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MÁRCIA CARDEAL

VER COM AS MÃOS:

A ILUSTRAÇÃO TÁTIL EM LIVROS PARA CRIANÇAS CEGAS

FLORIANÓPOLIS – SC

2009
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MÁRCIA CARDEAL

VER COM AS MÃOS:

A ILUSTRAÇÃO TÁTIL EM LIVROS PARA CRIANÇAS CEGAS

Dissertação elaborada como requisito parcial para


a obtenção do título de Mestre no Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais do Centro de
Artes da Universidade do Estado de Santa
Catarina.

Orientadora: Prof.ªDr.ª Maria Lúcia Batezat Duarte

FLORIANÓPOLIS - SC

2009
MÁRCIA CARDEAL

VER COM AS MÃOS:


A ILUSTRAÇÃO TÁTIL EM LIVROS PARA CRIANÇAS CEGAS

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do


CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa
Ensino das Artes Visuais.

Banca Examinadora:

Orientador: _________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Batezat Duarte
CEART - UDESC

Membro: __________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Terezinha Sueli Franz
CEART - UDESC

Membro: __________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Toledo Moraes Amiralian
IPUSP - USP

Florianópolis, 30 de julho de 2009.


Para Ariel, por quem vou adiante.

Para Malu, porque ainda “guarda seus olhos na caixa de brinquedos”.


AGRADECIMENTOS

Sou grata aos que estiveram comigo neste percurso:


À Nana e Alfredo, lugar de onde vim, pelo incentivo.
À Irene e Cacá pela guarida.
À Melissa pela companhia de estradas e dúvidas compartilhadas.
À Cláudia por estar sempre aqui, sem nunca ter estado.
À Bethânia pelo apoio, mesmo na distância.
À Salete, Elenir e Ana, por estarem sempre por perto, incondicionalmente.
À Eliane Lisboa pela atenciosa revisão.
Ao Luciano e Luís, pelo suporte técnico.
À Elizete Lisboa pelo constante interesse e disponibilidade.
Ao José Aragão e Ingrid Bellinghausenn pela colaboração.
À Diele (Escola Prof. Osny Macedo Saldanha - Curitiba) pelas trocas.
À Sílvia, Lizandra e Tátila (Saede - Blumenau), Maristela (Acic - Florianópolis), Mari, Sílvia,
Mastroianni e Manuella (Escola Tradição - Florianópolis) pelo acolhimento nas entrevistas
com as crianças.
À Terezinha Franz e Maria Lúcia Amiralian pela importante contribuição como banca
avaliadora.
Aos alunos e professores do PPGAV, pelo que se construiu nas entrelinhas acadêmicas.
A todas as crianças, fundamentais para a pesquisa.
Aos grandes mestres que vieram antes, fonte na qual bebemos: Luquet, Arnheim, Gombrich...

E ainda, de maneira muito especial,


Ao Ariel pela delicadeza, bom humor, paciência e cuidados comigo;
E à professora, orientadora e pesquisadora impecável Maria Lúcia Batezat Duarte, pelo
contágio da pesquisa, pela competência, seriedade e atenção com que balizou os rumos por
onde andei, e, principalmente por me ensinar a Ver.
Como é o lugar
Quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
Sem serem vistas?

Drummond
RESUMO

A presente dissertação, inserida na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais, apresenta-se
como requisito para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, pela Universidade do
Estado de Santa Catarina. Seu eixo central é a análise do reconhecimento tátil das ilustrações
em relevo no livro infantil para crianças cegas; para tanto foram observados os modos como
vem sendo utilizado o recurso desta espécie de ilustração, suas possibilidades, seus
comprometimentos, abrangências e limites. Para a investigação foram escolhidos como
instrumentos de pesquisa quatro livros infantis, considerados inclusivos, com texto e
ilustração em tinta, e texto em Braille e ilustração em relevo: A Bruxa mais velha do mundo,
de Elizete Lisboa, ilustrado por José Carlos Aragão (São Paulo: Paulinas, 2005); Firirim
Finfim, de Elizete Lisboa, ilustrado por Anna Raquel (São Paulo: Paulinas, 2007); Um
Presente muito Especial, de Patrícia Engel Secco, ilustrado por Edu A. Engel [s. n.] e Um
Mundinho Para Todos, de Ingrid Bellinghausen, com ilustrações da autora (São Paulo: DCL,
2006). O embasamento teórico está relacionado às pesquisas sobre as implicações da
invisualidade e o reconhecimento háptico de configurações bidimensionais de Yvette Hatwell,
Oliver Sacks, Susanna Millar e Maria Lúcia Amiralian. Buscou-se ainda os estudos sobre
desenho infantil, de Georges-Henry Luquet e, por se processar de modo específico, a
apreensão tátil das imagens foi interpretada por um outro modo de análise, denominada
experimentalmente como Análise Tátil-Visual da Forma. Para isto, o suporte teórico foi
encontrado em Gombrich, Arnheim e Bernard Darras, que tratam da forma como
representação, esquema gráfico e iconotipo. Sobre esquema gráfico, produção de desenho por
pessoas cegas e os processos cognitivos decorrentes destas implicações, buscou-se elucidar
dúvidas nas pesquisas de John M. Kennedy, Maria Lúcia Batezat Duarte e Bernard Darras. A
pesquisa de campo constituiu-se de registros em áudio e vídeo dos momentos de leitura das
imagens em relevo pelas crianças cegas, das entrevistas com as crianças, autores e
ilustradores, além da pesquisa bibliográfica. A metodologia utilizada para a análise destes
dados da pesquisa de campo foi a Análise de Conteúdo. O índice de reconhecimento tátil das
ilustrações pelos indivíduos abordados foi baixo, porém a maior ocorrência de
reconhecimento tátil foi constatada entre os que desenham. As ilustrações com maior índice
de reconhecimento foram as formas simples, figuras geométricas planas e esquemas.

Palavras-chave: Ilustração infantil. Imagem em relevo. Reconhecimento Tátil.


ABSTRACT

The present work, inserted in the Education of the Visual Arts research’s line is a requirement
to get the Visual Arts Masters degree, from the Universidade do Estado de Santa Catarina. Its
central point is the analysis of blind children`s books relief illustrations` tactile recognition.
For this purpose it has been observed the manner in which this kind of illustration`s resource
is being used, its possibilities, its commitments, its extent and limits. For the study four child
books have been chosen as research’s instruments, considered inclusive, with text and
illustration in ink, text in Braille and illustration in relief: A Bruxa mais velha do mundo, by
Elizete Lisboa, illustrated by José Carlos Aragão (São Paulo: Paulinas, 2005); Firirim
Finfim, by Elizete Lisboa, illustrated by Anna Raquel (São Paulo: Paulinas, 2007); Um
Presente muito Especial, by Patrícia Engel Secco, illustrated by Edu A. Engel and Um
Mundinho Para Todos, by Ingrid Bellinghausen, with author’s illustrations (São Paulo: DCL,
2006). The theoretical base is related to the research about the implications of the blindness
and the haptic recognition of bi-dimensional configurations of Yvette Hatwell, Oliver Sacks,
Susanna Millar and Maria Lúcia Amiralian. It was also searched Georges-Henry Luquet`s
studies on children`s drawing, and for been a special process, the tactile image`s apprehension
was interpreted by another way of analysis, experimentally denominated Tactile-Appearance
Analysis of the Form. For this, the theoretical support was found in Gombrich, Arnheim and
Bernard Darras, who deal with the form as representation, graphical project and iconotipo.
About graphical project, blind people drawing`s production and the current cognitive
processes of these implications, it was searched to elucidate doubts in the research of John M.
Kennedy, Maria Lúcia Batezat Duarte and Bernard Darras. The field research was consisted
of registers in audio and video of the relief image`s reading moments by the blind children,
with the authors and illustrators interviews, beyond bibliographical research. The
methodology used for analysis of these data about the field research was the Analysis of
Content. The index of illustration’s tactile recognition was low e of bigger occurrence
between that they draw. The illustrations with bigger index of recognition had been the plain
forms, geometric figures and projects.

