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19/08/2020 Entrevista Evandro Pontes: “A Operação Lava Jato nunca correu tantos riscos”

ANA PAULA HENKEL › Annotations

Entrevista Evandro Pontes: “A


Operação Lava Jato nunca correu
tantos riscos”
AUGUST 13, 2019

Evandro Pontes é advogado, mestre e doutor em Direito Societário pelo Largo


São Francisco e discípulo de Modesto Carvalhosa, um dos ícones do
impeachment de Dilma Rousseff. O Professor Evandro, como é chamado,
coleciona vários acertos em suas previsões políticas no Brasil, nos EUA e também
em Israel. Diante de tudo que temos visto no STF e a enorme preocupação com
os destinos da Operação Lava Jato, resolvi bater um papo com ele. Abaixo, a
longa , rica e excepcional entrevista na íntegra nos mostra uma visão preocupante
e provocativa sobre tudo o que estamos testemunhando no STF neste ano de
. Vale cada palavra.

A melhor pergunta para começar esta entrevista é: o que anda acontecendo no


STF?

Bem, Ana, em breves linhas, podemos dizer que estamos assistindo a uma
quebra constitucional irreversível. O STF já cruzou linhas que constituem
verdadeira atividade paraestatal. Há uma piada correndo por aí: no dia da
diplomação do Presidente Jair Bolsonaro pela Ministra Rosa Weber no TSE,
dizem que foi presenteado ao diplomado o último exemplar da Constituição
que o STF tinha a disposição. Depois daquele dia, o STF nunca mais
aplicou a CF.

O que seria essa quebra constitucional? Você está se referindo ao ativismo?

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Não. O ativismo é outra coisa. Ele já vem sendo consolidado no sistema


judicial há muito mais tempo. Lembro do tempo em que eu tinha cabelos e
frequentava o pátio da faculdade – se falava de movimentos como direito
alternativo, o direito achado na rua e proselitismos afins. Isso começou a ser
teorizado mais seriamente até desaguar em um livro clássico, pouco
conhecido e menos ainda lido, do então diretor da faculdade, o Prof. Dalmo
de Abreu Dallari. Esse livro chamado O Poder dos Juízes é praticamente o
marco fundamental do ativismo judicial no Brasil. Nessa mesma época o
mesmo Prof. Dallari participou da fundação da Associação Juízes Para a
Democracia, vulgo AJD, que nosso amigo em comum, o Professor André
Figaro já cunhou de “Coreia de Norte da Magistratura”. Mas veja – o que
fazem essas pessoas que subverteram (ao meu ver) as formas como o direito
tem de ser operado na sociedade, é ainda uma forma intrassistêmica, qual
seja: ela opera o próprio sistema de uma maneira diferente. Eu discordo
dessa forma de abordagem, mas reconheço que se trata de um uso alternativo
do sistema: mas é ainda o sistema. Tenta-se, sob uma perspectiva
“revolucionária”, dar cumprimento à lei.

Então o ativismo não é tão recente assim, certo?

Sim. Essa história de ativismo começou nessa época ou pouco antes (fins dos
anos , início dos anos ) aqui no Brasil. Em outros países essa
abordagem também existe: algumas há mais tempo, como no caso dos EUA,
outras são contemporâneas ao Brasil, como é o caso de Israel. Nos EUA o
ativismo vem de longe e um dos melhores autores a abordá-lo é um que sei
que você é especialista: omas Sowell. No Cosmic Justice e no Intelectuals
and Society ele vai nos detalhes de como surgiu o ativismo por lá. Já Israel
sofreu bastante com a queda do sionismo trabalhista após a vitória de Begin
em , que desaguou no surgimento de uma esquerda pós-queda do
Muro de Berlim liderada pelos ideais de Shimon Peres em meados dos anos
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 (para quem tiver curiosidade, basta ler o livro O Novo Oriente Médio
de Peres). Em fins dos anos , a Suprema Corte de Israel incorporou
esses ideiais, sobretudo na época em que a Corte foi presidida por Aaron
Barak.

