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A FILOSOFIA SERÁ DE ESQUERDA OU DE DIREITA?

“Tudo é política” é uma expressão que se ouve com frequência, regra geral pronunciada de forma
assertiva, categórica e dogmática, como se quem a pronunciasse fosse portador de uma visão
privilegiada das coisas que lhe permitisse o acesso directo e sem quaisquer mediações à própria
verdade essencial das coisas, verdade essa à qual os não-iniciados, seja por ingenuidade, idealismo ou
ignorância, seriam incapazes de aceder. Tal expressão costuma ser ainda mais frequentemente usada e
abusada em períodos politicamente conturbados, tanto em períodos revolucionários como em épocas
eleitorais mais extremadas, quando as clivagens entre campos opostos e os conflitos entre as partes são
agudizados até ao limite e o normal funcionamento das instituições se encontra ameaçado ou colocado
em causa, isto é, em tempos de crise social e de convulsão política em que aquelas mesmas instituições
e aqueles que as representam se tornam merecedores de desconfiança por parte da sociedade que os
elegeu, geralmente por esta - ou parte desta - não ver honrado o contrato social ou o pacto de confiança
estabelecido entre as partes, ou por esta não ver satisfeitas as suas aspirações e cumpridas as promessas
em nome das quais aqueles foram eleitos.
Porém, não é necessariamente essa a causa única que conduz muitos a acreditar cegamente na verdade
dessa expressão, pois também há aqueles que fazem dessa crença o fundamento axiomático de uma
autêntica visão do mundo, uma visão política do todo e de todas as coisas, como se se tratasse de um
prisma a partir do qual pudessem enxergar a realidade essencial que se esconde para além das
aparências mutáveis e contingentes, fazendo assim dela uma autêntica proposição de alcance
metafísico. E são precisamente aqueles para quem essa visão politica das coisas constitui o pano de
fundo metafísico que lhes fornece o quadro de referência mental e ideológico a partir do qual pensam
tudo o que existe que tendem a acreditar totalitariamente que nada existe ou acontece que não seja
político ou, em última instância, redutível à política, mesmo que a superfície pareçam existir factos,
acontecimentos ou dimensões da realidade que aparentem ser exceções a essa regra absoluta,
convertendo assim a sua perspectiva relativa e limitada das coisas, ou seja, essa visão condicionada e
inviesada da realidade, numa representação adequada dessa mesma realidade na sua essência e no seu
todo.
Excusado será dizer que talvez nunca tenha passado pela cabeça dessas pessoas politicamente
iluminadas, para quem a política é um verdadeiro substituto laico ou secular das religiões tradicionais e
do sistema dogmático de ideias que estas normalmente forneciam aos seus fiéis sob a forma de certezas
inquestionáveis que lhes permitia pensar, agir e viver certos e seguros de que conheciam a verdade e
esta se encontrava do seu lado, excusado será dizer-lhes que talvez exista um grão de verdade relativa
na sua crença básica, mas que esta se torna falsa tão logo seja generalizada ou absolutizada para dar
origem a um princípio que se pretende universal e funcionar como chave metafísica que abre a porta a
todas as dimensões da realidade, mesmo daquelas aparentemente mais distantes e apolíticas.
Talvez também seja pura perda de tempo tentar argumentar que o mesmo se poderia igualmente dizer
em relação a qualquer outra coisa, dimensão da realidade ou actividade humana que se pretenda erigir
em verdade fundamental e global, como seja a economia (“tudo é economia”), a história (“tudo é
história”), a cultura (“tudo é cultura”), a psicologia (“tudo é psicologia”), a biologia (“tudo é biologia”),
a física (“tudo é física”), a matemática (“tudo é matemática”), a ciência em geral (“tudo é ciência”) a
arte (“tudo é arte”), a religião (“tudo é religião”), a natureza (“tudo é natureza”), a linguagem (“tudo é
linguagem”), a moral (“tudo é moral”), ou, até mesmo, já agora, porque não, a filosofia (“tudo é
filosofia”). E, à semelhança do que acontece com a política, a verdade é que nenhuma dessas outras
actividades humanas ou dimensões da realidade teria menos razões para ser transformada no
fundamento último de todas as coisas ou na essência à qual tudo seria redutível em última análise, se
não à escala do cosmos, pelo menos seguramente à escala humana.
