Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Ao que tudo indica, para esse pessoal afinado com os interesses do financismo,
ainda não foram suficientes os impressionantes estragos provocados pela
obediência cega e burra aos ditames da assim chamada “responsabilidade
fiscal”. Desde a aprovação da EC 95 em dezembro de 2016, nosso País passou a
sofrer as consequências de ter sido incluída no texto constitucional a proibição
de aumento das despesas não financeiras pelo longo período de 20 anos. O
congelamento das despesas orçamentárias em todas as rubricas – com a nada
honrosa exceção do pagamento de despesas dos juros da dívida pública –
provocou um engessamento na condução da política fiscal desde então e se
apresenta como uma bomba de efeito retardado.
Às vésperas das eleições municipais pelo Brasil afora, seria um bom momento
para os nossos parlamentares mostrarem que a responsabilidade social deve ter
prioridade sobre a obediência cega à regra da austeridade fiscal
Nossa era será lembrada pela marcha triunfante do autoritarismo e seu rastro,
em que a vasta maioria da humanidade passou por dificuldades desnecessárias e
os ecossistemas do planeta sofreram uma destruição climática que podia ter
sido evitada. Por um breve período — que o historiador britânico Eric
Hobsbawm descreveu como “o curto século 20” — as forças do establishment se
uniram para lidar com os desafios à sua autoridade. Foi uma fase rara, em que
as elites tiveram que enfrentar um leque de movimentos progressistas, todos
buscando mudar o mundo: social-democratas, comunistas, experimentos de
autogestão, movimentos de libertação nacional na África e na Ásia, os primeiros
ecologistas, radicais, etc.
E assim, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o grande confronto
político deixou de ser entre o establishment e os diversos progressismos, para se
tornar um conflito entre diferentes partes do establishment. Uma parte aparece
como os baluartes da democracia liberal; a outra, como os representantes do
movimento anti-liberal.
Também sabemos que tudo isso custará pelo menos 10% da receita global, ou
quase 10 trilhões de dólares, anualmente – uma soma que pode ser facilmente
mobilizada, desde que estejamos prontos para criar instituições para coordenar
as várias ações e redistribuir as receitas entre o Norte e o Sul globais. Para
conseguir isso, precisamos invocar o espírito do New Deal original de Franklin
Roosevelt — uma política que teve sucesso porque inspirou pessoas que haviam
perdido a esperança de que existissem maneiras de direcionar os recursos
ociosos ao serviço público.
Sendo ainda mais ambiciosos, nosso plano comum deveria incluir uma União de
Compensação Monetária Internacional, do tipo sugerido por John Maynard
Keynes durante a conferência de Bretton Woods em 1944, apresentando
restrições bem elaboradas aos movimentos de capitais. Ao reequilibrar salários,
comércio e finanças em escala global, tanto a migração involuntária quanto o
desemprego involuntário diminuirão, encerrando assim o pânico moral sobre o
direito humano de circular livremente pelo planeta.
Pré-requisito 2: Uma campanha incomum
Claro, para que isso aconteça, nossa Internacional Progressista requer uma
organização internacional ágil. O problema das organizações que são capazes de
uma coordenação global é que elas, sorrateiramente, reproduzem em si
burocracias, exclusão e jogos de poder. Como podemos evitar que o
neoliberalismo e o nacionalismo autoritário destruam o mundo sem criar nossa
própria variedade de autoritarismo? Reconheço que é mais difícil encontrar a
resposta certa para essa pergunta sendo progressistas que rejeitamos as
hierarquias, as burocracias e as invasões do paternalismo. Mas temos o dever de
encontrá-la.
Caso eu esteja certo, mesmo aqueles progressistas que ainda nutrem esperanças
de reformar ou civilizar o capitalismo devem considerar a possibilidade de
olharmos para além do capitalismo — ou, na verdade, de planejar uma
civilização pós-capitalista. O problema é que, como meu grande amigo Slavoj
Zizek apontou, a maioria das pessoas acha mais fácil imaginar o fim do mundo
do que o fim do capitalismo.
Para combater essa falha de nossa imaginação coletiva, em meu livro mais
recente, intitulado Another Now: Dispatches from an alternative
present (“Outro Agora: despachos de um presente alternativo”), tento imaginar
o que ocorreria se minha geração não tivesse perdido todos os momentos
cruciais que a história nos apresentou. E se tivéssemos aproveitado o momento
de 2008 para uma revolução pacífica de alta tecnologia, que tivesse nos levado a
uma democracia de economia pós-capitalista? Como seria?
Uma economia avançada pode funcionar sem mercados de trabalho? Claro que
sim! Considere o princípio de a cada um funcionário, uma ação e um voto.
Alterar a legislação societária de modo a transformar cada funcionário em um
sócio igual (ainda que não igualmente remunerado), através da concessão de um
voto não negociável de uma pessoa-uma ação-um voto, é tão inimaginável e
radical hoje quanto o sufrágio universal parecia ser no século 19. Se, além dessa
transformação fundamental da propriedade da empresa, os bancos centrais
proporcionassem a todos os adultos uma conta bancária gratuita, passaríamos a
ter uma economia de mercado pós-capitalista.
Essa é a última parte (de três) de uma das últimas entrevistas concedidas pelo
pensador anarquista britânico David Graeber, morto aos 59 anos no último dia
2 de setembro. O trecho abaixo pode ser lido separadamente sem grandes
perdas, mas recomendamos a leitura das outras duas partes:
I – Graeber: por que os Estados rejeitam o Público
II – Dos pilares do capitalismo, sobrou apenas a Moral
Por quê?
Mas ao menos a crise poderá abrir nossos olhos para esse fato: em última
instância, uma economia é simplesmente o jeito que tomamos conta um do
outro, que todo trabalho real é, no final das contas, um trabalho de cuidado.
Nossos hábitos de viagem terão definitivamente que mudar, e isso vai afetar
outras partes da economia.
Isso ele não disse, mas eu acrescentaria que é uma ironia que a construção civil,
junto às indústrias extrativas, tornaram-se simultaneamente a principal base de
apoio da direita populista, aquela que alega se opor a essa mesma elite
cosmopolita, em nome da identidade nacional. E é claro que é essa classe
cosmopolita, os ricos e seus aliados profissionais-gerenciais, que através desse
modo de consumo propagaram o vírus pelo mundo afora.
Esbarrei com ele algumas vezes e nos cumprimentamos, mas nunca cheguei a
conhecê-lo. O que eu lamento muito, hoje em dia. Durante muito tempo,
costumava pensar nele como uma pessoa irritante que conseguia plagiar minhas
melhores ideias antes mesmo que eu as tivesse (risos).
Me irritava muito! Eu era uma criança nos anos 60, e éramos fascinados pelo
programa espacial. Tinha sete anos quando pousamos na Lua. Todos sabíamos
de que maneira o futuro deveria ser. Fiquei muito decepcionado que o 2001 da
vida real não tinha nada a ver com o 2001 que todos vimos no filme. E o que me
incomodava era… não apenas o fato de não acontecer, mas que ninguém se
importava com o fato de não ter acontecido. Todo mundo agiu como se
estivessemos mesmo vivendo essa era incrível de maravilhas tecnológicas. Mas
não é verdade!
