o ser acaba descobrindo os caminhos
dade, tanto mais se afasta de nós, quanto mais julgamos tê-la que levam à verdadeira felicidade. Somente com uma completa
atingido e possuí-la. Parece que ela quer fugir de nós, como reforma de sua forma mental atual, trabalho difícil, poderá ele
uma miragem, de propósito, só para nos impulsionar numa subir para um nível de existência mais alto e feliz.
contínua corrida, mantendo-nos numa constante procura de al- Esta é então a atual posição do homem. Apesar de, no seu
go que nunca conseguimos encontrar. mundo, a felicidade ser um absurdo inatingível, ele guarda con-
Eis então que a ilusão produz um resultado útil, que é esta sigo esse desejo e permanece procurando-a. Porém, com a sua
corrida, impelindo o ser insatisfeito sempre para a frente no forma mental de revolta, própria do AS, o homem tenta arran-
caminho da tentativa, da experimentação, da aprendizagem e, cá-la à força ou furtá-la com a astúcia. Assim, este jogo absur-
por fim, da evolução. Então a sabedoria da Lei deixa o método do, no qual ele acredita, em vez de levá-lo para a almejada feli-
da ignorância, que quer uma felicidade furtada à força, funcio- cidade, onde ele possa satisfazer-se, termina por conduzi-lo à
nar livremente, não para chegar a esta, mas para atingir um ob- ilusão, que aumenta a sua fome. Com isto, a busca se intensifi-
jetivo muito mais útil, que é evoluir, ou seja, aproximar-se cada ca e a luta se faz sempre mais dura e feroz, até que, por fim, o
vez mais da verdadeira felicidade, a qual somente poderá ser homem acaba transformando a Terra num inferno de pelejas
encontrada no fim do caminho evolutivo, com o regresso ao S. desapiedadas, que representam não somente a sua autopunição,
O resultado final é que o ser, porquanto seu verdadeiro bem se mas também a escola para lhe ensinar o verdadeiro caminho da
encontra detrás da ilusão, realiza assim a atividade necessária felicidade, reformando assim a sua forma mental, pela qual ele
para evoluir. O fato de seu anseio para conquistar a felicidade é levado para aquele erro e os respectivos sofrimentos. A sua
não o levar a atingi-la, sendo apenas um meio para impulsioná- atual posição se constitui nessa corrida para aprender e evoluir.
lo a evoluir, pode parecer um amargo engano, no entanto, na Isto é a única coisa que o homem de hoje, perseguindo as suas
substância, representa não somente um engano justo, porque miragens, fruto da sua ignorância, sabe e pode fazer.
merecido, mas também um saudável meio de redenção, pelo Tudo isto é efeito inevitável da psicologia dentro da qual o
qual o ser, sofrendo as consequências do uso dos métodos do homem atual está preso, que o leva a pensar errado, fazendo-o
AS, passa da ignorância à sabedoria, o que significa assumir acreditar na possibilidade de resolver os seus problemas vio-
uma conduta correta e, com isso, alcançar a sua salvação. lando ou enganando a lei de Deus. Mas o resultado de tudo é
Assim o absurdo desta tão contraproducente conduta huma- somente o seu sofrimento, que lhe é útil para evoluir. Seria ne-
na resolve-se, na estrutura da Lei, numa lógica perfeita. Co- cessário compreender que a felicidade atingida com tais mé-
mo consequência da queda, tornam-se inevitáveis a cegueira e a todos é um roubo à justiça da Lei, produto de uma violação,
ignorância do ser. Isto faz parte da lógica da Lei, porque estas fruto não merecido, representando um desequilíbrio que é ne-
são qualidades do AS, onde o ser caiu. É lógico que o ser, vi- cessário depois equilibrar novamente. O que se obtém desse
vendo nos níveis mais baixos da evolução, deva ficar mergu- modo não é vantagem, porquanto não é prêmio ao qual se tem
lhado nas trevas e que, aí, o caminho da verdadeira felicidade, direito, ganho pelo trabalho, mas sim empréstimo usurpado, a
por ser desconhecido, deva ser descoberto por tentativas, único ser devolvido à justiça da Lei. É uma dívida a pagar, represen-
método para quem está no escuro. Assim, quanto mais o ser é tando o perigoso resultado da ignorância e da inconsciência
involuído, mais numerosos e mais graves são os erros que ele humana. Compreender esse fato seria o remédio para atingir o
comete. A tais erros correspondem sofrimentos e choques pro- objetivo da evolução, que o homem ainda tem de realizar.
porcionados, que, através das consequentes dores, constituem A posição é dura e difícil, pois o desejo do cidadão do S,
experiências iluminadoras, para ensinar cada vez mais o ser a agora decaído no AS, é grande, e não há meio para satisfazê-
evitá-los. Assim, automaticamente, o ser, atraído pela miragem lo. Na Terra, o homem, em vez de encontrar a satisfação ver-
de uma felicidade que está ainda bem longe, é levado pelo so- dadeira para saciar-se, encontra apenas ilusões que aumentam
frimento a aprender e evoluir, eliminando com isso a ignorân- a sua insatisfação. Ele é como um viajante morrendo de sede
cia, o erro e a dor. O homem perseguirá em vão a miragem da num deserto. Aqui ou acolá, aparece uma fonte que o convida
felicidade, até compreender onde está o truque e não cair mais a beber. Mas depois ele se apercebe que dela não jorra senão
nele, pois terá entendido que o método errado, por sua própria engano e veneno. Para acalmar a sua sede ele procura beber
natureza, não pode, como é lógico, gerar senão ilusão e sofri- mais, porém, quanto mais bebe, tanto mais se envenena. É o
mento. Então compreenderá que o seu justo desejo de felicida- gozo dos entorpecentes, que levam à ruína e, mesmo assim,
de somente pode ser satisfeito, sem enganos, na ordem da Lei, são usados sempre mais. É nutrimento fingido, que não sacia
seguindo os métodos direitos do S, e não os emborcados do AS. a fome; é satisfação ilusória, que não tira o desejo. É a embri-
Eis que, no final das contas, a cruel traição da ilusão repre- aguez do bêbado, felicidade emborcada em descida, que não
52 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
pode acabar senão no sofrimento. Assim, enquanto procura sua plenitude, expressa pela linha vermelha WW 1. Na descida
subir para a felicidade, o homem desce para a dor; dura, mas ao longo da linha verde XY, que representa a queda ou pro-
santa dor, porque é o único meio pelo qual é possível recupe- cesso involutivo, a plenitude do S, representada na forma do
rar os valores imperecíveis do S. referido triângulo vermelho emborcado, vai-se contraindo e
◘ ◘ ◘ retraindo cada vez mais, até se reduzir apenas a um ponto: Y.
Procuremos agora, como há pouco mencionamos, expor um Paralelamente, no mesmo processo de descida ao longo da li-
quadro mais completo do fenômeno da evolução, sobretudo no nha XY, no qual se dá a destruição do triângulo vermelho do
que se refere ao caminho do ser no seu esforço para subir, mo- S, foi construído o triângulo verde do AS, que, do ponto X,
vido pelo desejo de felicidade, descrevendo as resistências e as foi-se cada vez mais dilatando e ampliando, até atingir a sua
ajudas que ele encontra neste seu caminho, resultantes da ação plenitude, expressa pela linha ZZ 1.
e reação dos vários impulsos e forças exercidos mutuamente O processo inverso acontece no caminho da evolução, que é
entre o ser e a Lei, nas diferentes alturas evolutivas atingidas. o nosso atual e estamos estudando agora. A função deste proces-
Observaremos tal processo no seu aspecto geral, isto é, como so, oposta à do precedente, é endireitar tudo, destruindo o que
destruição da negatividade, produto da queda, e como recons- foi construído e reconstruindo o que foi destruído. Aqui não se
trução da positividade, produto do esforço do ser no seu traba- trata da descida ao longo da linha verde XY, que representa a fa-
lho de redenção. Voltamos assim à nossa figura, para entender se da queda, mas da subida ao longo da linha vermelha YX, que
a substância do fenômeno evolutivo, que, como consequência e representa a fase da salvação. Agora o fenômeno não se encon-
compensação do processo involutivo devido à queda, represen- tra mais na sua fase de afastamento, ou ida do S para o AS, mas
tado pela gênese do triângulo verde, consiste no endireitamento na sua fase de aproximação, ou regresso do AS para o S.
deste processo, levando à reconstrução do triângulo vermelho. Neste segundo período, é destruído o triângulo verde do AS,
Nesta análise, encontraremos também novas confirmações da que foi construído no primeiro período, e é reconstruído o tri-
teoria da queda, sustentada em nosso livro O Sistema. A forma ângulo vermelho do S, que, naquele período, foi destruído. O
gráfica de nossa figura nos será útil, porque ela pode dar aos processo se desenvolve às avessas, porque o ser, em vez de per-
conceitos uma expressão mais concreta e evidente. correr em descida, do S para o AS, a linha verde da involução
Analisamos no Cap. VII o caso em que o ser se lança por XY, percorre em subida, do AS para o S, a linha vermelha da
caminhos laterais à linha da Lei, observando como ela reage evolução YX. Ocorre agora que, no início do processo evoluti-
para endireitar tais desvios. Estudamos assim a técnica da cor- vo, o AS (−) se encontra na sua plenitude, expressa pela linha
reção do erro pela dor. Observaremos agora como se realiza, verde ZZ1. Ora, inversamente ao caso precedente, esta plenitu-
pelo mesmo princípio do regresso depois do afastamento, a de do AS vai-se contraindo cada vez mais, até se reduzir apenas
técnica da retificação do emborcamento devido à revolta no a um ponto: X, que representa a sua anulação. Ao mesmo tem-
caso do desvio maior, resultado da queda do S no AS. Em ou- po, porém, acontece que o S, do ponto Y, ao qual ele foi redu-
tras palavras, examinaremos a mecânica do processo da evolu- zido, vai-se dilatando cada vez mais, até voltar à sua plenitude,
ção ou reconstrução do S. expressa pela linha vermelha WW1.
Veremos, neste processo, funcionarem forças favoráveis, de Se, no primeiro caso, dado pela queda ou involução, a es-
sinal positivo, provenientes do S, como ajuda de Deus, e forças pinha dorsal do fenômeno era a linha verde XY, agora, neste
contrárias, de sinal negativo, que, procedendo do AS, resistem segundo caso, a espinha dorsal do fenômeno é a linha verme-
para obstaculizar a evolução. Veremos o ser avançar, com o seu lha YX. Os mencionados campos de força colocam-se ao lado
esforço, no caminho da evolução, em meio a esta luta entre as dessas duas linhas, cobrindo diferentes superfícies dos dois
forças do bem (S) e as do mal (AS), cada uma dificultando a triângulos, tanto para o vermelho do S, no sentido da positivi-
outra e procurando prevalecer para paralisá-la. O valor desses dade, como para o verde do AS, no sentido da negatividade,
impulsos será expresso na figura pela superfície dos respectivos conforme a fase atravessada (destruição ou reconstrução) e a
campos de força que o ser conquista e domina à medida que vai posição atingida pelo ser no seu caminho. Assim como a pri-
subindo, em proporção ao nível evolutivo. Trata-se da subida meira fase do fenômeno constituiu um processo de emborca-
para o S, o que significa a reconstrução dos seus valores, para- mento, onde o que antes era máximo (o S em WW 1) tornou-se
lelamente à destruição dos valores do AS. mínimo no ponto Y e o que era mínimo (o AS no ponto X)
Neste processo, os campos de força da positividade, que ex- tornou-se máximo na linha ZZ1, a segunda fase constitui um
pressam os valores do S, aumentam cada vez mais, dilatando- processo de endireitamento, onde o que antes era mínimo (o S
se, enquanto os campos de força da negatividade, que expres- no ponto Y) torna-se máximo na linha WW 1 e o que era má-
sam os valores do AS, diminuem cada vez mais, contraindo-se, ximo (o AS na linha ZZ1) torna-se mínimo no ponto X. Essa
isto conforme a maior ou menor proximidade do S, ou do AS. segunda fase, na qual se dá o endireitamento, representa o que
Por sua vez, esses campos de força também constituem um tipo é comumente denominado de evolução, redenção ou salvação.
de campo gravitacional, que tanto mais atrai para o S, ou para o Ela consiste em reabsorver, neutralizar e aniquilar o AS – fru-
AS, e prende no seu terreno o ser, quanto mais ele está próximo to da revolta e da consequente queda, fonte de todos os males
deles. Isto pelo fato de que esses campos são tanto mais pode- e dores – devolvendo, purificado por haver superado o cami-
rosos quanto mais estão situados perto da sua respectiva base, S nho de regresso, o ser ao S, onde ele pode encontrar o bem e a
ou AS, onde se apoiam. Assim como, através da revolta, o ser felicidade. O que mais nos interessa estudar neste volume é
caiu do campo gravitacional do S no do AS, ele tem agora, com esta segunda parte do fenômeno, porque se trata de nossa fase
o seu esforço para evoluir, de sair do campo gravitacional do atual, que estabelece qual deve ser a nossa conduta e a ética
AS e subir para voltar ao S. Trata-se de uma progressiva con- para dirigi-la, da qual depende a nossa salvação.
quista de impulsos favoráveis à subida, tanto mais poderosos Em resumo, se olharmos para a figura, veremos que, tal
quanto mais o ser se aproxima do S, e de uma paralela liberta- como, no movimento de descida, o triângulo vermelho do S vai
ção para fora do domínio dos impulsos contrários, que tanto diminuindo, até o campo de forças da positividade desaparecer,
mais se enfraquecem quanto mais o ser subiu para longe do AS. e o triângulo verde do AS vai aumentando, até o campo de for-
Para compreender melhor, observemos a figura. ças da negatividade atingir sua plenitude, assim também, no
Vemos nela dois triângulos, um vermelho e positivo, movimento de subida, o triângulo vermelho do S vai aumen-
WW1Y, representando o S, e outro verde e negativo, ZZ 1X, tando, até o campo de forças da positividade voltar à sua pleni-
representando o AS. Antes da queda, o S (+) se encontra na tude, e o triângulo verde do AS vai diminuindo, até o campo de
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 53
forças da negatividade resultar aniquilado e desaparecer. Dessa túpida inteligência dos astutos, mas com a inteligência honesta
forma, se o processo da involução consistiu na transformação dos evoluídos, porque esta é a única que, sem ofender a Lei
da positividade em negatividade, então o processo da evolução com o erro, não provoca a sua reação de dor.
consiste na transformação da negatividade em positividade. A Observemos ainda mais o fenômeno, para compreendê-lo
superfície coberta pelos dois triângulos nos expressa o sinal e a melhor. Quando digo observemos, quero dizer que, neste mo-
extensão do campo de forças de cada um deles nos diferentes mento, tenho perante os olhos, bem focalizada, a visão do pro-
graus de desenvolvimento do fenômeno, bem como sua pro- cesso explicado aqui por mim, para que o leitor possa ver co-
gressiva transformação, pela qual vemos o terreno da negativi- migo esta mesma visão da resposta às minhas dúvidas e per-
dade se contrair, e o da positividade se dilatar. guntas. Como atuam então sobre o ser esses impulsos de atra-
Ora, o fato de serem diferentes as amplitudes dos dois ção e repulsão de que falamos? Até onde vão, de um lado, o
campos de forças, tanto o positivo do S como o negativo do poder determinístico da Lei e, de outro lado, a liberdade do ser?
AS, nos diversos níveis da escala evolutiva, significa que, O desenvolvimento dos diferentes campos de forças, positi-
quanto mais o ser sobe para o alto, tanto mais poderoso se vos ou negativos, que vimos realizarem-se na formação ou des-
manifesta o impulso positivo do bem em seu favor e mais fra- truição dos dois triângulos, verde e vermelho, é devido a dois
co se torna o negativo do mal contra ele, e que, vice-versa, fatores: 1o) No processo da involução, tornou-se eficiente e ati-
quanto mais o ser se encontra em baixo, tanto mais fraco se vo o campo de forças negativas, representado pela superfície do
manifesta o impulso positivo do bem em seu favor e mais po- triângulo verde do AS, isto porque, do outro lado, proporcio-
deroso se torna o negativo do mal contra ele. A figura nos ex- nalmente, tornou-se latente e potencial o campo de forças posi-
pressa as diferentes extensões dos dois campos de forças em tivas, representado pela superfície do triângulo vermelho do S;
cada ponto da escala, permitindo-nos medir o valor desses 2o) No processo da evolução, torna-se latente e potencial o
impulsos, ou seja, o poder das forças de atração ou repulsão campo de forças negativas, representado pela superfície do tri-
que agem sobre o ser, tanto para o bem como para o mal, con- ângulo verde do AS, isto porque, do outro lado, proporcional-
forme o seu nível na escala da evolução, que estabelece a sua mente, tornou-se eficiente e ativo o campo de forças positivas,
posição pela proximidade do S, ou do AS. representado pela superfície do triângulo vermelho do S.
Começa neste ponto a tornar-se possível focalizar o valor Vemos então que existe uma compensação automática entre
dos vários elementos que encontramos funcionando no fenô- esses dois processos, emborcamento e endireitamento, destrui-
meno da evolução. Não há dúvida que este é movido por suas ção e reconstrução, que são inversos e complementares, porque
próprias forças – tanto de atração da parte do S, como de re- constituídos por valores e momentos opostos e equivalentes, de
pulsão da parte do AS – cuja ação impulsiona o ser num sen- modo que da morte de um nasce a vida do outro, e vice-versa.
tido ou noutro e é expressa na figura pela extensão dos cam- Podemos ver então até onde domina o determinismo da Lei, de
pos de forças, conforme a posição ocupada por ele ao longo um lado, e a liberdade do ser, de outro. O ser, com a sua liber-
da escala evolutiva. Ora, esta é a parte determinística do fe- dade, não pode agir senão dentro dos limites estabelecidos pela
nômeno, representada pela sua própria estrutura, devida aos Lei para esse emborcamento e endireitamento. Na sua liberda-
princípios e à vontade da Lei, que o rege. Esta é a parte que de, o ser domina somente o terreno de sua existência, mas não
pertence a Deus, feita por Ele, fruto da Sua Sabedoria e bon- pode sair dele. Ele pode obedecer ou rebelar-se à Lei, semean-
dade salvadora. É a parte na qual o ser está preso e da qual, do para si felicidade ou sofrimento; pode transformar o sinal de
para impedir a destruição de tudo pelo louco uso que o ser fez seu campo de forças de positivo em negativo com a revolta, in-
da sua liberdade, ninguém pode fugir. voluindo, ou de negativo em positivo com a obediência, evolu-
Além desta parte determinística do fenômeno, a qual per- indo; pode transformar o seu paraíso num inferno, ou o seu in-
tence a Deus e na qual o ser tem de obedecer, há outra parte li- ferno num paraíso; pode variar a sua posição dentro do que já
vre, que pertence ao ser, onde ele é dono dos seus movimentos. existe, mas não pode sair dos modelos feitos por Deus e dos
Assim como um peixe, mesmo sendo livre para mover-se num princípios que tudo regem, estabelecidos por Ele. O ser não po-
rio, não pode ultrapassar suas margens, o ser é livre para se de agir ou modificar nada senão dentro dos limites determina-
movimentar à vontade, mas permanece sempre enclausurado dos pela Lei, não lhe sendo possível criar algo novo nem des-
dentro dos princípios da Lei, sem poder sair deles. Assim a obra truir coisa alguma, o que cabe somente a Deus.
da salvação não está confiada apenas à sabedoria da Lei, que O ser está livre para realizar anarquia, mas apenas para si
dirige o fenômeno no seu conjunto e lhe garante o sucesso, mas próprio, porquanto não se pode gerar o caos na Lei, que perma-
também ao ser. Este, assim, é convidado a tomar parte ativa na nece inviolável e inatingível, acima de toda tentativa de desor-
obra da sua salvação, que ele tem de conquistar com a sua boa dem. O ser está inexoravelmente fechado dentro do esquema
vontade e esforço, ao qual é proporcional, como é justo pelo estabelecido por Deus em Sua Lei. Ele é livre para oscilar à
merecimento, a ajuda de Deus. A liberdade do ser rebelde e vontade do positivo ao negativo e ao contrário, podendo em-
louco assim como a ignorância do decaído estão contidas den- borcar ou endireitar um campo de força e os respectivos triân-
tro dos limites impostos pela sabedoria da Lei, para impedi-lo gulos no outro, mas não pode, porque ele próprio o estabeleceu
de se perder. Dentro destes limites, tudo o mais está confiado como consequência da revolta, sair deste caminho e criar cam-
ao ser, para que ele suba com suas próprias pernas. pos de forças e triângulos novos. Uma vez que o ser se envol-
O trabalho da evolução se realiza, então, por intermédio de veu no ciclo queda-salvação, involução-evolução, ele não pode
uma combinação da vontade determinística da Lei e do livre sair dos campos de forças destes dois triângulos, ligados entre
arbítrio do ser, ou seja, pela mútua colaboração entre Deus e a si pelo seu valor inverso e complementar, como dois momentos
criatura. É a Lei que estabelece a regra do jogo, mas quem o jo- do mesmo processo ou duas formas (positiva e negativa) da
ga, com seu risco e perigo, é o ser. De sua parte, o homem vai mesma substância, condição que estabelece entre eles uma
indo ao acaso, experimentando por tentativas e batendo a cabe- equivalência fundamental, da qual representam duas posições
ça por todos os lados, sem qualquer outro recurso para se auto- diferentes (S e AS), o que torna possível a transformação de
dirigir senão a dor, que é o aviso utilizado pela Lei para infor- uma na outra. Eis quais são os recíprocos limites do determi-
má-lo do erro, convidando-o a corrigir o seu próprio caminho. nismo da Lei e da liberdade do ser.
Assim, ele somente acabará com o seu sofrimento, quando se Resolvido este problema, continuemos observando a visão,
corrigir, por ter aprendido toda a lição. Procuramos aqui obser- para ver de onde e como nascem esses impulsos de atração e
var e aprender as regras desse jogo, para jogá-lo não com a es- repulsão que agem sobre o ser, como acabamos de ver. Pode-
54 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
remos ver assim qual é a primeira origem dessas forças que, Ele continua funcionando aqui, mas em posição emborcada, ou
provindo do determinismo da Lei, praticamente amarram a li- seja, não positivamente, através da sua presença e da manifesta-
berdade do ser à necessidade da superação da crise da queda e, ção de suas qualidades, mas negativamente, através da sua au-
com isso, à necessidade da sua salvação. sência e da supressão de suas respectivas qualidades.
A involução é o processo de transformação dos valores Temos então duas forças convergentes no mesmo sentido:
positivos do S nos negativos do AS. A evolução é o processo 1) A plenitude da negatividade do AS, com um corresponden-
inverso, de transformação dos valores negativos do AS nos te estado de saturação e saciedade máxima das respectivas
positivos do S. As duas posições limites do fenômeno são re- qualidades, que age como impulso de repulsão; 2) A máxima
presentadas, no primeiro caso, pela linha (+) do S, WW 1, e pe- carência de positividade do S, com um correspondente estado
lo ponto (–) do AS, X, e, no segundo, pelo ponto (+) do S, Y, de falta e fome máxima das respectivas qualidades, que age
e pela linha (–) do AS, ZZ1. Onde o + é máximo, o – tem de como impulso de atração. A primeira condição, de repulsão,
ser mínimo. E, ao contrário, onde o + é mínimo, o – tem de leva o ser a se afastar para longe do AS; a segunda, de atra-
ser máximo. O ser pode deslocar-se de um limite para o outro, ção, leva o ser a se aproximar do S.
mas não pode superá-los. Esta é a regra que rege o fenômeno, É justamente no fundo da descida involutiva, onde o im-
o determinismo encarregado de canalizar a liberdade do ser pulso da revolta atinge a sua plena realização, que o impulso
para o caminho da sua salvação. do S, isto é, a presença ativa de Deus, manifesta-se igualmen-
Constatamos então que, assim como, no processo involuti- te em todo o seu poder. No ponto em que o processo da invo-
vo, a construção do triângulo negativo do AS foi feita à custa lução atinge a plenitude da negação do S com o triunfo do AS,
da destruição do triângulo positivo do S, também no processo Deus opera, ainda mais presente pela sua ausência: o silêncio
evolutivo, a construção do triângulo positivo do S deve cor- acusa a falta da Sua voz, as trevas invocam a Sua luz, o ódio e
responder à destruição do triângulo negativo do AS. O que o desespero choram o Seu amor e felicidade. A revolta trouxe
aparece de um lado desaparece do outro. A construção é para- consigo, automaticamente, a sua condenação, com a qual o ser
lela e proporcionada à destruição, quase consequência dela. se puniu com suas próprias mãos. Isto porque, ao renegar
Isso faz pensar, como há pouco dizíamos, em uma equivalên- Deus e fugir do S, o ser nega sua própria vida e foge da sua
cia, sendo possível se dizer que o material para a nova cons- felicidade, o que significa cair na morte e no sofrimento. A
trução tenha sido fornecido pela destruição dos valores de si- revolta foi um suicídio, uma tentativa de autodestruição. Mas
nal oposto. Trata-se de inversão, e não de gênese, porque tudo é lógico, fatal e irresistível que o maior anseio de quem tentou
o que se ganha de um lado, como positividade, tem de ser se destruir e caiu no fundo da morte seja recuperar a vida, re-
subtraído à negatividade do outro, e vice-versa. construindo tudo o que foi destruído e reconquistando tudo o
Fica evidente que existe um princípio de complementarida- que foi perdido. Eis como o próprio impulso da negatividade
de e compensação, com o qual podemos não somente compre- do AS impele para a positividade do S.
ender a razão da proporcional diferença de extensão dos dois Esta é a estrutura do fenômeno involução-evolução, queda-
campos de forças opostos, S e AS, mas também encontrar o que salvação, onde tudo se desenvolve como consequência necessária
procurávamos, ou seja, descobrir qual é a primeira origem dos (inerente ao determinismo da Lei) do esquema originário conce-
referidos impulsos de atração e repulsão, que tão grande poder bido por Deus na Sua criação. A sabedoria de Deus, que tinha
possuem na direção do fenômeno evolutivo. previsto a possibilidade da revolta, havia colocado no seio do
Ora, é lógico que, por esse princípio de complementarida- impulso da queda a semente da salvação, de modo que, quando o
de e compensação, cada desenvolvimento e aumento de um processo do emborcamento atingisse o seu desenvolvimento má-
lado deve gerar uma retrocesso e uma diminuição do lado ximo proporcionalmente ao impulso recebido pela revolta, ele
oposto, vazio que, pela comunicação existente entre os dois não poderia deixar de continuar a se emborcar no sentido oposto,
campos de forças de sinais contrários e segundo o mesmo endireitando-se. Na ignorância em que caiu, o ser não se aperce-
princípio de equilíbrio vigorante entre dois vasos comunican- be que, nem mesmo com a revolta e a queda, ele nunca pode fu-
tes, representa, de um lado, um poder de aspiração e um im- gir das mãos de Deus e do poder soberano do S.
pulso de regresso para encher tal vazio e, do outro, concomi- A presença desse impulso automático para a subida, coloca-
tantemente, um correspondente acúmulo e sobrecarga, de do neste ponto pelo determinismo da Lei, revela uma precon-
onde surge, pelo mesmo princípio, a necessidade de alívio, cebida e evidente vontade de salvação, implícita no plano geral
gerando um novo impulso, que reforça o precedente. da criação e independente do que acontecesse. Esta é a forma
Apliquemos agora esse princípio ao caso da evolução, para na qual se manifesta a ajuda de Deus, que vai ao encontro da
compreender a causa do seu início. Se, no fundo do processo in- criatura perdida para salvá-la, em vez de se revoltar contra ela
volutivo (ZZ1), encontramos a plenitude da negatividade do AS para puni-la. Auxílio que se manifesta em forma de absoluta fa-
e a máxima carência de positividade do S (ponto Y), também talidade, com um jogo de forças do qual o ser não pode fugir,
temos aí um estado de saturação ou saciedade máxima de nega- porque, se pudesse, ele acabaria por se perder definitivamente
tividade (isto é, de todas as suas qualidades), associado a um es- e, com isso, a obra de Deus estaria falida.
tado de falta ou fome máxima de positividade (isto é, de todas as Tal ajuda, sempre respeitando a liberdade do ser, sabe exa-
suas qualidades). É no fundo das trevas do inferno que é máxi- tamente como impor a ele sua salvação, porque fala a linguagem
mo o anseio da luz e do paraíso. Deus é vida, e esta tanto mais do seu interesse, com as palavras convincentes da felicidade e
faz falta quanto mais o ser se afastou Dele. A criatura rebelde do sofrimento, que são entendidas por todos e constituem meios
não se tornou outro ser pela queda. Ele permaneceu sempre o persuasivos para impelir irresistivelmente o processo da revolta
mesmo ser que morava no S. A diferença está somente no fato ao endireitamento. A máxima negatividade que encontramos
de que, agora, ele perdeu as qualidades que possuía ali. Elas neste ponto significa a plenitude de todas as tristes qualidades
ainda continuam presentes, mas na sua posição de negatividade, do AS, onde triunfa o sofrimento que mais repele, do qual todos
como carências, como um vazio que ficou no lugar delas. procuram fugir. Carência de positividade quer dizer falta de to-
Neste ponto, o determinismo da Lei, automaticamente, impe- das as preciosas qualidades do S, onde triunfa a felicidade que
le o ser para inverter o caminho e seguir no sentido da subida. mais atrai, da qual todos procuram aproximar-se. Como pode o
Pode-se observar que este ponto, pelo fato de ser o mais afasta- ser persistir numa revolta que sempre mais o afasta do que ele
do, constitui a posição onde é menos ativa e menos funciona a mais almeja? Como pode o ser não reagir de alguma forma à in-
força de atração do S. Mas nem por isso desaparece a ação do S. satisfação do seu instinto fundamental, que quer a felicidade?
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 55
Ao longo do caminho em descida da queda, este fato se torna profundo? A visão nos mostra ainda mais. Continuemos ob-
cada vez mais duro e pesado. No fundo da queda, é máximo o servando. A evolução representa o regresso do ser ao seu esta-
estado de envenenamento pelo AS e de fome do S. Mas eis que, do de origem, que é a liberdade do S. É por isso que a evolu-
neste ponto, o pior do processo, chega automaticamente a ajuda ção representa uma contínua conquista de liberdade e amplitu-
de Deus, da qual o ser mais precisa para a sua salvação, porque é de de movimento. Tão logo o ser faça um esforço para subir, a
neste momento que ele se encontra mais afastado de Deus. É as- Lei está sempre pronta a retribuir, o que constitui uma ajuda de
sim que, por si mesmo, o milagre se realiza exatamente no ponto Deus, mostrando que Ele está sempre disposto a ir ao seu en-
em que, com a revolta, o rebelde, conseguindo construir o seu contro. Isto Deus faz sem prejuízo para o ser, deixando preva-
AS, realizou a plenitude da sua vitória contra o S. Pela estrutura lecer o Seu impulso de bondade apenas agora, quando se tor-
da Lei, é a própria natureza negativa do caminho percorrido que nou possível, enquanto não o era no momento em que o ser es-
impulsiona fatalmente o rebelde a contradizer-se, renegando a tava envolvido em sua revolta e ignorância de cidadão do AS.
sua revolta, a fim de regressar ao S e a Deus. Podemos ver assim a maravilhosa sabedoria da Lei, que, com
Isto é possível porque, como há pouco mencionamos, as tanta previdência e providência, sabe tornar-se determinística
forças do S não foram destruídas com a revolta, mas sim res- nos baixos níveis de existência, onde é necessário tirar a liber-
tringidas em sua ação, tornando-se latentes e potenciais, como dade ao ser, pois ele não sabe fazer dela senão mau uso para se
se tivessem sido comprimidas, estando, por isso, tão mais pron- perder, mas que a devolve, tão logo passe o perigo de prejuízo
tas a ricochetear para trás, quanto mais fossem comprimidas pe- para o ser, porque ele, adquirindo conhecimento e tornando-se
la vitória do termo oposto, para devolverem seus impulsos mais consciente, pode agora dar garantia de que não se arrui-
acumulados e se reintegrarem em toda a sua potencialidade. Es- nará, se a liberdade lhe for concedida.
sas forças não são exteriores, mas sim interiores ao ser. Em vez Neste ponto então se revela a bondade de Deus, pois a Lei
de constrangê-lo com uma atuação de fora para dentro, elas foi construída de tal modo, que, em caso de revolta, o rebelde
constituem os próprios impulsos do ser, fazendo parte da sua perde automaticamente a sua liberdade, condição pela qual se
natureza. Funcionam através de seus instintos, que não podem estabelece a necessária defesa, porquanto é perigoso, sobretu-
ser apagados e estabelecem anseios permanentes, num convite do para ele, deixar-se livre um louco inconsciente. Mas Deus,
tão enérgico e persuasivo, que ninguém sabe fugir a ele. Agora na Sua bondade, também construiu a Lei de uma tal forma, que
que observamos e entendemos tudo isto, podemos compreender o ser, evoluindo, torna-se consciente e, com isso, readquire a
como se iniciou, depois da descida, o caminho da subida e iden- capacidade de se dirigir por conta própria, após ter aprendido à
tificar as causas determinantes do fenômeno da evolução. sua custa, pagando o erro com a dor, a não violar mais a Lei,
merecendo e podendo por isso, sem perigo, tornar-se livre. As-
X. DINÂMICA DO PROCESSO EVOLUTIVO sim, todas as qualidades que lhe pertenciam no S e foram per-
didas na queda voltam a pertencer-lhe, e isto tanto mais quanto
Observamos no capítulo precedente de onde e como nasceu mais, com o seu esforço evolutivo, ele conseguir aproximar-se
a evolução, identificando quais foram as causas que, no fundo da sua pátria de origem.
da descida involutiva, determinaram o princípio desse novo Ora, não foi Deus que tirou a liberdade ao ser decaído, mas
processo. Continuaremos agora observando a mecânica da foi o ser que, querendo emborcar tudo com a revolta, embor-
evolução, porém não mais no seu início, e sim ao longo do seu cou também o S e lançou-se, por si mesmo, no AS, escravi-
desenvolvimento. zando-se no regime determinístico, sem a liberdade do S. Es-
Vimos funcionar paralelamente, de um lado, o determi- tava implícito no plano da criação, mesmo antes que a revolta
nismo da Lei e, do outro, a liberdade do ser. Notamos então se realizasse, o princípio de que, com a queda, os valores do S
que essa liberdade está contida e enclausurada dentro dos li- teriam de se emborcar nos opostos do AS, transformando a li-
mites impostos pelos princípios da Lei. O problema, porém, berdade no determinismo. Deus não fez nada no momento da
foi encarado apenas na sua posição estática, para ver até aon- queda, pois tudo já estava preparado e previsto desde o primei-
de se estende o campo de ação de cada um dos dois termos. ro momento da construção da Lei. A mudança foi livremente
Assim, observaremos novamente o mesmo problema, porém feita pelo ser e não pôde ser realizada senão dentro da Lei,
agora de um outro ponto de vista, examinando como se trans- conforme os princípios pré-estabelecidos nela contidos desde o
formam a cada passo, ao longo do desenvolvimento do pro- momento em que foi concebida por Deus. Nada pode sair da
cesso evolutivo, as posições desses dois termos e, com isso, a Lei, que representa o pensamento e a vontade de Deus. Foi o
relação que vimos existir entre eles. ser que ficou preso nas consequências fatais da sua própria re-
Já sabemos que o determinismo é qualidade do AS, enquanto volta, não havendo outro remédio, para sanear o que está esta-
a liberdade é qualidade do S. Disto decorre que, assim como, belecido, senão outro tanto de obediência.
devido à queda, o ser perdeu a liberdade e caiu no determinismo, Eis então que, seguindo o fenômeno da evolução, podemos
ele, na subida, quanto mais evoluir, tanto mais terá, ao contrário, observar a progressiva transformação de um universo de tipo
de perder as qualidades do AS e assumir as do S. Assim, com a AS num outro, de tipo S. Assim como, devido à revolta, a posi-
evolução, vai-se transformando cada vez mais a manifestação da tividade do S, com todas as suas qualidades, transformou-se em
Lei a respeito do ser, no sentido de que, quanto mais ele se afas- negatividade, com as respectivas qualidades, agora, com a evo-
ta do AS, tanto mais se enfraquece para ele o princípio do de- lução, a negatividade do AS, com todas as suas qualidades, tem
terminismo e, ao contrário, quanto mais ele se aproxima do S, de se transformar em positividade, com as respectivas qualida-
tanto mais se fortalece para ele o oposto princípio da liberdade. des. Na subida, a natureza dos valores e o poder dos impulsos
Em outras palavras, com a evolução, a liberdade do ser vai fi- em ação vão-se transformando. Assim, diminuem cada vez
cando sempre menos enclausurada dentro dos limites impostos mais o mal, o caos, a revolta, o ódio, a ignorância, o sofrimen-
pelo princípio determinístico da Lei. Isto, porém, não significa to, a morte, o determinismo, o inferno da matéria, até desapare-
que a Lei seja uma coisa ou outra. Ela é ambas, porque é tudo. É cerem completamente, aparecendo no lugar deles o bem, a
liberdade no momento em que ela é S, mas é determinismo no harmonia, a obediência, o amor, o conhecimento, a felicidade, a
momento em que ela é AS. Com a queda, não é a Lei que muda, vida eterna, a liberdade, o paraíso no espírito. Por isso a evolu-
mas sim a posição que o ser assume dentro dela, e é conforme ção significa desenvolvimento de inteligência, superação da
essa posição que a Lei se manifesta numa forma ou noutra. dor, conquista de vida, liberdade e felicidade. Assim o ser vai
Por que razão acontece isto? Haverá um significado mais ficando cada vez mais independente e autônomo, tornando-se
56 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
paralelamente, como convém a quem compreende, sempre mais Inferno é o AS e paraíso é o S, enquanto o purgatório é o cami-
responsável, menos constrangido à obediência e mais conven- nho que vai do AS para o S, ou seja, a salvação representada
cido da sua utilidade, o que faz dele um colaborador cada vez pela evolução. À medida que, viajando de forma em forma, o
mais consciente e espontâneo de Deus na obra da salvação. A ser vai subindo e ganhando altura, ele entra em planos de vida
compreensão elimina cada vez mais a necessidade do constran- mais adiantados e felizes, desaparecendo para ele o baixo mun-
gimento. O esforço do ser para evoluir é premiado a cada passo do dos involuídos. Embaixo, a existência é bem dura, porque a
pela conquista de um correspondente adiantamento, o que sig- luz da compreensão foi apagada nas trevas da ignorância, que é
nifica uma vida com melhores condições, mais aberta, consci- tanto maior quanto mais baixo o ser desceu com a queda. Quan-
ente, livre e poderosa, vantagens das quais o ser é levado a usu- to maior a ignorância, tanto maior o erro. E quanto maior o er-
fruir cada vez mais, participando como dono, e não mais como ro, tanto maior a reação da Lei, ou seja, o necessário choque da
escravo, nas diretrizes da Lei. dor, que é proporcional à cegueira e à insensibilidade do ser,
Assim tudo vai-se transformando. Mas, observando esse fe- para fazê-lo decidir-se a dar os primeiros passos no caminho da
nômeno da evolução, eis que aparece outra qualidade sua. A fe- evolução. Mas eis que, conquistando, através da evolução, a du-
licidade e a velocidade da subida não são sempre iguais ao lon- ra experiência que leva à compreensão da Lei, o ser diminui o
go do caminho do seu desenvolvimento, mas diferentes nos vá- erro e, com isso, a reação da Lei, ou seja, o choque da dor, que
rios níveis atingidos. Cada passo dado para frente representa a se torna sempre menos grosseiro e feroz, fazendo-se mais leve e
conquista de uma posição mais adiantada, o que significa en- refinado, como convém a um ser mais sensível e inteligente, ao
contrar-se na possibilidade de enfrentar e resolver o problema qual bastam choques muito menos brutais para atingir o objeti-
da subida com mais poderosos recursos e maior facilidade de vo da Lei, que é impulsionar o ser para frente. É lógico que, pa-
sucesso. O atual caminho percorrido representa um valor adqui- ra impelir uma pedra, uma árvore, uma fera ou um selvagem a
rido pelo ser em seu favor, constituindo um ponto de partida evoluir, os choques necessários devam ser de natureza e violên-
mais adiantado para iniciar o futuro caminho, com uma vanta- cia diferentes daqueles que são adequados para fazer avançar
gem que se torna sempre maior na evolução. A mesma ampli- um evoluído, um gênio e um santo.
tude de deslocamento em subida, para ser realizada, exige mai- Assim a evolução vai cumprindo a sua função de endireita-
or esforço e custa mais luta num plano baixo de vida do que mento, pela qual se realiza uma verdadeira catarse do mal em
num plano mais alto. Os resultados do trabalho por nós realiza- bem. A queda e a involução mudaram tudo o que era positivo
do no passado representam um capital nosso, acumulado como em negativo. A evolução realiza o processo oposto, endireitan-
resistência, experiência, conhecimento e merecimento, que ten- do na direção positiva tudo o que foi emborcado ao negativo.
de automaticamente a operar em nosso favor. Cada batalha Neste processo, o ser pode correr à vontade, mas só ao longo
vencida no passado representa uma força que nos impulsiona dos trilhos já marcados no esquema da obra de Deus. O ser po-
para frente, constituindo uma velocidade cada vez maior, ad- de subir ou descer, pode aproximar-se ou afastar-se do caminho
quirida por nós mesmos, que automaticamente nos levanta para certo da Lei, mas não pode sair das linhas daquele esquema. Ele
o Alto. Com isto, torna-se cada vez mais leve e veloz o passo pode abrir ou fechar as janelas do seu mundo para a luz de
do viajante e diminuem as asperezas do caminho, que se abre Deus. Lá fora, ela permanecerá sempre resplandecendo da
sempre mais amplo e fácil. Alcançando os últimos degraus, a mesma forma. Qualquer coisa que o ser queira fazer na sua li-
ascensão então, tal como um projétil, torna-se rápida e irresistí- berdade, ele terá sempre de aceitar as consequências das suas
vel, lançando-se para seu objetivo supremo: Deus. ações na moeda viva do seu sofrimento ou felicidade. Com a
No fenômeno da evolução movimenta-se um feixe de ele- alegria, recebemos o pagamento dos nossos créditos, enquanto,
mentos. Acima de tudo está a Lei, que, sempre justa, dirige e com a dor, temos de pagar os nossos débitos. Quando gozamos,
regula tudo, retribuindo segundo o merecimento. É verdade isto pode acontecer porque, perante o direito que nos dá a Lei,
que, no início, o caminho é mais duro, mas isto foi merecido. estamos recebendo um crédito que foi ganho anteriormente
Também é verdade que cada esforço realizado por nós deixa com o nosso esforço ou, então, no caso contrário, porque esta-
em nossas mãos o seu fruto, enriquecendo-nos, assim, em pro- mos tomando um empréstimo que temos de devolver depois ou,
porção ao trabalho efetuado, com um capital nosso, que, ao su- ainda, porque estamos furtando o que não nos pertence e, as-
birmos, vai-se acumulando cada vez mais, aumentado pelos sim, amontoando dívidas, culpas e danos. Méritos e deméritos,
juros, e isto significa possuirmos valores sempre maiores, re- tudo se capitaliza, construindo-nos uma preciosa fortuna, se
presentados por qualidades úteis, poderes e recursos em nosso avançarmos para a positividade, e arruinando-nos numa triste
favor. O que conquistamos no sentido da positividade, neutrali- miséria, se caminharmos para a negatividade. Tudo vai-se acu-
zando o seu contrário, alivia-nos cada vez mais do fardo que mulando, sejam créditos ou débitos, que são aumentados por ju-
nos esmagava como negatividade. É necessário, assim, um es- ros favoráveis ou desfavoráveis. Esta é a bagagem com a qual
forço sempre menor para subir, porque o caminho se torna mais viajamos, o nosso patrimônio no banco de Deus, uma proprie-
fácil. Então o fardo pesado e difícil se torna mais leve e fácil, o dade inalienável, que os ladrões não nos podem furtar e que,
inimigo se torna amigo e as resistências caem, transformando- pela justiça da Lei, ninguém nos pode tirar. Se trabalharmos pa-
se num convite. Assim como, na queda, o emborcamento dos ra o bem, enriqueceremos e seremos deslocados para planos de
valores transformou o bem em mal, o endireitamento deles, vida superiores, mais felizes. Se trabalharmos para o mal, em-
com a evolução, transforma o mal em bem. pobreceremos e cairemos em planos de vida inferiores, mais in-
A cada degrau atingido na escala da ascese, muda a posição felizes. Temos nas mãos a chave do nosso destino. Quando o
do ser e mais adiantado é o ponto de partida onde apoia o pé ser, com o seu esforço evolutivo, tiver devolvido à justiça de
para o novo passo. A justiça de Deus é exata como o equilíbrio Deus tudo o que lhe deve, então a mesma justiça devolverá ao
de uma balança. Quanto mais peso de méritos o ser coloca e ser toda a felicidade que lhe pertence.
acumula de um lado, tanto mais em seu favor se levanta o outro ◘ ◘ ◘
prato. A recompensa é garantida na medida precisa do mereci- A dinâmica do processo evolutivo vai se desenvolvendo
mento, em função do caminho percorrido, lutando e sofrendo. através da grande batalha entre a negatividade do AS e a positi-
Quem cai no AS tem de pagar o resgate da escravidão, mas, na vidade do S. Este é o significado do conflito que todos conhe-
medida em que este for pago, a Lei garante a libertação. De fa- cem e que, em todos momentos, está presente dentro de nós: a
to, existem inferno, purgatório e paraíso, que alguns negam luta entre o bem e o mal. Temos, então, neste sistema de forças,
porque não entenderam o verdadeiro sentido destas palavras. dois grandes impulsos: 1) Na plenitude do S, a revolta provo-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 57
cou o impulso para a negatividade, que vai-se desenvolvendo, e voltar a Deus. A evolução ou salvação representa um proces-
sempre mais, com a construção do triângulo verde do AS, até à so reativo, e o caso maior é da mesma natureza do menor, que,
sua plenitude em ZZ1. 2) Na plenitude do AS, encerrado o ciclo como já vimos, refere-se à correção do erro pela dor. Por isso a
da queda, começa o impulso para a positividade, que vai-se de- evolução se poderia definir como: “o processo reativo maior
senvolvendo sempre mais, com a construção do triângulo ver- da Lei, para a salvação de nosso universo decaído”. O princí-
melho do S, até à sua plenitude em WW1. pio fundamental, pré-determinado na própria estrutura do fe-
Vimos há pouco que, no momento do início do processo da nômeno, é sempre e somente um.
subida, as resistências e, por isso, o esforço em sentido evolu- Eis aí os dois termos em função dos quais se desenvolve todo
tivo são máximos. Isto é devido também ao fato de que, justa- o processo da queda (descida) e salvação (subida): Deus e o ser.
mente nesta posição, o primeiro impulso para a positividade Trata-se de dois egocentrismos que, antes da revolta, concorda-
(ponto Y) tem de vencer a maciça resistência que oferece a vam no S. Deus é o centro em função do qual, fundido na mesma
plenitude da negatividade (linha ZZ1). Mas eis que essa resis- ordem, funcionava o ser. Com a revolta, o segundo termo fugiu
tência não paralisa o fenômeno, porque o ponto Y representa o do primeiro, afastando-se dele, para construir às avessas, em vol-
momento de maior concentração das energias do S, que estão ta do seu próprio egocentrismo, outro S, que se tornou um AS.
totalmente comprimidas aí, prontas para entrar em ação, em Todavia o rebelde levou consigo apenas uma parte do S, que, do
busca da positividade. Acontece agora o oposto do que aconte- outro lado da cisão, permaneceu de pé. Assim o ser, apesar de es-
ceu no momento inicial da descida involutiva. Também no tar longe do S, continuou a fazer parte dele. Isto quer dizer que o
ponto X, o primeiro impulso para a negatividade teve de ven- ser ficou dependente do S, pelo qual tanto mais é atraído para o
cer a resistência máxima, oferecida pela plenitude da positivi- regresso a Deus, quanto mais afastado estiver dele.
dade em WW1. Mas essa resistência não paralisou o fenômeno Cada um dos dois termos tem a sua vontade e lança o res-
da queda, porquanto o ponto X representa o momento da ex- pectivo impulso. Se no S ambos concordavam, surgiu depois,
plosão da revolta, no qual foi atingida a maior concentração com a revolta, a oposição entre as duas vontades e impulsos. O
das energias do AS, que, comprimidas naquele ponto, para en- que antes constituía um único sistema, no qual, à volta do cen-
trar em movimento, estavam prontas como nunca para estourar tro Deus, a criatura orbitava obediente, cindiu-se em dois sis-
em ação. Afinal de contas, entre a base e o cume de cada um temas: um direito, o S, e um emborcado, o AS, tendo o primei-
dos dois triângulos, há uma equivalência de potencial cinético, ro por centro Deus, e o segundo por anticentro a criatura rebel-
porque nada se cria e nada se destrói. Em outras palavras, o de. Eis que as duas vontades e impulsos permaneceram: a do
que, no início do processo, está concentrado num ponto, em ser para centralizar tudo em si no AS, e a de Deus para atrair de
substância equivale ao que, no fim do processo, encontra-se novo o rebelde para dentro do S. Se, no período da involução, o
espalhado na plenitude do fenômeno realizado. primeiro impulso venceu e a revolta dividiu, então, no período
Para compreender cada vez melhor o verdadeiro significado da evolução, o segundo impulso vence e a obediência tem de
e a natureza íntima do fenômeno, tão rico de aspectos diferen- reunir. Com o primeiro movimento, os dois egocentrismos se
tes, procuremos agora representá-lo com uma imagem mais tornam rivais, enquanto, com o segundo, tornam-se amigos. Na
tangível. Quando o ser, com a revolta, procurou separar-se do primeira metade do ciclo, Deus permite vencer a vontade sepa-
S, nem por isso pôde destruir os liames que o uniam ao S. Po- ratista do ser, todavia, na segunda metade, deve prevalecer a
deríamos então imaginar esse processo de afastamento do ser vontade unificadora de Deus. O esquema do todo foi construído
rebelde do S como um lançamento, do ponto X para o ponto Y, de uma tal maneira, que não pode haver caminho de ida sem o
de uma pedra amarrada a um elástico, que atinge sua tensão correspondente caminho de regresso, pelo qual todo mal tem de
máxima no ponto de chegada Y, apresentando uma contínua ser saneado pela correspondente penitência.
tendência de reconduzir a pedra ao ponto de partida X e forne- Somente assim, não como punição ou vingança de Deus,
cendo-lhe a energia para cobrir o percurso XY. Que acontece mas por razões mais profundas, pode ser explicado o duro tra-
ao longo desse caminho? Quanto mais a pedra se afasta do pon- balho da evolução. Trata-se de uma necessidade lógica de equi-
to X, ou seja, quanto mais o ser rebelde se afasta do S, tanto líbrio e de bondade, porque o impulso de atração de Deus para
mais o impulso de origem se enfraquece e a ação contrária do a salvação se concentra e se manifesta automaticamente no
elástico se fortalece, até que, no ponto Y, esgota-se aquele im- ponto Y, onde, sendo máximos o sofrimento do ser e o esforço
pulso e torna-se máximo o poder de contração do elástico, isto necessário para ele subir, é providencial que também seja má-
é, de reabsorção do movimento para trás, em direção ao ponto xima a ajuda de Deus para salvá-lo. É por isso que, no ponto
de partida. Ao longo do trajeto XY, descarrega-se o impulso de onde este auxílio é mais urgente, porque o perigo é maior, tor-
origem (o lançamento da pedra, a revolta ou o afastamento do na-se máxima a tensão do elástico, que representa a força gravi-
ser) e, proporcionalmente, carrega-se o poder reativo do elásti- tacional exercida pelo S, ou seja, a atração para Deus.
co (a atração exercida por Deus), de modo que, no ponto Y, Às vezes, voltamos aos mesmos problemas já menciona-
funciona ao mínimo a ação da revolta e ao máximo o poder de dos por nós, e o leitor superficial pode julgar que estamos re-
salvação. É assim, que no ponto onde se esgota a revolta, ime- petindo. No entanto, este é o modo pelo qual vamos obser-
diatamente se inicia a contrarrevolta. vando um nível sempre mais profundo. Agora que entende-
Se a construção do triângulo verde representa o processo da mos ainda melhor qual é a íntima estrutura do fenômeno invo-
expansão do primeiro impulso, constituindo a realização dos lutivo-evolutivo, podemos compreender como ele se desen-
efeitos daquela primeira causa, a verificação do fenômeno re- volve no seu caminho de regresso, no qual nos encontramos.
presenta o enfraquecimento, até a sua neutralização total, da- Neste período, funcionam duas forças: 1) Uma da parte do
quele impulso determinante. Por outro lado, a construção do ser, através do seu esforço e sofrimento para vencer as resis-
triângulo vermelho representa o processo oposto de contração, tências e dificuldades do caminho; 2) Outra da parte de Deus,
realizado pelo elástico, até à reabsorção do precedente proces- através da Sua vontade salvadora, que se manifesta na forma
so de expansão, com o aniquilamento completo dos seus efei- de ajuda para a redenção, a fim de que o ser não perca. Mas o
tos. O esquema universal estava construído de uma tal manei- que significam esses dois impulsos, por que surgiram e funci-
ra, que qualquer afastamento para longe do S geraria uma cor- onam, qual é a sua razão de ser e a sua finalidade?
respondente atração para ele. Eis a profunda razão do fenôme- Voltemos a observar sempre mais atentamente a questão.
no da reação da Lei, pelo qual, seja qual for a desobediência e No processo involutivo-evolutivo, os dois termos, o ser e
o afastamento do ser, tudo deve automaticamente ser corrigido Deus, bem como os respectivos impulsos gerados por eles,
58 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
são opostos. Se, no caminho da descida XY, o ser vence tem- o amor de Deus, indo ao seu encontro, pode ser por ele recebido.
porariamente e Deus perde, no caminho da subida YX, o ser O resultado destas duas transformações, paralelas e propor-
perde e Deus vence definitivamente. No início desse segundo cionais, é uma outra transformação, pela qual os sofrimentos
período, no qual ocorre o regresso, a posição dos dois impul- vão desaparecendo cada vez mais, dando lugar a uma crescente
sos é dada, de um lado, pelo esgotamento da afirmação de re- felicidade, que se torna completa no fim, quando a ação salva-
volta por parte do ser e, do outro, pela tolerância por parte de dora de Deus atinge o seu resultado, com o regresso do ser ao
Deus, que permitiu tudo isto. A realização do AS em toda a S. Já mencionamos alguns pontos mais importantes dessa trans-
sua plenitude foi atingida à custa da paciência de Deus. Mas formação, que leva do determinismo à liberdade, da ignorância
eis que, no segundo período, os dois impulsos emborcam su- à compreensão etc., abrangendo todas as qualidades do ser. Es-
as posições, de modo que, de um lado, o ser, em vez da afir- te, então, é o resultado final. Mas, seguindo o caminho da evo-
mação da sua revolta, fica com a paciência da obediência e o lução, é possível observar as progressivas fases dessa transfor-
dever da disciplina, enquanto, do outro lado, Deus triunfa mação. Se o processo evolutivo é luta e sofrimento, ele também
com a vencedora afirmação da Lei. é conquista de felicidade. Como há pouco dissemos, o ser luta e
Logicamente, se o caminho da descida foi, para o ser, a sofre, enquanto Deus o ajuda. À medida que o ser, com a dor,
realização da sua vontade de desobediência e a vitória da sua paga o pecado, Deus recompensa e premia com a felicidade.
revolta, a evolução, posto que a subida representa o embor- Ora, se dividirmos a linha YX da evolução nos vários tre-
camento da descida, deve ser um caminho de disciplina, es- chos correspondentes a cada nível atingido no caminho da as-
forço e sofrimento. Por outro lado, é lógico também que, se cese, será possível calcular, em proporção ao trajeto percorri-
a descida representa uma momentânea derrota de Deus, a do, qual o peso do esforço e sofrimento que o ser já pagou e
subida constitua a Sua vitória. Neste período, portanto, é que ainda tem de pagar pelo seu resgate, obtendo assim o cor-
Deus quem, por sua vez, prevalece e leva vantagem sobre a respondente peso da felicidade que ele já conquistou e que
vontade rebelde do ser. O ser, então, que se havia afastado, ainda lhe falta conquistar. Desse modo, a cada passo, conforme
volta a aproximar-se de Deus, cuja ausência torna-se sempre a altura atingida, é possível controlar a posição atingida pelo
mais presença, manifestando cada vez mais Suas maiores ser, determinando a correspondente medida da transformação
qualidades: a bondade e o amor, que agora tomam a forma realizada num sentido ou noutro, tanto de prevalência da posi-
de ajuda em benefício do ser. O amor de Deus, no segundo tividade sobre a negatividade como ao contrário, até ele atingir
período, para salvar a criatura, trazendo-a de volta a Ele, re- a completa renovação.
presenta a Sua resposta à revolta com a qual, no primeiro pe- O resultado do deslocamento de baixo para cima é um pro-
ríodo, o ser havia manifestado a sua má vontade, afastando- gressivo aniquilamento das qualidades por nós conhecidas no
se para longe Dele. Tal ajuda é constituída por esse impulso AS, que são gradativamente substituídas pelas do S. Isto quer
da parte de Deus para a salvação, como podemos ver na des- dizer que, com a evolução, o empecilho das dificuldades, o es-
cida dos profetas e do próprio Cristo, para nos remir e sal- forço da luta e o peso do sofrimento se tornam cada vez mais
var. Eis como é, no período evolutivo, a posição dos dois leves, tornando menos áspero o caminho, mais fácil o progresso
termos: o ser luta e sofre, enquanto Deus o ajuda. e mais rápido o passo. O trecho, que, com tanto esforço, foi
Se no primeiro período acontece a expansão do egocentris- percorrido, facilita o novo caminho para frente. A velocidade
mo do ser contra o egocentrismo de Deus, fase que poderíamos adquirida representa um impulso de progresso em nosso poder,
chamar a paixão de Deus, no segundo período triunfa o egocen- para atingir uma velocidade ainda maior. O ser vai assim cada
trismo de Deus contra a vontade rebelde do ser, que cumpre as- vez mais acordando na luz que, vindo ao seu encontro, desce do
sim sua paixão. Tal como, no primeiro período, o ser, com a re- Alto. O convite do amor de Deus para o supremo amplexo tor-
volta, saiu da ordem do S, ele tem, neste segundo período, com na-se cada vez mais vivo e sensível. A distância entre o ser e o
a obediência, de regressar àquela ordem. Eis porque à revolta S decresce a cada passo, tornando a atração de Deus cada vez
teve de suceder a disciplina. mais poderosa e irresistível, até que, finalmente, o ser cai reab-
Neste caso, vigora o mesmo princípio já observados nos ca- sorvido na ordem do S em Deus. Então a cisão dualista do uni-
pítulos precedentes a respeito do afastamento lateral para longe verso desaparece. O egocentrismo da criatura rebelde volta a
da linha da Lei. A linha XY, que se afasta em descida do S, girar em redor do seu verdadeiro centro, que é o egocentrismo
equivale à linha NN1, que se afasta lateralmente da linha da Lei. de Deus, unindo-se e fundindo-se novamente, em obediência,
Ambas representam um afastamento do ser pela trajetória do er- ao organismo universal regido pela ordem do S.
ro, produto da desobediência. A linha YX, que volta em subida ◘ ◘ ◘
ao S, equivale à linha N1N, que volta lateralmente à linha da Continuemos observando a dinâmica do processo evoluti-
Lei. Ambas representam para o ser o fatigante trabalho do re- vo. Eis, em síntese, a posição do ser no ponto onde tal pro-
gresso, a penitência de recuperação, a correção do erro pela dor. cesso se inicia.