E talvez também não seja necessário acrescentar que, quando se pretende explicar tudo por meio da sua
redução a uma só coisa, escala, dimensão ou ponto de vista, regra geral o valor explicativo e heurístico
de semelhante procedimento tende para zero, independentemente do grau de convicção dos seus
proponentes e da força retórica dos seus defensores.
Acontece que, de há algum tempo a esta parte, essa mesma ideia parece ter-se tornado, pelo menos em
certos setores da sociedade alegadamente mais politizados, seja de forma implícita e não assumida, seja
de forma explícita e perfeitamente assumida, uma espécie de verdade incontestável do senso comum
que só alguém muito ingênuo ou de má-fé poderia colocar em causa.
E associada a essa ideia, surge uma outra sua parente próxima, que faz da política tão só uma luta de
morte pelo poder entre campos opostos ou grupos rivais com interesses, valores, princípios e visões do
mundo completamente antagônicas, sendo necessário e inevitável escolher em qual dos lados se
colocar, de modo a que se saiba sem margem para dúvidas ou confusões identitárias de que lado afinal
se está, quem são os amigos com quem se pode contar e os inimigos que se deve combater, como se
essa fosse a questão fundamental da política.
A isto acresce ainda o fato de uma certa ideologia se ter entranhado subrepticiamente num certo senso
comum político, fazendo crer a muitos que a atitude, o pensamento ou o espírito crítico que são
próprios da filosofia significam afinal, bem vistas as coisas, que a filosofia se encontra naturalmente
alinhada e comprometida, por princípio e definição, com um dos campos da disputa política, o qual
parece personificar idealmente essa atitude contestatória de oposição a uma certa ordem das coisas, de
ser contra o Sistema, de ser contra O Poder e de querer transformar o mundo, sendo aqueles
normalmente identificados como O Capitalismo, O Neoliberalismo ou O Fascismo, mas menos
frequentemente como O Comunismo ou qualquer outro tipo de organização sócio-econômica e política
sua próxima, inclusive naqueles casos em que esta foi - ou ainda é - O Sistema e o Poder.
Acontece, porém, que atitude crítica, espírito crítico e pensamento crítico, no sentido em que a
filosofia os encarna e exercita, são coisas fundamentalmente distintas dessa atitude primária, idealista e
romântica cultivada por muitos jovens - e outros já não tão jovens - de se colocarem pura e
simplesmente contra qualquer coisa que exista e não lhes agrade, desde a escola ao Estado ou ao
governo, acreditando que é sempre a realidade que se engana, nunca eles, e que a única forma de se ser
realista é pedir-se o impossível, para fazer referência a duas famosas boutades do Maio de 68 em
França. E isto porque, como é evidente, crítica, no sentido filosófico do termo, não significa
necessariamente ser contra algo ou dizer mal de algo ou de alguém - que é o sentido trivial ou de senso
comum do termo -, à semelhança do que também acontece quando se fala de crítica literária, musical,
cinematográfica ou artística em geral, significando antes o exercício de um exame racional de algo,
com vista a apurar o seu valor, a sua verdade ou o seu sentido e utilidade, consoante aquilo que estiver
a ser objecto da crítica, determinando as suas qualidades e defeitos, os seus pontos fortes e fracos, os
aspectos positivos e os negativos, de modo a poder emitir-se um juízo de valor com propriedade e
fundamento sobre aquilo que se criticou. Na verdade, o resultado de uma crítica pode muitas vezes ser
positivo, justificando-se então defender o valor daquilo que se criticou, por se ter chegado à conclusão
que o objecto da atenção crítica exibe qualidades ou virtudes que se sobrepõem aos seus defeitos ou
fraquezas, e isto quer se trate de um livro, de um filme, de uma música, de uma ideia, de uma teoria
filosófica ou científica, de uma obra de arte ou de um sistema político.
