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31 Citado por RABAÇO, Henrique.

História de Petrópolis, Petrópolis, Instituto Histó-


rico de Petrõpolis. UCP, 1985, p. 129.

32 Idem, ibidem.

33 CASTRO, Hebe de. "À Margem da História: homens livres pobres e pequena produ-
ção na crise do trabalho escravo". Dissertação de Mestrado UFF - Niterói, 1985. O DISCURSO DO PRESIDENTE DE PROVÍNCIA E
A ECONOMIA FLUMINENSE NA TRANSIÇÃO DO
34 Idem, p. 31. TRABALHO ESCRAVO PARA O LIVRE (1870-1889)*
35 Idem, p. 77.

36 Idem, p. 91. Ricardo Figueiredo de Castro*

37 tdem, p. 104. Grifo nosso.

38 PITZER, Renato Rocha: Tentativa de construção de um modelo de famílias escra-


vas em economias tipicamente agro-exportado rãs: Vale do Paraíba (1835-1885).
Projeto de Pesquisa aprovado pelo CNPq, 1987, sob orientação da Professora Maria
Yedda Leite Linhares.

* Este trabalho constitui, salvo algumas alterações, o relatório final apresentado ao


Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em cum-
primento das atividades de pesquisa previstas pela concessão de uma bolsa de Inicia-
ção Científica, desenvolvida durante o ano de 1984, sob a orientação da professora
Nancy P. Smith Naro do Departamento de História da Universidade Federal Flumi-
nense (UFF).

** 24 anos, licenciado e bacharel em História pela UFF, professor do Magistério Públi-


co Estadual e membro do Coletivo Editorial da Revista Arrabaldes.