Eis a razão pela qual a evolução é uma dura luta de conquista, Na linha base da figura, isto é, no nível zero da subida, te-
que exige esforço e sofrimento. mos, nas duas posições (–) e (+), os seguintes elementos:
Que acontece então com o desenvolvimento do processo 1) Máximo poder das forças negativas, pela extensão má-
evolutivo ao longo do caminho da evolução? Neste percurso, os xima (ZZ1) do seu campo verde, na plenitude do AS.
dois impulsos se transformam: 1) Assim como, no primeiro pe- 2) Mínimo poder das forças positivas, pela extensão mínima
ríodo, o ser realizou a culpa da revolta, no segundo, reabsorven- (ponto Y) do seu campo vermelho, na anulação do S.
do aquele impulso na obediência, ele, através da dor, paga o pe- 3) Realização máxima de todas as qualidades negativas do AS.
cado e se redime. Desse modo, subindo com o seu esforço, o ser 4) Carência máxima de todas as qualidades positivas do S.
cada vez mais conquista as qualidades positivas do S e se liberta 5) Máximo poder de resistência do AS contra o regresso
do fardo das negativas do AS, abrindo sempre mais as portas por evolutivo.
onde pode entrar a ajuda de Deus. 2) Por outro lado, assim co- 6) Máxima dificuldade para vencer a resistência do AS e,
mo, no primeiro período, dominava o silêncio de Deus, que, jun- por isso, necessidade do esforço máximo da parte do ser.
tamente com Seu amor e ajuda, estava distante da criatura rebel- 7) Estado de máximo sofrimento do ser, mergulhado na ple-
de, no segundo período, a presença de Deus se torna sempre nitude do mal e na completa falta de bem.
mais viva e atual, fornecendo uma ajuda sempre mais poderosa, 8) Estado de máxima reação instintiva e luta do ser contra a
porque, quanto mais o ser se torna apto para receber, tanto mais dor, para fugir da negatividade do AS, e de máximo desejo in-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 59
satisfeito de felicidade, isto é, de máximo impulso para recupe- que, por esse processo de inversão ou endireitamento dos valo-
rá-la com a evolução, voltando à positividade do S. res emborcados, diminui cada vez mais o fardo de negatividade
9) Mínimo poder atual da ajuda de Deus, devido ao Seu es- que o ser tem de carregar e a luta necessária para vencê-la, en-
tado de máxima inatividade ou mínima influência, como impul- quanto, de outro lado, aumenta cada vez mais, em proporção
so evolutivo direto. inversa, o alívio que o ser, no seu fardo de negatividade, recebe
10) Máximo poder potencial da ajuda de Deus, a qual se pelo progressivo potencializar-se da positividade, que represen-
manifesta emborcada no AS, na forma indireta e negativa de ta a ajuda e a facilitação para a subida. Quanto mais o ser con-
sofrimento, devido à Sua ausência, que significa falta de felici- segue subir para Deus com o seu esforço, tanto mais Deus pode
dade e funciona como um tremendo vazio, cuja reação positiva descer para ele com o Seu amor.
é estimular no ser o impulso evolutivo, para fazê-lo regressar Este cálculo de valores favoráveis e contrários nos permi-
no caminho da salvação. tirá medir, para cada nível de evolução, até que ponto as for-
Esta é a posição do ser no nível zero, ou ponto básico inicial ças do S, dirigidas para o alto, conseguiram prevalecer acima
do processo evolutivo. Neste ponto, a ajuda de Deus, ou atração das forças do AS, dirigidas para baixo, neutralizando-as. Será
para o S, está neutralizada pela plenitude da negatividade do possível, assim, medir em que proporção se deu, com a reali-
AS, que domina aí e paralisa qualquer funcionamento, na sua zação da evolução, a vitória das primeiras e a derrota das se-
forma de intervenção direta, da positividade do S. A presença gundas. Conheceremos então, em cada ponto, o valor quanti-
deste e de Deus não é mais atual, como ação direta, mas apenas tativo ou o peso das duas forças opostas, positivas e negativas,
potencial, emborcada na sua posição oposta, constituindo uma que se encontram em ação, a favor do ser ou contra ele. Tal é
ação negativa, que opera por reação, através de caminhos indi- o dinamismo, sempre em movimento, desse processo. Agora,
retos, estimulando o esforço do ser para ele realizar o primeiro podemos conhecer o que mais nos interessa, isto é, qual é, a
impulso na subida, o qual tem de ser seu. Eis em que sentido cada passo, a posição do ser dentro desse dinamismo, que tem
dissemos há pouco que “onde é máximo o estado de perdição, o poder de realizar a sua salvação, transformando-o de perdi-
funciona ao máximo o poder da salvação”. O resultado é que do cidadão do AS em feliz filho de Deus, no S. O cálculo des-
Deus ajuda neste ponto também. Se Ele, na posição normal de ses valores e a correspondente posição do ser a respeito deles
S, ajuda, usando o Seu método de amor, é lógico que, quando poderão, como veremos, ser expressos graficamente pela ex-
tem de revelar a Sua presença na posição emborcada do AS, tensão dos diferentes campos de forças que constituem os tri-
Ele também ajude para o bem, mas de modo oposto, usando o ângulos verde e vermelho da nossa figura.
chicote, que é a forma exigida pelo ambiente. A essa altura, é possível vermos todo o conteúdo do fenô-
Neste ponto, portanto, o esforço que o ser tem de cumprir meno da evolução. Antes de tudo, ele está ligado à necessidade
é máximo. Explica-se assim por que, aí, as condições de sua lógica do endireitamento de tudo quanto foi emborcado, esta-
existência sejam as mais duras, sendo necessárias para excitar belecida por um princípio de equilíbrio e justiça, implícito nos
a sua reação salvadora, constrangendo-o à força a cumprir tal fundamentos de ordem e harmonia da Lei. A este princípio,
esforço. Há pouco dissemos também que “o ser luta e Deus que funciona automática e irresistivelmente, deve-se o fato de
ajuda”. Mas o ponto onde o ser tem de lutar mais e Deus dire- que o ser, uma vez tendo percorrido a primeira parte do ciclo,
tamente menos ajuda, é justamente este no início do processo não pode fugir à necessidade de percorrer a segunda parte e re-
evolutivo, onde a ausência da ação direta de Deus deixa o ser alizar, dessa maneira, com o seu esforço, o trabalho de neutra-
como se estivesse abandonado, para que, como é justo, no lizar, gerando outro tanto bem, o mal que produziu. Está conti-
começo, quando ele ainda nada resgatou e nada merece, o es- do na própria estrutura orgânica da Lei o princípio pelo qual
forço da construção seja todo dele. não é possível realizar um percurso de afastamento, ou traba-
Essa posição, porém, no dinamismo do processo evolutivo, lho de emborcamento, sem ficar amarrado à fatalidade de ter
não é uma posição estacionária e definitiva. Ela muda com o de percorrer o mesmo caminho e realizar o mesmo trabalho no
deslocamento do ser ao longo do caminho da evolução, con- sentido oposto, cumprindo necessariamente o caminho de re-
forme a proporção alcançada entre aqueles dois termos, de gresso e o trabalho de endireitamento.
modo que, quanto mais o ser, com o seu esforço, progride, Estabelecido este outro princípio, é possível então não so-
tanto menos ele tem de lutar, porque cada vez mais Deus pode mente, como agora dizíamos, medir o valor quantitativo ou peso
ajudá-lo. É lógico que assim aconteça, pois a posição embor- da forças em ação nos diversos níveis de evolução, mas também
cada do ponto inicial do processo evolutivo, com a realização conhecer a natureza delas, identificando a qualidade dos impul-
deste, vai-se endireitando cada vez mais, até os dois ter- sos atuantes no transformismo realizado no processo evolutivo.
mos atingirem uma situação reciprocamente oposta à que ti- Eis então, em resumo, o que há pouco explicamos e encon-
nham naquele ponto de partida. Acontece então que, ao fim do tramos ao nível zero daquele processo. Na plenitude do AS, te-
processo evolutivo, no momento do regresso ao S, a ajuda de mos máximo poder atual das forças negativas e mínimo das posi-
Deus será completa, com ação total e direta, enquanto a luta e tivas, ou seja, a plenitude das qualidades de caos, matéria, deter-
o esforço do ser terá desaparecido. Por isso pudemos dizer minismo, mal, ignorância, imperfeição, revolta, inferno, ódio, so-
que, com a evolução, o determinismo (chicote) se torna liber- frimento, morte etc., e a carência extrema das qualidades opostas.
dade (amor) e que a subida não só fica cada vez mais fácil, Resistência máxima ao regresso evolutivo. Maior dificuldade a
mas também ganha em velocidade. vencer e, por isso, necessidade de máximo esforço do ser. Sofri-
Estabelecido esse princípio, é lógico chegar à conclusão de mento máximo na plenitude do mal, com a falta do bem, acarre-
que é possível, na dinâmica do processo evolutivo, calcular, em tando a luta mais dura para fugir do primeiro e satisfazer o anseio
cada nível da escala evolutiva, o valor quantitativo das resistên- de recuperar-se no segundo. Falta da ajuda direta de Deus, fican-
cias das forças negativas do AS, contrárias à evolução, e do es- do o peso do trabalho evolutivo totalmente a cargo do ser.
forço que, proporcionalmente, o ser terá de cumprir para supe- Eis, por outro lado, o que se encontra, pelo contrário, no
rá-las, subindo. Da mesma forma, pode-se calcular também, em ponto final do processo evolutivo. Na plenitude do S, há míni-
cada nível, o valor quantitativo das forças positivas do S, favo- mo poder atual das forças negativas e máximo das positivas, ou
ráveis à evolução, e da ajuda que o ser receberá de Deus, para seja, a plenitude das qualidades de ordem, espírito, liberdade,
facilitar sua subida. Outro fator que, ao mesmo tempo, se pode bem, sabedoria, perfeição, obediência, paraíso, amor, felicida-
calcular também é o grau de felicidade atingida (cada vez mai- de, vida etc., e a extrema carência das qualidades opostas. Re-
or) e de dor ainda a suportar (cada vez menor). Veremos assim sistência mínima ao regresso evolutivo. Menor dificuldade a
60 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
vencer, e, por isso, necessidade mínima de esforço do ser. So- posto, que, quanto mais o ser insiste na sua posição errada, pro-
frimento mínimo devido à plenitude do bem e à ausência do curando a felicidade às avessas, tanto mais a dor aumenta e a
mal, porque foi satisfeito o anseio de recuperar a felicidade mordedura da infelicidade o aperta, constrangendo-o assim a
perdida. Máxima presença da ajuda direta de Deus, minimizan- endireitar o seu caminho. O percurso do processo evolutivo está
do o trabalho evolutivo a ser cumprido pelo ser. todo marcado como um curso escolar, em cujo programa de de-
Estas são as duas posições, uma nos antípodas da outra, senvolvimento o ser tem de aprender, sobretudo, a não errar
dos dois extremos, o ponto de partida e o ponto final do pro- mais. O triunfo de Deus é fatal e absoluto, estando a maravilho-
cesso evolutivo. Quando este houver sido todo realizado, no sa perfeição do processo no fato de que o ser encontra-se, por si
momento do regresso do ser ao S, todas as qualidades da pri- próprio, constrangido a realizar a sua salvação com o seu esfor-
meira posição têm de desaparecer, reabsorvidas e aniquiladas ço, porque ele não terá paz até regressar ao S.
nas qualidades opostas da segunda posição. Ora, dissemos tu- Como pode o ser fugir da Lei, se ela estabelece a natureza
do isto não somente para conhecer qual é o conteúdo do fe- dele? Na verdade, o ser, tentando fugir da Lei, de onde não é
nômeno evolutivo nestes seus dois pontos extremos, mas tam- possível sair, conseguiu apenas inverter a si próprio dentro dela,
bém para explicar o que tal processo de transformação abran- ficando numa posição emborcada, de sofrimento, em vez de fe-
ge e realiza, observando sua atuação nos diversos níveis per- licidade. Ninguém pode sair da Lei nem do poder de Deus, co-
corridos e ocupados pelo ser, ao longo dos quais mudam a es- mo o ser pensou ser possível com a revolta, e ninguém pode
trutura e a natureza das suas qualidades. continuar para sempre no caminho do seu emborcamento, que o
Alcançamos então três resultados: leva contra a sua própria vida. A criatura que deseja apagar
1) Sabemos que o fenômeno evolutivo consiste na trans- Deus dentro de si, faz como o filho que, querendo apagar a na-
formação do ser, isto é, das suas qualidades do primeiro grupo, tureza do pai dentro de si, outra coisa não consegue senão des-
agora mencionadas, nas do segundo. truir-se a si próprio. Com a involução, o universo decaiu na ma-
2) Entre estes dois extremos – a completa negatividade do téria e, afastando-se de Deus, esvaziou-se das qualidades do S.
AS e a completa positividade do S, com as respectivas qualida- Com a evolução, o universo tem de reconquistar tudo, recons-
des – é possível, para cada nível de evolução (mudança das truindo-se no espírito, aproximando-se de novo de Deus e en-
qualidades negativas do tipo AS nas positivas do tipo S), esta- chendo-se das qualidades do S, que havia perdido. Dentro da
belecer o grau de transformação realizada pelo trabalho evolu- regra geral, que é igual para todos, cada ser obedece à Lei, se-
tivo do ser e, por conseguinte, conhecer a natureza e o tipo das guindo, como vemos na vida, o seu caminho particular e espe-
qualidades que ele, no nível onde se encontra, possui. cializado, que corresponde à sua natureza e tipo, tal como o ser
3) Além de sua natureza, é possível medir o valor quanti- possuía no organismo do S, onde ele deve ser reintegrado, re-
tativo dinâmico dos impulsos que estas qualidades represen- tomando a posição que era ocupada por ele antes da queda.
tam, tanto no sentido da positividade como no da negativida- Cumpre-se assim o ciclo completo, que, saindo da plenitude
de, em cada nível de evolução atingido pelo ser. Em outras na positividade do S, chega, no fim do processo involutivo, à
palavras, além de se estabelecer qual é a natureza das novas plenitude da negatividade do AS e à anulação da positividade,
qualidades que tomam o lugar das velhas, é possível também, para, em seguida, ressurgir desta plenitude às avessas, anulan-
para cada plano de existência, calcular até que ponto a trans- do-a, e regressar à originária plenitude da positividade do S.
formação se realizou e medir os respectivos impulsos em ação
nos diferentes campos de forças. XI. IMPULSOS DA EVOLUÇÃO
É possível, então, dizer que conhecemos o fenômeno evolu-
tivo, porque conhecemos o valor qualitativo e quantitativo dos Procuremos agora observar mais pormenorizadamente, nas
seus elementos constitutivos. Essa transformação do estado de suas diversas fases de desenvolvimento, a dinâmica do fenô-
plenitude da negatividade do AS no seu estado de anulação, com meno evolutivo, confirmando e exemplificando melhor o que
a paralela e inversa transformação do estado de nulidade da po- acima foi exposto, porém agora com uma expressão gráfica
sitividade do S no seu estado de plenitude, constitui o conteúdo mais evidente, como se encontra em nosso diagrama. Já vimos
do fenômeno evolutivo, como se encontra expresso graficamen- qual é a posição das forças positivas e negativas em ação no
te em nossa figura. Nela, vemos que o processo evolutivo, ao processo evolutivo em seu ponto inicial, verificando que é
mesmo tempo em que, no seu percurso YX, leva à anulação do possível conhecê-las qualitativamente e medi-las quantitati-
triângulo verde da negatividade, desde a sua amplitude máxima vamente. Estudaremos agora as mudanças que ocorrem com
ZZ1, até à mínima no ponto X, leva também à construção do estas forças no seu desenvolvimento ao longo do caminho da
triângulo vermelho da positividade, desde a sua amplitude mí- evolução. Poderemos assim ver como se realiza, na dinâmica
nima no ponto Y, até à sua amplitude máxima WW 1. Esse fe- do fenômeno evolutivo, o processo da transformação do cam-
nômeno evolutivo é o resultado do processo de emborcamento po de forças da negatividade, representado pelo triângulo ver-
por compensação entre contrários, pelo qual se esvazia o que es- de do AS, ZXZ1, no campo de forças da positividade, repre-
tava cheio (AS) e se enche o que estava vazio (S). sentado pelo triângulo vermelho do S, WYW 1, porque esse é o
Vamos assim observando, cada vez mais de perto, as leis que conteúdo do fenômeno evolutivo.
a dinâmica do processo evolutivo tem de, fatalmente, obedecer Para simplificar, nos referiremos, sobretudo, à qualidade
com exatidão topo-cronométrica. Ao revoltar-se, o ser, julgando fundamental de cada campo, ou seja, a negatividade e a positi-
renegar a Deus, renegou a si próprio e, querendo ganhar uma vi- vidade. Já vimos no fim do capítulo precedente qual é, em ter-
da maior, perdeu a própria vida, uma vez que ele, filho da felici- mos de qualidades, o conteúdo de cada uma. Mas o que mais
dade na positividade do S, feito para viver na sua plenitude, não nos interessa agora é conhecer quais são as forças positivas, isto
pode viver sem ela, na oposta e emborcada plenitude da dor na é, favoráveis ao ser, que o ajudam a subir, e quais as negativas,
negatividade do AS. Se o ser, com a revolta, conseguiu apenas isto é, contrárias a ele, que dificultam sua ascensão, para saber
destruir a sua felicidade, cuja falta representa para ele sofrimen- por que razão, com que meio e em que forma e medida as pri-
to mortal, é lógico que automaticamente, pelo seu próprio im- meiras, com a evolução, vão-se transformando nas segundas.
pulso, ele esteja constrangido a fazer todo o esforço para recupe- Isto nos interessa saber porque justamente em função da natu-
rar a felicidade. São os próprios resultados às avessas que o ser reza dessas forças em relação ao ser é que variam, conforme a
alcançou que o constrangem a voltar para trás e regressar ao posição ocupada por ele, não só o esforço a ser realizado para
ponto de partida, retornando a Deus. E tudo foi tão bem predis- vencer as resistências dos impulsos negativos do AS, mas tam-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 61
bém a ajuda que ele recebe da parte dos impulsos positivos do possui. O trecho verde A1B, resultante do encurtamento da li-
S, para progredir ao longo do caminho da evolução. Poderemos nha ZY pelo comprimento A1G, representa o alívio devido à
assim conhecer, em cada nível de existência e em relação ao diminuição do fardo dos impulsos contrários, dos quais fica, na
trabalho até ai realizado pelo ser, qual o esforço necessário que nova posição, uma parte menor contra o ser, libertando-o de
lhe cabe executar para sobrepujar o impulso exercido pelo AS uma parte das qualidades negativas do AS, condição atingida
no sentido de freia-lo e fazê-lo recuar, e qual a ajuda que, no pelo ser com seu próprio esforço.
sentido oposto (S), vem sustentá-lo, impulsionando-o à frente, Aqui, desde o seu início, já podemos observar como o
para ele subir até à própria salvação. processo evolutivo progride em virtude de dois movimentos
Olhemos então para a figura e dividamos a linha da evolu- opostos, que convergem, porém, para a mesma finalidade,
ção YX em graus ou etapas sucessivas, que vão da linha ZYZ 1 através do aumento de positividade de um lado e da proporci-
(AS) à linha WXW 1 (S). Veremos assim, graficamente repre- onal diminuição de negatividade do outro. Podemos observar
sentado a cada passo, como se realiza paulatinamente o fenô- na figura o crescente aumento da linha vermelha da positivi-
meno da evolução, ou seja, a transformação do AS em S, atra- dade, cujo comprimento expressa o grau atingido pelo endirei-
vés da destruição do triângulo verde da negatividade, ZXZ 1, e tamento do emborcamento da queda, verificando ao mesmo
da correspondente construção do triângulo vermelho da positi- tempo o encurtamento do comprimento da linha verde da ne-
vidade, WYW1. Para simplificar, dividimos o percurso YX gatividade, que representa a parte ainda não corrigida do esta-
somente em 5 pontos: A1, A2, A3, A4, A5. Mas é claro que ele do involuído e vai diminuindo cada vez mais. Assim, no de-
pode ser dividido em muitos mais, se quisermos observar o fe- senvolvimento do processo evolutivo, vemos realizar-se pro-
nômeno ainda mais nos seus pormenores. Estes 5 pontos que gressivamente um aumento da parte nova, que representa o S,
escolhemos bastam para nos dar uma ideia geral do fenômeno e uma diminuição da parte restante, que representa o AS. Este
e orientar nossa pesquisa, que cada um poderá continuar de- fenômeno continuará assim, até que todo o negativo se haja
pois, para estabelecer, em qualquer ponto escolhido ao longo tornado positivo. E vemos de fato, neste primeiro degrau, que
do caminho YX, o cálculo do valor das forças contrárias ou fa- o valor negativo da linha verde, ZY, é neutralizado até ao
voráveis em ação naquela determinada posição, tanto no senti- ponto B pelo valor positivo da linha vermelha A 1G.
do da negatividade ou resistência das forças do AS contra a É no seio deste processo evolutivo que vemos desenvolver-
evolução, como no sentido da positividade ou ajuda por parte se a luta apocalíptica entre as forças negativas do AS e as posi-
das forças do S em favor da evolução. O ser vai lutando entre tivas do S. O ser se encontra no meio desta tempestade, livre
esses dois impulsos, que o impelem em dois sentidos opostos, para escolher e dirigir-se num sentido ou noutro. Com isso,
e cabe a ele, que está sempre livre, escolher e dirigir-se no sen- Deus deixou ao ser um poder imenso, permitindo-lhe construir
tido de um ou de outro. Com esta pesquisa, será possível cal- à vontade o seu próprio destino. Mas como isto pode acontecer?
cular qual é o esforço que o ser, colocado entre esses dois im- No desenvolvimento do processo evolutivo, encontramos
pulsos, tem de cumprir para evoluir, e isto em relação a qual- até agora três linhas de forças em ação para a salvação do ser:
quer nível ou posição atingida por ele, em função do caminho 1) A linha YA1 das forças movimentadas pelo esforço do
percorrido e do caminho ainda a percorrer. ser para evoluir;
Sempre buscando simplificar e, com isso, ganhar em evi- 2) A linha A1G das forças positivas do S, ajudando e favo-
dência, o fenômeno da subida será graficamente expresso só recendo a evolução;
pela parte da figura que fica no lado esquerdo da linha da evo- 3) A linha A1B das forças negativas do AS, resistindo e
lução YX, porque o outro lado foi utilizado para representar o contrariando a evolução.
problema dos desvios laterais. Estes são os dois problemas Graças ao impulso evolutivo realizado pelo ser, as posições
fundamentais que até agora focalizamos, expressos um de cada iniciais ZY(–) e Y(+) se movimentam e deslocam-se para uma
lado da nossa figura expressa. É lógico, porém, que a represen- posição diferente, alcançando o nível A1, onde se transformam
tação completa de cada um desses fenômenos deveria esten- nas linhas A1B(–) e A1G(+). Desse modo, com o seu esforço
der-se graficamente, no caso observado, para ambos os lados em subida (YA1), o ser muda suas condições de existência e,
da linha YX, cobrindo a superfície completa dos dois triângu- com isso, ganha em positividade (estado favorável em seu pro-
los, tanto o verde como o vermelho. veito), na medida do valor representado pelo comprimento da
Observemos agora as mudanças que se verificam com o de- linha A1G, mudando, ao mesmo tempo, suas condições, porque
senvolvimento do processo evolutivo. No ponto considerado, o se libertou de parte do fardo da negatividade (estado desfavorá-
poder das forças negativas em ação está expresso na figura pela vel em seu prejuízo), na medida do valor representado pela di-
extensão das linhas verdes, enquanto o poder das forças positi- ferença de comprimento entre a linha ZY e a linha A1B (à qual
vas em ação está expresso pela extensão das linhas vermelhas. se reduziram agora a negatividade e a correspondente desvan-
A primeira posição do fenômeno é representada pelo ponto tagem). Então, com o seu trabalho evolutivo, o ser ganhou em
de partida do processo evolutivo, isto é, pela linha verde ZY, vantagem (+) o trecho A1G e se aliviou de parte do peso (–) do
onde é plena a eficiência do AS e máximo o valor das forças trecho ZY, que foi diminuído até ao comprimento A1B, isto é,
negativas em ação, ficando a positividade representada somente ZY–A1G. Este melhoramento de posição, expresso pela linha
pelo ponto Y, no qual o S se encontra reduzido ao estado laten- A1G, através da diminuição dos impulsos desfavoráveis de ZY
te e o valor das forças positivas em ação é mínimo. até A1B, são devidos ao esforço do ser, YA1. Eis o resultado
O primeiro grau ou etapa atingida na evolução é representa- útil do seu trabalho evolutivo.
do pelo ponto A1. Nesta altura, ao longo do caminho da evolu- Cabe ao ser a tarefa de realizar com o seu esforço a trans-
ção mudou a posição do ser. O seu esforço para percorrer em formação das suas condições de existência, movimentando-se
subida o trajeto YA1 transformou o valor das forças contrárias em subida e executando o processo evolutivo. Mas, ao lado
da negatividade, dado pela extensão da linha verde ZY, em um desse livre poder do ser, há outra parte do fenômeno, represen-
valor menor, expresso pela linha A1B, e, ao mesmo tempo, tada pela luta entre a negatividade e a positividade. Esta é a
transformou o valor das forças favoráveis da positividade, de parte determinística, estabelecida pela lei de Deus, à qual o ser
sua extensão mínima, expressa pelo ponto Y, no valor expresso não pode fugir, resultante do contraste entre os dois impulsos
pela linha A1G. O trecho vermelho coberto por ela representa o opostos, um para baixo (AS) e outro para cima (S). O primeiro
que foi ganho em todas as qualidades próprias da positividade, é representado pelas forças do mal e o segundo, pelas forças do
favoráveis ao ser, que as mereceu com o seu esforço e agora as bem. Mas o ser, apesar de, sem possibilidade de saída, estar si-
62 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
tuado entre estas forças, que vemos sempre em ação, ficou vontade de Deus já se encontrava, desde o primeiro inicio da
com a liberdade da escolha, pela qual ele pode seguir uma ou criação, escrita na Lei, que, sendo autossuficiente, não necessita
outra. Deus lhe concedeu o poder de se dirigir à vontade na vi- de retoques ou de qualquer intervenção Dele para modificá-la.
agem através do oceano que vai do AS para o S, deixando-lhe Assim, Deus somente deixa a Lei funcionar como ela foi feita.
o leme nas mãos, tanto menos quanto mais ele é involuído e Mais exatamente, por outras palavras, Deus, estabelecendo
inconsciente no início, mas tanto mais quanto mais ele, evolu- desde o primeiro momento os princípios de funcionamento da
indo, torna-se ciente do seu trabalho e posição. É claro que, as- Sua criação, construiu uma máquina perfeita, que, sendo per-
sim, o progresso não é fruto caído graciosamente do céu, mas feita, não poderia ser senão determinística. Nessa máquina ou
deve ser conquistado como resultado de uma dura luta. Temos organismo conceptual Deus está presente ou imanente, assim
de reconhecer, porém, quanto seja justo que todo melhoramen- como o nosso eu se encontra em nossa personalidade, que
to somente possa ser obtido como merecido resultado de um constitui nós mesmos. Desse modo, o funcionamento dessa
correspondente trabalho. Ora, tudo isto nos diz que o ator prin- máquina parece automático, porque, nela, Deus obedece de-
cipal do processo evolutivo é o próprio ser, que está encarre- terministicamente a Si próprio, isto é, à Sua vontade, que está
gado de realizá-lo em seu benefício. escrita nos princípios pelos quais a Lei é constituída e nos
No fenômeno da evolução funcionam então três impulsos quais Deus fixou Sua própria vontade.
fundamentais, os quais vemos aqui em ação: 1) O impulso do Então, se Deus e a Lei ficam imóveis na sua perfeição, o úni-
S; 2) O impulso do AS; 3) O impulso do ser. co impulso novo que pode modificar e sanear a situação do ser
O jogo de todo esse fenômeno executa-se entre estes três decaído não pode ser nem pode sair senão dele próprio. Tudo o
elementos. A salvação do ser é alcançada através do deslo- mais poderá, conforme as regras preestabelecidas, responder a
camento evolutivo realizado pelo seu próprio impulso, cuja este impulso, mas não iniciará por si mesmo um movimento no-
movimentação se dá livremente entre os outros dois impul- vo. É por isso que qualquer variação na posição do ser deve ser
sos, o do S e o do AS, que são determinísticos. Se, com a re- produzida por ele, através de sua própria iniciativa, estando con-
volta, o ser quis transformar a sua posição favorável no S, na fiado à sua livre vontade o poder de, com a sua ação, gerar novos
desfavorável do AS, é justo que ao esforço do próprio ser deslocamentos, que estão submetidos aos correspondentes e au-
caiba, agora, a tarefa de transformar a sua posição desfavorá- tomáticos movimentos de resposta tanto da parte do S como do
vel no AS, na favorável do S. AS. Estes impulsos que atingem o ser não são, portanto, gerados
◘ ◘ ◘ pelo S ou pelo AS, mas sim pelo próprio ser, de cuja ação repre-
Tudo isto nos permite aprofundar mais o nosso olhar na vi- sentam o reflexo. Não se trata, assim, de um novo impulso gera-
são, que nos mostra a estrutura do fenômeno da queda (involu- do pelo S ou pelo AS, em razão de um novo movimento da von-
ção-evolução) em relação à criação. A Lei permanece sempre o tade de Deus e de Sua Lei, mas sim do retorno do mesmo impul-
que ela é, bem como a estrutura do S, que representa a obra ori- so que saiu do ser e que, agora, volta para ele, a favor ou contra si
ginária de Deus. A involução não foi senão uma reação da Lei próprio, conforme a natureza do impulso escolhido por ele. A
contra a revolta perpetrada pelo ser rebelde. De tal ação e rea- queda foi efeito da liberdade do ser, e não da vontade de Deus.
ção nasceu aquela obra de anticriação, chamada AS, contrária e Novos movimentos na vontade de Deus significariam intro-
situada nos antípodas da criação de Deus, a qual permaneceu duzir elementos estranhos na obra acabada da criação, deslocan-
perfeita e inatingível, acima de qualquer tentativa de alteração. do as linhas estabelecidas do seu plano e alterando o seu perfeito
Por isso a revolta dirigida pelo ser contra Deus ricocheteou e, funcionamento orgânico. Os movimentos gerados pelo ser são
em vez de atingir a Deus, atingiu ao próprio ser, que se tornou de outra natureza, porque representam apenas simples oscilações
um revoltado. Esta é a razão pela qual o AS representa uma dentro dos limites fixados por aquelas linhas no plano da Lei e
força desfavorável, que contraria e agride o ser, porquanto o impostos pelos seus princípios. Com a sua ação, o ser pode ape-
impulso constituído pelo AS é da mesma natureza daquele lan- nas e tão-somente deslocar sua própria posição dentro da Lei e
çado pelo próprio ser. A revolta lançada contra Deus, volta para da obra de Deus, que permanecem inalteráveis. O seu poder não
trás, contra o próprio ser rebelde. É necessário compreender alcança nada além de seu terreno, traduzindo-se em semear para
que o AS não é senão o fruto da rebeldia contra o S, fruto este si as causas e seus inevitáveis efeitos. O ser pode emborcar ou
que, amadurecido no período involutivo, tornou-se um impulso endireitar a sua posição, pode avançar ou retroceder, afastar-se
de agressão contra o ser, pertencendo agora todo a ele, a quem ou aproximar-se de Deus, mas os caminhos dessas oscilações já
não resta outra alternativa senão recebê-lo em cheio. Mergulha- estão marcados, não sendo possível fugir deles e muito menos
do agora no AS, que ele mesmo gerou, o ser não pode fugir alterar a sua estrutura. O ser está preso dentro do funcionamento
ao choque do ricochete de seu próprio impulso rebelde, pelo do grande organismo do todo, regido por princípios absoluta-
qual será perseguido sem paz, até que ele o tenha neutralizado mente determinísticos. A inviolável liberdade do ser consiste no
com o seu trabalho, em sentido oposto, subindo de novo o ca- fato de ser possível para ele funcionar também de modo diferen-
minho que percorreu em descida. te. Isto porém, ele não pode fazer senão por sua conta e risco,
Assim, é verdade que o ser tem nas mãos o poder de cons- com perigo de seu próprio dano, tendo depois de pagar com o
truir à vontade o seu próprio destino. Mas também é verdade seu sofrimento as consequências do seu erro. Porque Deus quis
que ele não pode realizar isto senão à sua custa, com o seu duro assim, todos os seres existem, e ninguém pode nem quer deixar
esforço, escalando novamente o monte que ele desceu, vencen- de existir. Mas nada lhes proíbe, se esta for a vontade deles, de
do a resistência dos impulsos contrários do AS (as forças do viverem errados nos níveis, posições e condições de vida da fe-
mal), uma vez que foi por ele próprio movimentando o jogo fa- ra, da árvore ou até mesmo da pedra.
tal das reações punitivas da Lei contra si mesmo. Foi assim que o ser pôde revoltar-se e involuir à vontade.
Observando atentamente a natureza do processo involutivo- Tudo o que Deus podia fazer na Sua criação, para salvar o ser
evolutivo, revelam-se cada vez mais as qualidades de automa- rebelde, já estava previsto e estabelecido antes da queda pelos
tismo e fatalidade do seu funcionamento, que vemos desenvol- princípios da Lei. Ela garante a ajuda em proporção ao esforço
verem-se deterministicamente como consequência necessária que o próprio ser, evoluindo, realiza para se remir. A Lei é be-
das premissas já contidas na Lei. Tais premissas são constituí- nigna, porque se baseia num princípio de bondade e justiça. Por
das pelos princípios nos quais se fundamenta a lei de Deus, es- isso premia a boa vontade, mas não funciona, se o ser, com o
tabelecidos por Ele, quando, nesta forma, construiu aquela seu esforço, não a colocar em movimento. Assim, enquanto o
grande máquina de pensamento, da qual depois tudo derivou. A ser não fizer nada para subir, a Lei se manterá impassível, espe-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 63
o
rando. Mesmo que o ser queira ficar no inferno do AS, a Lei Quando o ser, galgando o 2 degrau da subida, atinge o pon-
respeitará a sua livre vontade. to A2, ele conquista uma nova posição, cujos valores são agora
A conclusão prática destas considerações é que a recupera- representados pelas linhas: A1A2 (esforço do ser), A2H (forças
ção de tudo o que foi perdido é possível e está garantida, mas, positivas de ajuda, favoráveis ao ser) e CA2 (forças negativas
para consegui-la, o ser deve querê-la e de fato executá-la com de resistência, contrárias ao ser). Em resumo, isto significa que,
o seu trabalho. A Lei está pronta e não pode, por sua própria para subir o 2o degrau, o ser realizou o esforço A1A2, aumen-
natureza, deixar de responder à ação do ser no sentido em que tando sua vantagem de A1G para A2H e, ao mesmo tempo, re-
ele quiser movimentá-la. Se a ação do ser é em sentido evolu- duzindo sua desvantagem de BA1 para CA2. Estas são as condi-
tivo, a Lei responde com sua ajuda salvadora, sustentando o ções atingidas pelo ser, quando ele, subindo o 2 o degrau, A1A2,
ser na sua fadiga ascensional para o S. Mas a Lei também está alcança sua nova posição A2, resultante do seu esforço no des-
pronta a deixar o ser na sua perdição, se ele assim o quiser. Es- locamento evolutivo YA2 = YA1 + A1A2.
tá implícito na Lei o princípio da salvação, que, desde o pri- Vemos assim, desde agora, delinear-se a lei que rege o de-
meiro momento, foi nela colocado por Deus. Mas está estabe- senvolvimento do processo evolutivo, pelo qual, através do
lecido também que esse principio não pode funcionar, se não contínuo esforço do ser para superar um trecho após o outro,
for movimentado pelo próprio ser. vai aumentando cada vez mais o poder das forças positivas do
Esta é a técnica da dinâmica do processo evolutivo, a qual S, favoráveis ao ser, e diminuindo o das forças negativas do
nos propusemos a observar. De tudo isso, é necessário entender AS, contrárias ao ser. O fenômeno da evolução é, assim, regi-
que não adianta nos iludirmos, procurando escapatórias em ví- do por este princípio, segundo o qual todo o processo, cuja
timas divinas que cumpram o dever do nosso trabalho e pa- movimentação é realizada pelo esforço do ser, vai-se desen-
guem por nossa conta. O fato é que o ser se encontrava no esta- volvendo de um modo tal, que o S vai sempre mais ganhando e
do de positividade no S, mas quis se emborcar no estado de ne- aumentando, enquanto, proporcionalmente, o AS vai sempre
gatividade do AS, portanto é necessário, e não há como fugir mais recuando e diminuindo.
disso, que seja do ser e saia dele também o impulso de endirei- Quando o ser, avançando mais um trecho, sobe o 3 o degrau,
tamento, assim como dele saiu o de emborcamento. Em resu- atingindo o ponto A3, ele conquista uma nova posição, cujos
mo, o fenômeno da queda e salvação (ciclo involutivo- valores são agora representados pelas linhas: A 2A3 (esforço do
evolutivo) representa um caso particular e concernente somente ser), A3D (forças positivas de ajuda, favoráveis ao ser) e DA 3
ao ser, que quis provocá-lo e tem agora, ele mesmo, de resolver (forças negativas de resistência, contrárias ao ser). Em resumo,
o seu problema. As causas do desastre não se encontravam em isto significa que, para subir o 3 o degrau, o ser realizou o es-
Deus ou na Lei, mas sim no ser. É fatal, portanto, que os efeitos forço A2A3, aumentando sua vantagem de A2H para A3D e, ao
estejam somente no ser, e não em Deus ou na Lei. Assim como mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem de CA 2 para DA3.
deixou o ser livre para se perder, Deus também o deixou livre Estas são as condições atingidas pelo ser, quando ele, subindo
para se remir depois, dando-lhe, deste modo, tanto o poder de o 3o degrau, A2A3, alcança sua nova posição A3, resultante do
se emborcar como de se endireitar à vontade. Mas, se agora o seu esforço no deslocamento evolutivo YA 3 = YA1 + A1A2+
ser quer voltar ao S, ele tem de cumprir o seu dever de realizar A2A3, pelo qual a linha da positividade do S se torna igual à li-
a sua salvação, conquistando-a com o seu próprio esforço. O nha da negatividade do AS. Isto significa que, neste ponto, os
caminho da evolução já está todo marcado dentro da Lei, e nin- dois impulsos se equivalem, isto é, têm o mesmo poder. As-
guém pode mudá-lo. Ele é uma obra da sabedoria divina, e o sim, existindo ambas em medidas iguais, vantagem e desvan-
ser não tem outra alternativa senão segui-lo. tagem se equilibram. Deste ponto em diante, o processo evolu-
◘ ◘ ◘ tivo continuará, porém não mais com a prevalência das forças
Continuemos observando no seu funcionamento a técnica negativas sobre as positivas, as primeiras sempre diminuindo e
do processo evolutivo. recuando, mas com a prevalência oposta, das forças positivas
O percurso desse processo já foi apresentado aqui, dividido sobre as negativas, as primeiras sempre aumentando e avan-
em 5 pontos: A1, A2, A3, A4, A5. Estudamos o seu desenvolvi- çando. Tal é a lei do processo evolutivo, cuja finalidade é a
mento só até ao ponto A1, que representa o 1o degrau da subida. destruição do triângulo verde e a construção do vermelho.
Chegou agora o momento de observar o que se verifica nos ou- Vemos assim como esse fenômeno vai-se realizando.
tros degraus do processo evolutivo, até à sua conclusão. Tere- O que encontramos então quando o ser, vencendo mais um
mos assim analisado todo o seu caminho, do seu ponto de par- trecho, sobe o 4o degrau e atinge o ponto A4? Ele conquista aí
tida no AS ao seu ponto de chegada no S. uma nova posição, mais adiantada, cujos valores são agora re-
Como já vimos, os impulsos que movimentam a evolução presentados pelas linhas: A3A4 (esforço do ser), A4I (forças po-
são três: 1) O impulso das forças favoráveis da positividade do sitivas de ajuda, favoráveis ao ser) e EA4 (forças negativas de
S; 2) O impulso das forças contrárias da negatividade do AS; 3) resistência, contrárias ao ser). Em resumo, neste seu 4o passo
O impulso ascensional devido ao esforço do ser, que tem o po- em subida, o ser realizou o esforço A3A4, aumentando sua van-
der de transformar os resultados do 2 o impulso nos do 1o. Ob- tagem de A3D para A4I e, ao mesmo tempo, reduzindo sua des-
servemos, então, mais pormenorizadamente o fenômeno. vantagem de DA3 para EA4. Estas são as condições atingidas
Quando o ser, subindo o 1o degrau, atinge o ponto A1, ele pelo ser, quando ele, subindo o 4o degrau, A3A4, alcança sua
conquista uma nova posição, cujos valores são agora represen- nova posição A4, resultante do seu esforço no deslocamento
tados pelas linhas: YA1 (esforço do ser), A1G (forças positivas evolutivo YA4 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4.
de ajuda, favoráveis ao ser) e BA1 (forças negativas de resistên- Este processo continua sempre com o mesmo método. E,
cia, contrárias ao ser). Em resumo, isto significa que, para subir quando o ser, avançando mais um trecho, sobe o 5 o degrau,
o 1o degrau, o ser realizou o esforço YA1, conquistando a van- ele alcança o ponto A5, conquistando uma nova posição, ainda
tagem A1G e, ao mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem ZY mais adiantada, cujos valores são agora representados pelas
para BA1. Este é o balanço final dos impulsos e movimentos linhas: A4A5 (esforço do ser), A5L (forças positivas de ajuda,
que se realizam no deslocamento evolutivo do ser, quando ele favoráveis ao ser) e FA5 (forças negativas de resistência, con-
sobe o 1o degrau, que vai de Y até A1. trárias ao ser). Em resumo, neste seu 5 o passo em subida, o ser
O princípio, o método e os resultados são os mesmos e se re- realizou o esforço A4A5, aumentando sua vantagem de A4I pa-
petem nos degraus sucessivos. Os impulsos que continuam aqui ra A5L e, ao mesmo tempo, reduzindo sua desvantagem de
movimentando o processo evolutivo são os três expostos acima. EA4 para FA5. Estas são as condições atingidas pelo ser,
64 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
o
quando ele, subindo o 5 degrau, A4A5, alcança sua nova po- resultou em uma nova posição, cujos valores são expressos pela
sição A5, resultante do seu esforço no deslocamento evolutivo linha positiva A1G e pela linha negativa BA1. Ora, tudo isto po-
YA5 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4+ A4A5. de ser expresso na figura também em outros termos, não mais
Deste modo, seguindo sempre o mesmo método, chegamos à lineares, e sim de superfície. Desse modo, no ponto em que, su-
conclusão do processo, quando o ser, avançando mais um tre- bindo o trecho YA1, o ser atinge o nível de existência A1, o tra-
cho, sobe o 6o e último degrau, alcançando o ponto X, a posição balho por ele realizado com o seu esforço, YA1, ao chegar nesta
final do fenômeno evolutivo, cujos valores são agora represen- sua nova posição, é expresso, em sentido favorável, pelo espaço
tados pelas linhas: A5X (esforço do ser), XW (forças positivas YA1BZ que ele conquistou do terreno da negatividade, gerando
de ajuda, favoráveis ao ser) e pelo ponto X (forças negativas de a superfície do campo de forças positivas, representada agora
resistência, contrárias ao ser). Em resumo, neste seu 6o e último pelo triângulo vermelho YA1G, e aniquilando a superfície
passo em subida, o ser realizou o esforço A5A6, aumentando sua YGBZ do campo de forças negativas, que diminuiu em conse-
vantagem de A5L para XW e, ao mesmo tempo, anulando em X quência da redução de ZY até GB.
a sua desvantagem EA4. Estas são as condições atingidas pelo Esse deslocamento representa o primeiro passo do endirei-
ser, quando ele, subindo o 6o e último degrau, A5A6, alcança sua tamento da negatividade do AS na positividade do S através do
última posição A6, resultante do seu esforço no deslocamento processo evolutivo, pelo qual se vai cada vez mais retraindo e
evolutivo YA6 = YA1 + A1A2+ A2A3+ A3A4+ A4A5+ A5A6. fechando o campo de forças negativas, para a destruição do
Assim todo o caminho evolutivo YX foi percorrido e, atra- triângulo verde do AS, enquanto, à custa deste, vai-se cada vez
vés do esforço do ser para percorrê-lo, toda a negatividade do mais estendendo e abrindo o campo oposto, de forças positi-
AS, fruto da queda, foi, por um processo gradativo, completa- vas, para a reconstrução do triângulo vermelho do S. Obser-
mente eliminada e substituída pela positividade do S, que, com vemos agora como tudo isto se repete ao longo dos degraus
a ascese, foi totalmente recuperada. Este é o conteúdo e o resul- sucessivos, nos quais o mesmo processo continua a se desen-
tado do processo evolutivo, que se desenvolveu pelos três im- volver sempre mais.
pulsos: 1) O impulso positivo do S; 2) O impulso negativo do Quando o ser, vencendo o 2o degrau da subida, atinge o
AS; 3) O impulso evolutivo do ser. Dessa forma, o processo ponto A2, verificamos que o seu novo esforço A1A2 gerou a li-
acaba reconstruindo tudo o que havia sido destruído. Como nos nha positiva A2H e reduziu a linha negativa BA1 até CA2. Ora,
propusemos, vimos assim a técnica de funcionamento do pro- tudo isto pode ser traduzido em termos espaciais, considerando
cesso evolutivo. Realizamos o que prometemos no início deste o desenvolvimento das superfícies no processo. Desse modo,
capítulo, representando graficamente como se realiza a cada no ponto em que o ser, com a sua evolução A1A2, atinge o nível
passo a transformação AS-S, que foi apresentada na figura pela A2, o trabalho por ele realizado para chegar a essa nova posição
destruição do triângulo verde, ZXZ1, dos valores da negativida- é expresso, em sentido favorável, não só pelo espaço que ele
de, e a correspondente construção do triângulo vermelho, ganhou no campo de forças positivas, representado pela super-
WYW1, dos valores da positividade. fície do quadrilátero vermelho A1A2HG, mas também pelo ani-
Para simplificar, usamos as palavras positividade e negati- quilamento do campo de forças negativas representado pela su-
vidade. Sabemos, porém, o que elas significam e de quantas perfície do quadrilátero verde GHCB, com a redução de GB até
qualidades o seu conteúdo é constituído, conhecendo também a HC, resultando assim na supressão da superfície A1A2CB do
profunda transformação que se realiza para o ser com a sua pas- terreno da negatividade.
sagem de um estado para o outro. Foi para nos apercebermos Então essa nova conquista A1A2, somando-se à precedente
melhor desta transformação que falamos de forças favoráveis YA1, resulta na posição final do ser em A2, cujos valores são os
ou contrárias ao ser, que operam para vantagem ou desvanta- seguintes: 1) YA2: esforço total realizado até aqui; 2) YA2H:
gem dele, escolhendo-o como ponto de referência, a fim de co- campo total favorável, conquistado pela positividade, neutrali-
nhecer o valor, a cada passo, tanto da sua conquista no sentido zando a negatividade com o endireitamento, em proveito do
do bem como da sua libertação no sentido do mal, determinan- ser; 3) YHCZ: campo contrário aniquilado no terreno da nega-
do também o grau por ele realizado de transformação evolutiva, tividade ou desvantagem do ser, com a redução do valor de ZY
da qual depende a sua salvação. Isto corresponde com perfeita até HC. Assim, o resultado final do esforço YA2 é representado
justiça à regra do merecimento, que constitui um dos princípios pela superfície positiva YA2H, constituindo esta a parte que o
fundamentais da Lei. Assim, o ser realiza o seu progresso atra- ser, com o seu esforço, endireitou em positividade, extraída em
vés do próprio esforço, que representa o impulso para transfor- seu favor do campo da negatividade YA 2CZ, enquanto a su-
mar um nível de existência em outro, mudando sua posição e perfície YHCZ foi, durante o percurso, vencida e aniquilada no
as condições de vida em seu favor. A cada passo na subida, a campo contrário da negatividade. Observemos agora a continu-
fadiga da evolução é compensada com um melhoramento em ação deste mesmo processo no degrau sucessivo.