Ocorre que demasiado frequentemente aqueles que mais se identificam com essa suposta atitude crítica,
tanto no plano filosófico como político, ou filosófico-político, são precisamente aqueles que mais
dificuldade têm em começar essa crítica por si próprios e pela suas ideias, partindo simplesmente do
princípio de que estas são corretas, assumindo dogmaticamente a sua verdade, bondade e justeza como
absolutas e dispensando qualquer exame crítico das mesmas, não considerando da forma criticamente
mais imparcial possível os factos e argumentos contrários ou adversos às suas convicções nem
manifestando disponibilidade ou abertura crítica para as mudar, substituir ou corrigir, caso aquelas se
revelem erradas, falsas ou inválidas ao exame crítico das mesmas. Mostram assim que a sua
empoderada e arrogante postura crítica não passa afinal de dogmatismo disfarçado e dissimulado de
criticismo, posto que o seu criticismo se faz única e exclusivamente dirigido para fora, isto é, para
aquilo que, com razão ou sem ela, querem combater e derrubar, nunca para dentro de si próprios ou
para o sistema de ideias que aceitam dogmaticamente - quer dizer, acriticamente - como bom, justo e
verdadeiro, independentemente de qualquer crítica que aquele mereça ou de que já tinha sido alvo.
Revelam assim também que o próprio esquema binário e maniqueísta que organiza a sua visão política
do mundo não é particularmente sutil ou sofisticado, uma vez que normalmente um dos lados da
equação, precisamente aquele com o qual se identificam sem reservas e lhes permite identificar os seus
amigos, é positivado de forma absoluta e incondicional como portador de todas as virtudes, de toda a
justiça, de todo o bem e de toda a verdade, enquanto o outro lado é negativado da mesma forma, como
mal absoluto, como falsidade absoluta e como injustiça absoluta, sendo aí que se situam os seus
inimigos, os maus da fita que só querem fazer o mal que lhes vai na alma, ao passo que os bons só
querem fazer o bem. E assim temos o velho esquema metafísico-religioso maniqueísta secularmente
transposto para o plano terreno da política, com os bons e os justos inteiramente de um lado e os maus
e os injustos integralmente do lado contrário, variando apenas apenas a posição relativa de cada um
deles, conforme se esteja do lado direito ou do lado esquerdo e assim se veja o lado oposto ao seu.
Mas talvez seja o momento de enfrentar diretamente a questão a que aqui queremos responder, questão
essa que fornece o título ao artigo: afinal, a filosofia é de direita ou de esquerda?
Ora, assim formulada, a menos que se aceite como verdadeira a expressão acima criticamente
examinada, segundo a qual tudo é política, adicionando-lhe ainda a premissa oculta ou implícita de a
política se poder, por sua vez, reduzir à alternativa e ao conflito entre esquerda e direita, assumindo-se,
em seguida, que a filosofia pertence, por natureza, a um dos lados, parece óbvio a qualquer mente
lúcida que a pergunta é pura e simplesmente absurda, não passando de uma falácia do falso dilema, à
semelhança do que acontece com o famoso paradoxo do ovo e da galinha, uma vez que a filosofia não é
nem de direita nem de esquerda, nem tampouco pode ou deve ser reduzida à política ou à filosofia
política.
E a filosofia não é de direita nem de esquerda porque, em primeiro lugar, a política, por muito
importante que seja no conjunto das atividades humanas, por mais fundamental, ubíqua e transversal
que seja, não constitui a totalidade da vida humana, ainda que possa existir um aspecto político em
praticamente tudo aquilo que os seres humanos fazem, ou que quase nada daquilo que seres humanos
são, pensam, sentem, querem ou acreditam não possa ser também encarado de um ponto de vista
político ou como tendo causas e consequências políticas, como acontece com todo o resto, conforme
sublinhamos atrás.
