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Território
Ester Limonad1
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GEOGRAFIA - RIO DE JANEIRO: ester_limonad@yahoo.com
em diferentes escalas que subsidie a compreensão da formação de cidades-região
descontínuas, com tecido urbano esgarçado e o crescimento dos pequenos e médios
aglomerados. Iremos, assim (i) refletir sobre as condições presentes impostas pela
reestruturação produtiva e pela globalização, de modos a analisar seus impactos sobre o
território e a organização espacial pretérita; e (ii) discutir as novas formas urbanas; com
vistas (iii) proceder a algumas considerações sobre o caráter e características atuais da
urbanização no Brasil.
I
Com o advento da III revolução industrial, da globalização e das novas tecnologias
de informação e comunicação ingressamos, indubitavelmente em uma nova etapa do
capitalismo. O corolário destas transformações tem um rebatimento em todas as esferas
da vida social, ou seja acarreta alterações não somente na esfera da reprodução do capital,
mas também, e principalmente, na esfera do trabalho e mesmo do modo de vida (o
cotidiano) das diversas classes sociais, com a reorganização, reestruturação dos espaços
de produção, trabalho e vida. A reprodução destas três esferas requer um conjunto de
condições gerais. Para satisfazer tais exigências os diferentes grupos, atores sociais,
agentes privados e institucionais entram em confronto em disputa pelo espaço social.
Configuram-se, assim, distintos movimentos de distribuição das atividades produtivas
(organização espacial da produção) e de distribuição da população (urbanização) no
território. Dadas as novas condições gerais de produção existentes na contemporaneidade,
estes movimentos tendem a gerar novas formas de organização e segmentação espacial da
produção e da população, ao mesmo tempo em que configuram novas territorialidades e
permitem novos arranjos sócio-espaciais com a emergência de novas formas urbanas e
novas regionalizações.
Prevalece hoje uma especialização funcional e uma divisão técnica do trabalho não
só dentro das fábricas, mas entre fábricas de uma mesma empresa. Isto resulta em uma
divisão territorial do trabalho e em uma especialização espacial e funcional de diferentes
setores de uma mesma empresa. Em decorrência a produção de determinados produtos
passa a ser feita em localizações únicas específicas e é direcionada para atingir amplas
faixas do mercado internacional, com a perda dos vínculos locais e regionais. Soma-se a
isso a transnacionalização das grandes empresas, que por sua vez, converte-se em mais
um fator que compromete a referida coerência territorial, uma vez que enquanto frutos da
interpenetração e cruzamento de capitais de diferentes empresas e nacionalidades deixam
de ter qualquer compromisso com seus países de origem. O que conta agora é manter a
taxa de lucro e não lealdades nacionais ou regionais.
II
As novas condições gerais de produção e as tendências de distribuição espacial da
população e das atividades produtivas contribuem para que a urbanização hoje se estenda
além do assim chamado ambiente “construído” - a cidade. Esta extensão da urbanização,
prescinde, em parte da aglomeração, ao difundir-se como um modo de vida da população,
definido a partir de sua condição de existência e sua inserção no processo produtivo, e
não apenas em uma visão limitada de difusão de uma cultura urbana, conforme
propunham os teóricos da escola de Chicago.
A nova escala da urbanização produz impactos sobre o território e o assim chamado
espaço “natural” de forma distinta do período anterior. Antes o que tínhamos era a
expansão de uma malha contínua a se espraiar e estender a partir do que conhecíamos
enquanto cidade sobre o espaço “natural”, hoje esta disseminação dá-se de forma difusa e
segmentada sem que haja necessariamente uma continuidade e contigüidade física entre
os aglomerados e emerge em diversos pontos e manchas.
Podemos observar, então, e este não é um caso isolado, mas algo relatado por
diversos autores, a emergência de:
As relações no sistema urbano não são evidentes, nem simples. Conforme caem por
terra as velhas hierarquias funcionais urbanas e os espaços de interação entre diferentes
lugares tendem a se confundir e sobrepor; emerge a questão: qual metrópole? São Paulo?
Rio de Janeiro? Ou as metrópoles sedes das multinacionais que tem aqui seus escritórios
e plantas industriais?