Key-Words: Children Illustration. Relief Image. Tactile Recognition.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 ...................................................................................................................................61
Quadro 2 ...................................................................................................................................63
Quadro 3 ...................................................................................................................................65
Quadro 4 - Livro 1, páginas 3, 5 e 6. ........................................................................................80
Quadro 5 - Livro 1, páginas 7, 8, 9, 10 e 11. ............................................................................80
Quadro 6 - Livro 1, páginas 15, 17, 18 e 19. ............................................................................81
Quadro 7 - Livro 1, páginas 20, 23, 24, 27 e 30. ......................................................................81
Quadro 8 - Livro 2, rosto, páginas 03 e 06. ..............................................................................92
Quadro 9 - Livro 2, páginas 07, 09 e 11. ..................................................................................92
Quadro 10 - Livro 2, páginas 12, 14 e 16. ................................................................................93
Quadro 11 - Livro 2, páginas 18, 20 e 21. ................................................................................93
Quadro 12 - Livro 3, páginas 07 e 15. ....................................................................................104
Quadro 13 - Livro 3, páginas 29, 33, 36 e contracapa............................................................104
Quadro 14 - Livro 4, página 04. .............................................................................................114
Quadro 15 - Livro 4, páginas 05 e 07. ....................................................................................115
Quadro 16 - Livro 4, páginas 09, 11 e 13. ..............................................................................115
Quadro 17 - Livro 4, páginas 15 e 17. ....................................................................................115
Quadro 18 - Livro 4, páginas 19 e 21. ....................................................................................116
Quadro 19 - Livro 4, páginas 23, 25 e 27. ..............................................................................116
Quadro 20 - Livro 4, páginas 29 e 30. ....................................................................................116
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 1 - A Caça..........................................................................................................................21
Fig. 2 - Books of Kells: Letra maiúscula..................................................................................22
Fig. 3 - Saltério de Ultrecht – Salmo XXVI .............................................................................22
Fig. 4 – Zoom, livro de imagem de Istvan Banyai ...................................................................24
Fig. 5 - Hornbook .....................................................................................................................24
Fig. 6 - Blättedor ......................................................................................................................25
Fig. 7 - Orbis Sensualium Pictus ..............................................................................................26
Fig. 8 - Orbis Sensualium Pictus, p. 03 e 04 ............................................................................27
Fig. 9 - Orbis Sensualium Pictus, p. 08 e 09 ............................................................................27
Fig. 10 - “Contos da Mamãe Gansa” de Perrault .....................................................................28
Fig. 11 - João e Maria...............................................................................................................30
Fig. 12 – Lolo Barnabé .............................................................................................................30
Fig. 13 - Crisântemo, Piet Mondrian ........................................................................................37
Fig. 14 - Crisântemo .................................................................................................................37
Fig. 15 - Bate-papo ...................................................................................................................46
Fig. 16 - Esquemas iconotipos..................................................................................................54
Fig. 17 - Pictogramas................................................................................................................54
Fig. 18 - Esquemas particulares................................................................................................54
Fig. 19 – Bateria .......................................................................................................................56
Fig. 20 – Cavaquinho ...............................................................................................................57
Fig. 21 - Livro 1, capa. .............................................................................................................69
Fig. 22 - Livro 1, p. 04 e 05......................................................................................................69
Fig. 23 - Livro 1, p. 06 e 07......................................................................................................70
Fig. 24 - Livro 1, p. 08 e 09......................................................................................................70
Fig. 25 - Livro 1, p. 10 e 11......................................................................................................70
Fig. 26 - Livro 1, p. 12 e 13......................................................................................................71
Fig. 27 - Livro 1, p. 14 e 15......................................................................................................71
Fig. 28 - Livro 1, p. 16 e 17......................................................................................................71
Fig. 29 - Livro 1, p. 18 e 19......................................................................................................71
Fig. 30 - Livro 1, p. 20 e 21......................................................................................................72
Fig. 31 - Livro 1, p. 22 e 23......................................................................................................72
Fig. 32 - Livro 1, p. 24 e 25......................................................................................................72
Fig. 33 - Livro 1, p. 26 e 27......................................................................................................72
Fig. 34 - Livro 1, p. 28 e 29......................................................................................................73
Fig. 35 - Livro 1, p. 30 e 31......................................................................................................73
Fig. 36 - Livro 1, p. 32..............................................................................................................73
Fig. 37 - Livro 1, relevo - p. 03. ...............................................................................................74
Fig. 38 - Livro 1, relevo - p. 05. ...............................................................................................74
Fig. 39 - Livro 1, relevo - p. 06. ...............................................................................................74
Fig. 40 - Livro 1, relevo - p. 07. ...............................................................................................75
Fig. 41 - Livro 1, relevo - p. 08. ...............................................................................................75
Fig. 42 - Livro 1, relevo - p. 09. ...............................................................................................75
Fig. 43 - Livro 1, relevo - p. 10. ...............................................................................................76
Fig. 44 - Livro 1, relevo - p. 11. ...............................................................................................76
Fig. 45 - Livro 1, relevo - p. 13. ...............................................................................................76
Fig. 46 - Livro 1, relevo - p. 15. ...............................................................................................77
Fig. 47 - Livro 1, relevo - p. 17. ...............................................................................................77
Fig. 48 - Livro 1, relevo - p. 18. ...............................................................................................78
Fig. 49 - Livro 1, relevo - p. 19. ...............................................................................................78
Fig. 50 - Livro 1, relevo - p. 20. ...............................................................................................78
Fig. 51 - Livro 1, relevo - p. 21. ...............................................................................................79
Fig. 52 - Livro 1, relevo - p. 22. ...............................................................................................79
Fig. 53 - Livro 1, relevo - p. 23. ...............................................................................................79
Fig. 54 - Livro 1, relevo - p. 24. ...............................................................................................80
Fig. 55 - Livro 2, capa. .............................................................................................................83
Fig. 56 - Livro 2, p. 03..............................................................................................................83
Fig. 57 - Livro 2, p. 04..............................................................................................................84
Fig. 58 - Livro 2, p. 05..............................................................................................................84
Fig. 59 - Livro 2, p. 06..............................................................................................................84
Fig. 60 - Livro 2, p. 07..............................................................................................................84
Fig. 61 - Livro 2, p. 08..............................................................................................................85
Fig. 62 - Livro 2, p. 09..............................................................................................................85
Fig. 63 - Livro 2, p. 10..............................................................................................................85
Fig. 64 - Livro 2, p. 11..............................................................................................................85
Fig. 65 - Livro 2, p. 12..............................................................................................................86
Fig. 66 - Livro 2, p. 13..............................................................................................................86
Fig. 67 - Livro 2, p. 14..............................................................................................................86
Fig. 68 - Livro 2, p. 15..............................................................................................................86
Fig. 69 - Livro 2, p. 16..............................................................................................................86
Fig. 70 - Livro 2, p. 17..............................................................................................................87
Fig. 71 - Livro 2, p. 18..............................................................................................................87
Fig. 72 - Livro 2, p. 19..............................................................................................................87
Fig. 73 - Livro 2, p. 20..............................................................................................................87
Fig. 74 - Livro 2, p. 21..............................................................................................................87
Fig. 75 - Livro 2, relevo - fl. de rosto .......................................................................................88
Fig. 76 - Livro 2, relevo - p. 03 ................................................................................................88
Fig. 77 - Livro 2, relevo - p. 06 ................................................................................................89
Fig. 78 - Livro 2, relevo - p. 07 ................................................................................................89
Fig. 79 - Livro 2, relevo - p. 09 ................................................................................................89
Fig. 80 - Livro 2, relevo - p. 11 ................................................................................................90
Fig. 81 - Livro 2, relevo - p. 12 ................................................................................................90
Fig. 82 - Livro 2, relevo - p. 14 ................................................................................................90
Fig. 83 - Livro 2, relevo - p. 16 ................................................................................................91
Fig. 84 - Livro 2, relevo - p. 18 ................................................................................................91
Fig. 85 - Livro 2, relevo - p. 20 ................................................................................................91
Fig. 86 - Livro 2, relevo - p. 21 ................................................................................................92
Fig. 87 - Livro 3, capa ..............................................................................................................95
Fig. 88 - Livro 3, fl. rosto .........................................................................................................95
Fig. 89 - Livro 3, p. 07..............................................................................................................96
Fig. 90 - Livro 3, p. 08..............................................................................................................96
Fig. 91 - Livro 3, p. 15..............................................................................................................97
Fig. 92 - Livro 3, p. 16..............................................................................................................98
Fig. 93 - Livro 3, p. 29..............................................................................................................99
Fig. 94 - Livro 3, p. 30..............................................................................................................99
Fig. 95 - Livro 3, p. 33............................................................................................................100
Fig. 96 - Livro 3, p. 34............................................................................................................100
Fig. 97 - Livro 3, p. 36............................................................................................................101
Fig. 98 - Livro 3, contracapa ..................................................................................................101
Fig. 99 - Livro 3, relevo - capa. ..............................................................................................101
Fig. 100 - Livro 3, relevo - p. 07 ............................................................................................102
Fig. 101 - Livro 3, relevo - p. 15 ............................................................................................102
Fig. 102 - Livro 3, relevo - p. 29 ............................................................................................102
Fig. 103 - Livro 3, relevo - p. 33 ............................................................................................103
Fig. 104 - Livro 3, relevo - p. 36 ............................................................................................103
Fig. 105 - Livro 3, relevo - contracapa ...................................................................................103
Fig. 106 - Livro 4, capa ..........................................................................................................105
Fig. 107 - Livro 4, fl. de rosto. ...............................................................................................105
Fig. 108 - Livro 4, p. 04 e 05..................................................................................................106
Fig. 109 - Livro 4, p. 06 e 07..................................................................................................106
Fig. 110 - Livro 4, p. 08 e 09..................................................................................................106
Fig. 111 - Livro 4, p. 10 e 11..................................................................................................106
Fig. 112 - Livro 4, p. 12 e 13..................................................................................................107
Fig. 113 - Livro 4, p. 14 e 15..................................................................................................107
Fig. 114 - Livro 4, p. 16 e 17..................................................................................................107
Fig. 115 - Livro 4, p. 18 e 19..................................................................................................107
Fig. 116 - Livro 4, p. 20 e21...................................................................................................107
Fig. 117 - Livro 4, p. 22 e 23..................................................................................................108
Fig. 118 - Livro 4, p. 24 e 25..................................................................................................108
Fig. 119 - Livro 4, p. 26 e 27..................................................................................................108
Fig. 120 - Livro 4, p. 28 e 29..................................................................................................108
Fig. 121 - Livro 4, p. 30e 31...................................................................................................109
Fig. 122 - Livro 4, relevo - p. 04 ............................................................................................109
Fig. 123 - Livro 4, relevo - p. 05 ............................................................................................109
Fig. 124 - Livro 4, relevo - p. 07 ............................................................................................110
Fig. 125 - Livro 4, relevo - p. 09 ............................................................................................110
Fig. 126 - Livro 4, relevo - p. 11 ............................................................................................111
Fig. 127 - Livro 4, relevo - p. 13 ............................................................................................111
Fig. 128 - Livro 4, relevo - p. 15 ............................................................................................111
Fig. 129 - Livro 4, relevo - p. 17 ............................................................................................112
Fig. 130 - Livro 4, relevo - p. 19 ............................................................................................112
Fig. 131 - Livro 4, relevo - p. 21 ............................................................................................112
Fig. 132 - Livro 4, relevo - p. 23 ............................................................................................113
Fig. 133 - Livro 4, relevo - p. 25 ............................................................................................113
Fig. 134 - Livro 4, relevo - p. 27 ............................................................................................113
Fig. 135 - Livro 4, relevo - p. 29 ............................................................................................114
Fig. 136 - Livro 4, relevo - p. 31 ............................................................................................114
Fig. 137 - Contorno ................................................................................................................121
Fig. 138 - Esquema.................................................................................................................121
Fig. 139 - Esquema.................................................................................................................121
Fig. 140 - Esquema.................................................................................................................122
Fig. 141 - Repetição ...............................................................................................................122
Fig. 142 - Repetição ...............................................................................................................122
Fig. 143 - Forma simplificada ................................................................................................122
Fig. 144 - Círculos ..................................................................................................................123
Fig. 145 - Esquema figura humana.........................................................................................123
Fig. 146 - Esquema sol ...........................................................................................................124
Fig. 147 - Esquema rosto........................................................................................................124
Fig. 148 - Muito grande..........................................................................................................124
Fig. 149 - Contorno incompleto .............................................................................................124
Fig. 150 - Complexa ...............................................................................................................125
Fig. 151 - Complexa ...............................................................................................................125
Fig. 152 - Perspectiva .............................................................................................................125
Fig. 153 - Contorno irregular..................................................................................................126
Fig. 154 - Contorno Irregular .................................................................................................126
Fig. 155 - Esquema flor ..........................................................................................................127
Fig. 156 - Esquema flor ..........................................................................................................127
Fig. 157 - Desenho flor...........................................................................................................127
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16
1 IMAGEM ........................................................................................................................19
1.1 A IMAGEM COMO ILUSTRAÇÃO ..............................................................................20
1.2 ILUSTRAR PARA CRIANÇAS......................................................................................24
2 DESENHO.......................................................................................................................33
2.1 O DESENHO COMO REPRESENTAÇÃO GRÁFICA .................................................34
2.2 DESENHO E ESQUEMA GRÁFICO .............................................................................36
3 IMAGEM E INVISUALIDADE ...................................................................................39
3.1 IMPLICAÇÕES DA INVISUALIDADE ........................................................................42
3.2 A INVISUALIDADE E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS ..........................................45
3.3 A LEITURA TÁTIL.........................................................................................................49
3.4 O DESENHO E O RECONHECIMENTO TÁTIL..........................................................51
4 METODOLOGIA...........................................................................................................59
4.1 PARTICIPANTES ...........................................................................................................60
4.2 INSTRUMENTOS ...........................................................................................................63
4.3 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS...............................................................65
4.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS DADOS...........................................................67
4.5 CATEGORIAS LEVANTADAS .....................................................................................68
5 LIVRO 1 - A BRUXA MAIS VELHA DO MUNDO ..................................................69
5.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS ..............................................................................................69
5.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS ................................................................................................73
6 LIVRO 2 - UM MUNDINHO PARA TODOS.............................................................83
6.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS ..............................................................................................83
6.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS ................................................................................................88
7 LIVRO 3 - UM PRESENTE MUITO ESPECIAL......................................................95
7.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS ..............................................................................................95
7.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS ..............................................................................................101
8 LIVRO 4 - FIRIRIM FINFIM ....................................................................................105
8.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS ............................................................................................105
8.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS ..............................................................................................109
CONSIDERAÇÕES FINAIS - UMA CONVERSA RELEVANTE ................................118
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................129
ANEXO..................................................................................................................................135
16

INTRODUÇÃO

É quase impossível imaginarmos, hoje, um livro infantil que não contenha ilustrações.
Inerente ao universo da literatura para crianças, a imagem parece se espalhar, conversar,
reverenciar o texto, ou até mesmo prescindir dele, tomando para si a função narrativa. Quase
se pode dizer que a ilustração cria um novo texto, abrindo a possibilidade para uma terceira
leitura, dinamizando as relações entre palavra, imagem e a imaginação do leitor: “uma espécie
de livro e imagem pessoais dentro do livro que estamos lendo”, como diz o ilustrador Rui de
Oliveira (OLIVEIRA, 2008) com muita propriedade.
A razão primeira desta pesquisa talvez esteja situada lá na infância, em algum lugar da
memória, na descoberta do prazer silencioso, solitário e mágico da leitura. O alumbramento
provocado por alguma imagem associada a um texto, o fascínio pela literatura e o convite,
ainda na adolescência, para ilustrar o primeiro livro1 foram de alguma maneira determinantes
para as escolhas profissionais e acadêmicas que se seguiram. Desenhar acabou se tornando
minha principal ponte para o outro. Ilustrar para crianças tem sido, ao longo destes anos, ao
mesmo tempo um grande prazer e um grande desafio. Mas, foi o fato de ter sido transcrito
para o Braille um livro de poemas para crianças2, ilustrado por mim, que originou o principal
motivo deste estudo sobre a ilustração tátil em livros para crianças cegas.
Entra-se numa zona de desconforto, quando, habituados a todas as referências visuais
da ilustração, pensamos numa imagem para aquelas crianças a quem o acesso à visualidade
não é possível.
Como é para elas a percepção do mundo, sem as imagens visuais, ao tocá-lo com as
mãos, ao ouvir seus ruídos, ao sentir seus cheiros?
Como se formam suas imagens mentais, desvinculadas da visualidade, a partir da
experiência tátil?
Como se constroem as diferenças entre ‘dentro’ e ‘fora’, ‘perto’ e ‘longe’?
Se, para elas, a mão se sobrepõe ao olho em nível de importância perceptiva, aquilo
que a mão não alcança, não ‘está’?

1
KLUEGER, Urda Alice. Verde Vale. Florianópolis: Editora Lunardelli, 1976.
2
MAFRA, Inês. A Casa Amorosa. Blumenau: Cultura em Movimento, 2002. Obra relançada em 2005, em
Braille e edição trilíngue; português, inglês e sueco.
17

Não se sabe se algum dia estas perguntas encontrarão respostas. O desconforto do


‘não-saber’, no entanto, é o que nos move em direção à tentativa de buscar compreender as
implicações e complexidades do ‘não-ver’.
O uso de imagens em relevo como recurso de ilustração para o texto, nos livros
destinados a crianças cegas, é ainda recente. Considerados como livros inclusivos, estas
publicações são direcionadas também aos portadores de baixa visão e às crianças de visão
normal, e surgem com a intenção de preencher um vazio existente nos meios de produção
cultural destinados a um público específico, porém com o caráter abrangente da inclusão.
Paralelamente emergem também os questionamentos sobre a eficácia de tais ações:
Como estas crianças e adolescentes se apropriam da leitura destas imagens e
participam das práticas vinculadas a este instrumento, que relações se estabelecem a partir
daí?
Qual a importância do relevo nas imagens em publicações desta natureza?
Fazer uma análise da legibilidade tátil desta espécie de ilustração é a proposta da
presente pesquisa. Por serem considerados livros inclusivos, com dupla escrita, estão
implicados também as funções visuais das imagens, referências e relações históricas com a
ilustração para crianças, abordagens constituintes do primeiro capítulo.
Para falar em ilustração para crianças, faz-se necessário ir aos fundamentos do
desenho infantil, presente na gênese do trabalho do ilustrador através da função narrativa.
Estes referenciais foram encontrados nos estudos de Georges-Henri Luquet (1969). O enfoque
para a abordagem sobre os elementos básicos na estruturação da problemática das imagens em
relevo, relaciona-se às teorias de Rudolf Arnheim (1980) sobre representação gráfica, e Ernest
Gombrich (1995, 1999) sobre imagem mínima. Além disso, buscou-se suporte nas pesquisas
sobre esquema gráfico, de Maria Lúcia Batezat Duarte (2003, 2004-a, 2004-b, 2008, 2009) e
iconotipia de Bernard Darras (1996, 2006), presentes no capítulo dois.
Percepção tátil e percepção visual vêm à tona no capítulo três, sobre imagem e
invisualidade. Buscou-se, especialmente, o aporte teórico de António Damásio (2005) sobre
memória e imagem mental; de Oliver Sacks (1993), Yvette Hatwell (2003) e Maria Lúcia T.
M. Amiralian (1997) sobre as questões perceptivas na invisualidade; de John M. Kennedy
(1978), Susanna Millar (1991, 1994, 2008) e Maria Lúcia Batezat Duarte (2003, 2004-a,
2004-b, 2008, 2009) sobre reconhecimento tátil, cognição, desenho e invisualidade
Para compreender como se processa o reconhecimento tátil das ilustrações em relevo e
todas as questões cognitivas envolvidas, foi necessário observar cuidadosamente a leitura das
imagens pelo grupo estudado. Esta etapa constituiu-se de levantamento bibliográfico,
18

pesquisa de campo e análise dos dados coletados. Treze crianças consideradas cegas
congênitas, com idade entre oito e dezesseis anos experimentaram identificar as ilustrações
em relevo de quatro livros infantis. A pesquisa norteou-se pela análise da verbalização destas
crianças frente à experiência tátil com as ilustrações em relevo, e pela categorização e
interpretação dos resultados. Na seleção dos participantes, duas características restritivas
foram necessárias para garantir um resultado eficaz na investigação: a faixa etária dos
indivíduos e o diagnóstico clínico (cegueira precoce, sem resíduo de memória visual). Para a
análise dos dados coletados foi empregada a Análise de Conteúdo. Como a apreensão tátil das
imagens em relevo se processa de modo específico, experimentou-se utilizar uma outra
espécie de análise, que foi denominada como Análise Tátil-Visual da Forma. Teóricos como
Gombrich, Arnheim e Bernard Darras, que tratam da forma como representação, esquema
gráfico e iconotipo, constituíram a base teórica para esta análise, complementada com os
estudos sobre desenho e reconhecimento tátil na invisualidade, de Kennedy, Millar e Duarte.
Estas questões fazem parte dos capítulos quatro, cinco, seis, sete e oito, que trazem a
metodologia utilizada, a pesquisa de campo, seus objetos, instrumentos, observações e
resultados.
Por se tratar de uma área de estudo ainda pouco explorada, nem sempre se encontrou
suporte teórico para algumas indagações. Portanto, os entrelaçamentos e descobertas
processados durante o percurso induzem a novas perguntas, permitindo a inferência sobre a
necessidade de estudos mais aprofundados, especialmente no que concerne à categorização da
forma para as questões do reconhecimento tátil.
Pressupõe-se, por outro lado, que as principais respostas obtidas possam sugerir
caminhos, apontar pistas para a minimização das distâncias existentes entre a ilustração em
relevo e o seu reconhecimento tátil por aqueles a quem são destinadas. E qual seria a principal
proposta do discurso inclusivo, senão minimizar distâncias e possibilitar acessos?
19