Por outro lado, a filosofia, enquanto tal e genericamente considerada, não é, não pode ser, nem deve ser
de direita ou de esquerda, uma vez que historicamente sempre houve filósofos alinhados com um dos
dois lados, o que por si só seria motivo para rejeitar essa inclusão exclusiva da filosofia num dos
campos políticos. Mesmo correndo o risco de cair no pecado histórico por excelência, uma vez que a
distinção tem pouco mais de 200 anos, atendendo a certas características normalmente aceitas como
distintivas dos dois campos, dificilmente poderá ser considerado um anacronismo colocar Platão do
lado direito do espectro político, porventura Hobbes, Burke, assim como Nietzsche ou Heidegger,
talvez Nozick, seguramente Scruton, estes últimos já posteriores àquela distinção, como é sabido. Ou
colocar Rousseau, Marx, Russell, Popper, Sartre, Foucault ou Rawls do lado esquerdo daquele mesmo
espectro. E a menos que se queira absurdamente considerar um dos dois conjuntos como verdadeiros
filósofos, na medida em que com eles temos maior simpatia ou afinidade política, filosófica ou
filosófico-política, negando ao outro conjunto, pelas razões inversas, a qualidade de verdadeiros
filósofos, não parece filosoficamente razoável ou criticamente plausível operar essa clivagem só para
manter a crença obviamente falsa e absurda de que filosofia pertence, por natureza, a um dos lados. Por
essa razão, se tanto existem actualmente como sempre existiram filósofos de direita e de esquerda, ou
com ideias políticas que hoje poderíamos classificar ou conotar dessa forma, porventura
anacronicamente, então não é sustentável defender, como muitos parecem acreditar e pretender, mesmo
que apenas implicitamente, que a filosofia como tal está, natural e necessariamente, comprometida com
um dos campos da equação política, seja ele qual for. Se fosse esse o caso, o mesmo poderia ou deveria
ser feito relativamente a outras questões, como as questões epistemológicas, metafísicas, éticas,
axiológicas ou religiosas. Teríamos então de considerar que as dicotomias clássicas entre racionalistas e
empiristas, entre dogmáticos e céticos, entre realistas e anti-realistas, entre deontologistas e
consequencialistas, entre subjectivistas e objectivistas, ou entre teístas, ateus e agnósticos também
deveriam ser objecto de uma operação de clivagem ontológica e axiológica entre os diferentes campos
teóricos, merecendo aqueles com os quais nos identificamos, ou de que mais nos aproximamos, a
designação apropriada de filosofia, enquanto aos outros seria retirada semelhante designação
simplesmente por deles discordarmos ou divergirmos. Não parece que esse fosse um bom critério
filosófico de ordenar as teorias filosóficas, pois não?
Da mesma forma, a filosofia não é de direita ou de esquerda porque, pese embora o facto de a diferença
entre esquerda e direita ser uma diferença política fundamental desde há mais de dois séculos, sendo
praticamente consensual o seu uso, seja para fins analíticos e descritivos ou científicos relativos ao puro
entendimento da coisa política, seja para fins normativos, valorativos ou de discussão política e
filosófica em torno do que deve ser uma sociedade boa e justa - não obstante o significado exato
daquilo que distingue conceptual ou objectivamente ambos os campos nem sempre ser assim tão claro
e constitua objecto de controvérsia entre os filósofos e cientistas políticos -, talvez nem todas as
questões políticas possam ou devam ser subsumidas nessa distinção, como se fosse, por princípio,
impossível escapar-lhe, mesmo que apenas intelectualmente, e qualquer tentativa de examinar científica
ou filosoficamente a política de uma forma criticamente imparcial - ou seja, politicamente não
comprometida com um dos dois campos -, estivesse, a priori, fatalmente condenada ao fracasso, nem
que fosse apenas como ideal regulador de uma objectividade possível, à maneira kantiana. E isto seria
assim, pensam alguns, porque no fundo os seres humanos não são puramente racionais e não
conseguem, por isso, libertar-se, transcender ou fazer tábua rasa dos seus hábitos e costumes, das suas
paixões e preconceitos, do seu carácter e temperamento, da sua história de vida, da educação que
receberam ou dos genes que herdaram, do meio em que viveram e daquilo que a experiência de vida
lhes ensinou, ou até da raça, da classe social e do sexo a que se pertence, ou da idade que se tem e da
geração a que se pertence, jogando tudo isso um papel decisivo nas escolhas políticas ou na visão que
cada um tem da política, informando, influenciando e condicionando os juízos de valor a um nível
muitas vezes subterrâneo e inconsciente, quer dizer, fora do alcance da razão pura, a qual nada mais
poderia assim fazer que não fosse tentar racionalizar a posteriori as escolhas já tomadas e determinadas
por razões que a própria razão desconhece e não tem condições de examinar imparcialmente, quanto
mais de controlar.