48 Arrabaldes Revista Arrabaldes. Ano /, n° 1, maio/agosto 1988 49


Este texto é fruto de um trabalho de pesquisa documental do Relatório comercial e industrial das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, nas últimas
do Presidente de Província do Rio de Janeiro1, do per Todo compreendido décadas do século9. Sua implantação nos moldes coloniais — vinculação ao
entre 1870 e 18892 ; período esse que, a grosso modo, abrange o momento mercado externo, monocultura de produto tropical sujeito às oscilações do
de crise da economia cafeeira escravista fluminense . mercado internacional, cultivo extensivo, ausência de processo de mecaniza-
A pesquisa centrou-se na análise do discurso oficial do governo provin- ção10 — prolongou o sistema escravista 11 .
cial fluminense em relação à crise, que, veiculado pelo dito relatório, além de No entanto, com a proibição do tráfico negreiro externo em 1850 (Lei
nos dar uma visão de como os governantes encaravam a realidade da economia Eusébto de Queirós), um vigoroso golpe é desferido na formação econômica
fluminense, mostra-nos como dialeticamente essa compreensão se relaciona brasileira, "ao ferir mortalmente seu principal modo de produção, o escravis-
com as propostas e as diretrizes voltadas para a resolução das dificuldades ta"12 . "Nos anos 50 e 60 do século passado, os senhores escravistas fluminen-
com que estes se defrontavam. Não devemos nos esquecer que, embora o pre- ses, ameaçados em sua própria existência, compreenderam que sua sobrevi-
vência dependia do controle que pudessem exercer sobre o Estado"13. Sua
sidente fosse diretamente indicado pelo imperador4, ele se relacionava e se
reação ao nível do Estado imperial que dominavam teve um duplo caráter: foi
defrontava diretamente com os deputados da Assembléia Legislativa Provin-
ao mesmo tempo conservadora e progressista 14 .
cial, eleitos em eleições censitárias 5 , e que, em sua esmagadora maioria,
Conservadora porque os fazendeiros escravistas do Vale do Paraíba flu-
representavam os interesses dos grandes proprietários rurais, mais especi-
minense, ao obterem escravos pelo tráfico interprovincial com o Nordeste,
ficamente, dos cafeicultores escravistas do Vale do Paraíba. Ademais, muitos
conseguiram manter o ritmo da expansão da economia cafeeira e retardar,
presidentes faziam questão de enfatizar que estavam ali não para impor, mas
assim, o fim do escravismo 15 .
para ajudar os legisladores na resolução dos problemas da lavoura, pois, se-
Progressista porque, "ao mesmo tempo que era mantida a escravidão no
gundo um presidente, a platéia a que se dirigia era a mais interessada e mais
setor fundamental de nossa produção, aqueles mesmos senhores que dela se
preparada para resolvê-los, devido ao fato desta ser composta majoritariamen-
beneficiavam econômica, social e politicamente, e defendiam o status quo
te por 'agricultores' 6 .
Portanto, embora não seja prudente, a partir do exame do referido agrícola, tratavam de promover a sua expansão pela modernização da infra-es-
trutura de serviços, e mesmo do setor industrial, que lhes serviam" 16 . Em
documento, ampliar as conclusões que se tirar da análise do discurso para o
suma, "sem transformar seus métodos produtivos, o aumento da produção só
