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A EDUCAÇÃO: ELEMENTOS DE PROBLEMÁTIA E CRÍTICA .................................................... 1
1.ª UNIDADE .............................................................................................................................................. 4
1. A PROBLEMÁTICA DA EDUCABILIDADE HUMANA ................................................................ 6
1.1. A EMERGÊNCIA PROBLEMÁTICA DA PAIDEIA. .................................................................................... 6
1.2. KANT: A ANTINOMIA DA EDUCABILIDADE HUMANA ........................................................................ 14
1.3. FREUD: TENSÃO E AGONIA EDUCATIVA ............................................................................................ 21
2.ª UNIDADE ............................................................................................................................................ 28
1.4. DA FENOMENOLOGIA DA AGONIA EDUCACIONAL AO PARA ALÉM DA AGONIA ................................. 28
1.4.1. Fullat: a fenomenologia da agonia educacional. ................................................................... 28
1.4.2. A educação para além da agonia............................................................................................ 37
3.ª UNIDADE ............................................................................................................................................ 46
2. O CAMPO EDUCACIONAL E SUAS ANTINOMIAS .................................................................... 46
2.1. ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA: UMA ANTINOMIA FUNDAMENTAL. ................................................. 46
2.1.1. O essencialismo ...................................................................................................................... 48
2.1.2. A revolução da pedagogia da existência ................................................................................ 54
2.1.3. Desenvolvimentos e actualidade da antinomia entre as pedagogias da essência e da
existência .......................................................................................................................................... 72
4.ª UNIDADE .......................................................................................................................................... 103
2.2. DINÂMICA DA ANTINÓMICA EDUCACIONAL. .................................................................................. 103
2.2.1. Antinomias e problematicidade da educação ....................................................................... 103
2.2.2. Desdobramento de novas antinomias pela via do pensamento da diferença ........................ 112
5.ª UNIDADE .......................................................................................................................................... 117
3. COMPLEXIDADE E CRITÉRIOS PARA O CAMPO EDUCACIONAL ................................... 117
3.1. UMA CONCEPÇÃO COMPLEXA DA EDUCAÇÃO ................................................................................ 117
3.2. UM HORIZONTE CRÍTICO PARA AVALIAR O EDUCATIVO E O DESEDUCATIVO .................................. 126
3.2.1. Pessoa e valores: o educativo e o deseducativo ................................................................... 131
3.2.2. Pessoa e relação: o educativo e o deseducativo ................................................................... 137
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 148
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1.ª UNIDADE
Heraclito
educação: ―-Vais oferecer a tua alma, para que se a cuide, a um homem que é segundo
afirmas, um sofista. Mas o que seja um sofista, me surpreenderia que o saibas. E se, não
obstante, desconheces isto, tão pouco sabes sequer a quem entregarás a tua alma, nem se
para assunto bom ou mau‖ (Platão, 1986a, 312c, 508). Está pois envolvida uma
dimensão axiológica relativa ao destino da própria alma, o eu autêntico, que se arrisca
na educação. A educação deve ser pensada em relação a esse risco e sua função: o
destino do eu autêntico. Na situação do diálogo isto é tão mais dramático quanto se trata
de um sofista que, na opinião de Sócrates, é geralmente ―um traficante ou um
comerciante das mercadorias de que se nutre a alma‖ (Platão, 1986a, 313c, 511), que
não tem em atenção se essas mercadorias são boas ou más para o vaso que as receberá.
Isto é, negligenciando a consideração, absolutamente crítica, da finalidade da educação.
Embora, apesar de tudo, neste caso, o assumido sofista e educador de homens,
Protágoras, até afirme que o sentido da educação é o progredir para melhor, alcançar o
uso apurado do sentido moral e a excelência. Coisa sobre a qual ficamos aliás
desenganados de pretensiosismos quando adiante, a propósito do poema de Simónides,
se conclui que ser virtuoso, bom ou digno é impossível para o humano, apenas próprio
do divino, e difícil é chegar a ser digno, embora procurar sê-lo seja tudo.
Apostado em fazer da educação um cuidar das almas, Sócrates propõe como
tarefa própria desta actividade o resgatar para o caminho da salvação da alma, por cima
de todas as ilusões deste mundo: fama ou fortuna4. Foi Sócrates quem descobriu o valor
infinito da alma e centrou nela a Paideia. Poderemos dispensá-lo hoje? No seu caso, o
cariz divino da alma, razão pensante e moral, não oposto ao físico, servia de pilar
metafísico, porquanto o divino e o bem coincidiam. Assim se vem a definir a sua
procura como o caminho da salvação, à qual corresponderá a perfeição almejada: a
excelência ou areté. E temos de sublinhar que isto mesmo se refere à melhor realização
das possibilidades do ser humano, correspondendo-lhe a eudaimonía,5 a harmonia
daquele que sabe ter domínio sobre si próprio, ou seja, possuir-se com inteireza. Com
isto, a educação fica ordenada a uma finalidade existencial de volume ético, contraposta
à função pragmática idealizada pelos sofistas para o campo do êxito político. Embora
4 Lê-mos na Apologia de Sócrates: ―‗Meu bom amigo, sendo ateniense, da cidade maior e mais prestigiada em sabedoria e poder,
não te envergonhas de preocupar-te em como terás as maiores riquezas e a maior fama e as maiores honras, e, por outro lado, não te
preocupas nem te interessas pela inteligência, a verdade e como a tua alma pode ser o melhor possível?‘ E se algum de vós discute
diz que se preocupa, não penso deixá-lo nesse momento e ir-me, senão que o interrogo, examino e refuto, e, se me parece que não
adquiriu a virtude e diz que sim, repreendê-lo-ei por te por menos o digno de mais e por muito o que vale pouco. Farei isto com o
que me encontre, jovem ou velho, forasteiro ou cidadão, e mais com os cidadãos porquanto mais próximos estais à minha origem.
Pois, isto manda o deus, bem o sabeis, e eu creio que ainda não vos surgiu maior bem na cidade que o meu serviço ao deus. Com
efeito, vou por todo lado tentando persuadir-vos, a jovens e velhos, a não vos ocupardes nem dos corpos nem dos bens antes que da
alma nem com tanto afã, a fim de que esta seja o melhor possível‖ (Platão, 1986b, 29d, 30a, b, 168).
5 Segundo Peters (1983, 85): ―felicidade‖.
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para Sócrates o carácter moral da Paideia não se dissocie nunca da função política6,
pois o que se tratava era de considerar o político sob o mesmo prisma: o triunfo do
ético. Aquilo que Maquiavel haverá de separar.7
Ao estruturar-se no sentido esforçado do autodomínio, a Paideia conduz também
ao exercício ético da liberdade pessoal. O viver sob o desígnio da própria lei interior,
capaz de se sobrepor ao poder dos instintos e inclinações pelos bens aparentes.
Este novo fôlego traz uma nova figura para a cena educativa: Sócrates não tem
discípulos, apenas amigos, por isso, no campo a que se refere, tão pouco pode assumir-
se como mestre. O que Sócrates tem sempre diante dos seus olhos é o ―homem
completo‖ (Jaeger, 2003, 556). Poderá a educação alguma vez abdicar de o considerar?
Como nota Amilburu (2003), a educação tem sempre de se referir a uma imagem do que
é o ser humano, incluindo um certo ideal da sua perfeição, que constitui um referente
necessariamente complexo e controvertido capaz de aglutinar, sem contudo separar,
diferentes dimensões, pois cada uma delas só faz sentido quando referida à totalidade
que as integra. É, aliás, esta totalidade, que lhe confere a dignidade específica: o
humano está destinado a ser pessoa. Ora, pelo que vimos, também já para Sócrates, a
educação deve visar algo que ainda hoje é fundamental, e porventura sempre será, a
―educação tem de ser entendida como uma formação integral da pessoa e não só como a
sua preparação restringida por urgências laborais‖ (Savater, 1997, 92).
Aliás, a Paideia socrática aponta a mais do que ao cultivar: aponta ao descobrir e
afirmar as próprias forças. A sua senda é a dos valores supremos da vida, o
conhecimento do bem, que conduz à perfeição humana. Enfim, para rematar esta
análise, permita-se-nos uma longa citação de Werner Jaeger (2003, 571), que temos
vindo a seguir de perto: ―(…) o conceito decisivo para a história da Paideia é o conceito
socrático do fim da vida. Através dele, a missão de toda a educação é banhada por uma
luz nova: já não consiste no desenvolvimento de certas capacidades nem na transmissão
de certos conhecimentos; pelo menos, agora isto só pode ser considerado um meio e
uma fase no processo educacional. A verdadeira essência da educação é dar ao Homem
6 Segundo Xenofonte (Recuerdos de Sócrates, II, 1, 14 e ss.), em certa altura, quando Aristipo lhe declarou que não se encerra em
nenhuma cidadania porque queria ser livre, Sócrates reagiu dizendo-lhe ―— Terrível truque me estás contando!‖ e faz-lhe ver como
é descabido divorciar-se da cidadania.
7 Baste, para exemplo prático, uma passagem d‘O Príncipe (Maquiavel, 1976, 82-84): ―É tão grande a diferença entre a maneira
como se vive e a maneira como se deveria viver que quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a perder-se do
que a salvar-se, pois quem quer viver exclusivamente como homem de bem não pode evitar perder-se entre tantos outros que não
são bons. Por isso, o príncipe que deseja manter a sua posição precisa, também, de aprender a não ser bom e a servir-se ou não dessa
faculdade de acordo com a precisão. (…) Que não se preocupe por incorrer na censura dos vícios sem os quais não pode facilmente
conservar os seus Estados; pois, bem vistas as coisas, encontrará algo que parecerá ser virtude, mas que, se lhe obedecer, será a sua
ruína, e algo que lhe parecerá ser vício, mas que, se lhe obedecer, lhe dará segurança e estabilidade‖. Este assunto não é de somenos
importância para o nosso tema, pois levanta o problema de saber como poderá suportar uma sociedade tão flagrante cisão entre o
educativo e o político.
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condições para alcançar o fim autêntico da sua vida. Identifica-se com a aspiração
socrática ao conhecimento do bem, com a phrónësis.8 E esta aspiração não se pode
restringir aos poucos anos de uma chamada cultura superior. Só pode alcançar o seu
objectivo ao longo de toda a vida do Homem; de outro modo não o alcança. Isto faz
mudar o conceito de essência da Paideia. A cultura em sentido socrático converte-se na
aspiração a uma ordem filosófica consciente da vida, que se propõe cumprir o destino
espiritual do Homem. O Homem assim concebido nasceu para a Paideia.‖
Como vemos, não só a educação tem uma função essencial, como é um processo
interminável – uma insaciável aventura. O que, longe de facilitar qualquer definição
sumária, vem agudizar o carácter problemático do que se possa entender por educação.
Quando está concluída a educação de alguém? Em que dimensões se esgota? Como se
desenvolve? Com os olhos postos no ideal, toma por processo a busca incansável e
crítica, não se limita a saberes instrumentais, está na senda da liberdade assumida, do
autodomínio ético, da perfeição. Como poderá então consumar-se esta utopia? Já vimos,
de facto, como se lhe apontou essa projecção utópica. E, no entanto, ficamos com a
convicção de termos encontrado a perspectiva adequada para abordarmos esta difícil
questão que, ab initio, quando se define como desígnio de Paideia consciente, se coloca
já sob o signo da polémica, do paradoxo e da antinomia. Note-se como, quanto ao
alcance do processo educativo, Sócrates retomou o pessimismo tradicional sobre os
limites da educação para transmitir a areté, opondo-se ao optimismo sofista,9 apesar de
não podermos deixar de reconhecer em toda a sua trajectória a firme convicção de quem
acreditava em algo. Também aqui, o paradoxo eclode: a virtude, porque é disso que se
deve ocupar a educação, ensina-se mas não como supunham os Sofistas.10 Alcança-se
pelo esforçado processo pessoalíssimo da descoberta íntima, onde pontuam o paradoxo,
a ironia e o espanto – à margem de todas as dogmáticas –, que se dirigem à intuição dos
valores supremos, do verdadeiramente valioso. Mesmo se o modo como se realiza em
cada homem seja sempre limitado.
Importante é reconhecermos como com Sócrates a Paideia atingiu a
clarividência de se estabelecer numa base criticamente apoiada, coisa que ainda hoje
necessitamos. Evitando, portanto, os simplismos e admitindo a necessidade de muito
11 Muitas são as incitações de Socrátes a Ménon para que se disponha a esforçar-se para alcançar a verdade, pois o esforço (1993,
81c,e, 73) é o caminho da verdade, mas é um caminho sem atalhos, nunca dispensa o próprio: ―é necessário voltar o nosso espírito
para nós mesmos‖ (1993, 96d,e, 119-120).
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Ânsia que jamais tem descanso12. E, contudo, resulta ser o único caminho propiciador
da eudaimonía, assimptótica é claro, do amor pelo Bem, uma aspiração pela perfeição, a
realização pessoal conseguida pela autenticidade de um cuidado de si, que é um
projectar-se na eternidade. A força que propulsiona a pedagogia e consuma a Paideia
provém deste Eros, é a força que assiste a concentração do espírito em si e alimenta a
personalização – o sair da caverna. Aquilo que no Menón aparecia como esquecimento–
lembrança, aparece finalmente na República como o limpar-se da cegueira que nos
afasta do ideal, o Bem.13 Platão coloca este ideal no absoluto: a perfeição.
Consequentemente, para ele, encarna esse plano a divindade, e é ela ―a medida de todas
as coisas‖, a partir da qual se configura o desígnio consciente da Paideia.
É preciso insistirmos ainda um pouco mais num ponto. Com Platão, a educação
ordena-se a um ideal, o mastro pelo qual se içará a vela do melhor que podemos ser,
desígnio em que não se cansa de insistir da Apologia à República, tanto para a educação
como para a política, que entende estarem entrelaçadas de modo essencial, porque
ambas dizem respeito à concretização da virtude no humano. Por isso também é que,
desde a Apologia à República, se trata sempre de ensinar e obter a virtude: obter o
melhor possível para nós mesmos com vista ao Bem em si mesmo. A este ensejo
corresponde o de alcançar ―ser senhor de si‖ (Platão, 1987, 431a, 182), ―ter
autodomínio‖ (Platão, 1987, 443d, 205), de modo que o racional se sobrepõe ao
concupiscente e nos dirige sempre de olhos postos no ideal. Assim se vê melhor por que
a educação não ordenada ao ideal descai para algo avulso e é simples instrumento
pragmático votado à obtenção das coisas menores, como o poder, a fama ou a riqueza.
O ideal, segundo a miríade de implicações a ele adstritas, é desde Platão o primeiro
critério do que pode ter valor educativo. Ainda hoje devemos contar com o ideal se
queremos educar, porque educar nunca pode ficar-se pelo simples reconhecimento do
que é, tem de estabelecer também a confrontação com um ideal, que não é único, nem
fixo, mas que está do lado do ―potenciar o maior número de virtualidades que possam
coexistir harmoniosamente‖ (Savater, 1997, 73). Ou seja, em todo o caso, a educação
12 ―Em primeiro lugar, é sempre pobre, e longe de ser delicado e belo, como crê a maioria, é, mais bem, duro e seco, descalço e sem
casa, dorme sempre no solo e descoberto, deita-se na intempérie das portas e na borda dos caminhos, companheiro sempre
inseparável da indigência por ter a natureza da sua mãe. Mas, por outro lado, de acordo com a natureza de seu pai, está à espreita do
belo e do bom; é valente, audaz e activo, hábil caçador, sempre urdindo alguma trama, ávido de sabedoria e rico em recursos, um
amante do conhecimento ao longo de toda a sua vida, um formidável mago, feiticeiro e sofista. Não é por natureza nem mortal nem
imortal, senão que num mesmo dia umas vezes floresce e vive, quando está em abundância, e outras morre, porém recobra de novo a
vida graças à natureza de seu pai. Embora aquilo que consegue sempre lhe escape, de modo que Eros nunca está falto de recursos
nem é rico, e está, ademais, no meio da sabedoria e da ignorância‖ (Platão, 1986d, 203c,d,e, 249).
13 ―A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a
de o fazer obter a visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele não está na posição correcta e não olha para onde deve, dar-lhe os
meios para isso‖ (Platão, 1987, 518d, 323).
14
refere-se ao ideal, ―orienta para um fim previsto e deliberado, por mais aberto que este
seja‖ (Savater, 1997, 77). O que se compreende, já que tanto o ensinar como o educar
consistem em visar sempre algo melhor: ―Não tenhamos medo das palavras bem e
melhor; são indispensáveis na educação‖ (Reboul, 2000, 73).
Neste momento é, contudo, necessário aduzir uma contraposição. Isto deve-se a
que, também em Platão, se deriva um desígnio de onde emerge um ponto antinómico
essencial, como adiante veremos com mais pormenor. Na sua insistente tentativa de
afirmar o ideal, Platão determina para a existência e para a vida uma formatação, por
vezes, insuportável. Vemo-la na referência à eugenia como prática da cidade perfeita
(Platão, 1987, 410a, 148), na funcionalização da educação segundo as ocupações
decorrentes das apetências naturais (Platão, 1987, 421c, 164; 425c, 171; 453b, 216), a
que corresponde um certo elitismo e estratificação social; vemo-la na justificação da
escravatura (Platão, 1987, 444b, 206) e na pretensão de apurar a excelência, pelo
controlo dos matrimónios, tal como se apuram raças caninas (Platão, 1987, 459a e ss.,
226-230); vemo-la ainda quando o ideal aparece a impor, por assim dizer, à própria vida
o seu esmagamento: ―Mas aquele que possuir um espírito superior e contemplar a
totalidade do tempo e a totalidade do ser, supões que é capaz de julgar que a vida
humana tem grande importância?‖ (Platão, 1987, 486a, 270) A partir daqui, a abertura
da vida a partir da sua realidade para todas as suas possibilidades parece comprometida.
O ideal poderá então servir até de justificação ao enclausuramento do humano. De tal
modo que a vertente ―transcensiva‖ e utópica do ideal se venha a esvair quando, por
radicalização, for afirmado ao ponto de já não querer falar ao ser-aí e ignorar as
vicissitudes da sua condição.
Retenhamos do exposto, o facto de, apesar de todos os esclarecimentos
conseguidos e da profundização de sentidos, a educação resultar ainda assim
perspectivada como propósito interminável, sinuoso e paradoxal. Para além de certas
convicções subsistem (e subsistirão) muitas questões e perplexidades.
Parece indubitável que a Paideia nasce problemática. Ora, devemos agora notar
que, quando se reacende de novo na história da humanidade o mesmo propósito firme,
com a Ilustração, de novo voltam a conjugar-se convicções e perplexidades.
14 Sentimo-nos inclinados a interpretar, neste caso, o ―faz ser‖ como significando ―permite ser‖, para afastar a carga determinista
que se poderia depreender da afirmação.