vantagem do ser, porque neutraliza as forças contrárias e au- Quando o ser, vencendo o 3o degrau da subida, atinge o pon-
menta as favoráveis. Vemos assim como o ser pode gradativa- to A3, verificamos que o seu novo esforço A2A3 gerou a linha
mente reconstruir-se íntegro na perfeição do S, libertando-se de positiva A3D e reduziu a linha negativa CA2 até DA3. Ora, tudo
todos os efeitos da queda, representados pelo AS. Depois do isto pode ser traduzido em termos espaciais, considerando-se o
período involutivo, ressurge o evolutivo, até se atingir a salva- desenvolvimento das superfícies. Desse modo, no ponto em que
ção. Nisto consiste a redenção, que significa destruição de so- o ser, com a sua evolução A2A3, atinge o nível A3, o trabalho por
frimento e conquista de felicidade. ele realizado para chegar a essa nova posição é expresso, em
◘ ◘ ◘ sentido favorável, não só pelo espaço que ele ganhou no campo
Examinemos agora o fenômeno sob outro ponto de vista do de forças positivas, representado pela superfície do quadrilátero
seu funcionamento, observando a técnica do processo evolutivo vermelho A2A3DH, mas também pelo aniquilamento do campo
na sua forma mais completa, dada pela representação do cam- de forças negativas, representado pela superfície do triângulo
pos de forças na forma de superfícies. Repetiremos o que aca- verde HDC, reduzido ao vértice D, resultando assim na supres-
bamos de explicar, seguindo o mesmo desenvolvimento, com o são da superfície A2A3DC do terreno da negatividade.
mesmo conteúdo e finalidade, mas de uma forma diferente. As Então esta nova conquista, A2A3, somando-se às preceden-
etapas da subida ficam sempre as mesmas: A1, A2, A3, A4, A5. tes, YA1+A1A2=YA2, resulta na posição final do ser em A3, cu-
Quando o ser, vencendo o 1o degrau da subida, atinge o jos valores são os seguintes: 1) YA3: esforço total realizado até
ponto A1, verificamos, como já foi visto, que o seu esforço YA 1 aqui; 2) YA3D: campo total favorável, conquistado pela positi-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 65
vidade, neutralizando a negatividade com o endireitamento, em do pelo campo maior da positividade, que vai sempre au-
proveito do ser; 3) YDZ: campo contrário aniquilado no terreno mentando e, agora, supera o campo oposto na medida do
da negatividade ou desvantagem do ser, com o valor de ZY re- quadrilátero positivo EFLI. Também neste caso, o que sobra
duzido ao ponto D. Assim, o resultado final do esforço YA 3 é e prevalece não é uma (sempre menor) superfície de negati-
representado pela superfície positiva YA3D, constituindo esta a vidade ainda a conquistar, mas sim uma (sempre maior) su-
parte que o ser, com o seu esforço, endireitou em positividade, perfície de positividade conquistada.
extraída em seu favor do campo da negatividade YA3DZ, en- Então esta nova conquista, A 4A5, somando-se às prece-
quanto a superfície YDZ foi, durante o percurso, vencida e ani- dentes, YA1+A1A2+A2 A3+A3A4=YA4, resulta na posição fi-
quilada no campo contrário da negatividade. nal do ser em A5, cujos valores são os seguintes: 1) YA 5: es-
Observemos agora a continuação deste mesmo processo no forço total realizado até aqui; 2) YA 5L: campo total favorá-
degrau sucessivo. Já vimos que no ponto A3, pelo esforço re- vel, conquistado pela positividade, neutralizando a negativi-
dentor do ser, o aumento e o avanço do poder da positividade, dade com o endireitamento, em proveito do ser; 3) A 5XF:
paralelamente à diminuição e retração do poder da negativida- campo contrário a ser superado no terreno da negatividade
de, atinge um tal ponto, que os dois valores opostos acabam ou desvantagem do ser, apresentando um valor mais reduzi-
igualando-se (linha A3D). Traduzindo o processo em termos de do que o da positividade, cuja prevalência se acentua sempre
superfície, verificamos que o campo da positividade, se até aqui mais sobre aquela decrescente negatividade, até que esta de-
foi invadindo o campo maior da negatividade, vai agora, do sapareça. Então o resultado final do esforço YA 5 é represen-
ponto A3 em diante, superando e aniquilando cada vez mais o tado pela superfície positiva YA 5I, que o ser, com o seu es-
que sobra do campo menor da negatividade, até destruí-lo com- forço, conquistou em positividade, superando neste ponto a
pletamente em X. Isto quer dizer que, de agora em diante, o superfície neutralizada da negatividade, A 4A5FE, na medida
processo evolutivo não mais continuará como até agora, com a da superfície EFLI da positividade, que irá sempre mais au-
prevalência do campo das forças negativas sobre o das positi- mentando, até atingir o degrau sucessivo.
vas, mas sim com a prevalência oposta, do campo de forças po- Quando, finalmente, o ser, vencendo o último degrau da su-
sitivas sobre o das negativas. bida, atinge o ponto X, verificamos, como acima, que o seu no-
Que encontramos então quando o ser, vencendo o 4 o degrau vo esforço A5X gerou a linha positiva XW, superando comple-
da subida, atinge o ponto A4? Verificamos que o seu novo es- tamente a linha das forças negativas, que desaparece, aniquila-
forço A3A4 gerou a linha positiva A4I, superando a linha resi- da no ponto X. Tudo isto pode ser traduzido em termos de su-
dual das forças negativas, EA4, com o trecho positivo EI. Tudo perfície. Desse modo, no ponto em que o ser, com a sua evolu-
isto pode ser traduzido em termos de superfície. Desse modo, ção A5X, atinge o nível X, o trabalho por ele realizado para
no ponto em que o ser, com a sua evolução A3A4, atinge o nível chegar a essa nova posição é expresso, em sentido favorável,
A4, o trabalho por ele realizado para chegar a essa nova posição pelo espaço ganho por ele no campo de forças positivas, repre-
é expresso, em sentido favorável, pelo espaço ganho por ele no sentado pela superfície do quadrilátero vermelho A5XWL. As-
campo de forças positivas, representado pela superfície do qua- sim, o espaço da negatividade fica cada vez menor, sendo neu-
drilátero vermelho A3A4ID. Assim, o espaço da negatividade tralizado pelo campo maior da positividade, que vai sempre
fica cada vez menor, sendo neutralizado pelo campo maior da aumentando e, agora, supera o campo oposto na medida do
positividade, que vai sempre aumentando e, agora, supera o quadrilátero positivo FXWL. Neste caso, o que sobra e prevale-
campo oposto na medida do triângulo positivo DEI. Neste caso, ce não é uma (sempre menor) superfície de negatividade ainda
o que sobra e prevalece não é uma (sempre menor) superfície a conquistar, mas sim uma (sempre maior) superfície de positi-
de negatividade ainda a conquistar, mas sim uma (sempre mai- vidade conquistada, chegando o ser agora ao ponto X do pro-
or) superfície de positividade conquistada. cesso evolutivo, onde toda a superfície do campo de forças da
Então esta nova conquista, A 3A4, somando-se às prece- negatividade desaparece, completamente coberta pela superfí-
dentes YA1+A1A2+A2 A3=YA3, resulta na posição final do cie do campo de forças da positividade, que conquistou todo o
ser em A4, cujos valores são os seguintes: 1) YA 4: esforço terreno da negatividade, substituindo-se a ela.
total realizado até aqui; 2) YA 4I: campo total favorável, Então esta nova conquista, A5X, somando-se às preceden-
conquistado pela positividade, neutralizando a negatividade tes, YA1+A1A2+A2A3+A3A4+A4A5=YA5, resulta na posição fi-
com o endireitamento, em proveito do ser; 3) A 4XE: campo nal do ser em X, cujos valores são os seguintes: 1) YX: esforço
contrário a ser superado no terreno da negatividade ou des- total realizado até aqui; 2) YXW: campo total favorável, con-
vantagem do ser, apresentando um valor mais reduzido que quistado pela positividade, neutralizando a negatividade com o
o da positividade, cuja prevalência se acentua sempre mais endireitamento, em proveito do ser; 3) X: campo completamen-
sobre aquela decrescente negatividade, até que esta desapa- te aniquilado do terreno contrário da negatividade ou desvanta-
reça. Então o resultado final do esforço YA 4 é representado gem do ser, apresentando um valor cada vez menor que o da
pela superfície positiva YA 4I, que o ser, com o seu esforço, positividade, cuja prevalência se acentuou a tal ponto sobre
conquistou em positividade, superando neste ponto a super- aquela decrescente negatividade, que esta desapareceu comple-
fície neutralizada da negatividade, A 3A4ED, na medida do tamente, sendo totalmente substituída pela positividade. Então
triângulo DEI da positividade, que irá sempre mais aumen- o resultado final do esforço YX é representado pela superfície
tando, até atingir o degrau sucessivo. positiva YXW, superfície total que o ser, com o seu esforço,
Quando o ser, vencendo o 5 o degrau da subida, atinge o conquistou em positividade, superando neste ponto a superfície
ponto A5, verificamos, como acima, que o seu novo esforço neutralizada da negatividade, A5XF, na medida da superfície
A4A5 gerou a linha positiva A5L, superando a linha residual FXWL da positividade, com a qual o ser, depois de superar as
das forças negativas, FA5, com o trecho positivo FL. Tudo superfícies precedentes da positividade, conquistou todo o es-
isto pode ser traduzido em termos de superfície. Desse mo- paço da negatividade, eliminando-a definitivamente através do
do, no ponto em que o ser, com a sua evolução A 4A5, atinge processo evolutivo e atingindo assim a plenitude do S.
o nível A5, o trabalho por ele realizado para chegar a essa ◘ ◘ ◘
nova posição é expresso, em sentido favorável, pelo espaço Eis então, em termos de superfície, o movimento geral do
ganho por ele no campo de forças positivas, representado pe- desenvolvimento do fenômeno da evolução. A linha A3D divide
la superfície do quadrilátero vermelho A 4 A5LI. Assim, o es- o processo em duas partes iguais. Na primeira, os campos de
paço da negatividade fica cada vez menor, sendo neutraliza- positividade são menores e vão gradativamente aumentando de
66 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
YA1G para A1A2HG, até A2A3DH, neutralizando com o Para mostrar, como expressão linear, de que elementos re-
campo positivo YA3D o campo de negatividade correspondente sulta composto o primeiro destes dois quadros, podemos repeti-
e endireitando aqueles outros contidos em YDZ, que vão, por lo na seguinte forma:
sua vez, diminuindo paralelamente, reduzindo-se de YGBZ pa-
Negatividade (AS) Positividade (S)
ra GHCB, a seguir para HDC, até ao ponto D. Na segunda par- Pontos
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
te, a positividade se tornou maior agora e, continuando a au-
mentar, supera cada vez mais, com seus campos crescentes Y YZ S = zero
DEI, EFLI e FXWL, os campos da negatividade, que continu- A1 BA1 = BG + GA1 A1G = A1B − GB
am sendo neutralizados e diminuídos paralelamente, reduzindo- A2 CA2 = CH + HA2 A2H = A2C – HC
se de A3A4ED para A4A5FE, para A5XF, até ao ponto X. Esta é, A3 DA3 = A3D A3D = DA3
em termos de superfície, a expressão gráfica do processo evolu- A4 EA4 = IA4 − IE A4I = A4E + EI
tivo, cuja tarefa é a transformação do triângulo verde da negati- A5 FA5 = LA5 − LF A5L = A5F + FL
vidade, ZXZ1, no vermelho da positividade, WYW1.
X AS = zero XW
Na primeira parte do processo, até o ponto A 3, o que pre-
domina é o impulso negativo do AS. Então, aprofundado na Observando este processo de transformação, vemos que, ao
matéria, o caminho é o mais duro. Tal predomínio do poder longo dele, há sempre uma parte na qual positividade e negati-
do AS vai, porém, diminuindo cada vez mais, tornando, com vidade estão sobrepostas: A1G, A2H, A3D, A4E, A5F.
isso, a ascese sempre menos difícil à medida que o ser sobe, Este fato, que esclarecemos agora com uma interpretação
até que, na segunda parte, depois do ponto A 3, inicia-se outra mais exata do diagrama, significa que nestes trechos, onde
fase do processo, na qual é o impulso positivo do S que preva- se verifica a sobreposição, funcionam a negatividade como
lece, predomínio que vai aumentando cada vez mais, tornan- resistência e a positividade como ajuda, que se equilibram
do, com isso, mais leve o trabalho da evolução, tanto mais assim, naquela parte, ao mesmo tempo e na mesma medida.
quanto mais o ser se levanta na direção do espírito. No dia- Vemos, porém, que, antes de chegar ao nível A 3D, na pri-
grama, a representação do fardo que o ser tem de carregar (re- meira parte do processo evolutivo, existe uma superabun-
sistência do impulso contrário do AS) é dada pela extensão do dância de negatividade, pela qual prevalece a resistência
campo de forças da negatividade. Por outro lado, a represen- contrária ao ser, e isto numa medida sempre decrescente:
tação do alívio que o ser recebe (ajuda do impulso favorável YZ, GB, HC. E vemos também que, acima daquele nível
do S) é dada pela extensão do campo de forças da positivida- A3D, na segunda parte do processo evolutivo, existe uma
de. A conclusão, em relação ao ser, é que a evolução se torna progressiva superabundância oposta, de positividade, pela
cada vez mais fácil, quanto mais ele, com o seu esforço, pro- qual o que prevalece é a ajuda favorável ao ser, e isto numa
gride, o que corresponde à justiça, pois, se o ser progrediu medida sempre crescente: EI, FL, XW.
mais, é porque trabalhou mais para isso. Acontece, assim, que Estes mesmos conceitos podem ser repetidos, como acima,
o fruto duramente ganho por ele acumula-se em seu favor. na sua forma mais completa, não mais de expressão linear,
Com mais exatidão, temos, do ponto de vista linear, os se- mas de representação por superfície de campos de forças.
guintes movimentos dos elementos do fenômeno evolutivo: Desta forma, teremos então os seguintes deslocamentos:
Negatividade (AS) Positividade (S)
Pontos Negatividade (AS) Positividade (S)
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento) Pontos
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
Y YZ (Plenitude do AS) S = zero
A1 BA1 A1G Y Plenitude do AS S=zero
A2 CA2 A2H Y→A1 YA1BZ=YA1G+YGBZ YA1G=YA1BZ−YGBZ
A3 DA3 A3D A1→A2 A1A2CB=A1A2HG+GHCB A1A2HG=A1A2CB−GHCB
A4 EA4 A4I
A2→A3 A2A3DC=A2A3DH+HDC A2A3DH=A2A3DC−HDC
A5 FA5 A5L
X AS = zero XW (Plenitude do S) A3→A4 A3A4ED=A3A4ID−DEI A3A4ID=A3A4ED+DEI
A4→A5 A4A5FE=A4A5LI−EFLI A4A5LI=A4A5FE+EFLI
Com estes deslocamentos progressivos, o que desaparece
como AS ressurge como S. É deste modo que se realiza a des- A5→X A5XF=A5XWL−FXWL A5XWL=A5XF+FXWL
truição do AS e a reconstrução do S. Tal é o conteúdo do fe-
X AS=zero Plenitude do S
nômeno evolutivo.
O mesmo processo, como já vimos, pode ser apresentado na Neste caso também, vemos que há sempre uma parte cons-
sua forma mais completa, não mais de expressão linear, mas de tituída por superfícies de campos de força de positividade e
apresentação por superfície de campos de força. Desta forma, negatividade sobrepostas: YA1G, A1A2HG, A2A3DH,
teremos então os seguintes deslocamentos: A3A4ED, A4A5FE, A5XF. Isto, de uma outra forma, significa,
Negatividade (AS) Positividade (S) como acima, que nestes trechos, onde se verifica tal sobrepo-
Pontos sição, funcionam a negatividade como resistência e a positivi-
(retrocesso em diminuição) (conquista em aumento)
Y Plenitude do AS S = zero dade como ajuda ao mesmo tempo, equilibrando-se assim.
Além disso, vemos aqui expressa na primeira parte, como no
Y → A1 YA1BZ YA1G
caso precedente, mas agora na forma de superfície de campos
A1 → A2 A1A2CB A1A2HG de forças, a mesma superabundância de negatividade, pela
A2 → A3 A2A3DC A2A3DH qual o que prevalece é a resistência contrária ao ser, e isto na
A3 → A4 A3A4ED A3A4ID sempre em medida decrescente: YGBZ, GHCB, HDC. Vemos
A4 → A5 A4A5FE A4A5LI expressa também, na segunda parte, sempre em forma de su-
A5 → X A5XF A5XWL perfície, a mesma superabundância oposta, de positividade,
X AS = zero Plenitude do S pela qual o que prevalece é a ajuda favorável ao ser, e isto
sempre em medida crescente: DEI, EFLI, FXWL.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 67
Este fato é o resultado do trabalho de endireitamento realiza- todas as qualidades possíveis da existência, que vão do mundo
do pela evolução, cuja tarefa é destruir a negatividade para re- físico, no nível da matéria, ao mundo dinâmico, no nível da
construir no seu lugar a positividade. O diagrama nos dá assim a energia, até ao mundo moral e mental, no nível do espírito.
representação gráfica do conceito há pouco acima mencionado, Lembremos que o percurso YX abrange o caminho evolutivo
segundo o qual a evolução se torna cada vez mais fácil, quanto completo do ser, em toda a sua amplitude de fenômeno físico-
mais o ser, com o seu esforço, progride. Isto é devido ao fato de dinâmico-psíquico, como foi explicado em A Grande Síntese.
que, na primeira parte do percurso até o ponto A3, a prevalência Este é o conteúdo do imenso trabalho de redenção cósmica,
é do impulso involutivo do AS, pois o ser, aí, encontra-se ainda que tem de levar à salvação não só o homem, mas todos os se-
próximo do ponto de partida da evolução, o qual está situado na res e tudo o que existe, porquanto tudo que constitui o nosso
plenitude do AS. Neste trecho, dominam então as forças do AS, universo físico-dinâmico-espiritual é o resultado da queda e
agindo como resistência contra a evolução do ser, por isso a su- deve ser remido com o regresso ao seu estado originário de S.
bida é mais difícil e requer um esforço maior. Mas, na segunda Tudo isto implica, como explicamos no livro Deus e Universo,
parte do processo evolutivo, acima de A3, a posição se emborca, um trabalho de evolução de dimensões, que representam os di-
e o que prevalece é o impulso evolutivo do S, do qual o ser, cada ferentes planos ao longo dos quais tudo o que existe se ajusta
vez mais, vai-se aproximando. Neste segundo trecho dominam ao seu nível de existência.
então as forças do S, agindo como ajuda em favor da evolução A obra de transformação ético, mental e espiritual, concebida
do ser, por isso a subida é mais fácil e requer um esforço sempre pelo homem como conteúdo da evolução, começa a aparecer
menor. Explica-se assim também um fato que vemos existir em com a consciência no nível humano e já se encontra, em suas
nosso mundo. Nos níveis medianos, perto de A3, aos quais per- primeiras e rudimentares tentativas, nos exemplares de vida mais
tence o homem atual, não há, como vemos no diagrama, grande atrasados, como os animais e, mais atrás ainda, as plantas. Mas o
prevalência de um impulso sobre o outro, de modo que não há plano humano é somente um dos muitos planos de existência,
predomínio da lei do S (o bem) nem do AS (o mal), verifican- sendo o trabalho evolutivo do homem apenas uma das tantas
do-se assim um contraste na luta entre bem e mal, sem que um formas de trabalho evolutivo que todos os tipos de existência têm
deles se consiga impor decisivamente, para superar o outro. As- de cumprir. Relativamente ao ponto onde o homem está situado
sim, enquanto, com a ética e as religiões, chega do Alto ao ho- ao longo do imenso caminho, há infinitas outras posições, mais
mem, como um convite da parte do S, a ajuda favorável à as- ou menos adiantadas. O percurso todo vai de um polo (extremo
censão, ao mesmo tempo, sobem de baixo contra ele, como re- representado pelo AS) ao outro (extremo representado pelo S).
síduo e retorno do passado no subconsciente animal, os impul- Realiza-se assim a maravilha do endireitamento, no qual o
sos de resistência contrários à ascensão. Não é isto o que todos processo evolutivo transforma o caos em ordem, a matéria em
os dias vemos acontecer em nossa consciência? espírito, o determinismo em liberdade, o mal em bem, a igno-
Cumpre-se assim todo o caminho da subida. Observamo-lo rância em sabedoria, a imperfeição em perfeição, a revolta em
em nosso diagrama e eis o que ele nos mostra. Quando o proces- obediência, o inferno em paraíso, o ódio em amor, o sofrimento
so evolutivo atinge o ponto X, o campo de forças da negativida- em felicidade, a morte em vida etc. Não se trata de uma absurda
de, expresso pelo triângulo verde YXZ, encontra-se aniquilado derivação inédita do mais em relação ao menos, mas sim de
pelo esforço evolutivo YX do ser, sendo substituído pelo campo uma restituição ao estado de origem daquilo que antes já exis-
de forças da positividade, expresso pelo triângulo vermelho tia. Trata-se do endireitamento na positividade de um universo
YXW. A fim de simplificar seu exame, como já dissemos no iní- que se emborcou na negatividade. Então, além da pequena re-
cio deste capítulo, o fenômeno foi estudado só na sua metade, re- denção do homem pela ética das religiões, há esta muito maior
presentada pelo lado esquerdo do diagrama, porém, visto no seu redenção cósmica, para levar à salvação tudo o que existe, seja
aspecto completo, ele pode agora ser resumido em outros termos. qual for a forma de individuação assumida no físio-dínamo-
Assim, o campo de forças da negatividade, ou AS, fruto da queda psiquismo que constitui o nosso universo. Este é o fenômeno
(expresso pelo triângulo verde ZXZ1), foi gradativamente aniqui- que, numa visão sintética, quisemos observar aqui, representa-
lado pelo esforço evolutivo YX do ser, até ser substituído pelo do na expressão gráfica de nossa figura.
campo de forças da positividade, ou S, fruto da redenção (expres-
so pelo triângulo vermelho WYW1). Vimos assim, neste capítulo, XII. O FENÔMENO QUEDA-SALVAÇÃO
qual é a técnica de funcionamento do processo evolutivo, isto é,
do fenômeno da destruição do AS e da reconstrução do S. Com o trabalho que vamos desenvolvendo neste livro, com-
Se agora substituirmos as simples palavras: negatividade e pletando os outros: Deus e Universo, O Sistema e A Lei de Deus,
positividade, acima usadas por brevidade, pelo muito mais vas- cumprimos a promessa que foi anunciada desde as primeiras pa-
to significado que elas representam, como já vimos, então este lavras do volume inicial da I Obra, A Grande Síntese, que, no
árido cálculo de campos de forças adquire um conteúdo vivo e começo do primeiro capítulo, afirma: “Existe uma Lei, imper-
atual, compreensível também em termos bem avaliáveis na ceptível para vós, mais potente do que o furacão, que atua inexo-
prática de nossa vida comum. Isto pelo fato de que, como já rável, tudo movimentando, tudo animando. Essa Lei é Deus. Ela
dissemos, negatividade significa caos, matéria, determinismo, está dentro de vós. Vossa vida é uma sua exteriorização e espar-
mal, ignorância, imperfeição, revolta, inferno, ódio, sofrimen- girá sobre vós alegrias ou dores, conforme a justiça, de acordo
to, morte etc., e positividade significa ordem, espírito, liberda- com os vossos merecimentos. Eis a síntese que a vossa ciência,
de, bem, sabedoria, perfeição, obediência, paraíso, amor, feli- perdida no dédalo da análise, nunca poderá reconstruir. Eis a vi-
cidade, vida etc. Então, quando acima falávamos de campos de são unitária, a concepção apocalíptica, a que vos quero levar”.
forças de negatividade ou positividade, vemos agora qual o Através de um longo caminho, chegamos agora a ver como
significado contido nestas palavras. essa lei funciona, o que ela quer realizar e como o realiza. É de
Podemos aperceber-nos agora quão profunda transformação suma importância saber tudo isto, porque desse conhecimento
o esforço evolutivo do ser opera nas condições de vida. A super- depende o caminho de nossa vida e o nosso destino de felicida-
fície que a positividade vai sempre mais conquistando no terreno de ou de dor. Não se trata de teorias longínquas. Este é um pro-
da negatividade nos dá a expressão gráfica desse fenômeno pro- blema que nos toca de perto, a todos, porque só assim, conhe-
gressivo de endireitamento, que, pela ascese do ser, muda e re- cendo qual é a causa de nossas dores, poderemos evitá-las.
nova tudo nele e no seu ambiente, substituindo a posição errada Todos estamos presos dentro dessa lei e temos de lhe
do AS pela posição certa do S. Trata-se do endireitamento de obedecer, inclusive os ignorantes, que não a conhecem, os
68 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ateus, que a negam, e os rebeldes, que desejariam destruí-la. Quando o indivíduo, para satisfazer o seu orgulho, luta para
Em todo lugar e momento, ela está sempre funcionando para saciar a sua cobiça por honras, poder político, domínio, riqueza
todos. Ela faz parte da natureza do ser a um tal ponto, que etc., julgando cumprir assim a própria vontade, ele de fato obe-
ele, quanto mais julga fazer sua própria vontade, tanto mais dece à Lei, cuja vontade é que o indivíduo cumpra o esforço
está obedecendo à vontade dela. para evoluir. A esse trabalho incessante estão submetidos indi-
Quando, em nosso livro Deus e Universo, expusemos pela víduos e povos, movidos por suas insaciabilidades e rivalidades
primeira vez a teoria da queda, segundo a qual o ser decai do S para contínuas guerras, tanto as pequenas, em casos particula-
ao AS, muitos leitores, sem conseguir entender nada, exigiram res, como as grandes, envolvendo nações. Eles julgam seguir
que o universo funcionasse de outra maneira, porque ele tinha seus próprios impulsos, mas obedecem de fato aos impulsos da
de concordar com as teorias da sua filosofia ou religião. Não Lei, que, por meio dos instintos, impele todos para onde ela
podíamos, para satisfazê-los, mudar o funcionamento do uni- quer, deslocando-os para fora das suas posições de repouso, tão
verso. Então continuamos observando os fatos e verificamos logo procurem realizar a sua vontade de descansar no gozo. As-
que eles confirmavam cada vez mais a teoria da queda, como sim, o homem tem de atuar sempre por repetição, destruindo
explicamos no volume O Sistema e estamos aqui explicando para reconstruir melhor. A vontade dele, que seria engordar na
neste. Não foi de forma alguma possível torcer ou destruir os preguiça, não tem valor. Neste caso também, quem manda é a
fatos, que, encontrando explicação nas consequências daquela vontade da Lei, à qual o homem, sempre levado pelo seu insa-
teoria, falavam sempre mais claro, constrangendo-nos a aceitá- ciável desejo de crescimento para novas guerras e revoluções,
la. Não se pode negar uma verdade, quando ela foi observada tem, mesmo sem querer, de obedecer, para que, antes de tudo,
sob tantos aspectos, demonstrada nos seus pormenores e con- seja realizado o objetivo da vida: evoluir.
trolada nos seus efeitos, sendo a cada passo submetida a cálcu- A razão que explica e justifica, em nosso mundo, a exis-
los e medidas que a comprovam. tência da dura lei da luta pela vida e da seleção do mais forte
A presença do S e a necessidade de evoluir para voltar a está no fato de que essa lei é um meio para desenvolver a inte-
ele está expressa pelo nosso natural e irrefreável desejo de ligência e, assim, impondo ao ser o esforço da subida, realizar
felicidade. A presença do AS e a necessidade de fugir para a evolução. Lei feroz, porque estamos ainda no nível animal,
longe dele está expressa pelo nosso instintivo e invencível porém, em relação a este e proporcionalmente ao seu baixo
terror do sofrimento. Uma vez que o ser é, de um lado, atraí- grau de desenvolvimento e ao trabalho a ser cumprido aí, tudo
do pelo S e, do outro, repelido pelo AS, ele não pode deixar isto representa o meio e o método mais adequados de evolu-
de percorrer o caminho da evolução, que é o da sua salva- ção. Lei enérgica, que se faz entender bem, porque elimina os
ção. Há no mundo alguém que não queira obedecer a esses ineptos e preguiçosos, não lhes deixando o direito de sobrevi-
impulsos e que, por isso, possa não estar sujeito a esta lei, ver. Todas as vantagens para os vencedores, todas as renún-
pela qual tudo é impelido para o S? Tal obediência é o que, cias para os vencidos. Quem não faz esforços para subir é
nos fatos, todos estão praticando, inclusive os que contrari- condenado. Assim a Lei impõe o trabalho da superação contí-
am e negam esses princípios, pelos quais tudo é dirigido. Há nua. Ela exige que o ser suba e sempre lute para isso. E o ho-
alguém que possa resistir ao seu anseio de melhoramento e mem, julgando satisfazer-se a si próprio, corre para satisfazer
não queira fugir do azorrague da dor, dois estímulos instinti- a vontade da Lei, que o movimenta por dentro, através de seus
vos que o incitam para a subida? O que, na verdade, tem im- instintos. É lógico que a Lei opere por dentro, porque ela é a
portância como prova de verdade, mais do que as palavras, alma das coisas, que rege o universo.
são os fatos. Vale, portanto, não o que os homens dizem, A ilusão do ser, de que nele esteja atuando apenas a sua
mas sim o que eles fazem. E uma teoria tem valor quando própria vontade, é o engano necessário para movimentar quem
ela, apesar de não concordar com o que eles dizem, explica o concebe a existência como revolta, engano este gerado pelo
que eles fazem. E, de fato, embora falando de uma maneira próprio rebelde, como efeito da posição emborcada em que ele,
diferente, dissemos que todos, enquanto acreditam realizar com sua revolta, quis colocar-se. Desse modo, dando-lhe a ale-
somente a sua própria vontade, para atingir as suas próprias gria do sucesso imediato, que o faz vitorioso, a Lei premia
finalidades, estão de fato obedecendo espontaneamente à momentaneamente o ser que lutou, pagando na devida propor-
Lei, para atingir os objetivos estabelecidos por ela. ção, conforme a justiça, o esforço por ele realizado para a con-
Analisemos agora, observando mais de perto, a verificação quista. No entanto, independente da conquista obtida, a Lei ja-
deste fenômeno na realidade, para ver como tudo isso aconte- mais deixa o ser ficar satisfeito, pois isto significaria parar na
ce. Quando o indivíduo luta para satisfazer sua fome, julgando subida e apodrecer na imobilidade, paralisando a vida no cami-
cumprir assim a própria vontade, ele de fato obedece à vontade nho da evolução, que representa o único meio de salvação. As-
da Lei, que quer a conservação do indivíduo. Quando a Lei sim, tão logo o ser tenha realizado uma conquista e, com isso,
não quer mais assim, porque isto não serve mais às suas finali- atingido um grau mais adiantado na subida, a Lei o deixa no
dades, ela o deixa envelhecer e morrer irremediavelmente, ca- mesmo vazio anterior, impossível de ser preenchido, a fim de
bendo ao ser apenas obedecer. A vontade dele desejaria o fazer a corrida para o alto e o respectivo esforço se tornarem
contrário, mas não tem valor algum. Quem manda nos momen- contínuos, condição necessária para que seja percorrido todo o
tos básicos da vida é a vontade da Lei, e não a do ser, que so- caminho da evolução e, assim, seja atingido o seu objetivo, que
mente pode cumpri-la. Isto se chama obediência. é levar o ser até Deus, fazendo-o regressar ao S. Explica-se as-
Quando o indivíduo luta para satisfazer o seu impulso se- sim por que razão existe em nosso mundo esse estranho jogo da
xual, julgando cumprir assim a própria vontade, ele de fato insaciabilidade sem limites, pelo qual o homem, assim que al-
obedece à Lei, que quer a conservação da raça. Qual a reação cança um resultado, é levado a desejar atingir outro maior.
do homem, quando ele é deixado aos seus impulsos naturais? Se isto pode parecer uma armadilha do ponto de vista do
Ele agarra o mais que puder, seja com o roubo ou seja com o homem, não o é, porém, do ponto de vista da Lei, cuja vontade
trabalho, para gozar ao máximo o banquete da vida, o qual é que ele deseje coisas sempre mais adiantadas e realize, por is-
consiste em engordar no bem-estar e fecundar a mulher. O so, sempre novos esforços, porque esta condição é necessária
grande sonho é comer bem sem trabalhar, dispondo de todas as para ele experimentar, aprender e adquirir novas qualidades,
mulheres do mundo. Nisto está a satisfação, que é também desenvolvendo assim a inteligência e a consciência, a fim de
obediência à lei imposta pelos instintos no nível animal- subir, evoluindo. Tudo fica perfeitamente lógico e justo, pois
humano, onde a maioria dos homens se encontra hoje. atinge-se não o objetivo aparente – que, apesar de constituir
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 69
apenas uma ilusão, o homem quer e julga ser o verdadeiro – valor do indivíduo não está no que ele possui, mas sim no que
mas sim o objetivo real e substancial desejado pela Lei, cuja fi- ele é. Chega-se então a compreender a inutilidade das guerras e
nalidade é a evolução do ser, para o bem dele, com a sua salva- revoluções, pois tudo se pode resolver com a boa vontade e a
ção final. Assim, enquanto o homem corre atrás dos seus so- sinceridade, sem destruição, que é prejuízo para todos. A ver-
nhos, a Lei, na sua sabedoria, faz o que ele, na sua ignorância, dadeira substância desse jogo, o resultado permanente e de real
não sabe, dirigindo-o não para onde ele, errando, desejaria se- valor, é que o homem, lutando, cumpre o esforço necessário pa-
guir, mas para onde convém que ele progrida. ra evoluir e, com isso, realiza a sua evolução. O homem do fu-
Eis a realidade que está atrás dos bastidores das aparências. turo não será mais tão simplório, para continuar a correr atrás
Quando o homem luta para satisfazer a sua fome, o seu instinto de tantas ilusões, cujo engodo terá compreendido.
sexual, o seu orgulho e a cobiça de posse e domínio, ele de fato Assim orientados, podemos agora encontrar uma explica-
luta para a sobrevivência do indivíduo, para a conservação da ção melhor do que vemos acontecer em nosso mundo atual.
raça e para evoluir. Isto é o que a Lei quer e impõe ao ser, agin- Aqui, o homem permanece ainda no nível da animalidade, on-
do nele por meio dos seus próprios instintos. Antes de tudo, ela de a lição de que agora falávamos é aprendida em forma con-
quer que ele sobreviva como indivíduo. Mas, tão logo ele dis- creta, não por meio da inteligência, que ainda tem de se desen-
ponha de energia sobrando no bem-estar, a Lei o faz sentir-se volver, mas através de experiências vividas e percebidas pelo
impulsionado a gozar, gerando e providenciando assim a con- caminho dos sentidos. Neste plano, a demonstração por meios
servação da raça. Mas isto não pode bastar. Se a Lei faz tanta racionais e a compreensão completa da lógica da Lei e das úl-
questão de continuar a vida, isto não pode ser para nada, o que timas finalidades da vida ainda não foi atingida. Com a razão e
seria um absurdo sem sentido, dentro de uma lógica perfeita. E, a ciência, o homem resolveu muitos problemas práticos parti-
de fato, o que faz o homem logo que satisfaz a fome e o sexo, culares, mas não desenvolveu uma visão de conjunto que o
senão procurar enriquecer e dominar? Isto, no seu nível, signi- oriente de forma positiva no terreno espiritual, dando aos
fica crescer e evoluir, como quer a Lei, à qual ele obedece. Se a grandes porquês uma resposta clara, que ficou relegada às filo-
Lei impõe a continuação da vida, isto acontece porque a vida é sofias empíricas discordantes e às religiões rivais, apoiadas na
um meio para realizar a evolução. E, se a continuação da vida, fé cega e no mistério, e não na demonstração. Então o homem,
tanto do indivíduo como da raça, custa tanta luta, isto ocorre para atingir um conhecimento positivo, que ninguém lhe ofe-
porque a luta constrange o ser ao esforço, resolvendo-se toda rece, vai na prática experimentando por sua conta, com o mé-
em evolução, que representa o seu fruto substancial. todo da tentativa, o único ao seu alcance, onde cada erro é pa-
Lutar para progredir! Eis o significado desta luta contínua go, aprendendo pela dor e, com ela, pagando o erro.
de todos contra todos, de que o mundo está cheio. Mas, se aos O que de fato dirige a psicologia das massas é o subconsci-
que executam tão duro trabalho perguntarmos por que o fa- ente, com os seus impulsos atávicos, que chamamos de instin-
zem, eles afirmariam, sem saber explicar a razão, que apenas tos, filhos de experiências primitivas. A civilização apenas pin-
querem satisfazer um desejo seu, para atingir um objetivo tou a parte externa do animal, aperfeiçoando a forma com a sua
próprio, além do qual nada conhecem. Mesmo assim, fazem técnica, mas permanecendo só na superfície, enquanto no fundo
tudo isto, não importa se por um impulso inconsciente. À Lei continuou a velha substância. Quais são as ideias que mais inte-
não interessa que o homem saiba, e sim que ele obedeça, co- ressam à alma popular, às quais ela responde melhor, porque as
mo de fato acontece. Nem se pode exigir que o homem, no compreende? A imprensa miúda, que mais atrai o público nos
seu atual nível de ignorância, saiba. O conhecimento não pode jornais, revela qual é a forma mental da maioria. O que preva-
chegar senão em níveis de vida mais adiantados. No entanto, lece é a luta pelo dinheiro (negócios e roubos), o sexo (amores)
para alcançá-los, é necessário ter realizado o trabalho indis- e o espírito de domínio (política). Para isto existe a grande pele-
pensável e, com isso, ter conquistado inteligência e consciên- ja da vida entre indivíduos e povos, até furtarem-se, esmaga-
cia, havendo merecido aquele conhecimento. rem-se e matarem-se, a fim de conquistar riqueza, mulheres,
Logicamente os mais evoluídos, que, encontrando-se excep- comando civil ou poder bélico. Por isso se cometem crimes par-
cionalmente na Terra, já entenderam o jogo, não caem mais ne- ticulares, apesar de condenados pelas leis, e crimes coletivos de
le. O desapego das coisas materiais, a falta de orgulho, a ausên- guerra, glorificados pelos povos. Esta é a conversa que todos
cia de cobiça de domínio e de posse, o espírito de altruísmo e de compreendem: lutar, ganhar, gerar, dominar e, se para isso for
obediência à lei de Deus, tudo isto não é problema de virtude ou necessário, matar, num ritmo de recambio biológico vida-morte
santidade, mas de inteligência, que vê onde está a verdadeira tanto mais rápido quanto mais o ser é primitivo. Se falarmos de
vantagem. O evoluído não se enreda mais nas ilusões, que são coisas acima deste nível, a massa pouco percebe ou então en-
necessárias para movimentar o involuído, ainda tão ingênuo, que tende de outra maneira. Uma espiritualidade tomada a sério, e
julga serem verdadeiras as coisas mais enganadoras do mundo, não pregada para cobrir outras finalidades, ditadas pelos instin-
somente apercebendo-se do engano tarde demais, quando chega tos, interessa só a uma minoria. Para o homem comum, a vida
a morte e, com ela, a necessidade de abandonar tudo, uma vez real é a terrena, enquanto a do além-túmulo é coisa longínqua,
que nada se pode levar das coisas do mundo. Então ele chora de- sem certeza. Para ele, a morte é morte, e não ressurreição, tra-
siludido, dizendo que tudo foi vaidade, porque tudo desmoronou tando-se do ponto final, onde a viagem acaba, e o que interessa
no vazio, nada restando consigo senão vento e saudade. E neste não está depois, mas sim antes dela.
choro está a saudável lição que o involuído tem de aprender. Estamos no nível das experiências materiais, ligadas à vida
A sua natureza de cidadão decaído do S o leva a desejar a física e confiadas ao subconsciente animal. Neste nível, as ex-
vida perpétua, fugindo aterrorizado da morte. Mas ele tem de periências espirituais conscientes só ocorrem excepcionalmente
aceitar o ciclo ininterrupto vida e morte, necessário para a re- e o ser não pode aprender senão por meio da dor, porque outra
novação, que é indispensável para promover a evolução. A ne- escola ele não entende. Não se pode contar com uma inteligên-
cessidade de evoluir é tão urgente como os impulsos da fome e cia que ele ainda não possui. Já explicamos a técnica automáti-
do sexo. É por isso que sempre ocorrem guerras e revoluções, ca do método da dor, com a qual a Lei ensina na classe dos
pois o ser encontra-se incessantemente submetido a essa neces- primitivos. A ignorância, qualidade dos seres próximos do AS,
sidade de renovação, para subir e recuperar, com o seu esforço leva ao erro, e o erro leva à dor. O sofrimento, então, é o desti-
contínuo, tudo o que foi perdido. Assim, a inteligência vai-se no natural para eles, que devem evoluir custe o que custar, pois,
desenvolvendo sempre mais, e isto permite compreender cada sem evolução, não se pode atingir a salvação, sendo impossível
vez melhor a vaidade do orgulho e da cobiça, fazendo ver que o para um ser ainda inconsciente entender outra lição. Eis a fun-
70 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ção benéfica da dor, que, na perfeita organização da obra de rância, erro, dor (AS), experiência, conhecimento, subida evo-
Deus, não pode existir para nada e, muito menos ainda, para lutiva, obediência, felicidade (S). Neste processo, o ser, saindo
uma finalidade de mal. A dor sabe ensinar a todos, inclusive do S, é levado de volta para o S, seu ponto de partida. Cada
aos rebeldes e aos descrentes, assim como aos ignorantes. Se a termo está ligado ao outro por geração, de modo que cada um
Lei, porém, tem de usar esses duros métodos nos níveis mais tem, no precedente, o pai e, no seguinte, o filho. Assim o ciclo
baixos, ela os abandona, tão logo o ser os tenha superado. está fechado em si mesmo, não havendo dele, que na sua pri-
Eis então como a escola funciona. Quando o caminho não meira parte é emborcamento em descida, outra saída e solução
está certo, logo aparece a dor, que avisa. Quem bateu com a ca- senão a sua continuação em direção oposta, isto é, no endirei-
beça volta para trás e, na próxima vez, procura não repetir o er- tamento em subida, como encontramos na sua segunda parte. A
ro, que acarreta sofrimento. Não é necessário muita inteligência dor (AS) está no fundo do ciclo, assim como a felicidade (S) es-
para isso. A dor, ensinando a evitar o erro, o elimina, destruin- tá no cume dele. A experiência, filha da dor, corrige o erro, pai
do a ignorância, e atinge assim o seu objetivo, que é fazer os da dor. O conhecimento, filho da experiência, corrige a igno-
involuídos evoluírem. Podemos ver agora o ciclo de ida e volta rância, mãe do erro. A subida evolutiva, filha do conhecimento
desse processo. A ignorância gera o erro, que gera a dor, que e da experiência, corrige a queda involutiva, mãe da ignorância
destrói o erro, que, por sua vez, destrói a ignorância. E destruir e do erro. A obediência, filha da subida, do conhecimento e da
a ignorância significa subir os primeiros degraus da inteligência experiência, corrige a revolta, mãe da queda, da ignorância e do
e encaminhar-se para a compreensão da Lei, seguindo para es- erro. Assim a obediência, mãe da felicidade, acaba corrigindo a
piritualidade. Esse é o conteúdo do fenômeno pelo qual o triân- dor, filha da revolta. O processo se fecha com a anulação da dor
gulo vermelho da positividade vai pouco a pouco e progressi- (AS), à qual se substitui a felicidade (S).
vamente destruindo o triângulo verde da negatividade. Com es- A Lei tudo rege e regula com inteligência e justiça. A cada
tes exemplos práticos, podemos melhor entender a teoria. degrau de emborcamento em descida corresponde um degrau
A Lei, que conhece o grau de inteligência dos seus alunos, oposto de endireitamento a realizar em subida. O ser está fe-
sabe que, no plano deles, seria inútil, para a maioria, tentar mos- chado entre estes dois períodos opostos do ciclo. Cada passo,
trar por meios racionais as maravilhas da lógica de Deus. É ne- tanto na descida como na subida, é a consequência do outro. O
cessário, então, para se fazer entendida, que ela fique, como há ser sofre porque erra, erra porque é ignorante, é ignorante por-
pouco dizíamos, no nível dos sentidos. Assim o homem recebe o que caiu e caiu porque se revoltou. A segunda parte do ciclo es-
que lhe é mais útil: sofrimentos bem sensíveis, como doenças, tá implicitamente contida na primeira. A dor experimentada pe-
miséria, morte de pessoas queridas, perseguições, fracassos, de- lo ser é o que lhe dá o conhecimento, pelo qual ele sobe evolu-
silusões, amarguras, perda do que ele mais faz questão de possu- tivamente, e isto significa voltar à obediência da Lei, para, na
ir, perda esta tanto maior e dolorosa, quanto maior for o apego. ordem assim reconstituída, reencontrar por fim a felicidade.
A prova, porém, como é lógico, acaba tão logo a lição tenha sido Tudo isto explica, conforme a lógica e a justiça, o estado
aprendida. Desse modo, o ser, assim que o apego desaparece, atual do ser humano, submetido a erros e sofrimentos. Isto
pode receber em abundância, pois esta não representa mais um concorda com os ensinamentos das religiões, que fazem da dor
perigo, uma vez que ele aprendeu a fazer bom uso dela. um meio de redenção e um caminho para a felicidade. A Lei
Mas a Lei usa esse método da dor também por outra razão, está lá, escrita por Deus na alma das coisas, indelével e imutá-
dada por um princípio de justiça. Se o ser se encontra num es- vel. O ser, com a revolta, arrancou os próprios olhos e não a vê
tado de ignorância, de onde deriva o erro e a dor, isto foi por mais. Não adianta mostrá-la, porque ele se tornou cego. Para
vontade e culpa dele, que quis rebelar-se. Por isso é justo ele que ele a veja, é necessário reconstruir os seus olhos, e isto não
sofrer as consequências da sua revolta, que são ignorância, erro pode ser feito senão por ele mesmo, com o seu esforço e sacri-
e dor. É lógico e justo, estando implícito no princípio de ordem fício. Não há outro caminho. Cristo só nos quis dar o exemplo
e equilíbrio da Lei, que o ser tenha de endireitar o que ele em- da crucificação, que pertence depois a cada um de nós, porque
borcou e que o pagamento das suas culpas tenha de sair dos a revolta não pode ser curada e a salvação não pode ser atingi-
seus esforços e sofrimentos. É justo que o ser experimente to- da sem crucificação. Todos os destino humanos não podem
das as consequências da revolta. Se, no emborcamento, elas se deixar de obedecer à Lei, tendo de se desenvolver dentro dos
desenvolveram no encadeamento revolta, ignorância, erro e princípios estabelecidos por ela.
dor, o ser tem agora de percorrer com a sua fadiga e sofrimento Tudo isto esclarece também um outro fato, explicando co-
o caminho em sentido oposto, de endireitamento dos mesmos mo tenha acontecido que, apesar de Cristo nos ter ensinado a
termos, no encadeamento dor, lição, conhecimento e obediên- receita cujo tratamento resolve a doença, poucos a usaram para
cia. Eis a razão pela qual a redenção se realiza através da dor, se curar, buscando pelo contrário estudar a arte das escapató-
que representa a escola para ensinar o ser e o tratamento para rias, a fim de fugir do tratamento. Seria fácil demais e, portanto,
sanear a queda, levando à salvação. É por isso que, nas religi- não seria justo atingir a salvação de graça, por ter encontrado a
ões, o conceito de redenção está ligado ao de sofrimento (pai- solução já pronta, sem ter de ganhá-la com o próprio esforço.
xão de Cristo). Se o ponto de partida foi a culpa da revolta, Isto significaria evadir-se do dever de pagar. É por isso que o ser
é justo que só o resgate realizado pelo trabalho do ser possa re- não consegue compreender e viver o Evangelho – que resolve-
construir o equilíbrio quebrado. Por essa razão é que, no capitu- ria tudo – senão depois de ter sofrido os efeitos dos seus pró-
lo precedente, falamos da necessidade do esforço do ser para re- prios erros e, assim, ter pagado com os seus sofrimentos todas
alizar a evolução, uma vez que não há outro caminho para ven- as suas dívidas. Não é justo levar vantagem sem ter merecido,
cer a ignorância e voltar ao conhecimento, senão a experiência como também não é justo melhorar senão depois de ter apren-
da dor. É lógico que o impulso para um exagero de poder, atin- dido às próprias custas a lição que ensina a não cometer mais
gido com o transbordando para além dos limites da ordem de erros contra a Lei. É por isso que o homem só poderá chegar à
Deus na ilícita expansão que se seguiu, tinha de ser equilibrado compreensão do Evangelho e, com isso, à salvação depois de se
por uma correspondente e oposta contração, a qual levou à igno- haver crucificado por si mesmo, pelos efeitos dos seus próprios
rância e à dor, ao invés de uma maior sabedoria e felicidade, que erros. É lógico e justo que não seja possível aprender sem expe-
o ser, com a revolta, foi procurar fora da ordem de Deus. rimentar, receber sem pagar, cometer erros e evitar a dor, esca-
Com a revolta, o ser ficou preso no ciclo que ele mesmo ge- par aos efeitos quando foram semeadas suas causas. Quem des-
rou. Podemos agora, integrando os conceitos precedentes, ver o trói a casa com suas mãos, com suas mãos tem de reconstruí-la,
ciclo completo: felicidade (S), revolta, queda involutiva, igno- se não quiser ficar sem casa. Se o ser prefere ficar na dor do
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 71
AS, Deus respeita a sua vontade, mas o prejuízo é somente de impulsos positivos, a favor e amigos dele, ajudando-o a subir
quem assim quiser. Cristo avisou com palavras e mostrou com para o alto. Assim, uma vez que esses impulsos de resistência
o exemplo, mas deixou a liberdade de escolha para o mundo, contra o ser foram gerados pela sua revolta contra a Lei, os im-
que assim, conforme a sua opção, ficou na dor. pulsos de ajuda em favor do ser são agora gerados pela sua
◘ ◘ ◘ obediência à Lei. Eis a razão por que, na fase da queda devida à
Esta nossa observação da Lei e da posição do ser dentro de- revolta, nasceram os impulsos inimigos contra o ser, e por que,
la nos mostra também outros fatos e qualidades do fenômeno na fase da subida através da obediência, podem nascer os im-
queda-salvação. Vemos então que a evolução não é somente pulsos amigos favoráveis. Pertence ao ser, voltando com a sua
um processo telefinalístico, previsto, pré-ordenado e dirigido obediência a funcionar na ordem da Lei, a tarefa de transformar
para um fim pela Lei, mas também uma vontade de salvação as resistências em ajudas, o impulso negativo em positivo. Ao
em favor do ser, que ela orienta para o bem dele, impelindo-o a ser foi deixado o poder de se remir com a sua obediência, como
regressar a Deus no S. Podemos assim compreender a lógica lhe havia sido deixado o poder de se arruinar com a sua revolta.
pela qual é regido o fenômeno da evolução, que não nos apare- Esta constitui toda a amplitude de oscilação de ida e volta que a
ce mais como um caso avulso, isolado e sem razão, mas sim Lei permite ao ser percorrer, e nada mais. Ele está fechado den-
como um processo logicamente inserido e implantado no funci- tro desses limites, estabelecidos pela Lei, e deles não pode sair.
onamento orgânico do todo. Desse modo, vemos que a evolu- Ao mesmo tempo, porém, a Lei está construída de uma tal
ção se baseia sobre um princípio de equilíbrio e justiça, que é forma, que o ser só pode receber dela as respectivas reações e,
fundamental na Lei. Explica-se assim e justifica-se tanto a re- portanto, somente poderá atingir os resultados desejados por
sistência que o ser encontra na subida para vencer a negativida- ele, se souber movimentar-se com inteligência, conforme os
de do AS, como a ajuda que ele recebe de Deus para cada con- princípios dela. É pela sua própria estrutura que a Lei se rebe-
quista de positividade realizada no S. Explica-se também a ne- la contra o rebelde, enquanto obedece ao obediente. Assim,
cessidade de esforço para o ser subir e de obediência à Lei, ela se volta contra quem vai de encontro a ela, e colabora com
porque, assim como foi a vontade de revolta do ser que embor- quem, seguindo os planos de Deus, busca ir ao encontro dela.