O engraçado foi que depois de escrever esse artigo, vieram dois tipos de
resposta. Primeiro dos fanáticos por ciência, que frequentemente apareciam
para me repreender dizendo que eu não sabia nada, ou então não ignoraria
todas as coisas incríveis que estão acontecendo, ou que estavam prestes a surgir.
Carros voadores estão prestes a surgir há quase 60 anos. O outro grupo eram os
verdadeiros cientistas, que quase invariavelmente disseram: sim, verdade! É
impossível receber verbas para pesquisas de base hoje em dia. O sistema está
configurado para garantir que não haja mais nenhuma grande inovação.
Isso tudo é bem triste. Ensinamos nossos filhos a acreditarem que as coisas
podem e vão ficar melhores. Mas depois… Nos disseram que os ideais
iluministas de progresso e avanço tecnológico foram destruídos na Primeira
Guerra Mundial. Mas depois disseram que foram desintegrados pela ascensão
do fascismo. Ou Auschwitz. Ou a bomba de Hiroshima.
Isso mesmo, e todo os outros grandes desastres tecnológicos do século XX. Mas
perceba o padrão. Se os ideais tivessem mesmo sido apagados pela Primeira
Guerra, não estariam lá para serem apagados novamente pelo fascismo. Ou pelo
ataque a Hiroshima. Ou Chernobyl. Quer dizer então que nunca foram
efetivamente apagados. Na verdade, isso sempre volta porque ainda não
encontramos outra história para ensinar aos nossos filhos.
O que vamos dizer? “Desculpa, filho. A história é uma merda, as pessoas são
horríveis, e tudo vai só piorar.” Então, quase que por culpa, ainda fingimos
acreditar em um futuro melhor.
Principalmente se você vem do contexto social errado, irá aprender que sim, é
possível ser aceito como membro da elite, mas apenas se estiver disposto a agir
como se sua maior aspiração na vida fosse ser aceito por eles — eles tendo ou
não alguma razão efetiva para estarem lá.
O que nos traz de volta a Mark Fisher. Ele dedicou muito de sua
escrita à síndrome do impostor. Vindo da classe trabalhadora,
sempre sentiu que não pertencia à academia ou a qualquer outro
grupo social. Sempre se sentiu uma fraude.
Essa foi também uma das razões pelas quais você quase inventou sua
própria disciplina acadêmica?
Sim.
Eu não fiz isso. Meu antigo mentor, Marshall Sahlins, estava começando uma
série em panfletos, e sabia que eu estava envolvido na rede de ação direta. Se
interessou pela minha visão, em pensar o anarquismo sob uma perspectiva
antropológica. Então escrevi o ensaio como um exercício hipotético, como seria
uma “antropologia anarquista”, e porque ela não existe. O problema é que
ninguém lê o livro. Só leem o título.
Sim, é algo em que tenho trabalhado por um longo tempo com o meu amigo
David Wengrow, arqueólogo na University College de Londres. Ficamos
trocando de título mas por enquanto é esse: O futuro: um prefácio de 50.000
anos.
Você quer dizer assim como Dívida: os primeiros 5.000 anos? Bom, acho que
sim. Na verdade esse prefácio é ainda maior, já que estamos tentando mostrar
que a história humana como costuma ser apresentada é apenas uma versão
secularizada da bíblia. Havia o Éden e em seguida a Queda. No começo,
estávamos todos vivendo em grupos felizes de caçadores-coletores. Era o Éden.
Depois inventamos a agricultura e tudo foi por água abaixo. Tivemos a
propriedade privada e pela primeira vez nos assentamos. E assim que criamos
cidades, temos também Estados e impérios e burocracias e extração de mais-
valia. Pelo caminho também tivemos a escrita e cultura elevada e tudo veio em
um pacote, pegar ou largar.
Sim, é bem irritante. Não é só ele, mas ele está fazendo uma versão atualizada e
moderna do que é essencialmente um Jean-Jacques Rousseau dos tempos
atuais. Ele foi provavelmente um dos maiores advogados do ideal romântico do
bom selvagem. Um ser humano puro e livre que ainda não foi estragado pela
civilização européia.
É por isso que Rousseau apelou aos seus compatriotas para voltarem
à natureza?
Concurso?
Sim, a Academia de Dijon convidou os autores para escreverem sobre
desigualdade.
A propósito, Rousseau não ganhou. Mas eu realmente gostaria de saber por que
intelectuais franceses do século XVIII assumiram que a desigualdade social
sequer tinha uma origem. Naquela época, a França era uma das sociedades mais
hierárquicas possíveis. Por que presumiram que as coisas nem sempre foram
assim?
Alguma ideia?
Eu não quero entregar o ouro, mas tem muito a ver com a crítica indígena
americana da sociedade europeia, que foi surpreendente levada a sério na
Europa. Talvez seja melhor esperar pelo livro.
Eu prefiro falar das coisas boas. Como assim? De repente, entramos em uma
zona onde a agência histórica ressurgiu. A humanidade acaba de receber o que
pode ser considerado como o maior alerta da História. Nunca aconteceu antes
nessa escala uma parcela tão grande da humanidade parar e dizer: o que
estamos fazendo?
E as más?
Bom, o outro lado disso é o próprio suicídio em massa. Nós estávamos beirando
o apocalipse, convencidos de que nada que está a nosso alcance podia ser feito.
O que me assusta é que possamos simplesmente dizer: ufa, graças a deus isso
acabou, agora vamos voltar para nossas vidas antigas.
Nós vimos que o mundo não vai acabar se viajarmos menos, consumirmos
menos, produzirmos menos. O mundo vai mesmo acabar, bem, da forma como
o conhecemos agora, se nós não pararmos de fazer essas coisas. Como podemos
convencer uma população moralista que a coisa mais importante a fazer agora é
trabalhar menos? Se não pararmos, em breve estaremos encarando uma escolha
entre desastres que fazem a pandemia parecer com um passeio no parque, e
algum tipo de solução sci-fi que poderia dar terrivelmente errado.
Quão errado?
Bem, digamos que há apenas uma coisa mais assustadora do que um fascista
que nega o aquecimento global: um fascista que não nega o aquecimento global.
Só deus sabe quais tipos de solução uma pessoa como essa pode inventar.
Alguns anos atrás, estava falando com Bruno Latour e ele me disse que estava
muito preocupado que chegássemos a esse ponto, pois as únicas instituições
grandes o suficiente para reagir na escala que o problema requer são os
exércitos americano e o chinês. Com sorte, estarão operando juntos e não um
contra o outro. Outro dia, estava falando com Steve Keen e ele acha que
provavelmente vai ser a última opção, porque se as coisas esquentarem muito,
grandes partes do extremo oriente se tornarão inabitáveis. Esperamos mesmo
que a China vai apenas sentar e observar? Irão evacuar em silêncio suas
províncias no Sul porque os americanos não querem recuar no carvão? No
entanto, se começarem a mudar a composição da atmosfera, podem acabar
colocando a Europa e a América do Norte de volta à era glacial. Quem sabe?
