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RESUMO
À luz de uma pesquisa que se propunha a identificar e documentar os saberes tradicionais de
mestres artífices da construção e da arquitetura no Vale do São Francisco, no Estado de Minas
Gerais, este texto se debruça sobre a questão teórica da tradição. Recorrendo a vários autores,
principalmente do campo da Antropologia, procura-se definir a tradição e entender o seu
funcionamento, bem como aos mecanismos de sua transmissão. O texto vai mostrar que,
diferentemente de uma visão corrente, que vê a tradição como uma dimensão estática da cultura, ela
vai ser, como aponta Raymond Williams, sempre seletiva, constituindo uma versão intencionalmente
seletiva de um passado modelador e de um presente pré-modelado. Com isso, ela pode se constituir
numa força ativa na contemporaneidade, o que fica patente quando, através desse conceito, se
analisa, por exemplo, o saber-fazer tradicional.
Palavras-chave: tradição, transmissão, invenção, saber-fazer, Rio São Francisco
1
Este texto é derivado da pesquisa “Mestres Artífices da Construção Tradicional no Vale do São Francisco: Os
Desafios da Preservação do Saber-Fazer”, que teve o patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas
Gerais (FAPEMIG)
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realizada com o patrocínio do IPHAN, onde havia se mapeado os mestres artífices das
regiões Central, do Campo das Vertentes e do Vale do Jequitinhonha no Estado, nos anos
de 2009 e 2010. Desta vez, o grupo interdisciplinar envolvido tomava uma região
significativa de Minas Gerais, o Vale do São Francisco, que teve um importante papel na
formação histórica do Estado e que apresenta hoje um importante acervo relativo ao saber
fazer tradicional da construção, a ser registrado e analisado.
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comumente entendida como um segmento relativamente inerte de uma estrutura social, uma
“sobrevivência do passado”, não sendo de se estranhar, portanto, que ela seja vista, muitas
vezes, como uma dimensão cristalizada, imóvel, da cultura.
A Antropologia reforça essa perspectiva ao apontar para o fato de que todos os sistemas
culturais, mesmo aqueles tradicionais, estão em contínuo processo de modificação. Não
haveria, assim, uma cultura estática, e o próprio processo de transmissão incorporaria
possibilidades de mudanças, através das quais as culturas se mantêm flexíveis e podem
absorver as inevitáveis variações trazidas pelo tempo. Neste aspecto, cabe distinguir, no
entanto, entre dois tipos de transformações da cultura: aquelas mudanças internas, que
resultam da própria dinâmica do grupo, e aquelas mudanças, usualmente bruscas e rápidas,
trazidas pelo contato de um sistema cultural com outro. (LARAIA, 1988). O primeiro tipo de
transformação é o resultado de um desenvolvimento interno do grupo, quando, por exemplo,
se consegue resolver um problema colocado, ou se atinge um novo estado cultural. O
grande motor aqui vai ser, como aponta Ronald Lewcock, “o desejo de novidade e o instinto
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ENCYCLOPEDIA, 1997, p. 117. O autor continua: “Tradições são manifestas na organização e orientação do
assentamento, nos ritos de consagração, nos tipos construtivos, sistemas estruturais e formas de telhado,
tecnologias e técnicas de construção, especialização e papeis de gênero dos construtores, na relação de
espaços significativos, e nos elementos que são decorativos ou que têm valor simbólico. Edificações
representam a síntese de muitas tradita. ” (Tradução do autor)
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LEWCOCK, Ronald. “Westernization and cultural interaction”. ENCYCLOPEDIA, 1997, p. 121. No que se refere
à arquitetura vernacular, o autor observa que “dentro de uma tradição, o desenvolvimento e a aceitação de uma
mudança física pode ocorrer através da resolução de um problema que é inerente à ordem existente.”(Idem)
(tradução do autor)
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Enquanto conseguiam assimilar traços de outra cultura indígena, o encontro dos Ianomâmis
com os brancos vai ser devastador. Nas palavras do antropólogo Darcy Ribeiro:
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Influências transculturais acontecem se duas culturas têm base comum suficiente para que as ideias possam
