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EDITORIAL
por Luigi Giussani
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Notas de uma palestra de Luigi Giussani aos universitários de CL. Bolonha, outubro de 1971 REDAÇÃO
CAMPANHA DE ASSINATURAS
Se existe uma definição cristã da existência, é a que é indicada pelo termo “vocação”. O significado profundo desse
termo só pode ser percebido no âmbito da tradição religiosa judaico-cristã, ou seja, numa tradição religiosa PUBLICIDADE
inteiramente “dialetizada” pela relação vocal com Deus. Deus, ao se revelar, invade totalmente a vida do homem,
dando-lhe o significado exato da relação com Ele, com os outros homens e consigo mesmo.
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08/08/2020 A vocação da vida - PÁGINA UM
1) A posição normal, ou natural, que é apresentar-se diante de Deus pela mediação de outra pessoa: a mulher ou o
homem.
Obs.: Essas escolhas não podem estar à mercê de nós mesmos. São escolhas que devem coincidir com a adesão à
vontade de Deus que se reconhece, pois o lugar que cada um de nós ocupa não é escolhido de maneira autônoma;
a escolha é uma “adesão”, ainda que, de fato, a pessoa é que faça a sua escolha.
A primeira posição, portanto, de um ponto de vista genético, original, é a normal. No fundo, ela segue a grande lei
que une o homem a Deus por meio da realidade mundana. No âmbito cristão, a realidade desse estado é
fundamental, pois a ele é confiada a própria possibilidade do prolongamento do reino de Deus no mundo.
2) Existe um segundo estado: o da virgindade, que constitui também uma função fundamental, que aparecerá ainda
mais claramente se recuperarmos o motivo último e exaustivo pelo qual alguém se oferece a Deus: esse motivo é a
imitação de Cristo.
A imitação de Cristo é a lei de todos os cristãos, mas, na escolha de um estado como o da virgindade, ela toca
objetivamente seu ponto mais alto, pois é a imitação do estado de Cristo em sua plenitude.
O estado de Cristo em sua plenitude era uma relação com o Pai que, de certo ponto de vista, enquanto pessoa, não
era mediada por nada.
Mas compreenderemos ainda melhor a questão se observarmos em que consiste realmente a virgindade de Cristo
(como, de resto, também o estado matrimonial). É uma maneira de se relacionar com o Ser; é uma maneira de
possuir o Ser, de possuir a realidade. O matrimônio é uma determinada maneira de possuir a realidade, e de modo
algum se limita apenas à relação homem-mulher; ele influi sobre toda a maneira como a pessoa se põe em relação
ou toma posse da realidade inteira. A longo prazo, se vividas conscientemente, as escolhas de que estamos falando
tornam-se dimensões que determinam todos os relacionamentos da vida.
A maneira como Cristo possuía a realidade prenunciava como o homem viria a possuir todas as coisas na
escatologia.
A relação homem-mulher não é, portanto, apenas um problema difícil ou interessante, mas é um problema radical
para entender toda a dinâmica da posição do homem diante de Deus e diante das coisas.
Jesus Cristo, com sua virgindade, não era uma pessoa mutilada. Portanto, o conceito de renúncia, se indica o
reflexo psicológico que a existência gera nesse caso, do ponto de vista do valor, do ponto de vista ontológico não é
renúncia a coisa alguma, mas é entrar numa posse mais profunda e mais final das coisas. A virgindade de Cristo era
uma maneira mais profunda de possuir a mulher, uma maneira mais profunda de possuir as coisas. Isso, por assim
dizer, se realizou plenamente no fato da ressurreição, por meio do qual Cristo possuiu toda as coisas como nós as
possuiremos no fim do mundo.
Nesse sentido, a virgindade, no âmbito da comunidade cristã, é a situação paradigmática, exemplificativa, ideal que
todos devem ter como referência. Na medida em que um homem e uma mulher casados não a têm como ideal, não
se amam. Ora, a idéia da virgindade, para um homem e uma mulher casados, não significa não irem juntos para a
cama, mas, sim, uma dimensão da relação que identifica a relação física com a função à qual Deus a chama.