15 Como vemos Kant assinala com clareza o sentido da educabilidade humana. Amilburu (2003, 218) entende-a como sendo uma
categoria antropológica e define-a da seguinte forma: ―O implícito fundamental que preside qualquer tarefa educativa é
precisamente este: a convicção de que o ser humano é educável, e necessita de ser educado. A educabilidade ou capacidade para ser
educado, é consequência da racionalidade, da liberdade e da plasticidade biológica própria da natureza humana.‖
16 Mas mesmo assim, Kant não deixou de sugerir o uso de uma certa ―sedução‖ nas actividades de modo a tornar-se o esforço mais
suportável (Laia, 2004).
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conciliar, baixo uma legítima coacção, a submissão com a faculdade de servir-se da sua
vontade. Porque a coacção é necessária. Como cultivar a liberdade pela coacção?‖
(Kant, 2003, 42) Eis o paradoxo, eis a antinomia, pois se a coacção é necessária para
arrancar da animalidade o humano, também a liberdade é precisa, pois é o seu destino, o
que há mais definitório da sua natureza. Apesar da dificuldade, Kant aponta, ainda
assim, uma saída, que, seja como for, não suspende a tensão entre os termos a que fica
sempre submetido o humano no processo educativo: ―devo acostumá-lo a suportar a
coacção à sua liberdade, e ao mesmo tempo devo guiá-lo para que faça bom uso dela.
Sem isto, tudo é um mero mecanismo, e uma vez acabada a sua educação, não saberia
servir-se da sua liberdade‖ (Kant, 2003, 42).
Reconhecendo o paradoxo e a antinomia, no que significa educar, querendo aliás
enfrentá-los, vemos que a tensão não se dissolveu. Tanto mais quanto a educabilidade é
apenas possibilidade natural, cujo sentido não está, nem pode estar, estritamente fixado.
―De facto, só o homem é educável. Contudo, por o ser, ele é implicitamente remetido
para o futuro que desde aí, desafia, ultrapassa e anula a prevalência dos limites e das
determinações naturais. A educabilidade, por isso, impõe ao homem o seu destino que,
para ser um destino humano, tem de ser voluntariamente construído‖ (Carvalho, 1994a,
58). Esta construção foi concebida por Jaspers como um ―auto-realizar-se contínuo, com
amplas e indefinidas perspectivas, pois jamais se pode considerar terminada a sua
perfectibilidade‖ (Neves, 2004, 104). Kant já antecipava este entendimento da
educabilidade humana, embora não lhe tenha dado a profundidade existencial que lhe
conferirá Jaspers.
Sabemos, pois, de onde devemos arrancar o humano, mas só podemos assinalar
o ponto cardeal de destino do processo, e ficamos obrigados a conduzir o sujeito,
disciplinando-o, de modo a que venha a assumir por si, livremente, a sua própria
condução.
A relação deste entendimento antinómico da educabilidade humana com o
conceito kantiano da ―insociável-sociabilidade‖ humana pode ser muito esclarecedora:
―O meio de que se serve a Natureza para lograr o desenvolvimento de todas as suas
disposições é o ANTAGONISMO das mesmas em sociedade, na medida em que esse
antagonismo se converte ulteriormente na causa de uma ordem legal daquelas. Entendo
neste caso por antagonismo a insociável-sociabilidade dos homens, quer dizer, a sua
inclinação a formar sociedade que, contudo, vai unida a uma resistência constante que
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nome de pessoas aos seres racionais, porque a sua natureza faz delas fins em si mesmos,
quer dizer, algo que não deve ser empregue simplesmente como meio e que,
consequentemente, restringe igualmente o arbítrio de cada um (e é para ele objecto de
respeito)‖ (Kant, 1999, 60). O ser racional existe como fim em si e não pode senão
visar-se como tal. Todo a acção prática dirigida ao humano requer este fundamento, daí
que ele seja também o fundamento do próprio princípio supremo das leis da vontade:
―Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa dos
outros, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como meio‖
(Kant, 1999, 61).
Como não podia deixar de ser, a própria educação fica ordenada ao mesmo
fundamento e ao mesmo imperativo. Quando ela encara o humano, e reconhece nele o
fim em si que é, deve também declarar: ―em nada posso dispor do homem, nem mutilá-
lo, degradá-lo ou matá-lo‖ (Kant, 1999, 62). Ainda assim, perguntamo-nos se, no caso
do imperativo, o termo ―simplesmente‖ não abrirá a problemática de poder haver sobre
a pessoa uma inevitável dose de instrumentalização que, no caso educativo,
representaria uma inevitável margem da função de coacção?
Mas importa, ainda, assinalar aqui duas coisas determinantes para a definição do
horizonte crítico que procuramos.
Notemos, em primeiro lugar, o reconhecimento racional do incomensurável
valor da pessoa, cuja dignidade ontológica vinha dos antigos Gregos, mas só colhe toda
a sua dimensão com o cristianismo (Mounier, 2004). Isto tem uma consequência
determinante para a educação: a nosso ver, a educação fica comprometida com a pessoa.
Na verdade, a perspectiva de Kant vem abrir já a senda de certas posições
contemporâneas sobre o tema, como a que defende, por exemplo, Amilburu (2003,
219): ―a educabilidade é (…) uma propriedade ou atributo da pessoa que lhe permite
configurar-se a si mesma através de um processo permanente no qual vêm a integrar-se
o conjunto de disposições plásticas próprias do indivíduo com os influxo ambientais e o
seu próprio autogoverno‖.17
17 Segundo a nossa autora, são as seguintes as características ontológicas da educabilidade: ―- Trata-se de uma qualidade
especificamente humana. – Consiste na capacidade de adquirir novos conhecimentos e habilidade. – Inclui as dimensões biológica e
cultural do homem. – Supõe a influência do meio exterior, pessoal e social. – Constitui a condição de possibilidade de um processo
aberto, que não acaba nunca. – Permite ao sujeito dirigir este processo para uma finalidade que o próprio se propõe. – Situa os
homens em condições de ser plenamente humanos‖ (Amilburu, 2003, 218-219). São dimensões educáveis do ser humano todas as
faculdades humanas capazes de adquirir conhecimentos e habilidades, que a nossa estrutura psicobiológica nos facilita: realizar
funções vitais (não vegetativas); conhecer sensivelmente; experimentar emoções; conhecer intelectualmente; autodeterminar-se e
agir livremente.
20
Seria agora necessário inserir aqui a crítica habermasiana que, a partir de Hegel,
mostra como a identidade e a consciência se formam nas dialécticas do trabalho, da
linguagem e da interacção, esta última constituída na base da procura do
reconhecimento e da reciprocidade.19 A nosso ver, no âmbito deste paradigma, a
educação aparece-nos inscrita transversalmente nessas três esferas interligadas, pois a
todas elas diz respeito, mas, tal como em Kant, deve respeitar os mesmos pressupostos
de dignidade humana e servir os mesmos propósitos de emancipação. Ficará então
vinculada a habilitar o sujeito ao fazer, ao comunicar e a propiciar nele a competência
crítica de desmascarar as intenções sub-reptícias de dominação ou as restrições
comunicativas, o que vem a coincidir com o propósito de projectar livremente a sua
emancipação. Um desiderato que neste momento está sobretudo ameaçado pela
―racionalidade‖ tecnocrática e consumista.
Não podemos, contudo, deixar de atribuir a Kant o reconhecimento da categoria
antropológica da educabilidade de modo a descobri-lhe a antinomia tendida entre a
condição de que deve arrancar-nos a educação e a condição a que deve endereçar-nos: o
horizonte do melhor possível, a que podemos destinar-nos como pessoas livres e
eticamente destinadas. Este horizonte fala criticamente a todo presente educacional. À
sua revelia só podemos encontrar o enclausuramento das possibilidades
antropoeducacionais, o esmagamento das possibilidades de satisfação da existência,
com base nas ―racionalizações‖ que, como mostrou Habermas (1987), escondem sempre
propósitos injustificados de dominação.
20 Diz Freud (1927/1981, 2961-2962): ―A cultura humana (…) compreende todo o saber e o poder conquistados pelos homens para
chegar a dominar as forças da natureza e a extrair os bens naturais com que satisfazer as necessidades humanas, e por outro lado,
todas as organizações necessárias para regular as relações dos homens entre si e muito especialmente a distribuição dos bens (…
Ora) cada indivíduo é virtualmente um inimigo da civilização, apesar de ter que reconhecer o seu geral interesse humano. Dá-se,
com efeito, o facto singular de que os homens, não obstante, ser-lhes impossível existir no isolamento, sentem como um peso
intolerável os sacrifícios que a civilização lhes impõe para tornar possível a vida em comum. Assim, pois, a cultura há-de ser
defendida contra o indivíduo, e a esta defesa respondem todos os seus mandamentos, organizações e instituições.‖
23
que o reprime e, porventura, à sua (o)pressão. Uma coisa, no entanto, parece certa, ―o
recalcamento da libido e a formação do superego são indispensáveis ao devir humano;
ser homem é ser recalcado. É possível sê-lo mais ou menos bem, mais ou menos mal; é
impossível não sê-lo‖ (Reboul, 2000, 31).
Como conduzir então, da melhor maneira, semelhante processo? Não sem
surpresa, Freud assinala duas vias: a via do carinho, como gratificação pela dose de
desprazer que a criança é obrigada a suportar, com vista ainda assim a obter um certo
prazer; e a via do Ideal-do-ego.21 Neste caso o educador assume autoridade e
ascendência, porém, ele deve procurar o seu próprio apagamento a fim de promover a
maturidade do educando.22 Por um lado, o educador funciona como modelo e ideal a
imitar, propõe ideais, por outro, deve apagar-se enquanto tal, deve evitar impor o seu
narcisismo e a projecção dos seus desejos de moldar o educando segundo os seus ideais
pessoais. A educação é um jogo de ambivalências: joga-se entre modelos a imitar e a
destruir, ou seja, é um jogo de conflitualidade intrínseca, cujo desfecho positivo é a
adaptação sociocultural e a emancipação – precisamente das idealizações que subjugam.
Talvez seja oportuno precisar aqui o sentido em que, segundo o ponto de vista da
psicanálise, a repressão deve ou não efectuar-se em educação. Anna Freud, no seu livro
Psicanálise para pedagogos (1973), dá-nos várias ilustradas indicações, tanto da tensão
entre os dois termos da antinomia, sempre recorrente, entre desejo individual e
sociedade ou cultura. Comecemos por atender que a formação da personalidade se
desenvolve ao longo de períodos ou estádios diferenciados, caracterizados por uma
atitude sentimental específica e um nível característico do desenvolvimento pulsional.
Em segundo lugar, é preciso notarmos que a criança não é um ser uno, mas um ser
dividido pelo conflito entre as instâncias da vida pulsional, do ego e do superego,
apresentando contradições comportamentais derivadas da forma como cada instância
momentaneamente se apodera da sua acção. O ego constitui uma arena da tensão
promovida pelo desejo pulsional, que enfrenta, aliás, a tendência de recalcamento
estimulada pelo superego.
Em geral, a psicanálise colide com a educação nos pontos em que descortina um
perigo no processo pelo qual as proibições e exigências são interiorizadas pela criança,
21 A exploração destas duas vias possui um vasto desenvolvimento que procuraremos realizar mais adiante.
22 Parece encontrar-se aqui um correlato da atitude socrática: conversa, questionação, ironia, maiêutica, sem nunca se assumir como
mestre, sem nunca pressupor que se possui resposta definitiva, sem desprezar nenhum interlocutor e, finalmente, desembocando
num simples ―Conhece-te a ti mesmo.‖
24
23 Um ser muito sensível, ainda não constituído personologicamente, dotado de uma afectividade muito susceptível é submetido a
pressões por parte de pessoas muito significativas. Todo o excesso pode facilmente degenerar em trauma.
25
desenvolvimento intelectual.‖ (Freud, 1973, 57) Nesta passagem vemos bem como os
dois termos contrapostos são o ―animalzinho‖ e a ―pessoa livre‖. Ficam, pois, bem
claros os termos da antinomia em que se deve estender a educação: ir do animal à
pessoa livre por meio da compreensão, do carinho e do apoio, evitando por todos os
meios os excessos traumatizantes. ―Perturbações de desenvolvimento e abulia, seriam
justamente os resultados finais extremos, um mostraria a influência prejudicial da
inibição desmedida, o outro acusaria uma total desinibição. O trabalho de uma
pedagogia psicanalítica, elaborada sobre os factos analíticos, seria o de encontrar para
cada grau de idade da criança o equilíbrio entre a concessão de satisfações e as
restrições pulsionais‖ (Freud, 1973, 57).24
Entre a ―Cila da permissão e a Caríbdis da proibição‖ (Barbosa, 1990, 265), a
educação é uma tarefa sempre instável, periclitante, muito difícil ou mesmo impossível,
procurando conseguir a harmonia entre a inibição e a satisfação pulsional, com os olhos
postos na dupla da adaptação e da emancipação. Não nos surpreende, pois, o facto de
que, aquilo que, para além da coacção elementar, permite reconciliar o homem com a
civilização, compensando-o pelos seus sacrifícios, seja, no ponto de vista de Freud, o
mais importante ―património espiritual da cultura‖ (Freud, 1927/1981, 2964). Aliás, se
soubermos reorientar os fins instintivos, iludindo a frustração que o mundo exterior
sempre nos impõe, podemos inscrever os sacrifícios na ordem da sublimação capaz de
acrescentar ―o prazer do trabalho psíquico e intelectual‖ (Freud, 1930/1981, 3027).
Como mostra Oliveira (1997, 134), ―o fim da educação pode ser descrito, de um
ponto de vista psicanalítico, como domínio do prazer preliminar em vista de um maior
bem final‖. Resta, no entanto, saber que ―maior bem final‖ é esse e que via lhe abre o
acesso. A resposta encontra-se, não na desvalorização da repressão, nem no desprazer,
como vertente única e prevalecente, mas, ainda assim, é preciso considerar esta via
como factor indispensável, desde que compensado com o ―prémio do amor‖ e do
carinho, na medida do estádio de desenvolvimento do sujeito. Seja como for, a
24 Freud alerta-nos do seguinte modo para a necessidade desta ambivalência bem doseada: ―Quando os educadores se familizarem
com as descobertas da psicanálise, será mais fácil reconciliarem-se com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras
coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos instintivossocialmente imprestáveis ou perversos que
surgem nas crianças. Pelo contrário, vão-se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela força, quando aprenderem
que esforços desse tipo com frequ~encia produzem resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos
educadores, de dar livre trânsito às travessuras das crianças. A supressão forçada de fortes intintos por meios externos nunca produz,
numa criança o efeito desses institntos se extinguirem ou ficarem sob controlo; conduz à repressão, que cria uma predisposição a
doenças nervosas no futuro. A psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela severidade
inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses; ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer,
que tem de ser pago pela normalidade na qual o educador insiste. E a psicanálise pode também demonstrar que preciosas
contribuições para a formação do carácter são realizadas por esses institntos associais e perversos na criança, se não forem
submetidos à repressão, e sim desviados dos seus objectivos originais para outros mais valiosos, através do processo de
‗sublimação‘.‖ (Freud, 1913/1979, 225).
26
repressão deve estar presente, em certo modo e grau, se queremos ganhar o sujeito para
um ―bem maior‖. Isto não significa, portanto, nem um esmagamento do sujeito pela
repressão, nem um enclausuramento num modo baixo de satisfação. ―A repressão
violenta dos impulsos não leva ao seu desaparecimento, mas unicamente ao
recalcamento e consequentes neuroses. A psicanálise comprova frequentemente os
resultados maléficos de uma educação inadequadamente severa, como também constata
as valiosas aportações para a formação do carácter quando estes impulsos não são
recalcados mas orientados, através do processo da ‗sublimação‘ (Sublimiering), dos fins
primários para fins mais valiosos. As nossas melhores virtudes nasceram no terreno das
piores disposições‖ (Oliveira, 1997, 140).
Como se vê, para Freud também existem ideais educativos e não se pode, de
facto, fundar na psicanálise a proposta de uma pedagogia puramente negativa ou uma
antipedagogia. O que fica estabelecido é a necessidade de uma certa sensibilidade
pedagógica, dado o reconhecimento da fraqueza do ego durante a infância para
enfrentar os traumatismos e esquivar as neuroses. Para dominar os impulsos e se adaptar
socialmente, a criança apenas dispõe do recalcamento e do desenvolvimento parcial,
requerendo que a educação contribua com a sua parte no apoio ao domínio desejado da
pulsão, esse é o seu fim imediato, ensiná-la a dominar os impulsos, necessariamente
inibindo, proibindo e reprimindo, não pode votá-la ao ―laissez-faire, laissez passer‖,
mesmo se há risco de neurose. Daí que o caminho adequado seja possibilitar-lhe ―um
máximo de benefício com um mínimo de prejuízo‖ (Freud, ap. Oliveira, 1997, 146).
Procurando a justa medida entre carinho e autoridade, a educação também procura o
meio caminho entre adaptação e libertação, sobretudo não pode fazer da infância uma
fase de revolta, mas pode e deve infundir o gosto e o interesse pela vida.
Que saída para esta tarefa impossível que não podendo consistir apenas em
repressão tão pouco pode escamotear ser utópica uma educação sem ela? A resposta
encontra-se também na teoria dos princípios: a educação deve assistir o
desenvolvimento do ego, no seu curso de alcançar a substituição do princípio de prazer
pelo princípio de realidade, pelo prémio dos carinhos e do amor compensatórios das
perdas infligidas. Com isto predispõe-se o sujeito a perseverar na procura do ―bem
maior‖. ―A educação pode ‗condenar‘ os desejos inconscientes de todo impróprios, mas
sobretudo deve levar à ‗sublimação‘ o maior número possível, e ‗satisfazer‘ também
alguns‖ (Oliveira, 1997, 152). Eis a via de formar humanos sãos, livres e produtivos.
Tudo isto se consegue se se possibilitar a transformação da energia libidinal
27
2.ª UNIDADE
25 Para Hobbes ―o Estado não se fundamenta na sociabilidade natural do homem, nem se justifica como um meio para lograr a
perfeição da natureza humana‖ (Rodilla, 1998, 67). Nem tão pouco resulta da santidade de uma tradição ou da força jurídica ínsita à
transmissão do poder. O Leviatã, esse ―Deus mortal‖, é apenas um instrumento ao serviço dos interesses individuais, pois o
individualismo nega a sociabilidade conatural. O Estado é fruto do medo recíproco derivado da consciência da tendência natural
para a mútua subjugação: emerge do pacto de todos com todos, mas pela violência, para garantir as regras do jogo egoísta no sentido
do bem comum
26 ―A philia – amor e amizade –, a empeiria – a habilidade – do sophós – e a tékhne – tecnologias – constituem utensílios ao serviço
de, ou bem mediações entre os elementos educadores e os educandos. Facilitam o exercício da violência, da inesquivável e também
da imprescindível‖ (Fullat, 1988, 36).