se deslocar facilmente de uma sociedade para outra. Isso não acontece se duas sociedades têm paradigmas, ou
visões de mundo, completamente diferentes. Em lugar de interagir através de mistura, um conjunto de
ideologias termina por destruir o outro, com os “efeitos correspondentes nas 'representações coletivas' da
cultura, incluindo aí sua arquitetura vernacular.” (LÉVI-STRAUSS, 1985, p. 82)
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Continuando com o exemplo dos indígenas brasileiros, e seu contato com a cultura branca,
cabe enfatizar que se trata de um caso extremo: o desaparecimento cultural é seguido aqui
pelo extermínio físico, com as terras indígenas sendo ocupadas pelos fazendeiros,
mineradores, estradas, usinas hidrelétricas e cidades. O contato brusco entre duas culturas
com perspectivas e visões de mundo completamente diferentes poucas vezes mantém
algum lugar para influências transculturais: ao verem seu mundo desaparecer com extrema
rapidez, aos indígenas resta somente a luta pela sobrevivência, pelo não desaparecimento.5
5
Leonardo Castriota apresenta um interessante estudo de caso, concernente aos índios Cinta-Larga, que
habitam o Noroeste do Brasil, e o efeito do encontro dessa cultura com a dos brancos, bem como tentativas de
recriação de sua cultura, com a colaboração de uma arquiteta mineira, que residiu entre eles. (CASTRIOTA,
2009, p. 21-38)
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Isso equivaleria, então, como podemos perceber, a uma espécie de catálogo completo da
cultura humana: trabalhar esse catálogo em detalhes, a enumeração e descrição das
classes de entidades que formam a substância da tradição e de suas qualidades, esta seria,
a seu ver, a tarefa do etnólogo. O que faz, então, qualquer dessas substâncias se tornar
uma "tradição"? Para ele, ela teria que se tornar objeto do processo de transmissão em pelo
menos dois atos de transmissão, isto é, tem que ser praticada por pelo menos três
"gerações de praticantes" ("geração" não significa necessariamente uma sucessão
biológica) e "para se tornar uma tradição, e para continuar a ser uma tradição, um padrão ou
uma ação tem que ter entrado na memória." (SHILS,1981, p. p. 167).
São esses dois elementos, então, a substância e o processo de transmissão, que definiriam
nosso objeto com bastante clareza, delimitando-o imediatamente em relação às "não-
tradições", como por exemplo, hábitos (pessoais), moda (social) (SHILS,1981, p. 307), e de
categorias mais gerais, como, por exemplo, circunstâncias sociais e econômicas
(SHILS,1981, p. 306-307), ou sentimentos pessoais (SHILS,1981, p. 31), etc. Para o autor,
as tradições têm limites, sejam esses claros ou vagos.
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Seguindo a argumentação de Sihls, a questão seguinte que se coloca, numa ordem lógica,
se relaciona aos critérios de classificação para as classes de substâncias que fazem parte
da tradição: o próximo passo seria a realização de uma espécie de "catálogo de tradições"
(que se contraporiam às "não-tradições"), apresentando-se com clareza os princípios da sua
classificação e uma descrição das suas fronteiras, tanto em nível de unidades sociais ou
culturais concretas quanto no da teoria abstrata. Um bom exemplo disso seria a questão
concernente à chamada "literatura popular", sobre a qual se poderia perguntar inicialmente o
que ela seria. Quais tipos de textos ficam dentro e fora do alcance da "literatüra popular"
numa dada sociedade em um dado período. Quais são as qualidades que definem cada
grupo de textos e traçar os limites entre eles? Será que, por exemplo, a "narrativa pessoal"
pertence à classe da "literatura popular" em uma determinada sociedade em um
determinado momento, ou não pertence, e, em caso afirmativo, com que base?3
Shils nos mostra como as conquistas da geração passada vivem na geração do "presente" –
cada geração sendo o seu próprio "presente", e como as tradições - cuja essência parece
ser a estabilidade –, de fato, mudam, crescem e diminuem. Ele também descreve as
circunstâncias gerais que fazem as tradições "nascer", "morrer" (SHILS,1981, p. 283-285) e
ser "revividas" (SHILS, 1981, p. 285-286). Como as tradições se comportam numa
determinada sociedade, numa vila, numa instituição, numa família: essa vai ser a tarefa do
etnólogo, tarefa para a qual Shils fornece um importante referencial teórico.