conjunto da classe proprietária fluminense, podemos certamente, em virtude
era possível pela mais intensa exploração da força de trabalho e pela especia-
dos fatores anteriormente mencionados, ter uma idéia de como a fração he-
gemônica que dominava o Estado provincial compreendia as vicissitudes de lização das atividades produtivas da fazenda. A política de modernização do
sua época e como — formulando um discurso que se pretendia válido para o Brasil, pela introdução de atividades capitalistas fora da produção, era a res-
conjunto da classe proprietária — procurava solucionar as questões que se lhe posta escravista à dominação capitalista [em termos mundiais]. O sistema se
antepunham; especialmente aquelas relacionadas à crise da lavoura cafeeira transformava, seu modo de produção fundamental o ['colonial'escravista] per-
do Vale do Paraíba e ao sistema escravista que lhe sustentava. manecia intacto"17. Desse modo, "as atividades capitalistas emergentes [fo-
ra da produção] estavam subordinadas aos interesses escravistas, que se va-
É necessário lembrar ser impossível, para compreendermos o discurso
liam do controle sobre o aparato estatal" 18 .
da política econômica proposta nos relatórios, não deixarmos de colocar a
questão de como aqueles que o formularam encaravam o presente e projeta- Diríamos então que a tese central desse artigo pode ser dividida em 3
teses que se explicam e se interpenetram. Primeiramente, o enfoque dado em
vam o futuro, dentro de uma visão de mundo que lhes dava sentido, agindo
dialeticamente como criado-criador. É, pois, fundamental para entendermos relação á 'crise' da cafeicultura do Vale do Paraíba — que dá os primeiros
e analisarmos a política econômica e social contida nesses relatórios, a análise sinais de problemas no início da década de 70 — e o direcionamento das pro-
e a compreensão dos conceitos e dos valores que sustentavam ideologicamente postas e diretrizes para sua superação foram embasados (enquanto paradigma
a visualização das questões concernentes à crise e das soluções propostas e ao nível do discurso) ideologicamente pelo ideal de progresso. Segundo, nas
postas em prática em sua estreita relação com a realidade da economia flumi- décadas de 70 e 80 o Estado provincial — nas mãos de governos comprometi-
dos com os interesses dos grandes cafeicultores — exerceu a função de agente
nense7.
capitalista, procurando solucionar a ausência de empreendedores privados
A partir da década de 30 do século XIX, a cultura escravista do café foi com grande quantidade de capitais, seja através do grande auxílio dado à for-
o principal sustentáculo da economia brasileira 8 , surgindo primeiramente no mação de uma extensa rede ferroviária, seja financiando campanhas de manu-
Vale do Paraíba fluminense e se estendendo pelo Vale do Paraíba paulista e missao em massa, subsidiando crédito e juros às companhias particulares, às
Oeste Paulista (a partir da década de 70, aproximadamente); tendo sido, estas, pessoas físicas e jurídicas voltadas para projetos de assentamento de imigran-
importantes áreas de acumulação de capital para o ulterior desenvolvimento tes e á organização de engenhos centrais (de cana-de-açúcar); isso, continuan-