29
―considerar como educativa toda a situação em que se manifeste, ou que manifeste, uma
intenção de aperfeiçoamento ou qualificação‖ (Boavida & Amado, 2006a, 49). Se da
relação educativa concreta se obtiver pois o desenvolvimento e o aperfeiçoamento
esperados, se alguém nela desempenhar uma função de transformação para melhor do
educando, como será o caso do processo que faz entrar o sujeito no estado de posse da
sua autonomia, então, será de admitir que o resultado não tem propriamente um valor
deseducativo. Mas cabe também perguntar aqui algo. Se tivesse sido puro amestramento
teria resultado para o sujeito esse ganho de dispor do exercício livre da sua vontade?
Parece difícil que de um processo de pura violência se obtenha algo mais que
―robotização‖. Muito provavelmente, há nesse percurso algo mais, que escapa a uma
leitura reducionista da agonia educacional e que nos parece ser o cuidado. Se temos de
aceitar a violência como uma categoria humana, temos também de notar, na sequência
de Heidegger (1989), que o cuidado é um a priori de toda a situação e atitude humanas.
Isto quer dizer que ―o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele
faça qualquer coisa. E, se fizer, ela sempre vem acompanhada de cuidado e imbuída de
cuidado. (O que) significa reconhecer o cuidado como um modo-de-ser essencial,
sempre presente e irredutível‖ (Boff, 2002, 34). Na verdade, significa mesmo que temos
de ver o cuidado como sendo ―uma dimensão fontal, originária, ontológica, impossível
de ser desvirtuada‖ (Boff, 2002, 34). O cuidado entra, portanto, na constituição da
natureza humana e revela o seu modo-de-ser. Traduz, aliás, algo que é base
possibilitadora da nossa existência. Em si mesmo, o cuidado tem uma natureza peculiar:
―Cuidar é mais que um acto, é uma atitude. Portanto abrange mais que um momento de
atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afectivo com o outro‖ (Boff, 2002, 33). O cuidado
pode ser material, pessoal, social e espiritual… E é, a nosso ver, mais do cuidado que
releva aquele resultado educativo de que falávamos, porque é talvez no cuidado que está
―o ethos fundamental, a chave decifradora do humano e de suas virtualidades‖ (Boff,
2002, 83). Obter de um ser a disposição para a liberdade poderá passar apenas por
acometer contra ele?
Fullat (1988) argumenta, citando Ortega y Gasset, que até encontramos o
ressaivo violento na génese da relação interpessoal: o eu é um ricochete do tu que se lhe
opõe e resiste. E, contudo, mesmo entre os bebés macacos, a falta do conforto-de-
31
sua aparição o Super-ego, desloca-se, como vimos, para o interior do educando e isso
também serve à sua vertebração. Entretanto, cabe-lhe muitas vezes sofrer a indiferença,
a prepotência (do poder/saber), a desqualificação e a humilhação, que a relação com o
mestre-adulto-modelo lhe impõe, de modo que a angústia aumenta, pois equivale a um
ficar sem mundo. Uma vez tendo desembocado o educando no exercício da sua
autonomia, a contenda prolonga-se: ―Enquanto os educandos começam a experimentar
as suas próprias consciências, estreia-se a batalha interminável por possuir a verdade, a
bondade e a beleza. As consciências são egoisticamente livres; cada consciência é um
ditador que diz totalitariamente o verdadeiro, o bom e o belo.‖ (Fullat, 1988, 140).
Se todo o acto educativo é violência – entre duas consciências –, ele remete
também para um desejo compensador da facticidade, que procura salvar a má
consciência das consciências envolvidas, apontando ao horizonte utópico, que acena
com a comunicação absoluta, a perfeição e a emancipação completa… 29 Os factos são
assim compensados pelos desejos, a violência compensada pela utopia. Ao reconhecer a
dor que reina no plano do real ―dispara-se a educação como desideratum; o desengano
ante o factum educacional aviva o desejo de melhor e aparece então no horizonte a
utopia carregada de valores, que configuram as finalidades educativas‖ (Fullat, 1988,
122).
Na verdade, uma das funções das narrativas utópicas está, precisamente, num
assinalar crítico do que há, mostrando o insatisfatório, e apontando o que poderia e
deveria haver (Araújo & Araújo, 2006). O próprio homem tem de ser considerado como
ser utopicus, uma dimensão que ―dá conta da sua estrutural inquietude que resulta da
sua condição de incompletude, da sua consciência de finitude e do apelo de perfeição
que nele sente‖ (Araújo & Araújo, 2006, 109). Ora, uma das vias, pelas quais, o humano
articula a sua im-perfeição com o in-acabamento de que se quer libertar, vem a ser a
educação, que nunca se contenta com menos do que o in-findo caminho da perfeição, o
estado ideal para que o lança a utopia. A utopia aparece, então, também, como uma
categoria fundamental da educação, que corresponde à primordialidade humana da
insanável insatisfação: ―a utopia forma parte da estrutura do ser humano. (…) A utopia
é uma categoria humana, algo que nos constitui e a que não podemos escapar a não ser
negando-nos‖ (Fullat, 1984, 42-43). Sendo capaz de reconhecer a im-perfeição, o
humano acende em si uma tensão que sempre o lança para o ideal a atingir e é por isso
29 Um dos problemas desta análise fundamentalemente neste referir-se sempre ao absoluto, quando poderia pensar-se, não em
comunicação absoluta, perfeição e emancipação completa, mas em comunicação limitada, aperfeiçoamento, emancipação
circunstancial.
33
30 ―A utopia lança para o futuro o estado ideal de perfeição a que aspira o ser humano e situa-o algures, num lugar que, sendo não-
lugar, se oferece como farol orientador da acção humana, dos indivíduos em comunidade, mas ao qual só acede o homem educado,
cujo perfil se tem vindo a re-formular ao longo dos tempos. A educação constitui, assim, a mola impulsionadora de uma longa
marcha dos indivíduos e das comunidades para a plenitude do ser, que está ao alcance de uns e de outras, em interacção dialéctica.
Uns e outras, seres in-acabados que, num presente que é im-perfeito, aspiram à in-finitude e que, uma vez a caminho, dispõem de
instrumentos necessários para re-conhecer a outupia que, na sua dupla grafia, é também eutopia, onde tem lugar a felicidade de
todos e cada um‖ (Araújo & Araújo, 2006, 105).
31 Diz Fullat (1988, 123) que ―Há eros educacional porque contamos com violência educativa. Os valores, por apetecidos, apontam
àquilo que os converte em apetecíveis, que não é outra coisa, no plano dos factos, que o descomedimento do conflito educacional
originário.‖ Se assim é, não significa isto também que nos devemos dispor a realizar o apetecível no que nos for possível.
34
factual se dispara, como vimos, o desiderativo, os valores. Ora, os valores tanto podem
apontar o que poderia haver – o mundo do possível e da culminação – como podem
servir à dissimulação e à pseudo justificação do que há – a violência.32 As ideologias
assistem a justificação do factum e as utopias a fuga dele. E note-se que o quadro
utópico, que aponta ao libertar que permita ao educando realizar-se segundo o seu
―‗génio‘ singular‖, joga um duplo e importante papel de, captando a insanável ânsia de
perfectibilidade, erguer o referente a partir do qual a educação se resguarda tanto do
abandono como do endoutrinamento (Reboul, 2000).33 Ora, o mais curioso é que Fullat
assinale, precisamente, em simultâneo, que a educação se deve dirigir a possibilitar o
―ser-si-mesmo‖ interminável e que só pode ser violência, pois a relação habitual do
educador com o educando é de indiferença, num registo aparentemente discricionário de
lhe dar e tirar a palavra, de o classificar e avaliar. Mas será possível tirar uma coisa da
outra?
Ensina Fullat que o educar vai realizando a antropogénesis debatendo-se com os
ideais. Contando com a plasticidade inicial do mesocórtex, concretiza-se ao longo de
toda a vida pela transformação da conduta, constituída pelo conhecer, o sentir e o fazer.
Com isto, naturalmente, o homem vai actualizando as suas potencialidades básicas.
Porém, a educação dirige-se ainda ao neocórtex, centro da consciência, da inteligência,
da imaginação e da liberdade, um plano que reclama e atende os valores. Para ele se
dirige a educação propriamente dita. 34 ―Se a educação como facto, ou dado, consiste em
alteração, em ―ser-o-outro‖ – o social –, a educação como possibilidade, o valor
proposto neste caso (…), consiste em ensimesmamento, em ―ser-si-mesmo‖ – aventura‖
(Fullat, 1988, 115). Nisto se consuma a libertação para si mesmo das programações
genética e social, correspondendo-lhe a socratização, por oposição à socialização do
nível anterior. ―A dúvida, a ironia, a crítica, o silêncio, o recesso e a solidão constituem
métodos excelentes para experimentar-se como substância própria‖ (Fullat, 1988, 115).
32 As ideologias, pelas quais o Estado instrumentaliza os media e a educação, aparecem quando é preciso justificar toda a vontade
de domínio que fere a consciência. Ora o poder parece ser sempre exercido desde a força e não desde a verdade, o bem e o belo, mas
esse é o preço a pagar pela segurança. Inscrito nesta contenda, é certo que o processo educativo não possa deixar de sofrê-la.
33 Sem utopia só pode pois haver enclausuramento, uma vez que sem ela dificilmente sobrevive a aspiração do melhor e mais
autêntico que o humano quer ser.
34 Segundo Fullat, no plano primitivo do processo educacional, a consciência do educador acomete a do educando até este ter
possibilidade de se tornar consciência significadora, condição que pode ser propiciada, retardada ou obliterada pelo primeiro nível
educativo. Mas, como se vê, nem um nem outro nível podem ser dispensados: sem o acometimento desde a cultura, que reprime e
molda, não há base para a consciência a que se dirige o segundo plano. Este afirma-se precisamente como consciência oposta –
autónoma quer dizer que se dá a si a própria lei – e contrapõe-se à estruturante ou educadora. Temos, pois, luta de consciências e
violência a vários níveis: físico, psíquico, social, cultural e ontológico.
35
35 É patente que se dá aqui conta de uma antinomia educacional importante. Se, por um lado, a realidade sempre nos requer alguma
adaptação, que a educação deve servir, ela deve fazê-lo de tal modo que nos permita ―adaptarmo-nos a tudo – mas sem nunca
perdermos a nossa identidade, que se fortifica com a fidelidade ao projecto pessoal‖ (Alte da Veiga, 2006, 273)
36 Kant não acreditava que o género humano fosse movido no campo político por impulsos morais e viria a exigir a concordância
da política com a ética através do direito (Romanillos, 1998). Nem mesmo as limitações da natureza humana, que Kant reconhece,
podem subtrair a política à incondicionalidade do dever e daí à consecução de um fim prescrito pela razão prático-moral ―a
consecução de um estado de paz universal e duradouro.‖ (Romanillos, 1998, 86) Este é o bem político supremo que está em
consonância com a possibilidade de progresso continuado do humano.
37 O contrato e o direito aparecem, na perspectiva kantiana, para harmonizar os arbítrios individuais. Na ética a lei pensa-se como
fruto da liberdade e da autodeterminação da vontade moral individual e no direito como expressão da vontade geral. A renúncia à
liberdade unilateral e sem lei recupera-se no papel de colegislador ―dessa outra vontade omnilateral legisladora‖ (Romanillos, 1998,
96). O povo mantém, no entanto, direitos inalienáveis, como a liberdade de pensamento e expressão e o direito ao reconhecimento
da dignidade humana de cada um ser tratado como um fim em si mesmo e não só como meio ou coisa, isto é, como pessoa, ser
moral livre e responsável. Os direitos da pessoa serão mantidos sejam quais forem os sacrifícios do poder. Não se trata, portanto,
aqui apenas de conjugação de egoísmos, ainda que o egoísmo determine a natureza humana, mas da articulação entre vontades
morais, seres com apetência para a vontade moral. Apesar de o uso autónomo da inteligência própria, a ilustração ou emancipação,
seja difícil e perigoso e o contrário corresponde a ―uma incapacidade convertida quase em segunda natureza‖ (Kant, 1784/1985a,
26), de modo que só lentamente se conquista. O Estado colabora nesta tarefa e deve estar ordenado ao desenvolvimento das
disposições da humanidade.
36
38 A propósito da vida escolar, Freud lembra a sua relação e a dos seus companheiros com os seus mestres e conclui que estavam
―desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los‖, dada a natural ambivalência das
relações humanas (Freud, 1914/1979, 286).
37
realizar-se, mas, a nosso ver, este seu modo de ser conjuga-se também com outros
modos.
39 Embora, a nosso ver não queira isto dizer que não se nos possa atribuir maldade alguma ou estejamos sempre desculpados.
40 Segundo estes autores a ética, e portanto toda a relação de fundo ético, deve ser uma relação de compatia, isto é, dotada da
capacidade de participar no que sente o outro, ultrapassando a indiferença com uma relação de deferência, ou seja, a que acolhe com
tacto.
41 Algo que pode ver-se ainda melhor, segundo Fullatt, considerando a natureza ternária da relação educativa entre educador,
educando e conteúdos. Se se apagasse o terceiro termo teríamos apenas o itinerário da filia, reintroduzindo-o deve haver
antagonismo; poderá haver comunicação sobre o conhecível mas não de consciências porque ―A unidade com outrem é
irrealizável.‖ (Sartre, ap. Fullat, 1984, 240). Como já se assinalou o problema pode estar aqui no perspectivar sempre algo no seu
termo absoluto: não há por certo coincidência de cosnciências, mas não poderá haver intersecção, encontro? Nem mesmo um diferir
que aceita e respeita a diferença?
38
Para quem entende, com Sartre, que ―olhar o olhar do outro é colocar-se na
própria liberdade, intentando desde esta, enfrentar-se com a liberdade do outro‖, de
modo que, ―quando olho um olhar, este desaparece e não ficam mais que olhos (…) um
ser-objecto‖ (ap. Fullat, 1988, 136), dificilmente se pode aceitar que a educação seja
algo mais do que ―um desafio à morte‖, em que só há lugar para uma liberdade, a qual
se realizará negando o restante como um mundo de coisas ou objectos‖ (Fullat, 1988,
133). O olhar do professor converte sempre o aluno em objecto, o olhar do pai converte-
o em culpável.
Contudo, o modo como os humanos podem comunicar parece ter possibilidades
de nos abrir um nível de relação educativa não inscrita na agonia. Como Jaspers
mostrou, para além da relação ―objectificadora‖, o eu individual não só possui outros
níveis de profundidade como os requer. Há um eu que aspira à intimidade mais
profunda e reclama uma comunicação existencial, não assente na relação objectiva, mas
na que se estabelece entre sujeitos: ―Eu tenho consciência do meu corpo. O mesmo pode
dizer-se da parte do meu eu que só se entende desde a perspectiva da convivência com
os outros, o eu social; e do eu histórico que me permite ver o meu passado, o que fui e
de alguma maneira o que sou agora, ainda que o meu eu não se reduza nem se ‗esgote‘
em nenhuma destas dimensões. Pois bem, para Jaspers também é comunicação
objectiva a que se estabelece tendo como objecto da própria comunicação os níveis ou
estratos descritos do eu, que são susceptíveis, como já se indicou, de um saber
objectivo. Sendo precisamente a insatisfação, a consciência íntima da insatisfação que
gera o relacionar-se só a estes níveis de comunicação objectiva, que, por outro lado,
também são úteis ao homem, o que desperta no indivíduo a necessidade imperiosa da
comunicação de sujeito a sujeito, de existência a existência: a comunicação existencial‖
(Gómez, 1989, 45). Se existe esta última modalidade comunicativa, capaz de articular
intimidades, segundo a franqueza, o respeito e a liberdade, em que não se assiste à
―intencionalidade de domínio ou subjugação‖, mas apenas ―o animar o outro a ser e a
realizar o seu próprio projecto pessoal de vida.‖ (Gómez, 1989, 45), então uma
educação para lá da agonia é possível.
A respeito da compreensão humana, reconhece Morin (2005), que ela possui três
atitudes: a objectiva, a subjectiva e a complexa. A primeira consiste em apreender e
implica o explicar; é o modo objectivo que junta informações e fornece causas. ―A
compreensão subjectiva é o resultado de uma compreensão de sujeito para sujeito, que
permite, por mimese (projecção-identificação), compreender o que o outro vive, os seus
39
que lhe permitiu a identidade. Mas, mesmo quando ela avalia o certo e o errado, o bom
e o mau, ela pensa para um outro, pensa-os como algo mais do que um simples para-si.
Até quando a consciência quer ter razão, quer tê-la em nome de um outrem
independente. Por isso as consciências se confrontam e se põem também de acordo.
Aliás, talvez nem sejam as consciências que se não podem por de acordo, mas as
vontades e, quando estas querem, não se anulam as consciências: concordam.
Merece ser aqui considerado aquilo que faz do conhecimento algo partilhado.
Referimo-nos às condições da partilha pelas quais a afinidade entre dois seres humanos
dá origem ao sentido: produz ser. Neste caso recorremos à pedagogia de Martin Buber,
para quem a educação acontece, para além da preocupação com os conteúdos, num
certo tipo de espaço de partilha: a co-poiesis ou co-invenção. Como explica McHenry
(1997, 343), ―Buber diz que o conhecimento, e mesmo a cognição, tem o seu oceano
num reino específico, embora seja um reino que interpenetra o reino da estrutura: o
conhecimento vive nessa relação dos seres trazida ao ser pela ‗palavra básica Eu-tu‘ ‖.
Trata-se de um momento em que se comunicam experiências, de modo a
penetrar o círculo de experiência de outrem, elevando-se ambas as percepções a um
patamar novo: um novo mundo. É sob a primazia do diálogo ontológico, o da
mutualidade do eu-tu, que se abre a presença do mundo presente e o ser ressoa na
originária mutualidade do encontro.
Naturalmente a explicação desta possibilidade comunicativa assenta numa
filosofia do encontro. No encontro estabelece-se um estar-em-relação não possessivo,
que confere um contexto de espaço e tempo, de onde brota a possibilidade de inventar
mundo: ―Quando confronto um ser humano como meu Tu e lhe dirijo a palavra básica
do Eu-Tu, então ele não é uma coisa entre coisas nem consiste em coisas… Ele não é
mais um Ele ou Ela, limitado por outro Dele ou Dela, um ponto na grelha do espaço-
tempo, nem uma condição que pode ser experienciada e descrita, um molho solto de
qualidades designadas. Sem limites nem extensão, ele é Tu e enche o firmamento. Não
como se não houvesse mais nada; mas tudo o mais vive na sua luz‖ (Buber, ap.
McHenry, 1997, 344).
Como se vê, neste domínio transcende-se o espaço da simples experiência que
coisifica; há a comunhão do estar-em-relação não possessivo; encontro que distingue
cada um na sua presença particularíssima; coincidência no mesmo mundo assim criado.
Há confrontação mas não afronta.
42
42 Não podemos deixar de lembrar aqui as recomendações de Rogers (1974) para que a educação assente num ambiente de
aceitação positiva incondicional, um ambiente de autenticidades, ou congruências, que se oferecem mutuamente e em, que, apesar
da nossa irredutível e incomensurável subjectividade, nos assiste a possibilidade relativa de experimentarmos o que o outro pensa e
sente tal como ele o pensa e sente.
