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Bem, Ana, em breves linhas, podemos dizer que estamos assistindo a uma
quebra constitucional irreversível. O STF já cruzou linhas que constituem
verdadeira atividade paraestatal. Há uma piada correndo por aí: no dia da
diplomação do Presidente Jair Bolsonaro pela Ministra Rosa Weber no TSE,
dizem que foi presenteado ao diplomado o último exemplar da Constituição
que o STF tinha a disposição. Depois daquele dia, o STF nunca mais
aplicou a CF.
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Sim. Essa história de ativismo começou nessa época ou pouco antes (fins dos
anos , início dos anos ) aqui no Brasil. Em outros países essa
abordagem também existe: algumas há mais tempo, como no caso dos EUA,
outras são contemporâneas ao Brasil, como é o caso de Israel. Nos EUA o
ativismo vem de longe e um dos melhores autores a abordá-lo é um que sei
que você é especialista: omas Sowell. No Cosmic Justice e no Intelectuals
and Society ele vai nos detalhes de como surgiu o ativismo por lá. Já Israel
sofreu bastante com a queda do sionismo trabalhista após a vitória de Begin
em , que desaguou no surgimento de uma esquerda pós-queda do
Muro de Berlim liderada pelos ideais de Shimon Peres em meados dos anos
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(para quem tiver curiosidade, basta ler o livro O Novo Oriente Médio
de Peres). Em fins dos anos , a Suprema Corte de Israel incorporou
esses ideiais, sobretudo na época em que a Corte foi presidida por Aaron
Barak.
E o nosso ativismo seria então dessa mesma época, coincidindo com os anos pós-
queda do Muro de Berlim?
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Interessante. Deu para entender bem a diferença. Você acha que essas ações, que
são, como você diz, “contra legem”, qual sejam, ilegais, podem abrir caminho
para uma “intervenção” na Corte ou, pior, um golpe de estado?
espernear sobre o que vou lhe dizer agora, mas esse conceito de legitimidade
de Goffredo é bem próximo do conceito de populismo de Bannon e Trump.
Essa ideia de ruptura respaldada pela legitimidade popular é o que permite
entender que o New Deal de FDR (único presidente na história a ter
mandatos seguidos) não foi um golpe. Do mesmo modo, podemos entender
que tanto o impeachment de Collor quanto o de Dilma não foram golpes – o
sistema foi usado regularmente e nenhuma “nova constituição” ou “ato
adicional” ou “ato institucional” precisou ser implementado antes ou depois
para reconhecer as ilegalidades de ambos os mandatários expulsos do poder.
No golpe há a imposição de uma ordem não prevista “nas regras do jogo em
vigor” e que contraria frontalmente a vontade popular (não por outra razão
que a Constituição consagra que “todo poder emana do povo” e em favor
dele ser exercido). Pois bem, o poder hoje é complexo e não é exercido
apenas no âmbito do Executivo – Judiciário e Legislativo são também
poderes.
Dito isso, um golpe não ocorre apenas quando alguém usurpa “a coroa” ou
senta sponte propria no “trono”. É golpe também quando um outro poder
(legislativo ou judiciário) cria uma estrutura paraestatal, não prevista na
constituição, e assim passa a interferir na vida do povo. Exemplo? A tal
“Revolução do Porto” de – aquilo lá foi um claríssimo golpe que partiu
das chamadas “Cortes de Portugal” contra Dom João VI. Tanto é que o
nosso Dom Pedro I (lá, Dom Pedro IV) teve que “restaurar a Ordem” em
luta fratricida contra o irmão, Dom Miguel. Outro? O golpe de aqui
no Brasil – a ordem foi rompida sem o menor respaldo popular. foi a
mesma coisa e assim por diante.
O que quero dizer com isso? Ora – para mim é claro e mais do que óbvio
que esse golpe já ocorreu.
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Mas espere, um instante. Não seriam atos isolados dos Ministros? Não teria como
identificar, como vem fazendo o Professor Carvalhosa, de que há crimes de
responsabilidade sendo cometidos isoladamente?
O STF é hoje, sem a menor sombra de dúvida (por isso não falo das pessoas,
falo da corte mesmo pois no caso da decisão da transferência do Lula, em
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Isso é preocupante e espantoso. Não perceber que já houve uma ruptura enquanto
as pessoas se preocupam com miudezas… Nesse quadro você acha que a Lava
Jato corre riscos?
Ana, este é outro ponto polêmico e que talvez muitos não gostem do que eu
vá dizer. Sempre fui otimista em relação a essa operação. Todas as vezes que
via notícias dizendo “ah, a Lava Jato acabou!…” eu sempre dizia “esperem…
aguardem semanas”. Dito e feito: algumas semanas depois, fase X, Y ou Z
da operação mostrava que estava tudo andando normalmente. A dinâmica
de uma investigação policial complexa como essa não permite “chutes” de
um dia para o outro. É necessário observar o comportamento das
investigações ao longo de um período mais extenso. E com base nessa
observação, infelizmente, eu posso afirmar hoje que esses anos de trabalho
da Força-Tarefa, seja de Curitiba, seja do Rio de Janeiro, seja de Brasília ou
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de São Paulo, estão em seu momento mais delicado e sob sério risco de
pizza.