Não há novidade quando Shils fala da existência de diferentes tradições: uma cultura é
necessariamente composta de diversas tradições que podem ser classificado de diversas
formas; assim, por exemplo, há tradições primárias e derivadas (SHILS,1981, p. 17) ou
complementares (SHILS, 1981, p. 135); tradições de crença e tradições técnicas; tradições
que defendem um apego ao passado (ou seja, às próprias tradições) e aquelas que,
paradoxalmente, advogam o desmantelamento de tradições (por exemplo, as tradições de
modernização, a tradição liberal, a tradição de investigação científica). Algumas tradições
seriam, por sua própria natureza, estagnadas, enquanto outras são essencialmente
dinâmicas (SHILS,1981, p. 81).
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As diversas tradições que compõem uma cultura e nas quais a sociedade se baseia,
existem em diversas inter-relações (SHILS,1981, p. 273-283). Assim, elas poderiam se
apoiar umas às outras, ou, alternativamente, elas poderiam estar em conflito umas com as
outras (SHILS,1981, p. 159; 279-280); elas poderiam estar em contato e mesmo se
sobrepor, ou poderiam estar completamente separadas e não se interpenetrarem
(SHILS,1981, p. 57). As tradições também poderiam existir em paralelo umas com as outras
ou poderiam estar em hierarquias (SHILS,1981, p, 159; 268). As tradições podem formar
"famílias de dependentes" (SHILS,1981, p. 44), ou, alternativamente, "conjuntos de fluxos
paralelos" (SHILS,1981, p. 159). As tradições também podem variar quanto à sua posição
na sociedade: centrais versus periféricas, tema que é tratado no Capítulo 6 da obra.
As tradições de uma sociedade podem ainda ser consideradas no contexto de seu confronto
com as tradições de outras sociedades. Cada unidade cultural e social, da comunidade de
base celular da família e da aldeia até um estado inteiro, terá o seu próprio conjunto de
tradições e subtradições. Uma questão que aguarda mais investigação é se elas formam um
sistema e de que tipo e de complexidade é esse sistema. Exemplos: Até que ponto estão as
tradições literárias escritas e orais em contato em uma aldeia num determinado momento?
De que forma elas interagem? Com quais quadros mais amplos elas interagem? Como eles
fazem isso e em que grau? Como funciona essa interação nos diversos gêneros em que a
literatura popular se manifesta? Quais são as inter-relações das atividades literárias escritas
e orais com a literatura popular? Como a literatura popular "morre" (SHILS,1981, p. 283-286)
- ou seja, quais são os processos que levam ao empobrecimento e à transformação de uma
tradição literária popular?
Essas são apenas algumas sugestões das muitas potencialidades que o livro de Shils nos
oferece, ao analisar a complexa questão da tradição, fornecendo-nos um quadro geral
teórico consistente e amplo. Shils, sendo um sociólogo teórico, escreve sobre o nível macro,
sobre aquilo que R. Redfield chamou de "a grande tradição"; caberia, então, às ciências que
examinam a tradição colocar este quadro referencial em funcionamento, aplicando-o
concretamente à análise da tradição ao nível da pequena unidade social e cultural, a
"pequena tradição ", que é o nosso campo de investigação.