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o que aliado aos relativos bons preços no mercado mundial auferia grandes
do, ao nível do Estado provincial, a política imperial das décadas de 50 e 60,
lucros aos barões do café e impostos aos cofres provinciais31.
de prolongar a existência do modo de produção escravista com "a introdução
O café era, pois, vital dentro do universo mental dos dirigentes provin-
de atividades capitalistas fora da produção"19. Finalmente, consideramos que
ciais como solução da crise que afligia a economia cafeeira escravista. O café
a política dos governos provinciais fluminenses do período analisado, que se
era encarado como o móvel do progresso provincial e, simultaneamente,
propunha a continuar e a aprofundar a política progressista supracitada do
como remédio da crise que o afligia; crise esta que punha em risco os planos
Estado imperial das décadas de 50 e 60, esbarrou em profundos problemas
de dar uma sobrevida ao moribundo escravismo.
estruturais que não só dificultaram e barraram a implantação conseqüente
Outrossim, através dos Relatórios do Presidente da Província do Rio de
dessa política de classe, como também demandaram uma contínua adaptação Janeiro podemos constatar que a ideologia do progresso vislumbrada para o
da política às condições conjunturais. Brasil e, mais especialmente, para a província fluminense, lhe destinava um
Nas décadas de 70 e 80 do século XIX o café era a principal fonte de futuro semelhante àquele das nações industrializadas européias e dos EUA.
recursos — senão a única digna de atenção — para os cofres provinciais20. Nos Só que esse futuro deslumbrante seria alcançado através da lavoura voltada
relatórios observa-se uma preocupação constante, durante a década de 70, de para o mercado externo, mas para tal era necessária a implantação de uma
prover a lavoura cafeeira da infra-estrutura necessária para reeguê-la da 'crise' racionalizada infra-estrutura de transportes32. No entanto, esse projeto era
que a ameaçava 21 , barateando os custos de produção no setor de transportes, prejudicado pelo problemático estado da cafeicultura escravista fluminense.
já que a inovação não era vista como realmente exeqüível 22 . A solução encontrada era a de investir maciçamente na formação de uma in-
Já desde o ano de 1870 medidas tais como a construção de escolas téc- fra-estrutura de transportes e na qualificação profissional da população flu-
nicas agrícolas, organização de feiras no meio rural para a vulgarização de no- minense, incutindo-lhe concomitantemente a noção de trabalho livre e assa-
vas técnicas, desenvolvimento do sistema creditício são propostas e incentiva- lariado como móvel do progresso, para fazer frente à questão da inevitável
das pelo Estado provincial23, que se vê na obrigação de prover a agricultura libertação da mão-de-obra escrava33. O problema é que o Estado provincial —
dos meios para se desenvolver, não se vexando de interferir diretamente nessa instrumento dessa política — além de, ao longo da década de 70, gastar mais
problemática e que, na falta de capitais privados nacionais de grande monta, do que arrecadava, em meados da década passa a sofrer déficits crônicos,
agia como atualizador de mecanismos capitalistas24. uma vez que o café, principal fonte de renda provincial, começa a sofrer uma
Os relatórios dos primeiros anos da década de 70, apesar de afirmarem queda em seu preço internacional, que nos primeiros tempos é minimizada
que a "agricultura, fonte principal de nossa riqueza, tem sofrido grandes con- pelas boas safras34. No entanto, já nos primeiros anos da década seguinte
trariedades"25, ainda posicionava-se otimisticamente frente ao futuro, visto constata-se que o café n3o podia contribuir com mais do que destinava em
que se acreditava que a melhora da infra-estrutura dos transportes viria dar termos fiscais, e, sendo necessário solucionar o problema deficitário, é propos-
condições para o barateamento dos custos de produção26. ta uma reformulação do sistema tributário provincial 35 .
Outras medidas mais relacionadas com a produção, tais como a aduba- Tem-se, então, uma contradição historicamente insolúveha solução (de
ção dos cafezais, a construção de escolas técnicas, melhora das plantas, etc., classe) encontrada de aplicar maciçamente recursos provinciais no melhora-
ou não foram levados a cabo ou não tiveram resultados satisfatórios27. mento e na construção de uma ampla rede viária para, conseqüentemente,
Portanto, embora se detectasse desde o início da década de 70 uma barateando os custos de produção, melhorar o estado da economia cafeeira e
situação de 'estagnação' da lavoura fluminense (acucareira, de abastecimento retardar o fim do escravismo, entra em choque com a necessidade de se au-
e cafeeira, principalmente}28, considerava-se que as estradas de ferro seriam mentar a receita e diminuir as despesas provinciais; devido ao fato do café, que
um vital e imprescindível remédio que, barateando os custos de transporte, era a principal fonte tributária, não poder oferecer mais do que já contribuía.
reergueria a economia cafeeira e fluminense em geral29; dado que esse baratea- Como, então, continuar investindo na construção de vias férreas e levar
mento não seria possível, como já dissemos anteriormente, através do aumen- adiante a política reacionária, sem aumentar o tributo sobre o café e sem au-
to da produção, pelo melhoramento das técnicas agrícolas ou pelo aumento mentar a já então volumosa dívida provincial que complicava a obtenção de
da área cultivada30. novos empréstimos estrangeiros?
Para complicar ainda mais o problema, nos últimos anos da década
Esse projeto seria realizado através da aplicação pelo Estado provincial
de 70 as ferrovias já não eram consideradas economicamente viáveis, devido,
de grande volume de capitais em um amplo projeto viário (ferrovias principal-
entre outras coisas, à concorrência entre as numerosas ferrovias, à diminuição
mente); os governos provinciais das duas décadas em estudo contavam com o
relativa do volume de carga, a problemas técnicos, etc.36.
café para fornecer o capital necessário, apesar dos problemas pelos quais o
A partir de 1879, com a constatação de que a renda proveniente do
'ouro verde' passava na década de 70. A despeito da estagnação técnica do
café diminuía consideravelmente desde os últimos anos, há uma crescente
cultivo e do fim da fronteira agrícola, o café ainda conseguia grandes safras.