Mas será que queremos mesmo fazer recuar a política e o seu exame filosófico para níveis de decisão
puramente irracionais, colocando tanto a análise política como a escolha política na estrita dependência
de factores que não conhecemos nem controlamos, como sejam os acima referidos? Não implicará tal
estratégia cognitiva colocar a política praticamente ao mesmo nível da religião e da fé religiosa,
fazendo da adesão a uma visão política, a uma ideologia política ou a uma filosofia política um acto de
fé irracional que nenhuma razão estará em condições de poder justificar objectivamente? Não será isso
equivalente a abdicar por completo do papel da razão crítica, tanto teórica como prática, para
determinar o que é politicamente melhor e mais justo para a polis? Não significará isso relegar a
racionalidade normativa para o caixote do lixo das ilusões piedosas mas falsas? É que se todos os
juízos de valor político não passam afinal de opiniões subjectivas relativas aos desejos e crenças do
indivíduo e/ou aos interesses da classe, da raça ou do género a que este pertence, então não existe
qualquer fundamento racional e objectivo que possa justificar as suas escolhas e preferências políticas.
Mas se assim é, porquê considerar que o nosso lado é melhor por estar correto, enquanto o lado
contrário é pior por estar errado? Certo e errado em relação a quê? Ao que nós queremos e
defendemos? É que se o certo e o errado são relativos a quem os defende e aos interesses em causa de
ambos os lados, ambos podem até ter razões para acreditar que estão certos e têm razão, mas nenhum
terá terá verdadeiramente a razão do seu lado, na medida em que esta não passaria afinal de um reflexo
especular de si mesmos, dos seus interesses e das suas ideias, desse modo tão válidas e justificadas, ou
inválidas e injustificadas, como as dos seus oponentes.
Será assim que funciona verdadeiramente a coisa política? Mais: estarão todos os políticos, todos os
cientistas políticos, todos os filósofos políticos e todos os cidadãos politicamente informados e
comprometidos dispostos a conceder que a política, no fundo, se joga e se decide a um nível irracional
das emoções e das paixões puras, da subjectividade individual dos gostos e preferências de cada um,
sem que a razão tenha ou possa ter aí qualquer outro papel que não seja puramente instrumental, seja
fornecendo as justificações apropriadas à manutenção dessa ilusão de liberdade, de consciência e de
racionalidade nas opções tomadas, seja fornecendo os meios práticos adequados à obtenção do fim
visado já previamente determinado naquela outra instância de decisão? É que, independentemente do
valor de verdade de semelhante tese, parece evidente que, se assim for encarada, isso faria da política
uma actividade puramente irracional relativamente à qual se poderia eventualmente dizer, com tanta ou
mais propriedade que em relação a outras actividades humanas, que é tudo uma questão de gosto
pessoal e que gostos não se discutem, tornando assim a questão de saber qual a melhor forma de
governo, como se deve governar, quem deve governar, qual a melhor forma de sociedade, ou o que é
uma sociedade justa e boa, numa questão puramente subjectiva ao gosto de cada um e cada um toma,
nunca de forma livre, consciente e racional, muito menos como resultado de um exame crítico, mas
antes determinado por causas que ignora e sobre as quais não possui qualquer poder ou controle. Não
significa isto, como é óbvio, que não possa haver aqui alguma verdade, ou que não seja esta a verdade
em boa parte dos casos. Contudo, fazer disto uma lei que não admite exceção possível equivale, como
já referimos, a abraçar uma concepção puramente irracionalista da política, vendo-a como uma espécie
de palco onde eternamente se digladiam posições antagónicas na sua luta pelo poder, cada uma delas
tão determinada e, afinal, tão irracional como a outra, sendo a escolha entre uma outra não menos
irracional, na medida em que é fruto, não de uma escolha e uma análise racionais do problema, mas
antes de mais e acima de tudo de uma lógica afectiva mais ou menos inconsciente que nos faz tender
para um lado ou para outro sem que a razão teórica ou prática tenha aí um papel decisivo no processo
deliberativo.