E o nosso ativismo seria então dessa mesma época, coincidindo com os anos pós-
queda do Muro de Berlim?

Exato. A queda do Muro reformula o progressismo e pavimenta o caminho


do PT para o Planalto, politicamente falando. Nesse trabalho de tomada do
poder pelo voto, o progressismo já estava se infiltrando nas instâncias
inferiores de outros podores, sobretudo do Judiciário, de forma silenciosa
mas muito eficaz. Quando Lula assume o poder em , inúmeras
alterações na Constituição começaram a ser boladas, o que permitiram que o
ativismo se emasculasse de forma incrível. E mais ou menos nessa época o
STF brasileiro começou, de maneira tímida, a cultivar um ativismo. É a
partir da Emenda Constitucional nr. , de , que se subverteu
completamente o funcionamento da corte criando-se as “Súmulas
Vinculantes” e uma miríade de mecanismos de acesso direto (como a
Reclamação), reforçando o poder de decretar aquilo que chamamos de
“Constitucionalidade Concentrada”. O STF passou, então, a operar o
sistema de maneira agressiva e no limite das interpretações possíveis. Mas
isso ainda deve ser reconhecido como uma atividade judicial que está
referida no sistema – os ministros, em muitos casos, estavam amparados pelo
sistema (qual seja, pela própria Constituição e por sua Emenda ).

E não é a mesma coisa que vem ocorrendo recentemente, com o inquérito de


censura à Revista Crusoé, por exemplo? No que as recententes medidas, então, se
diferenciam desse ativismo que começou em , ?

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Bem, o que estamos vendo recentemente é algo muito diferente: não há


qualquer respaldo legal ou constitucional para as atitudes que vem sendo
tomadas. Pior: em alguns casos há exatamente uma regra constitucional que
proibe expressamente os Ministros de agirem da forma como vem agindo.
Temos exemplos aos borbotões: a ADO, que afronta violentamente a
própria constituição e causa um problema gravíssimo de ordem política (e se
o “projeto de lei”, que foi forjado na própria Corte no Mandado de Injunção
apenso à ADO não obtiver votos suficientes no Congresso? O que farão se
o legislativo, no exercício regular de seu poder de votar leis, rejeitar o projeto
ou, pior, revogar o artigo base em que foi fundada a analogia? O STF vai
fazer o que? O STF pode obrigar juridicamente deputados a votarem no
sentido da aprovação de um projeto bolado pelo próprio poder judiciário?);
a decisão de Toffoli em relação ao abastecimento de navios iranianos; o
incrível inquérito de censura à Crusoé (e todo o procedimento sigiloso que
visava investigar sabe-se lá quem e de que modo) e a recente decisão do
Ministro Gilmar Mendes impedindo que o advogado e jornalista Glenn
Greenwald seja investigado – enfim, são muitos os exemplos em que temos
atuações que não são classificadas como “ativismo judicial”, elas são
concretamente ações contra legem.

Interessante. Deu para entender bem a diferença. Você acha que essas ações, que
são, como você diz, “contra legem”, qual sejam, ilegais, podem abrir caminho
para uma “intervenção” na Corte ou, pior, um golpe de estado?

Ótima pergunta, Ana. Em primeiro lugar, a Constituição não prevê


intervenção de um poder no outro. Muitos aventureiros gostam de ler a
constituição no browser do celular e achar um tal de artigo , que
definitivamente não serve para isso. O artigo  serve para que as FFAA
suplementem as forças regulares (polícias militares, por exemplo) com vistas
a garantia da Lei e da Ordem. É exatamente o que fez o ex-Presidente Temer
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na intervenção do Rio de Janeiro. O artigo  não serve para dar