Suponham um homem que realmente queira bem a sua esposa. Suponham que sua esposa esteja doente há vários
meses: eu creio que o sacrifício físico do relacionamento, do ponto de vista da experiência prática, dê ao homem
consciente um tal senso de aprofundamento da relação de unidade que tem com sua mulher, que o torne livre diante
de si mesmo e, ao mesmo tempo, permita gerar nele uma clareza de compreensão da outra, de veneração do
mistério da outra, a ponto de realmente trazer à tona a palavra “adoração”, com um significado que não é falso.
A virgindade, portanto, representa a função suprema na vida da Igreja, tanto que a história da Igreja identificou as
formas supremas do testemunho com dois pontos: a virgindade e o martírio.
A virgindade, no âmbito da comunidade cristã, constitui-se em função e testemunho da finalidade da vida. Por isso,
quando a comunidade cristã vive com seriedade, aqueles que se dedicam à virgindade e aqueles que são
“matrimoniados” se sentem numa afeição, numa compenetração, numa companhia profundíssima, pois não são duas
coisas separadas, mas duas funções da mesma realidade.
É preciso tomar cuidado, pois esse é o ponto mais importante; é realmente da clareza com que a pessoa se põe
diante do problema de seu estado que deriva toda a agilidade e a liberdade necessárias para dispor a vida de
maneira cristã.
O que fizemos nos últimos anos e o que fazemos hoje na universidade é ainda um jogo; um jogo justo, pois é por
meio do jogo que o homem se educa, mas a vida cristã, em sua consistência e densidade, se dará em nosso nível
adulto, ou seja, no nível definitivo: e é no nível definitivo que está a posição que assumiremos diante do nosso
destino, diante de Deus.
Nada vale tanto a pena procurar obter por meio da oração e de um pouco de chamados de atenção quanto
conseguir pôr-se em posição exata diante desse problema.
Qual dos dois caminhos, portanto? O primeiro ou o segundo? A escolha entre um e outro caminho não pode ser
uma “criação” nossa; deve ser um “reconhecimento” nosso. Devemos reconhecer algo para o qual fomos
destinados. Não deve ser uma decisão nossa no sentido de que nossa vontade construa sua posição, mas deve ser
uma decisão nossa no sentido de que nossa liberdade adira à indicação que o caminho nos assinala.
A maneira de ver que caminho se deve tomar é uma obediência; uma obediência que não necessariamente deve
pretender ouvir a indicação em sonho, como aconteceu a São José, mas uma obediência que se realiza por meio de
uma atenção ao conjunto dos sintomas que Deus nunca deixa faltar.
2) O conjunto de sintomas determinados por situações inevitáveis. Alguém, por exemplo, está apaixonado por uma
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mulher e ela é casada: o fato de ser casada é uma condição inevitável.
Do mesmo modo, é também uma condição inevitável, por exemplo, a história de um relacionamento afetivo. Se uma
pessoa começou a ter determinado relacionamento aos quatorze anos e, tendo chegado aos vinte, percebe que o
afeto diminuiu, e por isso se levanta o problema de decidir entre o fascínio já não excessivo pela outra pessoa e o
fascínio, ainda que nebuloso e misterioso, pelo... Brasil, e ela então decide dedicar-se a Deus, essa decisão não
pode ser avaliada por ela como se não tivesse às costas seis anos de relacionamento afetivo. Não que semelhante
mudança não possa acontecer, mas há um dado que não pode ser eliminado e que deve ser levado em conta na
soma da qual deve brotar o juízo.
3) A necessidade social, a necessidade do mundo, da comunidade cristã. Deste ponto de vista, pode haver uma
época ou uma situação na qual a urgência de uma dedicação total a Deus seja mais forte do que num outro tempo;
da mesma forma como pode haver também um tempo no qual o enfrentamento e a confrontação com a realidade
mundana sejam feitos numa vida de comunidade cristã, o que pode mostrar ser mais prudente a pessoa estar...
apoiada, do que estar... sozinha.