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preocupação com o sistema tributário e com a superação desse crônico pro- mentar a receita através, entre outras coisas, do aumento dos lucros da Com-
blema que ameaçava tornar-se irreversível. panhia da E. F. de Cantagalo, que é vista, antes de tudo, como elemento aglu-
Para remediar essa crise orçamentária que afligia a província há algum tinador de capitais41. Outro dado sintomático é a preocupação em diversifi-
tempo e que punha em risco seriamente a política econômica em questão, car e reformular o sistema tributário provincial, mais especificamente em
dá-se grande importância á fiscalização mais rigorosa da arrecadação do im- 1889, através da racionalização da fiscalização sobre o café e outros produ-
posto de 4% sobre o café e daqueles taxados sobre outros produtos, à diver- tos-: uma atitude de desespero, se levarmos em conta que até há pouco tempo
sificação das fontes de renda e á economia nas despezas. Ademais, essa ques- o café era considerado o 'salvador da pátria'. Ademais, para colocar as bases
tão está inserida na preocupação anteriormente exposta de racionalização de uma futura economia, propõe-se o revigoramento da economia açucareira
da vida econômica provincial, dentro da concepção de progresso expressa nes- que vinha 'renascendo', dando-lhe concessões e juros subsidiados para a
ses documentos. construção de engenhos centrais. Outrossim, procura-se revitalizar a pequena
Em meados da década de 80 — 1884 e 1885 —, os relatórios constatam lavoura de abastecimento de áreas próximas à Corte através da ligação dessas
desoladamente que era muito difícil reduzir as despezas e aumentar a receita áreas a ela pelo prolongamento da E.F. de Cantagalo e ramais 42 . Segundo se
através duma maior taxação sobre o café e o açúcar. Era tão grave a situação pensava, com essa medida aumentar-se-ia a receita dessa ferrovia, o que capi-
financeira provincial e tão débeis as suas fontes de renda, que um relatório de talizaria a província que estava em sérios apuros orçamentários.
1885 afirma que se não fosse decretado o aumento dos impostos, medida que
O projeto político da classe dominante fluminense, que se consubstan-
não aconselhava, a província deveria socorrer-se com novos empréstimos ex-
cia na década de 70, ao mesmo tempo que comanda as diretrizes econômicas
ternos37.
para fazer frente aos problemas estruturais da província fluminense, sofre
Inserido no projeto político reacionário posto em prática pelos gover-
com o agravamento de seus problemas, que, devido a sua dependência vital e
nos provinciais no período estudado, o problema da desagregação iminente
embrionária em relação à economia cafeeira, dificulta e impossibilita a con-
do sistema escravista é visto, ao longo da década de 70 e mais insistentemente
secução completa do referido projeto político. Isto é, desde os primeiros anos
na de 80, como uma das questões mais vitais dos assuntos provinciais, junta-
da década de 70, apesar de se constatarem problemas importantes na agricul-
mente com o das obras públicas (ferrovias e escolas públicas, especialmente)38.
tura fluminense (na cafeeira, principalmente), acreditava-se que a construção
O Estado provincial — dominado por governos comprometidos com os
de vias férreas viria solucionar esses problemas e levar a província, calcada no
interesses dos cafeícultores escravistas — realiza então uma ampla campanha
poder econômica do café, a um futuro de progresso econômico e social. No
a favor das manumissões e da resolução do problema escravo desde meados da
entanto, os crescentes e sucessivos déficits que, a partir de meados da década
década de 70, legislando sobre a matéria; incentivando através do discurso e
de 70, se tornam crônicos, demandando aumento de receita e contenção de
de resoluções práticas medidas que atenuassem as conseqüências da extinção
despezas, freiam um pouco o ímpeto construtor, o que aliado à radicalização
iminente da escravidão, seja prometendo, seja realizando a vinda de imigrantes
da crise da economia cafeeira nos inícios da década de 80, além de tirar a
estrangeiros39; atuando diretamente no problema, realizando amplos censos
aura salvadora do café, inviabiliza economicamente muitas ferrovias, que se
da população escrava e criando um fundo público de manumissões, destinado
tornam ociosas, em virtude de problemas anteriormente comentados.
a comprar a liberdade dos escravos40.
É importante lembrar que um número não desprezível das manumissões Uma questão então se coloca: como construir mais ferrovias — vistas
era realizado com o pecúlio dos próprios escravos. como solução da economia cafeeira — se o Estado provincial, agente dessa po-
Essa política de manumissões, ao mesmo tempo em que libertava os lítica, se descapitalizava de ano a ano e aumentava sua dívida, e se as já exis-
escravos que cada vez mais se tornavam ociosos devido aos problemas da tentes passavam por sérios problemas financeiros devido â crise do café e à
cafeicultura, capitalizava o proprietário, atenuando-lhe o estado crítico em concorrência entre elas. A solução vista para solucionar a crise da economia
que se encontrava, e, mais importante, usava o poder do Estado provincial cafeeira — construir ferrovias — ocasiona problemas orçamentários que impos-
para garantir uma transição gradual e indolor para a sociedade pós-escravista. sibilitam a continuação dessa política.
Nessa época de crise, quando a terra encontrava-se desgastada, o grande A solução proposta, antes de melhorar, agrava o problema.
cafeicultor tinha no escravo, usado para penhora, uma das poucas, senão a Mas como as ferrovias eram vistas como o remédio mais imediato para
única fonte de capitalização. lutar contra o problema de caixa, melhorar sua situação era a solução encon-
Durante a década de 80, quando se constata de ano a ano que a crise trada para a resolução dos problemas que dificultavam a consecução da polí-
da lavoura cafeeira escravista é irreversível, procura-se de todas as formas tica viária. No entanto, esse melhoramento da situação da economia cafeeira
encontrar soluções alternativas. Quando em meados dessa década o café é seria realizado através da construção de ferrovias que demandavam grandes
desacreditado como principal fonte de renda e tendendo a cair, busca-se au- investimentos.