concretude e realidade à piada do “cabo e do soldado”. Juridicamente não há
previsão para isso. Outro problema, entretanto, é o do golpe de estado. As
pessoas costumam tratar o tema do golpe de forma ainda um tanto quanto
romântica: fixam aquela imagem de um Napoleão de hospício qualquer se
autocoroando. Essa ideia de tomar a coroa para si transporta o conceito
popular de golpe exclusivamente para o Poder Executivo, mas a definição
técnica de golpe, decorrente da análise histórica do coup d’État, é mais lógica
e menos romântica. E não diz respeito, na atual organização do Estado,
exclusivamente ao Poder Executivo. Hoje é possível um golpe de estado que
leve em consideração outros poderes constituídos – que é o caso exatamente
do nosso STF. Se formos olhar o Dicionário de Política do Bobbio (um
autor bastante apreciado por progressistas, diga-se de passagem), notaremos
que para haver golpe, Bobbio fala na conjunção entre “emprego da
violência” mais “ruptura do sistema”. No quesito “emprego da violência”,
essa teoria do Bobbio traz vários problemas, pois em muitos casos a
definição do que é “violência” ou “violento” permite que se questionem
momentos históricos brasileiros como o de  ou mesmo o de  (este
sim, para mim, o momento em que o golpe de fato ocorreu).

Gosto da definição do meu querido e saudoso Professor Goffredo Telles


Junior – ao longo de sua obra Goffredo sempre mostrou grave preocupação
com a união entre dois elementos: o da “ruptura institucional” somada a
uma “perda da legitimidade”. Goffredo gostava de aproximar o conceito de
legitimidade àquele de “respaldo popular”. E é a falta desse “respaldo
popular”, onde o sistema é imposto “de cima pra baixo”, sem a participação
ou o consentimento do povo, que se extrai o aspecto “violento” (e “não
sangrento”) dos golpes – ainda que a ruptura ocorra sem ser dado um tiro de
festim sequer, se a “nova ordem” for imposta contra o “prestígio popular”,
isso pode ser imediatamente considerado golpe. Muitos progressistas vão
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espernear sobre o que vou lhe dizer agora, mas esse conceito de legitimidade
de Goffredo é bem próximo do conceito de populismo de Bannon e Trump.
Essa ideia de ruptura respaldada pela legitimidade popular é o que permite
entender que o New Deal de FDR (único presidente na história a ter 
mandatos seguidos) não foi um golpe. Do mesmo modo, podemos entender
que tanto o impeachment de Collor quanto o de Dilma não foram golpes – o
sistema foi usado regularmente e nenhuma “nova constituição” ou “ato
adicional” ou “ato institucional” precisou ser implementado antes ou depois
para reconhecer as ilegalidades de ambos os mandatários expulsos do poder.
No golpe há a imposição de uma ordem não prevista “nas regras do jogo em
vigor” e que contraria frontalmente a vontade popular (não por outra razão
que a Constituição consagra que “todo poder emana do povo” e em favor
dele ser exercido). Pois bem, o poder hoje é complexo e não é exercido
apenas no âmbito do Executivo – Judiciário e Legislativo são também
poderes.

Dito isso, um golpe não ocorre apenas quando alguém usurpa “a coroa” ou
senta sponte propria no “trono”. É golpe também quando um outro poder
(legislativo ou judiciário) cria uma estrutura paraestatal, não prevista na
constituição, e assim passa a interferir na vida do povo. Exemplo? A tal
“Revolução do Porto” de  – aquilo lá foi um claríssimo golpe que partiu
das chamadas “Cortes de Portugal” contra Dom João VI. Tanto é que o
nosso Dom Pedro I (lá, Dom Pedro IV) teve que “restaurar a Ordem” em
luta fratricida contra o irmão, Dom Miguel. Outro? O golpe de  aqui
no Brasil – a ordem foi rompida sem o menor respaldo popular.  foi a
mesma coisa e assim por diante.

O que quero dizer com isso? Ora – para mim é claro e mais do que óbvio
que esse golpe já ocorreu.

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Na medida em que o STF age a latere do sistema, age de forma a violar a


própria constituição, o próprio STF já consolidou um verdadeiro golpe de
estado em que todos os poderes foram criminosamente usurpados pela Corte:
ela julga, ela investiga, ela legisla, ela manda abastecer navios, ela atua como
executivo e impede a extinção de conselhos, ela impede o executivo de
enxugar a máquina – enfim, o golpe de estado já foi dado diante de nossos
olhos e ninguém simplesmente não fez nada para restaurar a ordem.