Acho que a coisa mais sábia que li a respeito foi de um físico que aponta para o
fato que nosso verdadeiro problema é não reconhecermos que nós mesmos
somos parte da natureza. Sim, claro, as mudanças climáticas são causadas pela
idiotice humana. Aqueles que dizem que é um fenômeno natural estão apenas
negando a realidade. Tudo isso é verdade. Mas já aconteceu no passado
distante, antes dos humanos sugerirem, de a temperatura da terra flutuar para
cima e para baixo em muitos graus. Se sobrevivermos por tempo o suficiente,
talvez por cem mil anos, e isso começar a acontecer, bem, teremos que fazer algo
a respeito, não é mesmo?
Contrariando o senso comum que existe sobre fundamentos fiscais, a atual crise
da dívida na periferia global demonstra que a solvência dos Estados soberanos é
determinada por seu poder monetário. De forma crucial, a liquidez tem um
caráter cíclico na periferia do capitalismo global e um caráter anticíclico no
centro.
Desde janeiro até abril deste ano, o capital privado parou de fluir para as
economias em desenvolvimento e emergentes (EDEs). Enquanto isso, as saídas
de recursos alcançaram 96 bilhões de dólares, os níveis mais altos da história, à
medida em que os investidores estrangeiros procuravam livrar-se do risco
retirando seu dinheiro desses mercados. Ao mesmo tempo, a eclosão da
pandemia levou a uma queda no comércio global, no investimento estrangeiro
direto, nos preços das commodities e no turismo. A queda acentuada, que se
espera para este ano, nas receitas de exportação significa que uma parte
crescente das receitas na periferia global será gasta no serviço da dívida
denominada em moeda das economias centrais.
A situação atual da periferia global pode ser descrita como uma crise de liquidez
sistêmica que, rapidamente, está se transformando em uma crise de solvência.
Neste contexto, as opções de política são limitadas. Os países podem fazer um
sacrifício suplementar, desviando recursos para o serviço da dívida, apesar de
suas economias exigirem maiores gastos fiscais para lidar com a emergência de
saúde e a queda econômica. Alternativamente, aqueles que mantêm o seu acesso
ao mercado podem perder o controle no caminho, ao recorrerem a empréstimos
adicionais. Isso pode parecer mais fácil devido às taxas de juros próximas de
zero nas economias desenvolvidas (que estão levando alguns investidores a
acumular ativos de risco na periferia em busca de rendimento); porém, mais
cedo ou mais tarde isso pode resultar em uma crise de dívida ainda mais severa.
Em último caso, os Estados podem recorrer ao credor de última instância da
periferia global: o FMI. Não é surpresa, portanto, que 100 dos 189 membros do
Fundo, metade dos quais são países de baixa renda, já o tenham procurado para
obter auxílio de liquidez de emergência. Previsivelmente, dezenas deles estão
em risco ou já anunciaram inadimplências e reestruturações soberanas. Nos
próximos meses, é provável que mais países enfrentem dificuldades financeiras.
Em 2009, o FMI emitiu 204 bilhões de DES, no valor de 318 bilhões de dólares,
para mitigar os efeitos da crise financeira global. De acordo com a maioria das
estimativas, a crise atual exige pelo menos 500 bilhões de dólares em novos
DES, o que daria alguma flexibilidade aos Estados que já solicitaram
empréstimos e doações do FMI, bem como àqueles que atualmente não se
qualificam para empréstimos, como o caso da Argentina. A criação de DES
introduziria rapidamente liquidez internacional indiscriminada no mercado
global, permitindo às economias em desenvolvimento e emergentes
implementar políticas fiscais anticíclicas e lutar contra a pandemia e a recessão
econômica que se aproxima.
Essas iniciativas buscam permitir que, neste ano, os países de baixa renda
realoquem os recursos que, de outra forma, gastariam no serviço oficial ou
multilateral da dívida, para combater a pandemia. No entanto, ambas
alternativas têm limitações consideráveis. Em primeiro lugar, ao focar no
serviço da dívida, excluem o estoque da dívida. Em segundo lugar, eles contam
com a vontade política dos contribuintes para financiar os subsídios dos
orçamentos de ajuda existentes, reduzindo assim a disponibilidade de recursos
concessionais para outras necessidades. Em terceiro lugar, não conseguem
fornecer alívio da dívida suficiente aos países elegíveis, excluindo a dívida
privada.
De todo modo, é provável que a DSSI só adie a crise de insolvência soberana dos
Estados elegíveis, em vez de resolvê-la. Todos os pagamentos a credores oficiais
congelados pelo G20 vencem entre 2022 e 2024, juntamente com os juros
acumulados. Nesse ínterim, sem o envolvimento do setor privado, a paralisação
do G20 e o financiamento multilateral podem desviar recursos necessários à
recuperação para o pagamento da dívida privada.
O FMI atuou como coordenador dos credores durante a crise, liderando comitês
junto com o governo dos Estados Unidos e com os maiores credores comerciais
de cada país. O Fundo liderou uma variedade de programas em Estados
devedores, os quais consistiam, principalmente, em severas medidas de
“austeridade” e programas de ajuste estrutural, incluindo a privatização de
ativos públicos nacionais para empresas estrangeiras. O alívio da dívida só viria
anos mais tarde com o Plano Brady, por meio do qual os países podiam trocar
seus empréstimos de bancos comerciais por um valor de face menor em títulos
lastreados do Tesouro dos EUA. No entanto, o impacto das políticas adotadas
no enfrentamento à crise foi tão forte sobre a capacidade produtiva, o emprego e
as condições sociais dos países em questão, que a Comissão Econômica das
Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL) caracterizou os anos
seguintes como uma “década perdida” no desenvolvimento econômico e social
dos mesmos.
MAIS:
Este texto é a primeira parte do terceiro capítulo de:
> O Capitalismo se desloca, livro mais recente do autor
(Edições SESC).
> A obra está sendo publicada em partes, por Outras Palavras. Acesse o
Capítulo 1 e o 2 [primeira parte |segunda parte]
> Uma breve apresentação e uma entrevista com Ladislau Dowbor a respeito da
obra podem ser acessados aqui.
A GOVERNANÇA PLANETÁRIA
De 2012 para 2013, o governo Dilma tentou reduzir os juros usurários que
estavam estrangulando a economia em proveito do rentismo financeiro. O seu
governo não durou. A partir de meados de 2013, teve início uma guerra política,
midiática e jurídica. A classe média alta, com suas aplicações e seu rentismo
fácil, não perdoou. O governo que resultou do golpe colocou dois bancos
privados no controle dos recursos públicos; a desorganização econômica e
política abriu caminho para oportunismos de extrema direita. Essa não é uma
particularidade nossa. O governo estadunidense desembolsou trilhões de
dólares para seus grandes bancos, a União Europeia desembolsou trilhões de
euros. Ambos continuaram alimentando rentistas com a chamada flexibilização
quantitativa (quantitative easing). Quem tentou escapar da armadilha
financeira, como a Grécia, viu-se alvo de uma concentrada ofensiva. Em
fevereiro de 2018, Trump deu um gigantesco presente ao mundo das
corporações, ao reduzir os impostos de 35% para 20%. E isso enquanto os
Estados Unidos estão afundando na desigualdade. São imagens recentes que
apenas ilustram a transformação profunda que vivemos.