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O que temos então é um círculo vicioso, que põe em xeque a política vida, o projeto político em questão esforçava-se para, pelo menos, realizar
progressísta-reacionária dos governos provinciais fluminenses do período. uma transição para o trabalho livre o mais gradual e indolor possível, inclusive
Confrontado com todas essas vicissitudes, o projeto político vê-se na clamando pela sua valorização; ademais, procurava lançar as bases de uma
necessidade de se adaptar a elas ou sucumbir. Por isso, quando na década de agricultura mais diversificada.
80 o café perde progressivamente seu antigo papel, o governo provincial além Embora, à primeira vista, e em termos regionais, possamos constatar
de procurar diversificar as suas fontes de receita, procura incentivar também que houve uma redefinição econômica (para a pecuária, especialmente) das
mais incisivamente a economia açucareira que 'renasce', além de se preocupar antigas áreas cafeeiras do Vale do Paraíba47, com o conseqüente declínio de
mais seriamente com as culturas de 'subsistência' próximas aos centros urba- seu antigo poder econômico e político, só uma pesquisa mais aprofundada
nos (a Corte principalmente) e com a colonização estrangeira. Com isso, pre- poderá nos mostrar como a economia fluminense, como um todo, se organi-
tendia-se povoar a província de trabalhadores livres e dotá-la de uma boa pro- zou nesse período de crise.
dução agrícola para consumo no mercado urbano. Outrossim, procurava-se Todavia, apesar do projeto político sofrer esses reveses e ter de ser adap-
formar entre os trabalhadores livres nacionais uma sólida ideologia louvadora tar aos novos tempos, o arcabouço ideológico que o norteava não muda subs-
do trabalho produtivo43. tancialmente: os exemplos europeu e estaduniense de progresso são ainda vis-
Quando a esperada mas não desejada extinção jurídica da escravidão se tos como paradigma de futuro48.
concretiza em 1888, os governos imperial e provincial procuram, através de Esse projeto político encontra sua gloriosa implantação no Rio de Ja-
sua importante capacidade agregadora de capitais, ajudar a lavoura a atraves- neiro do prefeito Pereira Passos, que transforma a antiga Corte, então capital
sar a crise pela quat passava44. As medidas são pensadas ainda dentro da polí- da República, na 'capital do arrivismo', que se esforça para se inserir no gla-
tica analisada, com forte intervenção estatal: o governo provincial concederia mouroso mundo da 'Belle Époque'49.
"subvenções ou garantias de juros a 6% às companhias organizadas ou que
houvessem de organizar-se, tendo por capital propriedades agrícolas e por
objetivo o estabelecimento de imigrantes mediante ônus compensativos do NOTAS:
sacrifício feito pelos cofres provinciais"45.
No mesmo relatório, podemos nos enteirar mais profundamente do pro- Para facilitar a exposição das notas referentes aos relatórios, optei por nomeá-
jeto político que se adaptava às novas circunstâncias:"(. . .) tendo o governo los (falas, mensagens e relatórios) de uma forma única e simplificada - Relatório de
8/8/1884, por exemplo —, visto que eles tinham denominações muito variadas e exten-
geral [imperial] tomado a seu cargo a missão patriótica de socorrer a lavoura, sas, como por exemplo: "Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do
procurando desempenhá-la com a maior solicitude pelos meios mais eficazes Rio de Janeiro na abertura da segunda sessão da vigésima-sexta legislatura em 12 de
e adequados, com o fornecimento de capitais bancários a juro baixo e a longo setembro de 1887, pelo presidente Dr. Antônio da Rocha Fernandes Le3o".
prazo, tratados internacionais que hão de determinar aumento considerável
no consumo de nossos principais produtos e, finalmente, a criação de burgos 1 Foram consultados e analisados n9o só os relatórios dos presidentes, mas também os
agrícolas, que em não pequeno número devem localizar-se no território da dos vice-presídentes, quando, é claro, no posto de chefe de governo. Os relatórios
província, julgo de bom aviso aguardar o resultado das providências, antes de podem ser encontrados na Biblioteca Estadual de Niterói íSala Matoso Maia}, na Bi-
comprometer os recursos da província em cometimentos da mesma natureza, blioteca Nacional (microfilmados) e no Palácio do Itarnarati no Rio de Janeiro.
posto que sem igual alcance"46.
2 Nesse período, a província teve 31 chefes de governo, sendo 17 como presidentes e
Vê-se, pois, que no período analisado, não só o Estado provincial, mas 14 como vice-presidentes. Cf. LACOMBE, Luiz Lourenço. Os Chefes do Executivo
também o imperial exerciam importante papel de agente capitalista, sobre- Fluminense. Petrópolis, MEC/Museu Imperial, 1973. p. 39-55.
tudo em um momento em que a província não se julgava em condições finan-
ceiras de fazer sua parte. 3 Cf. COSTA, Emflia Viotti da. Da Senzala à Colônia. 2? ed. Sa"o Paulo, Livraria
Ciências Humanas, 1982. p. 137; MONTEIRO, Hamilton M. Brasil império. Sa*o
Por conseguinte, concluímos que o projeto político dos governos pro-
Paulo, Ed. Atica, 1986. p. 58.
vinciais fluminenses das décadas de 70 e 80 — de usar o poder do Estado para
implantar mudanças infra-estruturais na cafeicultura escravista fluminense 4 O presidente (segundo a Constituição Imperial de 1824) e o vice-presidente (segun-
(fora da produção; no setor de transportes, preferencialmente) para prolongar do o decreto imperial n°-207 de 18/09/1841) eram nomeados pelo imperador e por
o escravismo — teve de se adaptar às circunstâncias adversas. ele destituídos. Cf, LACOMBE, op. c/f. p. 8.
Não só os meios para a consecução da política tiveram que ser revistos, 5 Cf. MONTEIRO, op. c/f. p. 61-66.
como os próprios fins tiveram que ser redefinidos.
Na década de 80, como o escravismo não dava mais esperança de longa 6 Cf. Relatório de 6/8/1884. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1884, p. 24.