1 IMAGEM

Para Marilena Chauí (1997), quando falamos em imagens3, podemos estar nos
referindo a pinturas, fotografias, filmes, reflexos na água ou espelho, ficções literárias, contos,
lendas e mitos, figuras de linguagem, sonhos, alucinações, imitações pela mímica, pela dança,
sons musicais ou poesia. Algumas destas imagens são exteriores à nossa consciência, como as
pinturas, esculturas, filmes; outras são internas ou mentais, como os sonhos, devaneios, etc.
Há as imagens que podem ser internas e externas ao mesmo tempo, como as literárias, que
estão nos livros e provocam as imagens mentais quando lemos. O ponto comum entre elas é
que todas são representações das coisas. Sejam elas símbolos, metáforas, ilustrações,
esquemas, signos, sentimentos ou substitutos, quase nunca a imagem corresponde à coisa
imaginada: como a bandeira não é a nação, a fotografia não é a pessoa fotografada, a pintura
da paisagem não é a paisagem.

Apesar de irreal e justamente por ser irreal, a imagem é dotada de um poder


especial: torna presente ou presentifica algo ausente, seja porque esse algo existe e
não se encontra onde estamos, seja porque é inexistente. No primeiro caso, a
imagem ou o análogo é testemunha irreal de alguma coisa existente; no segundo é
a criação de uma realidade imaginária, ou seja, de algo que existe apenas em
imagem ou como imagem. Nos dois casos, porém, o objeto-em-imagem é
imaginário. (CHAUÍ, 1997, p. 133).

Hoje, pode-se dizer que estamos vivendo a era da imagem. Fatos e idéias são
registrados numa velocidade nunca antes imaginada e sua penetração nos sistemas de
comunicação é tão grande que se tornou impossível não considerarmos a sua relevância.
Porém, são descartáveis e nos atingem apenas na superfície; não prestamos mais atenção às
milhares de imagens vindo em nossa direção, oferecidas aos turbilhões pela mídia.
A velocidade da vida contemporânea e o deslocamento do nosso olhar sobre as coisas
rapidamente transformaram nossa percepção de mundo, sem que nos apercebêssemos. Não
temos mais tempo como antes, de olhar o mundo como se olha uma paisagem, como quem
observa uma pintura, contempla texturas, profundidades e perspectivas. Nosso olhar salta
rapidamente de imagem em imagem, como o olhar de quem assiste à televisão. Muda-se de

3
A palavra imagem teve a sua origem no latim imago, que no mundo antigo significava a máscara de cera
utilizada nos rituais de enterramento para reproduzir o rosto dos mortos. Ela nasceu, assim, da morte para
prolongar a vida e apresentou, com isso, as noções de duplo e de memória. A imagem tinha o papel de recompor
o homem, cujo corpo se decompõe pela morte. (FABRIS E KERN, 2006, p. 15 – 16).
20

canal sem que o programa termine: não temos mais tempo para aquilo que dura e quer
permanência. Ítalo Calvino (1990, p.107), já no ano de 1984, em seu livro “Seis Propostas
para o Próximo Milênio”, quando fala sobre Visibilidade, comenta:

Antigamente a memória visiva de um indivíduo estava limitada ao patrimônio de suas


experiências diretas e a um reduzido repertório de imagens refletidas pela cultura; a
possibilidade de dar forma a mitos pessoais nascia do modo pelo qual os fragmentos
dessa memória se combinavam entre si em abordagens inesperadas e sugestivas. Hoje
somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos
distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na
televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de
imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que
uma delas adquira relevo. (CALVINO, 1990).

Para este trabalho interessa-nos em especial a imagem gráfica, ou seja, a materialidade


da imagem que foi concebida por alguém com uma intenção; neste caso, a de ocupar a função
ilustrativa, como representação das coisas do mundo material ou do mundo das idéias. Mas
interessa-nos também a imagem mental, responsável pela elaboração do pensamento, aquela
imagem imaterial, interna, que antecede, antecipa e pode ser considerada a imagem geradora
da imagem gráfica.

1.1 A IMAGEM COMO ILUSTRAÇÃO

Utilizar imagens para contar uma história é prática muito antiga entre os homens.
Acredita-se que tenham sido os egípcios os primeiros a utilizarem desenhos em seus
manuscritos, com a função específica de ilustrar. As pessoas encomendavam desenhos
contando sua história pessoal e orientações pós-morte aos artistas, que deixavam seus
registros nas paredes das tumbas (Fig. 1), nos caixões, sarcófagos e mais tarde nos papiros. Já
neste período pode-se observar a utilização de recursos como a simplificação da imagem por
parte dos artistas, acredita-se, para adequar ao pouco espaço e garantir legibilidade à
narrativa. Recursos gráficos como perspectiva e proporção pareciam ter valores simbólicos e a
representação de tempo e espaço podia ser simultânea, mostrando o mesmo personagem em
vários pontos da narrativa visual4.

4
Recurso que encontramos frequentemente também nos desenhos das crianças.
21

Fig. 1 - A Caça
Pintor egípcio XV séc.a.c. - Pintura de tumba.
Fonte: PIGNATTI, 1981.

Devido à destruição da biblioteca de Alexandria, quase tudo se perdeu dos rolos


ilustrados da antiguidade clássica grega e romana, mas registros remanescentes mostram
ilustrações sequenciais, que sugerem as histórias em quadrinhos atuais, acompanhando textos
sagrados (MARTINS, 2001).
Para a ilustradora Ângela Lago, “a grande revolução da comunicação” surge bem
antes de Gutemberg, com a invenção dos códices (códex: tábula), quando os manuscritos
deixaram de ser feitos em rolos para serem confeccionados em páginas, na forma de livro
como conhecemos hoje. A flexibilidade do pergaminho permitia a dobra das folhas para a
montagem de cadernos:

O uso de códigos simultâneos, [...] característica das novas mídias, também está
presente no códice. Na verdade os mais importantes achados na relação imagem e
texto acontecem então, bem antes do livro impresso. Muitas vezes, a imagem no
manuscrito vai narrar e gerenciar o texto, tornando-o mais acessível para uma
população pouco letrada. O balão e o quadrinho já estão inventados. O próprio
texto, em alguns momentos, poderá ser lido enquanto iconografia. (LAGO, 2009).

Quem desenhava os manuscritos, transcritos à mão pelos copistas, eram os


iluminadores. Estes artistas ou artesãos quase sempre trabalhavam em lojas, individualmente
ou em forma de empresa familiar. Geralmente os melhores iluminadores eram considerados
artistas e podiam inclusive trabalhar sob a proteção estável de um mecenas. Somente após a
transcrição do texto, nos espaços deixados pelo copista, o iluminador desenhava as chamadas
iluminuras (Fig. 2), um desenho decorativo quase sempre executado nas letras que iniciavam
os capítulos, nas margens dos manuscritos, pintados com ouro e prata.
22

Fig. 2 - Books of Kells: Letra maiúscula


Pintor irlandês cerca do ano 800 - 810
Iluminura para o Evangelho s. São Mateus
Fonte: PIGNATTI, 1981

Com cenas narrativas enquadradas e figuras desenhadas sobre um fundo com


diferentes zonas coloridas, o saltério de Saint Albans, situado entre os anos de 1120 e 1130, é
um dos manuscritos mais importantes e influentes do período. (MARTINS, 2001).

Fig. 3 - Saltério de Ultrecht – Salmo XXVI


Pintor de Reims ano 820 - 830 IIustr. para o Livro de Salmos
Fonte: PIGNATTI, 1981

Existia ainda a chamada miniatura, uma técnica mais pobre, que consistia em
ornamentos mais simples, letras de fantasia e outros ornamentos geralmente traçados com
uma tinta vermelha composta de mínio e cinábrio, menor que a iluminura, com desenhos
menos ilustrativos e menos coloridos. Havia uma hierarquia para as funções no atelier: o
23

iluminador-ilustrador que fazia as pinturas ou histórias, o iluminador encarregado da


decoração filigranada e o iluminador encarregado da decoração pintada, que eram as letras,
bordaduras e contornos. Aos iluminadores não cabia qualquer criatividade na execução de seu
trabalho, uma vez que deveriam seguir as indicações escritas. Aos poucos os desenhos das
grandes letras capitulares tornam-se mais rebuscados e detalhados, invadindo toda a página. A
miniatura fica reservada às letras ornadas, muitas vezes formadas por figuras fantásticas de
animais mitológicos, homens, aves, peixes e flores, enquanto que a iluminura passa a ser uma
ilustração propriamente dita. Ambas, por serem artes essencialmente manuais, desapareceram
com a invenção da imprensa, quando texto e ilustrações passaram a ser feitos mecanicamente,
por volta do século XV (MARTINS, 2001).
Com o aumento da demanda por livros na Europa e a perda do monopólio da educação
pelo clero, criou-se um mercado para a produção de livros, que pouco a pouco deixou de ser
feito manualmente. Surgem então as linhas de produção com ilustrações em série, em forma
de xilogravuras, onde Gutemberg buscou inspiração para a criação da tipografia, por volta de
1450. Durante muito tempo, ainda manteve-se o trabalho manual na produção de imagens
para a reprodução em série, até surgirem inovações como a gravura em metal e pedra, a foto-
gravação e a litografia. Com o surgimento das matrizes litográficas, tornaram-se possíveis as
impressões a cores, abrindo-se assim, campo para a ilustração comercial e maior liberdade
para a criação. Aproximadamente até a década de 1920 a ilustração seguiu os mesmos padrões
estéticos da arte, mantendo-se dentro dos limites das linhas acadêmicas e realistas. Somente
após este período é que ilustradores tornaram-se mais ousados, explorando outras linguagens
visuais, como nos anos 40, trazendo para a ilustração novas possibilidades como a colagem e
as influências do cubismo e do surrealismo.
Hoje o termo ilustração é correntemente utilizado para a imagem que acompanha um
texto com a finalidade de complementá-lo, passando a ocupar outros espaços, desde a
publicidade à história em quadrinhos, fazendo “da imagem o latim do mundo moderno”,
conforme argumenta Martins:

Estamos, assim, vivendo um extraordinário paradoxo: no ponto mais alto da sua


evolução, o livro reencontra o ponto exato de que partiu na sua pré-história, e a
imagem, que prenunciava a palavra escrita, quando ela ainda não existia, substitui-a
agora, quando ela se transformou no mais fino instrumento da inteligência humana.
[...] Hoje, retornamos às cavernas, não apenas por tantos outros aspectos terríveis
do que chamamos a nossa civilização, mas ainda pelo sistemático emprego da
imagem em lugar da palavra. (MARTINS, 2001).
24

Os chamados livros de imagem (Fig. 4), ou livros sem texto, muito utilizados
atualmente na literatura infantil, de certa forma vêm confirmando isto.

Fig. 4 – Zoom, livro de imagem de Istvan Banyai


Fonte: BANYAI, 1997

No Brasil alguns ilustradores costumam explorar este recurso em suas obras, como
Ângela Lago, Marcelo Xavier, Graça Lima e Eva Furnari. As ilustrações passam a ser
denominadas imagens e são elas que contam a história, prescindindo da palavra escrita – o
que não deixa de nos remeter de volta ao princípio, às pinturas rupestres, aos vasos gregos,
aos sarcófagos egípcios, às tapeçarias orientais e às iluminuras medievais.

1.2 ILUSTRAR PARA CRIANÇAS

As primeiras publicações direcionadas ao público infantil situam-se por volta de 1440.


Apresentavam preceitos morais ou didáticos, confeccionadas em forma de cartilhas com
orações e eram chamadas de hornbooks (Fig.5). Foram utilizadas de 1400 até cerca de 1850 e
consistiam em um pergaminho ou papel colado geralmente em uma placa de madeira e
protegido por uma folha de chifre (horn, em inglês).

Fig. 5 - Hornbook
Fonte: SIERUTA, 2008.
25

O texto começava com uma cruz no canto esquerdo superior, seguido por um alfabeto,
vogais, sílabas e um texto que mostrava claramente o domínio da religião sobre a educação.
Não havia espaço para a ilustração, mas no outro lado podiam ser gravadas algumas figuras
ilustres, como o monarca do reino ou uma sereia. Era utilizado como uma ferramenta para
ensinar o alfabeto às crianças, criada numa época em que o papel era muito raro.
(MANGUEL, 1997; SIERUTA, 2008).
Quando o papel se tornou mais comum, os hornbooks foram substituídos por
blättedores (Fig. 6), espécie de livretos feitos sob medida que ensinavam o alfabeto utilizando
palavras e às vezes figuras.

Fig. 6 - Blättedor
Fonte: CLINE, 1999.

