Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
22/07/2008
TJSC. Das construções e plantações. Art. 1.255 do CC/2002. Interpretação. Discorrendo sobre o tema ensina
Marco Aurélio S. Viana que "Sob a égide do art. 547 do Código revogado, o proprietário do terreno havia a
propriedade do que era incorporado ao imóvel, quando terceiro plantava, semeava ou edificava. Se o dono das
sementes, plantas e materiais agia com boa-fé gozava do direito à indenização. Se de má-fé perdia o direito a ser
indenizado e podia ser compelido a repor as coisas no estado anterior e pagar os prejuízos que houvesse
causado. Ocorre que se a construção ou plantação ultrapassasse o valor do terreno e levantada de boa-fé, o
dono do imóvel adquiria a propriedade. A solução presente no parágrafo único do art. 1.255 põe-se dentro da
melhor orientação, e já estava no Anteprojeto de Orlando Gomes, art. 442. Sendo o direito de propriedade
orientado pela sua função social, correto que se procure harmonizar os interesses, evitando soluções que
prejudiquem a circulação da riqueza. A aquisição do solo por parte daquele que construiu ou plantou, estando de
boa-fé, é justa e atende aos reclames da melhor doutrina, mesmo aquela anterior ao diploma civil de 1916"
(Comentários ao Novo Código Civil, Forense, 2003, v. XVI, p. 156). Portanto, para a aquisição da propriedade em
virtude de edificação em terreno alheio se faz necessário a ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: a)
aquele que procedeu à edificação deve ter agido de boa-fé; b) o valor da construção tem que exceder
consideravelmente o preço do terreno; c) pagamento de indenização.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.011392-4, da comarca de Jaguaruna (Vara
Única), em que são apelantes Agnaldo Alano Cruz e outro, e apelado Nereu Manoel de Souza:
www.cc2002.com.br/imprimir.php?id… 1/4
25/1/2011 CC2002 | Código Civil e sua Interpret…
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na
forma da lei, observado o disposto no art. 12 da Lei nº. 1.060/50.
RELATÓRIO
Nereu Manoel de Souza ajuizou "ação reivindicatória" contra Agnaldo Alano Cruz e Silvana Coelho Dal Toé Cruz.
Na petição inicial, afirmou o autor que em 31.3.2000 adquiriu da Sociedade Brasileira de Empreendimentos
Imobiliários Ltda., os lotes nº. 01 a 18, da quadra 10, do Loteamento Praia de Jaguaruna, localizado em Morretes,
no município de Jaguaruna/SC, todos devidamente transcritos no registro imobiliário.
Asseverou que no dia 2.1.2000, os réus invadiram clandestinamente os lotes nºs. 14, 15 e 16 e sobre eles
iniciaram a construção de uma casa em alvenaria, ainda não concluída, tratando-se de posse injusta e de má-fé.
Com a ação aforada, pretende que as glebas reivindicadas lhes sejam restituídas, ver declarada a perda das
benfeitorias em seu favor e a condenação dos réus nos consectários de estilo.
Devidamente citados, os réus apresentaram resposta na forma de contestação (fls. 22/23), na qual salientaram
que apesar de terem, em janeiro de 2000, edificado uma casa de alvenaria, ocupando no máximo dois lotes, já o
haviam cercado há dois anos, sem qualquer oposição.
Afirmaram que não tiveram a intenção de invadir os imóveis, sendo que todos os moradores da região afirmavam
que tais lotes eram terreno de marinha e que, para adquiri-los bastava cercar, construir e posteriormente
requerer o domínio junto à repartição competente. Sustentando sua boa-fé, insurgiram-se quanto ao pedido de
perda das benfeitorias realizadas, salientando que o valor destas supera, em muito, o preço dos terrenos.
Por fim, postularam a improcedência do pedido.
Apresentada réplica e instruído o feito, as partes apresentaram alegações finais (fls. 71/72 e 73/74), cada qual
pretendendo fazer valer o seu direito.
A MM. Juíza de Direito proferiu sentença (fls. 79/84), cujo dispositivo foi assim redigido:
"Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente Ação de Reivindicatória aforada por NEREU
MANOEL DE SOUZA contra AGNALDO ALANO CRUZ e s/m SILVANA COELHO DAL TOÉ CRUZ para condenar os réus a
restituírem ao autor os lotes ns. 14, 15 e 16, da quadra 10, do Loteamento Praia de Jaguaruna, localizado em
Morretes,município de Jaguaruna, no prazo de 15 dias, sob pena de restituição forçada, julgando extinto o
processo, com julgamento do mérito.
Fica ressalvado o direito dos réus de serem indenizados pela construção e benfeitoria realizadas no imóvel de
domínio do autor, cujo quantum será determinado na fase de execução, podendo este optar por seu valor atual
ou pelo de seu custo.
CONDENO os réus ao pagamento de 80% das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em R$
500,00 (quinhentos reais), na forma do §4º do art. 20 do CPC, devendo os outros 20% serem custeados pelo
autor.