Mas espere, um instante. Não seriam atos isolados dos Ministros? Não teria como
identificar, como vem fazendo o Professor Carvalhosa, de que há crimes de
responsabilidade sendo cometidos isoladamente?

Adoro o professor Carvalhosa, a quem tenho como Mestre muito querido,


mas neste ponto eu discordo de meu Mestre sob o ponto de vista estratégico.
Veja: quando uma ordem do STF é emanada por um Ministro usando papel
timbrado da corte e todos os demais se calam, não há duvida que esse
silêncio integra a decisão ilegal dada pelo colega. O silêncio da corte quando
um sistema paraestatal é montado e levado a plena operação, significa
exatamente que a ilegalidade contaminou irremediavelmente a atuação dos
demais ministros. Exemplo contrário disso foi o do Desembargador
Favretto: ao tentar lançar mão de um expediente ilegal, a Corte como um
todo se inurgiu e impediu que a ordem ilegal saísse com o timbre do TRF.
Os demais colegas preservaram a integridade institucional da Corte. Se o
STF não faz o mesmo e aceita que ordens sejam emanadas em nome da
Corte, a responsabilidade é sim colegiada e recai sobre aqueles que preferem
reclamar na imprensa (que não é função de um juiz) e deixam de agir como
juízes impedindo que um sistema paraestatal seja colocado em operação.

O STF é hoje, sem a menor sombra de dúvida (por isso não falo das pessoas,
falo da corte mesmo pois no caso da decisão da transferência do Lula, em
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que houve supressão de instância, a Corte integrou a decisão com  votos


favoráveis; pense-se também no caso do Inquérito de Censura à Crusoé: foi
claramente um ato institucional da própria Corte e não de ministros
isoladamente), uma entidade de poder suprema e de atuação paraestatal.
Suas decisões sequer são respaldadas em seus próprios precedentes (um
indício de que o seu histórico foi completamente abandonado), nem mesmo
na Constituição: basta ler as decisões que citei e procurar o dispositivo
constitucional que serve de base para a decisão – não há, simplesmente não
há. São atos de puro totalitarismo gestados a latere. Desta forma, Ana, o
golpe já foi dado. Tudo o que decorrer dele é mera consequência de um golpe,
jamais será uma resposta em ato isolado ou um golpe a parte ou contragolpe. Já
estamos na marcha da história para recobrar o sistema que já foi rompido
por iniciativa clara e desabrida do STF (e, repito, a responsável por isso é a
corte sim e não os ministros isoladamente) ou simplesmente aceitá-lo. A
escolha agora cabe ao povo brasileiro.

Isso é preocupante e espantoso. Não perceber que já houve uma ruptura enquanto
as pessoas se preocupam com miudezas… Nesse quadro você acha que a Lava
Jato corre riscos?

Ana, este é outro ponto polêmico e que talvez muitos não gostem do que eu
vá dizer. Sempre fui otimista em relação a essa operação. Todas as vezes que
via notícias dizendo “ah, a Lava Jato acabou!…” eu sempre dizia “esperem…
aguardem  semanas”. Dito e feito: algumas semanas depois, fase X, Y ou Z
da operação mostrava que estava tudo andando normalmente. A dinâmica
de uma investigação policial complexa como essa não permite “chutes” de
um dia para o outro. É necessário observar o comportamento das
investigações ao longo de um período mais extenso. E com base nessa
observação, infelizmente, eu posso afirmar hoje que esses  anos de trabalho
da Força-Tarefa, seja de Curitiba, seja do Rio de Janeiro, seja de Brasília ou
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de São Paulo, estão em seu momento mais delicado e sob sério risco de
pizza.

Por que desta vez a situação é grave? O que te leva a ter essa certeza?