Em seguida surgem os chapbooks, pliegos sueltos, fliegende blätter, folhas volantes


ou de cordel, com as baladas, xácaras, anedotas, contos e episódios de cavalaria. Os
chapbooks eram, na verdade, narrativas populares impressas em folhetos e vendidas a preço
muito baixo nas ruas, mas não escritas especialmente para crianças (LAGO, 2009). Porém o
mais conhecido, e considerado o pioneiro dos livros ilustrados para crianças, surge em
Nuremberg, Alemanha, em 1658: “Orbis Sensualium Pictus” (Fig. 7), de Jan Amos
26

Comenius5. Elaborado para fins didáticos, o autor buscou uma maneira de ensinar o latim por
meio de imagens, tornando-o compreensível aos estudantes. Durante três séculos o livro foi
utilizado como modelo para mais de duzentas edições em vinte e seis línguas, com a
pretensão de ser um “sumário do mundo”. Anunciado como uma “pequena enciclopédia das
coisas humanas” pelo próprio autor, o texto é ricamente povoado de simbolismos,
personificações e alegorias.

Fig. 7 - Orbis Sensualium Pictus


Fonte: COMENIUS, 2009

São 150 ilustrações legendadas e acompanhadas de colunas paralelas com a descrição


das legendas numeradas, explicando assim cerca de duas mil palavras de diferentes domínios
(animal, vegetal, ocupações, conceitos abstratos, etc.). Este livro reflete ainda o compromisso
assumido por Comenius em seu método educacional, publicado anos antes (1627) como
“Didática Tcheca” e posteriormente traduzida para o latim, em 1631, sob o título “Didática
Magna”, onde tratava da “grande utilidade das imagens no ensino”:

Se porventura não é possível ter as coisas à mão, podem utilizar-se os


representantes delas, isto é, modelos ou desenhos feitos especialmente para o
ensino, como foi já ultimamente posto em prática pelos professores de botânica, de
zoologia, de geometria, de geodésia e de geografia, que juntam imagens às suas
descrições [...] (COMENIUS, 2001).

5
Jan Amos Comenius (Úhersky Brod, Moravia, Europa Central, 1592 - Ámsterdam, 1670) viveu entre
Alemanha e Polônia, foi o iniciador da didática moderna e o autor da Didática Magna, sendo considerado o
primeiro educador, no Ocidente, a estudar a relação ensino/aprendizagem. (COMENIUS, 2009).
27

A obra é composta de três elementos (Fig. 8 e Fig. 9): as figuras, as nomenclaturas e


as definições. Conforme explica Comenius na introdução, as figuras são representações de
tudo o que é visível no mundo; as nomenclaturas são como inscrições ou títulos postos sobre
cada uma das figuras, explicando em uma palavra o seu significado, e as descrições são
explicações das partes singulares da figura.

Fig. 8 - Orbis Sensualium Pictus, p. 03 e 04


Fonte: COMENIUS, 2009

Fig. 9 - Orbis Sensualium Pictus, p. 08 e 09


Fonte: COMENIUS, 2009.

As primeiras unidades iniciam com Deus e O Mundo, referem-se aos elementos


naturais (fogo, ar, água e terra) e tratam do mundo vegetal. As 17 unidades seguintes se
referem ao mundo animal e iniciam com os pássaros. Da unidade 35 a 43 é abordado tudo o
que se refere ao homem, do corpo, com seus membros e ossos, à alma. Em seguida, traz as
diversas atividades humanas, como agricultura, caça e pesca; depois as profissões, partes da
casa, instrumentos de representação do tempo e do espaço, transportes, escrita, família, etc.
28

Entre 1668 e 1694 foram publicadas as Fábulas de La Fontaine, As Aventuras de


Telêmaco, de Fénelon, e os Contos da Mamãe Gansa (Fig. 10), de Charles Perrault,
consideradas para adultos e que mais tarde acabaram sendo indicadas como apropriadas
também à infância. Portanto, até o século dezoito a literatura infantil na Europa era feita
apenas com o objetivo moral ou didático. Segundo Lajolo e Zilberman (1987, p.15), as
primeiras obras com conteúdo realmente literário, destinadas especificamente ao público
infantil, aparecem no mercado na primeira metade do século XVIII. Com o sucesso das obras
de Perrault, a literatura infantil ganhou outras proporções, especialmente na Inglaterra,
quando passou a ser tratada também como produto de consumo. Surgiram então na Europa
autores como Daniel Defoe, Jonathan Swift, os irmãos Grimm, Hans Christian Andersen,
Lewis Carroll, entre outros, consolidando assim o gênero literário infanto-juvenil.

Fig. 10 - “Contos da Mamãe Gansa” de Perrault


Ilustração de Gustave Doré
Fonte: NOBLAT, 2008.

No Brasil, ainda no século XIX, surgem esporadicamente algumas obras de literatura


destinadas ao público infantil, mas apenas no século XX é que este tipo de publicação se
consolida, com a expansão das escolas, da indústria, da urbanização e do aumento gradativo
do comércio. Surgem autores como Júlia Lopes de Almeida, Adelino Lopes Vieira, Olavo
Bilac e Coelho Neto. Monteiro Lobato marca uma nova fase com o lançamento, em 1912, de
Narizinho Arrebitado. Mas a grande transformação no gênero de literatura infantil brasileira
29

apenas se dará na década de 1970, com o surgimento de textos criativos, críticos e lúdicos, de
autores como Ana Maria Machado, Fernanda Lopes de Almeida e Lygia Bojunga Nunes:

[...] quando se começa a editar livros para a infância no Brasil, a literatura para
crianças, na Europa, apresenta-se como um acervo sólido que se multiplica pela
reprodução de características comuns. Dentro desse panorama, mas respondendo a
exigências locais, emerge a vertente brasileira do gênero, cuja história, particular e
com elementos próprios, não desmente o roteiro geral. (LAJOLO e ZILBERMAN,
1987, p.21).

Conforme Nelly Novaes Coelho (COELHO, 1993), foi a Psicologia Experimental a


responsável pela redescoberta da Literatura Infantil em nosso século. A Psicologia
Experimental situa a inteligência como o elemento estruturador do universo que construímos
dentro de nós e chama a atenção para os diferentes estágios de desenvolvimento do indivíduo,
da infância à adolescência, e sua importância na evolução e formação da personalidade.
Partindo desta nova abordagem do conhecimento do ser humano, muda-se o conceito
de “criança”, “e nesse sentido torna-se decisivo para a Literatura Infantil/Juvenil adequar-se
ou conseguir “falar”, com autenticidade, aos seus possíveis destinatários”, conforme pontua
Coelho. De maneira que é conquista recente a valorização da Literatura Infantil, como
“fenômeno significativo e de amplo alcance na formação das mentes infantis e juvenis”
(COELHO, 1993, p. 26, 27).
Para a autora, uma das peculiaridades da literatura infantil é que “o ato de ler (ou de
ouvir), pelo qual se completa o fenômeno literário, se transforma em um ato de
aprendizagem”, como reitera o sociólogo francês Marc Soriano:

Ela pode não querer ensinar, mas se dirige, apesar de tudo, a uma idade que é a da
aprendizagem e mais especialmente da aprendizagem lingüística. O livro em
questão, por mais simplificado e “gratuito” que seja, aparece sempre ao jovem
leitor como uma mensagem codificada que ele deve decodificar se quiser atingir o
prazer (afetivo, estético ou outro) que se deixa entrever e assimilar ao mesmo
tempo as informações concernentes ao real que estão contidas na obra. [...] Se a
infância é um período de aprendizagem, [...] toda mensagem que se destina a ela, ao
longo deste período, tem necessariamente uma vocação pedagógica. (SORIANO
apud COELHO, 1993).

A presença da ilustração nos livros de literatura infantil, a partir do século XVIII


ganha força na Europa, com a participação de artistas como Thomas Bewick, William Blake,
George Cruikshank; surgindo mais tarde nomes como Edmundo Dulac, Arthur Rackham (Fig.
11), Kay Nielsen e Beatrix Potter.
30

Fig. 11 - João e Maria


Ilustração de Arthur Rackham
Fonte: ESTÉS, 2005

No Brasil, trabalhos de ilustradores como Eva Furnari (Fig. 12), Ângela Lago, Elvira
Vigna, Rui de Oliveira e Ziraldo, passam a ser conhecidos a partir da década de 1970, quando
o mercado editorial dá um salto.

Fig. 12 – Lolo Barnabé


Ilustração de Eva Furnari
Fonte: FURNARI, 2000

Hoje se pode dizer que o grande trunfo da literatura infantil brasileira é a sua
diversidade. Grandes autores acabaram se tornando também ilustradores e muitos ilustradores
se firmaram recorrendo apenas à narrativa visual, surgindo assim os livros de imagem, como
os de Ângela Lago, Nelson Cruz, Marcelo Xavier, Marilda Castanha.
Segundo Coelho (1993), “o conhecimento infantil se processa basicamente pelo
contato direto da criança com o objeto com que ela entra em relação e que é percebido, pela
sua intuição, de maneira abrangente/global, como um todo.” Os estudos da psicologia da
aprendizagem privilegiam a imagem como fator básico nos processos de alfabetização e
leitura, já que a visualização da forma é elemento facilitador na comunicação entre a criança e
31

o texto. Além disso, a didática moderna já incorporou o conceito de que a linguagem visual
associada à linguagem verbal é das mais eficazes no processo educativo, não apenas como
promotora do encontro da criança com o imaginário literário, como também em seu
desenvolvimento psicológico.
Em meio a este cenário e ao de produção de cultura visual para crianças, como
cinema, vídeo-game, internet, desenho animado e história em quadrinhos, encontra-se o
ilustrador que, provocando o diálogo entre texto e imagem, se torna co-responsável pela
formação do vocabulário visual e estético daquele leitor, além de aproximá-lo do livro. O
trabalho do ilustrador não se limita ao de traduzir ou ornamentar o texto, mas busca
estabelecer a dinâmica entre visual e verbal, já que cada linguagem tem seu próprio código,
com seu repertório particular de símbolos. Para a escritora e ilustradora Ângela Lago, o
ilustrador se apodera intuitivamente de uma gramática visual, cuja base são arquétipos e
construções visuais que funcionam como símbolos:

[...] um círculo com raios é o sol. Dependendo da maneira como o sol for
conjugado, poderá ser entendido como, luz, calor, o rei, o olho de um deus, uma
carta de sucesso no tarô ou simplesmente a previsão do tempo para amanhã: sol
sem nuvens. [...] No desenho, como na poesia, falamos por metáforas. Somamos as
imagens arquetípicas e ainda nossos recursos de uso da linha e da cor. (LAGO,
2007, p.29).

Segundo Rui de Oliveira (OLIVEIRA, 2008, p. 42), “[...] os fatos sem os símbolos não
preenchem os espaços do olhar, até porque nem toda imagem precisa de uma explicação”, ou
seja, existe a necessidade humana do símbolo e da imagem atemporal, da figuração de algo em
que acreditarmos, mesmo que nunca tenha existido e que extrapole o universo dos fatos.
Ao nos comunicarmos verbalmente utilizamos diversos códigos de comunicação não-
verbal, como gestos, posturas corporais e expressões faciais, para reforçar o que falamos. No
âmbito da ilustração também se pode perceber a importância de toda uma rede de
significações, como o projeto gráfico, onde se inclui o formato, o tipo de letra e a
diagramação, que pode enfatizar o que o ilustrador quer dizer através da imagem. Dentro das
especificidades do livro infantil, esta rede de significados pode interferir na leitura ou na
maneira pela qual esta leitura poderá seduzir ou marcar a memória da criança, conforme
comenta Rui de Oliveira:

A imagem que rememoramos para toda a vida está em uma região, em um


indefinido lugar entre o que estamos vendo, o que vimos e o que supomos que
estamos vendo. Não existe um olhar puro, inocente e desinteressado. Vemos aquilo
que temos a expectativa de ver. Tal fato exclui qualquer processo coibitivo e
32

limitado de se fruir a ilustração. Sua criação é feita pelo ilustrador, mas sua
concretização é do pequeno leitor.[...] Nessa caminhada, a criança desenha
mentalmente, à sua maneira, aquilo que também foi desenhado à maneira do
ilustrador. A memorização da imagem não está confinada no livro, tampouco no
olhar da criança. A ilustração se projeta e se constrói no meio do caminho. Seu
nascedouro é em algum lugar do passado, na experiência vivida de forma real ou
imaginária pela criança. (OLIVEIRA, 2008, p. 38)

A partir disto, parece-nos acertado dizer que a ilustração não necessariamente


condiciona o leitor à visão da cena que o ilustrador representou. Os personagens e cenários
criados por ele podem induzir o leitor a um passeio maior pela imagem, levando-o,
subjetivamente, a uma “co-autoria”. Esta relação entre códigos - verbal e visual –, que se
estabelece a partir da leitura, surge quase sempre também como facilitadora na organização do
pensamento. Como ocorre esta facilitação e se realmente ela se processa no livro para crianças
é uma discussão que tem vindo à tona nas duas últimas décadas. Pressupõe-se que outra
linguagem se constrói a partir deste diálogo entre texto e imagem, abrindo-se novas
possibilidades para a visualização do que ainda ficou ausente e que ficará a cargo da
imaginação.
Acreditamos que, para compreender a linguagem visual da ilustração para crianças e a
sua pluralidade, precisamos estender o olhar também para o desenvolvimento do grafismo
infantil, implícito na formação do ilustrador. Pois é nos desenhos da própria criança, nas suas
primeiras garatujas descrevendo cenas e fatos imaginários que iremos encontrar a presença de
uma das principais funções da ilustração, característica que a diferencia da pintura: a função
narrativa6. Uma abordagem sobre este assunto é feita no próximo capítulo, que trata do
desenho como representação e esquema gráfico.