Por que desta vez a situação é grave? O que te leva a ter essa certeza?
Quero fazer aqui o paralelo que já foi feito inúmeras vezes quando a
operação se iniciou mas que, misteriosamente, todos esqueceram de fazer de
uns tempos pra cá: refiro-me à Operação Mani Pulite na Itália. Embora
alguns, como o procurador Rodrigo Chemin, tenham feito estudos
excepcionais de comparação dessas duas operações, essas comparações levam
em consideração aspectos de conteúdo e semelhanças operacionais,
sobretudo como ambas as operações começaram. Não há, nem no Brasil
nem em lugar algum uma análise das estratégias e uma comparação detalhada
desse aspecto em ambas as operações. As diferenças estratégicas são
profundas e elas podem explicar não como as operações começaram e quão
abrangentes elas foram, mas sim como a Lava Jato pode acabar, baseado na
experiência de como acabou a Mani Pulite. Por isso é que hoje ninguém sabe
ao certo explicar como a Mani Pulite foi por água abaixo e, com certeza, são
poucos os que sabem explicar porque ela acabou. E sem saber essas causas,
fica difícil prever como a Lava Jato deve acabar (e, sinto informar, mas creio
que esse final está próximo).
Quais as semelhanças?
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foi assassinado pelas pessoas que investigava. Ele nada tem a ver com a
Operação Mani Pulite. A Lava Jato, por sua vez, não começa com um
problema local, mas sim em um problema de âmbito nacional – a Petrobras.
Na Mani Pulite, quando as investigações chegam na ENI (a estatal italiana
de óleo e gás) a operação já está bem evoluída. No Brasil as investigações já
começam “de cima pra baixo” – na Itália é o oposto, elas começam “de baixo
pra cima” até chegar no ex-PM Bettino Craxi.
Pois bem, depois que Chiesa é pego, as investigações começam a escalar até
chegar na figura do ex-primeiro ministro Bettino Craxi. Tudo isso acontece
no ano de . Do topo da liderança política, a investigação atinge
empresários importantes, como Sergio Cragnotti e, o principal deles, Silvio
Berlusconi, que entra para a política posteriormente, como forma de se
refugiar da ação da Mani Pulite. No Brasil, nenhum dos empresários
atingidos fez da política seu refúgio. Seria como se Marcelo Odebrecht,
sentindo o peso das investigações, se candidatasse a deputado federal em
para evitar que a operação lhe calçasse mais tarde. Entre e a
Operação é um sucesso. Seu ano derradeiro é quando ela atinge a
cúpula do Poder Judiciário, quando Renato Squillante, chefe da
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Você acredita, então, que desta vez os ataques à Lava Jato estão tomando uma
forma mais, digamos, “institucional”?
Exato! Esse é o ponto-chave. Voltemos à Mani Pulite para isso ficar mais
claro: foi um ano crucial, pois várias reformas na legislação italiana,
alimentadas por uma ideologia garantista, criaram embaraços às
investigações, que já estavam esterilizadas pelos ataques interna corporis
partidos pelo núcleo de Brescia, simpático a Berlusconi. Agindo em um
bate-bola com o parlamento, ajudaram a encurtar as penas e os prazos de
prescrição fornecendo inteligência para reformar a legislação. Uma grande
anistia ainda foi negociada e a maioria dos envolvidos saiu impune. A
corrupção venceu e praticamente foi incorporada ao modus vivendi italiano.
A eleição de Matteo Salvini é uma quebra nessa mentalidade: com o apoio
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Moro, logo após assumir seu cargo no governo Bolsonaro, passou a ser
investigado – mas não foi por qualquer autoridade pública: Moro teve seu
celular hackeado e passou a ser investigado por cidadãos comuns, todos eles
militantes de esquerda em uma ação criminosa e estupefaciente. Ouso
arriscar que contra Moro nenhum desdobramento ocorrerá.
Isso é preocupante. Há algo a se fazer? Temos alguma solução que seja jurídica e
pacífica, não violenta e ao mesmo tempo válida?
Simplesmente fazer o que é certo e reconhecer que o STF, quando estiver errado,
precisa ser questionado, é isso?
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Vamos ver quem ao final tem mais guts (como dizem nos EUA) para
aguentar esse jogo de forças: se é o tirano ou se é aquele que resiste ao tirano.
Você acredita que uma exposição dessa magnitude não pode prejudicar reformas
em andamento e forçar a concluir essa ruptura? Como evitar que um movimento
como esse não desague em caos social?
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aquilo que ele tem ao seu lado – o povo brasileiro. Submeta reformas
necessárias a uma democracia plebiscitária, convoque o povo para votar a
reforma da previdência, a reforma da legislação penal, a reforma tributária
ou até mesmo uma reforma abrangente do Judiciário. Entregue ao povo a
palavra final sobre os destinos da nação. Não tenhais medo.
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