Quero fazer aqui o paralelo que já foi feito inúmeras vezes quando a
operação se iniciou mas que, misteriosamente, todos esqueceram de fazer de
uns tempos pra cá: refiro-me à Operação Mani Pulite na Itália. Embora
alguns, como o procurador Rodrigo Chemin, tenham feito estudos
excepcionais de comparação dessas duas operações, essas comparações levam
em consideração aspectos de conteúdo e semelhanças operacionais,
sobretudo como ambas as operações começaram. Não há, nem no Brasil
nem em lugar algum uma análise das estratégias e uma comparação detalhada
desse aspecto em ambas as operações. As diferenças estratégicas são
profundas e elas podem explicar não como as operações começaram e quão
abrangentes elas foram, mas sim como a Lava Jato pode acabar, baseado na
experiência de como acabou a Mani Pulite. Por isso é que hoje ninguém sabe
ao certo explicar como a Mani Pulite foi por água abaixo e, com certeza, são
poucos os que sabem explicar porque ela acabou. E sem saber essas causas,
fica difícil prever como a Lava Jato deve acabar (e, sinto informar, mas creio
que esse final está próximo).

Quais as semelhanças?

A Operação Mani Pulite, que na verdade se chamava Operação


Tangentopoli (tradução ao pé da letra de “Cidade da Propina”) começa com
um tropeço de um político italiano chamado Mario Chiesa, pego em um
esquema de corrupção local com asilos e hospitais. Isso foi em  e nessa
época, o Juiz Falcone, tantas vezes usado para comparações com Moro, já
estava morto fazia algum tempo. Falcone foi o juiz que combateu a Máfia e

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foi assassinado pelas pessoas que investigava. Ele nada tem a ver com a
Operação Mani Pulite. A Lava Jato, por sua vez, não começa com um
problema local, mas sim em um problema de âmbito nacional – a Petrobras.
Na Mani Pulite, quando as investigações chegam na ENI (a estatal italiana
de óleo e gás) a operação já está bem evoluída. No Brasil as investigações já
começam “de cima pra baixo” – na Itália é o oposto, elas começam “de baixo
pra cima” até chegar no ex-PM Bettino Craxi.

A Mani Pulite é disparada pelo núcelo milanês de investigações, liderado


pelo Juiz Antonio Di Pietro. Integravam o pool (nome que os italianos
usavam para designar aquilo que chamamos aqui de força-tarefa) os sub-
procuradores Piercamillo Davigo, Francesco Borrelli e Gherardo Colombo.
Na Itália há uma figura que não temos no Brasil, que á do “juiz do
inquérito” (giudice delle indagini preliminari). Esse era o papel de Di Pietro e
da mesma forma, nesse caso, a comparação com Moro é imprópria pois os
sistemas funcionam de forma diferente. Essas diferenças são fundamentais
nas estratégias de investigação que, ao meu ver, tornam a Mani Pulite muito
menos semelhante à Lavajato do que muitos imaginam.

Pois bem, depois que Chiesa é pego, as investigações começam a escalar até
chegar na figura do ex-primeiro ministro Bettino Craxi. Tudo isso acontece
no ano de . Do topo da liderança política, a investigação atinge
empresários importantes, como Sergio Cragnotti e, o principal deles, Silvio
Berlusconi, que entra para a política posteriormente, como forma de se
refugiar da ação da Mani Pulite. No Brasil, nenhum dos empresários
atingidos fez da política seu refúgio. Seria como se Marcelo Odebrecht,
sentindo o peso das investigações, se candidatasse a deputado federal em
 para evitar que a operação lhe calçasse mais tarde. Entre  e  a
Operação é um sucesso. Seu ano derradeiro é  quando ela atinge a
cúpula do Poder Judiciário, quando Renato Squillante, chefe da
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Magistratura em Roma, é pego em uma escuta ambiental. No ano anterior,


Di Pietro havia sido alvo de acusações falsas na imprensa e abandona a
Magistratura para assumir o Ministério da Justiça.