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A invenção da tradição
Outra ideia importante nessa abordagem é aquela da "invenção da tradição", conceito de
destaque no livro homônimo de 1983, editado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger, que
argumentam que muitas "tradições" que parecem ou que pretendem ser antigas, têm, muitas
vezes, uma origem bastante recente, sendo, muitas vezes, inventadas. (É importante anotar
que naquele texto, os autores distinguem a "invenção" de uma tradição no sentido em que
apontam do ato de se iniciar uma tradição que não reivindique ser antiga.) A “tradição
inventada” poderia, assim, significar uma série de práticas, normalmente governada por
regras abertamente ou tacitamente aceitas e de um ritual de natureza simbólica, que
pretendem inculcar certos valores e normas de comportamento pela repetição, que
automaticamente implica em continuidade com o passado. De fato, onde é possível, elas
normalmente tentam estabelecer continuidade com um passado histórico aceitável.
(HOBSBAWM; RANGER, 1984, p. 1) Esse fenômeno seria particularmente claro, a seu ver,
no desenvolvimento moderno da "nação" e do "nacionalismo". Um bom exemplo
apresentado por Hobsbawn e Ranger é a reconstrução do edifício do parlamento inglês, que
invocava o ambiente construído e sua suposta continuidade com o passado como uma
"tradição inventada". Naquele caso, retomar-se o estilo gótico em pleno século XIX
significava reforçar a ideia de uma nação inglesa, que teria sua origem na Idade Média.
Uma das implicações mais importantes da ideia da “invenção da tradição” é que, de acordo
com ele, a distinção nítida entre "tradição" e "modernidade" seria muitas vezes, ela própria,
inventada. O conceito vai ser, de fato, como sabemos, "altamente relevante para aquela
inovação histórica relativamente recente, a "nação", com seus fenômenos associados: o
nacionalismo, o Estado-nação, os símbolos nacionais, as histórias e todo o resto".
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Hobsbawm e Ranger observam bem, a nosso ver, o "paradoxo curioso, mas compreensível:
as nações modernas e todos os seus apetrechos geralmente afirmam ser o oposto da
ficção, ou seja, afirmam estar enraizadas na mais remota antiguidade, e o oposto do
construído, a saber, comunidades humanas tão 'naturais' que não requerem qualquer
definição diferente da autoafirmação." (HOBSBAWM; RANGER,2006, p. 14) Uma outra
implicação dessa ideia é que o conceito de "autenticidade" – muito importante para a
discussão na área do patrimônio – também passa a ser questionado6.
Finalizando esse tópico, cabe anotar que, apesar de toda sua importância, a ideia de uma
"tradição inventada" não deixa de ser questionada: Peter Burke escreve que apesar da
"invenção da tradição" ser uma "frase esplendidamente subversiva", ela esconderia "sérias
ambiguidades". Para ele, Hobsbawm contrastaria as tradições inventadas com a "força e
adaptabilidade" das tradições genuínas, o que parece legítimo. No entanto, deveríamos nos
perguntar onde, de fato, terminaria a sua "adaptabilidade" (ou a "flexibilidade" de Ranger) e
começaria a invenção? Considerando que todas as tradições se modificam, seria possível
ou útil tentar se discriminar as tradições "genuínas" das "falsas"? Richard Handler, por sua
vez, também critica o conceito, apontando que essa distinção (entre as tradições
"inventadas" e "autênticas") se traduziria, na verdade, na distinção mais profunda entre o
"genuíno" e o espúrio", "urna distinção que pode ser insustentável, "porque todas as
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A esse respeito, confira JOKILEHTO, 2006.
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tradições (como todos os fenômenos simbólicos) são criadas ("espúria") pelo homem ao
invés de naturalmente dadas ("genuínas")."