A visão geral de Streeck é que não se trata do fim do capitalismo, e sim do fim
do capitalismo democrático. Podemos naturalmente resolver o nosso problema
de caracterização do animal que surge acrescentando qualificativos, como
capitalismo global, capitalismo autoritário ou capitalismo financeiro. Podemos
ainda qualificá-lo pela etapa, referindo-nos à Terceira ou à Quarta Revolução
Industrial. Também é possível pensar na mudança que significa a expansão dos
fatores informacionais de produção. Igualmente essencial é a mudança da forma
de apropriação do excedente social – no caso, com o rentismo financeiro
adquirindo mais peso do que o lucro sobre a produção. Mas o essencial do que
buscamos é a lógica sistêmica que resulta das várias mudanças. A questão que se
coloca é se a categoria capitalismoainda é a mais adequada para o conjunto. O
capitalismo sempre foi explorador, mas tinha a conotação positiva de vetor de
acumulação produtiva. Hoje, essas dimensões estão dissociadas.
A APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO
As pessoas em geral não se dão conta das limitações. Hoje, 95% do milho
plantado nos Estados Unidos é de uma única variedade, com desaparecimento
da diversidade genética, e as ameaças para o futuro são imensas. Teremos livre
acesso aos livros de Paulo Freire apenas a partir de 2067, setenta anos depois da
morte do autor . O livre acesso às composições de Heitor Villa-Lobos será
7
Alperovitz e Daly não são nada extremistas, mas defendem que o acesso aos
resultados dos esforços produtivos deva ser minimamente proporcional aos
aportes. “A fonte de longe mais importante da prosperidade moderna é a
riqueza social sob forma de conhecimento acumulado e de tecnologia herdada”,
o que significa que “uma porção substantiva da presente riqueza e renda deveria
ser realocada para todos os membros da sociedade de forma igualitária, ou, no
mínimo, no sentido de promover maior igualdade” . Um Bill Gates, se não fosse
8
6Ibidem, p.97.
8Ibidem, p. 153
A diferença em relação ao liberalismo clássico dado por autores como von Mises
e Hayek consiste em ver a concorrência no mercado como um verdadeiro
processo de descoberta da informação, trata-se de uma certa atitude do sujeito
que supera os outros na busca por novidades e lucros o tempo todo. O mercado
é concebido, portanto, como necessário para a formação do sujeito econômico,
essa é a novidade subjetiva presente nesses autores e o que vai moldar o
conceito de empreendedorismo disseminado atualmente. Um dos principais
divulgadores desse conceito que faz sucesso atualmente (contra o conceito
schumpeteriano) e discípulo direto de von Mises é Israel Kirzner, que,
entendendo o mercado não como lugar de troca, mas sim como espaço de
formação dos sujeitos, afirma: “todo ator social é sempre empreendedor”. Dessa
forma, o empreendedorismo se configura uma ética, forma de pensar e agir, de
ser, uma forma de colocar-se no mundo.
O interesse pelos escritos de von Mises, Hayek e seus discípulos (como Kirzner)
se justifica atualmente pela estratégia de desinformação e fake news
disseminada por uma extrema direita com valores cada mais medievais, que
consiste basicamente na ideia de que tudo que é estatal seria sinônimo de
comunismo, ditadura, corrupção e desvios éticos que não “existiriam” na
completa – e irrestrita – liberdade de mercado na desejada “democracia do
consumidor”. Essa dimensão do discurso neoliberal tem os grandes veículos de
comunicação como agentes que desempenham papel fundamental de
convencimento das consciências[vi] de que esse é o único horizonte possível, não
há alternativas. Essa ação está presente, também, nos programas desenvolvidos
por APHE’s (aparelhos privados de hegemonia empresariais) [vii] e suas propostas
de políticas ao se relacionar diretamente com o Estado visando sua
reestruturação empresarial.
Referências
LUKÁCS, G. O ideal e a ideologia. In: Para uma ontologia do ser social II. São
Paulo: Boitempo, 2012.
[i]Fonte: IBGE
[vi] https://www1.folha.uol.com.br/mpme/2020/08/brasil-ganha-600-mil-
microempreendedores-durante-aquarentena
com o povo
“As agências da direita hoje estão mais coladas no território do que a
esquerda”, explicou o jornalista à TV 247, utilizando como exemplo
as igrejas evangélicas, “agências do voto da direita”, com forte
presença no cotidiano do povo. “Existe um diretório do PT, do PSOL,
do PCdoB em cada bairro ao lado de cada igreja?”, questionou
9 de outubro de 2020, 17:12 h Atualizado em 9 de outubro de 2020, 17:48
...
17 April 2020
•
Reading time 9 - 12 minutes
•
Remind me later
The health of our domestic economies and the planet is tied to market forces
that are largely invisible and little understood. As Covid-19 shakes the
foundations of the world economy, rather than hope to restore it, let’s work to
replace it.
The global financial system is collapsing.
Here’s a three-step plan to take back
control
Political economist
ANN PETTIFOR
Neil M Smith, financial secretary of the British Virgin Islands, photographed in his office in
Road Town, Tortola. BVI is one of the world’s most important offshore financial service
centres and the world leader for incorporating companies. There are more than 800,000
companies based in BVI but only 28,000 inhabitants. All photographs in this article are
from the series The Heavens by Paolo Woods and Gabriele Galimberti, and were taken
between 2012 and 2015.
Iwas born and grew up in a dusty, sparsely populated gold mining town on the
bare and vast "veld" of the Orange Free State, South Africa. As a child, my
town’s dependence on the extraction of gold at a price fixed in Washington
opened my eyes to the existence of an international financial system.
Most puzzling to me was why the price of gold, set at $35 an ounce by
President Roosevelt in 1934, had not changed at all by the early 1970s. Why,
when prices for everything else in our town had moved since then, had the
price of a precious, scarce asset remained so low – especially since its
extraction from some of the deepest mine shafts in the world proved so
dangerous to the low-paid black and white miners who dynamited it out of
rock?
My father, who had left school early to go to war, struggled to explain these
concepts to me but that interest – in what I would later learn was the global
financial system within which domestic economies are embedded – never left
me. Especially since the stability of the Bretton Woods era of my childhood
was long ago dismantled by Wall Street bankers and their friends in the White
House.
Read this story in one minute
The Cayman Islands are the fifth-largest financial centre in the world, with
twice as many companies as there are citizens. Many of these companies have
a post office box but no physical premises.
A trader at the Hong Kong Stock Exchange – the sixth-largest in the world
and the second in Asia in terms of value of shares traded.