Em , após a Operação, rebatizada de “Togas Sujas”, atingir o espectro


quase total da sociedade italiana (políticos, empresários, advogados, juízes e
imprensa), um núcleo de procuradores de Brescia começa a investigar os
procuradores de Milão e a Operação Mani Pulite começa a ruir. Na Itália a
destruição da Operação partiu de dentro (e não de fora) do próprio corpo de
procuradores e investigadores. Lembre-se que na Itália não há o conceito que
nós temos aqui no Brasil de “foro privilegiado”: no Brasil um procurador ou
promotor não pode sair investigando um colega seu a torto e a direito – na
Itália isso é possível. E foi assim que a operação começou a ruir em .
Até hoje as tentativas de macular a Lavajato partiram de fora do Judiciário
ou do Ministério Público, por isso nunca me preocuparam os ataques
sofridos pela força-tarefa. O que vem acontecendo em  é diferente.

Você acredita, então, que desta vez os ataques à Lava Jato estão tomando uma
forma mais, digamos, “institucional”?

Exato! Esse é o ponto-chave. Voltemos à Mani Pulite para isso ficar mais
claro:  foi um ano crucial, pois várias reformas na legislação italiana,
alimentadas por uma ideologia garantista, criaram embaraços às
investigações, que já estavam esterilizadas pelos ataques interna corporis
partidos pelo núcleo de Brescia, simpático a Berlusconi. Agindo em um
bate-bola com o parlamento, ajudaram a encurtar as penas e os prazos de
prescrição fornecendo inteligência para reformar a legislação. Uma grande
anistia ainda foi negociada e a maioria dos envolvidos saiu impune. A
corrupção venceu e praticamente foi incorporada ao modus vivendi italiano.
A eleição de Matteo Salvini é uma quebra nessa mentalidade: com o apoio
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do movimento  estrelas do humorista Beppe Grillo, a direita italiana


começou a revolucionar a política por lá colhendo apenas em  e 
aquilo que o pool da Mani Pulite plantou em .

Comparemos agora com a situação no Brasil. Há inúmeras diferenças muito


relevantes para que possamos chegar na semelhança que importa, a do
ataque interna corporis. Comecemos pelo caso do juiz (hoje Ministro) Sérgio
Moro. Sua ida para o Ministério guarda circunstâncias completamente
diversas das que motivaram Di Pietro a seguir pelo mesmo caminho. Di
Pietro foi em algum momento questionado por parte daqueles que o
apoiavam: Moro não – ele continua com forte legitimidade.

Segundo aspecto: Di Pietro foi questionado e começou a ser “investigado”


quando ainda estava no cargo e atuando como procurador. Mais: sua ida
para o executivo não foi instantânea – demorou um certo tempo entre a
renúncia e assunção do cargo. Di Pietro se associou a uma linha política de
centro-esquerda na Itália e teve uma atuação apagíssima na política – fundou
um partido que em pouco tempo foi lhe tomado das mãos por políticos
profissionais.

Moro não – ele nunca foi investigado ou questionado enquanto atuava


como titular da ª Vara Criminal; sua ida para o Ministério da Justiça foi
causa de sua renúncia e não consequência dela; a migração foi instantânea;
Moro jamais se filiou a qualquer partido político e está completamente
alinhado a um governo de perfil conservador e sua atuação está muito longe
de ser uma atuação apagada: Moro é disparado o mais importante Ministro
da Justiça dos últimos  anos no Brasil e seu trabalho na reforma do
sistema penal é absolutamente incomparável, além ainda de seu incansável
trabalho de combate às facções criminosas que atuam nos presídios e fora
dele, sobretudo no tráfico de entorpecentes e armas. Um outro detalhe é que
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Moro, logo após assumir seu cargo no governo Bolsonaro, passou a ser
investigado – mas não foi por qualquer autoridade pública: Moro teve seu
celular hackeado e passou a ser investigado por cidadãos comuns, todos eles
militantes de esquerda em uma ação criminosa e estupefaciente. Ouso
arriscar que contra Moro nenhum desdobramento ocorrerá.