43
43 Os valores do encontro podem esquematizar-se assim: Relacionar-se Nada ter; Dirigir-se Saudar-se; Presença
Confrontação; Nomear Inventar.
45
3.ª UNIDADE
2.1.1. O essencialismo
44 Platão também pode servir a uma concepção existencial da paideia, com explica Neves (2004), se aplicarmos uma leitura em
estilo socrático da Alegoria da Caverna e que a explicaria considrando o processo educativo consiste em operar uma conversão, um
girar de toda a alma para a luz, embora no caso da pedagogia existencial se substitui-se a ideia de Bem pela existência pessoal ―, ou
seja, o ser-em-situação-limite‖ (Neves, 2004, 118).
49
45 É prolongamento ético do saber prático, capaz de participar na desejada restauração da alma quando acede à sabedoria. A par da
tripartição tradicional da ciência em física, lógica e ética, inscreve-se um novo domínio do prático e experimental, a que é
reconhecido o valor de recompor a humanidade perdida e facilitar a existência. Não estranha, pois, que venha a ser considerado
pedagogicamente.
53
direitos das crianças são agora invocados e a sua especificidade serve como fundamento
da necessária adaptação do processo educativo.
O início da revolta começa a tomar corpo a partir de Montaigne, que verbera a
educação tradicional por ser palavrosa, livresca, transmissiva, memorística, amestradora
e mais teórica do que prática, em poucas palavras, afastada da vida real (Cf. Montaigne,
1993, 8, 12, 13 e 19). A seu ver, mais do que formar almas carregadas de
conhecimentos,46 é preciso formar almas vivas, espertas, avisadas e prudentes: a
educação tem de formar seres doutos que também sejam hábeis. A maior preocupação
deve estar em formar o entendimento e a virtude. Não chega, pois, apenas transmitir, é
preciso fazer descobrir, levar a aprender pela observação e pela experiência: a
―educação será mais por obras do que por palavras‖ (Montaigne, 1993, 79). Importa
garantir que os conhecimentos sejam assimilados, isto é, incorporados à alma daquele
que aprende. Montaigne parece pugnar por uma educação que propicia a autoconstrução
da própria inteligência, tomando-se o saber como matéria-prima do processo.
Da leitura dos ―ensaios pedagógicos‖ de Montaigne sobressaem um conjunto de
princípios centrais para a ―pedagogia da existência‖. De modo determinado afirma o
respeito pelo educando e o desenvolvimento das suas capacidades. E avança já com uma
intuição, muitas vezes, laudada a Rousseau, que, de facto, a levou mais longe: a
educação deve procurar conhecer as características e propensões das crianças. Daí que,
o autor dos Ensaios, proponha uma educação diferencial, isto é, ―segundo as posses do
espírito‖ (Montaigne, 1993, 68). Um aspecto que deve destacar-se é a sua invectiva no
sentido de que a educação descarte a disciplina desproporcionada e prefira atrair a
vontade e cativar o afecto: ―Fora com com a violência e a força‖ (Montaigne, 1993,
74). É preferível uma ―severa brandura‖ (Montaigne, 1993, 73), sem castigos cruéis,
porque mais vale interessar que coagir. Montaigne recusa o autoritarismo, o
dogmatismo e a intenção de conformar externamente o ser moral. Importa-lhe,
sobretudo, que a educação capacite para o uso autónomo das valências do espírito e para
o ―descobrir-se a si mesmo‖. É justo dizer que é com ele que se inicia o processo que
vai sacudir os esclerosados esquemas do essencialismo educacional e motivar a
tendência para pensar a educação em função da existência e das vicissitudes do
concreto.
Entretanto, as variantes da pedagogia da essência, sem abandonarem o propósito
de recondução a um ideal, tenderam a uma aproximação às necessidades, possibilidades,
46 Diz Montaigne que ―é melhor uma cabeça bem fomada do que bem cheia‖ (1993, 41).
56
47 A infância, em particular, possui a beleza do primaveril, o encanto do projecto, a bênção da paz de espírito, não padece das
ansiedades, dos temores, dos tédios, dos desesperos, dos desencantos e das impaciências da adultez. É perfeita em si mesma e
contenta-se com os seus prazeres próprios.
58
48 O princípio mais importante da educação está em nunca querer apressar a natureza, mas deixá-la seguir o seu curso, segundo os
seus ritmos, querer antecipá-la motiva torcicolos que perduram e são difíceis de corrigir. ―A natureza quer que as crianças sejam
crianças antes que sejam homens.‖ (Rousseau, 1981, 97) Querer formar homens antes do tempo só gera monstruosidades. É preciso
deixar maturar bastante tempo a infância para não incorrer em contrariar os seus processos, aliás, há atrasos que são vantagens
―quando se avança até ao fim sem perder nada‖ (Rousseau, 1981, 102).48 À criança é preciso tratá-la segundo a sua capacidade e ter
o cuidado de ―não esgotar as suas forças por querer exercitá-la demasiado‖ (Rousseau, 1981, 116).
59
podemos esquecer que o objectivo primeiro da educação é fazer crianças felizes, a sua
suposta ociosidade tem função própria, pois ―a infância é o sonho da razão‖ (Rousseau,
1981, 118). Ora, antes da idade da razão, a criança não sabe propriamente raciocinar,
funda-se na sensação, no interesse presente e sensível, e não apura ideias, mas imagens.
A primeira razão, que servirá de base à intelectual, é sensitiva. Aliás, as primeiras
faculdades a formarem-se são os sentidos, pelo que devemos começar pelo seu cultivo,
tirando o máximo de cada um: tactear, observar, escutar, cantar por diversão, degustar,
olfactar, nadar, correr, saltar, trepar, medir, contar, pesar, comparar, calcular dimensões,
desenhar, para afinar a visão e flexibilizar a mão, sem esquecer o actuar, definindo os
meios pela previsão dos efeitos. A sabedoria do emprego dos nossos órgãos obtém-se
pela experiência. Quanto ao sentido comum, ele consiste no uso bem regulado de todos
os sentidos.
Será, portanto, descabido querer forçar a atenção49 e o raciocínio da criança com
o que não pode interessar-lhe nem compreender. Sem cativar o seu interesse nem
propiciamos prazer nem damos instrução. Ora, o pesar não é amigo da aprendizagem,
mas o prazer e o desejo é que devem produzir a atenção. Tenhamos em conta que a
criança não pode aprender aquilo em que não reconhece a vantagem do prazer ou da
utilidade, pelo que todo o instrumento que se lhe apresente deve servir os seus interesses
e prazeres. O meio mais seguro da educação é o desejo de aprender, cujo móbil se situa
no interesse actual. O experienciar, movido pela curiosidade congénita, é a fonte das
aprendizagens significativas: eis um princípio fundamental da educação nova (Best
1980). Menos pedantismo magistral, ditame, imitação e memorização e mais espaço à
indução, de modo a que as crianças busquem as demonstrações de como as coisas são e
aprendam por si. O hábito apenas serve para asfixiar a imaginação. 50 Mas os trabalhos
manuais e o jogo, sem emulação espúria,51 senão aproveitando a vivacidade e a alegria
naturais, são um excelente meio de educação para a infância. A alegria da infância é
uma força poderosa que não pode ser desperdiçada, se queremos formar na ciência do
equilíbrio, da ponderação e da estimação das próprias forças, que confere a graça da
postura sempre segura. Cabe ao mestre fazer nascer o desejo, preparar os meios, os
contextos e os recursos para se encontrar o que se deve pela procura natural habilmente
suscitada.
49 ―Afastemos do seu cérebro toda atenção demasiado penosa‖ (Rousseau, 1981, 169).
50 Para as crianças serve apenas o hábito da necessidade e para os homens o da razão, tudo o mais é vício.
51 Menos do que estimular a vaidade, importa que cada um meça os seus progressos pessoais e se congratule com eles. Que cada
um seja émulo de si mesmo.
60
52 Tal como ensinava Sócrates a verdadeira lei moral está em não cometer injustiça e, tão só, por si, basta, como lição própria a
todas as idades. Tudo o resto apenas motiva o transporte para o exterior. Ensinemos as virtudes sem dizer os seus nomes, mas
deixando trabalhar a natureza. Quando for tempo de sentir o seu ser moral será tempo de o iniciar no estudo das relações humanas,
tema que o ocupará durante toda a vida.
53 ―Amai a infância; favorecei os seus jogos, os seus prazeres, o seu amável instinto. Quem de vós não admirou alguma vez essa
idade em que o riso está sempre à flor dos lábios, e em que a alma está sempre em paz? Porque quereis tirar a estes pequenos
inocentes o gozo de um tempo tão curto que se lhes escapa e de um bem tão valioso do qual não acertariam em abusar?‖ (Rousseau,
1981, 84)
62
de aprender a morrer‖ (Rousseau, 1981, 239). A educação é essa arte, quase impossível,
de saber seguir o curso da natureza e educar o humano para si mesmo, para a sua
condição humana, na qual ―viver é o ofício‖ (Rousseau, 1981, 41). Se importa levar o
educando a adquirir a capacidade de agir fazendo uso de todos os sentidos, órgãos e
faculdades, é, sobretudo, fundamental que se lhe proporcione o desenvolvimento de um
sentimento próprio de existência. E este é um princípio que nos aparece como um
referente crítico indispensável para julgar o educativo e o deseducativo. Pois é em
relação a ele que temos de perspectivar a educação se queremos, tal como aponta Alte
da Veiga (2006), atingir um plano em que se torna filosofante, ou seja, que abre para a
admiração da ex-sistentia, para o encontrar-se a si próprio tomando o mundo por campo
dos projectos pessoais de afirmação ontológica.54
Do que expusemos, parece líquido que Rousseau, ante tudo, centra a educação
na existência, isto é, refere-a ao indivíduo concreto e ao seu desenvolvimento segundo o
curso da natureza. Contudo, não significa isto que a pedagogia de Rousseau desprezou
todo o ideal. O nosso autor afirma que Deus grava no fundou do coração do homem a
sua lei e aponta a sua pedagogia para a formação do homem segundo um certo ideal.
Nunca esquece as virtudes, mas não está disposto a aceitar um homem conformado do
exterior. O ideal pauta-se pela lei da natureza, respeita os seus processos e remete-se a
secundar o seu trabalho. E aqui começa a verdadeira questão sobre a natureza do
conceito de natureza em Rousseau. Lembremos que se trata ainda da criação, que sai
das mãos do Criador bela e perfeita e que só pela acção do homem degenera. A
corrupção deriva, por todos os lados, da intervenção humana e suas instituições. O
conceito de natureza refere-se, pois, ainda a uma certa metafísica que, no caso de
Rousseau, lhe serve para inflectir a favor da existência, do indivíduo e do seu
desenvolvimento, confiando convictamente que do curso da natureza só pode sair algo
de bom. Isto parece indicar-nos que, se se insinua sempre em qualquer proposta
pedagógica alguma referência metafísica, o crucial para as pedagogias novas, como nota
Resweber (1988), pode estar, sobretudo, no modo de encarar e respeitar o sujeito, tanto
quanto á sua novidade, como quanto à sua originalidade, procurando apoiá-lo. A este
respeito parece paradigmática a postura inaugurada por Rousseau.
54 Rousseau não se cansa de insistir que devemos formar o sujeito a conhecer-se para tirar partido de si e encontrar por si a
felicidade própria, dotando-o da capacidade para, chegada a altura, ser guia determinado de si mesmo. A única ciência que importa
ensinar-lhe é a de ser homem e esta não se adquire com preceitos impostos, mas é preciso fazê-los descobrir pessoalmente, tomando
lições da natureza e não da autoridade dos homens, que só acerta em dobrar as almas à opinião e ao preconceito.
64
55 Hoje, cada vez mais, a sua orientação tem chamado à contribuição das ciências para precisar a orientação da arte pedagógica,
nomeadamente mediante a experimentação pedagógica das técnicas. Mas o seu lema fundamental é ainda o do acompanhamento
progressivo das transformações funcionais e das variações qualitativas, no respeito pela evolução natural e os interesses da criança,
segundo um processo de participação efectiva no aperfeiçoamento pessoal, que procura a individualização e prepara para a vida
66
delas se obter uma atenção também desigual. O espírito falha e o erro aflora apenas
quando a inteligência se vê afectada pela distracção. Emerge a partir da preguiça, do
menosprezo da competência pessoal, do medo perante o ousar a autonomia intelectiva,
ou do pensar sobre o signo da desigualdade. São os desvarios e recuos da vontade que
motivam a distracção fundamental que suspende a busca que alimenta o aprender. Uma
falta de atenção, como carência, perversão ou traição da vontade, corresponde, portanto,
a uma infidelidade a si mesmo, a um mentir-se. O ser é fiel a si no centrar-se em si, que
constitui o princípio da veracidade. Em função dos movimentos da vontade,
determinantes da intensidade da aplicação da inteligência, é que toda a palavra se enche
ou esvazia.
Semelhante perspectiva educacional parece antecipar, em muito, a abordagem
existencialista de, por exemplo, um Karl Jaspers, para quem o essencial da educação é
devolver o educando ao ser-si-mesmo. O educador propicia o acesso dessa concentração
pessoalizadora, em que o educando passa a tomar conta de si sabendo-se ser
determinado e marcado por situações-limite,58 sobre as quais não pode haver verdade
definitiva nem propriamente explicações; a este respeito, educador e educando estão
igualizados na vivência da sua existência única; quanto à sua condição antropológica,
ambos se encontram em relação horizontal: são companheiros de viagem (Cf. Neves,
2004). É por isto que, num e noutro caso, devemos ter um regresso à paideia socrática,
ou seja, aquela relação educativa em o mestre só pode assumir-se ignorante, pois
perante o enigma da existência, ou a substância multimodal e inesgotável da verdade,
educador e educando estão em pé de igualdade, ambos buscam, porque nenhum pode
deter solução definitiva. Assim, ao educador não cabe explicar o inexplicável, e, uma
vez que em realidade é tão ignorante quanto o educando, apenas lhe resta convidar à
descoberta da verdade, de modo pessoal e autónomo, sem mediações.
Tal como depois reclamará a pedagogia existencialista, o principal recurso da
Educação Universal de Jacotot será, pois, a comunicação veraz em que duas existências
verazes correspondentes a duas inteligências equânimes se encontram, se afirmam e se
reconhecem como tal, para se aplicarem em torno do centro ausente da verdade e dela
obterem experiências de veracidade sem nunca a possuirem. A Educação Universal é a
verificação da aplicação dos espíritos emancipados na busca da verdade, de que podem
formar opiniões, ter encontros, mas nunca coincidência absoluta de inteligências.
Jacotot parece partilhar a convicção de Montaigne (1993, 111), de que ―Nascemos para
58 Ver adiante.
68
59 E nisto vemos também uma antecipação da ―comunicação existencial‖ entre intimidades, que deve excluir toda a violência, ser
livre e gratutíta e que Jaspers reclamará para culminar o trabalho educativo (Cf. Neves, 2004).
60 De tal modo que a sociedade emancipada seria obrigatoriamente uma sociedade de artistas. Pois as próprias capacidades do
espírito são apenas virtuais, têm de comprovar-se sempre por caminhos diferentes, que são, naturalmente, os caminhos da
emancipação.
61 A via para sair da ficção da desigualdade e do círculo do atontamento crónico da máquina explicadora consiste no seguinte
princípio: ―pode-se ensinar o que se ignora‖ (Rancière, 2003, 131). Neste contexto, que é, note-se, o da igualdade de planos entre o
que ensina e aprende, não se admite a inferioridade nem se instala o menosprezo de si, formam-se homens emancipados.
69
consciencializa do poder intelectual próprio. Ora, como também notam Orbe, Bondía &
Sangrá (2006), é preciso, hoje, fazer frente à ―mentalidade fabricadora‖,62 atravessada
pela veleidade da racionalidade tecno-científica, que quer reduzir a educação ao saber-
fazer, à destreza e à competência, e que confunde a capacitação para um mercado de
trabalho com a formação. Semelhante orientação atem-se geralmente a um discurso
científico que pretende encarar o campo educativo com vista à sua planificação técnica
e, cujo vocabulário, é o ―da eficácia, da avaliação, da qualidade, dos resultados, dos
objectivos; a linguagem dos didactas, dos psicopedagogos, dos tecnólogos, dos que
constroem a sua legitimidade a partir da qualidade de peritos‖ (Orbe, Bondía & Sangrá,
2006, 245). Porém, a educação precisa, sem dúvida, de um espaço, não subsumível ao
planificável, através do qual se liberte o imprevisível e o ―poiético‖.
Para Jacotot, os métodos pedagógicos, apesar de todas as boas intenções,
parecem todos incapazes de admitir a igualdade das inteligências, pois não concebem a
possibilidade de se ensinar o que se ignora. Já o seu antimétodo, que não dispensa o
mestre,63 mas em que este não ensina o que sabe, procura deixar que seja a natureza a
ensinar as pessoas por si mesmas e toma por regra única o ―verificar a aplicação de
inteligências iguais no seu esforço de tradução entre si‖ (Rancière, 2003, 174). Se
Jacotot parece aceitar a ignorância equivalente das inteligências finitas perante a
verdade absoluta, não está disposto a aceitar a ignorância suposta pelo pedagogo e que
se refere à condição inicial do que carece de competência crítica para saber o que ignora
e, em consequência, para seleccionar o que lhe convém saber.
Ora, pelo menos no que diz respeito à criança, isto parece ser incontornável. A
mais dramática evidência aqui é que ―a criança não sabe que ignora, isto é, não sente a
falta dos conhecimentos que não tem‖ (Savater, 1997, 70). E ―é o mestre, aquele que já
sabe, quem firmemente acredita que o que ensina merece o esforço que custa aprendê-
lo‖ (Savater, 1997, 71). À criança nem sequer é legítimo pedir-lhe a ânsia pelo
conhecimento do que não pode mesmo antever. Por isso tão pouco é possível educá-la
sem a contrariar, temos de formar primeiro a sua vontade ―e isso dói sempre bastante‖
(Savater, 1997, 71). Jacotot apelava à espontaneidade da vontade, mas é preciso formá-
la. Aporia?
62 Fundada sobre a crença na faculdade de poder explicar regras, princípios e técnicas, com eficácia e tendo em vista a eficácia,
como se a transmissão da experiência codificada pelo ―perito‖ equivalesse ao mostrar pelo fazer e ao exercitar-se. Como se nada se
perdesse da experiência com a recompilação da informação que se transmite mediante destrezas destinadas a fazer compreender.
63 Como também a pedagogia jasperiana não o dispensava: ―A aletheia, o desocultar, não pode ser levado a cabo pelo educador,
mas pelo educando, ainda que seja óbvio que sem o educador, o educando não o conseguiria alcançar‖ (Neves, 2004, 116).