Under Jersey’s “high value residency scheme” individuals who earn at least
$1million a year are actively encouraged to relocate to the island. They are
automatically given residential status so that they can immediately benefit
from the Island’s very low tax regime.
Where do progressives stand on globalisation? Are Green and Social
Democrat politicians as stunned and confused by this crisis as they were
after the collapse of Lehman Brothers in 2008? Read more about the causes and
impacts of the collapse of one of the world’s biggest investment banks here. Are they once
again willing to restore, bailout and preserve the globalised financial system –
or do they agree with the economist Dani Rodrik that nation-states,
democratic politics and deep international economic integration are mutually
incompatible? If the latter, do those loosely defined as "the left" and as
"greens" have a vision for a new global order that is radically different?
The evidence from recent left-wing election campaigns in Britain and the US
is disappointing. Both the Jeremy Corbyn-led general election campaign and
the Bernie Sanders-led presidential campaign appeared blind to the impact of
the international financial system on their own policies and on the lives of
their voters. Odd, given that their anti-globalisation electorates loathe the
current system.
Both Corbyn and Sanders offered sound analysis, deep compassion and
sincere solidarity to the victims of globalisation and climate breakdown. But
they focused on domestic issues – health systems, affordable housing,
nationalisation of the railways, kindness to the poor and homeless – and
ignored the globalised financial infrastructure that makes reform of these
sectors virtually impossible.
It is this very idea of self-sufficiency in steady state economies that I argue for
in my book, The Case for the Green New Deal, coupled with greater
international coordination and cooperation which remain necessary to prevent
the breakdown of the earth’s and humanity’s life support systems.
A man floats in the swimming pool on the 57th floor of the Marina Bay Sands
Hotel. The skyline of “Central,” the Singapore financial district, is behind
him.
In broad terms the Green New Deal (GND) demands that we address first the
global; second the differential impact of both historic and current climate
change on different nations; and third, that we recognise the vital role of the
state. It means wealth transfers to poor countries suffering the consequences
of centuries of industrialisation in rich countries, and self-sufficiency in the
provision of human needs, goods and services for their citizens.
Andreas Ugland and family are depicted in a large oil painting that hangs in
the Cayman Motor Museum. The billionaire Ugland was born in Norway and
acquired Caymanian citizenship in the 1990s. He is chairman of Ugland
International Holdings. At the centre of the painting is Ugland House, a
building where more than 19,000 companies are registered. It has become
such a symbol of tax avoidance that President Obama has stated that “either
this is the largest building in the world or the biggest tax scam on record”.
Our states cannot afford to borrow to stabilise the economy if they do not
simultaneously generate sufficient revenues through taxation to repay what was
borrowed
To be clear, I am not arguing that we need tax revenues to pay for the
necessary investment. Simply that to keep a nation’s monetary system in
balance, we need ultimately to raise tax revenues to repay the initial finance –
and not remain locked into a trillion-dollar government debt market.
While this may seem self-evident, we cannot generate sufficient tax revenues
in a world where money crosses borders more easily than people fleeing
conflict. A world which enables Big Pharma and Silicon Valley companies to
dodge taxes and lodge profits in tax havens. And we cannot fix health systems
– or prevent climate collapse – if globalised corporations outcompete local
producers and manufacturers because the latter enjoy the massive tax breaks.
Gar Alperovitz and Lew Daly – Apropriação Indébita: como os ricos estão
tomando a nossa herança comum – Editora Senac, São Paulo 2010, 242p.
Ladislau Dowbor > Dicas de Leitura > Gar Alperovitz and Lew Daly – Apropriação Indébita: como
os ricos estão tomando a nossa herança comum – Editora Senac, São Paulo 2010, 242p.
NOV 2010
comente | Postado em Dicas de Leitura
A concentração de renda e a destruição ambiental constinuam sendo os nosso
grandes desafios. São facetas diferentes da mesma dinâmica: na prática,
estamos destruindo o planeta para a satisfação consumista de uma minoria, e
deixando de atender os problemas realmente centrais. Como explicar que, com
tantas tecnologias, produtividade e modernidade, estejamos reproduzindo o
atraso? Em particular, como a sociedade do conhecimento pode se transformar
em vetor de desigualdade?
O prêmio Nobel Kenneth Arrow considera que os autores de “Apropriação
indébita: como os ricos etão tomando a nossa herança comum”, Gar Alperovitz
e Lew Daly, “se baseiam em fontes impecáveis e as usam com maestria. Todo
mundo irá aprender ao ler este livro”. Eu, que não sou nenhum prêmio Nobel,
venho aqui contribuir com a minha modesta recomendação, transformando o
meu prefácio em instrumento de divulgação. Mania de professor, querer
comunicar o entusiasmo de boas leituras. E recomendação a não economistas:
os autores deste livro têm suficiente inteligência para não precisar se esconder
atrás de equações. A leitura flui.
A quem vai o fruto do nosso trabalho, e em que proporções? É a eterna
questão do controle dos nossos processos produtivos. Na era da economia
rural, os ricos se apropriavam do fruto do trabalho social, por serem donos da
terra. Na era industrial, por serem donos da fábrica. E na era da economia do
conhecimento, a propriedade intelectual se apresenta como a grande avenida
de acesso a uma posição privilegiada na sociedade. Mas para isso, é preciso
restringir o acesso generalizado ao conhecimento, pois se todos tiverem
acesso, como se cobrará o pedágio, como se assegurará a vantagem de
minorias?
Um argumento chave desta discussão, é naturalmente a legitimidade da posse.
De quem é a terra, que permitia as fortunas e o lazer agradável dos senhores
feudais? Apropriação na base da força, sem dúvida, legitimada em seguida por
uma estrutura de heranças familiares. Uma vez aceito, o sistema funciona, pois
na parte de cima da sociedade forma-se uma aliança natural ditada por
interesses comuns.
Na fase industrial, um empresário pega um empréstimo no banco – e para isso
ele já deve pertencer a um grupo social privilegiado – e monta uma empresa.
Da venda dos produtos, e pagando baixos salários, tanto auferirá lucros
pessoal como restituirá o empréstimo ao banco. De onde o banco tirou o
dinheiro? Da poupança social, sob forma de depósitos, poupança esta que será
transformada na fábrica do empresário. Aqui também, vale a solidariedade dos
proprietários de meios de produção, e o resultado de um esforço que é social
será em boa parte apropriado por uma minoria.
Mudam os sistemas, evoluem as tecnologias, mas não muda o esquema. Na
fase atual, da economia do conhecimento, coloca-se o espinhoso problema da
legitimidade da posse do conhecimento. A mudança é radical, relativamente
aos sistemas anteriores: a terra pertence a um ou a outro, as máquinas têm
proprietário, são bens “rivais”. No caso do conhecimento, trata-se de um bem
cujo consumo não reduz o estoque. Se transmitimos o conhecimento a alguém,
continuamos com ele, não perdemos nada, e como o conhecimento transmitido
gera novos conhecimentos, todos ganham. A tendência para a livre circulação
do conhecimento para o bem de todos torna-se portanto poderosa.