O problema está com o procurador Deltan Dallagnol, um dos pilotos da


força-tarefa da Lava jato. Por estar ainda no cargo de procurador,
estrategicamente ele se tornou a figura mais vulnerável de todas: mais
vulnerável inclusive que o Ministro Moro. E uma vez disparada e focada a
investigação privada em sua pessoa, o Conselho Nacional do MP partiu pra
cima de Dallagnol, com base na atuação dos investigadores privados. Foi
montada uma força-tarefa paraestatal para investigar os investigadores e esse
esquema conta com o respaldo franco do STF, que legalizou o uso de provas
ilícitas, desde que protegidas por um esquema de jornalismo que se
entrincheirou em uma falsa interpretação do sigilo de fonte.

Eis aqui a semelhança estratégica de duas ruínas que me parecem beber da


mesma fonte – finalmente a operação Lavajato começa a ser fuzilada a partir
das entranhas do sistema: é um ataque partido de dentro do sistema. A
impossibilidade de se investigar um procurador foi desfeita, muito embora a
origem dessa investigação seja privada e baseada em provas ilícitas. Mas o
CNMP não está nem ai pra isso e com o apoio da estrutura paraestatal
montada no STF, a Lavajato começa a ser desmantelada a partir do núcleo
curitibano.

O esforço de tornar estéril a atuação da Polícia Federal, hoje comandada por


Moro, começa a se tornar uma séria realidade a partir de órgãos superiores
(coincidentemente, crias da Emenda Constitucional  que cometei com
você há pouco) que operam como “puxadinhos” do STF, a saber, o CNJ e o
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CNMP. Os tentáculos “soviéticos” do STF, que hoje atua como verdadeiro


órgão paraestatal, lança mão de provas ilícitas e confessadamente
manipuladas para reinstituir uma Tangentocracia no Brasil.

Isso é preocupante. Há algo a se fazer? Temos alguma solução que seja jurídica e
pacífica, não violenta e ao mesmo tempo válida?

Concordo, é preocupante. E o que temos a fazer é simplesmente cumprir a


lei e não cumprir o que é ilegal, seja quem for o autor dessa ordem ilegal. A
esquerda usa muito a tática da desobediência civil. Não é bem isso que
proponho, pois a desobediência pressupõe descumprimento de ordens
emanadas de um sistema jurídico que é legítimo. Aqui não é bem isso que
está ocorrendo. Estamos diante de uma Nova Ordem imposta em um golpe
de estado e que se assenta em ordens ilegítimas, inconstitucionais e ilegais,
formando assim um poder paraestatal. Ninguém está obrigado a se submeter
a ordens senão em virtude de lei. É direito de todo cidadão e dever de toda
autoridade negar-se a cumprir ordens tirânicas e ditatoriais.

Sabe quem é o melhor “Professor” para isso? O Senador Renan Calheiros.


Sim, ele mesmo. Um dos investigados na Lava Jato, mas também um dos
políticos mais hábeis do Brasil, quando foi confrontado de forma ilegal pelo
STF, não pensou duas vezes e imediatamente se negou a cumprir uma
decisão visivelmente ilegal do STF. O que fez o STF? Fez exatamente o que
lhe cabia fazer: nada! Reconheceu a sua ilegalidade e baixou a cabeça para
Renan, que naquele momento agiu de maneira corretíssima.

Simplesmente fazer o que é certo e reconhecer que o STF, quando estiver errado,
precisa ser questionado, é isso?

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Não apenas. Na situação em que vivemos hoje, quando estamos diante de


um golpe que já foi dado, é necessário não apenas reconhecer a ilegitimidade
das ordens futuras baseadas em autoridade usurpada, mas também passar a
limpo tudo o que aconteceu até hoje e todos os desmandos ocorridos após o
trágico falecimento do Ministro Teori. Num estado como esse, a força-tarefa
deve decretar oficialmente o fim das investigações e tornar público o
resultado de todo o trabalho efetuado até o momento, expondo todos os fatos e
mostrando as razões pelas quais as investigações pararam. Chamar a
imprensa: não apenas este veículo prestigiado, mas a imprensa toda, sem
exceção, e compartilhar com todos a íntegra da documentação, todas as
delações premiadas, concluídas ou não. É necessário dar total exposure.