Acontece que se razão for radicalmente impotente para analisar, avaliar e julgar o que é melhor para a
sociedade como um todo, se a razão for apenas um instrumento passivo ao serviço de forças e causas
exteriores e estranhas a si mesma, sendo incapaz de proceder a um exame minimamente imparcial e
objectivo da coisa política e, ainda que idealmente, lhe for impossível por princípio pronunciar-se
racional e objectivamente sobre as questões políticas fundamentais, que não versam ou não devem
versar sobre como alcançar o poder, como o conservar ou como o aumentar, que é aquilo que muitos
maquiavelicamente pensam ser a essência da política, mas visam, isso sim, saber qual a melhor forma
de sociedade, qual a melhor forma de governo e como deve o Estado ser organizado e funcionar de
forma a servir bem a comunidade e as pessoas que a constituem, se a razão nada puder dizer sobre isto
que não seja de forma arbitrária, subjectiva ou politicamente condicionada por visões pré-racionais,
sejam elas de origem natureza emocional ou ideológica, mas já politicamente condicionadas ou
determinadas pela classe, pela raça, pelo género ou pela personalidade, então não só a filosofia política,
enquanto projecto de investigação e clarificação racional daqueles questões fundamentais com vista
tentar responder-lhes, se torna verdadeiramente inviável e absurda, como a própria política, enquanto
arte de governar e de tentar organizar satisfatoriamente as comunidades humanas, se torna um projecto
impossível de articular, elaborar e justificar racionalmente, ficando assim ambas reféns da
irracionalidade humana e daquilo que a visão subjectiva ou a vontade de poder de cada um, consoante
os seus interesses, paixões e preconceitos, tanto pessoais como de classe, de raça ou de sexo, assim o
determinem.
Mas não competirá precisamente à filosofia e à ciência política saber se assim é, se de facto é ou não
possível investigar e tentar responder àquelas questões, se as respostas alcançadas são verdadeiras ou
falsas, se as razões que as justificam são válidas ou inválidas, se os modelos propostos para as resolver
são racionais ou irracionais? E se assim é, então porquê partir do pressuposto dogmático de que a
filosofia é impotente para lhes responder ou sequer para as analisar de forma criticamente imparcial e
independente de uma tomada prévia de decisão ou de uma visão ideológica que a priori a condicione e
comprometa com um dos dois campos em que os políticos costumam dividir-se e confrontar-se? Já
agora, não será também da responsabilidade da filosofia, em particular da filosofia política, clarificar
conceptualmente tanto o que é a política como aquilo que distingue essencialmente as diferentes visões
da política e os projectos políticos ao nível dos seus fundamentos, como seja a própria distinção entre
esquerda e direita e aquilo que afinal as distingue no que diz respeito aos seus princípios e valores
fundamentais? Será uma questão de igualdade versus desigualdade? De igualdade versus liberdade? De
autoridade versus liberdade? De conservação versus progresso? De tradição versus modernidade ou
revolução? De solidariedade ou fraternidade versus individualismo e egoísmo? De natureza versus
cultura? De otimismo antropológico versus pessimismo antropológico? Ou será antes uma combinação,
de geometria variável e com nuances e gradação diversas, entre esses diferentes princípios e valores,
consoante se fale de formas mais radicais ou moderadas de esquerda ou de direita, as quais podem
oscilar entre o anarquismo e o comunismo, de um lado, até ao fascismo e ao nazismo, do outro, mas
cobrindo igualmente o liberarismo e o conservadorismo democráticos, assim como o socialismo
democrático não-marxista e a social-democracia? E se conceptual e analíticamente o problema já é
delicado e não se faz sem dificuldades, sendo complicado obter consenso mesmo entre os especialistas
na matéria, o que fará quando se passa do plano descritivo dos juízos de facto para o plano valorativo
ou normativo dos juízos de valor e se pretende decidir qual das formas possíveis de sociedade e/ou de
governo é a melhor por ser aquela que melhor serve as pessoas e a comunidade como um todo? Aí as
coisas complicam-se exponencialmente e torna-se ainda mais difícil conseguir transcender as pressões
exercidas por aquele plano sub-racional ou infra-racional que molda normalmente a nossa visão das
coisas, adaptando-a ou conformando-a àqueles desejos, necessidades, crenças e preconceitos que, de
dentro e de fora, nos fazem tender mais para um lado ou para outro. Mas o facto da objetividade e
racionalidade filosófico-políticas serem difíceis de atingir e possam eventualmente funcionar mais
como um ideal regulador do que como um fato empírico, à semelhança, aliás, do que sucede com todas
as outras formas de racionalidade e de objetividade, não significa que estas sejam pura e simplesmente
utopias epistêmicas verdadeiramente inalcançáveis, ainda que de forma imperfeita, parcial, relativa e
aproximada.