A apropriação privada de um produto social deve ser justificada. O aporte
principal de Alperovitz e de Daly, neste pequeno estudo, é de deixar claro o
mecanismo de uma apropriação injusta – Unjust Deserts – que poderíamos
explicitar com a expressão mais corrente de apropriação indébita. Ao tornar
transparentes estes mecanismos, os autores na realidade estão elaborando
uma teoria do valor da economia do conhecimento. A força explicativa do que
acontece na sociedade moderna, com isto, torna-se poderosa.
Para dar um exemplo trazido pelo autor, quando a Monsanto adquire controle
exclusivo sobre determinada semente, como se a inovação tecnológica fosse
um aporte apenas dela, esquece o processo que sustentou estes avanços. “O
que eles nunca levam em consideração, é o imenso investimento coletivo que
carregou a ciência genética dos seus primeiros passos até o momento em que
a empresa toma a sua decisão. Todo o conhecimento biológico, estatístico e de
outras áreas sem o qual nenhuma das sementes altamente produtivas e
resistentes a denças poderia ter sido desenvolvida – todas as publicações,
pesquisas, educação, treinamento e ferramentas técnicas relacionadas sem os
quais a aprendizagem e o conhecimento não poderiam ter sido comunicados e
fomentados em cada estágio particular de desenvolvimento, e então passados
adiante e incorporados, também, por uma força de trabalho de técnicos e
cientistas – tudo isto chega à empresa sem custo, um presente do passado”
(55) Ao apropriar-se do direito sobre o produto final, e ao travar
desenvolvimentos paralelos, a empresa canaliza para si gigantescos lucros da
totalidade do esforço social, que ela não teve de financiar. Trata-se de um
pedágio sobre o esforço dos outros. Unjust Deserts.
Se não é legítimo, pelo menos funciona? A compreensão do caráter particular
do conhecimento como fator de produção já é antiga. Uma jóia a este respeito
é um texto 1813 de Thomas Jefferson: “Se há uma coisa que a natureza fez
que é menos suscetível que todas as outras de propriedade exclusiva, esta
coisa é a ação do poder de pensamento que chamamos de idéia….Que as
idéias devam se expandir livremente de uma pessoa para outra, por todo o
globo, para a instrução moral e mútua do homem, e o avanço de sua condição,
parece ter sido particularmente e benevolmente desenhado pela natureza,
quando ela as tornou, como o fogo, passíveis de expansão por todo o espaço,
sem reduzir a sua densidade em nenhum ponto, e como o ar no qual
respiramos, nos movemos e existimos fisicamente, incapazes de confinamento,
ou de apropriação exclusiva. Invenções não podem, por natureza, ser objeto de
propriedade.”
O conhecimento não constitui uma propriedad no mesmo sentido que a de um
bem físico. A caneta é minha, faço dela o que quiser. O conhecimento, na
medida em que resulta de um esforço social muito amplo, e constitui um bem
não rival, obedece a outra lógica, e por isto não é assegurado em permanência,
e sim por vinte anos, por exemplo, no caso das patentes, ou quase um século
no caso dos copyrights, mas sempre por tempo limitado: a propriedade é
assegurada por sua função social – estimular as pessoas a inventarem ou a
escreverem – e não por ser um direito natural.
O merecimento é para todos nós um argumento central. Segundo as palavras
dos autores, “nada é mais profunamente ancorado em pessoas comuns do que
a idéia de que uma pessoa tem direito ao que criou ou ao que os seus esforços
produziram”.(96) Mas na realidade, não são propriamente os criadores que são
remunerados, e sim os intermediários jurídicos, financeiros e de comunicação
comercial que se apropriam do resultado da criatividade, trancando-o em
contratos de exclusividade, e fazem fortunas de merecimento duvidoso. Não é
a criatividade que é remunerada, e sim a apropriação dos resultados: “Se muito
do que temos nos chegou como um presente gratuito de muitas gerações de
contribuiçoes históricas, há uma questão profunda relativamente a quanto uma
pessoa possa dizer que “ganhou merecidamente” no processo, agora ou no
futuro.”(97)
As pessoas em geral não se dão conta das limitações. Hoje 95% do milho
plantado nos EUA é de uma única variedade, com desaparecimento da
diversidade genética, e as ameaças para o futuro são imensas. Teremos livre
acesso às obras de Paulo Freire apenas a partir de 2050, 90 anos depois da
morte do autor. O livre acesso às composições de Heitor Villalobos será a partir
de 2034. Isto está ajudando a criatividade de quem? Patentes de 20 anos há
meio século atrás podiam parecer razoáveis, mas com o ritmo de inovação
atual, que sentido fazem? Já são 25 milhões de pessoas que morreram de
Aids, e as empresas farmacêuticas (o Big Pharma) proibem os países afetados
de produzir o coquetel, são donas de intermináveis patentes. Ou seja, há um
imenso enriquecimento no topo da pirâmide, baseado não no que estas
pessoas aportaram, mas no fato de se apropriarem de um acúmulo
historicamente construído durante sucessivas gerações.
Nesta era em que a concentração planetária da riqueza social em poucas mãos
está se tornando nsustentável, entender o mecanismo de geração e de
apropriação desta riqueza é fundamental. Os autores não são nada
extermistas, mas defendem que o acesso aos resultados dos esforços
produtivos devam ser minimamente proporcionais aos aportes. “A fonte de
longe a mais importante da prosperidade moderna é a riqueza social sob forma
de conhecimento acumulado e de tecnologia herdada”, o que significa que
“uma porção substatntiva da presente riqueza e renda deveria ser realocada
para todos os membros da sociedade de forma igualitária, ou no mínimo, no
sentido de promover maior igualdade”.(153)
Um livro curto, muito bem escrito, e sobretudo uma preciosidade teórica,
explicitando de maneira clara a deformação generalizada do mecanismo de
remuneração, ou de recompensas, que o nosso sistema econômico gerou.
Trata-se aqui de um dos melhores livros de economia que já passaram por
minhas mãos. Bem documentado mas sempre claro na exposição, fortemente
apoiado em termos teóricos, na realidade o livro abre a porta para o que
podemos qualificar de teoria do valor, mas não da produção industrial, e sim da
economia do conhecimento, o que Daniel Bell qualificou de “knowledge theory
of value”. A Editora Senac tomou uma excelente iniciativa ao traduzir e publicar
este livro. Vale a pena. (www.editorasenacsp.com.br )
Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da PUC-SP, é autor
de Democracia Econômica e de Da propriedade Intelectual à Sociedade do
Conhecimento, disponíveis em https://dowbor.org
Leia mais
IF THE conservative era now collapsing around us had a reigning idea, it was
best expressed by Margaret Thatcher when she declared with Bourbonesque
flair that “there is no such thing as society.” In their new book Unjust Deserts:
How the Rich are Taking our Common Inheritance and Why We Should Take it
Back, Gar Alperovitz and Lew Daly turn Thatcher’s premise on its head and with
it the whole individualistic worldview that ruled our politics for the last three
decades. They focus on the role of knowledge in economic growth, arguing that
expanding knowledge is a collective source of wealth and, as such, demands a
significant social return in the direction of greater equality.