Mas isso comporta uma outra consideração: sem uma atitude de reflexão e sem uma comparação - a comparação
por meio do diálogo - com a comunidade, em sua função típica, ou seja, com quem guia a comunidade, é inevitável
que nossa maneira de proceder seja instintiva e mecânica. Com relação a todas as outras coisas nós refletimos, ao
passo que, com relação a isso, de que depende a maneira como estruturamos o valor mais pessoal da nossa vida,
deixamos que se faça automaticamente o que sentimos por dentro.
É preciso refletir; e refletir significa comparar-se com o próprio destino, com o próprio fim, com Deus, com a
finalidade da vida, com o serviço ao reino de Deus. Quem ainda tem intacto o problema da vocação deve sentir o
dever de recuperar imediatamente os critérios de que falamos; e quem carrega fatores inelimináveis às suas costas
deve também, mesmo que de outra forma, recuperar os mesmos critérios.
Ou seja, o que estamos dizendo é válido em qualquer nível.
Uma aplicação particular dessa diferente função “matrimônio-virgindade” é dada pelo fato de que a Igreja exige, para
dirigir suas comunidades e para dedicar-se a certas funções, a virgindade; por exemplo, o caso do sacerdote.
Justamente nesse caso se esclarece de maneira perfeita como a virgindade constitui uma função suprema na Igreja.
Há nisso uma profunda conveniência; e é essa conveniência que o povo cristão sente e que a Igreja ainda
subscreve.
Essa reflexão abre, como perspectiva, o problema da função diferente que o leigo tem na comunidade cristã, em
comparação com a função do “religioso”.
Diz o Concílio Vaticano II (Lumen gentium, capítulo IV, nº 363) que o leigo tem como tarefa traduzir os valores
cristãos na realidade temporal, ao passo que o homem dedicado a Deus tem como função chamar a atenção do
leigo que está empenhado nas realidades temporais para a finalidade última de sua ação, ou seja, para a
escatologia. Nesse sentido, o homem dedicado a Deus e as pessoas dedicadas ao trabalho no mundo devem
estabelecer uma tensão entre si, pois o gesto cristão no mundo é feito por ambos.
Na comunidade cristã, portanto, qualquer espécie de separação entre o leigo, entendido como cristão que manipula
as coisas deste mundo, e o homem religioso, entendido como a pessoa dedicada a Deus que vive como função a
meditação e o testemunho e o chamado de atenção imediato para os valores últimos, significa a morte de um e de
outro: do leigo, que assim se comprometerá com a sensibilidade do mundo, e do homem religioso, pois se tornará
abstrato e... eunuco.
A ação cristã no mundo é feita dessa unidade dialética entre quem se consagra a Deus e quem se lança na
manipulação das coisas. Por isso, a coisa nova que deve acontecer é uma recuperação profunda da estima pela
virgindade. Esse é o supremo sintoma da fé e da sensibilidade religiosa centrada. Esse é o instrumento, o meio mais
potente para aprofundar também a vida matrimonial, enquanto verdade de concepção, sensibilidade e intensidade
de experiência.
A meditação, a descoberta dessas palavras representa realmente uma revolução na própria posição do cristão. Ou
seja, representa a descoberta do fim, pois nós temos a idéia do paraíso como algo no final de um caminho, ao passo
que o paraíso é a dimensão de um presente; e a ressurreição será a revelação de algo que já está em nós e que,
no homem-Jesus Cristo, já começou a se tornar tempo e espaço.
Por último, é bom recordar que a vocação não é matemática, um estalo que vem à cabeça. Ela é sempre uma
possibilidade; e deve ser uma possibilidade concreta para mim, da maneira como eu sou; da mesma forma, no nível
cotidiano, deve-se sempre responder ao problema da vocação, como exigência de uma nova ação a cada momento,
lendo dentro dela uma possibilidade.
Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón
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