70
64 Uma antinomia a que já aludimos e que nos obriga a ter em conta que: ―Se a pressão exterior for demasiado forte, não permite o
próprio desenvolvimento do sujeito; se esta é, pelo contrário, débil, e se estimula demasiado as próprias faculdades do educando,
sem a devida direcção e guia, o processo de conduta pode descarrilar e malograr-se‖ (Lemus, 1969, 14). O que em todo caso é
preciso é que não se frustre a condução do sujeito de uma situação heterónoma para uma situação autónoma e coroada pela
consciência moral: ―O fim educativo é a formação de homens livres, conscientes e responsáveis por si mesmos, capazes da sua
própria determinação. Nisto consiste precisamente o facto humano da educação, na formação da consciência moral, na capacidade
de discernir entre o bem e o mal.‖ (Lemus, 1969, 15). Aqui podemos encontrar-nos com a crítica de Orbe, Bondía & Sangrá (2006)
que verberam em conjunto as ―doxas‖ técnica, que quer dizer o que há, para formatar a educação segundo a lógica da planificação e
da eficácia, e a crítica, que quer dizer o que deveria haver, para encaminhar a educação à realização de ideais. Porém não podemos
evitar a perplexidade de vermos que os mesmos autores querem que a educação seja constitutivamente ética, assinalando-lhe os
valores da responsabilidade, da solicitude, do tacto e da ―compatia‖, que não sabemos muito bem distinguir da compaixão. Nem
vemos como pode dispensar-se dos valores da liberdade, da igualdade e da cidadania.
71
65 Talvez seja esta uma boa ocasião para assinalar que saber ser professor passa precisamente pelo saber conjugar de forma
equilibrada as componente científica, psicopedagógica e didáctica, embora sem que, nem por isso, o educativo se esgote no seu
conjunto, pois o professor deve ser também um educador, que é alguém que sabe fazer frutificar a sua acção na vontade do
educando aprender mais e se abrir aos problemas humanos (Boavida & Amado, 2006a). Nesta visão o alcançar do educativo não se
72
seu intermédio, o mestre aprenderá também com o aluno, isto é, ambos aprenderão
como humanos que buscam o que todos eles buscam e, nessa busca, traduzirão
―poieticamente‖ as inteligências entre si, de modo que a inteligência dos que aprendem
se afirme e se expanda.
Se em educação pode ser necessário assinalar o ponto específico da ignorância,
muito importante será, por vezes, consciencializar simplesmente os que devem aprender
quanto à sua condição. E, neste caso, o mais profícuo será usá-la para acicatar as
vontades e não para diminuir as capacidades. Diz-nos Savater (1997) que o mais próprio
do homem é aprender dos outros, na medida em que com eles se estabelece uma
vinculação intersubjectiva, por isso, mais do que fazer assimilar conhecimentos
concretos importa propiciar o acesso aos significados. Ora é dos nossos semelhantes que
devemos obter ―a chave para entrar no jardim simbólico dos significados‖ (Savater,
1997, 30). A educação distingue-se da simples informação, precisamente, porque
implica entrar e habitar num universo simbólico, sendo para tal indispensável saber
traduzir as inteligências entre si. ―Antes de mais nada, a educação é a revelação dos
outros, da condição humana, como concerto de cumplicidades irremediáveis‖ (Savater,
1997, 32). Semelhante ideia parece colher todo o valor da perspectiva de Jacotot.
compagina com o simplismo de que quem sabe a matéria sabe ensiná-la e de que um receituário geral e sintético da transmissão
basta para tal. ―É esta a posição acabada de quem desvaloriza o especificamente educativo, por não o reconhecer, ou por não
compreender onde ele está ou onde possa estar, seja no professor, na matéria, no aluno ou, como geralmente acontece, numa inter-
relação de várias triangulações e múltiplas combinatórias. E para cuja solução muitas ciências poderão contribuir, mas sempre em
função de uma relação educativa, de uma situação e de uma meta que, relacionando-se entre si, são determinantes e condicionam
todo o conjunto, numa síntese superadora, muito variável e de difícil captação. Esta teia de relações e de variáveis é em si mesma,
uma realidade especificamente educativa, que nenhuma ciência em particular pode compreender, mas também escapa a uma simples
multidisciplinaridade. […o educativo] sobreleva as partes porque as reorganiza educativamente, isto é, dá-lhes o significado
educativo que, de outro modo, lhes falta‖ (Boavida & Amado, 2006b, 57-58).
73
para o raríssimo caso dos génios. Quanto aos outros, para a grande maioria, destina-se
uma educação adaptativa, que os converta na base de apoio dos génios e destinada a
servi-los. ―As escolas, de acordo com esta perspectiva, teriam o importante papel de
treinar a maioria para propiciar a emergência do ‗grande e redentor homem‘ através da
manutenção das condições sociais e económicas apropriadas‖ (Fennel, 2005, 89-90).
Ora, no primeiro caso estaríamos nos antípodas da pedagogia da existência, pois para as
massas trata-se da mais rigorosa adaptação dos sujeitos ao quadro social vigente.
Nietzsche divide claramente a humanidade em dois tipos de homens: o que quer
afirmar a sua vontade e força (a sua independência e diferença, o mais desviante, que se
coloca para além do Bem e do Mal, o nobre, pura expressão da riqueza da vontade de
poder) e o medíocre. Para Nietzsche tudo o que contrarie o instinto de vida e a pura
alegria de existir deve ser abatido ou posto ao seu serviço, isto é, instrumentalizado. No
seu caso, o bem-estar da maioria e a igualdade não são nunca desideratos apropriados ao
aparecimento do Super-homem, que constitui a melhor forma da realização da Vida: ―O
super-homem é um símbolo das possibilidades humanas cuja elaboração constitui a
dimensão positiva do projecto de Nietzsche‖ (Fennel, 2005, 94). Isto significa que, de
facto, se aponta uma essência humana e um ideal ao presente, embora Nietzsche apenas
tenha esboçado esse ideal e em grande medida negativamente, segundo o que ele não
devia ser. Em todo caso, semelhante Super-homem é entendido como o destino para
consumar a depuração da raça, pelo que tudo mais deveria subordinar-se ao seu
aparecimento. ―Nietzsche articula uma classificação dos seres humanos em que alguns
são considerados superiormente, muitos são vistos como nada prometendo, e outros
(talvez a maioria) porque impediriam o que é mais elevado, são simplesmente
desprezados‖ (Fennel, 2005, 104).
Para Nietzsche aquilo que seja possível à maior parte dos homens não é digno de
profundo respeito. O papel da maioria é manter-se produtiva para permitir o
―Ubermensch‖ e a afirmação dos seus valores.
Destinando uma educação adaptativa à maioria e uma educação radical,
segregada dos medíocres, aos indivíduos dispostos à autotranscendência, aos génios, a
filosofia de Nietzsche constitui uma antinómica proposta educacional. A sua proposta
pode ser interpelada com uma questão: ―Por que valerá mais a autotranscendência de
um génio do que a de um simples humano?‖ Apontar a educação ao melhor das
possibilidades humanas sem valorizar as possibilidades de cada um e a sua
autotranscendência como a maior conquista não constitui uma verdadeira proposta da
75
67 Em quem descobrimos, como aliás em vários pedocentristas, um eugenismo feroz (Cf. Baker, 2003). Em muitos destes casos
vemos defender-se a centração nas necessidades das crianças para de facto melhor perspectivar a sua funcionalização a um ideal que
lhes é extrínseco.
77
68 Neste sentido pode até ver-se na analítica heideggeriana como um aprofundamento do Humanismo, mesmo quando o nosso autor
critica esta corrente, pois a ―Humanitas‖ sai dela matizada por novas virtualidades.
79
Para Heidegger nenhum ―telos‖ orienta o Ser ou o ―Dasein‖. Embora este tenha
a capacidade de se projectar no futuro, fá-lo à margem de qualquer Ideal que assinale de
antemão o sentido da vida. É a maravilhosa capacidade humana, do ―Dasein‖, para a
abertura ao Ser que vai possibilitando a construção desse sentido. ―‗Da‘ significa ‗aí‘ e
‗ein‘ corresponde a ‗ser‘: ‗ser-aí‘. Alguém sendo aí projecta o Dasein para lá do ‗aí‘ em
direcção a um futuro. Ser-aí é um movimento de potencialidade‖ (Irwin, 2003, 234).
Mas o ―Dasein‖ tem de enfrentar a ansiedade intrínseca à sua finitude, a finitude do ser-
para-a-morte, que é o ponto de fuga para compreender com essencialidade a sua vida
como um todo. Como assinala Fullat (2003), no quadro do pensamento heideggeriano, o
ser humano anseia a verdade, mas nunca a alcança absolutamente; vai desvelando
verdades, vagabundeando em ―caminhos que não levam a lado nenhum‖, num exercício
de simples ludismo. Tão pouco contamos com moral, o ―Dasein‖ injecta sentido
levando o ser a aparecer na linguagem: ―o Ser consiste essencialmente em fazer-se
sentido. Qual? Qualquer que seja. Trata-se de uma Ética, esta de Heidegger, da
indiferença ante o concreto, mas é uma ética originária já que consiste en ter que dar-se
sentido e significação antes de qualquer fixação histórica‖ (Fullat, 2003, 220) ―Ek-
sistir‖ é sair de si sem meta fixada, daí que tudo é jogo e os valores rasos.
Mas a partir do quadro de condicionamentos e possibilidades para onde foi
atirado, o ―Dasein‖ poderá, ainda assim, desde a perspectiva da sua finitude, projectar-
se uma vida autêntica, pois é nesse quadro que o pensamento pode acontecer como
abertura e escuta do Ser. O ―Dasein‖, no seu próprio processo de tornar-se, pode dispor-
se à escuta do Ser, que no aparecer dos entes se manifesta e na abertura ao acontecer se
desvela.
No enquadramento da filosofia heideggeriana, toda a educação se ordena ao
desenvolvimento da fundamental virtualidade ontológica do ―Dasein‖, ou seja, destina-
se a despertar a escuta do Ser, do ser que somos também, ou vamos sendo e projectando
ser, a partir da finitude que nos define. A educação deve encarregar-se de suscitar a
capacidade de atenção ao Ser, de despertar para a sua escuta, pois é nessa escuta que se
descobre o sentido que nos faz falta, o sentido de ser.
Como mostra Thomson (2004), tendo por referente o ―imperativo existencial‖,
que sentencia ―Torna-te no que és‖, ou, mais claramente, ―Sê tu mesmo‖, Heidegger
aponta-nos o repto de recusarmos o mundo pronto e aproblemático do conformismo,
que nos confere segurança a troco da heteronomia do nosso intrínseco projectarmo-nos
a partir da finitude que somos. A existência heterónoma define-se pela perda da
80
autenticidade do nosso modo de ser e, por isso, nela não somos, verdadeiramente, nós
próprios, ―nem somos o que somos‖, porque o ponto a partir de onde nos projectamos
não nos pertence. Há, pois, que abraçar a finitude que somos – e aceitar que nada pode
definir a priori o sentido seguro e único do ser que devemos ser – para, simplesmente,
―escolhermos escolher‖, isto é, tomarmos uma posição pessoal sobre o que queremos
ser. A partir desta ―resolutividade antecipatória‖ podemos regressar ao mundo pronto,
que nos envolve e determina, e assumir com autenticidade o projectar que somos, nas
sendas das suas possibilidades. Abraçando a finitude que nos define recusamos o ―já
pronto‖, que nos enclausura no sentido inautêntico do existir e tornámo-nos senhores de
nós próprios: recuperamo-nos para o autêntico ser si próprio. Ora, se este é um desígnio
antropológico, então toda a educação genuína deve votar-se ao encaminhar-nos para nós
próprios, ou seja, a devolver-nos a autenticidade do existir. ―O desiderato desta odisseia
educacional é simples mas revolucionária: devolver-nos a nós próprios, começando por
afastar-nos do mundo em que estamos imediatamente imersos para depois nos
redireccionar para esse mundo num modo mais reflexivo.‖ (Thomson, 2004, 457)
Restará agora saber, se isso se consegue provocando, inexoravelemnte, o colapso do
mundo já pronto, que cada um transporta e é, na maior parte dos casos, ou seja, se o
modo pedagógico do despertar da ansiedade passa por provocar uma crise da identidade
heterónoma constituída pela subterrânea inércia do conformismo ou do quadro
metafísico que formata as nossas possibilidades compreensivas e existenciais.
A pedagogia proposta por Delfim Santos é um bom exemplo de como a
perspectiva heideggeriana pode desenvolver-se em pedagogia. O filósofo português
entende que o objecto da pedagogia é o homem transiente e, desse modo, toda a
afirmação neste terreno deve ter como horizonte o tempo, isto é, a existência: ―É neste
sentido que caracterizamos a pedagogia como processo existencial e não como processo
lógico independente do tempo. A fundamentação existencial da pedagogia radica, pois,
na compreensão temporal da existência humana. O homem não aprende apenas para
viver, mas para existir, e existir não é apenas viver. A noção de existência é o ponto de
partida da pedagogia, como também na actualidade se tornou o ponto de partida da
filosofia. Existir é estar-no-mundo. É este o facto primário, original e estrutural da
existência. Esta situação fundamental, em que tudo radica, implica três diferentes
momentos. Estar-no-mundo é estar em contacto com o mundo inorgânico, com os
outros seres vivos, e também consigo mesmo. Desta ocupação e preocupação resultam
situações diferenciadoras para o acto de aprendizagem. As coisas mostram em que
81
consistem, os outros como subsistem e ele próprio como existe. A pedagogia tem,
portanto, três modos irredutíveis, quer no seu significado, quer no seu sentido. É em
função do diálogo com as coisas e com os outros, amiúde interrompido pelo monólogo
do estar consigo, que o homem compreende o ‗para‘ que está no mundo e desenvolve
vocacionalmente as suas aptidões. Realmente, o fundo sentido do acto pedagógico pode
caracterizar-se desta maneira: clarificação progressiva do trânsito do estar-no-mundo,
como situação original, para o estar-no-mundo-para-alguma-coisa. É neste trânsito que
se revela a capacidade de compreensão, e aprendizagem é o acto primário consequente
do estar-no-mundo (Santos, 1946/1982, 440-441).
A partir da filosofia existencialista de Sartre, nomeadamente da sua ontologia e
antropologia, é possível perspectivar uma concepção do ser educando do homem e, em
consonância, uma concepção da educação e da acção pedagógica de cariz
eminentemente trágicas (Fullat & Mèlich, 1989). Na verdade, a sua base
fenomenológica e existencialista, de uma antropologia desesperançada, só pode
produzir uma concepção trágica da educação.
À boa maneira da fenomenologia, Sartre concebe a consciência como
intencional: toda a consciência é consciência de algo, que se constitui como correlato
(noema) da consciência (noesis). É patente que existe um mundo, que é o que é, e que é
objecto para a consciência, o próprio Ego é para a consciência um ser no mundo. Em
relação a esse Ser a consciência não pode considerar-se mais um ser, um qualquer
objecto, mas antes um ―dar-se-conta-do-objecto‖, não uma res, mas antes tudo o que
não forma parte do Ser, um ―Nada de Ser‖, ou um ―Nada de‖. Só o Nada se pode, na
verdade, colocar para além do Ser. Naturalmente não há consciência (noesis) sem
objecto (noema), pois não há consciência de nada, contudo é preciso que uma
―consciência de‖ faça a sua aparição para que o ―Ser-em-si‖ seja algo para uma
consciência, isto é, que alguém saiba que algo é.
Isto cinde a própria realidade humana no Ego, entre o seu corpo e sentimentos,
que fazem parte do ser, e a consciência, o nada, o ―dar-se conta de‖, que,
verdadeiramente, constitui o humano. Este ―dar-se conta de‖ ocorre sempre num
presente, a partir do qual toda a biografia pessoal se constitui, neste sentido ―a
existência precede a essência‖. O presente é o tempo originário do ser. ―Não há uma
essência humana dada de antemão, o homem não tem ‗passado‘ dado, uma biografia
imposta, um projecto vital prefixado‖ (Fullat & Mèlich, 1989, 73), ao contrário do que
pressupunha a filosofia tradicional. Próprio do homem é o existir a partir da sua
82
consciência, para a qual nada está dado, nem valores, nem natureza, porque é mesmo
um ―nada de‖, que livremente deve construir-se a sua própria história, a sua essência:
―Que significa ainda que a existência precede a essência? Significa que o homem
começa por existir, se encontra, surge no mundo, e depois define-se. O homem, tal
como o concebe o existencialista, se não se define, é porque começa por ser nada. Só
será depois, e será tal como ele se tenha feito. Assim, pois, não há natureza humana,
porque não há Deus para concebê-la. O homem é o único que não só é tal como ele se
concebe, senão tal como ele se quer, e como se concebe depois da existência, como se
quer depois de este impulso para a existência; o homem não é outra coisa que o que ele
se faz‖ (Sartre, ap. Fullat & Mèlich, 1989, 74).
Concebido como ente livre, na verdade um naufrago condenado à liberdade, o
homem deve enfrentar a responsabilidade e a angústia dessa liberdade. Porém, toda a
fuga da sua condição só pode levá-lo à má-fé da heteronomia, à renúncia à sua própria
liberdade ontologicamente definitória, o que equivaleria à renúncia a ser homem. A
tragédia emergirá, então, da inevitável ânsia ilusória do projectar-se e completar-se, que
nunca poderá ter culminância num absoluto que faça coincidir o ―em-si‖ no ―para-si‖.
Condenado, ainda para mais, a viver com os outros, para quem é sempre um objecto
para uma outra consciência, o homem vê-se, inevitavelmente, afogado na luta da
coisificação, em que as consciências sempre e, de modo inexorável, se digladiam, sem
reconciliação possível. O olhar coisificador do outro destrói a consciência como tal e
constitui para ela o inferno da sua condição. Pelo que, também neste plano, de novo,
emerge a tragédia.
Neste quadro, a finalidade pedagógica fundamental deve ser a descoberta e o
exercício da liberdade, de modo que o educando se descubra como ser-por-e-para-a-
liberdade, sem possibilidade de renunciar a essa condição de ser liberdade, sem se trair.
Aceitando a verdade da sua condição, ele não tem qualquer possibilidade de acalentar o
sonho de uma felicidade realizável, correspondente a um colmatar-se e a um reconciliar-
se definitivos. Toda ilusão (de felicidade) tem o preço de um trair-se, pelo que a
existência deve aceitar a verdade da sua infelicidade de condição. A própria educação se
orientará, portanto, para a autenticidade quanto à condição da existência, que não pode
conjugar-se com a possibilidade da felicidade. Toda a segurança corresponde a uma
renúncia à liberdade e, por isso, a educação que se lhe dirija só pode ser uma educação
inautêntica. A educação autêntica, por outro lado, educa para a liberdade, isto é, para a
verdade e a infelicidade. Ser feliz e livre em simultâneo é impossível. A educação pode
83
69 A situação, que define as possibilidades do homem, constitui pois o primeiro limite antropológico.
85
o realiza, mesmo que limitadamente? E por que não aprender a celebrar essa realização,
a degustá-la e a saber preencher com ela a vida, mesmo que fugazmente? Por que não
aprender a ligar todas as realizações, como fios de um percurso existencial com sentido,
capazes de comporem um sentimento de fundo de realização, ainda que com reveses e
limitações? O existencialismo não vê o homem como um ser feito para a felicidade,
nem aceita que a autenticidade existencial possa passar por buscá-la. Contudo pode
haver muita felicidade no viver segundo a virtude, tal como sugeriu Aristóteles (Cf. Alte
da Veiga, 2006). Nada disto significa estacionar, nem tão pouco suspender a aventura de
ser humano que está no questionar. Dado que queremos manter o princípio de que a
realidade se compõe de tensões, não podemos aceitar que a educação seja apenas luta,
afronta, angústia, retraimento e insatisfação. Isso seria uma radicalização que, de facto,
suprimiria um dos pólos das tensões que podem animar a antinómica antropológica e,
logo, também a educacional, que adiante se discutirá.