DEFIRO aos réus o benefício da assistência judiciária gratuita, na forma requerida, mantendo, no entanto, os
encargos de sucumbência, cuja exigibilidade é suspensa pelo prazo de até cinco anos, findo o qual estará extinta
a obrigação, na conformidade dos artigos 11, §2º, e 12 da Lei n. 1.060/50".
Irresignados com a prestação jurisdicional entregue, os réus interpuseram recurso de apelação (fls. 90/94), no
qual insistem na tese de que quando construíram sobre os lotes não agiram de má-fé, mas apenas seguiram os
costumes da região de cercar e edificar no imóvel para, posteriormente, solicitar seu registro no órgão
competente.
Salientam que em virtude da acessão e das benfeitorias superarem o valor venal dos lotes, devem adquirir a
propriedade, nos termos do parágrafo único do art. 1.255 do novo Código Civil. Por fim, insurgem-se contra a
fixação da verba de sucumbência e postulam a reforma do decisório.
As contra-razões foram apresentadas (fls.100/102), pela manutenção da sentença.
VOTO
1. Prescreve o art. 524 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 1.228 do CC/2002, que o proprietário tem
"o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os
possua". A fim de fazer prevalecer esse direito, pode o proprietário da coisa valer-se da ação reivindicatória e,
para tanto, deve: a) comprovar a titularidade do domínio sobre a coisa; b) individuá-la, de modo que seja
facilmente identificável; c) demonstrar que a posse daquele contra o qual dirige a demanda é injusta.
Sobre o tema, disserta Silvio de Salvo Venosa que a "ação reivindicatória é a ação petitória por excelência. É
direito elementar e fundamental do proprietário a seqüela; ir buscar a coisa onde se encontra e em poder de
quem se encontra. Deflui daí a faculdade de o proprietário recuperar a coisa. Escuda-se no direito de propriedade
para reivindicar a coisa do possuidor não proprietário, que a detém indevidamente" (Direito Civil, Atlas, 2003, 3ª
ed., v. 5, p. 265).
No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial deste Sodalício:
"A ação reivindicatória é o instrumento fornecido pelo ordenamento jurídico ao proprietário, para ser brandido em
face de quem exerça posse injusta sobre seu bem. Os direitos de usar, gozar e dispor da coisa, que servem ao
dono, pouco valeriam se não estivessem alentados pela vindicatio, razão por que compõem 'os elementos
essenciais positivos' da propriedade" (AC n.º 1997.010454-5, Des. Pedro Manoel Abreu).
"'Não se pode confundir os conceitos de posse injusta definidos nos arts. 524 e 489 do Código Civil. Aquela é
injusta tão-somente pela razão de que, na disputa entre a posse e a propriedade, prevalece o direito do
proprietário, a menos que se trate de posse ad usucapionem. Não constitui requisito da ação reivindicatória, por
outro lado, que a posse do réu seja precária, clandestina ou violenta. A posse ad inderdicta não constitui
obstáculo à procedência da ação de reivindicação (STF, RTJ 107/324)'" (AC nº 49.085, Des. Pedro Manoel Abreu).
"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – EXEGESE DO ART. 524 DO CC/1916 – ACTIO INTENTADA PELO
PROPRIETÁRIO NÃO POSSUIDOR EM FACE DO POSSUIDOR NÃO PROPRIETÁRIO – COMPROVAÇÃO DO DOMÍNIO –
POSSE INJUSTA DA RÉ – PRETENSÃO ACOLHIDA – INSURGÊNCIA RECURSAL DESPROVIDA
'Se o réu não tem título de domínio, nem qualquer outro que justifique juridicamente sua detenção, sua posse é
injusta e autoriza a procedência da reivindicatória intentada por quem se apresenta como dono' (Ap. Civ nº
48.385, rel. Des. Solon d'Eça Neves)" (AC nº 2004.034292-4, Des. José Volpato de Souza).
"A ação de reivindicação é dirigida não apenas contra o possuidor injusto no sentido de quem tem a posse
violenta, clandestina ou precária, mas contra aquele que possui o bem sem causa jurídica na esfera de atuação
do demandado. Ou seja, nem se cogita sobre boa ou má-fé do possuidor, mas sim se a posse repugna ou não ao
direito, prevalecendo o direito do proprietário na disputa entre posse e propriedade" (AC nº 1999.008070-6, Des.
Carlos Prudêncio).
Discorrendo sobre o tema ensina Marco Aurélio S. Viana que "Sob a égide do art. 547 do Código revogado, o
proprietário do terreno havia a propriedade do que era incorporado ao imóvel, quando terceiro plantava,
semeava ou edificava. Se o dono das sementes, plantas e materiais agia com boa-fé gozava do direito à
indenização. Se de má-fé perdia o direito a ser indenizado e podia ser compelido a repor as coisas no estado
anterior e pagar os prejuízos que houvesse causado. Ocorre que se a construção ou plantação ultrapassasse o
valor do terreno e levantada de boa-fé, o dono do imóvel adquiria a propriedade. A solução presente no
parágrafo único do art. 1.255 põe-se dentro da melhor orientação, e já estava no Anteprojeto de Orlando Gomes,
art. 442. Sendo o direito de propriedade orientado pela sua função social, correto que se procure harmonizar os
interesses, evitando soluções que prejudiquem a circulação da riqueza. A aquisição do solo por parte daquele que
construiu ou plantou, estando de boa-fé, é justa e atende aos reclames da melhor doutrina, mesmo aquela
anterior ao diploma civil de 1916" (Comentários ao Novo Código Civil, Forense, 2003, v. XVI, p. 156).