cou o S no AS, também tem de ser a vontade de obediência que Desse modo, automaticamente, a Lei se torna amiga de quem
deve impulsionar a evolução e endireitar o AS no S. escolhe se tornar seu amigo. Tudo depende da vontade do ser,
Podemos agora compreender qual é verdadeiramente o con- ao qual a Lei bondosamente tudo oferece, desde que ele saiba
teúdo e a substância do fenômeno evolutivo. Nele, vemos que a procurar, seguindo as normas preestabelecidas. Tudo depende
negatividade vai-se retraindo cada vez mais, enquanto a positi- da livre conduta do ser, seja quando a revolta o leva para as
vidade vai-se dilatando sempre mais à custa daquele, consti- suas consequências negativas, seja quando a boa vontade de
tuindo dois movimentos compensados, inversos e complemen- recuperação o leva para as consequências opostas. Tanto na
tares. Quanto mais o segundo conquista, tanto mais o primeiro queda como na salvação, no mal como no bem, tudo o que cai
recua. Isto nos mostra que a evolução é produto não somente de em cima do ser é sempre fruto da sua própria obra. A Lei é
um processo de construção, mas também e ao mesmo tempo de boa com os bons, e má com os maus, porque devolve ao ser o
um paralelo processo de destruição, que condiciona o primeiro, que dele recebe, respondendo com a mesma linguagem que o
num trabalho que destrói a obra de mal, feita pelo ser com a sua ser usa para falar com ela. Em si mesma, a Lei não é nem boa
revolta, e reconstrói o que ela continha de bem, conforme Deus nem má, porque ela está acima de tudo, além do bem e do
criou antes da queda. Então a evolução não representa uma mal, inexistindo nela esta cisão dualista, que é obra do ser, re-
construção inédita, de algo novo, mas sim a reconstrução do sultado de sua revolta. Na Lei não há os conceitos de mal, er-
que já existia e foi destruído. É por isso que a evolução, nas su- ro, culpa e dor, que se encontram fora dela, na fase de embor-
as diretrizes, não se realiza ao acaso ou por tentativas cegas, camento, e desaparecem com o regresso a ela.
mas sempre seguindo um trilho pré-estabelecido, bem definido Então é pela própria lógica da Lei que, assim como a revolta
em função da estrutura do objetivo final, representado pelo or- contra ela gerou a dor, também a obediência a ela tem de gerar
ganismo que já existia antes, mas foi destruído e, agora, tem de a felicidade. Portanto quem sai da ordem de Deus cai em todos
ser reconstruído. No caminho de ascensão do ser, apesar de er- os males, e quem volta àquela ordem alcança todos os bens. O
ros e incertezas da parte dele, há, da parte da Lei, a certeza do ser é livre e pode, de acordo com sua vontade, criar para si o in-
plano já estabelecido por Deus, desde o primeiro momento, na ferno ou o paraíso. Porque a Lei o deixa, ele pode construir pa-
criação do S. No telefinalismo do processo evolutivo, a Lei sa- ra si o mundo que bem preferir, para aí se colocar e nele viver.
be com absoluta segurança, em cada momento, aonde ela quer Mas o ser tem de aprender, à própria custa, a fazer bom uso da
levar o ser, impulsionando-o exatamente para os objetivos esta- sua liberdade, tendo de suportar as tristes consequências do
belecidos por ela, não obstante, devido à ignorância na qual ele mau uso dela. O ser foi uma vez e continua sendo sempre dono
quis cair, deixá-lo errar à vontade nas trevas da inconsciência. do seu destino, para escrevê-lo com suas próprias mãos, e
É lógico e justo então que a falta de conhecimento e as conse- Deus o deixa livre para escrevê-lo como quiser. Mas, se o ser o
quências disso fiquem somente com o rebelde, que a mereceu, escrever errado, terá de endireitá-lo, não porque alguém o irá
e não com a Lei, que ninguém pode alterar. O S permaneceu de constranger a isso, mas porque ele não ficará satisfeito e não te-
pé, como ponto de partida no início, para se tornar no fim o rá paz, enquanto esse endireitamento não for realizado.
ponto de chegada. Nada se pode destruir ou criar em sentido Desse modo, o fenômeno involução-evolução, apesar de es-
absoluto, então o ser não possuía tal poder, sendo-lhe possível tar plenamente em poder do ser e à sua livre escolha, encontra-
somente a transformação do + em –, com a involução, e do – no se completamente encerrado no absoluto determinismo da Lei,
+, com a evolução. Este era todo o espaço que a Lei deixava à que estabeleceu os limites dentro unicamente dos quais os mo-
liberdade do ser, mas apenas no tocante a si próprio, ou seja, à vimentos do ser podiam ser realizados. E, de fato, jamais ele fi-
posição que ele quisesse escolher dentro da estrutura criada por cou tão preso dentro da Lei e do seu determinismo como quan-
Deus no organismo do todo. do, rebelando-se, tentou sair dela. Conforme os fatos por nós
No que diz respeito ao ser na sua fase atual de regresso, esta aqui observados, nunca a Lei se revelou tão poderosa e dona de
transformação significa que, para ele, o conteúdo do processo tudo, como quando o ser procurou destruí-la, para substituí-la
evolutivo se caracteriza agora pelo fato de seus impulsos nega- por outra. Todo o processo de involução, assim como o embor-
tivos, inimigos dele e agentes da resistência a ser vencida para camento da posição do ser no S para o AS e o fato de ter sido
retornar ao S, transformam-se, pelo próprio esforço do ser, em ele levado, como resultado da descida, a uma tal derrota, quan-
72 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
do sua vontade se dirigia no sentido oposto, para vencer e cres- der, nem saberia fazer melhor. Neste nível, onde o objetivo da
cer, são o produto da mais enérgica reação da Lei e nos provam vida é selecionar o mais forte, este é o conceito correto de justi-
o quanto ela é poderosa e dona absoluta de tudo. ça. Também o homem, quando usa o método da guerra, retro-
O nosso mundo continua sendo tão simplório, que acredita cede ao nível biológico da fera. Por isso ele, quando vence com
mais no poder do “eu” do que no de Deus, mais no poder da re- a guerra, julga ser seu pleno direito, conforme o conceito de
volta do que no da obediência. Não estará claro, agora, após justiça desse plano, matar, destruir e escravizar, praticando mé-
termos explicado tantos aspectos do problema, que o homem todos que, na sua vida social normal, ele próprio julga crime. É
atual concebe a vida às avessas? Não será esta sua forma mental lógico, porém, que o homem, quando desce a esse nível da fera,
aquela do rebelde? E como seria possível um ser assim, que se fique sujeito à lei deste plano, a qual também autoriza qualquer
coloca vivendo em posição emborcada, não ter de sofrer. De que outro ser mais forte a fazer contra ele, em plena justiça, o que
maneira se pode atingir a felicidade nestas condições? Na lógica ele fez contra os outros, quando foi vencedor. Disto resulta uma
do todo, que é obra de Deus, como é possível que haja lugar pa- peleja contínua, como vemos em nosso mundo, onde há luta e
ra tal absurdo? Não é loucura, então, querer conquistá-la à força, insegurança geral, o que representa a punição automática, con-
como acontece no mundo? A dura conclusão é que vivemos pre- sagrada por este método, para todos que o seguem.
sos dentro dos tristes resultados de uma contínua revolta, os 2) No plano biológico animal-humano, aparecem as leis ci-
quais não podem trazer senão sofrimento. Ao invés de se procu- vis, penais, religiosas e morais, que estabelecem o lícito e o ilí-
rar seguir o caminho da obediência, que leva para a salvação, cito. A vida não está mais no poder do arbítrio do indivíduo,
procura-se uma saída às avessas, numa revolta e descida cada mas sim sujeita a uma norma que pretende regular o uso indis-
vez maiores, o que não pode gerar senão sempre maiores dores. ciplinado da força. No seio da sociedade desponta uma ordem
superior, para refrear o individualismo e regular o caos da li-
XIII. UMA ETICA PROGRESSIVA berdade ilimitada. À força se substitui a lei, que estabelece
quais são os direitos e os deveres de cada um. Uma regra cole-
Para melhor compreender as teorias que vamos desenvol- tiva disciplina o arbítrio. O homem fica preso dentro desta regra
vendo e o significado da figura que as expressa, procuremos pela força, representada pela sanção punitiva, que lhe inflige
agora encontrar uma confirmação delas nos fatos de nossa vida, dano material, econômico, espiritual etc., e assim obedece. Mas
o que nos permitirá averiguar se correspondem à verdade. Con- nem por isso acaba a luta, o que significaria parar o esforço
tinuemos assim executando o controle do fenômeno da subida evolutivo e, com isso, a ascensão do ser. A força permaneceu,
do AS ao S, YX, restringindo-nos apenas ao trecho humano, o mas nas mãos dos dirigentes e, antes de tudo, para defender os
qual temos sob os olhos, para ver o que esse fenômeno repre- seus interesses; ficou, mas teve de se cobrir com a roupagem da
senta para nós e verificar a correspondência entre a teoria e a lei, do direito, da justiça. Assim a luta tomou outra forma, e a
prática. Será possível assim explicarmos a razão de alguns fatos vida se dirigiu para outro tipo de seleção, mais refinada, não
que vemos acontecer em nosso mundo, sobretudo a respeito do mais para escolher o mais forte, e sim o mais inteligente. Eis
caso mais imediato, constituído pela nossa conduta. que desponta o primeiro grau de inteligência, o mais baixo, que
Já falamos que a ética não é um fenômeno estático, mas sim já se encontra nos animais: a astúcia. Aparecem a mentira, o
relativo e em evolução. Cada plano de vida tem a sua ética par- fingimento, o engano, como arma de luta pela vida e meio de
ticular, proporcionada ao grau de conhecimento atingido pelo seleção, não mais para a conquista de qualidades físicas, e sim
ser naquele plano. Então há uma ética progressiva, cujas formas mentais. Para sobreviver, o ser está constrangido a pensar, o
sucessivas a ética universal da Lei, a única completa, abrange. que leva a vida a realizar conquistas novas, num nível mais alto
No plano do homem, a ética significa o grau de conhecimento de evolução. Mas estamos ainda no inicio, e o nosso mundo es-
da Lei atingido por ele, em proporção ao desenvolvimento da tá cheio desses meios detestáveis. Agora, porém, podemos
sua inteligência, o que define, por conseguinte, a natureza e o compreender por que razão isto ocorre e qual é a sua função.
grau de perfeição das normas que dirigem o ser humano no Como age então o homem deste plano, que, preso no torno
momento atual. Expliquemos com um exemplo. da lei, nem por isso pode deixar de lutar para vencer o seu ini-
Se supusermos que o ser humano está situado no ponto A 3 migo? Em vez de lutar fisicamente, ele o faz numa nova forma,
da escala YX da evolução e que a forma dos seus vários bióti- com um advogado, um juiz de direito, um tribunal etc. A arma
pos possa oscilar, abrangendo uma amplitude que vai do nível que usa desta vez é a lei e, no uso desta arma, ele não desen-
limítrofe inferior, A2, ao superior, A4, isto é, da besta ao super- volve mais as suas qualidades físicas, mas sim as mentais. Eis a
homem, teremos três posições ou degraus evolutivos: A 2, A3 e diferença. Trata-se de uma violência diferente, mais requintada
A4, com diferentes graus de ignorância ou inteligência em cada e sutil, de uma outra estratégia de guerra e método para vencer,
um destes três pontos, proporcionais à compreensão e ao rela- mas sempre por meio de uma arma e da luta. Quem sabe prati-
tivo tipo de ética. Para simplificar e, assim, atingir uma clare- car esse método conforme as normas estabelecidas pela lei e
za maior, restringiremos o nosso campo de observação, foca- dar prova de ser inteligente o bastante para saber vencer com
lizando o aspecto básico da ética, isto é, o conceito de justiça. ele, pode, em plena justiça humana, impor o seu direito contra o
Veremos então que, nos três pontos: A2, A3 e A4, encontram-se vencido, sendo garantido pela lei, mesmo que essa vitória tenha
três diferentes tipos de ética, às quais correspondem três dife- sido fruto de engano, contanto que o vencedor tenha sabido fi-
rentes maneiras de conceber a justiça, segundo cada um dos car formalmente dentro das normas estabelecidas pela lei.
três planos: 1) O nível evolutivo da fera; 2) O nível animal- O resultado desse método é que, hoje, um homem hábil po-
humano; 3) O nível super-humano. de cometer roubos e crimes, desde que saiba ficar dentro dos
1) No plano biológico da fera, tudo pertence, em pleno di- limites da lei, sem cair na sua condenação. Esta é a forma pela
reito, ao mais forte que sabe vencer. O fraco vencido não tem qual, muitas vezes, o homem vai hoje desenvolvendo a sua in-
direito algum, nem ao menos à vida. Esta é a ética que vigora teligência. E na psicologia das massas há até uma secreta admi-
neste plano, proporcionada à capacidade de entendimento do ração, ou mesmo inveja, por esse tipo de vencedor, que corres-
ser que vive nele. É a lei da luta pela vida para a seleção do ponde aos instintos ainda vigentes. A sociedade o condena, se
mais forte, segundo a qual a justiça consiste no triunfo absoluto ele é perigoso para ela, mas admira a sua habilidade, se for
do mais forte e na destruição do mais fraco. Esta é a lei da fera, vencedor, respeitando nele a astúcia, que é para o involuído
constituindo a sua justiça, porque este é o método pelo qual ela prova de inteligência, enquanto, para o evoluído, é prova de ig-
realiza a sua evolução. Outro método a fera não poderia enten- norância. Se tal indivíduo, porém, der prova de não possuir esta
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 73
habilidade, ele é condenado e punido, porque, neste caso, torna- o método humano hoje vigente não esteja certo. O princípio é
se culpado. Mas culpado de quê? Culpado de não ter sabido que “tudo está certo, quando se encontra colocado no seu devi-
vencer usando a astúcia humana, porque este é o método que a do lugar”. Assim, o atual método humano está certo, mas so-
maioria aceita e exige, para substituir o outro mais atrasado da mente se o colocarmos no nível biológico ao qual ele pertence,
violência física. O método atual é diferente, mas a forma men- reconhecendo que o seu devido lugar é na 2 a, e não na 3a das
tal permaneceu a mesma do nível precedente. Ai de quem se três posições que estamos aqui observando, de maneira que fi-
mostra fraco! Eis o conceito de justiça nesse plano. que colocado não no plano da verdadeira justiça, 3 a posição,
Existem as leis e as suas normas, dentro das quais tem de fi- mas sim no plano da força disciplinada em forma de direito e
car preso um ser com instintos às vezes ainda selvagens, que, legitimada pela lei, 2a posição. Não há dúvida que tal método
aguçando o engenho, vai procurando todas as escapatórias para representa uma necessidade em nosso mundo atual. Mas por
se evadir da ordem, a fim de vencer e dominar. As leis estão quê? Porque o nosso mundo pertence àquele nível evolutivo. E,
disponíveis, mas quem as movimenta, obedecendo ao impulso de fato, tão logo subamos a um plano mais adiantado, aquele
interior dos seus instintos, é o interessado. A ele pertence a ta- método se torna absurdo, injusto e inaceitável.
refa de colocar em ação a justiça, que, se não for posta em mo- No plano biológico super-humano vigora outro princípio,
vimento, permanece quieta e não defende quem não sabe de- que, exigindo uma outra forma mental, é impossível de ser rea-
fender-se. Tal justiça não vai contra a lei de luta e evolução, e lizado com a forma mental do comum biótipo humano atual.
esta exige que o indivíduo saiba vencer, se não quiser sofrer o Em nosso mundo, quando um homem é condenado pela lei hu-
dano da derrota. Então esta justiça depende muito da inteligên- mana, adquire-se com isso o pleno direito de persegui-lo, desa-
cia do queixoso, dos recursos que ele possui para poder esco- fogando contra ele, em nome da lei e da justiça, nossos instintos
lher o melhor advogado, das provas que a habilidade do seu de- de agressividade. Em um nível superior, pelo contrário, ele é
fensor saberá encontrar e da defesa que ele saberá construir julgado um ignorante, que, por não saber o que faz, fere-se a si
com elas, para que o juiz se convença de uma maneira favorá- próprio com suas mãos, precisando por isso ser ajudado a com-
vel, e não ao contrário. Há nisso todos os elementos de um due- preender o quanto está arruinando a si mesmo, com o mal por
lo entre indivíduos armados, porém disfarçado em outra forma, ele praticado. Em nosso plano, preocupamo-nos muito com a
constituída pela mesma substância e dirigida pela mesma psico- sanção punitiva, porque contamos somente com as nossas for-
logia de luta. Quem perdeu é condenado porque perdeu, e quem ças para a sua atuação, e não com a lei de Deus, enquanto o
venceu tem razão porque venceu. Então a culpa maior, como próprio culpado acredita que basta escapar às leis humanas para
em todos os duelos, é se ter deixado vencer. estar quite e livre. Mas, num plano superior, o conceito de san-
São as regras do duelo que estabelecem onde está a justiça. ção é completamente diferente, porque depende de outros ele-
Se um indivíduo, sendo culpado, não sabe escapar à acusação mentos. Quem conhece a Lei sabe, como já explicamos bastan-
de culpa ou, sendo inocente, é incapaz de demonstrar a sua ino- te, que sua reação punitiva é automática, funcionando por si
cência, então é consoante a justiça que ele seja punido. Tal con- mesma, sem a intervenção de ninguém, porque está contida no
ceito autoriza como legítimo o desabafo dos instintos de agres- próprio erro e em quem o praticou, de modo que a pena não
sividade que ainda sobrevivem no homem, consequência da de- chega de fora, mas vem de dentro do culpado, que a movimen-
sordem do passado, quando todos indivíduos eram inimigos na- tou e não possui, contra ela, qualquer defesa ou possibilidade
turais entre si. A função da lei deveria ser regular tal desafogo. de saída. É lógico que, para o homem míope, ainda incapaz de
Ele, porém, fica praticamente lícito, quando é realizado dentro entender tudo isto, seja necessário o código penal, armado de
dos limites daquela lei, tomando a forma que se chama de justi- sanções imediatas e concretas, aptas a provocar um dano sensí-
ça. Então basta encontrar o homem fraco e simplório, desprovi- vel ao culpado. Mas este método é primitivo e falaz, porque o
do de recursos e inteligência para se defender, para que todos juiz pode errar, a lei pode ser enganada e o condenado pode
possam aproveitá-lo à vontade, ficando nos limites da justiça. fugir, evadindo-se das sanções. Num plano superior, não é mais
Esta foi, antes do aparecimento do Evangelho, a fase bíblica do aceitável um método de justiça tão imperfeito assim.
homem: “Quem foi visto culpado contra a lei, seja apedrejado”. Naquele plano, não há mais lugar para este tipo de punição,
3) No plano biológico super-humano vigora um conceito de que, apesar de coberta com a roupagem da justiça legítima, tem
justiça completamente diferente. Aqui foi superado e desapa- sabor de vingança. Nele vigora, pelo contrário, o princípio do
rece completamente o principio animal da luta pela seleção do perdão, que ainda não pode ser praticado no atual nível humano,
mais forte, inclusive daquela realizada por meio da lei, usada porque, sendo este plano dominado pelo método da luta e pelos
como arma, tal qual um guerreiro empunhando a espada, cujo respectivos instintos, o criminoso, tão logo não encontrasse mais
poder, inerte por si só, depende da força do lutador. Neste pla- resistência de força armada no lado oposto, aproveitaria esse fa-
no superior, o mais forte é o mais justo e a justiça é justiça, e to e não teria mais freio, pois ele só consegue enxergar a puni-
não o resultado de uma luta que, apesar de legitimada por uma ção próxima e tangível e, na sua ignorância, não vê a outra, mui-
lei na qual se estabelecem as regras do jogo, permanece sem- to mais justa, porque saída das mãos de Deus, e temível, porque
pre num plano inferior. Se, no nível humano, ser inocente não a ela ninguém pode escapar. Quem não sabe disto acredita que
tem tanto peso quanto saber parecer inocente – à semelhança perdoar signifique deixar o inimigo vencer, pois isto, no plano
de um duelo, onde mais do que na justiça, o peso está de fato da luta, é perda e culpa. Mas quem conhece a Lei sabe que per-
na habilidade do duelista – pelo contrário, no plano super- doar significa entregar o ofensor nas mãos de um juiz muito
humano, a balança da justiça é equilibrada e corresponde ao mais exato e poderoso, à justiça do qual não há como fugir.
merecimento, não sendo possível colocar a espada num prato Nessa justiça, a punição não é um simples desafogo dos ins-
para substituir o peso do mérito. O princípio da força, como tintos de agressividade, condição que excita no lado oposto a
desafogo dos instintos de luta, não existe mais neste nível. Não reação do duelista, pois este, ao receber o choque, procura por
basta, então, obedecer às normas estabelecidas pela lei, para sua vez devolvê-lo, gerando assim um interminável atrito, co-
que a força se torne justiça, o direito garanta e o uso do poder mo acontece em nosso mundo, na luta entre os criminosos e a
pelo mais forte se torne legítimo. lei. No conceito de justiça desse nível superior somente é admi-
Neste plano super-humano, a lei do mundo tem um valor tido, justificado pela necessidade imediata, o direito de afastar o
muito relativo e é substituída por uma outra, muito mais valiosa culpado que ainda não foi educado. Direito de isolá-lo, se ne-
e perfeita: a lei de Deus, que raciocina, calcula e atua de manei- cessário, porque a sociedade deve se defender do indivíduo que,
ra completamente diferente. Com isto, não queremos dizer que por inconsciência, torna-se perigoso. Nunca, porém, o direito
74 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
de fazer o mal. A verdadeira justiça não pertence ao homem, ponto de vista da moral pregada em teoria, há coisas que parecem
mas a Deus, que é o único a possuir o conhecimento necessário horríveis, mas que se justificam, quando chegamos a compreen-
para poder praticá-la. Neste plano vigora a lei do Evangelho, der a sua função na economia geral da vida e sua evolução. Tudo
dizendo: “não julgueis”, o que tira ao homem o direito de con- que existe, por mais feio ou pior que seja, é útil, porque, se exis-
denar e punir. Não há lei que possa autorizar a fazer o mal con- te, não é senão pelo fato de que, num sentido ou em outro, cum-
tra ninguém, mesmo contra quem, por não ter sabido defender- pre uma função. No fundo da desordem aparece uma ordem ma-
se dos seus erros ou não ter sido educado para não cometê-los, ravilhosa. Além da imperfeição do particular está a universal per-
foi julgado culpado. No nível biológico atual, apesar de ser feição da lei de Deus. É lógico que, nos baixos níveis da evolu-
conduzida com as armas civilizadas da legalidade, não existe ção, perto do AS, tenha de dominar o mal. Mas tudo é destinado
justiça, mas sim luta, na qual se trava um combate onde o cul- a subir, limpando-se sempre mais, esclarecendo, melhorando,
pado é quem não sabe vencer com tais armas. Quem pune em aperfeiçoando, até se tornar belo e bom ao atingir o S. Assim, es-
nome de tal justiça, julgando ser isto um direito seu, se fosse sa sucessão de éticas relativas em evolução tem a sua razão de
observado conforme os princípios desse plano superior, seria ser, pois representa a ascensão do mal para o bem, justificando-se
condenado, porque nunca se pode fazer o mal, e quem o faz como transformação necessária para chegar à salvação.
tem de pagar por isto, mesmo estando autorizado por todas as Observemos agora o mecanismo dessa transformação de um
leis civis, penais e religiosas. E, de fato, o nosso mundo conti- tipo de ética em outro. Aparecerá assim a realidade que está atrás
nua sempre pagando. O erro está no fato de que leis, juízes e das teorias. Poderemos então ver o que elas, na prática de nossa
tribunais estão situados no mesmo nível biológico do condena- vida, significam e quais são as verdades concretas, para nós mais
do, a quem cabe esta condição porque ele representa uma mino- tangíveis, que se escondem atrás da expressão gráfica de nossa
ria desorganizada, lutando contra uma maioria organizada e figura. Veremos, desse modo, que a cada nível de vida corres-
mais poderosa. Trata-se de um conflito entre dois duelistas, no ponde uma sua ética relativa, a qual vai evolvendo para a ética do
qual a vitória pertence ao mais forte, enquanto a verdadeira jus- plano superior. Cada uma dessas éticas, como veremos, tem a sua
tiça não pode descer senão de um plano superior, da parte de lógica, estabelecida em face do seu nível ou posição ao longo da
seres que, pertencendo a tais níveis, podem julgar, porque não escala evolutiva, sendo que, em um nível de existência superior,
estão dentro, mas fora e acima do conflito. não é mais aceitável, tornando-se erro e absurdo, em função do
Este é o conceito de justiça no nível super-humano, onde não outro trabalho evolutivo a ser realizado. Isto se verifica não so-
se realiza a seleção do mais forte, nem do mais hábil e astuto, mente, como vimos, a respeito da ideia de justiça, mas também
mas sim do mais honesto e bom. Então esse conceito, visto com para todos os conceitos que constituem a ética, estando eles tam-
a forma mental do atual plano biológico humano, é julgado uto- bém sujeitos ao processo evolutivo. Neste caminho, então, se to-
pia, porque pertence a outro plano, mais evoluído, sendo consi- marmos em exame os pontos A2, A3 e A4, será possível estabele-
derado sonho irrealizável, pois situado fora da realidade da vida. cer a respeito do homem, que supomos oscilar entre estas três po-
Ele permanece assim, como fizeram com o Evangelho, no terre- sições, três diferentes éticas relativas em evolução, às quais ele
no da pregação teórica. Nada, porém, pode impedir o indivíduo pode pertencer: a ética A2, a ética A3 e a ética A4.
que não sabe evoluir de ter de suportar as consequências da sua Cada uma delas contém os germes que se desenvolverão na
posição, estabelecidas pela lei do seu plano atrasado. O método ética seguinte, superior. Nessa transformação íntima, por len-
do código penal e do inferno nada resolve e, pela sua impotên- tos e sucessivos deslocamentos, através da contínua eliminação
cia, mantém tudo no mesmo nível da luta. Esta gera inimigos e de erros e defeitos, desenvolve-se o processo evolutivo, cujas
não soluciona o contraste. O método do Evangelho resolveria, fases de amadurecimento são expressas por essas diferentes
mas, com o seu cérebro atual, o homem não sabe compreendê-lo éticas, até que seja atingida a perfeição no S. Eis então porque,
para realizá-lo. Assim, o mundo ficará fechado na sua ignorân- no nível A2, onde reina a desordem e o caos, a regra justa, rela-
cia e nos seus sofrimentos, até que, com o seu esforço, consiga tivamente àquela posição, seja: “A vida do outro é a minha
quebrar esse circulo vicioso, no qual se encontra preso hoje. morte. Por isso, para eu viver, tenho de destruí-lo”. Tal é o mé-
Cabe ao homem o trabalho de desenvolver a sua inteligên- todo da luta, agressão e guerra da ética A 2. No nível A4, onde a
cia acima da sua fase elementar de astúcia, para compreender evolução atingiu um estado de ordem, a regra justa, relativa-
como é pueril acreditar que, possuindo recursos, habilidades e mente àquela posição, é: “A vida do outro é a minha vida, e a
artimanhas, seja possível impor-se à lei de Deus e, com tal mé- morte do outro é a minha morte. Assim, para eu viver, tenho
todo, escapar às suas sanções. Enquanto o homem permanecer de protegê-lo”. Tal é o método evangélico da colaboração,
nessa sua ignorância, terá de arcar também com os seus sofri- amor e paz, da ética A4. O princípio fundamental da Lei é que
mentos. Ele não terá paz até que se coloque em obediência na ninguém pode e, por isso, não quer renunciar à vida. Evolui,
ordem, mas não por uma virtude imposta à força com a ameaça porém, o método de defender essa inarredável necessidade de
do dano, e sim pelo espontâneo convencimento de quem en- viver, para atingir os supremos objetivos da evolução, voltando
tendeu ser essa a posição mais vantajosa e a única solução. Só ao S. É por isso que o método e a respectiva ética se tornam di-
neste nível, onde o egoísmo, o separatismo e a agressividade ferentes conforme os níveis ocupados pelo ser, que estabele-
são substituídos pelo amor, a colaboração e o perdão, não são cem esse método. Em nossos livros, estamos explicando o va-
mais necessárias as leis coativas humanas, filhas do método da lor e as vantagens da ética A4, a fim de que o homem, compre-
luta. Se a precedente era a fase bíblica do homem primitivo, es- endendo o absurdo e o dano de praticar a ética A 3, faça o es-
ta é a futura fase do Evangelho, que o super-homem praticará: forço para subir até àquela ética superior.
“Quem está sem pecado atire a primeira pedra”. A ética A2 é a ética da fera, cujo entendimento não pode ir
◘ ◘ ◘ além da lei da força. A ética A3 é a ética do ser animal-humano,
O objetivo das nossas explicações e demonstrações é oferecer que inicia o desenvolvimento da inteligência na sua forma mais
os meios para compreender esse novo mundo que terá de surgir baixa: a astúcia. A ética A4 é a ética do super-homem do futuro,
no futuro. Este trabalho também interessa porque nos oferece a que desenvolveu a sua inteligência até compreender a vantagem
possibilidade de ver, olhando a substância que está atrás das apa- de viver na ordem, com honestidade. O 1o degrau é o da besta,
rências, como de fato funciona o nosso mundo e as razões pelas do selvagem, do involuído delinquente. O 2o degrau é o da
quais ele funciona desse modo. É lógico que haja verdades bem maioria do homem atual. O 3o degrau é o do biótipo hoje ex-
escondidas, quando elas, para a luta, representam uma arma da cepcional em nosso mundo, o super-homem. Assim temos três
qual, por isso, ninguém quer dar conhecimento ao inimigo. Do níveis, correspondendo a três diferentes éticas: a da força, a da
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 75
astúcia e a da honestidade. Elas estão ligadas como momentos ender a lei mais vantajosa do plano superior, repelindo-a então,
sucessivos do desenvolvimento do mesmo processo, da expan- como fez o homem até hoje com o Evangelho. Então é provi-
são do mesmo impulso, que vai da luta à colaboração, da agres- dencial que ele sofra todas as consequências da sua atual inca-
são ao amor, da guerra à paz. A evolução vai assim reordenan- pacidade de compreender as vantagens de praticar esse novo
do a desordem do AS na ordem do S. método de vida, porque só o sofrimento lhe poderá abrir os
Em relação ao objetivo fundamental, que é a defesa da vida, olhos para ver, o que significa, para o bem-estar individual e
isto representa um rendimento sempre maior, atingido com um social, a ordem estabelecida pela lei moral do Evangelho.
esforço sempre menor. Este fato prova o que dissemos no fim Quando um evoluído do plano A4 aparece na Terra, abrindo os
do Cap. XI, isto é, que a evolução se torna cada vez mais fácil, braços ao homem do plano A3, como Cristo fez, o involuído o
quanto mais o ser, com o seu esforço, progride. agride, praticando esse seu método, porque, na sua ignorância,
A ética inferior contém os germes da superior, na qual eles acredita vencer com isso. Mas, de fato, ele agride a si próprio.
Quem teve e tem de suportar as consequências dolorosas de não
desabrocham e se fixam, desenvolvendo-se assim por diante em
ter compreendido e praticado o Evangelho é o próprio mundo,
todos os planos da evolução, até que sejam atingidos os seus ob-
que terá de continuar a sofrer até acabar entendendo a mensa-
jetivos. É o método da semente, na qual tudo está contido em es-
gem de Cristo. Cada ser está apegado à lei do seu nível, pela
tado potencial, para depois se tornar realidade. Também as feras,
qual é modelada a sua forma mental. E esta é a ferramenta que
no nível A2, conhecem os primeiros elementos da astúcia, assim
cada um utiliza para julgar, não existindo algo mais difícil de
como a presença em nosso mundo de leis civis, penais e religio-
vencer do que a ignorância de quem se julga sabedor.
sas revela os primeiros elementos do princípio de ordem e ho-
nestidade. É assim que, hoje, o Evangelho se encontra na Terra É lógico que o ser, emborcando-se com a revolta, tenha de fi-
somente como “boa nova”, como germe ou elemento preparató- car nessa cegueira e somente possa sair dela, para voltar ao co-
rio, como esperança, como fase apenas inicial do seu desenvol- nhecimento, conquistando-o de novo à sua custa, com o seu so-
vimento e como programa a realizar no futuro. Explica-se assim frimento e esforço. Enquanto o homem não sofrer o bastante, não
porque, depois de dois mil anos, o Evangelho é apenas um ideal irá entender nem querer praticar outro método senão o da força e
pregado, mas ainda não praticado em nossa vida. da astúcia, ficando assim sem nenhuma outra defesa, a não ser
aquela obtida com seus pobres braços e cérebro, abandonado a si
Observemos a evolução da ética nestes seus três pontos su- mesmo, porque, na sua ignorância, nega a Lei e não sabe movi-
cessivos. Cada um deles é superior ao precedente. A astúcia da mentar as alavancas do merecimento e da justiça. Assim, pelo so-
ética A3 é qualidade mais sutil e refinada do que a força da ética frimento, tudo vai-se desenvolvendo em plena lógica.
A2. A honestidade da ética A4 é mais adiantada e inteligente do Esta é a posição de nosso mundo atual. A cegueira foi o me-
que a astúcia. A cada um desses passos para o alto, diminui o es- recido fruto da revolta. Por isso, até que tenha pagado com o
forço da luta e do sofrimento, abrindo-se mais a compreensão da seu sofrimento o resgate, o homem não poderá entender o
mente, que representa o poder maior. Com a evolução, o ser vai Evangelho e, assim, ele mesmo irá repelir a solução dos seus
cada vez mais entendendo a vantagem de viver na ordem, que males e o remédio para as suas dores. Portanto, enquanto, pelo
representa o estado perfeito, onde acabarão luta e sofrimento. seu próprio esforço, o homem não tiver merecido subir ao nível
Tudo isto o ser vai aprendendo por sofrer as consequências do- A4, ele julgará o Evangelho uma utopia irrealizável, que, como
lorosas da desordem, até se aperceber que esta é a causa e, as- tal, não pode ser levado a sério. Desse modo, continuará erran-
sim, eliminá-la. O ser sobe a níveis superiores, quando aprende do e, com isso, ofendendo a Lei, pelo que, por lógica conse-
que o método do nível inferior lhe produz sofrimento e que não quência, terá de continuar pagando, até compreender.
lhe convém mais segui-lo, entendendo a utilidade de fazer o es- ◘ ◘ ◘
forço necessário para atingir um plano de existência mais adian-
A tarefa de desenvolver a compreensão é uma das mais im-
tado. Uma vez que o ser é automaticamente repelido pela dor do
portantes do processo evolutivo. O homem pode fazer o bem
AS e atraído pela felicidade do S, ele não pode sair da necessi-
ou o mal, mas não pode parar no seu caminho evolutivo. Por
dade de cumprir esse esforço. Assim a evolução se torna irresis-
isso o mundo não tem paz e, qualquer coisa que se faça, tudo
tível, quase fatal, como é necessário, porque, se não fosse atin-
se resolve sempre em aprender uma lição. Se ele agride, isto,
gido o objetivo supremo da Lei, que é levar o ser para a salva-
em substância, é para aprender, através da reação dolorosa
ção, a vitória seria da revolta, e não de Deus, cuja obra (S) fra-
subsequente, a estrutura da Lei, que, com a dor, corrige o erro.
cassaria no AS pela vontade do rebelde, e este, conseguindo
Somente os simplórios podem acreditar que se possa vencer
substituir o S pelo AS, seria mais poderoso do que Deus.
verdadeiramente. De todas as vitórias humanas, somente fica
Muitos se queixam em nosso mundo de que a vida é dura, de fato o que foi aprendido na luta com o nosso esforço. Só is-
sendo grande o anseio para sair do sofrimento. Mas isto acorda a to tem valor, porque representa um meio para evoluir. Em si
mente do homem, para ele se evadir dessa situação, fazendo-o es- mesmas, as vitórias são miragens, cuja tarefa é atrair o indi-
tudar outros métodos. Uma vez que o emprego da força é áspero víduo, a fim de que o esforço seja feito. Uma vez sendo movi-
e perigoso, levando a consequências dolorosas, procura-se então do pelos seus instintos insaciáveis, ninguém pode parar e, as-
usar o método da astúcia. Mas este também é difícil, podendo le- sim, também não pode deixar de cometer erros, provocando
var a erros, derrotas e sofrimentos. Assim, na busca desesperada com isso, a cada passo, a reação da Lei. Isto representa uma
de uma solução, o homem elabora as leis, estudando outro cami- escola contínua e automática, na qual o mestre – a Lei – age de
nho, através da organização e da colaboração, com a regulamen- forma interior ao aluno, que, por isso, não podendo fugir, tem
tação dos direitos e deveres, para chegar à convivência pacífica, de escutar e aprender. A vida é uma escola para aprender, e
estado que atrai, porque representa um bem-estar maior, exigindo cada indivíduo ou povo conhece as lições que a sua história lhe
menos luta e sofrimento. Nessa procura se desenvolve a inteli- ensinou. Trata-se de um conhecimento duramente conquistado,
gência, que chega assim a compreender a vantagem de saber vi- adquirido com lutas sangrentas, que só deixaram vivos os ven-
ver com honestidade na ordem. Paralelamente, este trabalho des- cedores. Tal patrimônio representa o capital possuído por todo
trói a ignorância, à qual são devidos os erros e sofrimentos. indivíduo ou povo, que podem utilizá-lo como um instrumento
Se o ser não fosse constrangido pela dor a procurar um sis- para se adiantar, cada vez mais, na sua evolução.
tema de vida melhor em uma lei mais elevada, ficaria para Já dissemos que tudo está certo, se colocado no seu devido
sempre estagnado no seu nível inferior, uma vez que o indiví- lugar. Tudo o que existe é útil e, num sentido ou noutro, cumpre
duo aí situado, enquanto não se desenvolver, não pode compre- uma função. Ora, quando o biótipo comum, seguindo a forma
76 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
mental do seu plano, agride o homem evangélico, que excepcio- Foi assim que o ser pôde passar do nível da fera, onde se
nalmente desce dos planos superiores à Terra, ele usa com isso a conhece apenas a força, ao nível do homem, no qual, para vi-
sua linguagem de biótipo A3, iniciando assim a sua conversa ver, o ser não é mais constrangido a desenvolver os seus mús-
com aquele homem, que lhe parece demasiadamente estranho. culos, dentes e garras, mas sim a mente e o sistema nervoso,
Então o agride e, se pode, também o mata, seguindo a lei da se- porque a inteligência se tornou a qualidade mais útil para ven-
leção que vigora no seu nível. Esta é a sua vitória, e é nisto que cer. O fato de que o ser, aprendendo a movimentar-se com as-
ele, com a sua forma mental, coloca todo o seu valor. Age nele o túcia no complexo labirinto da organização moderna, pode
ser inferior, executando num primeiro momento a parte que lhe triunfar na luta pela vida e sobreviver, sem ter mais de matar e
pertence. Mas, com essa forma inferior de comunicação, que é a devorar o próximo, prova que a inteligência pode substituir a
única linguagem que ele conhece, ele, sem querer, estabelece força, dirigindo-a para um caminho novo, até agora inexplora-
um contato com o ser superior, sacrificado por ele, iniciando um do, o que poderá, nos mais adiantados, com o desenvolvimento
contato que vai acordando os primeiros sintomas do pressenti- da consciência, orientar o ser na direção da espiritualidade. O
mento da existência de um plano de vida mais alto. Eis então mundo está se encaminhando para o estado orgânico do nível
que, num segundo momento, o biótipo A3 coloca o mártir – A4, que garante a vida e representa a defesa do super-homem,
agredido e morto por ele, em nome de uma lei inferior – nos renunciando ao método da força e da astúcia.
monumentos e nos altares, elogiando-o e venerando-o em nome Eis o nosso passado, presente e futuro. Esta é a direção para
de uma lei superior, que começa a aparecer. Desponta assim onde caminha a evolução. As leis civis, penais e religiosas que
uma vaga intuição de um mundo superior, que, estando acima nós possuímos, apoiadas no método da força do plano A2, re-
do nosso, é, por palavras apenas, respeitado, adorado e pregado, presentam um método para educar o indivíduo do plano huma-
mas não realizado e vivido. Não obstante, este é o primeiro pas- no A3 a se tornar um cidadão do plano A4, ensinando-o a viver
so para a sua compreensão e posterior realização. A vítima, por na ordem. Nesta condição, a força ainda não desapareceu, po-
sua vez, cumpre a sua função, não somente de impulsionar o rém é chamada a sustentar a ordem, conforme as regras estabe-
progresso dos inferiores que a sacrificaram, ensinando-lhes com lecidas. Há, no entanto, os períodos de guerra, nos quais o indi-
o seu exemplo uma lei diferente da sua lei feroz, mas também víduo do plano A3 volta a funcionar no seu estado anterior de
de, com o seu sacrifício, confirmar a sua natureza de ser superior fera, no plano inferior A2, que se baseia na força. Nestes perío-
e a sua posição naquele plano, fortalecendo-se e preparando-se dos, continuam a emergir no plano A3, no qual se estabelece a
para subir ainda mais. Eis então que, neste contraste entre o vida social civilizada, os impulsos daquele nível inferior, que,
princípio de agressão e de sacrifício, tudo foi útil para realizar constituindo o fundo animal da natureza humana, são desperta-
uma função de desenvolvimento. Isto se deve ao fato de haver, dos pela guerra. Por outro lado, nos períodos de paz, quando
atrás de cada fenômeno, a sabedoria da Lei, dirigindo tudo com reina a ordem das leis, são realizados os passos para frente na
lógica e bondade, condição pela qual nada pode acontecer que obra da construção da ordem do nível A4. Infelizmente, porém,
não seja inteligentemente orientado para o bem. o caminho é lento e cheio de contrastes, porque o homem ainda
Pelo mesmo princípio, justifica-se a presença de muitas coi- não está maduro para viver na ordem, sendo levado assim, por
sas feias que vemos em nosso mundo. Antes de tudo, elas são insistir no método da luta, a transformar tudo em meio de ata-
apenas transitórias, destinadas a serem corrigidas, cumprindo, que e defesa. No entanto, apesar de tudo, com a lei, já existe
no entanto, a função de ensinar ao ser, porque permitem que ele neste plano A3 o germe da ordem, embrião que se desenvolverá
possa experimentar e, assim, aprender, embora isto ocorra por até à sua plenitude no plano A4, no qual, ao invés de se utilizar
meio da dor. O próprio método da astúcia e do engano, que o da força ou da astúcia, a lei funcionará pela livre adesão do
mundo condena com palavras, cumpre a tarefa de permitir a su- homem convencido e consciente. Este será o maior progresso.
peração do método inferior da força, ao qual aquele se substitui, Existem ainda muitos que acreditam no método da violência, e
começando assim a levantar o ser do plano da luta física ao a sua maior glória é, empregando-o, serem os vencedores. E
plano superior da inteligência e da bondade. Podem surgir as- podem, de fato, vencer assim, mas, desta maneira, o seu reino
sim as leis, com a tarefa de educar o homem no sistema da ho- se torna um inferno, no qual o ser civilizado não aceita mais vi-
nestidade, o que significa entrar no plano biológico A4. Não se ver. E quem pode convencer um escorpião ou uma cobra que a
pode subir senão por degraus sucessivos, sendo impossível es- sua função é horrível? Para eles, aquela é a sua própria vida,
calar o degrau seguinte senão depois de ter galgado o preceden- toda a vida, porque é a única que eles conhecem. A verdade é
te, do qual o novo deriva por continuação do processo evoluti- relativa e em evolução. O ser está imerso nessa relatividade e
vo. O aperfeiçoamento não pode ser descontínuo nem improvi- não pode compreender senão o que está abaixo de si, que repre-
sado, pulando as passagens intermediárias. Assim não seria senta o caminho já percorrido por ele através das experiências
possível destruir o método da força sem possuir um método vividas. Cada ser não pode entender mais do que aquilo que
afim para substituí-lo, que, neste caso, está na astúcia e no ganhou, subindo com o seu próprio esforço. A verdade absoluta
engano. No caminho da evolução, não é possível saltar do pla- e imóvel – a visão completa – que abrange todas as verdades
no A2 ao plano A4 sem ter de atravessar o plano A3. relativas atravessadas no caminho, não poderá ser atingida se-
Então, também quando, como astúcia, entendemos a arte de não com o retorno ao S, o ponto final da viagem.
intrujar o próximo, temos de admitir que a vida cumpre uma Eis de que maneira tudo está funcionando, e vimos por que
função útil. Não estamos defendendo a baixeza do homem, mas razão. Falamos da mentira, porque o fingimento representa, as-
a sabedoria da Lei. Trata-se de atividades bem desprezíveis, no sim diríamos, a forma subterrânea que a luta pela vida tomou
entanto como poderia o homem, sem as mesmas, ter começado em nosso mundo atual. A força hoje, pelo menos na sua mani-
a se afastar da lei da força e do estado de fera, plano ao qual ele festação entre indivíduos, é teoricamente condenada, sendo
pertencia anteriormente? Temos, então, de reconhecer, apesar substituída pelo direito. Este, no entanto, ainda não existe no
de situada num nível bem atrasado, a função biológica da men- terreno internacional e, enquanto os litígios se resolverem com
tira. Além disso, ninguém pode renunciar a essa arma, porque armas e guerras, permanecerá na fase embrionária de tentativa.
ela é necessária para se defender num regime de luta. Portanto A astúcia é o método normalmente aceito na prática. Assim, as
não foi possível tirar de uma só vez das mãos do indivíduo a nações, pregando paz e sustentando o direito, preparam as guer-
arma da força, a única que ele possuía, sem lhe deixar outra ras. Das leis os astutos e poderosos sabem escapar. E quem, de
arma para se defender. Tudo o que se pode exigir é que ela seja fato, acredita nas religiões? Atrás das tão bonitas aparências
mais refinada e inteligente, o que significa evolução. que estão na vitrina para a gente de boa fé acreditar, a realidade
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 77
escondida é outra, pois, enquanto houver os simples ignorantes, como, no nível da força, a honra maior é ser o vencedor pela
haverá também quem os explore. Assim como, no nível da for- força, também o maior valor do homem, no nível da astúcia, es-
ça, a lei da evolução impunha a seleção do mais forte com a tá em saber enganar o próximo, para tirar dele a maior vanta-
destruição do mais fraco, a mesma lei hoje, no nível da astúcia, gem. Assim como cada bicho conhece a sua defesa, cada plano
também impõe a seleção do mais inteligente, através da elimi- também possui a sua sabedoria e o seu conceito relativo de res-
nação do mais simplório. Ninguém pode parar no caminho da peitabilidade. Este é o verdadeiro jogo da vida, e, para quem o
evolução, mesmo agora, quando se subiu a um nível mais alto. pratica, é interessante escondê-lo, a fim de possibilitar que mais
Assim como um dia foi necessário ser forte para sobreviver, gente caia na rede. Por isso eles são os que mais procuram
agora é necessário ser inteligente. Evidentemente, trata-se ainda aproveitar da ingenuidade alheia e que mais interesse têm em
de uma inteligência caótica e mal dirigida, cuja aplicação resul- ganhar sua confiança, mostrando-se honestos, religiosos e chei-
ta em erros, que o mundo tem de pagar, como está de fato pa- os de virtude. Serão eles, então, os que mais sustentarão os ide-
gando a cada passo. Assistimos assim ao desmoronamento con- ais que exigem fé e sacrifício, para tirar vantagem do rebanho
tínuo de tantas das suas construções, porque tudo o que é edifi- dos que acreditam neles. A ação do vencedor é sempre no sen-
cado pela inteligência sem o cimento da bondade, está destina- tido de ensinar apenas aquela verdade que mais lhe convêm, es-
do, mais cedo ou mais tarde, ao fracasso. condendo e apagando todas as outras.
Assim, através desta luta de cada um contra o outro, todos Vemos assim, de acordo com a posição de quem comanda,
juntos cumprem o mesmo trabalho de se impulsionar para fren- mudar o conceito de honra e dever, envolvendo diferentes ver-
te. Quem ficou enganado sofre, e isto constitui o mais enérgico dades. E não faltam bonitas teorias para justificar tudo isto em
convite para pensar, aguçando a sua inteligência, a fim de não nome das coisas mais altas, como a justiça, a religião e até
cair mais no engano. Na luta se afiam as armas, o que estimula mesmo Deus. Para elas é deixado o trabalho de pensar no bem
o desenvolvimento. Cada um é, ao mesmo tempo, mestre e alu- dos povos, que, na prática, têm de realizá-lo com o seu próprio
no do vizinho, cada um ensina e aprende, todos carregando as esforço, apesar desta tarefa, em teoria, pertencer aos governan-
suas experiências e lições recebidas, construindo com elas o seu tes. A verdade real, que ninguém ensina, porque é interessante
patrimônio de conhecimento. No entanto, continuando assim mantê-la escondida, cada um tem de descobrir por si mesmo,
neste duelo, os dois lutadores do método da astúcia acabam, por com a sua mente, desenvolvendo deste modo a inteligência. É
fim, entendendo que convém mais para todos pôr um término natural que, num regime de luta, cada um procure disfarçar as
neste duro e perigoso estado de guerra e insegurança, no qual suas armas e estratégia. Cabe à parte oposta conseguir descobri-
sempre há quem perde e sofre. Começa a despontar assim a las. Eis a razão pela qual a mentira não deixa de existir no
compreensão da vantagem de se diminuir as mentiras e os en- mundo, uma vez que ela faz parte integrante do sistema de luta
ganadores, tormento universal, e de se impor como método a no nível humano. Cada um tem de estudar e aprender o jogo,
sinceridade e a honestidade. Cada um se lembra do mal recebi- descobrindo o engano, para não cair nas ciladas. Mas, enquanto
do pela traição do mentiroso, e o instinto da autopreservação houver ovelhas, haverá também lobos e, enquanto houver víti-
leva todos a procurar e cercar tal tipo maléfico, a fim de isolá-lo mas, haverá carrascos, assim como, enquanto houver quem
e eliminá-lo. Ele pode ter vencido, mas acumulou ódio e terror acredite de boa fé, haverá quem procure enganar.
ao seu redor. Os escorpiões e as cobras venenosas também pos- Haverá, em nosso mundo, alguém que se apresente como é,
suem uma arma terrível para vencer. Mas quem não odeia e com toda a sinceridade? E, por ventura, existe alguém que não
procura destruir esses bichos maléficos? Assim, o homem aca- seja levado a aproveitar os pontos fracos do próximo, quando
bará destruindo-os, enquanto cria, como seus companheiros, os consegue descobri-los? Assim, quem se expusesse estaria per-
bichos mansos, que se deixam domesticar. dido. Tudo isto é natural no nível A3, correspondendo aos ins-
Isto prova que a vida pode ser defendida também com as tintos, que, fruto das duras experiências passadas, constituem
armas da mansidão. Os enganadores podem prosperar numa so- uma verdade axiomática, com a qual a maioria concorda espon-
ciedade primitiva, que se encontra apenas no início do desen- taneamente. Assim é a ética desse plano, porque a vida precisa
volvimento da inteligência. Porém, quanto mais aquela socie- deste método para alcançar o seu objetivo, que é o desenvolvi-
dade evolui do nível A3 ao A4, tanto menos haverá nela lugar mento da inteligência. E, de fato, os astutos, para obter o domí-
para tal biótipo involuído, que usa a inteligência só para sua nio, já a desenvolveram, e, agora, o esmagamento que eles pra-
vantagem e dano do próximo. Não é o que a civilização e o ticam vai desenvolvendo a inteligência dos ingênuos. Os que
progresso estão sempre procurando fazer? Tudo isto é automá- sabem fazem o trabalho de ensinar aos que ainda não sabem, fi-
tico e fatal, porque se encontra contido nos princípios da Lei. cando assim os mais inteligentes, automaticamente, encarrega-
Não se admire o leitor se, para tais transformações, estamos dos de desenvolver a inteligência dos ignorantes.
procurando apoio nos recursos da Lei, e não nos da boa vontade Assim, as classes sociais ou povos inferiores aprendem e
e inteligência do homem. Chegar a possuir tais qualidades será sobem, imitando e amadurecendo, até que um dia se revoltam e
o resultado da luta, e não o meio para dirigi-la e resolvê-la. Se a chegam a ocupar o lugar dos dominadores, tal como sucedeu na
direção do processo evolutivo tivesse ficado nas mãos do ho- história da Revolução Francesa, do bolchevismo, do império
mem, tudo teria fracassado há muito tempo. A sua conduta é romano e do colonialismo inglês. No final das contas, na sabe-
um efeito, e não uma causa. E este princípio, do que tudo mais doria da vida, são os dominadores que trabalham a serviço dos
depende, não pode estar senão no único lugar onde há conhe- dominados, pois, na verdade, enquanto mandam, ensinam aos
cimento, honestidade, justiça, poder etc., isto é, em Deus. seus subordinados como dominar. Há uma complementaridade
Quem quer um apoio firme, não sujeito a lutas, enganos e mu- entre os dois grupos. Se a vida permite a maldade do engano,
danças, não o pode encontrar algures. isto se verifica porque ele é útil para acordar a mente do ingê-
Assim, vai-se verificando em nosso mundo este dúplice jo- nuo. Quanto mais os enganadores praticam o seu jogo, tanto
go, onde tudo é liso e lindo na superfície, mas esconde no fun- mais rapidamente e melhor os enganados o aprendem em seu
do uma tremenda realidade de luta feroz. O homem nasce inex- proveito. Deverá assim, por este caminho, ser alcançado o pon-
periente, acreditando nas aparências, e morre astucioso, conhe- to em que tal jogo não será mais possível, uma vez que todos os
cedor de todas as sagacidades e de todos os artifícios da vida, simplórios desaparecerão, vencidos e eliminados, deixando de
que aprendeu à sua custa, sempre tomando cuidado para não existir porque se tornaram astutos. Tanto no nível A3, da astú-
dar a conhecer esta arma secreta. Na prática, o honesto é julga- cia, como no A2, da força, a vida cumpre o seu trabalho de sele-
do um simplório que não sabe fazer os seus negócios. Assim ção e de limpeza, libertando-se dos ineptos. O caso triste é
78 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
quando desce na Terra um biótipo do nível A4, pois a tendência controle da verdade teórica, colocando-a em contato com os fa-
é ele ficar sujeito a uma luta contínua, a qual não apenas atrapa- tos, para confirmá-la. Esse é o nosso método.
lha o seu trabalho, tão mais útil e alto, mas também é estúpida Observemos, então, as diferentes condutas que o ser, con-
para ele, que não precisa dela para desenvolver uma inteligên- forme a respectiva forma mental de cada um dos planos de vi-
cia que já possui. Assim, pode acontecer que um gênio explo- da, assume nos níveis A2, A3 ou A4. Como já vimos, cada ní-
rador, em vez de empregar a sua inteligência para realizar suas vel tem o seu tipo de ética, em função da qual varia a maneira
descobertas, seja constrangido a usá-la para se defender dos la- particular de se conceber as coisas. Já estudamos esse fenô-
drões, que buscam lhe furtar tudo. meno relativamente ao conceito de justiça. Vamos agora exa-
Uma das conclusões práticas, derivada de tais observa- miná-lo em relação à maneira pela qual são concebidos dois
ções, é que a solução do problema da justiça social, dos des- fatos fundamentais de nossa vida: o problema econômico e o
níveis econômicos e da independência das classes ou dos po- problema religioso. Logicamente, com a evolução de um ní-
vos submetidos apenas pode ser alcançada, se eles, com o vel biológico a outro superior, mudam não só a respectiva éti-
exemplo dos seus dominadores, aprenderem a lição. Para su- ca, mas também a forma mental, transformando-se, com isso,
bir, eles têm de fazer o esforço que os dominadores fizeram, a a visão das coisas e o respectivo comportamento. Só assim se-
fim de conquistar a sua posição de domínio. Para vencer e go- rá possível compreender a razão pela qual este, na prática,
zar do fruto da vitória, é necessário trabalhar, valer e merecer. toma a forma que observamos e ver o que está atrás das apa-
Neste nível também, só há lugar para os vencedores. Aos ven- rências, feitas mais para enganar do que para esclarecer. Ve-
cidos, o azorrague da dor, para que eles se tornem vencedores. remos os conceitos de S e AS, aparentemente tão longínquos
Tal é a justiça deste plano, pela qual se legitima a presença do nosso mundo, reaparecerem nele a cada passo, como reali-
dos astutos, para ensinar aos ingênuos, e a presença destes, dade de fundo, sustentando e explicando os fatos na superfí-
para serem educados. Assim como, nas doenças, os micróbios cie, com os quais nos deparamos. Procuramos assim abrir o
invadem o ponto fraco do organismo doente, convidados pela caminho para que a teologia, a filosofia e a ética possam tor-
sua debilidade, é natural que os astutos também acorram aon- nar-se ciências positivas, passíveis de observação e experi-
de haja os simples, cuja ignorância é um convite para que eles mentação, e não somente de abstração teórica.
possam cumprir a função inerente aos mais adiantados, esti- Vejamos o problema econômico. Assim como, em cada
mulando a evolução dos mais atrasados. um dos níveis A2, A3 e A4, existe uma ética diferente, há tam-
Pelo mesmo princípio, o super-homem do nível A4 procura bém uma correspondente maneira de encarar o problema eco-
levantar os homens do plano A3, ensinando aos astutos a supe- nômico, que diz respeito aos recursos necessários à vida e ao
rar tal método, para substituí-lo pelo da honestidade. Àqueles esforço necessário para procurá-los. Todos os seres necessi-
que procuram escapatórias para se evadir, há o azorrague da tam dos meios indispensáveis para viver e têm, por isso, de
dor. Sempre há evolução, seja com o engano dos astutos, para lutar para buscá-los. Eis que, também nos planos biológicos
acordar a mente dos ingênuos, seja com a sabedoria do evoluí- mais baixos, já existem em estado de germe os primeiros ele-
do, para iluminar os astutos, deixando-lhes entender quanto seja mentos do mundo econômico.
contraproducente o seu método de intrujar a todos. No plano A2 ocorre o trabalho para buscar aqueles meios,
Se mostramos as chagas do nosso mundo, não é para agredir mas só em forma individualista e caótica. Aí não existe ainda
ou destruir, mas para subir. Se indicamos o erro, não é para nenhuma disciplina ou organização, nem atuam as leis econô-
condenar, mas para não cometê-lo mais. Que grande utilidade micas, como oferta, troca, capital, previdência etc. A evolução
representaria substituir às dolorosas consequências da atual avança da desordem para a ordem. A economia do animal é de
comédia humana, filha da inconsciência, pela vantagem de pra- simplicidade máxima. A fera obedece ao estímulo provocado
ticar, com inteligência, outro método de vida, aquele utilizado pela fome momento a momento e, assim impulsionada, movi-
por quem conhece e segue a lei de Deus! menta-se automaticamente para agredir outros animais e procu-
Assim, tudo vai evoluindo e tudo concorre para promover a rar o alimento. Uma vez saciado o estômago, ela desconhece
evolução. Todos os seres, em todos os níveis, estão presos na qualquer outro trabalho e não faz mais nada, permanecendo no
engrenagem do processo evolutivo. Eis qual é, a respeito do ócio. Não economiza nem prevê o amanhã, desperdiçando tudo
nosso nível, a realidade contida no esquema gráfico de nossa que não serve no momento. Além do esforço necessário para
figura. O nosso século está fazendo esforços evolutivos em to- agarrar a presa, a fera nada mais faz. No seu estado primitivo
das as direções. A evolução vai do método da luta ao do amor, de fera na floresta, tudo depende do impulso fundamental da
do esmagamento à colaboração, do sistema do direito do mais vida, que quer continuar e, por isso, impele o ser a se movimen-
forte ao da defesa dos bons e honestos. A tendência universal, tar na procura do que lhe é necessário para esse objetivo. De
igual nas duas partes opostas do mundo, é proteger e instruir todo o restante o ser nem sequer toma conhecimento, porque
as crianças, dar abrigo aos idosos e desamparados, emancipar a esta parte está fora do alcance da sua forma mental.
mulher, sustentar os pobres, reconhecer o direito de todos à vi- No plano A3, ao qual pertence o homem atual, a ética e a es-
da. Assim, ás vezes, sem saber nem querer, pelo universal im- trutura econômica em vigor estão em evolução, constituindo
pulso da evolução todos são levados – mesmo os que o negam uma fase de transformação do nível A2 ao A4, condição que ex-
– a realizar o Evangelho, que representa a lei social do porvir. plica o fato de se encontrarem nela elementos em contraste.