Lew Daly: Obama used the phrase “spread the wealth around” when Joe the
Plumber asked about his tax plan late in the 2008 presidential campaign, and,
of course, the McCain team seized on this “socialist” idea and made it their
central critical theme in the final days before the election. As in Father
Coughlin’s time and Barry Goldwater’s, Joe the Plumber’s charges of
“socialism” didn’t carry much weight at the polls. But I actually think this
particular plot twist at the end was the most interesting political moment of the
entire presidential campaign, because it foreshadows what the Obama years
will be about. For the last two decades, the Republican Party ignored
distribution while the Democrats changed the subject from distribution to
growth, from “dividing the pie” to “enlarging the pie.”
It was arguably the Democrats who worked the hardest to sell middle America
on this “win-win” idea of putting growth before equality, and both parties hooked
us in by loosening credit and creating “wealthy feelings” with two major asset
bubbles. Well, that’s over now, and the politicians no longer have the luxury of
avoiding the real problems of declining household earning power and growing
inequality. But what Obama should have done more clearly on the campaign
trail, to start this debate off on the right foot, was fire back a very simple point,
easily illustrated: he’s not trying to “spread the wealth around” so much as put a
stop to the massive redistribution that’s already going on in America from the
middle to the top.
Gar Alperovitz: The economic facts plainly show this. In the decades after the
Second World War, productivity and wages rose together, almost on a one-to-
one basis. Beginning in the 1980s, productivity and wages began to diverge, a
divergence that sharpened to record levels under George W. Bush. Since 2000,
productivity has increased about 20 percent, but the median hourly wage went
up only 3 percent. So the question is: Where is the wealth that used to go to
wage-earners going today? Scott Lilly of the Center for American Progress
gives us a snapshot of where it’s going by looking at the Bush “recovery” of
2002-2006. Although this was a particularly extreme period, the relative
magnitudes are roughly in line with trends emerging over the last thirty years.
Household income increased a total of $863 billion over the period. $626 billion
of the total gain went to the top 1 percent of households. The bottom 90 percent
got only $41 billion, less than 5 percent of the total gain. Unless Joe the
Plumber thinks 90 percent of the people create only 5 percent of the output—
this can only be described as upward redistribution. Or as Theodore Roosevelt
put it, taking from those “who earn more than they possess” and giving to those
“who possess more than they earn.”
JL: You quote Warren Buffett posing this question: “How much money would I
have if I were born in Bangladesh, or born here in 1700”? What’s his point? Isn’t
it obvious?
LD: Yes, it is obvious. The problem is we don’t take it seriously. He’s saying—in
fact, these are also his words—that “society is responsible for a very significant
percentage of what I’ve earned.”
GA: But Buffett’s deeper point is that his wealth is not strictly a product of his
unique talents or effort. For all his gifts, he’s telling us that his billions are largely
an accident of when and where he was born—that if he were the same person
he is today (with the same amount of effort and intelligence) but was born in a
poor country or transported back to early America, he would not have the
wealth he has today or even a tiny fraction of it. So why then should we think of
the wealth he “owns” as entirely, or even largely, his and, therefore, as being
immune from other kinds of claims such as social need?
JL: So you’re making a new argument for the old idea of sharing the wealth?
LD: In the first place, we’re talking about where wealth comes from, and who
really “owns” it in the first place. But the time horizon has to be larger. We’re
also talking about what the living owe the dead, about how society has
preserved the advances created by previous generations, and what this
cumulative “inheritance” of human learning, if you will, contributes to our current
economic activities and well-being. Now, to understand the impact of this
inheritance, we need to grasp some basic facts about economic growth and
how we accumulated our wealth. We need to know what the growth record has
been and how our growth has changed in the modern era.
GA: Yes, but the recipe—the balance of ingredients—is very different from what
it used to be. After the Second World War, economists began to formally study
economic growth, and a method known as growth accounting was developed to
measure the sources of growth—the idea being that if we understand the “how”
of economic growth, where it’s coming from, then we can develop better policies
to improve the economy and raise living standards. The pioneer in this work
was MIT economist Robert Solow, who, in a brief but now-famous paper
published in 1957, made a startling discovery (he later won a Nobel Prize for
this work). In contrast with the then-dominant assumption that increases in the
supply of capital (factories, machines, etc.) were the main engine of economic
growth, Solow found that less than 13 percent of growth in the first half of the
twentieth century could be attributed to capital accumulation or increases in
labor supply (in fact, labor supply per person had been diminishing as the forty-
hour week became the norm).
Most of the growth, that is, was not coming from the conventional inputs of labor
and capital, what workers and employers supply. The nearly 88 percent of
growth that remained unaccounted for—which became known as the Solow
Residual—could only be attributed, Solow concluded, to something broader and
deeper than the everyday economic activity embodied in labor effort and capital
accumulation. Solow defined this as “technical progress in the broadest sense,”
or, in other words, the cumulative knowledge and technological capacity of our
society. This did not make any sense in terms of our traditional individualistic
way of thinking about economic activity or economic rewards.
GA: Maybe not. An engineer working today might have the same human capital
as an engineer working 100 years ago. Yet, as the Stanford economist Paul
Romer points out, the contemporary engineer is typically far more productive.
The reason is self-evident: “He or she can take advantage of all the additional
knowledge accumulated as design problems were solved during the last 100
years.” The value is in the knowledge, not the individual.
JL: OK, but just because single individuals aren’t the engines of progress that
doesn’t mean everyone plays an equal part. Isn’t innovation still limited to fairly
small circles of people who have a certain kind of special claim on the rewards?
So, take away Gates, and we still have the personal computing revolution, but
take away the knowledge Gates and others built upon in developing effective
computer software, from earlier computer languages such as Fortran and Basic
(most of which were developed with government support, by the way) all the
way back to basic arithmetic, and not only would we have no computers of any
kind, we’d still be counting on our fingers or moving pebbles around just to have
any grasp at all of the important data in our lives, like too many days without
rain. When the very wealthy, like Gates, are reflexively defended in the press
and in public life generally, it’s often on the assumption that they made a unique
contribution and in doing so greatly helped society in a way that no one else
could have. But the facts demonstrate that this isn’t true.
JL: We haven’t used the word “incentive.” Justice aside, don’t we need a high
degree of inequality to keep our inventors and entrepreneurs properly
motivated?
But our main focus is on the broader problem of inequality, not on undeserved
fortunes per se. The problem we see is a society whose wealth is commonly
created, by and large, but very unequally distributed and enjoyed. The largely
collective way we produce our wealth is morally out of sync with the
individualistic way we distribute the wealth and also justify the resulting vast
inequalities. So we’re not saying to the Bill Gateses of the world: you don’t
deserve anything and we’re going to tax it all away. What we’re saying is that
our society should be more equal than it is if we truly believe, first, that people
should be rewarded according to what they contribute, and second, that society
should be repaid for the large contributions it makes, which enable everything
else. These are common beliefs or, at least, reasonable ideas, so that is not the
problem. The problem is a mistaken view of wealth-creation, which distorts how
these common ideas are applied.