56 Arrabaldes 57
7 Consideramos aqui o discurso enquanto a concretude da ideologia de uma classe ou 23 Relatório de 8/9/1870. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio de Janeiro,
fração de classe. Ideologia essa que, embora seja a "emanação direta do comporta- 1870. p. 51.
mento material dos homens", tem sua especificidade e autonomia próprias e que, a
partir do amplo leque de possibilidade abertas (ao nível do discurso) pela infinitude 24 O pequeno modo de produç3o capitalista estava em gestação no interior do modo
do real, se vá frente a um emaranhado de caminhos e soluções possíveis dentro da- de produção escravista, ao qual, nesse momento, estava subordinado. Cf. EL —
quelas condições materiais dadas. Portanto, a relação entre as condições materiais KAREH.op. c/t. p. 25.
de existência e a ideologia não é apriorfstica e lógico-formal, mas sim dialética e
infinitamente (dentro da finitude) determinada: "(. . .} a mesma base econômica 25 Relatório de 1/10/1869. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio de Janeiro,
— a mesma no tocante a suas condições fundamentais — (pode) mostrar em seu 1869. p. 28; Relatório de 8/9/1870. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio
modo de manifestar-se infinitas variações e gradações, devidas a distintas e inúmera- de Janeiro, 1870. p. 51-52.
veis circunstâncias empíricas, condições naturais, fatores étnicos, influências histó-
ricas que atuam no exterior etc." MARX, Karl & ENGELS, F. A Ideologia AlemS; 26 Cf. Relatório de 15/3/1871. Rio de Janeiro, Typographia de Quirino e Irmffo, 1871,
MARX, K. O Capital, apud EISENBERG, Peter L, "A Mentalidade dos Fazendeiros p. 10; Relatório de 8/9/1871. Rio de Janeiro, Typographia Perseverança, 1871
no Congresso Agrícola de 1878". IN: LAPA, José R. do Amaral (org.). Modos de (Anexo: Relatório da Diretoria de Obras Públicas, p. 44); Relatório de 8/9/1875.
Produção e Realidade Brasileira. Petrópolis, Vozes, 1980. p. 168. Rio de Janeiro, Typographia do Apóstolo, 1875. p. 33.