O existencialismo deixa-nos uma forte radicalização do entendimento da
finitude, da liberdade e da perspectivação da autenticidade da existência como um
projecto pessoal a edificar-se. Mostra-nos a importância deste desígnio que sublinha um
critério fundamental do educativo. O apelo à autenticidade deve ser registado como um
critério maior da educação, porém tem de ser temperado com uma certa dose de
optimismo quanto às nossas possibilidades existenciais. Parece-nos indispensável
equilibrar os pratos da balança da antinomia antropológica e educacional. Aceitar as
situações-limite da nossa existência terá de fechar as portas da esperança, da concórdia,
da paz, da entreajuda, da compaixão e da felicidade, ainda que sempre limitadas e
provisórias? Não poderemos e não deveremos educar também para estas finalidades?
não nos merece grandes objecções. Contudo, esta inflexão no sentido de conquistar a
autenticidade pessoal, o verdadeiro self, aparece associada a um pressuposto algo
absurdo da pedagogia da self-reformulation: o projecto da não-identidade, em que
nenhum aspecto do currículo pode hierarquizar-se, nem nunca a verdade pode ser
considerada mais importante do que o self. É certo que a pedagogia da self-
reformulation ensina a humildade e a abertura experiencial, porém parece fazê-lo para
entregar o sujeito à desconstrução de tudo o que possa considerar-se um self estável. O
seu propósito é o comprometimento com uma não-identidade do self ou uma identidade
vacilante num contexto de total planura democrática na interacção. ―Em nome da
liberação humana, a pedagogia da self-reformulation providencia as mesmas
oportunidades para todos os estudantes. Sob o princípio de que um self estável e uma
identidade fixa são danosos, os educandos devem acostumar-se a um fluxo em que não
pode haver lugar para o que é superior‖ (Fennel, 2005, 106).
Sem dúvida, a pedagogia da self-reformulation constitui uma reacção contra a
máquina reprodutora da normalização do self e quer abrir a via de um projecto de não-
identidade, onde um self pode ter vários conteúdos, sob o pressuposto de que assim se
realizará a integridade do self, porém o que isto de facto significa é um descrédito de
todo o terreno humano valorizável, a falência de todas as finalidade educacionais. Como
se pode a partir da igualdade de todas as formas do self criticar-se qualquer alternativa
pedagógica? Como pode, aliás, um self abandonar-se ao fluxo e ser ainda um self, uma
unidade, uma referência para o fluxo que deve abraçar? Que critérios, neste contexto,
para o sucesso e o fracasso? A nosso ver, aceitar a abertura a outras formas de ser não
pode conduzir-nos à defesa do abandono de toda a identidade que sirva de autoreferente
estável. Semelhante radicalização da existência significa perder a própria existência, não
ganhá-la. Mais uma vez, o que o abatimento de todo o referente parece legar-nos é a
relativização fragmentadora onde nos perdermos.
Garcia-Borés (2000) fez uma análise da neurose pós-moderna, mediante uma
interpretação psicocultural do modo como são vividos os actuais desafios,
problemáticas e dilemas derivados da fricção entre a cultura da modernidade e a cultura
pós-moderna. A seu ver, os pressupostos modernos respeitantes à ideia de eu, que estão
em causa com a cultura pós-moderna e devem ser superados, são os seguintes: a
individualidade, a internalidade conotada com a autenticidade, a substancialidade (a
conhecer pela introspecção), a unidade e coerência, a estabilidade (pelo menos do
núcleo mais autêntico) e a continuidade, que estabelece a crónica biográfica do eu. Para
92
modo, do ―eu sou‖ ao ―eu que estou sendo agora‖ e só importa saber se ―quero seguir
sendo o que estou sendo‖. Nem retrospecção, nem prospecção, o presente absoluto.
Libertação até da exigência de coerência transtemporal, ou seja, resta o vermo-nos como
receptores de múltiplos eus, porquanto esta atitude possibilita uma maior abertura ao
enriquecimento e à incorporação de novas possibilidades.
A tudo isto nós contrapomos algumas interrogações. Sendo desejável o
desenvolvimento integral dos vários aspectos que definem a integralidade do nosso eu, e
podendo ser desejável também a transformação ou descentração do nosso eu, de modo a
poder incorporar conquistas existenciais relevantes ou vias alternativas de produzir
sentido, será possível, no entanto, aceitarmos múltiplos eus? Será possível abdicarmos
dos pressupostos da unicidade e da coerência que, de facto, sustém a nossa identidade e
a defendem? Importa, aliás, questionar que capacidade crítica terão semelhantes
indivíduos, dispostos a aceitar, com leveza, a adaptação à mudança e a fragmentação da
sua identidade? Não estaremos aqui a querer curar uma neurose com uma
esquizofrenia?
Como lembra Boavida (2005) a pessoa, que está sempre posta ontológica e
historicamente numa situação, define-se segundo um itinerário constitutivo que implica
alguma coerência: ―O itinerário, na medida em que define um perfil e afirma uma
pessoa particular, garante constância de traços e de atitudes, uma continuidade
individual que será impossível sem um mínimo de consistência e coerência, e também
de profundidade, de dimensão humana‖ (Boavida, 2005, 11). A pessoa, enquanto
síntese dinâmica do sistere e do existere, apresenta o carácter como modo de ser, cujas
notas são, precisamente, a especificidade, a firmeza e a coerência. Ora, a ideia de
firmeza deriva ―das ideias de pessoa e das características particulares que cada pessoa
adquire. E isto pela razão de que o que caracteriza uma pessoa deverá revelar uma
constância, uma continuidade e uma coerência mínimas. É a próprioa continuidade da
pessoa que vai exigindo essa afirmação… A falada firmeza das pessoas de carácter não
é pois mais que a afirmação das suas características distintivas nas diversas situações a
que são sujeitas, e resulta das exigências que a pessoa, pelas características que tem face
às situações, não pode deixar de fazer a si mesma. A não ser que a pessoa se caracterize
pela inconstância e pela indefinição, mas, neste caso, deixará de ter sentido a noção de
carácter, porque a pessoa não conseguirá traduzir em atitudes, nas diversas situações,
um perfil nítido, uma marca pessoal‖ (Boavida, 2005, 13-14). Naturalmente, todo o
processo de construção da pessoa culmina, a cada passo, numa personalização
94
provisória, que está marcada por conquistas e cedências, mas que, em nenhum caso,
dispensa a referência à racionalidade própria – mesmo que sempre limitada, mesmo que
sempre contextualizada, mesmo que sempre impura – e que torna as próprias acções
coerentes, uma vez que a razão é também fundamento da própria vontade de as cumprir,
que as organizou. É por isto mesmo que podemos dizer que as acções ―uma vez
inseridas na contingência histórica e dramática de cada um, são susceptíveis de produzir
um bom carácter, pela estruturação interna e pela constância de atitudes que provocam‖
(Boavida, 2005, 20). Ser pessoa e ter carácter sempre exigem especificidade, firmeza e
coerência, que não nos podemos dispensar, se queremos resgatar o eu de ser dilúido,
tornado impotente e irresponsabilizado, o que significaria a morte do carácter, e também
da pessoa, que todos aspiramos a ser e a educação a realizar, o que nem representa um
bem, nem, aliás, uma fatalidade (Boavida, 2005).
Pourtois & Desmet (1999) notam, a propósito, que o problema actual está em
enfrentar a fragmentação e a eliminação do sujeito, promovidas pela pós-modernidade,
sendo que isto passa pelo empenho no desenvolvimento, para lá do si socialmente
definido, de um eu actor/autor, mas que não seja, tão pouco, um eu
individualista/narcisista. A seu ver, os fundamentos da identidade humana definem-se a
partir de quatro dimensões essenciais: a afectiva, a cognitiva, a social e a ideológica.
Isto implica uma identidade mais heterogénea, no sentido de bem desenvolvida
harmoniosamente em todas as dimensões, mas, ―considerando múltiplas dimensões
indispensáveis à construção da pessoa, faz-nos entrever a possibilidade de desenvolver
nesta última uma identidade sólida‖ (Pourtois & Desmet, 1999, 318).
No caso de Gianni Vattimo, outro dos epígonos do pós-modernismo, o ponto de
partida é também o fundamento de que não há fundamento, nem verdade fundante, nem
progresso em sentido optimista, por isso, ―devemos formar-nos, educar-nos numa
concepção débil de ser que dê valor às diferenças, a uma visão estética da vida, à
tolerância e não à violência‖ (Darós, 1997, 297). Apesar de tudo, os pós-modernos
também apresentam propostas axiológicas. Na verdade, Vattimo entende a pós-
modernidade como uma promoção do humano, mas quer evitar toda a concepção forte
de ser, que possa degenerar num horizonte monolítico, tendente a exercer violência e
pressão contra quem não o aceita. A seu ver, a verdadeira experiência do real é a
caducidade, já que o ser deve conceber-se, não como o que permanece, a ousía, mas
antes como evento ou acontecer, ou seja, o efémero, incluindo nele o próprio sujeito
humano. O fundamento não é necessário, nem a história tem um sentido, nem o ser é,
95
70 Sobre o sentido e a forma de se ―domar‖ o instinto cremos que já se disse o suficiente, quando se discutiu o conceito freudiano de
sublimação.
97
71 E , aliás, real, lembramos nós: ainda que o quadro social nos permitisse, o real não nos autoriza a realizarmos os nossos desejos
totalmente e de todos os modos que poderíamos querer.
98
mas de tal modo que se inscrevia no quadro sociocultural de realização pessoal. Todos
sabemos que, demasiadas vezes, semelhante processo se via constrangido a desenrolar-
se num quadro autoritário de formação da subjectividade. Contudo, nem por isso
devemos deixar de notar que era suposto entregar o sujeito a si mesmo. A categoria da
autenticidade entra, precisamente, aqui para indicar o modo da autopossessão, o resgate
da heteronomia. No entanto, segundos autores citados, o sujeito não tem de aprender a
autonomia constrangida do eu centrado, nem aceitar os constrangimentos sociais ou a
afirmação do seu ‗espírito livre‘, que sobre aqueles se pode alçar. O verdadeiro sentido
da educação está em o educando perceber que ―a sua autonomia é indeterminada já que
não pode nunca alcançar um fim (, ou seja,) que ele é um sujeito de desejo, de um
desejo que nunca pode ser satisfeito‖ (Usher e Edwards, 1997, 134-135). Sem dúvida
somos esta ânsia e, sem dúvida, a nossa autonomia está sempre limitada – por isso se
projecta continuamente –, mas somos também sujeitos de razão, que concebem a sua
realização no próprio quadro limitado das opções e dos valores. É a nossa racionalidade
e os nossos valores – para os quais o afecto também conta –, que nos dizem que o nosso
desejo deve conhecer certos limites. De facto, se ele não se esgota em cada afirmação,
nem se admite sobre ele qualquer discurso monológico, que o enclausure num modo
heterónomo e limitado de se realizar, a verdade é que sempre temos de projectar a sua
realização no contexto em que estão as possibilidades entrevistas e os desejos dos
outros. Aliás, não podemos esquivar a condição de, a cada momento, ser o nosso eu,
porventura descentrado de qualquer narrativa monológica, com os seus desejos, a sua
razão e os seus valores que constitui o centro a partir do qual perspectivamos as
alternativas para nos realizarmos, numa contínua emancipação do que nos limita e
enclausura. A cada passo, também, é a coerência que nos permite escolher, não lutamos
contra a coerência, mas com ela. Ela é a força, e até a fraqueza, do que somos. E mostra
o que somos. O respeito pelos outros, a abertura ao outro, fora de nós e em nós, por
exemplo, esse respeito persistente pela diferença mostra a nossa coerência. É um acto de
fraternidade e até de amor e nem sempre estamos à altura deste valor.
Em relação à tendência de sobrevalorizar um dos termos, a razão pela
modernidade e agora o sentimento e a subjectividade, Pourtois & Desmet (1999)
declaram que é preciso restabelecer o diálogo entre os dois princípios fundadores, pois
―é grande o perigo de se ver dissociar por completo a racionalidade e a subjectivação, o
mundo técnico (e económico) e o mundo da subjectividade, a vida pública e a vida
privada‖ (Pourtois & Desmet, 1999, 25).
99
dos mass media. Deixámo-la indefesa para resistir à funcionalização consumista que
avança. Como nota Boavida (2002), a indefinição quanto ao que é fundamental em
educação, deixará, por certo, as novas gerações à mercê da poderosa deseducação
paralela.
A pós-modernidade recuperou a afectividade mas radicalizou a sua importância
e está a ponto de tornar o esteticismo o fundamento da ética, de modo que apenas
diponibiliza uma moral radar e provisória, adequada à adaptação espontânea às
circunstâncias, ou seja, assistimos à falência da racionalidade e à desestruturação dos
superegos. Insistindo nos valores do corpo, do prazer sensível e imediato, a pós-
modernidade tornou-os objectos de culto e descurou os valores do esforço, da razão e do
espiritual. Temos, por isso, de realizar uma compensação destas radicalizações. Gervilla
lembra que ―a integração harmónica de razão e afecto tem sido e é o repto da educação.
Os monopólios, pelo que comportam de mutilação, são maus conselheiros da educação;
nem a tirania da razão, nem a tirania do sentimento‖ (Gervilla, 1993, 177) Há, pois, que
integrar prazer e esforço, já que a educação é sempre uma conquista; há que integrar
igualdade e autoridade, buscar para além do hedonismo e do individualismo, se
procuramos tornar o humano mais valioso individual e socialmente. O hedonismo, em
última instância, produzirá mais a debilitação da vontade do que permitirá a persistência
na procura da felicidade.
Se queremos superar a crise da educação dos nossos dias, que passa pelo
enfrentar de certas antinomias mal resolvidas, temos de recuperar a pedagogia do
esforço, porém, ―será preciso fazê-lo sem ter de voltar ao esforço pelo esforço, e ao
sacrifício que era educativo só por que era sacrifício; embora se reconheça, de novo, que
o esforço e o espírito de sacrifício têm fortes componentes educativas‖ (Boavida, 2002,
142). O passo em frente, dentro do espírito de uma integração antinómica dos opostos,
implica aqui a procura dum ―acordo didáctico‖ entre esforço e motivação.
Tudo indica que precisamos, também no caso das pedagogias da existência da
pós-modernidade, talvez até mais do que nunca, de compensar a vida com o ideal e o
ideal com a vida, de modo que ambos se unam de modo criador e dinâmico. Mantendo a
tensão da antinomia educacional, o ideal preserva-se como abertura a ―futuríveis‖ que
perspectivam a transcendência da nossa condição e a vida respeita-se nas suas
exigências concretas e múltiplas possibilidades de leitura.
103
4.ª UNIDADE
Numa das suas monumentais obras, José Maria Quintana Cabanas (1988)
enfrentou a antinomia fundamental da educação – onde se opõem a afirmação do ideal e
a salvaguarda do indivíduo concreto, ou, por outras palavras, a natureza que clama com
as suas necessidades específicas.72 Mas o autor vai mais longe, ao mostrar o
desdobramento de diversas antinomias que afloram quando encaramos os diversos
aspectos da educação. Não temos agora, portanto, apenas uma antinomia essencial, mas
uma miríade de antinomias, ou mesmo uma fonte inesgotável delas. No seu caso,
ilustram-se vinte antinomias educacionais, cujas teses e antíteses são, afinal, relativas às
conhecidas concepções da educação tradicional e da educação nova ou activa. A
primeira tende a desvalorizar a especificidade da infância e a centrar-se na acção
conformadora do educador, a outra tende a esquecer que a infância é só uma fase de um
proceso evolutivo mais amplo e valoriza, por vezes desmesuradamente, a actividade do
educando (Marques, 1999).
Logo a abrir a sua análise, nota o filósofo espanhol que o conceito de educação é
um poliedro com significados variados – facto, actividade, efeito, relação, tecnologia –,
e que envolve diversas dimensões – a pessoal, a social, a relacional, a cultural, a
política, a artístico-poiética, a existencial, a económica, a psicológica, a jurídica, a
racional, a afectiva, a institucional, a histórica, a laboral, a ética e até a comercial. Por
isso são múltiplas as definições de educação e sempre incompletas, porquanto
enfrentam um objecto difícil, um ―pavoroso enigma‖ (Cabanas, 1988, 55), cujo conceito
é essencialmente contestável por ser de natureza apreciativa, complexa, susceptível de
diversas acepções, de modo que só admite soluções provisórias. Tendo a educação de
haver-se com as, muitas vezes, concorrentes funções ideais, sociais e subjectivas, ela
72 Como já vimos, é a respeito desta tensão que se organizam as diferentes pedagogias, por vezes, não só se opondo, mas querendo
excluir-se mutuamente.
104
Princípio Contrário B
Princípio Contrário A
107
O espaço que separa os dois triângulos representa o eixo por onde se desloca o
centro da medianidade com que se articula a antinomia educacional. Procurar para
certos casos equilíbrio entre princípios antinómicos não equivale a fixar um ponto
médio estático na sua equidistância aos extremos, pois a especificidade e a dinâmica
evolutiva dos sujeitos, em jogo com as exigências educativas, impõem a consideração
dinâmica da conjugação dos termos. No ponto intermédio do processo, os princípios
seriam, porventura, considerados com igual importância, mas se nos aproximarmos dos
extremos um ganha importância e o outro perde-a. E assim poderá ser para muitas
antinomias, quando consideramos a realidade dos sujeitos e as exigências educativas. A
mediania antinómica é mais do que um equilibrar a balança, pode reclamar um
desequilíbrio conjuntural. Este parece ser também o entendimento do autor da
concepção antinómica da educação, para quem a síntese é compromisso, equilíbrio,
prudência, flexibilidade, mas não estatismo, muito menos extremismo, fixação ou
resolução definitiva. No seu estudo, vemos o jogo das antinomias desdobrar-se, mas não
cabe aqui reproduzi-lo em toda a sua extensão.