6
Em seus estudos sobre o desenho infantil, Georges-Henri Luquet chama de narração gráfica ao desenho que
de alguma maneira conta um fato ou um acontecimento por meio de imagens. Segundo Luquet, duas formas de
representações por narração gráfica continuam presentes também nos desenhos de adultos – sendo que a do tipo
que ele classifica como simbólico aparece muito no trabalho dos ilustradores.
33

2 DESENHO

É vasta e abrangente a definição para a palavra desenho7 no dicionário. Buscando um


pouco mais, poderemos nos deparar ainda com algumas semelhanças na grafia, fonética ou
mesmo no significado entre desenho e escrita, para alguns povos e culturas.
Para os indígenas da tribo Siona, da Colômbia e Equador, a mesma palavra serve para
se referirem a ambos. Em três línguas clássicas das culturas oriental e ocidental, o egípcio, o
chinês e o grego, desenho e escrita eram também expressas por uma só palavra. O ideograma
usado para caligrafia, em chinês, significa desenho e escrita ao mesmo tempo e, em grego a
palavra graphikhé é grafada em caixa alta para designar desenho e em caixa baixa, escrita.
Ainda, em línguas contemporâneas, como o flamengo, falado em algumas regiões da Bélgica,
“desenho” é teeckning, supostamente um empréstimo lingüístico do grego, “techiné”, que pode
significar desde o “saber fazer” até a “perfeição formal, arte, ofício, atividade e indústria
humana”. E em alemão, o radical da palavra Zeichs, sinal em português, é o gerador de
vocábulos como Zeichen (signo), kennzeichen (caracterizar), zeichen (debuxar, desenhar),
todos ligados à palavra desenho. (GOMES, 1998).
Se na grafia estas duas palavras aparecem juntas em algumas culturas, também em seu
significado iremos encontrar, através da História, esta relação direta entre desenho e escrita.
Parece inútil, no entanto, tentar estabelecer um marco para o princípio da atividade humana do
desenho ou da escrita; sabemos que é inerente à nossa própria necessidade de comunicação.
Talvez o desenho e a escrita tenham sido a maneira encontrada pelo ser humano, para se fazer
universal através do tempo que carrega suas narrativas e do espaço marcado por suas imagens.
Seja em forma imagética, verbal ou na associação das duas, o homem deixa seu rastro e conta
a sua história, através de repertórios de signos, símbolos ou sinais que o representem:

7
Desenho. S. m. 1. Representação de formas sobre uma superfície, por meio de linhas, pontos e manchas, com
objetivo lúdico, artístico, científico, ou técnico. 2. A arte e a técnica de representar, com lápis, pincel, pena, etc.
um tema real ou imaginário, expressando a forma e geralmente abandonando a cor. 3. Toda obra de arte
executada segundo as condições acima descritas. 4. A disciplina relativa à arte e à técnica do desenho (1 e 2). 5.
Versão preparatória de um desenho artístico ou de um quadro; esboço, estudo. 6. Traçado, risco, projeto, plano. 7.
Forma, feitio, configuração. 8. Fig. Delineamento, esboço, elaboração. 9. Fig. Intento, propósito, desígnio.
(FERREIRA, 1988)
34

Da intersecção entre a representação gráfica que fixa e a fala fugaz que escapa, a
escrita foi sendo elaborada ao longo das primeiras tentativas humanas, por meio de
registros visuais, em direção à formalização do conhecimento. O desenho do signo,
aos poucos, foi se desencarnando da imagem-figura para adquirir um valor fonético,
abstrato, universal. Mas, em seus primórdios, o desenho da palavra – os
pictogramas, os hieróglifos, os ideogramas, escritas analógicas e visuais – explicita
sensivelmente a natureza mental e inteligível do desenho como ato e extensão do
pensamento. (DERDYCK, 2007, p. 23).

Presente em textos filosóficos, literários, científicos ou técnicos, o desenho confirma sua


presença múltipla nas diversas áreas do conhecimento. Seja como projeto, plano, intenção,
instrumento de representação de idéias ou nos primeiros rabiscos da infância, o desenho
atravessa territórios e se estabelece como linguagem. Desde o sentido mágico que tinha para os
povos primitivos, à exatidão da planta arquitetônica, sofisticados projetos tecnológicos ou
ainda como ilustração, o desenho é em si mesmo e antes de tudo um meio de comunicação,
uma maneira de nos aproximarmos do mundo.

2.1 O DESENHO COMO REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

Para quem deseja compreender os estágios iniciais do desenho, os fundamentos


básicos do design, da comunicação visual e da criação da forma, a abordagem de Rudolf
Arnheim (1980) sobre percepção e representação visual tem sido há décadas o principal
parâmetro no ensino das artes visuais. Este teórico da Psicologia da Forma faz uma analogia
entre as representações infantis e as dos povos primitivos, enfatizando a tendência geral do ser
humano à generalização da forma, independente de sua cultura. Para ele, as primeiras
produções gráficas da criança não são apenas reproduções da aparência real dos objetos, mas
a representação do resultado de um conjunto de percepções que ultrapassam a visual. Ou seja,
nossa percepção das coisas do mundo não é um registro fotográfico fiel daquilo que vemos,
mas a apreensão das suas características estruturais globais.
Tomando como exemplo desta generalização, podemos citar o círculo, como a
primeira forma organizada que aparece no desenho da criança. Segundo Arnheim, não há
ainda na criança a intenção de representar uma figura geométrica. O círculo é simplesmente o
resultado de um gestual, do movimento da mão ou do braço, traçando alguma coisa sobre uma
superfície. E quando o círculo aparece, não representa algo redondo necessariamente, mas
uma generalização de “coisa”, isto é, um objeto que poderá ser nomeado por ela como
“papai”, “pedra” ou qualquer coisa que queira representar.
35

Portanto a representação não resulta em uma reprodução do real, e sim numa


configuração que abrange a sua generalidade visual, uma economia, uma simplificação.
Duarte (2008) relaciona tais conceitos de representação da forma lançados por Arnheim, às
proposições do historiador da arte Ernest Gombrich quando afirma que uma imagem para ser
compreendida pela mente humana não precisa estar completa, podendo ser minimamente
sugerida por suas características básicas ou principais:

O fato de o desenho infantil ser compreendido como planificação dos objetos e


como uma representação gráfica relacionada às formas geométricas básicas e
estruturais dessa planificação, parece essencial à idéia de desenho em si mesma e,
também, à idéia de que este desenho contém, esquematiza, uma generalidade
configuracional do objeto. O desenho infantil evoca os objetos como um esquema
geral de uma categoria. A percepção visual não parte dos pormenores mas de
generalidades. (DUARTE, 2008).

Para exemplificar esta tendência do ser humano à simplificação da forma, Gombrich


utiliza-se de um brinquedo de criança, o cavalinho de madeira. Para a criança, em suas
brincadeiras, um simples bastão de madeira pode fazer o papel de montaria, incorporando as
funções de um cavalo de verdade. Ou seja, independentemente do nível de semelhança formal
que o objeto tenha com aquilo que ela quer representar, o que importa é que a sua função seja
satisfatória na brincadeira.

Tão logo nos familiarizamos com a idéia de que a “representação” é uma


ocorrência biunívoca enraizada em disposições psicológicas, podemos adquirir
condições de aprimorar um conceito que se revelou totalmente indispensável ao
historiador da arte, mas que, não obstante, se mostra um tanto insatisfatório: o de
“imagem conceitual”. Por essa expressão entendemos o modo de representação que
é mais ou menos comum aos desenhos infantis e às várias formas de arte primitiva
e primitivista. [...] A explicação mais aventada para esse fato é que a criança (e o
homem primitivo) não desenham o que “vêem”, mas o que “conhecem”.
(GOMBRICH, 1999, p. 08).

Ou seja, assim como representamos as coisas a partir de generalidades, não de


pormenores, também podemos reconhecer uma forma incompleta ou minimamente sugerida,
pois nosso cérebro é capaz de complementar a informação que falta. Acentua-se aqui a
diferença entre o objeto real observado, a imagem mental que se constrói a partir desta
observação e a sua representação gráfica.
36

2.2 DESENHO E ESQUEMA GRÁFICO

Ainda antes de Arnheim e Gombrich, foi Georges-Henri Luquet (1969), em seus


estudos sobre o desenho infantil, quem observou que, para a criança o desenho não é uma
cópia fiel do que ela teve a intenção de desenhar, mas a representação do que ela traz como
modelo interno deste objeto.
Mais do que isso, o desenho para a criança é uma brincadeira de descobertas, reunindo
os prazeres do gesto e do reconhecimento de formas. Através da repetição, ao representar um
mesmo objeto pela sucessão de desenhos, ela representa o ‘tipo’, reproduzindo da mesma
maneira os desenhos do mesmo tema como numa rotina, por algum tempo. O tipo é mantido
mesmo quando chamada à atenção para algum erro ou ‘defeito’ no desenho (LUQUET, 1969).

O desenho infantil concebido como um esquema, representa, evoca os objetos por


meio de configurações gráficas construídas a partir de linhas e planos. Os planos, ou
espaços oclusivos, têm como referência formas básicas (geométricas) que
sintetizam, no espaço bidimensional, as múltiplas aparências dos objetos do mundo.
Não raro, um círculo e duas linhas dão origem ao primeiro desenho infantil. [...]
Uma vez concretizada a primeira representação gráfica a criança passa a repeti-la. Se
o primeiro boneco foi nomeado “mamãe”, o segundo pode ser nomeado “papai”, o
terceiro, “vovó Zilá”, apresentando todos o mesmo traçado básico. (DUARTE,
2004-b).

Ainda que este desenho seja intencionalmente a reprodução de um objeto real,


prevalecerá no desenho da criança o conjunto de informações processadas na memória sobre o
objeto, em detrimento de um registro exato do objeto observado. Ou seja, a criança desenha o
que ela sabe sobre o que vê e não aquilo que vê (LUQUET, 1969).
Os conceitos representativos de Arnheim, a imagem mínima ou representação gráfica
de Gombrich e o tipo de Luquet têm em comum o conceito de síntese geral, de simplificação,
de economia e ao mesmo tempo de totalidade. Este conceito, presente no desenho infantil, é
retomado por Bernard Darras (1996), que a partir de estudos da psicologia cognitiva, da
semiótica cognitiva e da teleologia situa as imagens produzidas no âmbito das artes plásticas e
do desenho em duas formulações diferentes: a do pensamento visual (Fig. 13) e a do
pensamento figurativo (Fig. 14).
Para Darras, o pensamento visual é o que reproduz o objeto visualizado,
particularizando-o, conferindo-lhe detalhes que o individualizam como objeto. Já o
pensamento figurativo produz uma representação generalizante, onde o resultado é muito mais
a “categoria da coisa representada do que a sua particularidade” (DUARTE, 2003).
37

Fig. 13 - Crisântemo, Piet Mondrian


Fonte: EDWARDS, 2002

Fig. 14 - Crisântemo
Fonte: EDWARDS, 2002

Alunos adultos, iniciantes em desenho de observação, utilizam-se também deste


recurso para representar graficamente os objetos. “Para simplificar [...] diremos que o
pensamento visual constrói suas redes de referências, de verificação e de provas no campo
mais ótico da experiência visual, enquanto que o pensamento figurativo as constrói na rede e
no jogo das categorias cognitivas”. (DARRAS, 1996, p. 04).
Darras baseia-se nos diferentes níveis de abstração cognitiva propostos por Eleanor
Rosch, adaptando esses níveis à produção e leitura de imagens para propor a seguinte
classificação:
- no nível subordenado o pensamento é visual, ótico, há pouca abstração e o registro
do objeto é particular, específico;
- no nível de base o pensamento é figurativo e o nível de abstração é privilegiado; e
38

- no nível superordenado há grande abstração, no qual aparecem desenhos


extremamente abstratos, diagramas estruturais de objetos ou entidades de pensamento
representadas.
Salientamos aqui a relevância do nível de base, quando relacionamos desenho e
cognição, situando-o no âmbito dos esquemas. Neste mesmo nível de base estão também os
esquemas gráficos nomeados por Darras de iconotipo - o resultado da ação dos resumos
cognitivos por um lado e por outro, de procedimentos automáticos resultantes de suas
manifestações repetidas.
Estabelecendo um paralelo entre os níveis de abstração cognitiva de Eleanor Rosch,
seus próprios estudos, os de Darras e Luquet sobre o desenho infantil, Duarte (2008)
acrescenta:

Quando aprendem a falar (e a desenhar), as crianças também nomeiam (e desenham)


primeiro CADEIRA, um objeto geral (generalizante) e neutro (útil para indicar
qualquer tipo de cadeira: do quarto de dormir, da cozinha ou da poltrona da sala).
Esse objeto típico, básico e generalizante, proporciona a capacidade de identificar e
nomear toda uma categoria de objetos com categorias formais semelhantes, que
exigem o mesmo movimento motor, e que possuem a mesma utilidade. Ora, para a
criança [...], essa generalização resulta em uma grande economia cognitiva
(economia de esforço mental). (DUARTE, 2008).