Descendo da visão geral do fenômeno evolutivo, chegamos ca- Nos degraus inferiores, inicia-se a técnica da oferta e da procu-
da vez mais perto dos pormenores, observando as condições de ra, dando origem ao método da troca, que fica, porém, limitada
nosso mundo atual e as razões que as explicam e justificam. apenas ao momento, sem alcançar os conceitos de previdência,
capital e propriedade. Encontrando-se ainda na sua fase ele-
XIV. NÍVEIS EVOLUTIVOS E TIPOS BIOLÓGICOS mentar, a propriedade é estabelecida pelo quanto se consegue
agarrar com a própria força ou astúcia, identificando-se, assim,
Continuemos a observar, na prática, o conteúdo e o signifi- com a sua mais baixa fase de origem, constituída pela posse.
cado de nosso diagrama, verificando sua correspondência com Aqui, o ser está ainda no nível do roubo. Trata-se da ética dos
a realidade nos trechos que, por estarem mais próximos do ho- indivíduos e povos primitivos. A sua economia é escravagista.
mem, são mais interessantes, constituídos pelos níveis evoluti- A ideia de deveres e direitos através da colaboração social, com
vos A2, A3 e A4. Depois das teorias gerais, procuramos, com uma justa distribuição do esforço e proporcionada compensa-
exemplos, descer à realidade da vida, onde é possível realizar o ção, está muito longe ainda, em estado de germe que ainda tem
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 79
de nascer. Mesmo quando a ideia aparece escrita nas leis, é a tica o método do egoísmo não toma cuidado senão daquilo que
ética econômica da fase primitiva que, muitas vezes, continua faz parte do seu egoísmo. Assim, todo o restante fica abando-
vigorando na forma mental dominante, dizendo: “Porque eu sou nado, quando não há interesse em destruí-lo, o que às vezes se
o mais forte ou astuto e, por isso, o vencedor, é todo meu o di- manifesta como desabafo do instinto de destruição, comum
reito de mandar e de possuir à vontade. Quem deve trabalhar nos primitivos, cuja experiência animal pretérita lhes ensinou
não sou eu, o senhor, mas sim o fraco, que, por ter sido venci- que, se algo não faz parte do próprio eu, então constitui inimi-
do, tem de ser meu escravo, cabendo a mim, por isso, todo o di- go perigoso e, por isso, é bom destruí-lo. Para quem possui tal
reito de explorá-lo à vontade. O trabalho é coisa desprezível, forma mental, as coisas dos outros interessam apenas enquanto
que pertence apenas aos servos. Quem vale é somente o senhor, podem ser furtadas ou desfrutadas para si. Neste nível, tal co-
sendo dele todos os direitos. Nada valem os outros, que, ao in- mo na floresta, não existe manutenção, espírito de conservação
vés de direitos, têm apenas o dever de servir”. ou cuidado com as coisas. Assim tudo se estraga rapidamente e
Observemos quais são os resultados de tal tipo de ética. tem de ser recuperado novamente, com um novo trabalho, que,
1) Nos países deste nível, onde vigora essa forma mental, por sua vez, produz outro fruto mal elaborado, o qual será
todo movimento econômico, político e financeiro, demandan- abandonado de novo e assim por diante, sendo o resultado es-
do salário público e particular – praticado com a psicologia de tável final de tanto esforço apenas a instabilidade dos resulta-
senhor e escravo – é um esforço que se dirige não para produ- dos de um trabalho contínuo e inútil.
zir, mas sim para vencer na luta desapiedada. Então o atrito Ainda assim, o ser faz um trabalho útil neste plano. Não se
absorve todo o esforço, cujos resultados úteis tornam-se míni- trata de receber o fruto do seu esforço, atingindo como resultado
mos. Não há atividade mais improdutiva do que o estado de a elevação do nível de vida, benefício que tal biótipo não mere-
guerra, que é regime de destruição. ce, mas sim de realizar o progresso, que a sabedoria da vida exi-
2) O método de aquisição não é o trabalho, mas sim o rou- ge de cada um em todos os níveis. E, de fato, o ser vai apren-
bo. Por isso todas as energias se concentram na arte de roubar, dendo assim, à sua custa e com muitos sofrimentos, a superar tal
e não de trabalhar. Porém somente o trabalho enriquece, por- método e sair da inconsciência do primitivo, até aprender a lição
que produz, enquanto o roubo empobrece, porque representa que lhe ensina a conduzir-se com mais inteligência e, por conse-
apenas uma espoliação e transferência de um para o outro, guinte, com melhores resultados. E, quando tais povos não que-
sem nada produzir. Do roubo deriva um grande gasto de ener- rem aprender a lição, a vida os deixa serem dominados por ou-
gias, que se desperdiçam para que somente alguns poucos tros povos, que já a conhecem, para que estes, dominando-os,
possam explorar os outros. Não há geração de valores, mas venham ensinar-lhes o que não aprenderam sozinhos.
apenas deslocamento dos mesmos em favor dos que menos Este caso que observamos agora representa o extremo infe-
merecem possuí-los, porque o fazem apenas para sua egoística rior do nível humano A3. Na história, na política e na indústria
vantagem, como um câncer, que vive à custa do trabalho das não faltam exemplos de organizações de trabalho com base
células sadias. Os países que praticam esse método trabalham numa ética econômica mais inteligente e adiantada, que é tanto
com prejuízo, numa atividade que é contraproducente, sendo, mais evoluída e, por isso, vantajosa, quanto mais consegue eli-
por isso, destinados à falência. minar o atrito da luta e o respectivo desperdício de energias,
3) Nessa economia, o trabalho é explorado ao máximo, fi- passando da fase do caos à da ordem e colaboração. Isto é o que
cando o trabalhador espremido e esmagado. Capital e trabalho a vida quer atingir, e é nesta direção que a evolução avança,
não são amigos, para colaborar em beneficio de ambos, mas impulsionando sempre todos os seres a alcançar, relativamente
inimigos em luta, com prejuízo para todos. Aquilo de que mais ao seu nível, um resultado útil. É assim que o ser do plano A3
cuidará o operário será de combater o patrão. Esta será a sua vai-se encaminhando para o plano A4.
atividade mais urgente, na qual ele concentrará o seu esforço, O processo é automático, pois ninguém gosta de desvanta-
em vez de concentrá-lo no serviço. Neste regime, é impossível gens e sofrimentos, de modo que cada um está sempre pronto a
organizar um trabalho sério e produzir uma obra bem feita. Que evitá-los, tão logo chegue a compreender onde se encontra o
fruto pode dar uma recíproca má vontade, com uma ação reali- erro a ser evitado, do qual deriva o dano. Muitos hoje não per-
zada à força, pela fome, amarrada à necessidade de arrancar di- cebem o prejuízo, pois ele encontra-se distante, escondido
nheiro? É lógico, então, não apenas que, do lado do operário, a atrás da vantagem imediata. A função da dor, como já vimos, é
resposta seja a má qualidade do produto, na qual se descarrega acordar a inteligência, destruindo a ignorância, onde se encon-
a sua angústia, mas também que, por seu lado, o patrão queira tra a origem do erro, que é por sua vez a causa da dor. Assim,
pagar sempre menos por um trabalho cujo rendimento é cada na sabedoria da Lei, a função da dor é destruir a dor. O traba-
vez menor. Desse modo, tudo vai piorando para todos. O resul- lho útil que pertence ao homem do nível A 3 é justamente o de
tado é a desvalorização da produção e o descrédito da indústria, aprender, com o seu próprio sofrimento, a se conduzir melhor,
cujo fruto cai em pedaços e termina num engano, porque vi- para evitar a dor. Como já dissemos, o homem atual se encon-
ve somente de aparência. O trabalho apoiado em salários de tra numa fase de transição, na qual tem de ser feito o trabalho
fome produz artigos construídos para ficarem de pé somente até de transformação do biótipo selvagem A 2 no tipo superior A4.
o momento da entrega ao comprador. Assim, ainda não existe o estado orgânico completo de uma
4) O princípio egoísta da exploração de tudo para a vantagem ordem mundial, que se resume apenas a algumas tentativas
pessoal acaba roendo por dentro qualquer tentativa de organiza- parciais e instáveis, acima das grandes massas imaturas. Exis-
ção. A economia tem assim de permanecer na sua fase primitiva te, porém, o conceito dessa ordem a atingir, o qual, como todas
de caos, onde tudo é subjugado à força no interesse de alguns ex- as coisas ainda a serem realizadas no futuro, manifesta-se na
ploradores, a cujos pés todos os outros têm de estar amarrados e forma de princípio ideal, que a realidade da vida repele hoje
inutilizados, porque paralisados na posição de servos. nos fatos e continuará repelindo, enquanto o homem não ama-
5) Assim, tudo vai desmoronando, porque falta na constru- durecer. Cabe a ele, com seu esforço e sofrimento, a tarefa de
ção a fundamental força coesiva da honestidade e da boa von- construir a nova ordem, na qual a vida poderá finalmente tor-
tade. O resultado não pode ser senão um abaixamento geral do nar-se aceitável para um ser civilizado.
nível de vida, espalhando a completa miséria ao redor do jar- ◘ ◘ ◘
dim de poucos privilegiados, que não podem deixar de acabar, No plano A4, a selvagem economia de luta do plano A3 de-
eles também, arruinados na derrocada de todos. Num tal regi- saparece completamente. Neste nível, é eliminado o desperdício
me, tudo tem de cair, pelo fato de ser mal feito, pois quem pra- de energia causado pelo atrito entre os elementos componentes,
80 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
que significa esforço máximo e rendimento mínimo. Então o vantagem momentânea para alguns indivíduos (os piores), acaba
homem terá finalmente compreendido a imensa vantagem da levando todos, mais cedo ou mais tarde, à ruína geral.
colaboração pacífica numa organização de elementos especiali- Vimos os resultados do método de vida do plano A3. Apre-
zados. Isto não é contra as leis da vida, pois satisfaz o seu prin- sentamos agora, correspondentemente, os resultados completa-
cípio de utilitarismo e representa um estado que, de fato, já mente diferentes do método do plano A4 e do seu tipo de ética.
existe e foi alcançado por alguns insetos, como as abelhas e as 1) O esforço não se desperdiça na luta. O rendimento dele,
formigas, cujas coletividades atingiram esse estágio mais adian- que no plano A3 é mínimo, torna-se máximo no plano A4. Isto
tado de evolução, onde o trabalho é pacificamente distribuído corresponde ao que já dissemos sobre o caminho da evolução,
entre os indivíduos em formas diferentes, constituindo assim ou seja, que ele se torna cada vez mais fácil, quanto mais o ser,
um conjunto orgânico de atividades com rendimento máximo. lutando, tenha subido.
Nenhum desses pequenos seres pensa em explorar o outro, co- 2) Se neste plano A4 vigora o método do trabalho (+), e não
mo faria o homem. Se a natureza, neste caso, chegou a eliminar o do roubo (–), então os resultados desta vez serão opostos aos
a perda pelo atrito e se, na sua sábia economia, continuou prati- precedentes, isto é, positivos e estáveis. A economia geral,
cando depois esse método até fixá-lo como instinto numa espé- quanto apoiada em uma atividade sadia de produção, é destina-
cie, isto quer dizer sem dúvida que tal comportamento repre- da à prosperidade, e não mais à falência. Tudo isto está implíci-
senta uma vantagem e um progresso, porque, de outro modo, a to na própria natureza das leis econômicas, das quais faz parte
vida teria abandonado esse caminho e eliminado os seus resul- também, apesar de não ser levado em conta pelos economistas,
tados. Se a humanidade tarda a atingir o seu estado orgânico, é este fundamental princípio de honestidade. Para este método,
porque se trata neste caso de uma organicidade muito mais automaticamente, já se encaminharam os povos mais civiliza-
complexa, que requer bem mais inteligência e uma luta propor- dos e terão de se encaminhar os que desejam civilizar-se.
cional para construí-las, constituindo uma ordem mais difícil de 3) Abandonando o método da luta, torna-se possível pas-
ser alcançada. Não há dúvida, porém, de que a evolução avança sar ao sistema mais evoluído e muito mais vantajoso da cola-
para o estado orgânico, representado pela ordem do S, o ponto boração, alcançando a fase orgânica, o que significa capaci-
final da grande caminhada, do qual todos os seres estão cada dade de produzir e construir seriamente, porque se pratica um
vez mais se aproximando. Tudo isto de acordo com um dos trabalho sério.
princípios fundamentais da Lei, o das unidades coletivas, como 4) A economia pode passar do nível primordial de caos, on-
foi explicado em A Grande Síntese. de há lugar apenas para o lucro de poucos indivíduos explora-
Na ética do plano A4, a luta e a exploração se tornam um dores, ao nível mais avançado de ordem, onde há lugar para o
absurdo inadmissível, que somente pode existir no nível A 3, lucro de todos.
devido à ignorância e à inconsciência do ser. Patrão e depen- 5) Sustentado pela força fundamental da honestidade e da boa
dentes, sofrendo neste tão prolongado contato os duros efeitos vontade na ordem, o resultado final não pode ser senão uma ele-
do atrito recíproco, aprenderão a eliminá-lo, tornando-se cola- vação geral do nível de vida para todos, e não só em favor de al-
boradores, ao invés de inimigos. Neste nível superior, o pri- guns indivíduos isolados, que, perseguidos pela inveja e pelo
meiro paga o que deve e o segundo recebe o que merece. As- ódio dos desamparados, ficam constrangidos a uma luta contínua
sim, quem paga um salário honesto recebe um trabalho bem para defender a sua fortuna. Na ilusão de resistir para sempre,
feito, e quem oferece um trabalho bem feito recebe um salário eles legitimam com leis a sua posição, escorando-a com a força
honesto. Neste regime, explorar o próximo não é prova de inte- armada, alianças e toda sorte de sagacidades humanas. Nada, po-
ligência, com direito à respectiva recompensa, mas sim crime, rém, pode evitar a chegada do dia em que o peso de tal negativi-
pelo qual os desonestos são banidos da sociedade, que não su- dade biológica – antivital para a maioria, cuja sobrevivência é
porta mais o câncer do roubo paralisando tudo. Então a moeda justamente a mais exigida pela natureza – torne-se grande demais
tem valor porque é um meio com poder para adquirir alguma e, tal como aconteceu na revolução francesa, faça o castelo des-
coisa que verdadeiramente vale e fica, e não para receber em moronar e ficar destruído pelas próprias leis da vida, que, justas e
troca só enganos. As construções realizadas com o método dinâmicas, são inimigas de toda passividade antievolucionista.
destrutivo do plano A3 são produto de um esforço negativo e No nível A4, não somente tudo é bem feito e, por isso, re-
não podem acabar senão desmoronando sobre todos, inclusive siste e dura, mas também cada um, ao invés de ser um destrui-
em cima da cabeça dos que acreditam ser vencedores. Somente dor, é um natural conservador do que foi construído, evitando
as construções realizadas com o método do plano A 4 podem fi- assim a deterioração e a perda. Estas custam muito trabalho,
car em pé, porque, sendo produto de um esforço positivo, não significando desperdício de energia e aumento do esforço ne-
estão roídas por dentro pela negatividade do método do plano cessário para se manter o mesmo nível de vida. No entanto po-
A3. Não se trata de um problema de moral ou virtude, mas sim dem significar também, uma vez que poucos gostam de traba-
de um resultado automático das leis da vida, implícito no ti- lhar mais, um abaixamento do nível de vida para todos, menos
po de esforço, cujo rendimento pode ser calculado. Quem erra para alguns vencedores, constrangidos a viver isolados nos
esse cálculo tem de pagar as consequências. seus ricos castelos, porque ao seu redor há somente o deserto
É lógico que ainda subsista no fundo, nas camadas mais bai- da fome e a vergonha da miséria.
xas do subconsciente, os instintos atávicos de rapina e egoísmo. No nível A4 desaparece também o método da desconfiança
Mas é lógico também que o ser, entregando-se a tais impulsos, recíproca, produto do regime de luta, método que pesa sobre
tenha de ficar abandonado à capacidade de defesa dos seus re- todos, porque implica um contínuo e custoso sistema de contro-
cursos pessoais, isolado do poder de defesa maior, que só uma le de todos contra todos. Nestas condições, tudo que a socieda-
sociedade bem organizada pode oferecer aos seus componentes. de produz não só custa um enorme trabalho, feito à força, mas
Falamos aqui de uma organização de substância, onde todos jun- também necessita de outro trabalho para se manter em pé a ca-
tos, tal como as engrenagens de um relógio, trabalham ordena- da movimento. Assim, ao invés de se estabelecer positivamente
damente, e não de uma organização formal, feita de aparências, por um espontâneo impulso e vontade de realização, tudo se
com uma complexidade que, não sustentada internamente pela mantém, pelo contrário, negativamente, somente pelo medo de
honestidade, torna-se uma complicação perigosa, onde tudo um dano que se procura evitar, tornando necessário a cada pas-
termina por gerar confusão, propiciando justamente o ambiente so escorar tudo com uma pesada organização de controles.
que os pescadores de águas turvas mais procuram para prospe- O problema atual é evoluir do nível A3 ao A4. Mas, para
rar. Este método do plano A3, ainda que possa representar uma compreender o novo método, é necessário desenvolver a inteli-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 81
gência, o que, como já sabemos, não pode ser realizado senão tou-se uma outra, de forma diferente, travada entre a luz e as
pela dor. E, providencialmente, porque o santo objetivo da vida trevas. A luz que desce dos planos superiores com a revelação,
é melhorar tudo através da evolução, o método vigente produz ditando normas de conduta no terreno ético, representa o bem,
bastantes sofrimentos. Para entender, é necessário que todos, impulso positivo que deriva do S. As trevas que sobem dos pla-
sobretudo os que acreditam ter vencido, sofram os duros efei- nos inferiores com os instintos da fera, ditando outras normas
tos. É indispensável um amadurecimento de inteligência geral, de conduta no terreno ético, representam o mal, impulso nega-
tanto dos ricos, para entender as necessidades dos pobres, como tivo que deriva do AS. O ser é ainda ignorante, mas nele acor-
dos pobres, sempre prontos a imitá-los, repetindo de modo pior dou um desejo de saber, inexistente antes, o que significa dese-
as culpas dos ricos. E, de fato, vemos funcionar a todo o mo- jo de ser iluminado. Começam assim a aparecer no caos da li-
mento a dor, que, com a sua pressão constante, vai sempre en- berdade absoluta os primeiros elementos de uma norma direto-
sinando, interrompida apenas por alguns ilusórios momentos ra, dando origem às leis religiosas e civis. Desse modo, despon-
para os que, iludidos, julgam-se afortunados. ta no mundo o conceito, antes desconhecido, de lei como regra
É necessária toda a ignorância do primitivo para não chegar de vida, manifestando a primeira concretização do princípio de
a compreender que a riqueza conquistada com os métodos do ordem, que, pertencendo ao plano A4, começa assim a descer à
nível A3 não pode representar senão um fruto envenenado, o Terra. É este o sentido no qual os homens puderam afirmar que
qual, pelas leis da vida, tem de acabar, pela lei do retorno à fon- essas leis superiores tinham origem divina, porquanto desciam
te, envenenando quem o possui, devolvendo ao indivíduo, co- do alto, ou seja de planos de vida mais próximos do S. Tais
mo é justo, os seus próprios enganos e, deste modo, reduzindo- princípios, porém, descendo a um plano inferior ao seu, no
se a uma traição. Está na lógica da vida que satisfações não me- mundo da fera, são recebidos na prática como um absurdo.
recidas, ganhas às avessas, não possam gerar senão ilusões e Explica-se assim a contínua contradição que de fato se en-
dores. Este problema, assim como o outro já mencionado, tam- contra entre os ideais e a realidade da vida, entre os bonitos
bém não é uma questão de moral ou virtude, mas sim o resulta- princípios teóricos e a péssima conduta humana, entre o que, nas
do automático da própria estrutura das leis da vida, que os atra- religiões, é pregado e o que, nos fatos, é praticado. Quando a luz
sados não compreendem. Praticar o método do nível A 3, explo- tem de penetrar nas trevas, não pode deixar de ficar de alguma
rando o próximo, não é prova de inteligência, mas sim de igno- maneira torcida. Como pode o princípio de justiça do plano A4,
rância, representando, para quem o pratica, o caminho da ruína, quando desce no plano A3, deixar de se chocar com o princípio
e não da vitória. Quando tal método é usado pela classe dirigen- da força vigorante nesse nível? E de que outro modo tal princí-
te, muitos são levados a imitá-lo, e isto pode levar uma nação pio poderia agir, a não ser adaptando-se aos instintos da fera e
inteira à ruína. Mas o que pode fazer a sabedoria da vida, se o aceitando os respectivos métodos de força, sem o que a fera não
homem tem de permanecer livre e, na sua forma mental, não presta ouvidos nem toma conhecimento, pois a força é o único
existe outra maneira para ele aprender senão através do seu argumento que ela entende? Se o anjo não se torna fera, não po-
próprio dano, a única forma possível de ensinar, quando se trata de sobreviver na Terra, restando a ele apenas sacrificar-se como
de povos primitivos? Há de um lado a necessidade absoluta de mártir e, com a morte, libertar-se, fugindo para o seu mundo.
se realizar a evolução, porque ela é o único meio de salvação. Eis como vemos aparecer na Terra um produto que parece
Mas também há do outro lado o ser, que, na sua inconsciência, híbrido, porquanto é uma mistura de Céu e Inferno, de espírito
rebela-se contra a sua salvação, a qual, para que ele não se per- e matéria. Esta é a razão pela qual as leis existentes sustentam
ca, tem de ser, assim, realizada à força. Então não há outro teoricamente princípios de justiça e bondade, pertencentes a
meio para atingir essa finalidade senão a dor. E é isto que a vi- uma ordem superior, que somente pode ser o resultado da com-
da, como é lógico que faça, está de fato praticando. Seria loucu- preensão e colaboração, mas estão ao mesmo tempo armadas de
ra pensar que poderíamos intervir no amadurecimento de fenô- uma sanção punitiva, apoiada no método da força, que, repre-
menos de tamanha envergadura, indo contra resistências tão sentando o princípio da desordem, é a negação da justiça e da
poderosas. Então a última e resolutiva palavra pertence ao azor- bondade. Se o esforço que desce do Céu à Terra é para endirei-
rague da dor, pois ela representa o mais enérgico e abençoado tar tudo que se encontra aqui, o esforço do mundo (A 3) é no
propulsor do fenômeno da evolução. sentido de emborcar tudo o que desce do Céu (A4), que, assim,
◘ ◘ ◘ é pregado de maneira correta, mas acaba sendo praticado às
Observemos agora qual é, conforme as diferentes éticas dos avessas, gerando na realidade um estado de luta e contradição,
planos A2, A3 e A4, a correspondente maneira de encarar o pro- que só deste modo se explica.
blema religioso. Ele também corresponde a uma necessidade Em função disto, vemos aparecerem resultados estranhos,
fundamental do ser, que precisa dirigir sua conduta, buscando porque a lógica do mundo tem de obedecer ao mesmo tempo a
orientar-se de alguma forma num oceano desconhecido e pro- dois princípios opostos, o do nível A 4 e o do nível A2. É assim
curando enxergar no mistério que o cerca de todos os lados. É que vemos o direito do mais forte tornar-se justiça e esta ter va-
lógico que o ser, em cada plano de vida, faça isto de uma ma- lor porque apoiada na força. Todos sabem que, sem a força, a lei
neira diferente, proporcionada ao nível de evolução atingido. é vã, mas ninguém se pergunta o porquê. Aparecem, então, a lei
No plano A2, a fera não conhece religião nem regra moral. armada de cadeias e a bondade do Evangelho armada de inferno.
Nesse nível tais problemas ainda não existem. Aí vigora a ética Isto já poderia justificar a reação da Lei, como já vimos. Mas a
da força, sendo a conduta dirigida pelos instintos, através de Lei só reage quando o ser comete erros, reagindo tanto mais,
uma sabedoria elementar, fruto das lutas passadas, pelas quais quanto mais o ser os comete, e isto se verifica em proporção à
sobreviveu apenas quem aprendeu a vencer. Nesse nível, tudo é sua ignorância, que aumenta à medida que se desce aos planos
lícito, numa liberdade sem limites, que permite a cada um fazer inferiores da vida. Então a reação punitiva é qualidade que per-
o que bem entender contra qualquer outro e vice-versa, numa tence sobretudo a esses planos, e o fato das leis penais, civis e
luta contínua de todos contra todos. religiosas da Terra não poderem dispensar o uso de tais métodos
No plano A3, o problema se complica, porque aparecem no- de punição prova a inferioridade deste mundo. Quanto mais ele-
vos elementos. Uma vez que o nível A3, como já vimos, repre- vado for o nível e quanto mais o ser subir até eles, tanto menor é
senta uma fase de transição entre os níveis A2 e A4, ainda vigo- a reação da Lei, porque, com o desenvolvimento da consciência
ram no fundo dele os princípios do plano A2, em luta com os do e do conhecimento, diminuem os erros, que são a causa da rea-
plano A4, que se encontram no topo e desejariam destruir aque- ção, até que, alcançando-se o S, acabam os erros e a respectiva
les, para se substituírem a eles. Assim, à luta do nível A2 jun- reação da Lei, extinguindo-se a dor. No fim da grande caminha-
82 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
da da evolução, com o retorno ao S, esses dois elementos, erro e homem do plano A4, são coisa longínqua, situados fora da vida
dor, têm de desaparecer, porque, tendo sido eles fruto da queda, real, que, por isso, devem ser apenas pregados, não merecendo
somente podem existir no AS, permanecendo como resíduos da ser levados a sério. A realidade é a matéria, e o espírito é um
revolta no ser ainda não completamente purificado. sonho. O homem espiritual é um utopista que se perde no im-
É deste modo que se explica por que, no terreno religioso, ponderável. Essa é a forma mental do biótipo terrestre, com a
encontramos as mais estranhas associações, nas quais se mistu- qual ele vê e julga. Mas quem pode pensar com um cérebro di-
ram nobres ideais com o desabafo de instintos, sublimes intui- ferente daquele que possui? Para realizar mudanças na nature-
ções do superconsciente com retornos à animalidade do sub- za da personalidade, são necessários centenas de séculos de
consciente, sabedoria com ignorância, amor com vingança, jus- experimentação e assimilação.
tiça e bondade perfeitas, qualidades de Deus, com o constrangi- Assim, o máximo que o homem pode fazer é, tal como
mento pela força, qualidade da fera. Mas a natureza do homem acontece quando se domesticam os animais, permanecer na
se encontra nessa fase de transição, sendo inevitável o contraste sua própria substância, repetindo mecanicamente a lição dos
entre os elementos opostos que nela se encontram. É natural que ideais, aprendida de cor, e isso até mesmo para o seu indis-
na parte superior do ser funcione a parte mais nobre e que, ao pensável ganha-pão. Ensinaram-lhe que a sua forma mental
mesmo tempo, na parte inferior, continue funcionando a pior. está errada e tem de ser destruída. Mas, se o homem não pode
Explica-se assim a contínua presença da ação subterrânea dos destruí-la, porque ela representa a sua própria natureza e ele
impulsos mais baixos, disfarçados na roupagem dos mais altos não possui outra para substituí-la, que mais pode fazer senão
princípios. Em que pode tornar-se então a religião na Terra? Ai permanecer como é? Isso nos mostra que, às vezes, na prática,
de quem ousa desvelar a realidade oculta atrás das aparências! É o ideal termina em ilusão.
escândalo dizer que o homem faz o contrário do que prega, exi- Uma triste consequência de tudo isto é que o ideal acaba
gindo que os outros creiam numa mensagem que ele não vive. condenado justamente por aqueles que, tendo o dever de sus-
Entre todos os mistérios, não se deveria revelar este que, pelo tentá-lo e tomá-lo a sério, lamentavelmente não o fazem, bus-
seu absurdo, parece um dos maiores mistérios das religiões. cando-o somente por curiosidade, como quem busca saber ape-
Tomamos por exemplo os três votos franciscanos: pobreza, nas por saber. Quem não age assim é julgado perigoso, porque
castidade e obediência, que poderiam representar uma síntese solapa as raízes das árvores e representa uma ameaça exata-
das virtudes cristãs. Ora, uma vez que na Terra funcionam, ao mente para as posições terrenas que mais interessam. O indiví-
mesmo tempo, as leis de dois planos diferentes, A 2 e A4, não duo que de fato procura a verdade deve ser afastado, porque
há coisa que não possa ser emborcada. Com o plano de vida acaba descobrindo os pontos fracos, os quais ninguém deve co-
muda a forma mental e, com ela, a maneira de conceber as coi- nhecer, porque lançam o descrédito sobre a organização daque-
sas. Então as sublimes virtudes com que o homem do plano A 4 les cuja vida material se baseia na pregação daquela verdade.
procura o desapego de um mundo para ele inferior, em busca Entre as forças do plano A4 e as do plano A2, há uma luta
de uma vida superior, tornam-se na forma mental do homem terrível. Trata-se de um momento da grande luta entre o S e o
do plano A3 uma negação inaceitável, porque destruidora da AS. Ela, aqui, aparece viva, tomando a forma de conflito entre
vida no plano material, que, para tal biótipo, representa toda a o anjo e a fera. Pelo dualismo dos dois termos opostos em que
vida, a única que ele conhece. se despedaçou o universo, devido à queda, bem e mal se cho-
Assim acontece que, quando um involuído tem de aceitar cam, o primeiro no sentido de realizar a evolução para o S, e o
tais virtudes, ele não as pode conceber senão na forma de fin- segundo no sentido de paralisá-la, para ficar no AS. Tudo isto
gimento, buscando escapatórias para si, mas recomendando-a não é mais teoria agora, porque não podemos deixar de ver nos-
para os outros, que ele julga simplórios, como ótima coisa a so mundo funcionando assim nem de viver as respectivas con-
praticar. As razões que o levam a agir assim são as seguintes: sequências, porque estamos todos mergulhados nesta luta e so-
1) A pobreza nos outros significa mais espaço livre e menos fremos pelo atrito derivado do choque entre estes dois termos
rivais para a sua própria riqueza. Quanto mais os outros re- opostos: o novo (S) que busca destruir o velho, para substituí-
nunciam, tanto mais ele poderá enriquecer. 2) A castidade dos lo, e o velho que resiste, porque não quer morrer.
outros significa muitos competidores a menos na luta sexual. Eis as profundas raízes dessas lutas humanas, que vemos
Quanto mais os outros são virtuosos, tanto melhor ele poderá aparecer na superfície como um absurdo inexplicável, em con-
satisfazer-se. 3) A obediência dos outros significa o próprio tradição consigo mesmo, cuja razão lógica está na profundeza,
domínio sobre eles. Quanto mais os outros se submetem, tanto mas aparece quando o fenômeno é observado em função da
mais ele poderá mandar. primeira origem das coisas. Então é lógico que, na Terra, situ-
Esse raciocínio, feito sem querer, é o produto de um íntimo ada no plano A3, os interesses materiais sejam a verdadeira pe-
trabalho do subconsciente, constituindo o resultado inevitável dra de toque da importância dos ideais, nos quais se alicerçam
do regime de luta vigente. Assim, a vida atinge uma conciliação para se justificar. Foi assim que surgiu a Santa Inquisição, pois
entre opostos, estabelecendo um acordo entre o homem do pla- a heresia ameaçava uma organização terrena, consequência de
no A4 e o do A3. Esse compromisso é realizável porque a mes- princípios teóricos que, por si só, não interessariam senão a
ma coisa é vista de dois pontos de vista diferentes. Podemos, poucos pensadores. A forma mental do biótipo A 3 é indiferente
dessa forma, compreender a contradição, que, de outro modo, a estas questões superiores, porém muito sensível aos proble-
permanece inexplicável. Assim, a vida resolveu o caso através mas inferiores do seu mundo terreno.
de um recíproco mal-entendimento. Assistimos assim a esse estranho abraço entre Céu e Terra.
O que, na realidade, continua sempre vigorando no fundo O primeiro, com o intuito de descer e realizar o seu programa
da vida humana é a lei da luta pela vida. Assim, tão logo uma na Terra, tem de tomar uma forma material, que deveria ser
religião toma forma concreta na Terra, ela não pode deixar de apenas uma veste do espírito e existir somente em posição su-
cair sob essa lei, porque entrou no domínio da matéria e agora bordinada a ele. Mas a matéria também representa uma força e
representa posições conquistadas de ataque e defesa nessa luta, uma vontade com vontade de se realizar. Eis então que, por
condição que, em tal mundo, para o indivíduo, é fundamental sua vez, a matéria tenta prevalecer sobre o espírito, impondo-
manter. Sobre as religiões foram construídos imensos edifícios lhe as suas exigências. Nesta luta, é lógico que o mais forte
de interesses, que representam o principal valor em relação à vença. Ora, podemos observar, em cada momento da história,
forma mental do homem do plano A3, cujo tipo constitui a qual dos dois se faz mais forte. Quando é o espírito, isto signi-
maioria, enquanto os princípios ideais, tão importantes para o fica que a humanidade está evoluindo. Quando, porém, a maté-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 83
ria é mais forte, o Céu vai à falência e a inferioridade animal coisas humanas do plano A3. Como se pode exigir, nesse nível,
triunfa, e isto significa que os interesses prevalecem e que, que os fortes – neste caso, os mais astutos – não se sustentem
portanto, a humanidade está involuindo. Nestas condições, po- de graça e não se aproveitem dos mais fracos – neste caso, os
de-se chegar ao ponto em que os interesses materiais acabem mais simplórios? Se estamos na Terra, e não no Céu, como
constituindo o único objetivo das religiões. Neste caso ocorre, podem os seres daqui usar outra lei que não seja aquela escrita
como já falamos, aquele emborcamento dos ideais, significan- com os instintos na sua forma mental? A prova de tudo isso es-
do a vitória do AS, condição esta que se explica, pois o impul- tá no fato de que, se excepcionalmente aparece na Terra o bió-
so do AS ainda não está apagado, mas continua ativo, pronto tipo A4, ele acaba sendo liquidado. Aqui, a maior parte do ma-
para repetir a revolta contra o S e descer novamente, retroce- terial de construção é do tipo A3, sendo este o único material
dendo para o AS, em vez de avançar para o S. disponível para se construir. E o tipo A 3, mais próximo do AS,
Perante tais fatos, o inexperiente, que não consegue analisá- representa o rebelde, que busca estabelecer na Terra um reino
los para descobrir a sua razão profunda, fica desnorteado. Mas oposto àquele que desejaria construir o tipo A 4, mais próximo
a maioria resolve da maneira mais fácil, bastando os seus ins- do S. Por isso Cristo falou da irredutível inimizade entre Ele e
tintos para se orientar. Não se deixando envolver em tais pro- o mundo. Esta é a razão pela qual o inferior quer destruir o su-
blemas nem se preocupando com eles, a grande massa vive le- perior, pois sabe que este, para evoluir, procura aniquilar toda
vianamente na superfície, sem pensar. Tais questões não exis- forma de vida inferior, substituindo-a por uma mais alta. Uma
tem em sua mente. Assim, muitos vão mentindo sem saber nem vez que o ser superior é naturalmente um destruidor dos valo-
querer, solucionando o caso pelo caminho que dá menos traba- res inferiores, os mais preciosos em baixo, o ser inferior é um
lho, adotando uma convivência contraditória entre os princípios destruidor de valores superiores, os mais valiosos no alto. Há
do plano A4, apenas proclamados, e os do plano A3, de fato pra- rivalidade e luta para a sobrevivência entre os diferentes pla-
ticados. Trata-se, porém, de uma solução aceitável somente pa- nos de existência, porque cada um quer tomar o lugar do outro
ra os que, devido à sua inconsciência, acabam não se aperce- no mesmo campo da vida. As forças do AS não querem mor-
bendo da grande desonestidade que tais métodos representam. rer, então lutam desesperadamente contra as do S, cuja vitória
Quem pode entender rebela-se e não aceita tal método. Como significa a morte para as do AS.
se pode, porém, culpar alguém por não possuir no seu cérebro a Qualquer coisa que pertença a um plano superior, se quiser
inteligência necessária para entender? realizar-se na Terra, tem inevitavelmente de descer até ao nível
O fato é que a maioria constitui um rebanho de ovelhas, humano. É evidente, porém, que a finalidade desta descida é
que pedem para ser dirigidas, porque, sozinhas, não sabem an- elevar o homem a um nível mais alto. O divino aceita tornar-se
dar. Assim, havendo demanda por pastores, eles aparecem e fi- humano, para que o humano se torne divino. Infelizmente, o re-
cam. Teoricamente, eles deveriam ser biótipos do nível A 4, in- sultado desta descida foi mais um rebaixamento do espírito na
cumbidos de trazer à Terra as coisas dos planos superiores. matéria do que um levantamento da matéria para o espírito.
Mas o nosso mundo pertence ao nível A 3, e, aqui, os tipos A4 Maquiavel dizia que a religião e as virtudes são úteis apenas
representam uma minoria insignificante. Acontece, então, que quando usadas como encenação exibida para os outros, pois, se
os pastores acabam sendo da mesma raça das ovelhas, concor- vividas de verdade, tornam-se perigosas. Então, parecer bom
dando com elas porque possuem os mesmos instintos e forma pode ser útil para evitar a desconfiança, tirando das mãos do
mental. Desse modo, para eles, tudo que pertence a planos su- próximo esta sua arma de defesa, a fim de que, deste modo, es-
periores, situados acima do nível A 3, parece utópico. Tal acor- tando ele desprevenido, seja mais fácil vencê-lo. É assim que os
do deriva do fato de todos pertencerem ao mesmo nível de vi- lobos, disfarçando-se de cordeiros, podem se misturar com eles,
da. O instinto deles é o crescimento no plano material, e não passando despercebidos para atacá-los.
no espiritual. Assim, em vez de procurarem a evolução interi- ◘ ◘ ◘
or, em profundidade, procuram o triunfo exterior, em superfí- No plano A4, tudo é concebido e realizado de uma forma
cie. Nesta atitude, ao invés de predominar a busca pelo aper- diferente. Desaparecem as misérias do nível A3, próximo do
feiçoamento do indivíduo, para fazê-lo subir, o que deveria ser AS, e aparecem as harmonias do nível A 4, próximo do S. Co-
o conteúdo fundamental da religião, prevalece o proselitismo mo age, então, o ser desse plano? Ele, uma vez que é verdadei-
expansionista, concebido como a coisa mais importante a rea- ramente religioso, procura a substância, e não a forma, dando a
lizar. Assim também as religiões acabam caindo no nível infe- esta o valor que merece. Pelo seu instinto de honestidade, ele
rior do biótipo A3, constituído pela luta, nível no qual, pelo não pode aceitar viver de adaptações, que, para a sua sensibili-
instinto de crescimento, cada homem ou grupo humano é im- dade moral, significam uma falta de sinceridade insuportável,
perialista, o que significa rivalidade para se sobrepujarem uns absolutamente inadmissível nas religiões, perante Deus, e que,
aos outros. Então cada agregado se regozija quando uma ove para a sua agudeza intelectual, constituem evidente contra-
lha se converte de outra religião para a sua, na qual se encontra dição e absurdo. Pelo fato de querer levar a religião a sério, pa-
a verdade, mas condena quando uma ovelha se converte da sua ra vivê-la de fato, o que pode significar um duro trabalho, ele
para outra religião, na qual se encontra o erro. precisa conhecer não só as razões que justificam tal esforço,
Se tudo isto é absurdo pela forma mental do plano A4, tor- mas também os princípios dos quais a sua conduta tem de ser a
na-se lógico para a mentalidade do plano A3. E explica-se a ra- consequência. Por isso não lhe é possível aceitar tudo só por fé
zão disso. Quanto mais o ser se encontra situado perto do AS, cega, que pode, quando as mencionadas adaptações já provi-
tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o princí- denciam as necessárias escapatórias, não levar às mesmas con-
pio divisionista da revolta, que busca estabelecer, em oposição clusões e tornar-se uma opção fácil.
ao princípio da unidade de tudo em Deus, o princípio do ego- O biótipo do plano A4 não pode ficar cristalizado em ne-
ísmo separatista, instinto predominante no nível inferior A3. nhum tipo de formalismo, que, através da repetição consuetudi-
Contrariamente, quanto mais o ser se encontra situado perto do nária, oferecem ao tipo A3 a vantagem de poupar todo o traba-
S, tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o lho espiritual, adormecendo-lhe a alma numa prática mecânica
princípio unitário do altruísmo unificador na obediência à or- estéril. O tipo do plano A3 pode desejar e procurar trabalhar o
dem. É a posição do ser na escala evolutiva que estabelece qual menos possível para ganhar o Céu, mas não o tipo do plano A4.