Portanto, para a aquisição da propriedade em virtude de edificação em terreno alheio se faz necessário a
ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: a) aquele que procedeu à edificação deve ter agido de boa-fé; b)
o valor da construção tem que exceder consideravelmente o preço do terreno; c) pagamento de indenização.
www.cc2002.com.br/imprimir.php?id… 3/4
25/1/2011 CC2002 | Código Civil e sua Interpret…
No presente caso, o primeiro dos pressupostos acima elencados (boa-fé) não se faz presente pois, como dito
alhures, os réus procederam com manifesta má-fé ao iniciarem a edificação sem consultar ao menos o registro
imobiliário sobre a situação dos lotes, tanto que declararam em sua peça defensiva que se instalaram nos
terrenos sem perquerir sua origem "pois seu objetivo era requerer a área para si" (fl. 22).
A corroborar tal assertiva, tem-se o depoimento de José Custódio, testemunha arrolada pelos réus que, quando
ouvido em juízo declarou, verbis:
"...que acredita que os réus devam ocupar algum ou alguns desses lotes; que já tinham conhecimento que toda
aquela área se encontrava registrada em nome de terceiros, segundo cartório de registro de imóvel de Tubarão,
mas os donos nunca apareceram..." (fl. 63).
Em lição pertinente, disserta Orlando Gomes que "Para que alguém seja possuidor de um bem, preciso é que
esteja convencido de que, possuindo-o, a ninguém prejudica. O direito pátrio concebe a boa-fé de modo negativo,
como ignorância, não como convicção" (Direitos reais. Forense, 1995, p. 38).
Como bem lembrado pela Magistrada singular, "Difícil acreditar, atualmente, que terras não pertençam a ninguém
e que, para adquiri-la, basta cercar,construir e, posteriormente, requerer o domínio junto à repartição
competente. No mínimo houve ingenuidade e falta de precaução por parte dos réus, mas tal não é suficiente para
caracterizar a alegada boa-fé.
Consequentemente, ao levantarem edícula em terreno alheio cientes da origem espúria de sua posse, agiram os
réus ao alvedrio das mais comezinhas regras de direito, devendo suportar os ônus impostos aos possuidores de
má-fé.
No tocante ao reconhecimento da necessidade de o autor indenizar os réus em virtude das acessões e
benfeitorias realizadas no imóvel, mesmo sendo este possuidores de má-fé, tem-se que tal fato não foi objeto do
recurso, pelo qual não há como se alterar a decisão monocrática neste particular, sob pena de ofensa ao princípio
tantum devolutum quantum appellatum.
3. Por fim, insurgem-se os réus contra sua condenação ao pagamento da verba honorária e das custas
processuais, sustentando que, por serem beneficiários da assistência judiciária, não devem arcar com esse ônus.
Contudo, o fato de a parte ser beneficiária da assistência judiciária não a isenta da condenação nos ônus da
sucumbência, obrigação cuja exigibilidade permanece suspensa a teor do art. 12 da Lei nº 1.060/50: "A parte
beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem
prejuízo do sustento próprio ou da família. Se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não
puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita". A regra aplica-se igualmente aos honorários
advocatícios.
Neste sentido:
"A concessão do benefício da assistência judiciária gratuita não impede que o juiz condene, ao final, o vencido no
pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, com a ressalva do art. 12 da Lei nº 1.060/50"
(AC nº 2000.023485-0, deste relator).
"ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. Ônus da sucumbência. Imposição ao vencido. Art. 12 da Lei 1060/50. Ao beneficiário
da assistência judiciária, vencido na causa, pode ser imposta a condenação nos ônus da sucumbência, nos
termos do art. 12 da Lei 1060/50, ficando suspensa sua cobrança por até cinco anos" (Resp nº 72.872, Min. Ruy
Rosado de Aguiar).
"O beneficiário da justiça gratuita não tem direito à isenção da condenação nas verbas de sucumbência, mas à
suspensão do pagamento, enquanto durar a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos, findo o qual
estará prescrita a obrigação, a teor do disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50" (AGREsp nº 364.021, Min.
Laurita Vaz).
"Ao beneficiário vencido da assistência judiciária pode ser imposta a condenação nas custas e honorários
advocatícios. Contudo, fica suspensa a obrigação pelo período de até cinco anos, enquanto persistir o estado de
pobreza, extinguindo-se a dívida, após, pela sua prescrição. Precedentes do STJ" (Resp nº 129.261, Min. Aldir
Passarinho Júnior).
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, à unanimidade, negaram provimento ao recurso.
Participou do julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jânio Machado.
www.cc2002.com.br/imprimir.php?id… 4/4