Aqui chegados, não será caso para perguntar o que terá afinal a política de tão especial ou de tão
excepcional, que justifique essa distinção ontológica e axiológica de ser colocada num plano à parte de
todas as outras atividades, aspectos ou dimensões da vida humana? Não se passa exatamente a mesma
coisa relativamente a todas as outras matérias que são objeto da investigação filosófica, como sejam a
moral, o conhecimento, a religião, a realidade, a ciência, a arte, a mente ou o pensamento? Ou por
acaso os filósofos quando se ocupam dos problemas relativos a essas diferentes áreas sofrem menos
influência dos seus preconceitos, crenças, opiniões e desejos do que quando se ocupam de investigar
filosoficamente a política? E a verdade é que, com exceção dos céticos, relativistas e subjetivistas,
assim como dos daqueles que padecem da doença do cientismo (ou cientificismo), não parece haver
grande controvérsia entre quem é competente para se pronunciar relativamente à possibilidade de a
filosofia ter legitimidade epistêmica para investigar racionalmente, na medida das suas capacidades e
limites, as questões morais, epistemológicas, metafísicas, teológicas, estéticas ou outras. E se assim é,
então porquê presumir sem mais que as questões filosófico-políticas, dada sua natureza específica e
distintiva, inviabilizariam qualquer investigação ou decisão racionais dignas desse nome? A menos que
se queira cair naquelas formas antes referidas de ceticismo, relativismo, subjetivismo ou cientismo, não
parece haver qualquer razão válida para acreditar que a política é diferente da religião ou da moral
quanto à possibilidade de ser filosoficamente investigada, e isto independentemente de alguma vez se
encontrar a resposta final porque verdadeira para os problemas políticos ou de os filósofos políticos
alguma vez chegarem a um consenso sobre qual das formas de sociedade, estado ou governo é melhor,
uma vez que o mesmo ocorre em relação a todas as outras questões e disciplinas filosóficas. É que não
é o fato de elas continuarem em aberto que impede os filósofos de a elas se dedicarem ou de sobre elas
alimentarem alguma dúvida cética que os paralize. Muito pelo contrário, é precisamente porque elas
continuam em aberto e ainda não se alcançou uma resposta consensual e universalmente satisfatória
que, sem qualquer margem para dúvidas razoáveis, seja aceita por todos como evidentemente
verdadeira e infalivelmente justificada, que os filósofos continuam a investigá-las e a discuti-las por
todos os meios ao seu alcance, mesmo sem quaisquer garantias absolutas de alguma vez virem a ter
sucesso na sua empresa, mas também sem que por isso desistam da sua procura sob o pretexto de este
ser inalcançável ou com a desculpa de a sua pesquisa estar, à partida e necessariamente, condicionada a
fatores que a limitam e os impedem de responder objetivamente às questões a que se propõem
responder, como sejam as questões políticas.
Significa isto que os filósofos não devem tomar posição política e que devem manter-se politicamente
neutros relativamente àqueles dois campos que costumam estruturar as ideologias e visões políticas?