Não nos parece, assim, que esteja em curso uma metropolização das áreas do
interior. Parece-nos sim, que em virtude da dinâmica das lógicas apontadas trata-se mais
de dois grandes padrões, com diferenciações internas, conforme já expusemos. Um
primeiro, difuso, nas áreas mais dinâmicas, que se caracteriza pela ocupação intersticial
do espaço relacionado a uma multipolaridade, com a formação de nodalidades dispostas
estrategicamente entre diversos pólos com diferentes especializações, na medida em que
deixa de haver uma contigüidade ou concentração espacial de lugares de trabalho,
consumo e moradia. E um segundo, concentrado, nas áreas com atividades econômicas
pouco diversificadas e com baixo dinamismo, que se caracteriza pelo acúmulo e
concentração crescente de atividades e população em uma reduzida quantidade de sedes
municipais.
III
Devemos considerar que a dinâmica econômica e regional conjugada à produção de
infra-estruturas de suporte, abastecimento e logística integra a esfera de reprodução dos
meios de produção. Porém a produção (social) do espaço, de uma geografia localizada
materialmente, está relacionada historicamente à reprodução da sociedade, que abrange
os meios de produção desta sociedade, e à reprodução biológica – a reprodução do
cotidiano (LEFEBVRE, 1991:38). A novidade que o capitalismo introduz neste esquema
é a reprodução da força de trabalho. Portanto, hoje, para podermos apreender
dialeticamente a produção (social) do espaço devemos debruçar-nos de forma articulada
sobre os distintos momentos da reprodução social – o que na atual etapa de nossa
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Como já discutiram LUXEMBURGO,1972, ao apontar para a constante necessidade do capitalismo de terceiros
mercados (áreas fornecedoras de matérias primas e consumidoras de produtos manufaturados e industrializados) e
MANDEL ao assinalar que a homogeneização dos espaços de produção a um mesmo nível de desenvolvimento
resultaria no fim da própria acumulação em escala ampliada.
pesquisa implica em ampliarmos nosso objeto de reflexão e incorporarmos mais uma vez
a distribuição espacial da população e as tendências de expansão do tecido urbano.
Não se trata aqui de retomar as proposições de Louis Wirth , no entanto, apesar das
limitações das proposições da Escola de Chicago e de seu estigma culturalista não se
pode negar, com as devidas reservas metodológicas, a atualidade de Wirth, primeiro ao
desvincular o urbano do caráter quantitativo, e segundo ao perceber que o “modo de vida
urbano” estendeu-se para além dos limites das cidades, conforme a passagem a seguir:
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contaminação de mananciais, poluição atmosféricas, degradação de encostas, assoreamento de fluxos d’água,
desmatamento indiscriminado, contaminação de solos, problemas relativos à disposição de resíduos, etc...
“O grau em que o mundo contemporâneo poderá ser chamado de
‘urbano’ não é medido inteira ou precisamente pela proporção total
que habita as cidades. As influências que as cidades exercem sobre a
vida social do homem são maiores do que poderia indicar a proporção
da população urbana, pois a cidade não somente é, em graus sempre
crescentes, a moradia e o local de trabalho do homem moderno, como
é o centro iniciador e controlador da vida econômica, política e
cultural que atraiu as localidades mais remotas do mundo para dentro
de sua órbita e interligou as diversas áreas, os diversos povos e as
diversas atividades num universo...
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ao utilizarmos o termo cultura não o fazemos limitando-o a concepção de folk, e sim enquanto super-estrutura
de desenvolvimento de suas potencialidades. Pode-se dizer, ainda que a "condição de
existência" configura-se de maneira específica em cada modo de produção. Já o "quadro
de vida", por sua vez, concerne o nível de satisfação das necessidades básicas e às
possibilidades ao alcance dos indivíduos, em relação direta com a situação material dos
indivíduos, com o seu rendimento, assim é determinado a partir da "condição de existên-
cia".
Enfim cabe questionarmos, então, em que medida essa “nova ordem territorial”
que emerge em áreas específicas do território constitui um fenômeno volátil, instável e
passageiro, parte de movimentos localizados de população e de distintos grupos de
interesse, que se expressa espacialmente em táticas diversas em disputa pela apropriação
do espaço social, em particular de certas disponibilidades e benefícios locais – inclusive
daqueles oferecidos por governos locais e regionais em forma de renúncias fiscais,
terrenos baratos, infra-estruturas gratuitas etc. Ou em outras palavras: gostaríamos de
saber se essa nova ordem é uma ordem de “não-lugares”, de meros implantes e enclaves
que podem ser removidos a qualquer instante – ou se é a expressão de uma mudança mais
duradoura da formação de “novos” lugares – assim como o observamos também em
outras regiões do país e do mundo (LIMONAD & RANDOLPH 2001).
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