Esta generalização e organização também estão presentes em nossa linguagem, tanto no


vocabulário verbal quanto no gestual. Logo, ao considerarmos este aspecto do desenho
infantil, seja denominando-o representativo, modelo interno, esquema gráfico ou imagem
mínima, além de estarmos, “estabelecendo laços entre a palavra que nomeia e o desenho que
a torna visível” (DUARTE, 2008), estamos confirmando tanto sua importância
comunicacional, como fundamental no desenvolvimento cognitivo da criança.
O desenho sob este enfoque é essencial quando se trata de pensarmos na produção de
imagens em relevo para a invisualidade, conforme aponta o capítulo a seguir.
39

3 IMAGEM E INVISUALIDADE

Assim que nascemos, a consciência tátil constitui-se uma das nossas primeiras
experiências em termos de aprendizagem, fazendo parte dos nossos primeiros reconhecimentos
e contato com o ambiente. Ao tato seguem-se o olfato, a audição e o paladar; mas quando
organizamos nossas referências, a partir dos primeiros registros visuais, todos estes sentidos
são superados pelo sentido da visão, que acaba se tornando o responsável pelas nossas
concepções de mundo e irá nos acompanhar por toda a vida. É pelo ato de ver que vivenciamos
fatos, tecemos conceitos, transformamos a realidade e construímos nossos referenciais
(DONIS, 1997).
Mas, para uma pessoa cega, onde se apoiarão as referências de mundo e de espaço? Se
começamos a nos relacionar com o mundo à nossa volta no instante em que nascemos, como
uma criança que não enxerga desde pequena inicia essa interação? Se grande parte do nosso
aprendizado se processa por meio da visualidade, essa criança teoricamente se encontraria em
desvantagem com relação às que enxergam. Sem a memória visual de um mapa geográfico ou
a configuração dos órgãos do corpo humano, como acontece a construção do conhecimento
para uma pessoa que nunca enxergou?
Nossa percepção do mundo é uma relação de interação, ou seja, estamos o tempo
inteiro estabelecendo relações de troca entre nosso corpo, nossos sentidos, as coisas e as outras
pessoas, fazendo desta percepção uma forma de comunicação. Mas como acontece em nós esta
sensação de presença em relação às coisas, enquanto pensamos e conhecemos? Como nos
tornamos sabedores de nós mesmos? Como apreendemos o mundo e o que acontece
fisicamente em nosso cérebro enquanto pensamos? Como reagimos diante dos estímulos mais
sutis do mundo externo?
Em 1895, Freud em seu “Projeto de uma Psicologia” (FREUD, 1995) postulou a
existência de um sistema que chamou de sistema de neurônios. A base de seu projeto situa-se
nos neurônios e na energia que circula através deles, nos sistemas de percepção, consciência e
memória. Em sua concepção, neurônios são partículas materiais constituintes do sistema
nervoso que, apesar de independentes anatomicamente, são articulados com os demais,
formando uma rede de conexões, podendo ainda conduzir e armazenar energia, memória,
aprendizagem e recuperar dados. Nestes estudos, Freud desenha o modelo estrutural do
40

sistema neurológico humano, responsável pelo processamento e armazenagem das


informações vindas do sistema sensorial. Através deste modelo sugerido por ele, podemos ler
o funcionamento do sistema psíquico e estruturar a forma como se desenvolve a aquisição e
armazenamento de informações – ou seja, os mecanismos do pensamento e a construção da
memória.
Atualmente, António Damásio (2005) retoma alguns dos complexos mecanismos do
funcionamento da consciência e da formação da imagem no cérebro. Ao discorrer sobre a
natureza física da consciência, como ela é construída no cérebro humano, como o nosso
organismo estabelece contato com os objetos do mundo e como se apercebe de si mesmo
nesse ato de conhecer, Damásio utiliza o termo imagem para se referir à imagem mental e
padrão mental. Imagem ou padrão mental, para o autor, é uma estrutura construída a partir de
várias modalidades sensoriais como a visual, auditiva, olfativa e gustativa. Portanto, o
conceito de imagem, neste caso, não se aplica apenas a imagens visuais, mas a todo o
conjunto de percepções sensoriais. Segundo ele, as imagens são construídas tanto de fora para
dentro do cérebro, quanto de dentro para fora, a partir da memória. Esta produção de imagens
nunca para, nem mesmo quando sonhamos. Quando vemos, ouvimos ou tocamos em alguma
coisa, imediatamente é desencadeada uma sucessão de “imagens”; mas é aquilo que sentimos
sobre estas imagens que nos traz a sensação de pertencimento e a própria consciência deste
sentimento.
Damásio se apropria do termo representação para designar imagem mental ou padrão
mental, acentuando que não se pode afirmar até que ponto esta representação é fiel ou não ao
objeto de sua representação, pois está diretamente relacionada a diversas regiões sensoriais e
motoras do cérebro. Logo, as imagens que vemos em nossas mentes e com as quais
processamos os nossos pensamentos não são cópias do objeto, mas um resultado das
interações entre nós e todo um aparato sensorial; são imagens individualizadas, estreitamente
relacionadas ao nosso repertório particular.

Dessa perspectiva, qualquer símbolo que você possa conceber é uma imagem, e
pode haver pouco resíduo mental que não se componha de imagens. Até mesmo os
sentimentos que constituem o pano de fundo de cada instante mental são imagens,
no sentido exposto acima: imagens sômato-sensoriais, ou seja, que sinalizam
principalmente aspectos do estado do corpo. (DAMÁSIO, 2005, p.403).

Como resultado da atividade do cérebro, as imagens surgem de padrões neurais ou


mapas neurais “formados em populações de células nervosas ou neurônios, que constituem
41

circuitos ou redes”. Porém, a neurobiologia ainda não explica como as imagens emergem dos
padrões neurais ou como um padrão neural se torna uma imagem (DAMÁSIO, 2005, p. 407).
Se considerarmos nossas representações gráficas como o resultado de um conjunto de
percepções, pode-se traçar aqui um paralelo entre a imagem que produzimos graficamente e a
imagem mental. Para Duarte (2005), a memória de cenas e objetos para quem possui o sentido
da visão tende a ser conscientizada como memória visual, logo, a impossibilidade de ver um
objeto implica na ausência de uma “memória visual totalizadora desse objeto podendo causar
um impedimento a sua plena significação”. É Oliver Sacks quem reitera este pensamento:

[...] a percepção simultânea de objetos não é algo habitual para aqueles


acostumados a uma percepção seqüencial através do tato”. Nós, com a totalidade
dos sentidos, vivemos no espaço e no tempo; os cegos vivem num mundo só de
tempo. Porque os cegos constroem seus mundos a partir de seqüências de
impressões (táteis, auditivas, olfativas) e não sendo capazes, como as pessoas com
visão, de uma percepção visual simultânea, de conceber uma cena visual
instantânea. Efetivamente, se alguém não consegue mais ver no espaço, a idéia de
espaço torna-se incompreensível — mesmo para pessoas muito inteligentes que
ficaram cegas relativamente tarde na vida. (SACKS, 1995, p.88).

Uma das dificuldades para os educadores que lidam com cegos é compreender que eles
não pensam com imagens visuais e que, portanto, não conseguem memorizar um objeto a
partir de uma representação mental visual deste objeto (DUARTE, 2005). Porém, nosso
sistema perceptivo não se limita apenas à visão, nossas informações sobre as coisas são
provenientes de um conjunto de sentidos que detecta o relevo formado por arranjos de
superfícies planas e curvas, seus cantos, vértices, bordas e limites - e por isso torna-se possível,
mesmo na invisualidade, conceber a possibilidade de produção e reconhecimento de imagens
(KENNEDY, 1993). Duarte exemplifica:

Imagens mentais como pernas em movimento, frio de um copo em nossa mão ou


barulho da água caindo, são compartilhadas igualmente por pessoas portadoras do
sentido da visão e por pessoas não portadoras do sentido da visão. O cego não “vê” o
caminho até a água, mas sabe a “seqüência temporal” e motora a ser repetida nesse
percurso, sente tatilmente o copo, ouve a água cair. A memória do cego, como da
pessoa que vê, é plena de imagens motoras, táteis, sonoras. (DUARTE, 2005)

A dificuldade no aprendizado de geometria, por exemplo, para as crianças cegas,


segundo Millar (2004), não é de ordem cognitiva, mas muito mais a falta de contato com
materiais e representações de figuras bidimensionais mais cedo, antes mesmo de aprenderem
formalmente sobre geometria. A partir da exploração de materiais adequados, nos quais se
possam apresentar noções de ângulos e direções, pode-se colaborar para a orientação espacial
destas crianças (MILLAR, 2004; HATWELL, 2003). É fato que, para os que enxergam a
42

representação gráfica das coisas, através da síntese da forma, pode significar uma melhor
compreensão de mundo. Para o cego, a possibilidade de representar ou reconhecer desenhos
em relevo pode significar muito mais do que isso, pois se trata de lhe permitir acesso a um
código universal utilizado para a comunicação entre as pessoas.

3.1 IMPLICAÇÕES DA INVISUALIDADE

Segundo conceito médico, a maioria das pessoas a quem denominamos cegas distingue
luz e escuridão ou percebe vultos: não há escuridão completa. “O diagnóstico de cegueira é,
desta forma, fundamentalmente médico, e centra-se na capacidade visual apresentada pelo
sujeito após a oferta de todos os tratamentos medicamentosos e cirúrgicos necessários, e das
correções ópticas possíveis” (AMIRALIAN, 1997, p. 30). Um conceito mais específico de
deficiência visual, sob parâmetros legais8 para cegueira, é o de uma acuidade visual igual ou
menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; para baixa visão a acuidade
visual está entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica.
De acordo com o último censo demográfico desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2000), estima-se que no Brasil, 14,5% da população total, são
pessoas portadoras de algum tipo de incapacidade ou deficiência; ou seja, um total de 24,6
milhões de pessoas com alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se ou alguma
deficiência física ou mental. Desse total, mais de cinqüenta por cento são deficientes visuais.
Para estas 16,6 milhões de pessoas com algum grau de deficiência visual, existem quase 148
mil que se declararam cegos. Segundo estudos feitos pela OMS (Organização Mundial de
Saúde), a principal causa de cegueira no Brasil é a catarata, com aproximadamente 40% dos
casos. Em seguida vem o glaucoma, com 15%, a retinopatia diabética com 7%, e a cegueira
congênita com 6,4%.
Foi a partir do século XIX, com a criação do Instituto de Cegos de Paris, que a situação
sócio-cultural dos cegos ganhou espaço, inicialmente na Europa e logo em seguida no mundo
inteiro. Charles Barbier e Valentin Hauÿ adaptaram métodos táteis utilizados em treinamentos
militares noturnos, para que os alunos desta escola pudessem aprender a ler e escrever. Um
destes alunos, Louis Braille, cego desde os três anos de idade, sistematizou a técnica de escrita

8
Para a Organização Mundial de Saúde, cegos são os indivíduos que apresentam acuidade visual de 0 a 20/200
(enxergam a 20 pés de distância o que alguém com visão normal enxerga a 200 pés), ou ainda que tenham um
ângulo visual restrito a 20° de amplitude. (VEJAM, 2009).
43

em relevo, chegando ao que conhecemos hoje. A técnica parte do relevo de seis pontos, dos
quais é possível fazer 63 combinações diferentes que podem representar letras simples ou
acentuadas, pontuações, números, sinais algébricos e, ainda, notas musicais (BORGES, in
SILVA e VIZIM, 2003).
Passando de aluno a professor, Braille enfrentou cerca de vinte anos de resistência para
ver aceita e oficializada esta forma de escrita, mesmo dentro do próprio Instituto. Como a
escola era um modelo, recebendo alunos do mundo todo, isto facilitou a disseminação da
técnica a nível mundial9. Mesmo sendo um processo relativamente caro e complexo, a
transcrição da escrita para o Braille foi o grande diferencial no que se refere à inclusão social
do cego, possibilitando o estudo para milhões de pessoas em todo o mundo, até então mantidas
à margem do sistema educacional.
Mais recentemente, na década de 1970, marcada pela Guerra do Vietnã, milhares de
norte-americanos mutilados, de retorno a seu país, pressionavam o governo com ações
indenizatórias - ações que provocaram também um maior incentivo e investimentos em
pesquisas para minimizar os problemas das deficiências físicas provocadas em conseqüência
da guerra. Estes fatos trouxeram o desenvolvimento da tecnologia eletrônica, aparecendo
novas possibilidades que revolucionariam a tecnologia Braille. Surgem então os terminais de
vídeos para computadores com síntese de voz, as impressoras Braille, as transcrições por
computador, entre outras inovações. Este modelo americano é seguido por outros países da
Europa, que intensificaram investimentos em pesquisas, criação e produção de artefatos
dirigidos a pessoas com deficiências (BORGES, in SILVA e VIZIM, 2003).
Segundo Hatwell e Amiralian, na ausência da visão, a apreensão do mundo externo é
fragmentada, interferindo no desenvolvimento do sujeito, fazendo com que ele passe a
estabelecer suas relações com o mundo através de um conjunto sensorial específico e a
estruturar-se cognitivamente por meio de um processo perceptivo diverso dos que enxergam.
Porém, existem diferenças entre aqueles indivíduos que nasceram cegos - e que por isso
constituíram-se e estruturaram seu desenvolvimento a partir do tato, da audição e dos outros
sentidos - daqueles que perderam a visão após alguns anos, tendo alguma estrutura já formada
através da visualidade (HATWELL, 2003; AMIRALIAN, 1997). Ainda segundo Hatwell
(2003), indivíduos com cegueira congênita ou com perda de visão antes dos 5 anos de idade
possuem pouca ou nenhuma memória visual. Quando a perda ocorre posteriormente, ainda

9
O poeta brasileiro Álvares de Azevedo, cego, tendo estudado neste Instituto, trouxe-a para o Brasil. Com o apoio
de D. Pedro II, foi criada então, em 1858, a primeira escola para cegos do Brasil – o Instituto Benjamin Constant.
44

existe a possibilidade de alguma referência visual e coordenação neural, o que é considerada


uma diferença significativa.
Caminhar, subir e descer escadas, passar pasta na escova de dentes, por exemplo, são
atividades que exercemos automaticamente e que normalmente não necessitam de atenção:
podemos nos concentrar em outras coisas ao mesmo tempo em que subimos uma escada ou
caminhamos. Na ausência da visão, algumas destas atividades naturalmente automáticas
encontram-se prejudicadas, havendo, em contrapartida, o aumento da necessidade de atenção
para algumas tarefas simples do dia-a-dia. Segundo Hatwell (2003), não há necessariamente
uma modificação dos limites sensoriais de acuidade na cegueira, mas um aumento de atenção
para o que não é visual, como para o tato e a audição.
Como compensação sensorial, conforme as teorias que já fazem parte do senso comum,
a falta do sentido da visão provoca a exploração por um melhor desempenho da percepção tátil
e auditiva. Não devemos concluir, porém, que nesta reorganização cognitiva a compensação
acarretará para os cegos uma apreensão das coisas da mesma maneira como fazem os que
enxergam, ainda que por vias diferentes. A potencialização dos outros sentidos não é
propriamente decorrente da ausência da visão apenas, mas de um redirecionamento da atenção
para estes outros sentidos. Ou seja, na ausência da visão é preciso prestar mais atenção aos
ruídos externos, aprender a distinguir pessoas pelas vozes, utilizar as sensações táteis dos pés
para saber por onde se está andando, ou até mesmo, em certas atividades, ter a atenção focada
em vários sentidos ao mesmo tempo (HATWELL, 2003).
Por outro lado, a percepção de propriedades como redondo, quadrado ou retangular, é
igualmente possível ao tato (MILLAR, 1994). Traçando um paralelo entre o reconhecimento
de formas tridimensionais pelo tato e pela visão, a autora afirma, por exemplo, que as mesmas
qualidades descritivas podem ser aplicadas aos objetos quer se os reconheça tátil ou
visualmente. Assim, bordas, vértices e a suavidade dos objetos esféricos são igualmente
reconhecidos pelo tato, embora de maneira diferente daquela pela qual o olho registra estas
propriedades. A diferença entre os dois processos perceptivos é que o tato depende da
informação complementar obtida a partir da agudeza tátil, do movimento ativo e de sinais
espaciais. Estas informações complementares variam em função do tamanho do objeto, da
continuidade de estimulação, do modo de exploração, das demandas da tarefa e do
conhecimento prévio sobre o objeto em questão. Visualmente se diferencia facilmente um
objeto de outro, presente no mesmo campo visual, mesmo que sejam de mesmo tamanho. Para
o tato isto é muito mais difícil, pois a informação complementar necessária para o
reconhecimento da forma de um objeto frequentemente é muito diferente e depende do
45

tamanho, da composição, do tipo de tarefa (ativa ou passiva), e do tipo de exploração


necessária, segundo Millar (1994).