No que se refere às técnicas da construção tradicional, podemos perceber, como o faz Paul
Oliver na Encyclopaedia que as tradições se manifestam, de fato, em diversos de seus
elementos: na organização e orientação do assentamento, nos ritos de consagração, nos
tipos construtivos, sistemas estruturais e formas de telhado, tecnologias e técnicas de
construção, especialização e papeis de gênero dos construtores, na relação de espaços
significativos, e nos elementos que são decorativos ou que têm valor simbólico. Assim, as
edificações vão representar a síntese de muitas tradita. Neste ponto, podemos observar
ainda que a metodologia prescrita pelo Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC),
do IPHAN, que foi utilizado por nós, é bastante precisa, estando atenta para essa variedade
de elementos.
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É interessante perceber que um dos métodos utilizados para se localizar os mestres artífices da construção e
da arquitetura tradicional foi se perguntar à própria comunidade, que não tinha dúvida em indicar esses
indivíduos reconhecidos socialmente por seu saber.
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Como já anotamos, a tradição será, como aponta Raymond Williams, sempre seletiva, “uma versão
intencionalmente seletiva de um passado modelador e de um presente pré-modelado, que se torna
poderosamente operativa no processo de definição e identificação social e cultural”. (WILLIAMS, 1979, p. 118)
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No caso específico das técnicas construtivas tradicionais investigadas por este projeto, este
conceito parece-se se aplicar à perfeição, o que já foi mostrado por nós em trabalho
anterior, principalmente tomando a situação da região de Ouro Preto, onde pudemos
constatar uma ação institucional do IPHAN na manutenção e/ou reintrodução dessas
técnicas, ao realizar oficinas para capacitação de mão de obra9. Além disso, é digno de
menção o caso paradigmático do Mestre Juca, em Ouro Preto, reinventor da tradição da
cantaria naquela região: depois de ter trabalhado por décadas como parte da equipe técnica
do IPHAN, utilizando técnicas modernas para o restauro, aquele artífice resolve redescobrir
as técnicas utilizadas pelo seu antepassado, o que logra fazer depois de várias tentativas
frustradas. No caso da presente pesquisa, encontramos essa mesma dimensão, ao nos
depararmos com a reinvenção da técnica da construção em pedra, no Alto São Francisco,
onde essa serve para reforçar um caráter de localidade e unicidade, sendo muito utilizada,
por exemplo, na construção de novas pousadas e estabelecimentos turísticos10.
Referências
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São
Paulo; Belo Horizonte: Annablume; IEDS, 2009.
9
Katharina Weiler anota, a esse respeito: “Na busca de dar sentido ao passado com a ajuda de bens culturais,
essa se torna uma área que é objto de intensa luta, com o patrimônio fornecendo a governos e às ciências
históricas, bem como a grupos ou pessoas comuns o potencial para moldar as suas próprias memórias.”
(WEILER, Katharina. 'Lebendige Handwerkstraditionen' – ein transkultureller Mythos am Beispiel Indiens. In:
FALSER; JUNEJA, 2013. p. 247.) Por isso, segundo ela, uma pesquisa “transcultural” do conceito de tradição no
contexto do artesanato e do património cultural da Índia vai requerer em primeiro lugar “uma história cuja
metodologia vá além dos limites tradicionais de pesquisa historiográfica”, questionando tanto as “metanarrativas
dominantes” quanto os mitos em questão.
10
Citando novamente Katharina Weiler, cabe lembrar que ela, no texto já citado sobre as técnicas tradicionais na
Índia, mostra, apoiando-se em trabalho de Bernardo S. Cohn, que sob o imperialismo britânico, as tradições
apresentam não apenas transformações, que se deram durante o processo de transmissão, mas também,
algumas vezes, foram sempre negociadas, conscientemente inventadas, reinventadas e autenticadas
contextualmente, e sempre reavaliadas e instrumentalizadas de novo. (WEILER, Katharina. 'Lebendige
Handwerkstraditionen' – ein transkultureller Mythos am Beispiel Indiens. In: FALSER; JUNEJA, 2013. p. 248.)
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