É recomendável também que os promotores que trabalharam nas


investigações contra autoridades com “foro privilegiado”, que hoje estão
protegidas pela estrutura paraestatal montada no STF, reconheçam que essa
atividade paraestatal no STF serve para proteger os envolvidos e não mais
para investigá-los. Passados já mais de  anos de investigações, hoje
travestidas de proteção pessoal, é necessário que as autoridades de ª
Instância façam o mais abrangente exposure dos fatos, apresentando a
imprensa todo o material colhido até hoje e ressaltando os embaraços que
sofreram em sua tarefa de investigação. É necessário se tirar lições do método
ao qual os promotores estão sendo submetidos e montar um centro de
informações em que toda a verdade é revelada, doa a quem doer. Não
vivemos mais um estado de normalidade democrática depois que atividade
criminosa de espionagem passou a ser não só aceita, mas sobretudo
motivação e fundamento para se perseguir autoridades, cuja função é
investigar crimes.

Da noite para o dia a narrativa de que o investigador é que seria o criminoso


entrou com facilidade na vida das pessoas, cruzando uma linha ética que
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19/08/2020 Entrevista Evandro Pontes: “A Operação Lava Jato nunca correu tantos riscos”

autoriza plenamente que os procuradores encerrem as investigações e tornem


público o material colhido em sua integralidade. Mante-lo em sigilo é um
perigo aos investigadores, um desserviço ao Brasil e uma tolice estratégica
que não faz mais sentido a essa altura dos fatos.

Entendo ainda que sobretudo em relação ao material compartilhado com o


STF por força de “prerrogativa de função”, seja dado total e absoluto
“exposure” desse material para que todos saibam quem são as pessoas
privilegiadas que receberam propina, quanto foi gasto com eles e a razão pela
qual as investigações dessas autoridades se transformaram em verdadeira
atividade paraestatal de proteção a esses investigados. E quanto às ordens
emanadas por esse núcleo paraestatal, obviamente as pessoas devem ignorá-
la, da mesma forma que ignorariam um palhaço de circo que se veste de
policial para multar motoristas que estejam dirigindo de janela aberta ou
parando no sinal vermelho. Ordens absurdas não se cumprem. Elas devem
ser ignoradas e isso não é desodebidência – é o inverso: é obedecer a lei e
ignorar quem a infringe. Devem serguir o exemplo de Renan, nesses casos.

Vamos ver quem ao final tem mais guts (como dizem nos EUA) para
aguentar esse jogo de forças: se é o tirano ou se é aquele que resiste ao tirano.

Você acredita que uma exposição dessa magnitude não pode prejudicar reformas
em andamento e forçar a concluir essa ruptura? Como evitar que um movimento
como esse não desague em caos social?

Se uma grande ruptura for causada pelo reconhecimento da ampla


ilegitimidade dos poderes, tornando até a constituição não-operacional,
então que assim seja. Estamos na hora de sentar e repensar o sistema,
reformá-lo e rediscuti-lo, sem essa história de “cabo e soldado”. E quanto as
reformas, o Presidente da República pode muito bem acelerá-las usando

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19/08/2020 Entrevista Evandro Pontes: “A Operação Lava Jato nunca correu tantos riscos”

aquilo que ele tem ao seu lado – o povo brasileiro. Submeta reformas
necessárias a uma democracia plebiscitária, convoque o povo para votar a
reforma da previdência, a reforma da legislação penal, a reforma tributária
ou até mesmo uma reforma abrangente do Judiciário. Entregue ao povo a
palavra final sobre os destinos da nação. Não tenhais medo.

Muito obrigada pela entrevista, Evandro!

Eu é que agredeço a você , Ana, pela generosidade em me ouvir. Obrigado!

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