3.2 A INVISUALIDADE E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS

Para uma melhor interpretação dos resultados e análise destes estudos, considera-se
relevante também buscar compreender a estruturação dos conceitos a partir da invisualidade.
Segundo Fraiberg (apud AMIRALIAN, 1997), o conceito de objeto na criança cega está ligado
à coordenação entre a audição e o tato, pois o som por si só “não confere substancialidade aos
objetos”. Mesmo que utilizem as mesmas palavras que as crianças que enxergam para
descrever certos objetos, o modo como as crianças cegas irão conceituá-los, advém de seus
contatos táteis-cinestésicos e auditivos, portanto estas palavras poderão ter “significados
diferentes, peculiares ou pessoais”, (SANTIN e SIMMONS, apud AMIRALIAN, 1997). Neste
sentido, compreende-se ainda que para os cegos a formação de conceitos concretos ou
abstratos dá-se também a partir dos conceitos transmitidos verbalmente pelas pessoas ou pelo
meio no qual interagem, além do sistema háptico10. Sobre isso, observou-se em pesquisa de
campo a situação relatada a seguir:
Cego precoce por descolamento de retina aos dois anos de idade, K. é um menino de
oito anos e freqüenta aulas de artes há um ano e meio, em uma escola de educação especial
em Curitiba. Conforme relato de sua professora, possui grande habilidade para o desenho e
costuma desenhar em casa, estimulado pela mãe. Solicitado a identificar as ilustrações táteis
nos livros infantis em questão, reconheceu muitos desenhos em relevo, mostrando-se sempre
curioso durante a entrevista. Porém, mesmo recorrendo seguidamente ao texto em Braille,
alguns desenhos representando macaco, sol, nuvens e árvores, K. não conseguiu identificar
nem por adivinhação, tal a complexidade de linhas e pontos naquelas imagens. Entretanto, ao

10
De fato o tato é uma sensibilidade de contato, a dimensão do seu campo perceptivo (a porção do espaço
percebido a um momento dado, sem movimento do órgão receptor) é muito pequena, pois se reduz à zona de
contacto com o objeto. Com efeito, quando uma mão é posta sobre a mesa, só é percebida a parte desta mesa
situada contra os dedos e a palma. Este tipo de tato dito passivo permite certas discriminações, mas estas são,
contudo em geral bastante pobres e parciais. A maior parte do tempo, movimentos voluntários, de uma amplitude
que varia em função da dimensão do que é necessário perceber, devem ser produzidos para compensar a
exigüidade do campo perceptivo tátil. A dimensão deste campo varia então em função dos segmentos corporais
mobilizados (um dedo, a mão inteira, as duas mãos associadas aos movimentos dos braços). Percepções
cinestésicas, procedentes destes movimentos, se associam então às cutâneas para formar um conjunto chamado
percepção tátil-cinestésica ou “háptica”. (HATWELL, 2003, p. 12 – tradução: Márcia Cardeal).
46

se deparar com o relevo de uma árvore (Fig. 15), muito confuso para ele, após ler o texto em
Braille, arriscou-se a dizer:
-”Ah... é um bate-papo isso daqui... é um bate-papo...!”
...onde o texto dizia:
[...] E todos foram juntos bater papo no recanto, lá onde o rio começa.
Um bate-papo animado, mais bichos foram se juntando.∗

Fig. 15 - Bate-papo
Fonte: LISBOA, 2007.

Isto nos leva a refletir sobre o quanto somos construídos e construímos nossos
conceitos a partir da visualidade e o quanto é abrangente a linguagem verbal nas
especificidades da ausência da visão.
Quantas e que espécies de mediações são necessárias para uma melhor compreensão de
mundo por parte das crianças cegas? Conforme observa Amiralian:

Se de um lado a criança cega é totalmente dependente do vidente como transmissor do


simbolismo para a utilização de sua linguagem, por outro, ela está divorciada das
concepções de mundo deste mediador. Se considerarmos a linguagem como uma
tradução de experiências de modelos de mundo, devemos considerar o mundo da
criança cega. Enquanto o cego experiencia o mundo pelo tato, audição, cinestesia,


Relato pessoal da autora durante pesquisa de campo.
47

olfato e gosto, o mundo lhe é explicado pela linguagem daqueles que pouco se utilizam
deste conjunto de experiências sensoriais. Este problema central de incompatibilidade
entre percepções do mundo por cegos e videntes força a criança cega a um contínuo
processo de solução de problemas. (AMIRALIAN, 1997, p. 63, 64).

Além disso, alguns conceitos como os de espaço, forma, tamanho e distância são mais
tardios para as crianças cegas, o que lhes pode acarretar maior lentidão em seu
desenvolvimento. O sistema háptico, considerado também como tato ativo, é o sistema
sensorial mais importante neste caso, por envolver não apenas os receptores da pele e tecidos,
mas toda a excitação de músculos e tendões, fazendo com que capte também as informações
motoras e de equilíbrio (MILLAR, 1997; HATWELL, 2003; OCHAITA e ROSA apud
BATISTA, 2005).
Ao pesquisar a aquisição de representações mentais por cegos adultos, Ormelezzi
(apud BATISTA, 2005) verificou que a formação de imagens e conceitos acontecia através
das experiências táteis, auditiva e olfativa, inter-relacionadas com a linguagem das pessoas
com quem conviviam. Neste caso parece-nos relevante salientar a importância da linguagem
como fonte de informação para a criança cega, além do sistema háptico. A palavra “bate-
papo”, um termo verbal vazio de sentido para K., foi preenchido por ele com um significado
aleatório, supostamente encontrado na forma do relevo da copa da árvore - neste caso, uma
forma também desprovida de significado tátil. Pressupomos que talvez K. tenha encontrado
uma solução para conceituar ao mesmo tempo duas coisas: aquela forma - estranha para ele -
representada em relevo e que não conseguia relacionar a nenhuma outra que conhecesse, e dar
corporeidade à palavra bate-papo, que provavelmente para ele ainda não possuía um
significado concreto.
A partir destas observações, identificamos algumas questões:
- Que imagem mental teria ele construído, relacionando a percepção tátil da forma da
copa da árvore à palavra bate-papo?
- Quantas outras palavras não existiriam na literatura em Braille que os cegos não
compreendem?
- Como se organizam e se integram as informações provenientes dos outros sentidos,
no estado de invisualidade?
- Qual o papel da linguagem e do pensamento nesta organização?
O psicólogo canadense Allan Paivio, em sua teoria da codificação dupla (dual code),
postula que nós utilizamos um código de imagens e um código verbal para representar a
48

informação (PAIVIO, 1979). Para Paivio, as imagens mentais11 são códigos analógicos,
icônicos, que imitam a forma daquilo que representam: “[…] árvores e rios podem ser
representados por códigos analógicos. Assim como os movimentos dos ponteiros em um
relógio analógico são análogos à passagem do tempo, as imagens mentais que formamos em
nossas mentes são análogas aos estímulos que observamos” (PAIVIO apud STERNBERG,
2008, p. 228). Paivio relembra que os signos verbais são predominantemente simbólicos,
arbitrários.

Um código simbólico é uma forma de representação de conhecimento que foi


escolhida arbitrariamente para representar algo e que não se parece com esse algo
em termos preceptuais. Assim como um relógio digital usa símbolos arbitrários (em
geral numerais) para representar a passagem do tempo, nossas mentes usam
símbolos arbitrários (palavras e suas combinações) para representar muitas idéias.
Um símbolo pode ser qualquer coisa que seja designada de forma arbitrária para
representar algo além de si mesma. Por exemplo, reconhecemos que o numeral “9” é
um símbolo para o conceito de “nove”, representando uma quantidade de nove
alguma coisa, mas não há coisa alguma no símbolo que sugira seu significado.
(PAIVIO apud STERNBERG, 2008, p. 228).

A teoria de codificação dupla de Paivio possui implicações educacionais na


concretização do conhecimento através de imagens e figuras. Comenius (ver cap. 1) já
afirmara em sua Didática Magna que ambos, imagem e palavra, como método educacional,
deviam ser apresentados ao intelecto ao mesmo tempo. De acordo com a teoria de Paivio, o
sistema verbal domina em algumas tarefas (como nas palavras cruzadas) e o sistema (não
verbal) da imagem em outro (por exemplo, nos quebra-cabeças).
Ou seja, a cognição envolveria a atividade de dois subsistemas distintos: um verbal
relacionado diretamente à língua, e outro não verbal (da imagem), relacionado aos objetos e
eventos não lingüísticos. Para Paivio, as imagens visuais podem nos auxiliar a recordar uma
lista de substantivos, função largamente utilizada na alfabetização de crianças e no ensino de
línguas, por exemplo.
Por outro lado, pressupõe-se que para pesquisas no âmbito da cegueira, as imagens
visuais podem permitir ao pesquisador explorar a natureza desta codificação dentro das
especificidades da invisualidade. A questão emergente a partir das proposições de Paivio é
que, para aquele que não possui nenhuma referência ou memória visual, seu repertório para
um código de imagens visuais estaria reduzido. Logo, se boa parte do que este indivíduo
“conhece” é a partir da “visão do outro” (conhecimento transmitido por meio de linguagem

11
Entendemos que o termo “imagens mentais” utilizado aqui por Paivio refere-se às imagens resultantes de
processamentos visuais, diferentemente do sentido dado ao mesmo termo por Damásio (ver cap. 3, pág. 46).
49

verbal), poderíamos supor que seu repertório é muito mais simbólico do que analógico? Neste
caso, é possível ampliarmos este repertório, através de uma codificação tátil-visual,
traduzindo para uma linguagem “simbólica” o que para a visualidade seria “analógico”?

3.3 A LEITURA TÁTIL

Muito miúda para seus oito anos e para o blusão de lã quase maior do que ela, a
menina toma de minhas mãos o livro e, passeando as suas pela capa, decifra aquele
amontoado de pontinhos. Em poucos minutos ela lê título, nome da autora e ilustrador,
enquanto meus olhos procuram lógica no labirinto de pontos minúsculos, organizado e
codificado pelo francês Louis Braille, há mais de um século. A destreza das crianças cegas12
para ler o Braille sempre me impressionara. Mas quando a menina abre o livro na primeira
página, para diante do primeiro desenho em relevo, calada, sem entender para onde vão e o
que significam aquelas linhas pontilhadas, me dou conta do que nos separa. Quando ela
insiste, percorrendo as linhas, tentando obter do papel a resposta e me diz decepcionada, que
não sabe que forma é aquela, o silêncio é meu. A leitura daquele emaranhado de pontos em
relevo que ela faz com os dedos é incompreensível para mim. Dou-me conta de que os
caminhos (tátil e visual) que a informação percorre em nossos cérebros são diferentes; então,
como querer tentar decifrar através da visão um código feito para ser utilizado pelo tato?∗
Ao fechar os olhos e tocar com o indicador os pontos em relevo do Braille, percebe-se
a diferença entre “ver” e “tocar” o mesmo código. Para os que enxergam, ainda que o campo
de visão seja restrito a apenas um detalhe, a imagem que vêem é sempre totalizadora,
instantânea, espacial e integradora. O reconhecimento tátil não funciona assim, pois é
seqüencial, estritamente temporal e, por isso, mais lento também (SACKS, 2003). As
combinações, associações, distâncias e relações entre os pontos em relevo só são apreendidas
ou percebidas em sua totalidade pelo tato, quando se estabelece a relação entre percepção e
cognição. Esta relação talvez se processe por meio de um aprender a “pensar tatilmente”,
assim como se constitui o “pensar visualmente”, para os que enxergam. Desta maneira, não há
como compensar a perda ou falta de um sentido que possui funções específicas, substituindo-o
por outro, na expectativa de que possa cumprir as mesmas funções do sentido ausente. As

12
Segundo Amiralian (1997, p. 31), “[...] antes, o Braille era indicado aos sujeitos diagnosticados clinicamente
como cegos; agora, são considerados cegos aqueles que necessitam do método Braille para a aprendizagem da
leitura e escrita.”

Relato pessoal da autora durante pesquisa de campo.
50

qualidades táteis dos objetos, como textura, temperatura, contorno, tamanho e peso, por
exemplo, necessitam ser aprendidas, logo, a presença do estímulo é fundamental neste
processo de aprendizagem.
Quando enxergamos um objeto qualquer, a imagem pode sugerir simultaneamente
noções de tamanho, textura e movimento, entre outras propriedades, sem que precisemos tocá-
lo. Para os que não enxergam, estas informações chegam pelo toque, pelo som, pelo cheiro e
pela experimentação da soma de todos estes sentidos, mas não simultaneamente. A função
háptica não é integradora como a da visão, mas fragmentada e, por isso mesmo, mais lenta
(HATWELL, 2003). Além disso, a comprovação da presença do objeto acontece apenas
enquanto ele puder ser ouvido ou tocado. Estes dois sentidos, tanto a audição quanto o tato
relacionam-se ao tempo; a visão, ao espaço. “Portanto, a visão simultânea de objetos, de um
espaço com múltiplos objetos, não é possível (nem mentalmente imaginável) para quem está
acostumado a uma percepção seqüencial através do tato. Para o cego, a idéia de espaço pode
ser incompreensível” (DUARTE, 2003).
Pelo fato de possuirmos vários sentidos perceptivos, as informações que recebemos
acerca das coisas advêm de diversas fontes. Nossas modalidades sensoriais não operam
isoladamente, ao mesmo tempo em que uma não fornece exatamente o mesmo tipo de
informação que a outra. Para o caso da ausência de um dos sentidos, isto pode ser uma
vantagem, pois os demais sentidos podem fornecer informações adicionais, complementando a
carência da fonte ausente. Em se tratando de função háptica, esta informação pode diferir de
forma para forma. Segundo estudos já realizados (SAKATA & IWAMURA, 1978, apud
MILLAR, 1991), podemos encontrar pelo menos cinco categorias de formas táteis diferentes:
1 - estímulo vibratório;
2 - contorno ponteado dos caracteres Braille;
3 - objetos tridimensionais;
4 - configurações descritas por ambulação ou locomoção e
5 - linha de contorno descrita pela mão e braço em movimento.