é a sua forma mental, da qual ele não sabe sair. Lá, onde aquele nada percebe e se cansa, este vibra, faminto e
Desse modo, também no terreno religioso, que deveria es- insaciável, procurando cada vez mais fundo a verdade. Ele faz
tar acima de nosso mundo, acabou vigorando a lei de todas as pesquisas para conhecer coisas que as religiões, por ignorá-las,
84 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
não lhe sabem explicar. Trata-se de questões que ele tem neces- tudo isto funciona automaticamente. É absurdo pensar que a lei
sidade de compreender, porque são a base da vida, mas cuja de Deus, para atingir os seus objetivos, tivesse de esperar a in-
compreensão não interessa às religiões, que, em vez de resol- tervenção do homem, colocando-se ao seu dispor, sem possuir
ver tão fundamentais problemas, prefere eliminá-los com o mé- meios de realização próprios e independentes.
todo do mistério. O tipo do plano A4 quer viver os princípios e, O homem do plano A4 nunca agride ou polemiza. Ele deixa
para vivê-los, tem absoluta necessidade de tê-los compreendi- o método das condenações para o homem do plano A 3. Nin-
do. Ora, isso não interessa a quem, pretendendo realizar outro guém pode sair da lei do seu próprio plano, que representa a sua
objetivo, não se preocupa em viver aqueles princípios. O méto- natureza, da qual depende a sua forma mental. Aquele que se
do da fé cega está feito sob medida para o homem A3, que, não encontra embaixo está sempre pronto para reagir contra qual-
possuindo inteligência para compreender nem vontade para fa- quer intervenção de quem está acima, enquanto este, por seu
zer esforços ascensionais, fica satisfeito na sua ignorância. lado, com o método do Evangelho, sem fazer guerra, fica espe-
Trata-se de duas formas mentais diferentes, da qual tudo rando tudo amadurecer, processo que, pela presença ativa da
depende. O homem do plano A3 concebe em função do seu Lei, não pode deixar fatalmente de acontecer. As trevas do AS
mundo terreno, sendo este o seu ponto de referência, em rela- não querem ser incomodadas pela luz do S. A ignorância e a
ção ao qual ele vive. O homem do plano A4 concebe em função mentira do nível A3 resistem para não serem destruídas pela in-
do seu mundo superterreno, sendo este o seu ponto de referên- teligência e a sinceridade do nível A4. A culpa não é desta ou
cia, em relação ao qual ele vive. Para o primeiro, quando este é daquela religião, mas sim do homem, que permanece o mesmo
o seu desejo, tem muita importância a sua conversão de uma re- e faz as mesmas coisas em todas as religiões. O homem do ní-
ligião em outra, processo no qual ele muda apenas de forma – a vel A4 progride então por sua conta, protegido pela lei de evo-
verdade para ele – sem se preocupar com a substância, da qual lução, que o ajuda a subir. As religiões preferem a condição es-
procura evadir-se. O fato de se converter não pode mudar o tipo tática, para manter a estabilidade das posições nas quais se ba-
de personalidade, que continua como anteriormente. Para o se- seiam, condição que requer menos esforço e representa menos
gundo, pouco adianta mudar de forma, quando em todas elas perigos, cumprindo a função útil da conservação. Tal atitude,
falta a coisa mais importante: a substância, que consiste em porém, é antievolucionista, de modo que a lei do progresso, de
querer viver os princípios. Que pode então fazer o homem do vez em quando, é constrangida a sacudir aquelas posições está-
plano A4? É impossível para ele aceitar os métodos do mundo, ticas, intervindo para realizar a renovação da vida, que não po-
construídos pelo homem A3, que, adaptando-os a si próprio, de- de ficar paralisada no seu caminho ascensional.
sejaria fazê-los valer para todos. Assim, expelido do mundo, Neste caso, as massas têm de se apoiar no homem do nível
não resta ao homem A4 outra solução, senão ficar sozinho com A4, que, com seu risco e perigo, avançando sozinho no caminho
Deus, que o pode entender. Eis então que, ao lado das religiões do conhecimento e da espiritualidade, está na vanguarda. Sendo
oficiais, feitas de práticas mecânicas adaptadas ao gosto das dinâmico e criador, ele não pode ficar imóvel, apegado ao pas-
multidões e esvaziadas de espiritualidade, ficam acesas somen- sado para não arriscar, mas tem de trabalhar, arrastado pela pai-
te algumas fagulhas isoladas, onde o espírito encontra refúgio. xão da espiritualidade, avançando pela ousadia da ascensão com
Porquanto esta chama espiritual, que constitui a substância a coragem do pioneiro. Enquanto o impulso da conservação é
animadora de todas as formas, representa uma atitude interior, negativo, levando à cristalização, à velhice e à morte, o impulso
imperceptível externamente, o homem A 3 não a percebe, pois da renovação é positivo e leva ao progresso, à juventude e à vi-
só enxerga as coisas existentes no seu nível, o plano da maté- da. Pela estrutura geral do processo involutivo-evolutivo, sabe-
ria, que ele julga ser a única realidade, enquanto considera ir- mos que as forças da Lei impulsionam nesta segunda direção, o
real o mundo espiritual. que garante o sucesso dos que trabalham neste sentido e a falên-
Ora, seria absurdo perseguir um ser inferior só porque ele cia dos que trabalham no sentido oposto. Se na Terra domina o
não consegue compreender o que está além de suas possibilida- tipo do nível A3, mais próximo do AS, o tipo do nível A4, mais
des. As condenações não educam, e a perseguição desenvolve a próximo do S, apesar de minoria, acaba prevalecendo, porque é
inteligência da reação ou a sabedoria das escapatórias e da men- favorecido pelas leis da vida, que querem a evolução do ser. As-
tira. Para que condenar quem não sabe entender? Essa pode ser a sim como, por lei, o S tem de acabar vencendo o AS, também o
forma ilógica e inútil de proceder do homem A3, para desafogar homem do plano A4, pela mesma lei, tem de acabar vencendo o
o seu instinto de luta e agressividade. Mas o homem do plano A4 homem do plano A3. É devido à própria lei de evolução que ao
não pode descer ao nível do A3, usando métodos que nada solu- homem do plano A4 pertence o futuro, porquanto ele está mais
cionam. Que faz ele então? Uma vez que jamais impõe a solu- adiantado e avança na direção do S. As condenações do mundo
ção à força, pois ao espírito não se pode chegar senão por íntima não têm o poder de parar as forças da vida, que continua seguin-
convicção e por amadurecimento, não lhe resta senão entregar o do inabalável o seu caminho ascensional, marcado pela Lei.
caso a quem sabe e pode muito mais do que ele. Assim, sem en-
trar no perigoso método da luta, o qual só pode gerar uma infin- XV. TÉCNICA DO FENÔMENO DA REDENCÃO
dável cadeia de ações e reações, ele respeita tudo, compreen-
dendo a ignorância (“Perdoa-lhes, porque não sabem o que fa- Observemos agora o nosso diagrama em outros dos seus as-
zem”), da qual deriva o erro, origem do sofrimento, que repre- pectos, para ver o que mais ele nos diz. Na sua expressão gráfi-
senta o grande mestre, encarregado pela Lei da função de ensi- ca, ele nos mostra o conteúdo e o funcionamento da Lei. O ho-
nar. A escola de Deus sabe funcionar por si mesma, automática mem não está sozinho, abandonado no caos, entregue a si pró-
e perfeita. Ela se encontra feita sob medida, para ser entendida prio, como pode parecer ao involuído, situado no AS. Mesmo
também pelos surdos, através da dor. Por que razão um homem nessa posição de desordem, o ser não escapa à Lei, que conti-
sozinho, ou uma pequena minoria deles, deveria intervir contra a nua sempre vigorando na profundeza, dirigindo tudo no sentido
imensa maioria das massas humanas, quando isto nada resolve- da ordem. Também neste estado, que parece de ilimitado arbí-
ria? Deus já providenciou tudo, operando a todo o momento por trio, porque não há consciência alguma de uma regra, o ser está
intermédio da dor, que sabe como ensinar, resolvendo tudo des- indissoluvelmente amarrado à fatalidade das reações da Lei, as
sa maneira. Intervir seria atrapalhar a ação de um tratamento quais aparecem tão logo ele se movimente contra ela, cometen-
perfeito, que cabe apenas ao médico aplicar, pois ele, sendo do um erro. Como já dissemos, a lei de Deus não pode ser des-
quem mais conhece, é o mais hábil e apto. Assim, ao homem do truída, pois isto significaria a destruição de Deus, absurdo que
plano A4 resta apenas explicar, quando lhe for solicitado, como não poderia ser permitido à criatura. Com a revolta, o ser pôde
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 85
tão somente emborcar a sua posição dentro da Lei, de modo tamente na obediência. É lógico que, na estrutura da obra da
que o AS não significa uma criação nova, mas apenas a posição criação de Deus, o mais almejado objetivo do ser seja atingir a
emborcada do rebelde no seio do S. sua felicidade. Porém ele, rebelando-se, coloca-se em posição
O ser pode negar a existência e a presença da Lei, sendo li- emborcada, sendo levado pela revolta a buscar uma forma de
vre para acreditar que ele seja o dono absoluto de tudo, mas isto felicidade às avessas, que parece alegria, mas é sofrimento. Ca-
não o impede de ficar preso no torno de ferro da Lei, que o be agora ao ser, com o seu esforço, endireitar essa posição em-
aperta de todos os lados. Insistimos no estudo da Lei porque o borcada, absorvendo e, assim, neutralizando o sofrimento, para
seu conhecimento é fundamental para construirmos o nosso que a falsa alegria se torne verdadeira.
destino, a fim de que possamos, com a evolução, libertar-nos da Somente tais conceitos podem explicar o conteúdo e a téc-
dor e atingir a felicidade, representando isto a solução do maior nica do fenômeno da redenção, mostrando como tudo neste
problema da existência. Por isso, neste volume, quisemos estu- mundo obedece a uma lógica perfeita, embora na superfície
dar não só em que forma e medida a Lei, com a dor, reage con- apareça a contradição de não ser possível chegar à felicidade
tra o erro, para corrigi-lo, mas também como o ser, com a evo- senão através da dor. Por que razão o ser, para atingir a felici-
lução, realiza a conquista dos campos de forças positivas do S e dade, deve atravessar o sofrimento? Por que essa dura condi-
a destruição dos campos de forças negativas do AS. ção, na qual se ergue uma barreira contra a realização do maior
No processo evolutivo, pelo qual o ser, por um longo impulso instintivo do ser, impulso que quer levá-lo ao seu bem?
caminho de transformação, é levado da sua posição de AS à Sem aqueles conceitos não se pode chegar a compreender o ab-
de S, os dois impulsos fundamentais, o destruidor da parte surdo desse caminho às avessas, segundo o qual, para se reali-
do rebelde e o salvador da parte de Deus, encontram-se per- zar uma obra de sinal positivo, é necessário percorrer um cami-
manentemente contrapostos em luta, enquanto a evolução nho e executar um trabalho de sinal negativo. Sem esta chave,
opera o processo de transformação da negatividade em posi- que aqui estamos oferecendo para resolver o mistério, o fenô-
tividade, que retifica o precedente processo involutivo, no meno da redenção pela dor permanece um absurdo inexplicá-
qual se deu a transformação da positividade em negativida- vel, uma contradição que nada justifica.
de. Nos diferentes níveis de existência, conforme a posição Eis então que o ser somente pode remir-se – isto é, res-
do ser ao longo do caminho da evolução, prevalece um ou suscitar, reconstruindo-se na positividade – indo contra si
outro destes dois sinais – antagonismo no qual se manifesta mesmo, renegando-se como cidadão do AS e destruindo-se
sempre presente o universal dualismo, originado com a cisão como tal, ou seja, destruindo a sua negatividade. Eis como se
da revolta – continuando assim até que a evolução tenha sa- explica o fato de que uma dor, funcionando, destrói a si
neado e reabsorvido tudo na unidade de origem. mesma, desaparecendo ao realizar seu objetivo. É assim que
Dualismo significa não somente que há dois sinais dife- ela pode tornar-se um meio de redenção e de conquista de fe-
rentes, + e –, mas também que cada um deles pode assumir licidade. Esta é a razão pela qual um caminho percorrido ne-
um valor diferente, conforme o ponto de referência em fun- gativamente pode desembocar num resultado positivo, fazen-
ção do qual ele é observado e avaliado. Em outros termos, o do que do –, enquanto ele exerce uma função de endireita-
que é + com relação ao S é – com relação ao AS, e vice- mento, possa nascer o +. É lógico então que a destruição da
versa. A razão para este fato é que o movimento do processo dor para atingir a felicidade não se possa realizar senão pela
evolutivo se realiza por oscilações entre dois polos opostos, própria dor. Cai assim o absurdo, permitindo-nos ver que tu-
que resultam da luta entre dois impulsos contrários, sendo do corresponde a um equilíbrio e justiça perfeitos.
cada um deles tão exatamente inverso do outro, que, para Vemos, então, por que o ser não pode chegar à sua satisfa-
substituir ao outro, quereria anulá-lo. Assim, o que é constru- ção senão pelo caminho da sua insatisfação. E a existência de
ção do S não pode ser senão destruição do AS, e ao contrário. tal contradição se justifica, pois ela é justamente a consequên-
O mesmo acontece com o processo de retorno do ser ao S, cia da primeira contradição, estabelecida pelo próprio ser com
trabalho que, para o involuído, situado no AS, de sinal –, re- a sua revolta. No S não existe oposição de contrários, resulta-
presenta uma perda e um peso, enquanto, para o evoluído, do da cisão no dualismo, no qual surge o contraste entre dois
que quer se salvar, voltando ao S, de sinal +, significa uma sinais opostos que lutam para se eliminar um ao outro. No S
conquista e uma vantagem. Então o mesmo processo evoluti- tudo é positivo e só positivo. A felicidade não está condicio-
vo pode ser encarado de dois pontos de vista opostos, um em nada, independendo do seu contrário: a dor. Não existem os
relação ao involuído, cuja vontade e triunfo, por serem frutos caminhos torcidos, fruto do emborcamento da revolta. Já para
da revolta, está na descida, motivo pelo qual ele se rebela à o rebelde decaído, pelo contrário, não pode existir senão a fe-
evolução, e outro em relação ao evoluído, cuja vontade e licidade enganadora do AS, ligada à dor e ao esforço da evo-
triunfo – porquanto sua vontade é endireitar-se, obedecendo lução para reconquistar a verdadeira felicidade do S, perdida
– está na subida, razão pela qual ele busca a evolução. com a queda. Não poderia acontecer de um modo diferente
Se evoluir representa um processo de transformação da num mundo emborcado pela revolta.
negatividade em positividade, então ela significa para o ser uma É lógico que, nessa sua posição emborcada, a felicidade fique
mudança da sua posição de sofrimento na de felicidade. Mas amarrada aos pés do seu oposto, a dor. No AS não há saída: ou a
essa transformação da posição do ser, de desvantagem no AS enganadora felicidade do mal, que leva para o sofrimento, ou o
na de vantagem no S, não pode ser realizada senão através do sofrimento para se remir, pois, na sua posição emborcada, a feli-
esforço e do sofrimento do próprio ser, isto é, com a sua des- cidade não pode ser senão sofrimento. Na sua ignorância, o mun-
vantagem. É assim que a vitória do S significa derrota para o do não sabe enfrentar o problema para resolvê-lo, então procura
AS. É desse modo também que a felicidade do involuído – por- fugir no gozo, onde acaba encontrando somente ilusões e insatis-
quanto ele se colocou na posição de desobediência, ao invés de fação. Segue assim o caminho da descida, o mais fácil, desmoro-
obediência – está emborcada, encontrando-se na descida, e não nando sempre mais para baixo, o que significa aumentar o fardo
na subida, tratando-se de uma felicidade somente aparente, que da dor, e não diminuí-la. O ser está preso dentro de uma lei de
é de fato traidora e acaba no sofrimento. A dura realidade é que ferro, da qual não pode fugir. Essa é a técnica do fenômeno, e
o cidadão do AS, para poder chegar ao seu verdadeiro bem, tem ninguém tem o poder de modificar o seu funcionamento.
de endireitar o seu conceito errado de felicidade, que para ele É lógico que, para o ser do AS, a conquista da felicidade
consiste na revolta. E cabe à dor a tarefa de lhe ensinar que o verdadeira e estável do S não pode ser senão fruto do sofri-
correto conceito de felicidade é outro, oposto, consistindo jus- mento, que retifica a sua posição emborcada. No AS, o natural
86 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
direito à felicidade tornou-se uma dívida que deve ser paga. foi o ser que, com a revolta, condenou-se a ele, semeando as
Ao invés de uma plenitude de satisfação, a felicidade tornou- suas causas com as suas próprias mãos.
se um vazio e uma fome insaciável, ficando dela só a carência O que dissemos corresponde mais à forma mental comum,
e a desesperada procura. De tanta riqueza restou só a pobreza, uma vez que o evoluído, deslocado na Terra, aqui se encontra
de tanta alegria só o choro do condenado. E agora, no fundo como desterrado, pertencendo a outros níveis de existência. Ao
da sua pobreza, a criatura tem de pagar com o seu próprio contrário da sua visão, tudo na Terra é concebido e julgado com
sangue a riqueza que tentou furtar. Se o ser desceu, é lógico outra forma mental, pela qual o valor está na revolta egocêntri-
que tenha depois de fazer o esforço para subir, assim como ca, sendo esta a psicologia de quem está mais próximo do AS
quem destrói a sua casa tem de construí-la de novo, se não do que do S. Para aquele biótipo, esta concepção representa um
quiser ficar sem ela. Igualmente, se o ser, com a sua revolta, absurdo inaceitável, como absurdos e inaceitáveis são os res-
gerou as forças de resistência contra o S, é justo e lógico que pectivos conceitos e julgamentos que saem da forma mental do
ele tenha de vencê-las para voltar ao S. Lembremo-nos de que biótipo involuído. Isso é lógico, porque as posições e os pontos
a dor, meio pelo qual o ser tem de se remir, não foi obra de de referência desses dois seres são opostos.
Deus, pois ela não existe no S, mas sim da criatura rebelde. Essa variação da liberdade individual, porém, não pode im-
Assim, é lógico e justo que o ser somente possa libertar-se da pedir que cada um permaneça bem preso ao próprio destino, de
dor reabsorvendo-a toda, porquanto, sem essa reabsorção, não acordo com a sua posição dentro da Lei. Não há ser que não es-
é possível alcançar a salvação, voltando ao S. teja contido dentro dela e da sua vontade de se realizar. Inexorá-
Este princípio de reabsorção é universal e funciona todas as vel, o tempo bate o ritmo dessa realização. Não há fenômeno
vezes que o ser se afasta da Lei, cometendo um erro. Neste ca- que possa ficar parado, sem ter de chegar à sua madureza. O AS
so, o ser deve equilibrá-lo como numa balança, neutralizando-o faz esforços desesperados para resistir à evolução, mas acaba
com uma dor correspondente, em quantidade e qualidade. O sendo vencido, porque o impulso do Sistema, que é o mais po-
princípio da dor, inexistente antes, foi introduzido na obra de deroso, acaba arrastando tudo. Quem quer fugir à fadiga da evo-
Deus pela criatura rebelde, constituindo a reação da Lei ao lução fica abandonado como um destroço, só restando a ele
maior erro do ser, que foi a revolta. É lógico, então, que a dor apodrecer, sendo perseguido pelo enjoo dos ricos ociosos, que o
seja tanto maior quanto mais o ser é involuído, encontrando-se desentoca de seus esconderijos. Esse é o fruto podre do seu va-
perto do AS, e tanto menor quanto mais o ser é evoluído, estan- zio interior, que os envenena. O processo do transformismo não
do próximo do S. O mesmo princípio se aplica a qualquer tipo pode parar. Com a revolta, o ser se condenou a uma corrida con-
de erro, do menor ao maior, pois todo erro representa uma re- tínua, e não terá paz enquanto não tiver voltado ao S, encontran-
volta à ordem estabelecida pela Lei. Então, se o ser, nos níveis do novamente Deus. Assim caminha fatalmente a evolução.
inferiores, encontra-se perseguido pela dor, ele está de fato sen- Como todo fenômeno, ela tem seu próprio tempo, que mede o
do perseguido apenas pela sua própria revolta. O ser que, obe- seu amadurecimento e, como um pêndulo inexorável, marca por
diente à Lei, procurou subir ao longo do caminho da evolução dentro o transformismo de todos os fenômenos, estabelecendo o
em direção ao S, não fica sujeito a essa perseguição. A dor so- ritmo do desenvolvimento da evolução até à sua solução.
frida pelo ser não é senão o conjunto das forças positivas da fe- ◘ ◘ ◘
licidade, que favoreciam a criatura no S, mas que agora, em- Continuemos observando outros aspectos do fenômeno evo-
borcadas por ela ao negativo, por isso mesmo a vergastam. As- lutivo. Amadurecidos pelo caminho percorrido até aqui, é pos-
sim, as forças que a criatura pretendia, em seu proveito, lançar sível esclarecer novas dúvidas, focalizando com mais exatidão
contra Deus, acabaram sendo lançadas contra ela mesma, em alguns problemas e aperfeiçoando alguns conceitos já mencio-
seu próprio dano. É lógico que, desse modo, quem mais sofre e nados. Procuremos então responder mais exaustivamente a es-
progride mais se liberta do sofrimento, assim como quem mais tas duas perguntas:
goza e menos progride menos se liberta e mais afunda no so- 1) A evolução, no seu conjunto, é finita ou infinita?
frimento. Em outras palavras, quanto mais o ser, sofrendo, re- 2) Cada elemento individual pode progredir para sempre, ou
nega a si próprio como cidadão do AS, tanto mais ele se apro- existe um ponto final no qual a sua evolução, completando-se,
xima da felicidade do S, e ao contrário. atinge um estado em que tem de parar?
Outro fato, contudo, é o transformismo. Ele é o estado de Eis, então, o que procuramos saber:
quem não pode existir senão percorrendo continuamente o ca- 1) Se há ou não um limite para o processo evolutivo universal.
minho do relativo, em busca da perfeição. Foi nessa posição de 2) Se há ou não um limite para o processo evolutivo no caso
instabilidade que se emborcou, pela revolta, a posição oposta, particular do indivíduo.
representada pelo absoluto, imóvel na sua perfeição. Ora, para Comecemos com o 1 o caso. Logo surge a ideia de que, se o
o ser decaído no relativo, o transformismo representa a sua ponto final da evolução é Deus, sendo Ele um infinito inatin-
forma de existência necessária, da qual ele não pode sair. Da gível, então a evolução deveria ser infinita, porque o seu pon-
necessidade deste transformismo derivam algumas consequên- to final é um infinito, ou melhor, porque no infinito não se
cias. Ele, pela irresistível vontade da Lei, é dirigido para o S. pode encontrar ponto final. Em nosso diagrama, porém, ve-
Então pela necessidade de atingir esse objetivo superior, tal mos que o caminho da evolução é limitado, tendo o seu pon-
transformismo representa uma vontade de ascensão, consti- to de chegada marcado pela linha WXW1. Como se resolve,
tuindo uma força que impulsiona fatalmente para a evolução. então, essa contradição?
Tudo isto coloca o ser, quer queira quer não, dentro de uma Observemos o fenômeno mais de perto. Perguntamos: é
corrente na qual ele não pode existir senão na condição de es- possível um caminho que nunca atinja o seu ponto final, uma
forço para subir, através de sofrimento e luta, sem o que a evo- obra de construção que nunca termine, um processo de trans-
lução não se pode realizar. Eis então que necessidade de evoluir formação que nunca chegue a uma conclusão? Se assim fos-
significa necessidade de trabalhar e sofrer, impossibilidade de se, a evolução não seria mais um caminho, uma construção,
ficar parado, fatalidade do destino de ter de realizar o esforço um processo de transformação. Ela se tornaria um fenômeno
da ascensão. Assim observamos o destino do mundo, que não sem objetivo e conclusão (ponto de chegada), e isto implica-
consegue encontrar paz, seja porque, perseguido pela dor, corre ria que, de outro lado, ela não teria causa e início (ponto de
fugindo dela, seja porque, atraído por suas miragens, corre atrás partida). Assim, permanecendo para sempre em suspenso, a
delas em busca de uma felicidade que termina sempre num en- evolução perderia todo o sentido. Não é concebível um mo-
gano. Destino duro, mas justo, cuja lógica vemos agora, porque vimento sem pontos de referência, fora de um mundo relati-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 87
vo e finito. Um movimento a qualquer velocidade se torna to, dimensão do ser rebelde, oposta à de Deus, como a revolta
igual à imobilidade, se ele se verifica no vazio ilimitado, on- exige. O limite é a única dimensão na qual pode existir esta
de não existe ponto algum de referência, em função do qual posição, que, além de dualismo, bipolaridade e contraste, sig-
seja possível avaliá-lo. O transformismo evolutivo presume nifica também equilíbrio entre opostos, pelo qual o conceito de
uma resposta à pergunta: de onde e para onde? Não conse- início implica o de fim, e vice-versa. O que há de um lado tem
guimos conceber um fenômeno de tal envergadura sem uma de existir do outro, em posição paralela e inversa, como seu
causa determinante, como uma corrida sem uma realização complementar. Por isso o limite não pode ser unilateral, mas
final que a conclua e a justifique. A ideia de caminho pres- somente bilateral, condição essencial para que o circuito possa
supõe uma direção, e esta implica numa finalidade a atingir, fechar-se, exatamente como se realiza neste caso, fazendo tudo
na qual o fenômeno tem de se resolver. voltar à origem (S) e o ponto de chegada coincidir com o de
Poder-se-ia responder que tal impossibilidade de conceber partida. Assim, acontece que, se o conceito de limite existe no
uma evolução sem limite dependa do fato de tal fenômeno exis- período involutivo-evolutivo, marcando o início e o fim deste
tir no relativo. Mas é justamente pelo fato de existir nele que a período, ele desaparece em relação ao absoluto, porque, neste,
evolução tem de ficar sujeita às leis do relativo, e isto implica seus dois limites, o ponto de partida e o de chegada, constitu-
um início, um desenvolvimento e um ponto final. É exatamente em o mesmo e único ponto, onde os dois limites opostos se
pela relatividade do relativo que ela tem de possuir um termo. fundem e reciprocamente se anulam, eliminando o conceito de
Mas por que a evolução tem de existir no relativo? Antes da limite. Assim, na lógica do plano universal, o fenômeno invo-
revolta, só existia o absoluto, de onde saiu o relativo, que, por lutivo-evolutivo acaba não sendo concebível senão como uma
ser fruto da revolta, tomou a forma oposta. A criatura não podia aventura que se realiza na particular dimensão do vir-a-ser,
criar nada novo, para gerar um outro S, mas somente produzir num ciclo fechado sobre si mesmo, como um episódio que não
deslocamentos dentro dele. É lógico que, tratando-se de um podia deixar de ficar preso dentro dos seus próprios limites,
movimento de revolta, dela não poderia nascer senão o contrá- constituindo um incidente transitório, realizado dentro da di-
rio do que já existia, ou seja, do absoluto, contrário ao relativo. mensão do absoluto, na oposta posição de relativo.
Era na própria natureza do absoluto que estava implícito a úni- Para melhor responder à primeira pergunta, ainda não esgo-
ca forma que o seu contrário, o relativo, podia assumir, justa- tada, temos de esclarecer um outro ponto. Se estamos no relati-
mente pelo fato de se tratar de emborcamento, que é o resultado vo, que é o reino dos limites e das medidas, temos o direito de
lógico da revolta. Em outras palavras: existia o absoluto, e seu saber onde está situado esse limite.
emborcamento representa a inevitável consequência da revolta. Acima de tudo o que foi gerado pela revolta, existindo fora
Tal inversão significa atingir a posição oposta. Ora, a forma do tempo gerado por ela, independente, antes e depois da que-
oposta do absoluto é o relativo. Eis por que razão o ciclo invo- da, está o reino do absoluto. Ora, se a queda foi uma descida
lutivo-evolutivo da queda e salvação não podia existir senão no involutiva, ou seja, um emborcamento na posição contrária, do
relativo. Eis porque a evolução existe no relativo. absoluto no relativo, é lógico que a evolução, isto é, a segunda
Mas relativo quer dizer limite, e isto significa que há um parte do mesmo ciclo, inversa e complementar, não possa ser
fim para o processo. Então, pelo fato de se realizar no relativo, constituída senão por um endireitamento daquele emborcamen-
a evolução não pode ficar sem solução. O relativo é o terreno to, para levá-lo de volta ao estado original, que é o ponto de
natural da evolução, no qual ela ficou fechada, como resultado partida. Isto quer dizer que a evolução somente pode consistir
da revolta, que outra forma não podia gerar. E relativo implica num caminho de volta, que leva o relativo ao absoluto. Eis que,
todas as suas consequências, entre as quais a necessidade de fi- se o termo final da evolução é o absoluto, então ela o encontra-
car sujeito a um termo final. Além disso, se de fato vemos que a rá e, portanto, seu limite está no ponto em que ela o atinge. As-
evolução existe em função de um telefinalismo seu, então o sim, é neste ponto, quando ela chega ao seu termo, que está o
processo terá de se resolver quando atingir o seu objetivo, para limite da evolução. Desse modo, podemos responder à nossa
o qual existe. Pela própria posição da evolução dentro do terre- pergunta, afirmando que o limite do processo evolutivo está si-
no do relativo, ao qual ela pertence, porque faz parte da queda tuado no ponto em que o relativo desemboca no absoluto.
que o gerou, o processo evolutivo tem de ficar sujeito a todas as Mas por que o relativo acaba desembocando no absoluto? Is-
qualidades do relativo. É justamente o fato de tal fenômeno se to se deve não somente à necessidade do processo cumprir, se-
realizar no relativo que torna possível medir os seus movimen- guindo a própria estrutura do fenômeno, a segunda metade do
tos e avaliar os seus produtos, o que seria impossível, se não ciclo, em posição inversa, para voltar ao ponto de onde o ciclo
houvesse outros termos com os quais compará-los. involutivo-evolutivo saiu, mas também ao fato de que ele repre-
Então é devido à própria natureza do fenômeno evolutivo, senta o efeito de um impulso da criatura e, por isso, não pode ser
que nele está implícito o conceito de limite. Quando, com a re- senão limitado nas suas consequências, possuindo, implícito na
volta e a queda, o imutável decaiu no movimento, foi a própria sua própria natureza, o princípio de limite. De tal impulso não
natureza do fenômeno da queda que marcou o seu ponto inicial, podia nascer senão o relativo, que não pode deixar de se esgotar.
acarretando assim, no lado oposto, a existência do ponto final cor- Somente o absoluto, que é positivo, existe de verdade. O relativo
respondente. Foi o próprio fenômeno da queda que gerou o con- não é senão uma temporária negação dele, um seu aspecto em-
ceito de início e fim, de tempo, movimento, mudança, vir-a- borcado, constituindo, em substância, somente uma existência
ser ou transformismo involutivo-evolutivo. Foi a queda que, pe- fictícia, ao negativo, uma não-existência, apenas com aparência
lo fato de constituir uma descida do ser, o lançou neste mundo de real, como forma transitória e inconsistente da única entidade
relativo, nos antípodas daquele no qual ele existia no S. Tudo que existe de verdade: o absoluto, isto é, Deus. Esta posição no
isto foi obra do ser rebelde e irá perdurar no transformismo, que relativo é contrária à realidade, sendo falsa e enganadora, e so-
é a dimensão desse fenômeno, até que o parêntese do AS, den- mente pode existir pelo fato de ser dependente da verdadeira,
tro da vida infinita do S, tenha automaticamente, pela própria que representa a única força positiva capaz de sustentá-la. É so-
natureza do fenômeno e da Lei que o dirige, sido fechado. mente em função do absoluto e apenas como um seu disfarce
É por tudo isto que não é possível conceber uma evolução que o relativo pode subsistir e se manter. Por isso não pode dei-
sem fim. Ela faz parte de uma ordem de ideias lógicas, na qual xar de terminar, tendo de recair no absoluto.
não há lugar para o infinito. E isto é coerente, pois cada um Após a evolução haver reconstituído, com o seu transfor-
dos dois universos tem a sua própria dimensão, inversa à do mismo, tudo que a involução destruiu, neutralizando a queda ou
outro. O S tem o infinito, dimensão de Deus; o AS tem o fini- afastamento com o caminho da volta e cumprindo, assim, toda
88 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
realização em função da qual ela existe, há um ponto no qual os problemas, porque estamos no terreno da pesquisa e temos de
impulsos que geraram o fenômeno se esgotam e ele desaparece, atingir o nosso objetivo, que é o máximo possível de conhe-
pois o emborcamento involutivo pelo qual ele foi gerado é re- cimento. Podemos fazer isto sem risco nem medo, porque es-
absorvido e neutralizado pelo endireitamento devido à evolu- tamos cumprindo um dever e sabemos, pela nossa experiên-
ção, fazendo tudo que era negatividade no AS voltar a ser posi- cia, que não há pergunta à qual a inspiração, até agora, não
tividade no S. Assim, nada se cria e nada se destrói, sendo tudo tenha respondido; não há problema que, tendo-lhe sido pro-
devolvido através do processo evolutivo ao estado de origem, posto, ela tenha deixado sem solução.
onde a evolução chega ao seu termo, porque, neste ponto, não A primeira coisa a fazer sempre é nos orientarmos a respeito
existe mais o AS, desaparecendo o relativo e tudo o que deriva do assunto que enfrentamos. Lembremo-nos que o S é um or-
dele. Estamos aqui nos referindo ao fenômeno da evolução co- ganismo de elementos, cada um deles no seu devido lugar e po-
mo coisa passada, já que o estamos observando, colocando-nos sição, cumprindo a sua função. No final da evolução, o ser vol-
no seu ponto final, para nós, hoje, bem longe ainda. Dentro do ta a possuir de novo esta capacidade, readquirindo as qualida-
relativo, o que agora dissemos constitui limite, mas apenas em des para funcionar desse modo, em plena obediência à Lei, o
face do relativo. Dentro do absoluto, porém, nada mais disto é que constitui a perfeição relativa do ser, reconquistada com a
limite, porque tudo acaba nele, permanecendo tudo imóvel, evolução. Ora, quando o ser atinge sua perfeição relativa, ele se
acima do transformismo e fora do tempo, tanto o que está antes encontra reintegrado na posição de origem, numa condição per-
da queda como o que está depois. O que existe no tempo, como feita em relação à função que ele cumpre no S, de onde, com a
produto transitório, tem de ter um fim, deixando de existir revolta e a queda, o ser se tinha afastado. Então, se todo o pro-
quando o tempo desaparece. Tudo o que é filho do relativo tem cesso evolutivo se encerra, extinguindo-se ao atingir o S, per-
de terminar com ele. Neste ponto desaparece o transformismo, guntamos se a evolução também cessa para o indivíduo, quando
o tempo, o limite, a medida, extinguindo-se tudo o que foi fruto ele alcança o estado de perfeição original, que ele possuía antes
da queda, transformado pela evolução numa existência de tipo da queda? A perfeição relativa de origem é atingida quando a
diferente, que toma o lugar da precedente. imperfeição devida à queda é corrigida, depois de ter sido per-
Eis onde está situado o limite. Ele se encontra no ponto em corrido o caminho de retorno ao S, para neutralizar o caminho
que se completa o amadurecimento do fenômeno evolutivo, de afastamento. Mas qual é esse estado de perfeição? Como
quando este realiza o objetivo para a consecução do qual existe, podemos defini-lo e localizá-lo, para saber qual é o ponto onde
ou seja, destruir todas as consequências da revolta e da queda, termina a evolução de um dado ser?
reconstruindo tudo que foi destruído. Este fim do transformis- Como já foi explicado, trata-se de uma perfeição relativa à
mo na imobilidade da perfeição, finalmente atingida depois de posição do ser no sistema orgânico do todo. Esta perfeição é
tão longa corrida e tão dura procura, poderá parecer para nós, atingida pelo ser, quando ele aprende, pela escola da sua exis-
acostumados a conceber no relativo, cristalização e morte, co- tência, a cumprir a sua função específica no funcionamento do
mo é de fato a estagnação inerte de quem para no caminho evo- todo de maneira perfeita, em relação ao seu conhecimento, ca-
lutivo. Mas a imobilidade no absoluto quer dizer superação da pacidade, estrutura e posição no organismo do todo. Cumprir de
fase de transformismo, e não o fim do funcionamento ativo, que maneira perfeita a sua função significa executar perfeitamente o
continua plenamente no organismo do S. Aqui, o movimento, comando da Lei, que expressa o pensamento perfeito de Deus.
sendo de outro tipo de natureza, é imutável no sentido de não Quando o ser, por ter aprendido toda a lição, destrói com o seu
ser mais um transformismo, um vir-a-ser em involução- esforço e experiência a parte negativa, transformando-a em po-
evolução. Trata-se da imobilidade do que é deterministicamente sitiva, e passa a executar o trabalho que lhe cabe, então ele
perfeito, conforme a Lei, e não da tentativa contínua para bus- atinge o conhecimento total da Lei em relação ao nível de vida
car a perfeição numa corrida de amadurecimento evolutivo. a que ele pertence, completando a sua evolução. É neste ponto
Uma vez que, com a completa obediência à Lei, foi atingida a que ela tem de parar, porque o ser voltou ao ponto de partida e
perfeição no S, o movimento é estabilizado na posição certa e a viagem de volta (evolução) está completa, através da qual o
definitiva da obra realizada, e não mais instável na posição in- ser neutralizou a viagem de ida (involução), reintegrando, em
certa e variável da obra em reconstrução e em evolução. relação a si, o que ele havia destruído e voltando a ser o que era
Vemos o nosso diagrama limitado pelas linhas ZYZ1 e antes. Já falamos no livro O Sistema dessa posição e perfeição
WXW1. Esta segunda linha estabelece o ponto e representa o relativa de cada elemento no seio do organismo do S.
momento em que a evolução acaba. Neste instante e nesta posi- Portanto, terminar o caminho da evolução, isto é, voltar a
ção desaparece a série de todas as dimensões do relativo, ces- Deus no seio do S, não significa ter percorrido o mesmo per-
sando o transformismo de uma na outra. No absoluto, apaga-se e curso evolutivo, igual para todos os seres. Que faz então um
desaparece a ideia de limite, qualidade do relativo, fora do qual elemento quando tiver atingido o estado de sua perfeição relati-
ela não existe. A resposta à nossa pergunta, então, é que a evo- va? Ficará ele paralisado, sem poder evoluir mais? O que impe-
lução, apesar do seu ponto final ser o infinito, é finita, porque de a sua ulterior evolução?
esta é a qualidade do relativo, dimensão na qual a evolução exis- Para compreender a questão, temos de levar em conta tam-
te. Por isso, nela, está implícita a ideia de limite. Mas esta ideia bém o princípio das unidades coletivas (V. A Grande Síntese).
implica também no conceito de superação do limite, para alcan- Por esse princípio, o indivíduo se agrega aos seus semelhan-
çar um mundo ilimitado no infinito. A ideia de relativo é finita e tes, mas sem perder a sua individualidade, que permanece como
implica no conceito de limite e de uma série finita de limites re- elemento da nova unidade coletiva. Ora, quando um determina-
lativos, até o limite final, além do qual não existe mais o concei- do elemento atinge o estado da sua perfeição relativa, ele cum-
to de limite. Neste ponto, o finito, que teve o seu início, encontra pre espontânea e conscientemente, em perfeita e convicta obe-
o seu termo final e acaba, perdendo-se no infinito, que, acima de diência, a vontade da Lei. Nessa condição, sua evolução indivi-
todos os limites, permanece invariável, sem início nem fim. dual cessa, pois, para esse elemento, que já voltou ao seu plano
◘ ◘ ◘ de vida, não há mais caminho a percorrer. Mas nem por isso ele
Procuremos agora responder à outra pergunta, resolvendo fica paralisado na sua volta para Deus.
o segundo caso acima mencionado. Se a evolução é finita, se a O ser continua evoluindo, mas de uma forma diferente. Não
própria natureza desse fenômeno o leva para um termo que o mais como um elemento singular separado, mas sim como ele-
extingue, haverá também limites no caso da evolução indivi- mento componente de uma nova unidade coletiva, da qual ago-
dual? E quais serão eles? Colocamo-nos sempre perante novos ra faz parte. Aqui, começa a funcionar o princípio das unidades
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 89
coletivas. Já vimos que o objetivo da evolução é a reconstrução agora, como membro do seu grupo, o ser progride numa posi-
do organismo do S, voltando do estado caótico ao estado orgâ- ção diferente, em função de outros elementos e atividades, rea-
nico de ordem, destruído pela revolta. Vimos também que o se- lizando um trabalho não mais isolado, que ele desconhece e
paratismo egocêntrico é qualidade do AS, enquanto a fusão que, sozinho, não poderia executar.
num estado unitário é qualidade do S. É lógico então que a evo- No nível humano, o ser inicia esse novo trabalho como
lução leve o ser da primeira à segunda forma de vida. Então, membro da família, continuando como tal a sua evolução, até
chegando a esse ponto, o ser não trabalha mais só para a sua constituir uma unidade em forma estável, que se torna elemento
evolução como elemento separado, deixando assim de progre- constitutivo de uma unidade maior, como grupo, aldeia, cidade,
dir somente para si, como indivíduo, para avançar como ele- etc. Quando essas unidades constituídas atingirem sua forma
mento fundido com os seus semelhantes na unidade coletiva estável, elas também se fundirão para construir outra ainda
maior, da qual agora faz parte. maior: como nação, povo, raça etc. E assim continua o processo
Essa nova forma de evolução é possível também devido ao evolutivo, com a formação de novas unidades coletivas, até to-
fato de que o elemento, após ter realizado toda a sua evolução das formarem uma só humanidade. Desse modo, o indivíduo
e, assim, atingido a sua perfeição relativa, passa a ter um fun- passa a fazer parte de entidades cada vez maiores, na posição
cionamento completo, automático e determinístico (livre das de componente dela, o que significa uma amplitude maior das
tentativas e dos erros da fase experimental de construção), suas experiências e das qualidades a adquirir, dilatando os limi-
condição que permite, com certeza absoluta, contar com o seu tes da sua vida, que se expande, multiplicando-se e potenciali-
trabalho, sendo possível neste momento iniciar com esse ele- zando-se na vida dos outros. Assim, tornando-se elemento de
mento a obra de uma construção superior. Seria absurdo que- agrupamentos sempre maiores, o ser pode subir até planos de
rer iniciar um trabalho evolutivo sem ter antes terminado o vida mais adiantados, que não poderia alcançar sozinho.
precedente, sobre o qual o novo se levanta. Seria perigoso uti- Com este método, é interessante ver como o universo orgâ-
lizar na nova construção elementos não estáveis, que não nico do S vai-se reconstruindo. O homem se encontra ao longo
constituem um apoio firme, um problema já resolvido, uma desse caminho de restauração da organicidade. Olhando para
certeza de conduta com a qual a unidade superior possa con- baixo, isto é, para seu passado, ele pode, decompondo-se nos
tar. A construção da nova unidade coletiva somente pode ser seus elementos, analisar a sua estrutura. Olhando para o alto, is-
iniciada quando as experiências vividas pelos seus elementos to é, para o futuro, ele pode antecipar a visão das sempre mais
componentes foram definitivamente assimiladas em forma de vastas sociedades humanas e das unidades coletivas do porvir,
instinto, de modo que não haja mais a incerteza da livre esco- em que os seres se fundem numa organicidade sempre mais
lha na conduta de cada indivíduo. Assim, a incerteza e a tenta- completa, até atingir o S.
tiva pertencem à fase de construção de cada elemento, que já Até o plano do homem esse trabalho já foi realizado. Acima
foi concluída, e somente podem ser aceitas para a nova unida- desse nível, para nós, tal obra está ainda para ser feita. O passa-
de coletiva que está sendo construída, mas não para os seus do nos mostra como funciona nos graus inferiores esse princí-
elementos componentes. Os tijolos devem ser bem feitos, pio das unidades coletivas. No caos dos primórdios da evolu-
quando são usados para levantar um edifício. Para que haja ção, os elétrons ainda não tinham disciplinado a sua corrida ao
garantia de estabilidade, não se pode edificar o andar superior, redor dos núcleos. O átomo foi uma das mais simples organiza-
enquanto não for concluído o andar inferior. ções de elementos constitutivos da matéria. Então os átomos,
Assim, a evolução prossegue individualmente para cada com a sua fusão em unidades químicas, começaram a construir
elemento, que continua progredindo, porém não mais isolada- as moléculas. Depois, sociedades de moléculas construíram a
mente, separado em uma sua particular evolução egocêntrica, célula, e sociedades de células constituíram os tecidos orgâni-
que já está realizada, e sim na única forma agora possível, como cos. Apareceram assim órgãos e organismos sempre mais com-
elemento da unidade maior da qual faz parte. Não se trata mais plexos, primeiro os do mundo vegetal, depois os do animal in-
de construir um indivíduo, mas sim uma sociedade de indiví- ferior e a seguir os do animal superior, até chegar ao homem.
duos, na qual cada um tem de aprender a nova arte, ainda desco- Neste ponto, a organização celular atinge a sua perfeição relati-
nhecida por ele, de se fundir organicamente com todos os outros va, isto é, a sabedoria necessária para cumprir a sua função, não
numa posição que, diferente da precedente, é feita de compreen- podendo mais progredir nesta condição. Então ela continuará o
são e de concórdia, qualidades necessárias para a colaboração, e seu caminho em outra forma. Vai se cumprindo assim sempre o
não mais, como no passado, de luta e de atritos entre egocen- mesmo princípio das unidades coletivas, pelo qual os indiví-
trismos rivais. Então as leis biológicas do nosso atual plano de duos se juntam em sociedade familiar e assim por diante, como
existência terão de desaparecer, para serem substituídas por ou- vimos. É nesta sua nova posição que o indivíduo, agora que a
tras, como é lógico num universo onde tudo é relativo e está em sua evolução celular orgânica está mais ou menos completa,
evolução. É somente por esse caminho que o ser, após ter reali- pode progredir como elemento psíquico e espiritual, atingindo
zado a máxima evolução possível como indivíduo, pode conti- superiores planos de existência.
nuar aprendendo e evoluindo, progresso que ele, como ser isola- Esse é o caminho percorrido pela evolução para reconstruir o
do, não poderia realizar. Ele também pode continuar evoluindo grande organismo do S. Trata-se de edifícios sempre maiores,
como indivíduo, porque fica reabsorvido na unidade coletiva da cada um levantado em cima de outro, apoiando-se nos resulta-
qual faz parte, permanecendo nela com as suas qualidades indi- dos atingidos pelo precedente. Assim não há individuação que
viduais, que ele conquistou com a sua evolução passada e que, não seja uma unidade coletiva. E tão logo uma unidade seja
agora, utiliza para cumprir a sua função específica no seio do construída, atingindo a sua perfeição relativa, porque a obra nela
novo organismo, do qual passou a constituir uma célula. realizada está completa, eis que ela se aproxima das suas unida-
Vai-se, desse modo, realizando o trabalho de reconstrução des semelhantes e, com elas, atraindo-as ou repelindo-as, acaba
da organicidade do S, onde ele terminará. Na sua nova posição, fundindo-se para formar uma unidade coletiva maior, e assim
o ser, não mais isolado, e sim ligado por muitas relações com por diante. É deste modo que o universo passa do seu estado de
os seus semelhantes, poderá enfrentar e assimilar experiências AS, ou separatismo egocêntrico de máxima pulverização da
antes desconhecidas, aprendendo coisas novas e vivendo uma unidade no caos, ao seu estado de S, ou unificação orgânica na
forma de vida mais aperfeiçoada. Então o ser não evolui mais ordem. Eis como a evolução, com o método das unidades coleti-
sozinho, limitado apenas ao seu pequeno mundo particular, que vas, constrói de novo a organicidade do S, destruída no AS. Os
se amplia, abrangendo horizontes sempre mais vastos, porque elementos que, seguindo o princípio egocêntrico, rebelaram-se
90 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
contra Deus, caindo na desordem e confusão do caos, não po- XVI. AJUDA DE DEUS E MISSÃO
dem voltar a Deus senão irmanados no altruísmo e reorganiza-
dos no estado de ordem, em obediência à Lei. A vida no S não Estamos chegando ao fim deste novo volume, que já perce-
existe em forma de luta, como em nossos planos inferiores, mas bo aproximar-se ainda mais da prática, levando as teorias a um
sim de disciplina e harmonia. Assim como o trabalho da involu- contato cada vez mais direto com os fatos, para controlar a ver-
ção foi desorganizar no AS a organização do S, o trabalho da dade nelas contida. Assim, elas terão provas concretas, e o edi-
evolução é organizar de novo no S a desorganização do AS. fício será sempre mais sólido.
A obra de evolução que cabe ao ser em nosso nível humano Por isso queremos colocar aqui um pequeno intervalo, anali-
é a fusão de todas as raças numa só humanidade. Assim como sando fatos vividos, que todos podem entender. Veremos como
as células de nosso corpo continuaram o seu caminho evolutivo funcionam as nossas teorias na realidade da vida. Para bem en-
não como células isoladas, mas como elementos de nosso orga- tender um livro, o leitor deveria conhecer também o reverso da
nismo, o ser humano também continuará o seu caminho evolu- medalha, considerando as condições em que se encontrava o au-
tivo não como indivíduo isolado, mas como elemento constitu- tor no período em que o escreveu. A vida é para todos uma via-
tivo de nossa humanidade. E, de fato, o biótipo do plano A4 é gem, e cada percurso dela representa um trecho percorrido pelo
colaboracionista e orgânico, enquanto o biótipo do plano A3 é homem no caminho da sua evolução. Se falamos agora em sen-
egoísta e desorganizado. É por isso que o processo da evolução tido específico, particular, é porque, em todos os casos, vemos
é constituído, sobretudo, por um trabalho de reorganização. sempre vigorar as mesmas leis gerais, que já explicamos bastan-
Ora, organicidade implica uma complexidade de estrutura e te, somente em função das quais pode ser entendido cada caso.
de funcionamento que requer uma inteligência cada vez maior O leitor pode imaginar que, escrevendo aqui, esteja alguém
para ser dirigida, e isto significa não só divisão e especialização tranquilamente mergulhado nos seus pensamentos ou que, em
do trabalho, mas também colaboração de especialistas e necessi- estado inspirativo, receba as ideias em transe no seu escritório,
dade de conhecimento para realizar uma obra de conjunto. Eis recebendo tudo de graça do Céu. Ele não sabe que muitas des-
que surgem experiências diferentes, com as quais se constroem tas paginas foram escritas com lágrimas e sangue, no meio da
qualidades novas. Abre-se então um mundo inexplorado, em que luta infernal da vida. Já explicamos como é o mundo em que
se encontram planos de vida superiores, através dos quais o in- vivemos, onde ninguém é poupado, nem ao menos quem pede
divíduo continua a se desenvolver. Tudo isto significa destruição só um pouco de paz para cumprir uma missão de bem e pro-
das qualidades do AS e conquista das qualidades do S, trazendo gresso, buscando tornar a Terra um ambiente mais civilizado. O
conhecimento, inteligência, bondade, ordem etc. Isto representa leitor pode acreditar que estes livros sejam fruto apenas de abs-
desenvolvimento do espírito, que se revela cada vez mais com a trações teóricas. Mas, pelo contrário, eles foram escritos em
evolução, em função do plano de existência que o ser atingiu. contato contínuo com a realidade de nossa vida, representada
Tal princípio espiritual já existe na sua forma mais simples, pela ininterrupta necessidade da legítima defesa, num mundo
no átomo, dirigindo e regulando os movimentos dos seus ele- onde a mais urgente verdade, não importa se muitas vezes dis-
mentos componentes. Desta sua forma mínima, esse princípio farçada nas aparências, é a guerra.
vai-se cada vez mais revelando e manifestando com a evolução, O impulso de agressividade das forças do mal, que sobem
por um processo de substituição ao oposto princípio material, do do AS, personificadas em indivíduos que agem de forma con-
qual toma o lugar. O espírito é o resultado dessa transformação, creta, contra as do bem, é fenômeno que encontramos continu-
e nisto consiste o processo evolutivo. Trata-se apenas de um re- amente em ação. Tal condição exige que o indivíduo fique em
torno a uma condição que já existia, voltando ao estado original constante estado de defesa. Este foi o modo pelo qual o choque
de S, do qual o ser, pela queda, decaiu no AS, isto é, na matéria. entre AS e S foi vivido constantemente pelo autor, de modo
É lógico que cada ser possua tanto mais as qualidades do que as teorias nasceram da própria prática. Uma vez que, pelo
espírito, produto dessa transformação, quanto mais ele se adi- fato de seguir o Evangelho, o autor não quis aceitar as armas
antou na evolução. Assim, a cada nível evolutivo, corresponde do mundo, isto é, a força e a astúcia, ele teve então, para con-
um grau de espiritualização proporcional. Mas a cada nível seguir sobreviver em tal mundo, de chamar e receber a indis-
corresponde também um proporcionado grau de unificação na pensável ajuda do Alto, que constituía seu único meio de defe-
forma de entidade coletiva, como vimos. Eis então que essas sa. Assim este choque apocalíptico entre bem e mal, entre Céu
duas diferentes maneiras de conquista evolutiva se movimen- e Terra, foi aqui vivido na forma de um pequeno caso particu-
tam paralelas, de modo que, ao aumento de complexidade or- lar, condição que não impede a verificação e a aplicação das
gânica da unidade construída corresponde um aumento na in- leis gerais estudadas por nós aqui.
teligência e qualidades espirituais necessárias para atingir e Este livro representa o trecho da minha vida e o respectivo
manter essa complexidade. trabalho de evolução que abrange o período dos meus 74 e 75
Assim, na molécula há mais inteligência do que no átomo; anos. Antes e depois, há outros trechos, outros trabalhos evo-
nas células, mais do que na molécula; num tecido orgânico, lutivos e outros livros. Neste ano, entro na última década da
mais do que numa célula; no organismo de uma planta, mais do minha vida. Chamo-lhe de década da libertação, porque este é
que num simples tecido; num animal, mais do que numa planta; meu último período, no qual finalmente se esgota o meu duro
no homem, mais do que num animal. Todavia, para dirigir uma dever de viver no infernal ambiente terrestre. Poderia ter
família ou grupo humano, é necessário mais inteligência do usado a inteligência para mergulhar e vencer na suja peleja
que para dirigir um só indivíduo. E assim por diante... Essas humana, perseguindo as costumeiras ilusões. Mas há estôma-
unidades coletivas maiores necessitam ser governadas por um gos que não conseguem de maneira alguma engolir tal alimen-
centro de espiritualidade de grau cada vez mais adiantado, po- to, venenoso para eles.
deroso e completo. Vemos, dessa forma, quantos aspectos tem Trata-se, agora, de conduzir a minha luta, e nas seguintes
o processo evolutivo e quão complexo ele é. Em cada nível de condições: 1) Idade de 75 anos, na qual todos procuram descan-
vida, as qualidades do AS e do S aparecem em doses diferentes, sar, o que se faz sempre mais urgente a cada dia; 2) Trabalho in-
conforme a extensão da unidade coletiva reconstruída e o grau telectual contínuo e intenso, comprovado por cerca de 10.000
de sua evolução e espiritualização. O grau de ascensão pode ser páginas de produção literária; 3) Trabalho que não é recompen-
avaliado em termos de unificação e de espiritualidade, que sado, porque os escritores não têm salário, mas que absorve to-
constitui a substância da existência, enquanto a matéria repre- dos as suas energias, não deixando nenhuma sobra para aplicar
senta apenas a sua aparência. na própria defesa e na conquista dos recursos materiais; 4) A in-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 91
certeza de quem, sem nenhuma fonte de renda, tem de se humi- dos pelos cálculos do interesse, pela cobiça do mercador ou pe-
lhar todos os dias, pedindo esmola; 5) Preocupação contínua pa- la voracidade do egoísmo, mas somente por recursos sadios, fi-
ra providenciar as necessidades da família (resolver o caso de lhos da honestidade, usados com sinceridade e amor.
um homem sozinho, como no caso de São Francisco, é muito Com isto, o leitor pode julgar o que significa cumprir uma
mais fácil); 6) Voto de pobreza apenas pessoal, que não se apli- missão e quão dura seja a posição humana de quem tem de
ca nem se pode impor aos outros (caso semelhante ao das ordens cumpri-la. Se tudo isso, porém, ocorresse num ambiente social
franciscanas, onde a pobreza é individual, mas a Ordem pode de paz e amor recíproco, haveria então um mínimo de tranqui-
possuir); 7) Apesar de todas as dificuldades, ter de dispor de lidade, que é indispensável para se trabalhar. Mas estamos na
uma casa e de um mínimo indispensável para sustentar a vida do Terra, onde o regime normal é constituído pela luta de todos
corpo, sem o que nenhum trabalho é possível (alguns exigiam contra todos. Antes de tudo, há as grandes guerras mundiais.
pobreza absoluta, o que significava destruir o indivíduo e, com Hoje, a Rússia comunista parece constrangida a se aliar ao capi-
ele, a missão e a Obra); 8) Ter, nestas condições, a responsabili- talismo, buscando se defender contra o maior perigo para todos,
dade de toda a família: a mulher idosa, paralítica há quase dois que está surgindo com a China comunista. Nossos tempos che-
anos, precisando de médico, remédios caríssimos e assistência garam a construir a bomba atômica barata, de modo que ela
24 horas por dia; a filha que faz o trabalho doméstico, cuida das acabará sendo acessível a todos, inclusive aos Estados novos e
roupas etc.; e ainda duas netinhas para criar; 9) Inexistência, na selvagens. Paira sobre o mundo, suspensa por um fio de cabelo,
família, de alguém que possa trabalhar remunerado; dependendo uma terrível ameaça de destruição. Eis o que sabem fazer os
de alguns amigos, que colaboram com a Obra gratuitamente; 10) grandes astutos do mundo. Nestas condições, de que vale ser ri-
Tudo isto num momento em que, pela contínua desvalorização co? E quem, num estado de contínuo temor, pode gozar das su-
da moeda, as coisas se tornam mais caras. as riquezas? Se estes são os resultados, fica provado então que,
Quem foi chamado a cumprir uma missão de espiritualidade nos métodos do mundo, tem de haver algum elemento funda-
em nosso mundo, não pode possuir as qualidades necessárias mental errado. Ao lado destas grandes guerras, há também as
para triunfar nele, porque tem de dar o exemplo, vivendo os pequenas, particulares, que exigem um gasto continuo de ener-
seus ensinamentos, e possuir as qualidades opostas, inadequa- gia na tensão do estado de defesa, gerado pela possibilidade do
das para serem vividas no ambiente terrestre. Quem, por evolu- assalto de qualquer pessoa a todo momento. E esta, se for bem
ção, conquistou o instinto da honestidade, pensa que os outros, organizada na luta, pode facilmente, armando-se de recursos e
assim como ele, também sejam honestos, e é, por isso, levado astúcias, vencer e impor a sua vontade contra quem, por não
naturalmente a confiar. Assim, ao invés de armar as garras para querer usar as armas do mundo e por estar todo absorvido em
lutar, abre os braços para colaborar, o que é perigoso em nosso outro trabalho, parece mais fraco.
mundo, onde, na rivalidade, é mais necessário possuir o instinto Estudando o problema friamente, concluímos que, no estado
de egoísmo e desconfiança. E, de fato, a honestidade parece não atual de nossa civilização, é bem difícil a sobrevivência de um
fazer falta, sendo poucos os que sofrem por ela. Como dizia homem honesto que se entrega inteiramente a um trabalho inte-
Maquiavel: útil não é procurar ser honesto, mas sim apenas pa- lectual independente, não filiado a nenhum grupo que o susten-
recê-lo por fora, de modo que, por uma sabedoria especializada te pela sua servidão. Assim o mundo, julgando esse homem um
neste sentido, torna-se possível ser desonesto sem que isto apa- ser inútil, porque não pode tirar dele nenhum proveito individu-
reça por fora, sendo julgados ineptos os que não sabem aprovei- al ou de grupo, procura, seguindo as leis do seu plano de vida,
tar-se disso para fazer os seus negócios. destruí-lo. Se ele não pode lutar e vencer, porque está preso a
Quem cumpre uma missão tem de ser verdadeiramente um trabalho mais importante, isto ninguém vê e a ninguém inte-
evangélico, e isto significa não pactuar com o mundo nem acei- ressa. Desse modo, o trabalho mais importante é julgado pelo
tar os seus métodos. Cristo falou claro a este respeito. Há entre mundo de hoje, perante a realidade da vida, uma coisa sem sen-
os dois uma guerra fundamental, porque deriva do antagonismo tido. Os leitores que admiram estão longe, e a sua admiração é
entre S e AS. Eis então que este homem tem de ser verdadeiro apenas teórica. Trata-se dos melhores indivíduos, da elite, dos
não só em teoria e nas palavras, como é comum, mas também poucos que entendem. A maioria não lê e, quando lê, não en-
vivendo na pobreza e suportando os correspondentes sofrimen- tende. A glória é um peso, e não uma ajuda, porque ela depende
tos. É necessário neste caso viver com métodos opostos aos do das exigências da maioria, que a tributa somente quando quem
mundo, trabalhando de graça e vivendo de esmola, contando a recebe satisfaz os gostos dominantes dos glorificadores.
apenas com o que a Providência de Deus envia, pois as teorias Então, se aquele homem não pode encontrar compreensão e
sustentadas têm de ser vividas, para que a experimentação as ajuda em nosso mundo, não há para ele outra escolha, a não ser
confirme, constituindo para todos um exemplo e uma prova po- pedir apoio do Céu. Se, para o mundo, esta palavra pode pare-
sitiva da sua verdade. O exemplo é demonstrativo, pois um cer vazia, ela não o é em absoluto para quem vive no plano es-
homem desprovido de tudo, com os únicos meios fornecidos piritual. Para ele, Deus está sempre presente e a Lei está sempre
pela ajuda de Deus, conseguiu não somente sobreviver na Ter- viva e funcionando. Como responde então, nestes casos, esse
ra, mas também escrever aí uma Obra. Esta deve ser realizada outro mundo, no qual o nosso não acredita? Da vítima saem
com métodos opostos aos do mundo, apoiada apenas em Deus, gritos que furam os céus e encontram ouvidos que os escutam.
que a sustenta com um milagre contínuo, provando a Sua pre- Qual é a razão, então, pela qual Deus permite que os seus ser-
sença. Uma obra também se revela pelo seu método e se justifi- vos sejam atormentados? Para a vítima, o problema é de vida
ca pela sua lógica. Trata-se de um jogo no qual estão envolvi- ou de morte, não lhe faltando inteligência para que, caso acei-
dos Deus e a Sua lei. Por isso quem tem uma missão a cumprir tasse os métodos do mundo, pudesse sair vencedora também na
deve ficar do lado Dele, e não do lado do mundo, da riqueza, do Terra. Contudo, pela sua própria natureza, ela não pode aceitar
ócio, do luxo. Quem está com Cristo tem de ser um dos bem- o emprego de uma tão grande dádiva de Deus, para triunfar na
aventurados do Sermão da Montanha e não pode gozar a vida. repugnante luta do mundo. Mesmo assim, o ataque não para,
Mas, em nosso mundo, é perfeitamente lícito, para quem tem continuando a exigir que o indivíduo, para se defender, empre-
recursos de sobra, poder gastá-los loucamente, sem se preocu- gue todas as suas energias e todo o seu tempo.
par com quem luta por finalidades superiores. A história está A todo instante, qualquer inconsciente pode lançar um golpe,
cheia desses casos, que constituem uma glória às avessas (ou e, se o sujeito que está sendo atacado estiver desprevenido, por se
vergonha) da nossa assim chamada civilização. Mas, por outro encontrar aprofundado no seu trabalho de pensamento, ele acaba
lado, tais obras não podem ser ajudadas por recursos envenena- sendo atingido em cheio, ficando praticamente paralisado. As-
92 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
sim, para satisfazer a astúcia de um irresponsável e os instintos há momentos em que esta tem de intervir e se manifestar. Ela,
de um primitivo, o trabalho útil para o bem acaba sendo substitu- pela sua própria lógica, está empenhada na defesa do seu ins-
ído pelo sofrimento, num desperdício inútil de energia, pelo qual trumento e não pode deixar de ajudá-lo, se não quiser que a
a Obra tem de ficar em suspenso, para que o autor possa recupe- missão fracasse por sua culpa. Que um patrão essencialmente
rar-se. No entanto, o desabafo dos instintos inferiores parece ser a justo abandone um empregado cumpridor do seu dever é um
coisa que mais interessa ao nosso mundo, de modo que uma pro- absurdo inadmissível. Se o mundo não entende essa conversa,
funda atividade intelectual tem de ficar ao dispor desses choques, porque, para ele, a Lei não pode manifestar-se senão como rea-
só podendo funcionar quando esta expressão de inferioridade o ção punitiva, então que ele fique dentro dela na posição embor-
permite. E tais indivíduos, filhos do engano, para melhor disfar- cada que escolheu. Mas, para os desesperançados do mundo,
çar a sua verdadeira face, chegam até mesmo a se apresentar pin- será de grande consolo saber que há justiça, ver onde ela está e
tados por fora de espiritualidade! Num mundo civilizado, isto verificar que, para realizá-la, a Lei de fato “funciona”, como es-
não deveria ser possível. Mas será que o nosso mundo é de fato tamos observando aqui, nos resultados positivos de nossa expe-
civilizado? Eis assim o reverso da medalha. Estas são, embora rimentação. Agora, não estamos mais no terreno das teorias,
não apareçam nestes livros, as condições nas quais muitas vezes, mas sim de fatos que se realizam quando o homem trabalha
infelizmente, eles têm de ser escritos. com meios e métodos situados acima do mundo.