JL: You often use the term “inheritance” in the book. How should we view the
concept of “inheritance” as a moral proposition? How is inherited knowledge like
and unlike inherited wealth or property?
LD: A famous American president named Roosevelt once suggested that the
survival of civilization depended on eliminating unearned wealth. Progressive
taxation was the remedy he proposed, and he was the first American president
to truly advance that cause. Poor John McCain might be surprised to learn that
the Roosevelt in question was his Republican hero Teddy, not Barack the
Distributor’s oft-slandered “communist” role model, Franklin. The truth is,
progressive taxation is a conservative idea; it’s based on reciprocity. People
who have more income and wealth, T. R. assumed, necessarily got more help
from society to begin with, and therefore they owe more back to society, as a
share of their income, than those who get less from the market. Or, in other
words, the rich “earn” less of their income than the poor earn because they
benefit so much more from the contributions of society. Such unearned income
is the natural moral target for taxation, because no one deserves it.
GA: No. In fact, when our productivity growth rates were the highest, in the
1950s and early 1960s, the top marginal income tax rate stood at about 90
percent across that period. Today the top marginal rate is 35 percent. Ironically,
in the more recent era of dramatic tax-cutting for the rich, productivity often
stagnated. So, in fact, by historical standards, higher taxes have often been
correlated with strong growth, while cutting taxes has been correlated with
stagnation and decline.
JL: Do people in fact work harder when they know they’ll get to keep more of
what they earn? Don’t higher taxes at some point reduce effort?
GA: Perhaps “at some point.” But there’s little evidence that it works this way at
the top, which is the target of our argument. As I suggested earlier on the issue
of incentives, very, very large fortunes simply aren’t needed to generate
productive contributions. If Bill Gates was told by the government in 1980 that
he’d only end up with $25 billion in his bank account when his company peaked
(instead of the $50-something billion he actually held), do you think he would
have stopped trying to build Microsoft? What if the limit was only $1 billion, or a
generous executive salary? Even then he would have continued, no doubt.
Clearly, there is a huge gap between what the richest earn and what it takes to
“incentivize” their contributions. These economic “rents,” as they’re technically
termed, are pervasive in our economy, especially at the top.
JL: Are you simply arguing for a higher tax rate on the very wealthy? Or for a
whole different way of viewing – and using – the taxes they pay?
GA: Both. A higher tax is appropriate because the very top groups have been
able to capture such high percentages of society’s core wealth—which in turn
derives so overwhelmingly from inherited knowledge. One approach might
include enacting an annual wealth tax of 2 percent on the richest 5 percent of
households in America. This money could be used to finance federal education
grants, with the goal of replacing the student loan system with a pure grant
system. This could require national service in return, in a flexible way, with
forgiveness after perhaps two years of service. The principle here is giving more
people access to our technological and knowledge inheritance through higher
education. It’s a way of equalizing (or somewhat equalizing) the benefits of
something—knowledge—we all inherit in common. Much more progressive
taxation on inheritance, on income at the top, and on windfall profits like those
recently “earned” in the oil industry, would also be important steps forward.
LD: We’d like to retire that word from the political vocabulary because you can’t
redistribute something that is already highly socialized, and wealth and income
in the “era of knowledge-based growth” (whoever ends up “owning” it) is indeed
highly socialized. Most importantly (and more to the point), individual
productivity is increasingly dependent on what can only be described as a
collective good, a common inheritance of knowledge. No one deserves to
benefit from this common inheritance more than anyone else, by moral
definition, because it’s not created by any individual. So, to the extent that
inherited knowledge (“technical progress in the broadest sense,” as Solow
termed it) is increasingly driving economic growth, the fruits of knowledge—the
wealth being generated by knowledge—should be more equally shared. Wealth
that is commonly created should be equally, or at least more equally, shared.
James Lardner is co-author of Up to Our Eyeballs: How Shady Lenders and
Failed Economic Policies are Drowning Americans in Debt, editor of
Inequality.org, and a senior fellow at Dēmos. Gar Alperovitz is the Lionel R.
Bauman Professor of Political Economy at the University of Maryland and Lew
Daly is Senior Fellow and Director of the Fellows Program at Dēmos. Their new
book, Unjust Deserts, came out this November from The New Press
FacebookTwitterEmail
Carmen Huertas-Noble
Updated: 2 days ago
Inducted: 2020
With over 15 years of experience in law, public service has been a cornerstone
in Carmen’s career. Having served as a Senior Staff Attorney in the
Community Development Project of the Urban Justice Center, Carmen
counseled cooperatives in navigating legal entity formation options and on
creating democratic governance structures. She partnered with the Restaurant
Opportunities Center (ROC-NY) in creating COLORS, a worker-owned
restaurant in Manhattan and with Green Worker Cooperatives to develop
ReBuilders Source, a cooperative that collected and sold recycled construction
materials and equipment.
She played a leading role in providing support to organizations that create and
support worker-owned co-ops such as the Coalition to Transform Interfaith
and the New York City Network of Worker Cooperatives. Carmen is also a
co-founder of 1worker 1vote, her clinic incorporated this NY-based non-profit
inspired by over sixty-five years of the Mondragon cooperative ecosystem
experience and focused on hybrid shared ownership models starting with the
union-coop template. She has developed legal expertise in the model and has
educated union leaders, government officials, academics, worker co-op
incubators and worker cooperators on this model. When drafting cooperative
project proposals, Carmen has been an invaluable resource to the NYC
Deputy Mayor of Strategic Initiatives.
“Worker cooperatives can create jobs, but more importantly, they can correct
and prevent some of the oppressive economic conditions marginalized
communities are too often subject to under our current political and economic
system,” said Carmen. An important ally for worker cooperatives, Carmen’s
insight, experience, and tireless efforts are creating the eco-system worker
cooperatives need to flourish.
23/01/2020 11:39
DICAS DE LEITURA
Leia mais
sergei schafer says:
muito delicioso seu resumo do livro. Em verdade adoro seu modo de
escrever professor. O resumo da nova obra do francês Piketi, já bem
demonstra seu estilo. O livro deve ser uma obra de folego. 1200 paginas.
ufa. Gostaria que o Piketi, copia-se o meu ídolo que é o senhor, e fizesse
videos didáticos como os seus. No entanto pela obra anterior do francês
que estudei. o c. XXI, por sua recomendação, vou ler no original que é mais
fácil que o inglês. Como sempre professor parabéns.O brasil tento um
intelectual como o senhor deveria ter vergonha e ser uma nação mais
igualitária. Mas as elites daqui não tem muito jeito. o vírus não vai mudá-la,
lembro do livro a peste, onde o médico ao final da obra diz. “uma peste não
muda o coração humano”. cito tudo de memoria professor. abraços.