Marques (1999, 90-96) fez um resumo das vinte antinomias, analisadas por
Cabanas, a partir do qual destacamos as propostas de ―síntese‖, por nós adaptadas: 1ª. o
indivíduo é condicionado, não determinado, tanto pela natureza como pela cultura, de
modo que a educação tem um poder limitado, mas efectivo; 2ª. apesar de limitada e
condicionada pelos factores pessoais e sociais, a educação é possível desde que se
utilizem metodologias adequadas; 3ª. a função da educação é tanto a formação como a
informação, que são correlativas e em grande medida concomitantes; 4ª. a educação
exige um certo condicionamento do educando (hetero-educação) e um papel de direcção
e orientação do professor, de modo que não se despreze a iniciativa pessoal do aluno e o
seu processo de autocrescimento (auto-educação); 5ª. a actividade do educando deve
consistir num equilíbrio entre a receptividade (atenção, memorização, repetição) e
atitude criadora (de reconstrução do saber), porém, sendo a criatividade uma actividade
mais complexa, é de esperar que ela se desenvolva no final do processo educativo e não
108
seja dos impulsos instintivos –, pelo que se vê que, em nenhum caso, estamos perante a
ausência total de condicionamento. A mitologia da espontaneidade e da criatividade,
que vê em todo constrangimento mutilação e só aceita como estímulo do ensino o
prazer, pretendendo que se aprenda sempre brincando, parece desconhecer a realidade,
ou seja, parece descurar um termo da antinomia educacional. O lúdico, como via, e o
prazer, como motivo, são meios indispensáveis da educação, contudo ―a maior parte das
coisas que a escola deve ensinar não é possível aprendê-las através do jogo‖ (Savater,
1997, 76) A escola não pode ser apenas a confirmação dos prazeres infantis, ela
confronta-se com a evidência de que a vida exige mais que jogo, exige esforço e
sacrifício. No mesmo sentido, assinala Gervilla (2003) que, para nos realizarmos, temos
de aderir a uma cultura do esforço e do sacrífico, pois só ela garante a realização
pessoal, já que sem esforço não há aprendizagem.
Actualmente, no entanto, muito consonante com a mitologia da ludicidade, a
cultura mediática ligada ao consumismo parece induzir toda uma outra mentalidade, em
que se destaca o conceito de ―edutainment‖, representanto este uma orientação que
amaldiçoa a educação das exigências. O seu malefício maior encontra-se no facto de
não deixar ver que ―a cultura não é algo para se consumir, mas sim para assumir‖
(Savater, 1997, 78). Uma ideia que Gervilla (2003, 98) também corrobora: ―Uma das
contradições da nossa sociedade do bem-estar é a infravalorização de todo o esforço,
sem o qual não é possível, em múltiplas ocasiões, não é possível alcançar valores
elevados, tais como a liberdade, a autonomia, o autodomínio, a solidariedade ou a
tolerância.‖ O avanço científico e técnico facilitou-nos a vida e desvalorizou o esforço.
Hoje prima a ética da diversão sobre a do esforço e daí também muitos problemas
cívicos e educativos. Os jovens valorizam muito o desfrutar e muito pouco o esforço e a
disciplina. Os meios de comunicação, como é o caso de muitos anúncios, reforçam esta
tendência e convidam a segui-la. Daí a emergência duma certa cultura do êxito
instantâneo sem esforço, assim como da ostentação e do luxo, em que o ter aparece
como medida do ser (Kilbourne, 2000). Contudo, a felicidade, que todos desejamos, não
se alcança pelo simples hedonismo e tão pouco sem esforço.
112
74 Não queremos que seja essa a nossa via para assinalar o (des)educativo..
114
5.ª UNIDADE
76 A cientificista apresenta-se como uma autêntica metafísica cientista, que produziu as suas filosofias subsidiárias, que vieram a
invadir o campo pedagógico e educacional, procurando a subordinação aos modelos verificacionistas e quantitativistas. A da
tradição metafísica, propriamente dita, teve, por constante, a afirmação da função constituinte do sujeito, em que a filosofia se
arroga a produção do discurso verdadeiro, fundamental e fundamentador e, por isso mesmo, hegemónico e silenciador da
problematicidade como da conflitualidade própria da pluralidade de propostas divergentes, sempre em campo.
118
77 De facto, a assumpção original das ciências da educação como aplicações das ciências sociais e humanas apenas serviu para as
secundarizar e para desqualificar a filosofia e a pedagogia confundida com a metafísica. Negava, aliás, o direito de cidadania de uma
ciência da educação correspondendo a um novo continente cognitivo. O positivismo ínsito àquela posição evacuou a filosofia e a
problemática das finalidades, ou seja, estrangulou os horizontes educacionais. No caso das ciências sociais e humanas aplicadas à
educação significou uma dependência, um parcelamento e uma dispersão amputadoras da complexidade inerente ao humano e ao
educativo.
119
78 A atitude metafísica votou-se ao decantar dogmático de valores, ideias e ideais para definir o dever-ser educativo, muitas vezes
esclarecendo os fins últimos do homem a partir das indicações teológicas absolutizadas, como se fossem elas próprias externas a
toda a interpretação; a atitude filosófico-analítica procurou para a filosofia a tarefa de clarificar os enunciados e conceitos da
linguagem educativa, mas a proibiu-a de fornecer princípios ou avaliar finalidades e, assim, esvaziou tanto a filosofia como o
discurso educacional; a atitude histórico-filosófica, que partilhando os pressupostos da atitude metafísica, continua ainda a insistir
na prerrogativa da filosofia ditar finalidades, absolutas, últimas e universais, deduzindo princípios para a teoria e a prática que, aliás,
selecciona das diferentes propostas das posições filosóficas; e, finalmente, a atitude cientificista, associada à evolução recente das
ciências sociais e humanas, que recusa a intervenção da filosofia, confundindo-a com a metafísica, acabando por reduzir a educação
a uma intervenção tecnológica. Nestas vias afirma-se um esvaziamento que nem acaba por superar realmente a metafísica, agora
reactiva, nem o cientismo empobrecedor do humano.
120
homem e o contexto natural em que se encontra, porquanto, ele se define como ser
lançado para os futuríveis da sua realização. Na verdade, pela sua própria natureza, as
finalidades são ―ideais utópicos do homem, da sociedade e do mundo‖ (Carvalho, 1988,
128). Não tanto comprometidos com a função prática, social e ideológica como os fins,
os alvos e os princípios (normas da acção), mas com a própria superação da ideologia a
estes mais intrínseca, exigindo uma ―radicalização crítica‖, que propicie a ruptura do
dado e vigente. Sem esta dimensão, a educação ver-se-á, necessariamente, amputada, os
projectos educativos carecerão de pleno sentido, que transcenda o presente ou as
prospecções dele derivadas, faltar-lhe-á a dimensão criativa e emancipativa.
Admitir a necessidade das finalidades, que prescrevem valores, não significa
dispensar o debate filosófico e a conflitualidade filosófica, pelo contrário, a
apresentação dos quadros axiológicos, que fundamentam a educação, deve recusar o
autoritarismo e o directivismo, assente em modelos hegemónicos, estáticos,
pretensamente atemporais e anacrónicos. Não cauciona, pois, a simples preservação do
passado e do instituído, no contexto de um enclausuramento axiológico. Antes leva a
assumir a pluralidade dos projectos educativos em confronto, a que cada modelo
filosófico específico, dotado de finalidades organizadoras e aglutinando dados
radicalizados das diversas ciências, confere originalidade própria. As sínteses
filosóficas, sem abdicarem do seu cariz totalizador, mas sendo sempre provisórias,
devem entabular com os modelos científicos e ideológicos um diálogo tendente à
superação e à transgressão do dado e do instituído.
Nesta abordagem impõe-se, como vemos, o assumir da diversidade e da
dialéctica entre os vectores conflituais, isto é, assume-se, plenamente, a natureza
antinómica do humano e do educativo, raiz de uma antropologia renovada e, como se
verá, de um humanismo reconstruído. Valerá a pena citar aqui a premissa invocada para
esta renovação, que recusa o reducionismo, a normatividade absoluta e a parusia da
síntese superadora e definitiva: ―o princípio da síntese não extingue nunca o princípio
do antagonismo. A síntese absoluta seria a morte. Não poderia haver no cosmos uma
possibilidade de unidade anuladora dos antagonismos: no plano antropológico, isso
significa que não poderia existir uma salvação, um refúgio histórico onde os conflitos
essenciais seriam resolvidos. A limitação e a alienação são constitutivas da vida
humana. Mas esta mesma dialéctica que nos interdita a salvação introduz-nos à
esperança‖ (Morin, ap. Carvalho, 1988, 148). E, como se compreenderá, o
reconhecimento do princípio do antagonismo consuma, neste caso, a abertura do
121
79 Temos, mais uma vez, por uma lado, a recusa das antropologias racionalistas da dissociação, que exaltavam a excepcionalidade
humana, e, por outro, a recusa de um aplainar cientificista dos planos axiológicos, ontológicos e existenciais da educação. Evitando-
se simultaneamente o apriorismo, o adaptacionismo e o positivismo.
80 ―É no seio desta encruzilhada que se revela extraordinariamente fecundo o contributo de Edgar Morin, ao proceder a uma revisão
crítica e original das conclusões, das tendências e dos desencontros da(s) filosofia(s) humanista(s) no seu encontro com a
cibernética, a física, a biologia e a sociologia contemporâneas‖ (Carvalho, 1994b, 142).
123
declara-se a necessidade de alcançar uma nova concepção de ser humano, que supere o
seu enfeudamento a uma dimensão reificada, típica das noções indigentes e mutilantes,
fechadas aos vários contributos hoje em campo. Noções, por isso mesmo, incapazes de
conceber com profundidade, relatividade e complexidade o humano em todas as suas
facetas. Na maior parte dos casos falta o diálogo interdisciplinar que esquive o
reducionismo comum.81
A nova noção de ser humano é, na sequência de Morin, a de homo complex, pois
evita os reducionismos simplificadores do sobrenaturalismo, do sociologismo e do
biologismo, todos eles responsáveis pela introdução de rupturas no jogo da
complexidade/multidimensionalidade/originalidade do humano, causando, em
consequência, devastadoras mutilações para o modo com que tem sido encarado. Trata-
se, portanto, de irrigar a concepção do humano com o seu enraizamento num ecossitema
natural/social/cultural, que preserve a sua originalidade/especificidade, ―que se
desenvolvem a partir da vida e que se concretizam nas maiores capacidades de auto-
organização, de autonomia, de conhecimento, e nas aptidões produtoras de emergências,
como sejam o espírito e a consciência‖ (Barbosa, 1997, 176).
A concepção do homo complex assenta nas teorias da auto-organização e do
indivíduo-sujeito de Edgar Morin, a que Barbosa dedica uma intensa hermenêutica, com
vista a poder apresentar os contornos organizacionais e ontológico-existenciais
especificadores do humano, delimitando e especificando o que lhe é mais fundamental e
substantivo.82
81 A seu ver podemos distinguir como ultrapassadas as seguintes perspectivas: a antropo-sobrenaturalista, em que o humano se
excepcionaliza acentuando a sua racionalidade e a consciência aparece como um ―espectro metafísico que plana majestosamente
sobre o reino natural, do biológico, do sociológico, do cultural.‖ (Barbosa, 1997, 31); a sociologista-ambientalista, que maximizando
o poder do plano ecossistémico submerge o humano na determinação sócio-cultural; e a biologista-naturalista que tudo remete para
a determinação biológica e hereditária.
82 Por um lado, há que reconhecer que o humano é um autos: um dinamismo organizador de autonomia, mas suportado pelo
generativo e o fenomenal, simbiotizando-se entre si. Naturalmente nele o grande aparelho neurocerebral permite o jogo da vida num
plano estratégico superior – pois a placenta social e cultural faculta-lhe um desabrochamento das capacidades inatas propiciadoras
de um nível de autonomia propriamente humana, isto é, de autos superior, que conjuga superiormente autonomia/heteronomia,
dependência/independência e ganha o seu desenvolvimento psicológico à custa de várias dependências prolongadas – da família, da
escola, da sociedade – sem as quais, de certo, atrofiaria e não acederia ao patamar do humano. A autonomia constrói-se, de facto, a
partir do império dos genes e do meio, uma série de dependências hereditárias, ecológicas, sociais, culturais e históricas, factores
que tanto contribuem para a autopoiesis como podem comprometê-la, mas é a partir deles que no jogo da auto-organização se chega
a transformar essas dependências em auto-determinação e autonomia. A educação aparece, então, contribuindo decisivamente para a
elevação ao nível superior de autonomia própria do grande aparelho neurocerebral que possibilita o refinado jogo estratégico
cognitivo-comportamental. Mas o que se não pode fazer é abstrair do humano as propriedades fundamentais do vivo, não se pode
abstrair que o ser humano é um ser-máquina computante-cogitante, marcado pelo auto-ego-centrismo, pela auto-ego-referência e
pela auto-ego-transcendência cujo aparelho neurocerebral tem o poder de responder criativamente aos desafios quotidianos e da
existência, dadas as suas capacidades lógicas, representativas, imaginativas, exploradoras e cognitivas e que é desse aparelho que
emergem o pensamento e a consciência, qualidades que, por sua vez, são a base da emergência da nova e superior realidade
imaterial do espírito. Todas estas emergências retroagem, naturalmente, sobre o aparelho que têm por base, requerendo o auxílio da
sociedade, da cultura e da linguagem para poderem emergir. Portanto, o pensamento, a consciência e o espírito devem ser
entendidos como resultantes de uma inscrição corporal/cultural, em que ―O pleno desenvolvimento dessas qualidades, claro está, é
obra que está reservada à educação. (Barbosa, 1997, 186)
O humano passa assim a ser tomado sem simplificações reducionistas e pelo enraizamento natural que as teorias da auto-
organização e do indivíduo-sujeito esclarecem. O acto de se colocar no centro do universo, que pressupõe o tomar-se como
referência e entidade acima dos outros entes, transcendendo-os, confere uma qualidade universal do mundo biológico, do vivo: a
125
E há-de ser esta abordagem complexificante que nos permitirá traçar os vectores
fundamentais da antropologia complexa do processo educativo. Para a alcançarmos
precisamos de uma concepção dialógica das antinomias educacionais, ou seja, devemos
ultrapassar quer a visão disjuntiva – esforçada por manter a separação dos termos
antinómicos e abraçar tragicamente o conflito –, quer a visão conjuntiva – obcecada
pela síntese superadora da conflitualidade.83
A nova concepção exige, pois, que sigamos o princípio dialógico, definido como
a ―associação complexa (complementar, concorrente, antagonista) de instâncias,
necessárias em conjunto à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento dum
fenómeno organizado‖ (Morin, ap. Barbosa, 1997, 269). Pensar as antinomias de modo
dialógico é saber reconhecer nelas as polaridades e, ainda assim, ser capaz de procurar a
sua unificação complexa, isto é, complementar, concorrente e antagónica. O autor diz-
nos que, para isso, há que cortar com duas coisas: com a inteligibilidade aristotélica da
questão, o que em parte significa abdicar da teoria da medianidade, pois ela parece ser o
instrumento do esbatimento da tensão antinómica; e com a insistente procura da síntese
superadora, que junta e supera os termos em antinomia. A nosso ver, se a medianidade
for vista de forma dinâmica, tal como o explicamos antes, introduz-se um elemento de
complexificação que permite integrar a abordagem dialógica.
Mas, como se vê, para ganharmos a visão complexa, precisamos da dialógica: ―o
pensar dialógico concebe para ligar/articular polaridades contrárias, rejeitando por isso
o maniqueísmo, e para salvaguardar a separação/disjunção dessas polaridades no seio
duma unidade, rejeitando por isso a tentação da síntese superadora/apaziguadora
(Barbosa, 1997, 270). Com isto, alcançamos a concepção da unidade na dualidade: a
unidualidade dos fenómenos educacionais, que salvaguarda a conjunção/disjunção das
polaridades antagónicas. A concepção dialógica evita dois extremos: o do pessimismo
exagerado das hermenêuticas da oposição; e o do optimismo exagerado das
hermenêuticas da síntese. Trata-se, pois, de uma posição realista, na omnicompreensiva
qualidade de sujeito. Ser sujeito é ter essas três características, só concebidas pelo pensamento e expressas pela linguagem, no
humano – desenvolvimento último da qualidade de sujeito no mundo vivo, mas sem que se possa aceitar o orgulho humanista que
vê no sujeito uma propriedade transcendente e equivalente à consciência. O sujeito é uma propriedade do vivo, uma modalidade
subjectiva do ser produzido pela computação viva. Mantendo a determinação de esquivar as noções absolutizantes, essencialistas e
reificadoras, ou seja, as tendências simplificadoras, disjuntivas, reducionistas e deterministas, devemos procurar plasmar a noção
complexa de ser humano considerando que ele é um ser biocultural porque constrói a sua autonomia individual e a sua liberdade
existencial com base em dependências biológicas e ambientais. A sua condição ontológico-existencial e a sua especificidade
(humana) enraízam-se no mundo biológico.
83 Poderíamos bem colocar no primeiro caso Fullat (1988), mas dificilmente se pode remeter Quintana Cabana (1988) ao segundo,
como quer Barbosa (1997). No segundo caso, afirma-se com clareza a opção por um ―federalismo dos princípios‖, o que só pode
supor debate da dinâmica antinómica. A síntese proposta quer respeitar os princípios no seu antagonismo e procura a articulação, de
nenhum modo definitiva, do melhor dos opostos.
126
84 A seu ver, o desafio permanente da filosofia da educação é aprofundar continuamente as implicações da condição humana para
as acções educativas, o seu valor humanizador para a pessoa educanda. Ou seja uma teoria do sujeito entendido como fim em si
mesmo. A filosofia da educação busca as intenções que ampliem as aspirações humanizadoreas da educação, as melhores
129
possibilidades éticas de humanização. O educador tem obviamente um compromisso ético nesta tarefa pessoal de projecção do
desenvolvimento pessoal do educando.
85 Seguindo ainda o autor, importa especificar que no plano axiológico das finalidades se abrirá o sentido emancipador do quadro
utópico que formata o cenário dos possíveis desejáveis. Já no plano do envolvimento pessoal é que hão-de jogar-se as opções do
poder-ser que toma em consideração a distância entre o ser e o dever-ser. Enquanto no plano volitivo se assentará o ―élan‖ optimista
da transcendência do positivo, correspondente ao ter-de-ser.
130
modo de ser humano e sem que, alguma vez, alcance a perfeição, porquanto, jamais
poderá superar, definitivamente, a sua carência constitucional, que é multimodal:
―carência de vida‖, ―carência de bens‖, ―carência na compreensão de valores e
princípios‖, ―carência de ser‖ (Azevedo, 2000). Daí que, em compensação, contando
com a carência, a perfectibilidade apareça sempre a apontar, à educabilidade, um
sentido positivo para o seu desdobramento (Carvalho, 1994a). Eis a dinâmica do jogo
que nos diz que o humano não é simples carência, porque é também potencialidade e,
como assinalou Jaspers, transcedência: trancendência de si e sentido de transcedência,
isto é, capacidade de desejar o impossível e esperança (Neves, 2004).
Em todo caso, retomando a articulação entre as dimensões do dever-ser, do
poder-ser, do querer-ser (ou do desejar-ser) e do ter-de-ser, que recomenda Carvalho
(1994a), vê-se bem como se devem preservar os pólos da dinâmica antinómica
transversal à educação. E, ao mesmo tempo, se define uma linha crítica para podermos
avaliar o plano educativo. Articulando o feixe antinómico, assim se irá desdobrando a
educabilidade em conjunção com a perfectibilidade possível e desejável, transcendendo
a(s) carência(s), por meio do(s) projecto(s), futurador(es) da perfectibilidade humana.