Vivo em São Vicente, terra que eu amo e que a mim, quando Então, não há mais dúvida, a Lei funciona e o bem acaba
desembarquei da Europa, revelou-se como um lugar maravilho- vencendo. Mas, por que, como há pouco perguntamos, Deus
so de sonho, que poderia ser um recanto do paraíso! Aqui estou permite que tudo isto se realize nesta forma? Por que Ele per-
morando há oito anos e aqui espero encerrar a minha vida. Neste mite que o mal agrida o bem, atormentando quem o representa
lugar, Deus espalhou em abundância a beleza do verde dos bos- e o cumpre? Por que Deus concede ao mal o poder de embara-
ques e do azul do mar, das ilhas e das praias, num clima doce, çá-Lo, constrangendo-O, no fim, a intervir com milagres para a
que não conhece tempestades ou frio. Isto tudo neste Brasil tão defesa do bem? Por que, para atingir os seus objetivos, Deus
grande, que amo ainda mais, aonde cheguei de braços abertos, escolheu um caminho tão longo e torcido, que implica tal des-
cheio de entusiasmo para cumprir a minha missão, deixando a perdício de forças do bem na luta contra as do mal?
minha terra natal, para onde, talvez, jamais voltarei! Nesta nova Isto acontece porque Deus não quer amarrar a liberdade do
pátria me radiquei, para que dela seja todo o fruto do meu traba- ser, pois, sem ela, este se tornaria um autômato irresponsável
lho, a fim de que, para a sua grandeza, sejam realizados os de- e, assim, não poderia experimentar para aprender, ficando im-
sígnios de Deus. Aprendi a nova língua e nela agora escrevo es- possibilitado de evoluir e se salvar. Então os maus podem fa-
tes livros, trabalhando dia e noite. Que mais posso fazer? zer o mal que desejarem, mas, um dia, terão de ajustar contas
Certa vez, fui visitar uma cachoeira, dividida em muitas com a Lei, pagando com a sua dor, que representa uma saudá-
quedas de água menores. Observei que os peixes, pulando de vel lição, necessária para eles, porque outra não entendem,
um nível para outro mais alto, lutavam para subir, tentando sendo este um tratamento indispensável, porque outro não os
chegar à parte superior do rio e continuar ali a sua viagem, a curaria. Por outro lado, Deus ajuda os bons, defendendo-os,
fim de colocar os seus ovos mais perto da nascente. Alguns fortalecendo-os por meio da luta, recompensando o seu esforço
sangravam, e outros, por terem batido nas pedras, estavam mor- e, assim, premiando a sua virtude. É desse modo que, num re-
tos. O mais impressionante para mim, no entanto, foi verificar gime de liberdade, pode ser realizada a perfeita justiça. Eis a
que, aguardando os peixes vencedores, esgotados depois de tan- razão pela qual Deus permite que tudo isto se realize desta
ta luta para atingir o espelho de água superior, encontrava-se forma. No fim, cada um, permanecendo livre, acaba recebendo
um outro cardume de peixes, prontos para devorá-los, aprovei- e sendo pago conforme o seu merecimento.
tando o estado de esgotamento em que se encontravam os re- ◘ ◘ ◘
cém-chegados. Este é o método dos tubarões, que devoram os Esta rápida digressão, compreensível porque nos levou ao
mais fracos. E ainda há países cujas economias se baseiam nes- terreno prático, será, no meio de um volume de teorias, um des-
te princípio. Assim é o nosso mundo. canso para o leitor. Para quem escreve, ela será um desabafo,
Parece que, sem um contínuo milagre de Deus, não é possí- um controle, um exame de consciência, uma confissão a Deus e
vel realizar em nosso mundo um trabalho intelectual e espiritual uma tomada de contato com o Alto, numa hora dura, de maior
profundo, empregando nele todas as energias, pois estas são sofrimento. Estamos no início do ano de 1961, quando, após
constantemente exigidas na luta pela vida. Muitas vezes, traba- longa e oblíqua perseguição, um golpe maior chegou nestes di-
lhos semelhantes são realizados, mas apenas aparentemente, as e absorveu toda a minha energia, procurando destruir o meu
pois são substancialmente dirigidos para outras finalidades, de pensamento, trabalho e obra. O agressor, por ter planejado a sua
vantagem prática e imediata, representando um fruto que a estratégia, pôde rir-se da justiça humana, não sabendo, porém,
forma mental humana entende muito bem. Tal tipo de trabalho, que a justiça de Deus está acima dele. Assim, de um momento
assim, recebe logo a sua recompensa. Mas como se pode exigir para outro, ele acabou triturado pela Lei, principalmente porque
que todos entendam a utilidade de uma atividade tão fora do o agredido, perdoando, saiu da peleja, que, então, não era mais
comum, quando a grande maioria atingiu apenas uma genérica entre dois homens, mas sim entre um homem e a Lei, condição
sensibilização nervosa, unicamente dentro da qual ela sabe que colocou o agressor em posição de absoluta inferioridade na
vibrar, não tendo ainda desenvolvido as células cerebrais do luta, como aconteceria com uma formiga contra um gigante. O
pensamento, que são indispensáveis para compreender? agressor não podia deixar de ficar vencido, porque se havia co-
Se, para ajudar quem cumpre uma missão, não há senão o locado contra uma lei todo-poderosa, e não do lado da justiça,
Céu, como este age então? Por que Deus permite tudo isto? Se- como fez o agredido inocente, que se colocou do lado oposto,
rá isto parte das normas da Lei? Ou será que desejar fazer al- dentro da Lei, defendendo-se com ela. Agora, como se desen-
guma coisa para a salvação do mundo é um erro, pois a huma- volve, na prática, a estratégia da Lei?
nidade merece ser destruída? Será que é de fato uma loucura Nos momentos tranquilos, a voz interior e a figura de Cristo
querer fazer o bem ao próximo? O mundo ri desses problemas, ficam quietas, como que adormecidas. Quando chega o sucesso
mas eles são fundamentais para quem cumpre uma missão. no mundo, elas se afastam, desaparecendo nas vitórias obtidas
Quando alguém, empregando todas as suas forças para enfren- no plano humano. Mas eis que, tão logo se desencadeia um ata-
tar, com risco e perigo para si próprio, as reações de um ambi- que, o espírito da vítima se lança desesperadamente em busca
ente hostil, está determinado, custe o que custar, a seguir a Lei, do Alto, único lugar de onde ele sabe que pode chegar a ajuda.
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 93
O apelo é tanto mais poderoso quanto mais feroz for o ataque Procurei então orar a Deus, para que afastasse dele a fatal re-
recebido. No estado de tranquilidade, tais apelos não podem ação da Sua justiça. Eis qual foi sempre a resposta: “Se tu, im-
nascer. É um apelo de natureza tão viva e escaldante, que pro- pulsionado pela voz interior, previste e falaste avisando, isso só
voca a resposta. Isto quer dizer que o primeiro resultado da foi uma prevenção para que o perigo fosse evitado, e não uma
agressão da maldade humana é acordar a voz interior, aproxi- maldição ou vingança. Deixa o agressor acreditar no que ele
mar a figura de Cristo e tornar mais sensível a Sua presença. quiser. Ele não entende a Lei. Cabe a ti continuar perdoando. A
Quem está do lado de Cristo não pode deixar de seguir o exem- justiça pertence só a Deus. Quem reage, odeia e se vinga, pas-
plo que Ele nos deu na hora do Getsêmani. sando com isso do lado da razão ao do erro, e sabes que cada er-
Então, o que chama e movimenta o Céu é o apelo da víti- ro tem de ser pago. Perdoa e esquece. Afasta-te do agressor, que
ma, torturada por querer viver o Evangelho num mundo de lo- está preparando para si mesmo a própria punição. Não cometas
bos. E a resposta chega tanto mais poderosa quanto maior é o o erro e não te exponhas ao perigo, ligando-te a ele com a tua
sofrimento do ser e a injustiça que ele sofre. Tal resposta não é reação. A luta dele agora não é mais contra ti, mas contra a Lei,
feita de palavras vazias, mas chega como luz e orientação, con- que está encarregada da defesa dos que perdoam. Uma defesa
tendo o tratamento que cura as chagas e o remédio que gera muito mais poderosa do que poderias tu realizar, infalível, e
novas forças. Acontece então que, no fim, é o próprio ataque contra a qual a força e a astúcia dos homens nada podem”.
não merecido que provoca a descida da ajuda. Movimentam-se Esta foi a resposta. Então percebi um movimento subterrâ-
assim, em defesa da vítima, forças sutis, que o mundo não vê. neo, secreto e profundo, interior às coisas, como os que sobem
Trata-se de forças que, ao invés de atuar na superfície, como das entranhas da terra, para estourar depois na superfície, em
fazem as do mundo, atuam nas profundezas, de dentro para fo- formas de cataclismos. É um fato que assusta pelo seu poder
ra, como faz a vida, quando reconstrói os tecidos estragados. imenso e silencioso. Pude percebê-lo em outra ocasião a respei-
Existem, assim, duas naturezas de forças, conforme o que cada to de outro senhor, que se aproveitou da minha bondade, desa-
um dos dois indivíduos quis gerar para si com a sua conduta. piedado na sua voracidade. Um ano depois, ele estava paralíti-
Para o agressor, elas são negativas e operam como um câncer, co, e eu fui um dos poucos que o visitou neste período, quando
querendo destruí-lo. Para a vítima, elas são positivas e operam ele se encontrava em sofrimento. Orei para ele ficar bom, mas
como fazem os impulsos sadios da vida, querendo ajudar a re- não pude parar a mão de Deus. É terrível quando a reação da
cuperar. Esta é a técnica do fenômeno. Por isso é perigoso Lei acorda. Mas ela não pode deixar de se levantar depois de ter
agredir os servidores de Deus, que praticam o Evangelho, sido excitada pelas forças negativas do mal, que então têm de
principalmente quando eles são inocentes, não reagem e per- receber sobre elas o choque das forças reativas da Lei. O mal
doam. Trata-se de uma técnica difícil de entender para o mun- acaba tornando-se um câncer, que se desenvolve para sua pró-
do, porque ele está nos antípodas, mergulhado no AS, fora da pria destruição. Pude assim, experimentalmente, ver como se
Lei, enquanto a defesa do inocente se processa através de for- desenvolve a luta entre o bem e o mal, observando as suas es-
ças de natureza oposta, situadas no S, de origem central, e não tratégias opostas. Tudo o que pertence ao bem é sustentado pela
periférica, interiores, e não exteriores. sua força interior. Tudo o que pertence ao mal é sustentado por
Assim a presença de Deus, para quem entende, torna-se uma enganadora força de superfície, que não basta para suprir a
uma coisa real, tangível nos seus efeitos. O homem do mundo fraqueza interior. Pude averiguar nos fatos que a Lei existe,
fica enganado, porque ele nada vê chegar de fora. Não corre funciona e reage contra quem a ofende.
ninguém, não há barulho, nem pressa, nem ânsia, nem a incer- Vamos assim explicando para o mundo quão perfeitamente
teza da tentativa. O homem comum fica enganado por essa falta lógico é o absurdo evangélico do perdão. O Evangelho não po-
das qualidades que fazem parte do seu método de luta. Então, de ser entendido senão penetrando-o em toda a sua profundeza.
ele acredita que a vítima esteja abandonada, sem defesa, em E vimos também, em termos racionais, como se desenvolve a
poder do agressor, e que seja fácil vencê-la, pelo fato de tudo luta entre Cristo e o mundo. Estamos aqui demonstrando a coi-
ficar na mesma, quieto por fora. O movimento, porém é grande, sa mais difícil de ser admitida pelo mundo, isto é, que o homem
mas todo íntimo, não perceptível para as sentidos comuns. Ele é evangélico, que perdoa, seja de fato o mais forte. Onde está e
visível somente à vista interior dos mais adiantados. Os efeitos como se explica essa sua força? Quem está do lado do bem
não são imediatos, apressados, provisórios, mas sim amadure- possui a vantagem de ter a sua natureza constituída pelas forças
cidos a longo prazo, inevitáveis e duradouros. A Lei funciona positivas do S. Quem está do lado do mal possui a desvantagem
além do tempo, que em nosso mundo cansa, esgota e apaga tu- de ter a sua natureza constituída pelas forças negativas do AS.
do. As forças do mal têm pressa de realizar, porque elas estão O fato de pertencer ao AS e à sua negatividade representa o
fechadas no tempo, que está a cada momento correndo e con- ponto fraco da força do mundo. E é esta sua fundamental fra-
sumindo os resultados daquelas forças. É lógico que as forças queza interior que a impede de vencer as forças do Alto. Nin-
do bem trabalhem em harmonia e com métodos opostos. guém pode mudar a Lei, que é o ponto de referência em função
Vi muitas vezes, com os meus olhos, os agressores aban- do qual tudo existe. Ora, o poder das forças do bem está no fato
donados por Deus à terrível reação da Lei. O perdão da vítima de serem elas alimentadas pela Lei, e a fraqueza das forças do
trabalha em favor dela mesma, e não do seu agressor. O perdão mal está no fato serem elas minadas pela Lei. Em termos práti-
não pode alterar a Lei e parar a justiça de Deus. Ninguém po- cos, o ponto fraco da força é que ela pode ser injustiça, e o pon-
de! Ela tem de ser executada fatalmente. E, de fato, vimos que, to fraco da astúcia é que ela pode ser mentira. A prova de que o
por um natural desenvolvimento de forças, a agressão da parte bem é o mais forte está no fato de que ele sabe vencer as forças
do homem injusto acaba automaticamente provocando a inter- destruidoras pertencentes ao mal, reconstruindo sempre tudo,
venção da Lei e, para o justo inocente, a defesa por parte dela. sem o que tudo teria fracassado há muito tempo.
Por ter eu entendido isto e o perigo em que o agressor, por mo- É assim que, em substância, o nosso mundo é um gigante
to próprio, havia-se lançado, que podia eu fazer, senão procu- com pés de barro. Ele sente a fraqueza da sua força e, tentando
rar avisá-lo para ele se salvar? Mas ele, com a sua forma men- sustentá-la, procura acrescentar-lhe sempre nova força, sem
tal emborcada no AS, não podia compreender, interpretando entender que, somando negatividade à negatividade, não se
essa ajuda, pelo contrário, como uma ameaça, uma reação de pode atingir senão uma negatividade ainda maior, aumentando
vingança, o que excitava ainda mais a sua agressividade. É ló- assim a própria fraqueza. É como querer aumentar a força in-
gico que, julgando com a forma mental oposta, tudo pareça ser gerindo álcool. Aumentar o poder e o número das bombas
o contrário do que de fato é. atômicas de cada país, não significa engrandecer a sua potên-
94 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
cia, mas sim aproximar-se cada vez mais da destruição geral, manda e Deus é o seu servidor, porque, a cada passo, Ele tem
porque essas forças são produto da negatividade e do separa- de correr atrás dos problemas, remendando o Seu trabalho mal
tismo, qualidades desagregadoras de nosso mundo, que perten- feito. Que valor tem os milagres feitos por Deus, se depois o
ce ao AS. Por isso as modernas descobertas científicas, apesar Faraó tem o poder de destruir o seu fruto?
de constituírem maravilhoso fruto da inteligência, acabam, na Eis as palavras da Bíblia: “... os Meus sinais tenho feito en-
prática, realizando-se e funcionando em posição emborcada, tre eles, para que saibais que Eu sou o Senhor” (Êxodo: 10, 2);
isto é, para o mal, e não para o bem. Devido ao baixo nível “O Senhor dissera a Moisés: o Faraó não vos escutará, para que
evolutivo do biótipo dominante, estas descobertas, que poderi- as minhas maravilhas se multipliquem na terra do Egito” (Êxo-
am ser um poderoso meio de defesa e segurança para a civili- do 11, 9). Então Deus usava tal método para melhor deixar en-
zação, representam na realidade – mesmo parecendo uma van- tender, sobretudo para o seu povo, que Ele era o mais forte,
tagem em razão do aspecto positivo de sua natureza – o maior sendo Quem, pelo Seu poder, mais convencia os Hebreus e es-
perigo para a vida de toda a humanidade, porque estão dirigi- tava acima de todos os outros deuses.
das pelos impulsos de negatividade do AS. A estratégia de Deus é a seguinte. O bem deixa livre o mal,
Mas, dado o princípio separatista do AS, vigorante em nos- deixando-se vencer, para depois reagir em proporção à culpa
so mundo, tudo isto é lógico. É devido a ele que, tão logo uma ou violação cometida. Isto porque a Lei não pode, por sua pró-
força se manifesta em nosso mundo, ela gera a sua correspon- pria iniciativa, movimentar-se contra o ser, enquanto ele não a
dente fraqueza, produzindo o seu elemento oposto natural, en- houver ofendido, mas pode responder a ofensa, retribuindo na
carregado, como seu antagonista, de neutralizar aquela força. mesma qualidade e medida o choque recebido. Pelo princípio
Assim a força, ao invés de uma vitória definitiva, gera apenas de justiça, a reação da Lei tem de ser merecida e, por isso, ge-
luta e destruição permanentes. Outro resultado não poderia rada apenas pelo próprio ser. Somente quando o pecado já foi
produzir uma força que, no exato instante do seu nascimento, cometido, a pena lhe será então imposta, conforme a justiça da
produz uma força contrária, paralela e oposta. A luta entre Lei. Por isso tem de ser deixada ao Faraó a sua liberdade. Já
Alemanha e Inglaterra na última guerra, em vez de chegar a vimos que aos filhos de Deus não se pode tirar a liberdade, sua
uma solução definitiva, terminou dando origem a outra luta, qualidade de origem, mesmo quando se tornam criaturas do
desta vez entre a Rússia e os Estados Unidos, num embate que, mal. É por isso que este, em nosso mundo, está livre para se
para resolver definitivamente o problema, ameaça agora des- desencadear à vontade. O constrangimento dos maus, a fim de
truir o mundo. Então tal poderio não é senão uma pseudoforça, ser justo, tem de chegar depois, e não antes da violação, quan-
um engano para chegar às habituais ilusões humanas. Esta é a do o ser ainda não semeou as causas. Deve haver uma propor-
lei do fenômeno, e ninguém pode sair da sua lógica. Quanto ção entre culpa e pena, erro e reação.
mais aumenta o poder num mundo situado na negatividade, Vemos então que há uma gradação nas pragas do Egito. A
tanto mais ele se aproxima da sua própria destruição. Hoje o primeira é somente um aviso. Como não o quis entender o Fa-
poder aumentou enormemente, porém, sendo ele emborcado raó, vem então a segunda praga, outro aviso, mais duro. Mas o
no negativo, a fraqueza da humanidade tornou-se tão grande, Faraó ainda não entendeu. Eis então a terceira praga, outro aviso
que ela vive aterrorizada sob uma contínua ameaça de morte. ainda mais duro, e assim por diante. O Faraó fica livre, mas não
Mas a negatividade dos mundos inferiores, próximos do AS, lhe faltam os avisos, que estabelecem a sua responsabilidade e
não pode produzir outros frutos. tornam justa a reação da Lei. Deus oferece a cada golpe a opor-
◘ ◘ ◘ tunidade para entender e parar, arrependendo-se e obedecendo.
Continuamos observando, sob outros aspectos, como funci- Isto é necessário porque, para que Deus possa realizar tudo com
ona e se desenvolve esse jogo complexo da luta entre o bem e o bondade e justiça, a culpa tem de ficar toda do lado do ser rebel-
mal. Por isso quis reler o segundo livro da Bíblia, Êxodo, para de. Ainda que Deus pareça estar sendo impedido pelos princí-
estudar como viveu Moisés e como funcionou nas suas mãos pios da Sua própria lei, nem por isso ele fica vencido. Pelo con-
esse fenômeno da luta entre as forças da matéria e o poder do trário, cada vez mais Deus reforça a Sua reação em proporção à
espírito, que o levou a vencer no final. A Lei é uma só e tem de teimosia e surdez do Faraó, até que este terá de se render a Ele.
ser igual para todos esses casos, do maior ao menor. Podemos A rebeldia do Faraó chegou ao ponto de seu filho morrer e seu
então descobrir quais são os princípios que a regem também es- exército ser destruído, deixando-o despido de tudo, porque outra
tudando a Bíblia. Neste caso, vemos que Deus deixa atuar li- maneira não havia para ele entender e obedecer a Deus.
vremente as forças do seu inimigo, o mal. Por que isso, se Deus O objetivo não é só vencer, mas também ensinar. E, para
é o Todo-poderoso? Por que Ele deixa o mal atrapalhar o traba- ensinar, Deus tinha de descer ao terreno humano da força. Com
lho de bem dos seus operários? esse meio, o único que a forma mental dos primitivos pode
Na Terra, as forças do bem, assim como as do mal, tomam compreender, Deus tinha de se mostrar vencedor, porque, de
forma concreta e se manifestam personificadas em indivíduos outro modo, nem os Hebreus, nem o Faraó, O teriam respeita-
particulares, que, pelas suas qualidades, são aptos a incorporá- do. Tal biótipo não se ajoelha senão perante o mais poderoso, e
las e, assim, representá-las. No Êxodo, vemos as forças do bem não lhe obedece se este não impõe a sua vontade, infligindo da-
e as do mal em ação, personificadas em dois indivíduos, cla- no aos rebeldes. O fraco é desprezado e deve ser destruído. As-
ramente colocados em posições contrapostas, um em frente ao sim é a lei desse selvagem plano de vida. Mas era exatamente a
outro: Moisés, de um lado, e o Faraó do outro. O primeiro pos- esse plano que devia descer, pelo impulso evolutivo da Lei, um
sui a orientação que recebe da voz de Deus e o poder dos Seus princípio de vida mais adiantado. Foi assim necessário que o
milagres. O segundo possui a arma das suas astúcias mentiro- superior se adaptasse ao inferior, mas permanecendo superior.
sas e dos seus exércitos. Quem é o mais forte? Deus deixa o Daí nasceu a luta ora observada, que termina com o triunfo de
Faraó livre para fazer o que quiser com os recursos terrenos Deus. É assim que o direito de usar a força pertence somente a
dos seus enganos e da sua força. Espantado com as pragas de Deus, e não ao indivíduo, a quem pertence, porém, o direito de
que fala a Bíblia, ele permite a fuga dos hebreus. Porém, tão ser defendido pela Lei e pelo poder de Deus. É assim que, na
logo a praga desaparece, ele se arrepende, revoga a sua autori- Terra, é deixado ao mal a possibilidade para agredir, atormentar
zação e os escraviza de novo. Por que razão Deus deixa a Sua e dificultar o bem, mas não para vencê-lo.
ação ser paralisada, ficando ao dispor desse jogo do Faraó? Pa- A derrota de Deus é apenas momentânea e aparente. A vitó-
rece que falta a Deus a força para vencer, porque Ele tem de ria chega só no fim, depois de ter deixado o mal desencadear-se
iniciar outra vez a Sua luta. Parece então que é o Faraó quem à vontade. Nesse momento, o bem triunfa, e as criaturas do mal
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 95
têm de pagar à Lei o que devem. Mas como poderiam estas ter disto existe. Seria absurdo ver dois anjos lutarem um contra o
de pagar, se antes não o tivessem livremente merecido? E que outro, assim como ver dois diabos se amarem. Sem saber a
vitória seria a do bem, que prova de valor e superioridade teria, resposta, muitos perguntam por que em nosso mundo há guer-
se fosse atingida sem esforço e merecimento? É por isso que ras? Elas existem porque o nosso mundo ainda pertence ao AS.
Deus deixa ao instrumento humano todo o trabalho dessa luta. No S não há guerras. As forças do bem não agridem e não
Esta lhe pertence também porque, cumprindo uma missão, o aceitam a luta do mundo com as suas armas. Como, então, as
indivíduo deve realizar ao mesmo tempo a sua elevação pessoal forças do mal não conseguem vencê-las? Qual é o segredo?
para um plano mais adiantado de vida. A ajuda para o instru- Onde está a força oculta dessa estranha estratégia, na qual o
mento pode lhe chegar de Deus somente quando esta é indis- mundo, apesar de pregá-la com o Evangelho, não acredita? Pa-
pensável, após o indivíduo ter realizado com o seu esforço tudo ra tomar a sério a palavra de Cristo, é fundamental conhecer o
o que estava ao seu alcance realizar. E, quando tudo isto houver mistério desse fenômeno, porque a sobrevivência de quem tem
sido feito, então aparece a ajuda prodigiosa do Alto, que salva. de vivê-lo se baseia nesse conhecimento.
Deus fica olhando e vigiando tudo, velando sempre por sua cri- A diferente posição que as forças de um tipo tomam quando
atura, que nunca abandona. Quem está sozinho de verdade é o se chocam com as do outro, depende da natureza particular de
homem que trabalha sem Deus. O indivíduo nesta condição não cada tipo. As forças do mal estão situadas na incerteza do mo-
pode vencer senão momentaneamente, permanecendo no terre- vimento, que representa a tentativa do ignorante. Elas são leva-
no falso das areias movediças do mundo, recolhendo ilusões e das a se agitar para encher o vazio da sua negatividade, tentando
acumulando dívidas a pagar perante a Lei. reencontrar o equilíbrio perdido com a revolta. O movimento
Tudo isto é consequência lógica da estrutura do todo, dividi- sem paz é a condenação dos rebeldes. Pelo contrário, as forças
do em S e AS. Estamos em fase de superação. O mal, enquanto do bem ficam naturalmente imóveis na plenitude representada
o processo evolutivo não terminar, fará parte do organismo uni- pela sua positividade. Elas estão situadas na posição da certeza
versal. O fato é que o mal existe, e ele não poderá desaparecer de quem sabe, que é o estado determinístico da perfeição. Ora,
senão depois de ter sido reabsorvido e neutralizado pela evolu- imobilidade não significa falta de movimento, o que seria morte,
ção. Hoje estamos no dualismo, e há de haver luta entre o bem e mas sim um tipo de movimento diferente, isto é, não um movi-
o mal, para que o mal seja transformado em bem. O princípio da mento cindido contra si mesmo, porque dividido em duas partes
luta é universal, porque é um derivado direto da cisão em S e contrárias (AS), mas um movimento unitário, fundido na ordem
AS. Por isso, em nosso universo, cada termo não pode existir do estado orgânico (S). É o rebelde do AS que corre atrás do S,
senão em função de seu termo oposto. Se não houvesse o mal, onde está contido tudo o que o AS perdeu e que, agora, o rebel-
Deus seria vencedor de que? A ideia de vitória implica sempre a de vai desesperadamente procurando recuperar. Justamente por
de um inimigo a vencer. Luta significa também experimentação, esta sua diversa natureza é que as forças do mal se movimentam
escola, aprendizagem, sofrimento, redenção. Aqueles que, com e o fazem com os seus métodos de revolta, conforme a sua natu-
as astúcias humanas, conseguem fugir dessa engrenagem, estão reza, agredindo as forças do bem. Mas estas, também seguindo
parados na evolução, que é o caminho da sua salvação. os seus métodos, conforme sua natureza, não reagem com uma
Eis como o caso do Êxodo de Moisés confirma o nosso pon- luta no sentido oposto, porque a estratégia da luta se encontra
to de vista. No fim, o bem triunfa, demonstrando que é o mais somente no AS. O choque entre duas estratégias iguais somente
forte. Depois da passagem do Mar Vermelho, Deus vence defi- acontece entre dois inimigos que existem no mesmo nível de vi-
nitivamente: “... a tua destra, ó Senhor, tem despedaçado o da e possuem a mesma forma mental. Assim, quando um ho-
inimigo” (Êxodo: 15, 6). mem comum agride um homem do Evangelho, eles têm nature-
za, psicologia e usam estratégias diferentes. Um existe num pla-
XVII. AS ESTRATÉGIAS DO BEM E DO MAL no de vida que esta acima do plano de vida do outro; um está do
lado do S, e o outro está do lado do AS.
Observemos agora, sob outros aspectos, o fenômeno da luta Eis então como funciona a estratégia do bem. Quando as for-
entre o bem e o mal, para entender cada vez melhor a íntima ças do mal se movimentam agredindo as do bem, estas não se
técnica do seu funcionamento. Que acontece, então, na profun- movimentam no sentido contrário, respondendo com um contra-
deza, quando as forças do mal agridem? ataque, mas usam o método oposto, isto é, simplesmente perma-
A negatividade é o que mais existe em nosso mundo, pró- necem firmes na sua imobilidade, e isto basta para tornar vão o
ximo do AS. Aqui, o ser vive mergulhado num oceano de for- ataque. Mas como isto é possível? Se as forças do bem são fortes
ças desse tipo, podendo, na sua liberdade, escolher e dirigi-las na sua imobilidade, é porque, como há pouco explicamos, essa
contra quem quiser. O ser, para dominar no seu plano, procura imobilidade é feita de um movimento unitário, representando um
apoderar-se delas, mas estas também se apoderam dele, geran- sistema de forças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no
do uma fusão pela qual se personificam naquele indivíduo, que qual não é possível penetrar. Assim as forças do bem permane-
as quis canalizar para os seus objetivos. Pelo fato, porém, de cem como tais, resistindo como rocha dura, impenetrável como
não haver no universo fenômeno que não seja regido e não te- uma parede lisa de pedra. Isto somente pode ser feito por quem,
nha de obedecer a uma lei, o ser, pela sua escolha, fica preso pela sua natureza, é forte, porque está do lado do S, ou seja, da
dentro da engrenagem dos princípios que regulam esse fenô- positividade, mas não pode ser feito por quem, pela sua natureza,
meno, sendo, neste caso, submetido ao funcionamento das é fraco, porque está do lado do AS, ou seja, da negatividade.
forças do mal e constrangido a aceitar todas as consequências. Aqui é necessário esclarecer com uma observação. Se a Lei
Uma vez que o ser escolheu o tipo dos seus movimentos, ele fi- não responde com um contra-ataque, mas fica resistindo na sua
ca fatalmente amarrado à lei que os rege. O homem agride, imobilidade, por que então falamos e sempre se fala da reação
porque a posição natural do cidadão do AS é o ataque, enquan- da Lei? Como é possível se resolver o caso sem a reação dela?
to a do cidadão do S é o amor. Quem ataca é o ser rebelde, que Quando, para sermos mais bem entendidos, usamos tais pala-
está insatisfeito, fora da ordem, no reino da luta, e não o cida- vras, tomamos emprestado de nosso mundo, cuja base é o AS,
dão do S, que nada procura, pois a ele nada falta. uma imagem toda humana, filha do princípio da luta, fundado
Qual é então, do outro lado, a técnica do funcionamento no ataque e contra-ataque, conceito este, porém, que é um ab-
das forças do bem, a estratégia da sua defesa? O princípio da surdo no seio da Lei, pois esta funciona de modo oposto, com o
agressividade só se encontra no AS. Ele é filho da luta, que é método do S. Era necessário, porém, usar a forma mental do ser
filha da cisão, a qual por sua vez é filha da revolta. No S nada rebelde, com a qual o homem funciona e sem a qual ele nada en-
96 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
tende. Assim, o que acontece de fato é outra coisa. A Lei não re- agride não sabe nada desse sutil jogo de forças e, na sua igno-
age, apenas resiste; não contra-ataca, mas, com a sua resistência, rância, arrisca-se cegamente nesse perigo, acabando assim der-
deixa que automaticamente o ataque, por si mesmo, retorne ao rotado. Como isso pode acontecer?
agressor. Veremos agora como isto se verifica. Tudo o que faz a Quando o mal se lança contra um castelo íntegro, comple-
Lei contra a agressividade das forças do mal, é ficar firme no tamente positivo, os impulsos destruidores negativos, pelo fato
seu castelo, invulnerável pela força da sua positividade. Quando de não encontrarem um ponto fraco, não podem entrar. Assim,
parece haver uma reação da Lei, isto é porque a própria ação do eles se chocam contra a parede da positividade, sem atingir o
agressor, ao ir de encontro à justiça, ricocheteia e volta contra seu objetivo, pois não encontram um ponto que possa absorver
ele mesmo. Neste ponto, entramos no domínio inviolável da Lei, e esgotar a sua negatividade. As forças do mal, portanto, não
que leva vantagem sobre a liberdade do ser. Este é livre para ficam aniquiladas, mas continuam bem vivas, e têm de conti-
movimentar as suas forças e iniciar o desenvolvimento do fe- nuar indo à procura de um alvo que as receba. Uma vez que fo-
nômeno. Mas, tão logo o faça, o ser fica imediatamente preso, ram movimentadas, elas não podem parar, pois têm de conti-
sem saída, dentro dos princípios que regem esse fenômeno, o nuar o seu caminho, até esgotarem o seu impulso em algum
que significa acabar atingindo outros resultados. lugar. Uma causa não pode deixar de atingir o seu efeito. Se o
Como então as forças do mal ricocheteiam para cima do caminho para frente está fechado pela impenetrabilidade da
agressor? Temos um lançamento de forças negativas contra o positividade, se os caminhos colaterais não atraem, porque le-
castelo invulnerável das forças da positividade. Mesmo que não vam para objetivos desconhecidos, e se o caminho para trás es-
houvesse a resistência das duras paredes da Lei, as forças do tá aberto, como um convite, pela fraqueza e penetrabilidade da
mal contêm, na sua própria natureza de impulsos torcidos ao negatividade, então que podem fazer as forças do mal a não ser
negativo, a tendência a voltar para trás, continuando na sua po- dirigirem-se para a fonte que as gerou, voltando ao seu ponto
sição de emborcamento. Esta é a parte determinística do fenô- de partida por um caminho às avessas, para lançar a sua agres-
meno, da qual ninguém pode fugir. sividade contra o próprio agressor?
Observemos ainda mais pormenorizadamente como se reali- Uma vez que as forças do mal são por sua natureza destrui-
za esse processo de ricochete. Vejamos também quando ele se doras, quem, neste caso, as lançou contra quem não mereceu tal
verifica, isto é, as condições necessárias para que ele possa veri- ataque, irá recebê-las integralmente de volta, terminando por
ficar-se. Quando o assalto das forças da negatividade se lança sua vez agredido pela sua própria agressividade. Eis como fun-
contra as paredes do castelo das forças da positividade, elas pro- ciona automaticamente o fenômeno do ricochete e onde está o
curam o ponto fraco, feito de negatividade, porque esse é o úni- perigo para quem, estando situado do lado do mal, agride quem
co ponto pelo qual o inimigo pode entrar. Mas por que a negati- está do lado do bem. Então o agressor, antes de iniciar a sua
vidade constitui o ponto fraco no qual o inimigo pode entrar? Is- aventura, deveria entender duas coisas fundamentais: 1) As for-
to acontece porque, como já explicamos, enquanto o movimento ças do bem, assim como quem está do lado delas, são invulne-
das forças positivas é unitário, constituindo um sistema de for- ráveis e não podem ser vencidas pelas forças do mal; 2) Quem
ças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no qual, por is- agride um inocente, que evangelicamente perdoa, automatica-
so, não é possível penetrar, o movimento das forças negativas é, mente recebe de volta todo o impulso destruidor que ele lançou
pelo contrário, cindido contra si mesmo, constituindo um amon- contra o inocente. Eis porque, ao contrário do que a maioria
toado de forças anárquicas e discordantes, aberto de todos os la- acredita, o método do Evangelho não é um absurdo.
dos, no qual, por isso, é fácil penetrar. Eis o que constitui a fra- Assim o resultado final para o agressor é que a onda de ne-
queza da negatividade. Os seres do AS são fracos porque gastam gatividade destruidora lançada por ele cai em cima da sua nega-
a sua energia lutando uns contra os outros. tividade, reforçando os impulsos destrutivos no seu campo de
O resultado final, então, é que, se o mal encontra um ponto forças, mas, desta vez, contra ele próprio. Isto porque, no ata-
fraco vulnerável, ele pode entrar, se, porém, não o encontra, que de regresso, é fácil entrar naquele castelo. Ora, tudo isto é
porque do lado oposto não existe tal fraqueza, então o mal não obra providencial da sábia estrutura da Lei, porque, deste mo-
pode penetrar. É como nas doenças. Ninguém pode viver num do, o mal cumpre a sua verdadeira função, que é, antes de tudo,
mundo esterilizado sem micróbios patogênicos, assim como destruir o próprio mal, perseguindo a si mesmo e se auto-
ninguém pode ficar isento dos assaltos das forças do mal. A de- eliminando em favor do bem, que deve vencer. Isto, para a
fesa está no indivíduo, e não no ambiente. Portanto, assim como forma mental humana, pode parecer uma armadilha traidora.
as doenças não pegam, quando encontram um organismo bem Tal armadilha, porém, não se deve a um enganoso artifício da
defendido, porque este é sadio e forte, o ataque do mal também Lei, mas sim à ignorância do homem. Trata-se de uma estraté-
não pode penetrar no indivíduo, quando neste não há pontos fra- gia justa e saudável, porque leva à vitória final do bem e à des-
cos de negatividade, porque sua personalidade é sadia, fortaleci- truição do mal, cumprindo assim o maior objetivo da evolução,
da pelas forças da positividade. Começa-se então a vislumbrar que é remir o ser, levando-o para a sua salvação. Tudo isto não
quais são as condições necessárias para quem usa a estratégia é senão o resultado de um processo lógico da justiça e da bon-
evangélica do perdão chegar à vitória. O que constitui a força do dade Lei. É lógico e útil que os produtos adoecidos de negativi-
agressor é o ponto fraco do agredido, onde este é vulnerável. Se dade acabem sendo torcidos contra si próprios, para se destruí-
este ponto fraco não existe, o mal nada pode, porque ele se en- rem. Tudo o que é positivo é poderoso, porque deriva do “Eu
contra perante um ser invencível. Este é o caso em que se verifi- sou” de Deus, enquanto tudo o que é negativo, pela sua posição
ca o fenômeno do ricochete. Veremos depois o caso no qual o emborcada, não representa senão um eu não sou. Eis como se
agredido, pelo fato de estar enfraquecido por qualidades de ne- realiza esse ricochete dos impulsos destruidores contra quem os
gatividade, pode por esse caminho ser atingido pelo mal. lançou. É o mal que age contra si próprio, conforme a justiça,
Estabelecidos esses princípios, observemos agora, no caso punindo-se como ele merece. Nisto está a sabedoria da Lei.
do homem verdadeiramente de bem, que se colocou assim na ◘ ◘ ◘
posição de invulnerabilidade, como se inicia e se realiza o ca- Para melhor explicá-lo, observamos até agora o fenômeno
minho de volta do mal, para trás, contra a fonte que o lançou. na sua posição mais evidente, que poderíamos chamar pura, is-
Se, pelo que foi acima explicado, a vitória do bem é garantida, to é, no seu caso limite, no qual o agressor se encontra total-
isto implica, do lado oposto, o seu contrário, o que significa es- mente culpado, do lado da injustiça, num terreno de absoluta
tar garantida também a derrota do mal. Consequentemente, é negatividade e, por isso, de vulnerabilidade, enquanto o agre-
perigoso agredir o homem que pertence ao bem. Mas quem dido está completamente inocente, do lado da justiça, num ter-
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 97
reno de absoluta positividade e, por isso, de invulnerabilidade. subir uma escada, exigisse ver primeiro o que se enxerga de lá
No entanto este é caso raro na Terra, onde não é fácil encontrar de cima, querendo atingir o resultado do seu esforço antes e
anjos. Por isso a maioria não leva em conta o fenômeno do ri- como condição para realizá-lo. Então o homem não faz nada
cochete, pois a prática ensina que, na grande parte das vezes, para praticar o Evangelho, afastando-se sempre mais dos re-
ele não se verifica e o mal atinge o seu objetivo. Isto, porém, é sultados positivos que este lhe poderia trazer.
como se um ser, acostumado a viver nas trevas, quisesse por A conclusão é que o poder de defesa está na pureza da es-
essa razão negar a existência da luz. Por que então o ricochete trutura interior do sujeito. A sua fraqueza começa tão logo apa-
não funciona e o agredido fica vencido? Vimos quais são as reça no seu castelo de positividade uma percentagem de negati-
condições da sua vitória, então é lógico que, se estas não se ve- vidade, o que enfraquece aquele poder. Na prática isto se reali-
rificarem, ele não possa vencer. A vitória somente poderá za quando e na medida em que pactuamos com o mundo, usan-
acontecer com os recursos necessários. do a sua psicologia e métodos, praticando as suas sagacidades.
Agora que conhecemos os princípios que regem o fenô- Então abrimos as portas e deixamos entrar a negatividade des-
meno, é possível calcular a priori, para o agredido, a probabi- truidora, aumentando, com ela, a nossa fraqueza e vulnerabili-
lidade da sua vitória ou derrota, o grau de sua vulnerabilidade dade. O princípio é que as forças do mal podem entrar na medi-
em função do grau de negatividade do seu campo de forças, da estabelecida pela percentagem de negatividade, que enfra-
ou o grau da sua invulnerabilidade em função da sua positi- quece aquele poder de defesa, estabelecendo qual é a abertura
vidade. Pode-se assim estabelecer a percentagem da fraqueza das portas que impedem a entrada. Contra um castelo de ener-
do indivíduo em relação à percentagem de negatividade que gias puras, todas positivas, sem vestígios de negatividade, qual-
ele possui, e a percentagem da sua força de resistência aos quer assalto do mal para e volta atrás. Quando o mal vence, a
assaltos do mal, em relação à percentagem de positividade culpa está não somente no agressor, mas também no agredido,
que se encontra no seu campo de forças. Sabemos o que, na porque a sua derrota é devida à dose de negatividade com a
prática, significa negatividade e positividade. A primeira qual sua positividade está corrompida. Neste caso, ele inicia o
quer dizer: injustiça, engano, desonestidade, e tudo o que seu contra-ataque, aumentando assim ainda mais a sua negati-
pertence ao mal; a segunda quer dizer: justiça, verdade, ho- vidade, e, agarrando as armas, desce ao terreno traiçoeiro do
nestidade, e todo o que pertence ao bem. Estas são as armas AS, enfraquecendo-se cada vez mais, numa luta destrutiva para
desta nova estratégia, que aqui estamos estudando, baseada todos, na qual ninguém vence. Quando a luta se realiza no
sobre princípios completamente diferentes da estratégia usa- mesmo terreno humano, com a mesma forma mental, no mes-
da pelo mundo. Assim, por mais estranho que pareça ao mo nível de vida e com os mesmos métodos, entre involuídos,
mundo, a defesa depende de um exame de consciência! De- então se atinge sempre o mesmo resultado, no qual os dois lu-
pende das qualidades que possuímos, e não das armas que tadores, sejam indivíduos ou nações, acabam transmitindo um
dominamos. A este fato se deve a possibilidade de que sejam ao outro somente o que eles possuem, numa troca recíproca de
destruídos os mais poderosos indivíduos, exércitos e nações. negatividade, destruição e sofrimento.