8 COSTA, Op. c/t., p. 11. 27 Cf. Relatório de 1/10/1869. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio de Ja-
neiro, 1869. p. 28.
9 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. Tensões Sociais e Criação Cultural
na Primeira República. SSo Paulo, Brasiliense, 1963. p. 27; FAUSTO, Boris. Traba- 28 " ( . . . ) a década de 1870 foi especialmente desfavorável para as atividades da grande
lho Urbano e Conflito Social (1890-1920). 3aed. Sá*o Paulo, Difel, 1983. p. 13-14. lavoura". EISENBERG: op. c/t. p. 176.

10 COSTA, op. c/f., p. 11. 29 Cf. Relatório de 8/9/1871. Rio de Janeiro, Typographia Esperença, 1871. p. 44.

11 tbid. p. 12. 30 Cf. Relatório de 8/8/1881. Rio de Janeiro, Imprensa Industrial de João Paulo Fer-
reira Dias, 1881. p. 44.
12 EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha Branca de Mffe Preta: A Companhia da Estrada
de Ferro D. Pedro II (1855-1865). Petrópolis, Vozes, 1982, p. 27. 31 " (. . .) dos altos preços atingidos pelo café até a década de 1880". COSTA, op. c/t.
p. 185.
13 Ibid. p. 140.
32 Cf. Relatório de 8/9/1870. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio de Janei-
14 Id., ib. p. 27. ro, 1870. p. 62; Relatório de 8/9/1871. Rio de Janeiro, Typographia Esperança;
1871. p. 44; Relatório de 8/8/1881. Rio de Janeiro, Imprensa Industrial de JoSo
15 Id., loc. d t. Paulo Ferreira Dias, 1881, p. 48.

16 Id.Jb. p. 28. 33 " (. . .} mas sobejam-nos meios de auxiliar alguns estabelecimentos que se propo-
nham ensinar o que mais carecemos aprender — trabalhar —, preparando, ao mesmo
17 /d.t loc. c/f. tempo, normalistas — operários". Relatório de 8/8/1885. Typographia Montenegro,
1885. p. 121.
18 Id., ib. p. 25.
34 Cf. Relatório de 5/3/1879. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1879. p. 11.
19 Id., ib. p. 28.
35 Cf. Relatório de 16/3/1882. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1882,
20 Relatório de 8/9/1873. Rio de Janeiro, Typographia Apóstolo, 1873. p. 46; Relató- p. 55-56.
rio de 5/3/1879. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1879. p. 11; Relatório
de 8/8/1881. Rio de Janeiro Imprensa Industrial de Jo3o Paulo Ferreira Dias, 1881. 36 Cf. Relatório de 8/9/1878. Rio de Janeiro, Typographia da Reforma, 1878 (Plano
p. 71. da Viaç3o, p. 85).

37 Cf. Relatório de 8/8/1885. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1885. p. 116.


21 Essa crise deve ser relativizada e colocada em termos gerais, uma vez que nas déca-
das de 70 e 80 certas áreas (Cantagalo, por exemplo} estavam em franca produção, 38 Cf. Relatório de 8/9/1873. Rio de Janeiro, Typographia do Apóstolo, 1873. p. 40;
concentrando inclusive grande contingente de escravos. Cf. EISENBERG. op. c/t. p. 176.

22 Relatório de 1/10/1869. Rio de Janeiro, Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 39 Cf. Relatório de 12/9/1887. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1887. p. 43.
1869. p. 30.

58 Arrabaldes Arrabaldes 59
40 O Estado provincial destinava determinada quantia para o fundo de emancipação,
que, por sua vez, repartia-o em cotas diferenciadas para cada município. Até 1885,
realizaram-se 6 libertações coletivas (1876, 1880, 1881, 1882 e duas em 1884), que
libertaram da escravidão 4287 pessoas. IN; Relatório de 8/8/1886. Rio de Janeiro,
Typographia Montenegro, 1886 (Apensos: "Mapa das libertações efetuadas na pro-
víncia do Rio de Janeiro pelo fundo de emancipação").

41 Cf. Relatório de 28/10/1883. Typographia Montenegro, 1883. p. 31.

42 Cf. Relatório de 8/8/1885. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1885. p. 82-


83.

43 Ibid.. p. 140.

44 Cf. Relatório de 15/10/1889. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1889. p. 69.

45 Ibid.. p. 9.

46 ld.,ib., p. 10.

47 Em Vassouras, por exemplo, "a partir do declínio da produção de café, iniciou-se


um novo período em que, coexistindo com os cafeeiros e com a criação de gado que
se fazia ainda em pequena escala (com algumas exceções), outras lavouras desenvol-
veram-se". PADILHA, Sylvia Fernandes. Da Monocultura à Diversificação Econô-
mica, Um Estudo de Caso: Vassouras (1880-1930). Niterói, Universidade Federal
Fluminense; ICHF, 1977. p. 2.

48 Cf. Relatório de 15/10/1889. Rio de Janeiro, Typographia Montenegro, 1889. p. 10.

49 Cf. SEVCENKO. op. c/f. Cap. l.

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