De modo algum. Seja na qualidade de pessoas e cidadãos membros de uma comunidade política, seja
na qualidade de filósofos, podem e devem, se assim o entenderem e a sua consciência ou razão política
assim o ordenarem, tomar o partido que bem entenderem e julgarem que melhor defende os ideais,
princípios e valores que reputam ser aqueles que melhor servem a sociedade como um todo, incluindo
escolhendo um desses dois campos que habitualmente estruturam a política, caso considerem essa
distinção pertinente e filosoficamente justificada. O que talvez não possam ou não devam, pelo menos
na qualidade de filósofos e não de cidadãos politicamente comprometidos, é falar em nome da Filosofia
quando assim o fazem, como se esta se confundisse com a sua própria filosofia e as respostas a que eles
chegaram possuíssem valor incontestavelmente universal que só os estúpidos, ignorantes ou maldosos
seriam capaz de desconhecer ou negar. E se forem verdadeiros filósofos e forem, por conseguinte,
moral e intelectualmente honestos, talvez também não possam nem devam abraçar qualquer um dos
lados de forma dogmática, aderindo a uma ideologia cristalizada que retire qualquer razão possível ao
outro lado e faça dessa distinção entre campos políticos uma estrutura absoluta e religiosamente
maniqueísta que coloca toda a verdade, todo o bem e toda a justiça de um dos lados, enquanto nega ao
outro lado qualquer valor positivo possível, transformando assim a política num combate moral e
metafísico de morte do Bem contra o Mal, da Verdade contra a Mentira, da Justiça contra a Injustiça,
com o lado que se escolheu e aqueles que o defendem representando os bons e os eleitos, aqueles que
conhecem a verdade e querem fazer justiça, enquanto que os do campo contrário representam os maus
que desejam a injustiça, como já foi referido atrás. Nem é preciso dizer que ambos os lados da equação
política sofrem muitas vezes deste mesmo problema, pois isso é por demais óbvio para poder ser
negado, ou pelo menos para ser negado por quem tiver a honestidade intelectual e a coragem política e
filosófica para o fazer.
Portanto, em jeito de conclusão, pode dizer-se que a filosofia pode e deve investigar racionalmente a
política, não se deixando seduzir pelo canto das sereias que a querem seduzir no sentido de desistir da
sua missão cognitiva e sapiencial de procurar responder às questões políticas, da mesma forma como
faz com todas as outras questões de todas as suas outras áreas disciplinares; que também pode e deve
tentar esclarecer conceptualmente em que consiste aquela diferença entre esquerda e direita,
procurando inclusive tentar saber onde se encontram afinal a verdade, o bem e a justiça política, e se
porventura estes podem ser completamente alinhados com um desses dois lados, ou então se haverá
verdade, bem e justiça em ambos os lados, o que, em caso afirmativo, obrigará a matizar a dicotomia e
a procurar uma solução que integre o que de melhor possa haver nos dois campos; por fim, não pode
nem deve ficar refém da confusão idiota, mas infelizmente cada vez mais frequente, sobretudo entre os
mais jovens, entre a atitude e espírito crítico, que são característica essencial e perene da filosofia, e a
atitude e o espírito de ser sistematicamente contra isto ou aquilo, como se crítica fosse sinônimo de ser
contra algo, seja a Sociedade, o Sistema, o Capitalismo, o Comunismo, o Fascismo, o Neoliberalismo
ou qualquer outra entidade real ou fantasmática que dá corpo e motivação a muitos para agirem
irracionalmente, convencidos de que têm A Razão, A Verdade e a Justiça absolutas do seu lado e
concedendo-lhes licença para acreditarem que é a própria Filosofia, tomada esta no seu sentido
essencial e perene, quem a isso os autoriza e justifica. Por último, não podem nem devem os filósofos,
por muito convencidos que estejam da verdade, da bondade e da justeza das respostas que alcançaram,
bem como da validade, solidez ou cogência dos argumentos que as sustentam, confundir as suas
respostas, perspectivas ou visões políticas, com A Resposta, A Visão e A perspectiva da Filosofia, com
maíuscula, sobre esses mesmos problemas, como se a sua filosofia fosse um avatar terreno da própria
Filosofia e o filósofo o seu oráculo, revelando aos olhos dos profanos aquela Verdade que só o filósofo
iniciado nos mistérios arcanos da política soube ver e que só ele tem condições de ensinar e de partilhar
com o comum dos mortais.

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