Então podemos dizer que é totalmente invulnerável quem O pedido de justiça, para ser ouvido, exige que seja inocen-
possui 100% de positividade, enquanto quem possui 90% de te, estando do lado do bem e não do mal, quem o pede. Para
positividade é invulnerável 90% e vulnerável apenas 10%. De que a Lei funcione, também em nosso plano, é necessário a uti-
modo semelhante, quem possui 50% de positividade é metade lização dos seus métodos, que à estratégia da força substituem a
invulnerável e metade vulnerável, porque as suas forças são da justiça. A força pode ser a mais poderosa, mas, se ela é in-
50% positivas e 50% negativas, e quem possui apenas 1% de justa, torna-se fraca, porque, neste caso, a Lei se coloca imedia-
positividade é 99% vulnerável e 1% invulnerável, mas quem tamente contra o agressor. O próprio fato de ser inocente, colo-
não possui nem ao menos 1% de positividade, encontra-se to- ca a vítima na posição de credora perante a justiça da Lei. É por
talmente em poder dos assaltos do mal, abandonado pela Lei, isso que os astutos da Terra procuram disfarçar-se de vítimas na
sem defesa alguma. Em nosso mundo encontram-se todos os luta. E até podem com isso enganar as leis humanas, mas não a
casos, cada um com uma percentagem diferente, o que marca lei de Deus. Perante esta, o agressor é devedor, e por isso tem
desde o início o resultado final. No inevitável choque entre o de pagar, o que constitui a sua fraqueza, enquanto o agredido é
bem e o mal, o problema fundamental é possuir as qualidades credor, e por isso tem de receber, o que constitui a sua força.
da positividade, que representam forças favoráveis, e não as Apesar de serem tão imperfeitas, as leis humanas já contém
da negatividade, que representam a fraqueza. Mas o fato de este conceito de justiça, que, em nosso mundo, regido por ou-
mudar a percentagem de umas em relação às outras, depende tros princípios, realiza-se quando é possível. Infelizmente, este
de nós. É com a evolução que podemos conquistar as qualida- é um mundo de aparências, onde muito mais importante do que
des da positividade e eliminar as da negatividade, afastando- ser de fato justo, é demonstrar com provas visíveis que se é jus-
nos cada vez mais do AS, reino do mal, e nos aproximando do to. É lógico que tão imperfeita justiça tenha de ser a cada passo
S, reino do bem. É lógico que o mal seja tanto mais poderoso revista e corrigida pela justiça de Deus. É neste ponto que co-
e facilmente vitorioso quanto mais nos aproximamos do AS, e meça a funcionar esta outra lei, que, estando acima de todas as
seja tanto mais fraco e dificilmente vitorioso quanto mais nos leis humanas, é constituída por outros princípios. Chega-se as-
aproximamos do S. Assim, em última análise, a invulnerabili- sim a uma estranha consequência, pela qual quem move uma
dade do agredido depende do seu grau de evolução. Quanto ação na Terra, seguindo os métodos das leis e dos juízes da Ter-
mais ele for evoluído, tanto menos será vulnerável aos ataques ra, e obtém o julgamento ou a sentença, pode até acreditar ter
do mal. Isto até ao caso limite, em que o mal é absolutamente com isso resolvido definitivamente o caso conforme a verdade,
impotente contra os cidadãos do S. É pela evolução que o ho- mas, de fato, não percorreu senão um breve trecho do seu ca-
mem pode transformar as condições de sua vida e, com isso, minho, que continua e se completa perante outro tribunal, cujos
ser regido por outras leis. Se o homem quisesse viver o Evan- métodos vimos quão diferentes são. Pode assim acontecer que
gelho, tudo mudaria para ele. O fato de, na Terra, o Evangelho um processo completamente vencedor na Terra, seja depois
não ser tomado a sério e vivido, mas sim julgado utopia, deve- completamente perdido no Céu. Então, quem recebeu na Terra
se à falta das condições necessárias para o seu funcionamento a satisfação de todos os direitos que a lei humana confere ao
aqui, onde não está presente o homem cem por cento de bem. vencedor, terá, se isto não foi conforme a justiça da Lei, de pa-
Assim, não sendo bons os resultados, julga-se que o método gar à custa dos seus sofrimentos tudo ao tribunal do Céu.
não tem valor. É como se o homem, para fazer o esforço de ◘ ◘ ◘
98 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
De nada adianta o nosso mundo não entender e negar estas nuvem clara da vítima inocente, pronta a se lançar contra esta
coisas. Ele não pode deixar de permanecer preso na rede dessas para destruí-la. Que acontece então? A nuvem clara é toda ela
forças sutis. O mundo nega-as, porque elas escapam aos seus clara, não possuindo manchas escuras, por isso não oferece ne-
sentidos. Mas quem, amadurecido por profundos sofrimentos, nhuma porta aberta que, constituindo um convite para entrar,
atingiu um elevado grau de sensibilização pode perceber tudo sirva como um ponto no qual as forças da nuvem escura pos-
que acontece neste mundo subterrâneo, no interior das aparên- sam descarregar-se. Esta, diante de tal impenetrabilidade, repe-
cias, antes que, saindo deste seu estado sutil, venha a se materi- te os seus ataques, porém cada vez mais inutilmente. Quanto
alizar nos seus efeitos concretos, que representam só a última mais bate contra a parede dura, tanto mais é levada, pelo con-
fase do fenômeno, aquela que o mundo percebe. É possível en- trário, a ricochetear para trás. Isto até que, impulsionada pela
tão, para um indivíduo sensibilizado, observar os acontecimen- necessidade de se descarregar em alguma parte, a nuvem escura
tos desde o seu início, lá onde ninguém se apercebe da existên- não tem outra escolha, a não ser percorrer às avessas o seu ca-
cia deles, e, conhecendo-os, prever assim o seu desenvolvimen- minho de ida, descarregando todo o seu impulso de agressão
to, sabendo como eles serão quando atingirem a sua última fase contra o campo da personalidade que lançou o assalto, a qual
sensória, aquela que todos percebem. Esta é a maneira pela qual acaba sendo assim atormentada pelos tormentos que ela havia
alguns podem ver os acontecimentos antes que eles se revelem procurado lançar contra o inocente.
por fora, sendo isto julgado previsão ou profecia. Não se trata, Diferente é o caso em que a vítima não é inocente. Então a
porém, de um trabalho de adivinhador, mas sim de um processo nuvem da vítima não é toda clara, mas possui manchas escuras,
de leitura daquilo que, apesar de ainda não ser visto pelos ou- oferecendo, por isso, portas abertas, que convidam a entrar e
tros, já existe. Trata-se de uma observação positiva do aconte- por onde as forças do mal podem descarregar-se. Então estas
cimento no seu estágio preparatório, fase que escapa à observa- aproveitam tal penetrabilidade e entram, atingindo o seu objeti-
ção dos outros. Então se diz que isto é previsão do futuro. Mas vo. Desse modo, a vítima recebe o choque, assim como um or-
o futuro não nasce do nada. Ele já existe como germe no pre- ganismo fraco, não suficientemente forte para se defender,
sente. Nós dizemos que algo de fato acontece, apenas quando o também tem de aceitar a doença. Neste caso, a culpa é do
fenômeno atingiu a fase final do processo da sua formação e agressor, mas ela também está no agredido, o que paralisa a
desenvolvimento. Mas ele também existe antes de atingir esse Lei, impedindo-a de intervir com a sua justiça, para defender a
seu ponto final. E é justamente pelo fato de tudo existir antes vítima. Eis por que, em tantos casos humanos, a Lei não pode
deste momento, que alguns, observando a fase inicial, podem funcionar, uma vez que a vítima não é inocente e mereceu ser
assim prever o seu desenvolvimento futuro. atingida pelas forças do mal. O princípio geral é que, se o mal
Então, examinando o fenômeno da luta entre o bem e o nos atinge, não tem sentido, como se costuma fazer, lançar a
mal, é possível prever qual será o resultado do assalto do culpa nos outros, porquanto nada podemos receber que não te-
agressor contra a vítima inocente, e isto não somente pelos nha sido antes merecido por nós mesmos. O grau de penetração
caminhos da lógica, porque conhecemos os princípios que re- das forças do mal no terreno do agredido, com todas as suas
gem o fenômeno, mas também por este outro caminho da visão consequências de desgraças e sofrimentos, pode ser previsto,
interior do fenômeno, antecipando assim o conhecimento da observando-se a amplitude das manchas escuras na nuvem do
sua solução. Mas como ocorre este fenômeno, pelo qual se po- agredido, que estabelece o grau da sua vulnerabilidade. O caso
de inclusive avisar aos outros do perigo em via de preparação, de uma nuvem clara que agride não existe, porque as forças do
antes que ele chegue à fase final, na qual o caso se materializa bem nunca agridem. Se o mal, pela sua negatividade, não sabe
na forma concreta de desgraça, doença ou sofrimento? Tradu- trazer senão destruição e morte, o bem, pela sua positividade,
zida em termos sensíveis, uma concentração de forças do mal não pode trazer senão reconstrução e vida.
pode ser percebida como uma nuvem escura que, aos poucos, A moral de tudo isto é que verdadeiramente forte é quem
vai-se condensando no ar, enquanto uma concentração de for- está do lado da Lei, e que a força do mundo, por si só, é uma
ças do bem pode ser percebida como uma nuvem clara. A es- forma de fraqueza. Por outro lado, a astúcia também é inútil,
curidão expressa a negatividade, e a claridade representa a po- porque desenvolve a arte de descobrir mentiras, que paralisa a
sitividade, porque o ponto de referência é a luz do S. A clari- própria astúcia e acaba eliminando-a. Pelo princípio de equilí-
dade corresponde à plenitude da luz. A escuridão corresponde brio, cada força gera o seu paralelo antagonista, armado para
à falta de luz, nas trevas do AS. Quando nem uma nem outra combatê-la. Na realidade, existe não somente a força para che-
dessas duas posições prevalece de modo absoluto, teremos gar à vitória, mas também a luta para realizar a evolução. A
uma mistura entre claro e escuro, cuja tonalidade expressará se psicologia do super-homem, herói da força, é somente produto
a prevalência no campo de forças é de positividade ou de nega- do mundo emborcado do AS, um crescimento às avessas, can-
tividade. Na maioria dos casos, culpa e mérito, mal e bem, es- ceroso e destruidor. Este modelo, porém, foi até agora um dos
tão de ambos os lados, em medidas diferentes. Ora, se o bem maiores ideais humanos.
prevalece, havendo domínio da positividade no campo de for- De tudo isto que temos explicado até aqui, a conclusão é
ças, então teremos uma nuvem clara com algumas manchas es- que poderoso de fato é o homem inerme do Evangelho, e fraco
curas de tamanhos variados, conforme a negatividade presente, é o armadíssimo homem do mundo. Se estivermos dentro da
que elas expressam. Se prevalece o mal, havendo domínio da Lei, nada teremos a temer. Quem quer usar os métodos do
negatividade no campo de forças, então teremos uma nuvem mundo tem de ficar com as consequentes desvantagens. Todo o
escura com algumas zonas claras de tamanhos variados, con- mal depende de nossa posição emborcada no AS contra Deus, e
forme a positividade presente, que elas expressam. quem a escolhe, mesmo que seja o dono do mundo, está per-
Observemos, então, deste novo ponto de vista, o que acon- dido. Com a sua defesa, a Lei confere ao homem de bem uma
tece nos vários casos. Conhecendo a percentagem de positivi- força superior a todas as outras forças.
dade ou negatividade que contém o campo de forças de cada A vida do Evangelho é dura, mas leva o homem para o S. A
um dos dois antagonistas, pode-se prever qual será o resultado vida do mundo é mais fácil, mas deixa o homem no AS. O ho-
do choque entre eles. No caso limite que já vimos, onde a víti- mem do Evangelho vai ao encontro dos seus semelhantes para
ma é completamente inocente e o agressor está completamente colaborar, sem interesse nem egoísmo, para o bem de todos.
dominado pelas forças do mal, será possível perceber neste úl- Eles, no entanto, devido ao seu interesse e egoísmo, apenas res-
timo as vibrações que, condensando-se no ambiente, vão-se pondem com a agressão, buscando a sua vantagem pessoal.
concentrando até atingir a forma de uma nuvem escura sobre a Trata-se de duas psicologias opostas: a do S e a do AS. No S,
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 99
os seres são complementares, sendo as suas diferenças compen- do nas tolices humanas. Conforme conclui, esta era a experi-
sadas e fundidas numa união orgânica, na qual cada ser se en- ência mais importante a ser feita, que poderia dar um conteúdo
contra feliz, cumprindo a função para a qual foi criado. Eles es- sério e interessante à minha vida, a qual eu não podia desper-
tão unidos por um liame de amor, numa contínua troca ou per- diçar, correndo atrás das habituais ilusões. Agora, na velhice,
muta, na qual cada um dá e recebe vantagens gratuitamente. No estou chegando ao fim desta experiência e aproximando-me
AS, os seres, em vez de compensarem as suas diferenças com cada dia mais da sua conclusão. Quais são os resultados desta
tal troca, utilizam-nas para agredir e destruir uns aos outros, tentativa, julgada pelo mundo coisa louca e desesperada? Vale
num estado de caos onde cada ser, ao invés de amar, repele os a pena fazer tanto esforço para acabar assim, na pobreza, des-
seus semelhantes, ficando sozinho contra todos e cumprindo prezado como simplório, sobrecarregado de deveres e de traba-
apenas uma função de agressão e destruição. Eles estão separa- lho, explorado pelos maus e condenado pelos práticos, que sa-
dos pela rivalidade, submetidos a uma luta contínua, em que bem fazer seus negócios? Quão melhores resultados concretos
cada um dá e recebe apenas sofrimentos. poderiam ter sido atingidos, para gozar deles agora, se tivesse
Tudo depende do grau de evolução do indivíduo, que define usado minha inteligência para triunfar no mundo. Assim, a
a sua natureza. Dela deriva o estado de paraíso ou inferno. Bas- conclusão mais simples e imediata seria de que este foi o ca-
ta que haja dois seres do AS, isto é, dois diabos, para que eles minho errado, não sendo aconselhável segui-lo.
prontamente construam ao redor de si um primeiro núcleo de Tal resposta estaria certa, se a vida se esgotasse toda e so-
inferno. Da mesma forma, basta que haja dois seres do S, isto é, mente neste mundo. Há duas maneiras de se enfrentar a vida,
dois anjos, para que eles imediatamente construam ao redor de dando-lhe um ou outro destes dois diferentes objetivos: o ime-
si um primeiro núcleo de paraíso. O resultado é consequência diato, no presente, encerrado dentro deste mundo, ou outro
da sua conduta. Os seres do AS, para vencer um ao outro, logo mais vasto, longínquo, acima dele. O primeiro pode ser rapi-
entram em luta, que termina apenas gerando sofrimento para damente alcançado em forma tangível, com a riqueza, o poder,
todos. Os seres do S, amando um ao outro, logo entram em co- as honras, os gozos materiais etc. Este método tem, porém, um
laboração, que termina gerando paz e bem estar para todos. defeito, uma vez que, com a morte, o fruto de tanto trabalho se
Aqueles destroem, criando necessidade; estes constroem, crian- abisma todo no vazio. Depois dos grandes funerais, nada per-
do abundância. Eis a posição atual de nosso mundo, em com- manece e tudo acaba no vazio. A realização do segundo obje-
pensação do qual deverá surgir um mundo novo, quando se rea- tivo, embora escape nas nuvens dos ideais e implique na Terra
lizar na Terra o anunciado Reino de Deus. uma realidade de pobreza, servidão, humilhação, sofrimento
Escrevi este capítulo e o precedente em cerca de quinze di- etc., tem a vantagem de oferecer a possibilidade de colher o
as, com febre quase contínua, talvez devido ao choque recebido fruto permanente de tanto trabalho. Depois de humildes fune-
pela agressão de que falei nas páginas precedentes. Não quis rais, abrem-se as portas de um mundo superior, onde se conti-
parar e, por isso, aproveitei o descanso aconselhado pelo médi- nua vivendo uma vida maior.
co, para desenvolver estes capítulos. Assim o leitor pode ver Sinceramente devo confessar que, agora, quando minha vi-
qual foi o meu tipo de reação. Encerraremos este livro com o da vai chegando ao fim, estou muito satisfeito por ter seguido
capítulo a seguir. O assunto parece inesgotável e haveria ainda este segundo método, tendo mais sofrido do que gozado. Satis-
muita coisa para dizer, mas isto ficará para o próximo volume, fação de ter levado a sério a vida, que pode tornar-se uma coi-
que iniciarei em seguida. sa imensa, se lhe dermos também um imenso conteúdo. Satis-
É noite profunda. É carnaval, e o mundo louco está dançan- fação de não ficar chorando na velhice, com saudade de um
do sob a ameaça de um destino tremendo e merecido, que se passado que acabou, mas, pelo contrário, alegrando-me com a
aproxima ameaçadoramente. aproximação de um futuro melhor, sempre desejado. Perante a
morte que se avizinha, sinto claramente que o método do
XVIII. CONCEITO DE MORTE PARA O Evangelho tinha razão e venceu, enquanto o método do mundo
EVOLUIDO E O INVOLUÍDO falhou. Se este tivesse sido o método seguido por mim, eu es-
taria agora olhando para o abismo que se estaria abrindo aos
Utilizamos, nos dois capítulos precedentes, um caso pessoal meus pés, voltando tristemente a me apegar ao passado morto,
vivido, para dar maior evidência às teorias destes livros, apoian- na desesperada e vã tentativa de ressuscitá-lo. No entanto, pelo
do-as em fatos e mostrando como elas se aplicam na prática, para contrário, nada me pode dar tanta alegria como a sensação da
comprovar que não estamos apresentando teorias fora da realida- vida nova que se aproxima e o pensamento de que o tempo fa-
de da vida. Aos que nos censuram, dizendo que estamos com a talmente me leva para ela, porque a morte não é o fim, mas
cabeça no céu, é necessário mostrar quão bem estamos também apenas a libertação de uma forma de vida inferior, que abre as
apoiados com os pés na terra, mantendo equilíbrio entre a teoria e portas para uma outra superior.
a prática, para ficar em contato tanto com uma quanto com a ou- A morte, ponto final e conclusão da vida. Este é o assunto
tra, explicando os fatos com as teorias e provando as teorias com que quero focalizar neste último capítulo e, com isso, encerrar
os fatos. Temos assim teoria e prática ao mesmo tempo, apoian- este livro. A morte do homem material, astuto e egoísta, apre-
do-se uma na outra. Explicar as teorias é relativamente fácil, vi- ciado pelo mundo porque sabe vencer, e a morte do homem
vê-las, porém, trazendo-as até ao nosso mundo, é coisa bem dife- espiritualizado, evangélico e altruísta, desprezado pelo mundo.
rente. Estamos convencidos de que a pregação sem a aplicação é A morte que, para o involuído, situado do lado do AS, é queda,
mentira, não sendo lícito, portanto, sustentar um princípio sem e a morte que, para o evoluído, situado mais próximo do S, por
a condição de estar, ao mesmo tempo, vivendo-o. Este problema ter subido com seu esforço, é salvação. A morte que, para o
não é só de honestidade moral, mas também de seriedade na pes- primeiro, é falência, porque ele, não podendo levar nada con-
quisa, pois como pode afirmar a verdade de uma teoria quem não sigo, tem de deixar todas as coisas neste mundo, e a morte que,
a experimentou no laboratório da vida? para o segundo, é triunfo, pois este, tendo-se apegado aos valo-
A grande afirmação fundamental destes livros resolve-se res eternos, nada pode perder do fruto do seu trabalho. E não
em sustentar, no terreno prático, a verdade do Evangelho. A se pode dizer que este assunto seja apenas teórico e não inte-
maior experiência da minha vida foi tê-lo vivido. Haviam-me resse por estar fora da realidade, porquanto não há quem não
dito que o Evangelho, se tomado a sério e praticado de fato, tenha de chegar a este ponto final.
mata. Quis ver se isto era verdade e, se fosse necessário ser Procuremos então, antes de tudo, entender o que é a morte.
morto, só o seria pela palavra de Cristo, e não por ter acredita- Todos, inclusive quem não conhece ou nega a teoria do S e AS,
100 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
estamos mergulhados neste dualismo universal e vamos, com a apesar de dolorosas, são indispensáveis para ele evoluir e repre-
vida e a morte, oscilando de um polo ao outro. A própria ciên- sentam o único meio de salvação. Por outro lado, também é lógi-
cia já admite a existência de um anticosmo no qual tudo que é co que essa ilusão, necessária para os inferiores, desapareça com
positivo encontra a sua contrapartida negativa, de modo que a evolução, que abre a inteligência para ao entendimento.
cada molécula teria a sua antimolécula, cada estrela a sua anti- Eis então como e porque a vida do involuído está continua-
estrela, cada galáxia a sua antigaláxia etc. Existiria assim um mente repleta do medo da morte. Ele está desesperadamente
antiuniverso constituído de antiátomos e antimatéria. Eis que a apegado a esta forma de existência, que, apesar de ser uma
nova ciência está encaminhando-se para o conceito de S e AS. forma inferior, é a única que ele conhece e, para ele, representa
Eis por que somos feitos de corpo e espírito, que representam toda a vida. Aqui é necessário esclarecer um fato. Viver signifi-
os dois polos opostos e complementares do mesmo dualismo. A ca existir e, por isso, é coisa tão fundamental, que nenhum ser,
morte é somente do corpo, que pertence ao AS, enquanto a vida é por mais involuído que seja, pode renunciar à vida. Tudo o que
qualidade do espírito, que pertence ao S. O princípio da geração existe deriva de Deus, e a primeira qualidade de Deus é o “eu
pertence à positividade do S. O princípio da morte é a sua posi- sou”, isto é, a existência. Se o ser, ao erguer-se como Anti-Deus
ção emborcada, que pertence à negatividade do AS. Vemos, em com a revolta, para estabelecer uma contra-Lei, caiu numa for-
nossa própria existência, funcionarem o S e o AS, sempre em lu- ma torcida de existência, nem por isso ele a perdeu ou tem de
ta um contra o outro, na qual o princípio positivo do S está sem- aceitá-la nesta sua forma torcida. A revolta pôde, momentane-
pre gerando e o princípio negativo do AS, sempre matando. O amente e na superfície, que pertence ao AS, apenas emborcar
primeiro, sendo obra de Deus, é maior e, por isso, sempre vence, no negativo (morte = interrupção de vida), mas não aniquilar, o
enquanto o segundo, sendo obra da criatura rebelde, é menor e, princípio fundamental do “eu sou”, que está em Deus, isto é, na
por isso, não pode prevalecer. Deste modo, quem está do lado profundeza, pertencente ao S. Eis a razão pela qual este princí-
do S está do lado da vida, e quem está do lado do AS está do la- pio deve permanecer indestrutível em todas as individuações
do da morte. Em nós, o que pertence ao S é o espírito e o que constituídas pelas criaturas, que não podem deixar de existir,
pertence ao AS é o corpo. O que em nós é espírito não morre, e pois são centelhas inextinguíveis de Deus. A existência pode
o que é corpo morre. Então a morte é só do corpo, e não do espí- mudar, assumindo uma forma invertida, na qual, em vez de
rito. Disto decorre que, quanto mais próximos estivermos do AS continuar inalterável, torna-se despedaçada a cada passo pela
e, por isso, pertencermos à vida no plano material, ou seja, quan- morte, mas não pode ser aniquilada. O ser não possui o poder
to mais o nosso eu for constituído pelo corpo, tanto mais ele tem de se destruir, tornando-se definitivamente um não-ser, num es-
de ficar sujeito à morte. Da mesma forma, quanto mais próxi- tado de absoluta não-existência. Com a revolta, o ser pode em-
mos estivermos do S e, por isso, pertencermos à vida no plano borcar, mas não eliminar a Lei. Por isso a morte aparece no AS
espiritual, ou seja, quanto mais o nosso eu for constituído pela como um parêntese transitório que a queda colocou no tempo,
alma, tanto menos ele tem de ficar sujeito à morte, porque pos- dentro da vida, permanecendo não como elemento de destrui-
suí a vida. A morte está somente no corpo, na matéria – produto ção definitiva, mas somente como princípio negativo, oposto e
emborcado pela queda no AS – e não no espírito, que é obra de antecedente ao princípio positivo da ressurreição, no qual está a
Deus. Assim, quanto mais o ser evoluir e, portanto, espirituali- vida, que ninguém pode anular. O aniquilamento dos espíritos
zar-se, tanto menos estará sujeito à morte. que desejarem insistir para sempre na sua revolta, como já vi-
Imediatamente surge a distinção que existe entre o utopista mos no Cap. II, é apenas uma possibilidade teórica para um ca-
evangélico e o homem vencedor em nosso mundo. Se a morte so excepcional. A própria presença do AS, com o seu processo
mata só o corpo, e não o espírito, eis que ela mata o homem da involutivo-evolutivo, já dissemos que representa apenas um pa-
matéria, mas nada pode contra o homem do espírito. Surge as- rêntese temporário dentro da vida eterna do S.
sim uma grande diferença. Eis como a morte revela o que um Ora, se a vida é uma inevitável necessidade para todos, en-
homem é de fato e torna-se assim a pedra de toque do seu valor, tão aqueles que, devido à queda, encontram-se nos níveis mais
marcando o resultado final do que ele escolheu praticar. Assim, baixos e, por isso, não possuem nem conhecem outro tipo de
quanto mais o ser é atrasado, tanto melhor é para ele o ambiente vida, senão aquela destes níveis inferiores, têm de permanecer
humano, onde realiza os seus baixos instintos, gozando a vida, apegados a esta sua única forma de existência, sejam quais fo-
e tanto mais, para ele, a morte é morte. E, ao contrário, quanto rem os sofrimentos que ela contém, lutando a cada passo para
mais o ser é adiantado, tanto pior é para ele o ambiente huma- defendê-la da morte. No ambiente saturado de positividade do
no, onde luta para realizar os seus elevados instintos, sofrendo, S, a vida é naturalmente boa e eterna, sem esforço, tal como o
e tanto menos, para ele, a morte é morte. Então a morte, que re- movimento nos espaços siderais, para os corpos que, em gran-
presenta para o primeiro o fim do próprio eu, significa para o des velocidades, saem do campo gravitacional da Terra. No
segundo apenas a sua libertação da casca material. Porquanto a AS, a vida não pode ser mantida senão ao preço de uma luta
evolução saneia a doença da negatividade, é lógico que o ser, contínua contra a negatividade, que quer destruí-la, assim co-
evoluindo, vai-se libertando da morte, fruto da revolta. Assim, mo o movimento de qualquer corpo próximo da superfície da
com a morte, o ser tanto mais tem de sofrer quanto mais ele é Terra, presos no seu campo gravitacional, exige esforço para
involuído, e tanto menos quanto mais ele é evoluído. ser realizado. Assim como o homem, no seu ambiente, tem de
Compreende-se então a razão pela qual é tão natural o ser extrair a energia do seu esforço muscular, enquanto há dela
atrasado ter medo da morte, consequência lógica da sua posição uma quantidade ilimitada no universo, o ser do AS também
de involuído, próxima do AS. Mergulhado na ilusão da qual está tem de ganhar a sua vida com o esforço de uma luta contínua,
feita toda a sua vida, ele julga que, com a morte, chega o fim de enquanto há vida sem limites para quem está no S.
tudo, enquanto o ser adiantado, pelo contrário, não a teme, pois Eis porque a existência terrestre, para resistir, tem de se sus-
sabe que se trata somente da continuação da vida numa forma tentar através de uma luta sem descansos contra infinitos peri-
melhor. As religiões ensinam essa verdade, mas apenas por meio gos e obstáculos, nos quais se expressa a negatividade do AS,
da fé, pois, para seres não evoluídos, que, por isso, não podem que a ameaça a cada passo. Isto tanto mais quanto mais o ser é
entender, este é o único expediente que se pode usar. E a fé não é involuído, abismado no AS, que é o reino da destruição e da
certeza, pois deixa os crentes na dúvida, como nos mostra o fato morte. Para o desgraçado que está mergulhado em tal atmosfera
de que eles, assim como os descrentes, têm medo da morte. Tudo de negatividade, a existência é sobretudo uma desesperada pro-
isto, porém, é providencial, pois é necessário que o ser atrasado cura de vida, para acabar arrancando apenas alguns momentos
fique amarrado ao terreno das duras experiências terrenas, que, fugidios, nunca sendo possível atingi-la na sua plenitude. É por
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 101
isso que a vida do homem está ameaçada a cada passo pela uma vida que é somente uma existência inferior de condenado.
morte e atormentada pelo sofrimento, tendo de ser conquistada A maior vantagem para o ser adiantado, que se encontra do lado
a toda a hora contra todos. Ao primeiro momento de fraqueza, do S, está no fato de que ele não aceita tal ilusão, porque enten-
qualquer cidadão de nosso mundo pode ser vencido e destruído deu que a verdadeira vida é outra, a imorredoura, e não a tempo-
por outro mais forte. Essa é a lei do ambiente terrestre. rária e perecível na matéria. Eis que existe para ele uma vida
A ciência afirmou a presença dessa lei da luta pela vida, maior e melhor, pela qual se justificam e se compensam os so-
mas, sem entender a causa que a gerou, não explicou a razão da frimentos humanos e na qual não há morte. Ressuscitando e
sua existência. Tal lei representa a condenação do decaído, que continuando, a vida vence a morte, encontrando finalmente um
tem de subir de novo, evoluindo com o seu esforço, para re- apoio firme em algo estável e verdadeiro, que não pode ser des-
construir e ganhar duramente o que agora lhe faz falta, mas que, truído e não se resolve numa ilusão. Então este homem, que o
antes da queda, ele possuía de graça, na maior abundância. É mundo julga ser um sonhador e viver fora da realidade, é o úni-
por isso que o homem primitivo, se quiser sobreviver, tem de co a ter sua vida apoiada num ponto positivo, que não acaba
lutar contra as feras, os elementos desencadeados, os inúmeros num engano, como acontece com as coisas do mundo. Tudo de-
perigos e inimigos, cego pela sua ignorância e perdido no caos, pende da forma mental que possuímos, com a qual julgamos tu-
enquanto, com a evolução, tudo isso vai-se arrumando e melho- do. É lógico que o ser, vivendo emborcado no AS, julgue verda-
rando, até o homem, com o desenvolvimento da inteligência, de o que é ilusão, porque, pela sua própria posição, ele não pode
conseguir construir um ambiente mais favorável, dominando e deixar de ver tudo às avessas. E é lógico, também, que o ser
domesticando as forças da natureza e, também, transformando- próximo do S julgue a ilusão de fato uma ilusão, porque, pela
se em ser civilizado, que sabe conviver com os seus semelhan- sua posição, ele não pode deixar de ver tudo de maneira correta.
tes, não mais seus inimigos, e sim colaboradores. É esta diferente visualização que desloca os conceitos e os valo-
Essa é a razão da tão miserável vida do cidadão do AS. res dos dois biótipos. Se quisermos então conhecer como o ser
Com a queda, não ficou nas suas mãos senão um farrapo de vi- mais adiantado, próximo do S, vê e julga o mundo, basta inver-
da, ao qual ele fica desesperadamente agarrado para não o per- ter o julgamento que o mundo faz dele e de si próprio.
der. Não há conquista que não seja ameaçada pelo medo de Para o evoluído, a vida terrestre representa um inferno
perdê-la, não há poder que não seja cheio de perigos, riqueza adaptado para feras, ambiente que, para os atrasados, pode
que não seja roída pela inveja dos rivais, glória que não seja até parecer civilizada. A moral comum aconselha a superação
enganada pela mentira da adulação etc. Neste nível, cada van- da animalidade com o desapego das coisas do mundo. Mas o
tagem está fatalmente sepultada pela correspondente desvanta- evoluído não sente apego, e sim enjoo delas. Este é o estado
gem, devida à negatividade do AS, de modo que aumentar a de quem não somente despreza o que a maioria mais procura
vantagem implica aumentar a respectiva desvantagem. Aconte- e gosta, mas também sente por tudo isto uma instintiva repul-
ce, então, que a conquista de cada vez mais poderes, riqueza, sa, que representa a fase final de superação e libertação, na
glória etc. não leva, como o ser desejaria, só à obtenção de van- fuga definitiva para fora do ambiente terrestre. Neste caso, o
tagens, mas também, devido à negatividade do ambiente do AS, ser experimentou a tal ponto os enganos do mundo, que, para
de qualidades negativas, que trazem necessariamente consigo ele, pelo fato de haver entendido o jogo das ilusões, não se
um aumento de todos os males e embaraços, aos quais aquelas trata mais de um esforço de virtude para não desejar riquezas,
vantagens estão inseparavelmente ligadas. honras, poder e gozos materiais, mas sim do fato de que, pelo
Mas é lógico que, quando o ser situado no AS procura, nes- contrário, ele não pode deixar de rejeitar com um sentido de
ta sua posição involuída, as doçuras do S, encontre no fundo repugnância tal tipo de satisfações, apesar de serem tão pro-
delas o veneno e as amarguras do AS. É lógico que, num mun- curadas pela imbecilidade humana, recusando-as com náusea,
do emborcado no negativo, não se possa, também quando se revoltando-se contra elas sobretudo porque são a causa de
buscam produtos positivos, encontrar senão produtos sempre tantas maldades e crimes, cometidos por quem, devido ao seu
prontos a se emborcarem no negativo. É lógico que, em nosso egoísmo, semeando tantos sofrimentos, faz delas o maior ob-
mundo, quanto mais quisermos possuir produtos positivos, para jetivo da vida. Mas os atrasados não se apercebem que mons-
saciar a nossa fome de positividade, tanto mais seremos emba- truosidade repelente e horrível representa, para os mais adi-
raçados e sufocados pelos produtos da negatividade. Na sua ig- antados, a falta de sentido moral.
norância, o homem pretende cegamente realizar o absurdo de Esta é a posição de quem vive a última das suas encarna-
atingir as satisfações do S, movimentando-se em descida, em ções terrestres. A esse ponto, depois de ter seus olhos abertos
direção emborcada, aprofundando-se sempre mais no AS, en- por tantas experiências dolorosas, todos terão de chegar. Tal é a
quanto o seu anseio não pode ser satisfeito senão pelo caminho psicologia de despedida do inferno terrestre, no qual os vence-
oposto, isto é, renunciando a tudo que é AS e reconstruindo, dores do mundo, que atormentam os bons, julgando-os ineptos,
com o seu esforço, tudo o que é S. Acontece então que, aumen- terão de ficar, enquanto não tiverem, com o seu esforço, percor-
tando os seus poderes, o ser não ganha, mas perde. Trata-se de rido todo o caminho que leva para a libertação. Quem está ape-
uma nutrição às avessas, que, ao invés de saciar, aumenta a fo- gado a um mundo inferior tem, devido ao seu próprio apego, de
me e, ao invés de sustentar, envenena. Tudo é lógico e não po- voltar a ele. A condenação é automática, devida à própria natu-
deria ser diferente. Temos, assim, também uma explicação ra- reza do ser. Até que tenha aprendido toda a lição através de in-
cional para os ditames sustentados pela ética e pelas religiões, contáveis dores e desilusões, esse tipo de homem ficará preso a
bem como para a inconciliabilidade entre Cristo e o mundo. essa forma de existência e a todos os males a ela inerentes. A
◘ ◘ ◘ vitória do homem do mundo é a sua maior condenação, pois
Observamos o que é a morte e a vida para o biótipo atrasa- constitui aquilo que o prende sempre mais à sua prisão. Ele
do, cidadão do AS, forte e hábil vencedor em nosso mundo. agride os bons, julgando-os fracos, explorando-os e esmagan-
Observemos agora o que acontece do lado oposto, isto é, o que do-os, acreditando com isso vencer e ganhar. No entanto estes o
é a morte e a vida para o biótipo evoluído, que vai se aproxi- utilizam a fim de serem expelidos para fora do inferno, dentro
mando do S, o homem evangélico, que o nosso mundo despreza do qual os seus agressores, com sua ação, vão-se radicando ca-
como fraco e utopista. da vez mais. Os bons e perseguidos sofrem, mas sobem e, su-
A maior punição para o involuído, que se encontra do lado bindo, ganham. Os maus e os perseguidores vencem, mas des-
do AS, é automática e está no fato de que, na sua ignorância, ele cem e, descendo, perdem a partida maior. Mas isto, pela sua ig-
julga ser a sua vida a única e verdadeira, tomando a sério, assim, norância, eles não entendem, nem adianta explicar-lhes. Tudo
102 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
isso, porém, é entendido por quem subiu com o seu esforço e, espírito não poderá sobreviver acordado após a morte, mas
subindo, amadureceu, conquistando o conhecimento. apenas adormecido. É lógico que, estando convencido de que a
Vemos aqui como funciona o jogo das ilusões do mundo. O vida está apenas no corpo, quem perde o corpo tenha a sensa-
homem está cercado de enganos. Ele acredita ser um vencedor, ção de ficar sem vida. Assim ele continua vivendo, mas num
quando, na verdade, é um vencido. Ao praticar o mal, acredita estado de asfixia, sozinho nas trevas, desesperado no vazio,
que fica impune, escapando às consequências das suas ações e à perdido no vácuo de si mesmo.
justiça de Deus, mas não sabe que às reações da Lei ninguém po- A terrível autopunição do involuído é a sua ignorância,
de fugir. Enganado por sua miopia, em razão da qual, baseando- pois ela o deixa acreditar que, apegando-se às coisas do mun-
se na sua curta vida atual, ele julga ser essa toda a vida, o homem do, possa ganhar a vida, quando de fato ocorre o contrário,
conclui, observando as maldades praticadas por seus semelhan- pois, desse modo, ele desce e se enraíza cada vez mais no AS,
tes, que eles não sofram consequências imediatas. O homem não o reino da morte, sendo levado a perder a verdadeira vida, ao
entende que esse processo é lento e complexo e que o pagamento invés de ganhá-la. Essa é a lógica consequência da posição
das dívidas se faz em outras vidas sucessivas. Isto acontece assim emborcada em que se colocou o ser com a revolta, pela qual
pelas seguintes razões: 1) A eternidade não tem pressa; 2) A jus- ele não pode deixar de conceber tudo às avessas. Quem esco-
tiça de Deus não está fechada dentro da pequena medida de nos- lhe o caminho da descida vai para a morte, e quem segue o
so tempo; 3) Antes de se redimir com o pagamento, o ser, entre caminho da subida vai para a vida, assim está escrito nas pró-
uma vida e outra, pode refletir e compreender melhor, porque es- prias leis da existência, e ninguém pode impedir.
tá fora da ilusão dos sentidos; 4) Finalmente, pelo fato de precisar Paralelamente, o oposto ocorre ao evoluído. Enquanto o ser
ser organizada de outro modo, uma existência de pagamento e atrasado luta desesperadamente para conservar a sua efêmera
expiação tem de basear-se sobre condições diferentes daquelas vida inferior, seu único tesouro, o adiantado não consegue su-
constituídas pela vida atual, na qual foi cometido o mal. portá-la senão transformando-a num meio para realizar alguma
É lógico que o panorama da vida apareça completamente di- coisa superior, que concorde com os seus instintos e pertença
ferente, conforme o olhemos de cima para baixo ou de baixo ao seu plano de vida. A orientação e os objetivos da vida do
para cima. É lógico também que o ser, ao evoluir acima do co- evoluído estão nos antípodas aos do involuído. O primeiro é
mum nível humano, julgue e conceba a vida de maneira dife- idealista, o segundo materialista. Este realiza toda a sua vida
rente. É natural que, conquistando outras qualidades e tendo de aqui na Terra; aquele a realizará na sua plenitude somente ama-
realizar outro trabalho, o ser não possa deixar de se sentir des- nhã, porque, para ele, a verdadeira vida se inicia no momento
terrado e estrangeiro em nosso mundo, onde tem de tropeçar a em que tudo, para o outro, parece acabar com a morte. Conven-
cada passo em coisas que não correspondem à sua natureza, cido de se encontrar numa posição mais vantajosa, o mais adi-
com as quais ele não pode construir a sua vida. antado gostaria de ensinar o segredo da sua vida superior ao in-
Assim o fenômeno da morte se torna uma coisa diferente, voluído, para o bem dele, e essa transmissão de conhecimentos
conforme a natureza do indivíduo que tem de enfrentá-la. Es- se torna a finalidade da sua existência terrena. Mas o atrasado,
quecê-la não é possível, porque a vemos aparecer entre nós a encontrando-se proporcionado às suas trevas, não quer ser in-
todo o momento, conduzindo um ou outro, sempre pronta para comodado por nenhuma luz que o impulsione a fazer o esforço
todos. O homem do mundo procura não vê-la, atordoando-se de realizar em si essa reforma revolucionária. Então ele repele a
com a corrida atrás das coisas materiais, que lhe dão a ilusão da ajuda, respondendo com a revolta e a agressão, que é a lei do
realidade, enchendo de barulho os sentidos ou procurando es- seu plano, escrita nos seus instintos, perfeitamente convencido
quecê-la, adormecido na inconsciência. Mas um secreto terror que tudo isso corresponde à verdade.
se aninha em sua alma, quando ele pensa neste fim, que lhe ar- A conclusão é que tudo vai bem para quem, na Terra, está
ranca tudo o que mais ama e defende. Pelo contrário, o homem situado no seu nível evolutivo, que representa o ambiente a ele
espiritual, perseguido pelo mundo, pensa com tranquilidade na proporcionado. Aqui ele pode realizar a sua vida conforme a
morte, porque, estando o seu tesouro nas coisas espirituais que sua natureza. Mas tudo vai bem apenas enquanto o jogo de uma
leva consigo, ela não tem o poder de lhe tirar nada. Quem vive vida, que depende da efêmera existência de um corpo físico,
em função não do mundo, mas de uma existência superior, nada não acaba. Pelo contrário, tudo vai mal para quem, na Terra,
perde deixando a Terra, pois sabe que assim, pelo contrário, sa- não se encontra no seu nível evolutivo, ou ambiente a ele pro-
irá do inferno, e regozija-se pela sua libertação. porcionado. Aqui ele não pode realizar a sua vida conforme a
Sendo os dois tipos biologicamente situados nos antípodas, sua natureza, mas tem de suportá-la, com muito sofrimento. Se,
é lógico que as suas concepções sejam uma o reverso da outra. porém, tudo vai mal até à morte, a efêmera existência de um
Para o homem do mundo, a morte é o término da vida; para o corpo físico que aprisiona o espírito não pode durar para sem-
homem espiritual, ela é o início de uma vida mais alta. Para o pre e, depois do cativeiro, tudo termina na libertação, pois a vi-
primeiro, a morte é uma condenação que destrói a felicidade, da, ao invés de acabar na morte, continua para ele numa vida
para ele situada no corpo; para o segundo, a morte é uma liber- maior. Eis então que os primitivos, sedentos de vida, reprodu-
tação que abre as portas à felicidade, para ele situada no espíri- zem-se irresistivelmente, para depois se matarem uns aos outros
to. Para o primeiro, a morte é morte; para o segundo, é ressur- nas guerras. Eles têm de ficar apegados a um mundo onde cada
reição; para um, ela é motivo de tristeza, porque tira a vida; pa- berço é um esquife, onde a geração serve para alimentar a mor-
ra o outro, é motivo de alegria, porque traz um aumento de vi- te, onde uma vida de lutas atrai mil enganos e tem de acabar na
da. É natural que a evolução leve a um aumento de positivida- destruição do que mais foi almejado. O que não faz parte dessa
de, ou seja, de vida, e que, nos níveis mais involuídos, prevale- condenação para eles é rejeitado como utopia, de modo que
ça a negatividade, ou seja, a morte. acabam permanecendo na sua justa posição, como merecem.
Quanto mais perto do AS está o ser, ou seja, quanto mais a O mais adiantado, que entendeu a mecânica desse jogo, cho-
sua vida está no corpo ao invés de estar no espírito e, assim, ra sobre tanta ignorância e miséria. Ele quer fazer alguma coisa
mais na superfície ou forma ao invés de na profundeza ou subs- para salvar os seus irmãos menores, mas estes se apressam a
tância, tanto mais destruidora é a morte. Enquanto não acordar crucificá-lo. Assim, tal ajuda é repelida, ficando em pé a miséria
na vida do espírito, tornando-se vivo e consciente nesse nível, o e a vergonha do mundo. Eles não entendem, e não adianta expli-
ser não poderá gozar da sua imortalidade. Enquanto o ser se car-lhes. Quando, movidos pelo originário instinto de positivi-
identificar com seu corpo, julgará que morrerá, quando o corpo dade do S, eles procuram cheios de afã levantar na Terra as suas
morrer. Assim, quem não aprendeu a estar vivo e consciente no construções, sem entender que, pelo fato de pertencerem a um
Pietro Ubaldi QUEDA E SALVAÇÃO 103
mundo feito de negatividade, situado no AS, aquelas constru- saúde, a ajuda moral e também material. É nela que se resolvem
ções não podem durar e têm de cair, terminando tudo num enga- os problemas do conhecimento e se encontram a bondade, o po-
no. Para que censurar, se cada um, pela sua própria natureza, der e a justiça. Tudo desce daquela primeira fonte, que é Deus.
traz em si mesmo o seu prêmio ou a sua condenação? Nada se Quanto mais o ser é involuído, tanto mais ele está situado na
pode acrescentar ou tirar à perfeição da justiça de Deus, pela periferia do todo, representada pelo AS, com todas as suas qua-
qual, automaticamente, cada um recebe o que merece. lidades. Quanto mais o ser é evoluído, tanto mais ele está situa-
◘ ◘ ◘ do perto do centro do todo, representado pelo S, com todas as
Já vimos que, na Terra, são conhecidos três planos de evo- suas qualidades. Dentro da casca exterior, representada pelo
lução: 1) O nível da fera, que usa o método da força; 2) O nível nosso universo material, reino dos rebeldes (expulsos do S),
do homem, que, quando não é fera, usa o método da astúcia; 3) que vivem na ignorância e no sofrimento, há um núcleo de na-
O nível do super-homem, que usa o método da honestidade e da tureza oposta, representado pelo universo espiritual do S, reino
justiça. Estes níveis situam-se um acima do outro. Cristo ensi- de Deus, onde domina a sabedoria e a felicidade.
nou o método do nível mais adiantado, no qual, transformando- Mas os dois reinos não são separados, e sim contíguos, de
se por evolução, terão de chegar os outros. Assim, Cristo ante- modo que podem se comunicar. O S, que está no centro, irradia
cipou e preparou as novas realizações do futuro, indicando-nos continuamente as suas qualidades de positividade e de vida para
um mundo onde basta cada um cumprir o seu dever a respeito o AS, que está na periferia. Este, pela sua natureza invertida,
dos outros, para que os outros o cumpram em relação a ele, um constitui-se somente de negatividade e de morte, de modo que,
mundo às avessas do atual. Neste, onde se fareja de longe o tipo se fosse deixado sozinho, a si mesmo, estas suas qualidades o
honesto, para explorá-lo, acreditando-se que a inteligência con- destruiriam. Há, porém, esta contínua irradiação de positividade
siste em não fazer o seu dever, mas sim aproveitar-se dos que o e de vida, que, nascendo do S, penetra, alimenta e, assim, salva
fazem, o jogo é bonito e gostoso. Há, porém, os irrefreáveis o AS da destruição, compensando e corrigindo suas qualidades
impulsos da evolução, que não podem deixar de acabar limpan- de negatividade e morte.
do o mundo de tal imundície. Então tais seres inteligentes às Por outras palavras, o Deus transcendente, que está além do
avessas serão pela própria vida eliminados do nível humano e nosso universo atual, no S, estende e faz chegar, do centro on-
impelidos para planos inferiores, porque o progresso pode cada de Ele está situado, a sua ação até à zona periférica, de super-
vez menos tolerar os seres não civilizados. fície, isto é, no AS, e permanece aí presente na forma de Deus
Com o exemplo, Cristo nos mostrou a superioridade do seu imanente, representando o princípio da vida, que sustenta todas
método, porque, se Ele se deixou crucificar, as leis da vida de- as formas, e a inteligência que, com a Lei, dirige o funciona-
pois constrangeram o mundo, por milênios, a se ajoelhar peran- mento de todos os fenômenos. As fontes da vida estão no S,
te a Sua imagem de crucificado. Diante da figura de Cristo, o que, através das irradiações da sua positividade, subindo da
homem tudo pode fazer, menos ficar indiferente. Apesar de ne- profundeza, continuamente reconstrói o que a negatividade do
gar e rebelar-se, ele não pôde deixar de ter que engolir a doutri- AS, na superfície, constantemente destrói. É assim que Deus,
na de Cristo, porque ela está escrita na lei de evolução da vida. as fontes da vida, o S, estão dentro de tudo o que existe e, por-
E tanto isso é verdade, que, quando os melhores não são escu- tanto, dentro de nós, sendo aí, descendo na profundidade de
tados, os piores são chamados pela história, para impor aquela nosso ser, que os poderemos encontrar.
doutrina (justiça social) com o método dos inferiores. As religi- Explica-se desse modo como, na luta entre a vida e a mor-
ões cristãs, não importa se sem acreditar nem praticar, tiveram te, S e AS, em nosso mundo, a vida vence a morte. A razão es-
de proclamar e sustentar o método de vida de Cristo, pregando tá no fato de que o S é obra de Deus, sendo mais forte do que o
a honestidade e a justiça. Bilhões de indivíduos, durante milê- AS, obra da criatura. De fato, vemos que as construções hu-
nios, tiveram de conhecer essa doutrina e exemplo, ouvindo manas, para resistir à destruição, necessitam de uma manuten-
aquelas palavras, que o mundo não pode silenciar. Os maduros ção contínua, que se pratica pelo trabalho do homem, de fora
encontraram em Cristo um refúgio e a justificação para a sua para dentro, enquanto as construções da vida automática e
conduta, que o mundo julga loucura. Assim eles não estão mais constantemente se reconstroem, intimamente alimentadas de
sozinhos, porque há alguém que endossa o seu comportamento. dentro para fora (reconstrução dos tecidos celulares etc.). É as-
Por isso eles se agarram a Cristo, único sustentáculo seu no sim que, por exemplo, se deixarmos abandonada uma cidade,
desterro terrestre, juntando-se à pequena turma dos Seus segui- quando aí voltarmos depois de um século, encontraremos ape-
dores, unicamente onde podem encontrar seus companheiros de nas ruínas. Se, pelo contrário, deixarmos abandonado um cam-
luta e de martírio, para realizar, seguindo as pegadas de Cristo, po plantado de árvores, depois de um século, encontraremos aí
a grande tarefa de civilizar o mundo. um espesso bosque. A diferença está no fato de que os edifí-
Mostrando qual é a posição do involuído e a do evoluído cios de uma cidade, como toda obra humana, são um produto
nos seus respectivos planos de existência, indicamos também tipo AS, obra apenas do homem, e, por isso, não estão ligados
qual é o caminho que o primeiro tem de percorrer para atingir o pelas suas raízes às fontes da vida, que estão em Deus. Deus
nível do segundo. Este é o trecho humano do grande caminho cria operando de dentro para fora, provando que o S está no in-
ascensional do ser, que vai do AS ao S. Este é o caminho da terior do AS. O ser destrói de fora para dentro, matando o cor-
salvação, que destrói todas as tristes qualidades da negatividade po, provando, dessa forma, que o AS é exterior ao S. Cada um
e leva para a conquista de todas as felizes qualidades da positi- trabalha conforme a sua posição no todo.
vidade. Chamamos a esse caminho de subida, porque vai para o Em nosso mundo, encontramos os dois elementos: o cons-
aperfeiçoamento, mas o poderíamos chamar também de desci- trutivo do S e o destrutivo do AS, a vida e a morte, em luta en-
da, porque vai da superfície, onde está o AS, para a profundi- tre si. Quando um ser nasce em nosso mundo, este fato se deve
dade, onde se encontra o S. Trata-se de diferentes imagens para ao impulso da vida, que, derivando do S, vai até ao AS, onde se
nos tornar inteligível a mesma realidade. manifesta na forma. Mas, logo que isto acontece, a negativida-
É nesta profundeza que está a verdade. É de lá que fala a voz de do AS começa a roer e vai consumindo o poder daquele im-
da vida; é de lá que se origina e procede a sua ação, abismando pulso, até prevalecer sobre ele, quando então chega a morte. No
as suas raízes até Deus. Ele está no centro do todo, de onde se primeiro momento, é o S que vence; no segundo, é o AS. Te-
manifesta em todas as formas, regendo todos os fenômenos, se- mos assim um universo dualista, devido à revolta que o despe-
gundo os princípios por Ele estabelecidos na Lei. É nesta pro- daçou em dois momentos opostos; na profundeza, a vida; na
fundeza que se encontra a sabedoria, a orientação, a energia, a superfície, a morte. A tarefa do S é sempre gerar a vida; a fun-
104 QUEDA E SALVAÇÃO Pietro Ubaldi
ção do AS é destruí-la. Se dentro do AS não existisse o S, isto parece não convencer muito os crentes, que, com o risco de me-
é, se o nosso universo não fosse animado e sustentado pela pre- recerem o inferno, muitas vezes preferem o bem pobre, mas
sença imanente de Deus, tudo teria fracassado há muito tempo, menos nebuloso, paraíso inteligível e concreto das coisas terre-
destruído pela negatividade do AS. Se esta não existisse, como nas. Não esqueçamos que a vida e, por isso, o ser são utilitários.
acontece no S, então não existiria morte e a vida seria eterna. Cada um faz os seus cálculos e, antes de se movimentar, estuda
É assim que, quanto mais o ser no AS está longe do S, tanto se convém fazer o esforço necessário para ser compensado, ca-
mais ele é matéria inerte, na qual a consciência do espírito está so contrário não o faz. Na prática, a pregação de sacrifícios por
adormecida, ao passo que, quanto mais o ser no AS, evoluindo, ideais teóricos de virtude não convence ninguém. Essa é a rea-
aproxima-se do S, tanto mais ele adquire vida e se potencializa lidade, lógica e natural consequência do que o homem é de fato.
como vida, acordando a consciência do espírito. É pelo fato de Eis por que, neste livro, procuramos dar provas do dano que
significar aproximação do S, que a evolução representa uma recebemos ao cometer erros, bem como da utilidade que atingi-
conquista de vida. É por isso que, com a evolução, cada vez mos, se cumprirmos o esforço de evoluir, seguindo os ditames
mais se fortalece o poder da vida e se enfraquece o da morte, de Cristo. Este nos pareceu o melhor comentário possível para
até que, ao se concluir o processo evolutivo, com o regresso ao demonstrar a verdade do Evangelho. Assim ele se torna atual e
S, o AS, e junto com ele a morte, desaparecem e a vida volta a prático, necessário a toda a hora no meio de nossa vida, também
ser eterna, acima da dimensão tempo, produto da queda, agora fora do ambiente fechado das religiões particulares. Por isso
reabsorvido pela evolução. demonstramos que estar do lado de Cristo não significa ser fra-
Mostramos neste volume os duros efeitos da queda, mas cos e vencidos, como o mundo julga, mas sim fortes e vencedo-
também os caminhos da salvação. Temos agora o diagnóstico res; não significa ser ignorantes, mas sim sabedores, porque me-
do mal e os remédios para o tratamento. A conclusão é que, lhoramos as condições de nossa existência, enquanto o contrário
com a evolução, temos nas mãos a chave de nossa salvação, o acontece para os vencedores do mundo, vítimas das suas ilusões,
meio para a conquista da felicidade e da vida eterna. Se, com em virtude das quais, acreditando ganhar, eles perdem.
a revolta, o ser involuiu no AS, ele pode, com a evolução, vol- Assim, contra a moral dominante nos fatos, aparentemente
tar ao S. Esta nossa conclusão não é novidade, porque é uma verdadeira, demonstramos a verdade da moral oposta, aparen-
ética que coincide com a ética do Evangelho e com aquela re- temente absurda, que está no Sermão da Montanha e nas bem-
petida pelas religiões, num consentimento quase universal, aventuranças do Evangelho. Trata-se somente de nos tornarmos
que a confirma, provando a verdade das nossas teorias. A no- mais inteligentes, a fim de compreender o truque dos enganos
vidade está na forma mais convincente, na qual apresentamos do mundo, para não cair mais neles, e entender que o caminho
tal verdade. As religiões se apoiam na fé cega, porque fala- para obter a nossa verdadeira vantagem é outro. Aos homens
vam e ainda falam a seres que não podem entender o valor das práticos e positivos quisemos provar que não só vale a pena,
provas racionais e ficar convencidos, incapazes de serem im- mas também é bom negócio, de fato o melhor possível, tomar o
pressionados pela sua lógica. Nem a filosofia abstrata, nem a Evangelho a sério e vivê-lo.
ciência, limitada ao que aparece objetivo, podiam tornar atual Trata-se do nosso sofrimento ou da nossa felicidade, proble-
e introduzir na vida essa ética. ma fundamental. Explicar racionalmente qual é o melhor método
Para chegarmos às nossas conclusões, era necessário possuir para alcançá-la, é a minha grande vingança contra os meus seme-
uma visão clara da estrutura do universo, mostrada em nossos lhantes, pelas espoliações e esmagamentos que, para cumprir o
livros precedentes. Para que tais conclusões fossem aceitáveis, meu dever, tenho recebido ao longo de minha vida, num mundo
era preciso apoiá-las no único argumento que todos entendem e onde, infelizmente, aparentemente, o maior crime, o mais des-
que a todos convence, de valor prático e concreto, ou seja, a prezado, punido e raramente perdoado, é ser honesto. Que se po-
própria utilidade. É sobretudo nisto que nos baseamos. Aqui, de fazer de mais útil para o bem dos outros, coisa urgentíssima
neste volume, não se trata de voos místicos ou de arremessos em nosso mundo? Não será procurar civilizar os primitivos, ex-
fideístas, o que já algures foi feito, mas do simples cálculo das plicando-lhes onde está a sua verdadeira vantagem, para que eles
vantagens que compensam o esforço evolutivo. Não basta dizer não sofram mais, continuando sempre a cometer erros?
que a salvação está na evolução. A evolução representa um tra-
balho duro, e quase todos querem fugir dele. Então, para que São Vicente, Páscoa de 1961.
fazê-lo? Para ser ouvido, é necessário provar que este trabalho é
compensado com uma utilidade nossa, mostrando como, quan-
do e por que isto ocorre. A fé sozinha nos deixa sempre um FIM
pouco duvidosos, tanto que, para a sustentá-la, foi necessário
apoiar-se no inferno, já que o paraíso prometido pelas religiões
O MISSIONÁRIO
Vida e Obra de Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-
ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São

Pietro Ubaldi Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-
tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de
Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-
(Sinopse) gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua
missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a
mesma linguagem e conteúdo divino.
O HOMEM No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-
nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-
18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do
onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi- mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros
ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-
as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais 01) Grandes Mensagens
e os prazeres deste mundo. 02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci- 04) Ascese Mística
onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei- 05) História de Um Homem
ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As- 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão
sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana. 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen- 08) Problemas do Futuro
te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual. 09) Ascensões Humanas
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien- 10) Deus e Universo
tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além
praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no
de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-
interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à
se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra
família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas
ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos
lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade
na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e
O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-
aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-
ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-
ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-
dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um
ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a
ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-
leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-
são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-
carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-
pletar sua tarefa missionária.
piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-
Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de
nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.
conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-
guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-
mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se
posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um
poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-
convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno
tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e
lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para
religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX.
com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-
Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-
sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.
mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A
Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-
Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-
cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em
ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano
São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.
Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como
Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-
prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-
22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-
colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina
tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada
educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para
brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:
o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-
11) Profecias
fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-
va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino. 12) Comentários
Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos. 13) Problemas Atuais
Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: 14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo
Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em 15) A Grande Batalha
1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975). 16) Evolução e Evangelho
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con- 17) A Lei de Deus
ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma- 18) A Técnica Funcional da Lei de Deus
trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de
19) Queda e Salvação
pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a 20) Princípios de Uma Nova Ética
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi 21) A Descida dos Ideais
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran- 22) Um Destino Seguindo Cristo
ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava 23) Pensamentos
todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente. 24) Cristo
Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-
Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa
– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande
transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-
Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
– Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha. José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne- do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos  formação; 25 aos 45 anos  maturação in- poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos  Obra Italiana (produção concep- A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma
tual); dos 65 aos 85 anos  Obra Brasileira (realização concreta da missão). nova concepção de vida.

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