Não restam, pois, dúvidas de que todo o processo educativo envolve um projecto
tensionado entre o real e a utopia, que não pode ceder a qualquer unidimensionalidade.
E é este modo crítico que permite enfrentar qualquer derrapagem ideológica, por
natureza enclausuradora, comprometida com os presentes (e os futuros) do poder, ou, se
se quiser, a lógica do estabelecido. Na verdade, é esta lógica que, subordinando o plano
da educabilidade, conduz ao homem unidimensional, ―ou ao seu protesto fracassado – o
neurótico ou o psicótico‖ (Fullat, 1984, 141). De modo que, apenas se aberta ao
controvertido, a educação pode desembocar ―no homem em autopossessão‖ (Fullat,
1984, 141). Aliás, é em referência ao plano utópico, que reclamamos para a educação,
que se descortina bem a importância da filosofia abrir os sentidos crítico-utópicos
indispensáveis para assinalar o enclausuramento ideológico e levar a cabo a
indispensável desconstrução dos horizontes da normalização. De modo que, o nosso
ponto de vista crítico vem a ser, precisamente, esta perspectiva que denuncia toda a
eventual ideologização por via de um enclausuramento. A educabilidade é a única porta
do humano e exige uma constante superação do dado, embora evitando o resvalar para a
131
Se nos colocarmos sob o signo que antes desenhamos, temos de reconhecer que
o desígnio prioritário da educação é a pessoa. Na verdade, a educação deve
corresponder ao incontornável repto de transformação do indivíduo em pessoa (Boavida
& Amado, 2006b). Em educação não importa obter apenas esta ou aquela capacidade do
indivíduo, esta ou aquela habilidade. Kant dizia que a habilidade serve a prudência, mas
por cima de ambas está a formação moral, a última e mais importante de todas, aquela
que consuma o destino humano de ser racional e livre. O que quer dizer que,
educacionalmente, deve apontar-se a um algo mais, dotado de integridade, de dignidade
e de consequente estatuto ontológico que, como também vimos, se deve evitar dissociar
do vivo de onde emergiu. Em todo caso, aparece como líquido que, se abstrairmos da
subjectividade, que se encarna na pessoa, a educação deixa de ter sentido.
A nosso ver, isto significa que a prioridade da educação está no propiciar a
emergência e a afirmação da pessoa, na medida em que, como assinala Gil (2003), a
educação se refere essencialmente a uma proposta de humanização que, por meio de
valores, seja susceptível de conseguir a plenitude da pessoa. A pessoa constitui, na
verdade, um referente obrigatório da educabilidade humana. Carvalho (2001, 22) diz,
claramente, que a problemática da pessoa ―se impõe, por si, de um modo transversal e
inerente à essência e à finalidade da educação. Isto é, trata-se de uma problemática que
sendo, à partida antropológica é, também, ontológica se a olharmos do ponto de vista da
natureza da educação.‖ Nem poderia ser de outro modo se, como reconhece Boavida
(2005, 12), ―a pessoa é o determinante e o referencial último da minha natureza. A
minha pessoa dá à minha natureza aquilo que eu sou, aquilo que me especifica, o que os
86 Notemos que os condicionalismos que limitam as possibilidades e reclamam a adaptação não são sempre um lamentável
contexto, são também o lápis e o papel do texto que há a escrever, o âmbito da possibilidade a concretizar. O humano não se realiza
voltando as costas à vida, mas abraçando-a.
132
87 Centro que pode deslocar-se, centro que não significa necessariamente clausura num foco definitivo, mas abertura.
134
vem-nos dado pela natureza, mas ‗o dever ser‘ há que conquistá-lo mediante a
formação, pois nascemos humanos mas não humanizados, sociáveis mas não
socializados, com a possibilidads de ser felizes e livres, mas não com a posse da
felicidade e da liberdade. Aprendemos a ser humanos incorporando valores à nossa
existência‖ (Gervilla, 2003, 104). Por isso toda a educação está referida a valores e o
humano tem de considerar-se animal axiológico. O mesmo autor refere ainda que o
homem é sempre portador de valores e não pode existir na carência total de valores, pois
isso corresponderia ―à própria morte do homem, da educação e da sociedade‖ (Gervilla,
2002, 8). E, contudo, na nossa sociedade actual, parece difícil diferenciar os valores dos
antivalores, campeando a afirmação dos valores mais baixos, como o hedonismo e o
consumismo. No ambiente da actual sociedade do bem-estar não se vê que renunciar ao
esforço significa viciar-se em violências contra si mesmo, como é próprio do
consumismo (Gervilla, 2003). Para escaparmos à alienação resultante da falta de
controlo das paixões e da incapacidade para contornar as necessidades artificais, que
não conduzem a um maior desenvolvimento ou felicidade, temos de nos dedicarmos a
essas conquistas do esforço que são a autonomia e liberdade.
O segundo considerando importante nesta matéria diz respeito ao facto de
também vermos que é pela educação que se propõem os valores que podem realizar a
humanidade em cada um, implicando isto o consumar de uma abertura aos valores, uma
―axiologização da pessoa humana‖ (de la Pienda, ap. Cabanas, 1998, 266). A educação
não pode furtar-se a correponder a este desafio, até porque, naquilo que de mais
específico define a identidade, encontramos também o tornar-se pessoa por
incorporação dos valores como unificadores do que a pessoa é ao longo do seu percurso
de vida. Segundo Gervilla (2002), educar é humanizar pela incorporação de valores, que
assistem ao fazer-se pessoal.
Pelos valores, a pessoa transcende os condicionalismos do passado e do presente
e liberta-se projectando-se na própria perfectibilidade – uma finalidade primeira da
educação – que corresponde ao tornar-se mais valioso. A pessoa faz-se assumindo
valores, surge com os valores e pelos valores e cresce com o crescimento dos valores
em si (Cabanas, 1998). Na sua senda é que progride a consciência e a espiritualidade e é
pelo processo de ampliar a sua capacidade para captar os valores e integrá-los no seu
modo de ser que a personalidade se enriquece, se matiza e se aprofunda. A construção
do humano consiste neste crescimento. Quando a educação se ordena à perfeição
antropológica, fá-lo por tomar a incorporação de valores como ascensão perfectiva e
135
que lhe exige o livre e consciente sacrifício da satisfação imediata e do inferior com
ordem à realização do superior. Em tudo o que o humano conquista aparecem sempre
como mediadores a sua liberdade, o esforço e o sacrifício na entrega ao que vale a pena.
A educação não pode deixar de se perfilar do mesmo modo. Como assinalou Alain,
―não há experiência que eleve mais um homem que a descoberta de um prazer superior,
que ele teria sempre ignorado se não tivesse empregue antes de tudo um pouco de
esforço‖ (ap. Laia, 2004, 170).
Em termos fundamentais, a educação está mesmo obrigada a atender que a
―finalidade humana descreve uma tensão entre liberdade e valor‖ (Méndez, ap. Cabanas,
1998, 440). E deve dedicar-se a motivar a axiologização pessoal, tendo em conta que
toda a incorporação de um antivalor, ou a rendição da personalidade ao inferior a
degrada e desintegra, pois compromete a tensão entre o que é e o que pode e deve ser.
Assim, a educação deve dirigir-se a propiciar, no contexto de liberdade indispensável à
incorporação axiológica, a eleição racional, crítica e pessoal dos valores. Deste modo
poderá, talvez, orientar para o alcançar da felicidade possível, pela incorporação dos
bens portadores dos principais valores, e fazer acalentar a esperança do acercar-se ao
fim último da vida humana, que continuamente se desloca em relação ao conquistado.
Referimo-nos à felicidade ideal, a plenitude da perfectibilidade, a realização e satisfação
plenas, a promessa correlativa à purificação pessoal que Platão evoca, ao encerrar
heroicamente a sua República (621d): ―havemos de ser felizes.‖ Embora, no caso do
humano, como ser ―im-perfeito‖ que é, a felicidade tenha de surgir referindo-se ao
entrelaçamento do sofrimento com o fracasso, em que o humano se descobre autêntico e
insatisfeito (Neves, 2004). O que, a nosso ver, não quer dizer que não possa saborear a
felicidade, mesmo se de modo sempre evanescente, nas realizações que vai alcançando
pelo seu projectar-se (Cf. Rojas, 2004).
Terminamos esta secção com uma sintética nota crítica. É profundamente
deseducativo o acto que, pelo tráfico de valores, trai a pessoa, enclausurando-a numa
forma de degradação e heteronomia axiológica. A análise que conduziremos adiante
sobre o ―complexo televisivo-publicitário‖ procurará mostrar como semelhante
perversão pode ocorrer neste campo.
137
88 Carvalho (2001, 22-23) esclarece-nos a este respeito o seguinte: ―Como ser encontra o seu lugar tanto no plano universal (através
da consciência ontológica), como no do singular concreto (enquanto objecto da consciência psicológica). Entretanto, a consciência
atinge a unidade de um sujeito que permanece sob as variações e que é, inseparavelmente, acto e substância como consciêcia
axiológica. O espírito descobre-se a si mesmo como valor sempre para um sujeito perspectivado no âmbito de uma subjectividade
caracterizada pela oposição interior do acto e da substância. Enquanto o homem, como pessoa, é um ser consciente a quem não pode
ser negado nem o ser, nem a consciência, ‗a consciência psicológica atinge-o na sua abertura ao ser‘ e a ‗consciência ontológica na
sua permanência‘‖.
139
89 No seu Paradiga Perdido, Morin (1973) afirmava que o homem é um ser natural por cultura e cultural por natureza.
141
até aos mais altos. Mas, em compensação, nenhum, nem mesmo os mais elementares, se
compreende sem os valores, as estruturas e as vicissitudes do universo pessoal‖
(Mounier, 2004, 55)
Para Mounier, o corpo não é um simples objecto, a ele cabe ensinar-nos o
significado da espacialidade e da temporalidade, bem como o do peso imposto pelo
natural. Ele, continuamente, sustenta e medeia a vida do espírito.
Uma segunda relativização crítica, apontada por Carvalho (1998), quanto à
forma de entender a pessoa, reporta-se à indispensável superação do solipsismo
tradicional pelo reconhecimento do carácter relacional inerente à circunstancialidade,
historialidade e socialidade da consciência, ou seja o múltiplo enraizamento que a
condiciona e a constitui no jogo da interacção.
A base indispensável, para revalidar as noções de sujeito e de pessoa, e invocá-
las como fundamento antropológico e pedagógico, vai o autor buscá-la a uma
antropologia relacional, de que se destaca a exigência de reconhecer o cariz relacional
da subjectividade e da pessoa-como-relação enquanto entidade fundamentadora do eu
pessoal, que dela resulta como uma emergência e não pode ser tomada por sua condição
ou essência. ―Na antropologia relacional, a pessoa é uma unidade estrutural que, não
possuindo uma identidade natural, a tem de adquirir através de um processo de
identificação em que o eu, o tu e o ele desempenham, enquanto instâncias
comunicacionais, um papel constituinte‖ (Carvalho, 1998, 41). Lembremos aqui que já
Mounier havia mostrado como a experiência fundamental da pessoa é a comunicação:
―a pessoa surge-nos como uma presença voltada para o mundo e para as outras pessoas,
sem limites, misturada com elas numa perspectiva de universalidade. As outras pessoas
não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os outros, não se conhece
senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. A experiência primitiva da pessoa
é a experiência da segunda pessoa. O tu e, adentro dele, o nós, precede o eu, ou pelo
menos acompanha-o‖ (Mounier, 2004, 72).90 Como se vê, reconhece-se nesta linha que
não há egoidade sem alteridade. Aliás, no sentido da primeira relativização que vimos, a
própria alteridade não será só a pessoa do outro, poderá também ser a de um outro no
eu-mesmo.
Segundo Lopes (2001), a antropologia relacional, partindo do princípio do
primum relationis, permite-nos ver como a consciência emerge de um processo
90 Neste mesmo sentido também Levinas destacou o papel do outro na configuração da pessoa. Porém, segundo Lopes (2004)
ambos se mantiveram dentro de uma concepção metafísica do sujeito, não tendo acedido a uma fundamentação interlocucional da
pessoa, que só a antropologia relacional facultaria.
142
91 Blandina Lopes (2001) fala-nos ainda da possibilidade de um dálogo verdadeiro, sem subalternização e de uma comunicação sem
constragimento, que possibilite um consenso progressivo.
143
92 Mesmo se entre o que ensina e o que aprende não existe simetria. Pois, neste caso, a diferença é mesmo a base do estímulo da
dinâmica educativa. A conflitualiadade, inerente à diferença e à intersubjectividade, é aqui acolhida como decorrente da aceitação
mútua dos termos da relação. Da conflitualidade se derivam as tensões constitutivas do educativo, que as pedagogias da primeira
pessoa marginalizaram e as da terceira reprimiram. As primeiras queriam ignorar ou dissolver toda a autoridade e constrangimento,
as segundas só reconheciam o professor como sede de iniciativas, reprimindo toda a conflitualidade provinda do outro termo. Ora, a
pedagogia na segunda pessoa funda-se na ―sociabilidade do nós, apela à articulação das iniciativas que, por sua vez, acaba por
instituir essa mesma socialidade‖ (Carvalho, 1998, 28).
93 Nela, a relação, sem ser de subordinação ou justaposição dos pólos, define-se como constitutiva, pois distingue os termos e ao
mesmo tempo funde-os parcialmente em torno do fim comum, sobre que se estabelece a contratualização.
94 A nosso ver, esta análise não avança, afinal, algo de radicalmente novo em relação ao que se disse antes a respeito da ―educação
integral‖ e da ―pedagogia do encontro‖, por isso nos dispensamos de retomar agora o que ficou então estabelecido, porém ela ajudou
a matizar várias noções e critérios.
95 Reboul distingue várias figuras da autoridade. Umas recolhem base irracional outras base racional. A mais racional será a do
contrato, assente no consentimento; a menos a do Rei-Pai-Chefe, que assenta mais no carisma. Esta última forma de autoridade
apresenta-se ao humano, nos primórdios civilizacionais e à criança no início da vida, como inexplicável e irrevogável. Encarna
geralmente a transcendência da sociedade e representa a civilização. Os libertários só conhecem esta forma de autoridade e recusam-
na. Para lhe fazer frente perspectivou-se que a emancipação se realizaria pela violência simbólica destinada a aniquilar o
constrangimento interiorizado. Já a educação clássica quis libertar o indivíduo dos elementos do exterior e do interior que o
condicionavam, por isso recorreu às figuras do especialista, assente na competência, e à do árbitro, assente na independência, mas
sobretudo à do modelo, sempre com o propósito de que pela imitação se ganharia o adrentamento pessoal e a liberdade. Acabou, no
entanto, caindo na repressão e no elitismo, que a Educação Nova contestou, propondo como alternativa a figura do professor perito,
recurso e ajudante, mas de modo que a autoridade se passasse a justificar com a necessidade das funções e acabasse substituindo as
figuras anteriores pela do contrato. Esta orientação trouxe, por um lado, a recusa de todo o modelo imposto e, por outro, a
radicalização do contratualismo e do funcionalismo em relação à autoridade, o que conduziu à idealização abstracta de uma
liberdade de escolha ilimitada, onde de facto não há nenhuma autoridade e onde os conteúdos, o positivo social e cultural com que
todo o sujeito deve debater-se, e sobre o qual a sua competência é limitada, se evanesce, sacrificado ao valor absolutizado da
expressão e criação individuais.
144
imposto e a imitar, para formar seres livres, é a figura do contrato, mesmo quando não
se possa ceder a toda a pretensão de uma escolha totalmente aberta dos conteúdos pelos
educandos.96
Uma implicação directa desta análise é a afirmação do princípio que postula que
a sujeição a um constrangimento heterónomo é sempre uma medida provisória, nunca
um horizonte educativo. A sua instalação, para lá do limiar em que a pessoa está em
condições de se assumir, constitui mesmo um critério do deseducativo, pois a educação
não define o sentido, possibilita a procura do sentido pessoal. É, como queria Jaspers,
uma alétheia das verdades existenciais pessoais, em que o educador apenas assiste o
assumir da posse de si (Neves, 2004). O exercício assumido dessa procura corresponde
à maioridade existencial. Mas há sempre de um lado a pessoa a conquistar(-se) e de
outro a autoridade externa ou a interna. Neste último plano há mesmo que ter em conta
a incontornável necessidade humana de a pessoa se referir a princípios ordenadores, de
ter uma indispensável referência vertical e universal, que nos leve para lá de um
individualismo sem limites e de um relativismo que traria consigo a destruição da razão
e do próprio homem (Boavida, 2005). Por outro lado, é evidente que a própria
resistência do real, como a raiz natural que nos condiciona, constitui outra forma dessa
autoridade. Já o dissemos, a nossa edificação, como a nossa liberdade, constrói-se
sempre, não ―apesar de‖, mas ―com‖ as limitações da nossa finitude.
96 Permanece, portanto, ainda um limiar de autoridade. Reboul, na obra citada, apresenta-nos uma solução fundando-se em Kant:
―Não negar uma forma de autoridade em favor de outra, mas passar progressivamente de uma a outra‖ (Reboul, 2000, 58), de tal
modo que no horizonte esteja a conquista da liberdade própria. Nessa altura, tão pouco se suprimirá ao sujeito todo o
constrangimento, simplesmente a educação o terá conduzido ―do constrangimento para o autoconstrangimento‖ ((Reboul, 2000, 58).
145
97 Isto é tanto mais grave quanto se destaca como a pessoa é o resultado de uma axiologização. Lembremos, aliás, que cabe à
pessoa preencher por um sentido existencial próprio, procurado e construído, a tensão que sempre encontra entre o seu ser e o dever-
ser que o desafia (Fullat, 1989b). A condição do humano incumbe-lhe a procura da realização pessoal pela tarefa de definir sentido
às coisas, aos acontecimentos e a si próprio, propondo-se e descobrindo-se em fins (Fullat, 1979). A educação, naturalmente, há-de
articular-se em torno da satisfação da dimensão pessoal do educando pela procura de um sentido existencial. Daí que esteja, por esta
razão, votada a ir sempre para além da instrução relativa a um ―saber que‖ e ―como‖. Para além da inserção sócio-cultural, a
educação dirige-se à libertação de si em busca de si (Fullat, 1989a). Neste âmbito cabe-lhe desenvolver o sentido crítico de onde
desperta a autenticidade do questionar e do transcender e por onde a dimensão pessoal da liberdade e da eticidade se afirma. Os
valores aparecem assim no seu horizonte como mediadores da vertebração pessoal. Ora, se se apostar na manipulação desse
horizonte, o que se obtém é o enclausurameno do humano.
146
ser fiel a si mesmo e buscar coerência e continuidade‖ (Secco, 2004, 59). Algo que se
poderia designar como a vontade de significado indispensável ao humano. Neste âmbito
a família tem, naturalmente, um papel importante, a par da escola, mas, em termos
genéricos, temos aqui um enorme repto educacional.
148
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