No início do aprendizado da leitura Braille, os movimentos não sistemáticos sobre um


padrão fazem perder os rastros das posições dos pontos. Com algum treino, os movimentos
ativos da mão já podem ser utilizados de maneira sistemática. Normalmente o leitor
principiante tem dificuldades para manter-se na linha e tende a desviar-se para a linha de
baixo. Segundo Millar (1997), para aprender a manter-se na linha, é importante a relação entre
a posição do dedo e a postura do corpo e entre os movimentos laterais da mão e a postura do
51

corpo. Percebe-se então a importância da informação háptica básica para discriminar e


identificar padrões de pontos muito pequenos e para o reconhecimento tátil. Para ensinar a
leitura do Braille, os professores relacionam os movimentos laterais (esquerdo-direita) da mão
à postura ereta do corpo, para que a leitura se desenvolva de maneira fluente. Para Millar
(1991), isto demonstra o quanto a informação cinestésica da postura do corpo e dos
movimentos ativos da mão são importantes, embora o tato ativo não seja condição
fundamental para a leitura do Braille.
Como não há percepção à distância ao sentido do tato, somente a percepção de contato,
a abrangência do campo perceptivo tátil é reduzida e quase inexistente se não houver um
movimento voluntário. Millar (1997) argumenta que o tipo e o tamanho das formas são muito
importantes para determinar os movimentos de exploração necessários para detectar e
reconhecê-las. Por isso, é evidente a importância da função motora nesta modalidade
perceptiva, onde há sobrecarga de atenção e memória de trabalho, necessitando de síntese para
construir uma representação unificada do objeto (KASTRUP, 2007).
Para uma melhor compreensão dos processos de leitura de relevo pelas pessoas cegas, é
bom salientarmos também as diferenças de impacto provocadas ao tato, através da diversidade
de relevos. A decodificação dos pontos do Braille demanda uma mecânica diferente daquela
para a leitura de relevo contínuo em forma de linha ou interpontado, utilizada nas imagens
abordadas nesta pesquisa. Conforme Millar (1991), o tato ativo não reconhece todas as formas
da mesma maneira: os movimentos necessários para identificar grandes objetos
tridimensionais são diferentes daqueles para reconhecer pequenos pontos em relevo, por
exemplo.

3.4 O DESENHO E O RECONHECIMENTO TÁTIL

Qualquer professor do ensino regular, que já tenha experimentado o desafio de receber


alunos cegos em suas classes, conhece os questionamentos e dúvidas quanto à aprendizagem
destes alunos e, em especial quanto aos recursos necessários para esta aprendizagem. O Braille
permite o acesso ao texto, mas como ensinar sobre o funcionamento do corpo humano,
geografia e biologia, por exemplo, se nossos processos de ensino e aprendizagem sustentam-se
basicamente no aporte da visão? Como transformar uma informação visual em uma
informação capaz de ser reconhecida pelo tato, por uma pessoa que nunca conheceu os códigos
da visualidade?
52

Algumas experiências vêm sendo realizadas no âmbito do ensino de desenho a pessoas


cegas, convergindo de alguma maneira para um ponto em comum: a busca por maior
compreensão do desenvolvimento cognitivo na ausência da visão, os limites por ela
provocados e, principalmente, as novas possibilidades e desafios criados pelos outros sentidos.
Estas pesquisas têm demonstrado que o desenho13 pode ser uma destas possibilidades,
auxiliando as pessoas cegas na compreensão dos objetos de seu entorno e consequentemente,
na sua integração ao meio.
Uma destas pesquisas vem da Profª.drª. Maria Lúcia Batezat Duarte14, que há cerca de
oito anos investiga estas possibilidades, através de um estudo de caso. Com pesquisa sobre
esquemas gráficos coletados preliminarmente, a partir de desenhos de pré-adolescentes com
visão normal, e utilizando-os como protocolo de trabalho, Duarte (2003) iniciou suas pesquisas
no ano de 2001 com três adolescentes cegos. O objetivo principal da pesquisa era, através do
desenho, “estar proporcionando a ativação de alguma área cerebral responsável pela
configuração mental de imagens tátil-visuais”; além de explorar a elaboração de esquemas
gráficos para a configuração do espaço plástico, possibilitando assim aos cegos uma
concepção e apreensão semântica mais completa dos objetos e mais uma oportunidade de
inclusão social.

Ensinar uma criança cega a desenhar tem como meta imediata integrá-la a uma
brincadeira infantil extremamente usual desde os primórdios da história da
humanidade. Entretanto, dados neurológicos e psicológicos permitem considerar o
importante ganho cognitivo que a apreensão e compreensão da totalidade das figuras
que representam os objetos do mundo pelo desenho podem significar. Se, aqueles que
percebem visualmente os objetos atualizam essa visualidade quando produzem
pensamentos, ao cego que desenha e reconhece os objetos pelo seu desenho em relevo,
seria possível atualizar uma memória tátil e totalizadora dos objetos em seus processos
mentais. (DUARTE, 2004-a).

Esquemas gráficos como sol, montanha, árvore, casa, água e passarinho foram
executados em diferentes graus de dificuldade pelos investigados. No ano seguinte (2002),
iniciaram-se as pesquisas com Manuella, (então com oito anos de idade, cega desde o
nascimento). Linhas retas e curvas como contorno de objetos, linhas ascendentes, descendentes
e direção: Manuella pouco a pouco se apropriava do gesto e do material e, com giz de cera e
papel, obtinha resultados como desenhar uma casa, grama, flores e árvores. Duarte comenta
que ao final da primeira etapa de seus estudos, Manuella havia adquirido uma memória do

13
Durante a pesquisa de campo integrante destes estudos, percebeu-se que a maioria das crianças que haviam tido
alguma experiência com desenho, teve mais facilidade, no reconhecimento tátil, do que as que não possuíam
nenhum contato com este tipo de atividade.
14
Ver Duarte (2003, 2004-a, 2004-b, 2006 e 2008).
53

objeto, uma configuração totalizadora, uma memória de trabalho e um código de linguagem


gráfica comunicacional (DUARTE, 2003). E, ainda, que a possibilidade de representação
gráfica possibilitou à Manuella acesso a um resumo cognitivo que, atuando no nível de base
dos níveis de cognição lhe permitirá uma resposta gráfica imediata, eficaz e altamente
comunicativa, quando surgir a necessidade de representação tátil-visual, pelo desenho.

Quando nos encontramos, Manuella, então com 8 anos, compreendia o desenhar


como um movimento circular e contínuo do giz de cera sobre o papel. Não podia
ver as linhas que estava produzindo, nem senti-las tatilmente. Não tinha noção do
resultado final, dos registros que seus movimentos imprimiam no papel. Quando ela
era solicitada a verbalizar nomeando o que estava desenhando, nos contava
histórias de seus passeios com familiares e as linhas traçadas ganhavam o ritmo da
sua narrativa. [...] As linhas grafadas evidenciavam o percurso do corpo no espaço,
marcavam o deslocamento de um lugar para outro [...] Entretanto, era possível
perceber o desconforto de Manuella grafando aquelas linhas. Era como se ela
soubesse que aquele grafar não era “desenho”. A sua angústia frente às linhas que
grafava sem acompanhar pelo tato tornava-se, em certos momentos, quase tangível.
Seus gestos ao desenhar demonstravam ora tensão ora desinteresse, como se ela
pudesse intuir que o seu desenho era diferente do desenho das outras crianças de
sua idade com as quais dividia, diariamente, a sala de aula da segunda série do
ensino fundamental. (DUARTE e VALENTE, 2005).

Estas pesquisas realizadas por Duarte tornaram-se o referencial e o suporte


metodológico para a proposta da professora e pesquisadora Diele F. P. de Morais, em Curitiba,
a partir do ano de 2006, com alguns alunos da Escola de Educação Especial Professor Osny
Macedo Saldanha. Seu principal objetivo era o de buscar alternativas para o ensino do desenho
para dois meninos cegos congênitos, de 9 e 12 anos de idade e um menino de 9 anos que
perdera a visão aos três anos. O primeiro momento da experiência para a Profª. Diele foi
verificar qual era a compreensão que os alunos possuíam sobre desenho. Compreender as
bordas do objeto e suas linhas de contorno, utilizando assim a percepção seqüencial-temporal
do tato é o primeiro passo para obter a noção totalizadora do objeto, condição primordial para
o desenho em questão, conforme relato de Duarte:
Ensinar estas crianças a desenhar passou então a ser construir junto uma concepção de
desenho, trabalhando o conceito de linha de contorno dos objetos com a idéia de que eles
podem ser representados nos desenhos se reproduzirmos esta linha percebida pelo tato. Pouco
a pouco os alunos adquiriram autonomia e desenhar passou a ser um desafio para eles.
Atualmente, uma aula de artes semanal com duração de 50 minutos faz parte do currículo da
Escola de Educação Especial Prof. Osny Macedo Saldanha, onde são atendidas crianças e
adolescentes com deficiência visual. Reconhecimento tátil, identificação de imagens e
54

representação gráfica são assuntos que fazem parte do plano diário de ensino da disciplina pela
qual a Profª Diele é responsável.
No rol de pesquisas em produção e reconhecimento de imagens táteis, Dannyelle
Valente15 (VALENTE, 2007, 2008) em dissertação de mestrado16, elaborou e testou alguns
desenhos para serem reconhecidos tatilmente por dez pessoas (adultos) cegas. Salientando que
o desenho “precisa ser realizado de uma forma que se adapte ao contexto perceptivo das
pessoas cegas”, Valente (2008) argumenta que “algumas exigências estruturais” são
necessárias para esta adaptação.
Por meio dos dados obtidos em uma pesquisa de opinião realizada com dez pessoas
cegas adultas (VALENTE, 2007), foi proposto que cada participante percebesse tatilmente sete
desenhos simples, buscando identificá-los e analisá-los de acordo com a forma particular com
que interagem com os objetos e o meio. No esquema iconotipo17 foram testadas as figuras
esquemáticas de sol, árvore e casa; nos pictogramas, a escada e a figura humana (um homem e
uma mulher) e como esquemas particulares, um cachorro e uma árvore (ver Fig. 16, 17 e 18).

Fig. 16 - Esquemas iconotipos


Fonte: VALENTE, 2008

Fig. 17 - Pictogramas
Fonte: VALENTE, 2008

Fig. 18 - Esquemas particulares


Fonte: VALENTE, 2008.

15
Doutoranda em Artes, menção em Estudos Culturais, Université Paris-1, Panthéon-Sorbonne. Dannyelle foi
bolsista de pesquisa (UDESC) no estudo de caso de Duarte, mencionado anteriormente.
16
La Production et la lecture de dessins tactiles par des personnes non-voyantes, Université Paris - Panthéon-
Sorbonne, 2007.
17
Sobre iconotipo, ver Capítulo 2.
55

Vimos [...] que determinados códigos de representação facilmente compreendidos


pela visão e pelo hábito com o sistema bidimensional, são desconhecidos pela
maioria das pessoas cegas interrogadas, como a representação do volume do tronco
através de duas linhas. [...] Aos nossos olhos, trata-se de um comprometimento que
só poderá vir a oferecer vantagens para essas pessoas. Desse modo, as inúmeras
reticências destas em ter contato com o desenho, por conta da condição de
“decifragem” e o grande esforço cognitivo que demanda alguns materiais, darão
lugar a um entusiasmo em poder conhecer novos meios de representar os objetos e
poder compartilhar com os videntes de uma ferramenta comunicacional importante
em nossa cultura. (VALENTE, 2008).

Em estudo comparativo entre desenhar, montar e reconhecer formas e figuras em


relevo por pessoas cegas, a pesquisadora Susanna Millar (1991), em seus experimentos para
testar o conjunto de processamento de habilidades de crianças cegas em desenho, fez um teste
com algumas crianças. A intenção não era a de comparar as habilidades ou os potenciais entre
crianças cegas e videntes, mas compreender precisamente o que se perde a nível de
informação, na ausência da visão, e por que caminhos alternativos esta informação pode ser
adquirida. Ou seja, a pesquisa fundamentou-se nas teorias de processamento de informação,
como o conhecimento de fatos e procedimentos é adquirido e processado. Tais teorias
questionam qual informação a curto e a longo prazo está disponível na memória em uma tarefa
dada, que condições alternativas podem torná-la disponível e como isso afeta as interpretações
e representações.
Para isto, foram testadas 21 crianças cegas congênitas, com idades entre 5 e 15 anos,
divididas em três grupos etários de 7 crianças cada, com inteligência média equivalentes entre
si. Com exceção de três crianças, todas eram cegas desde o nascimento. Um kit padrão foi
distribuído às crianças, consistindo de uma placa de borracha onde folhas de papel plastificado
seriam colocadas; elas teriam que desenhar sobre estas folhas com uma ponta seca, produzindo
assim linhas em relevo, sensíveis ao tato. Para a tarefa de montagem elas teriam que sentir as
formas e agrupá-las para representar uma figura humana, a partir de pedaços dados de cartão
recortado, em formas geométricas como quadrado, círculo, cruz e triângulo. O principal
interesse era verificar como seriam as representações de figura humana, feitas pelas crianças
cegas. Nas tarefas de reconhecimento, os desenhos de figura humana mostrados a elas eram
similares a desenhos produzidos por elas mesmas anteriormente; o esquema básico que as
crianças videntes também conhecem: o boneco palito e o boneco de corpo oval. Elas teriam
então que nomear cada figura ou forma geométrica conforme estivesse apresentada. Para a
tarefa do desenho, era solicitado que elas desenhassem a figura humana do modo que
quisessem.
56

Contrário às expectativas, o reconhecimento de figura humana não mostrou ser uma


tarefa fácil para as crianças cegas. Já para as formas como o círculo, o triângulo, o quadrado e
a cruz, o reconhecimento foi de 100%, 91%, 83% e 45%, respectivamente. Para Millar, os
resultados e particularmente a defasagem entre o reconhecimento e a produção, sugerem que
usar formas e configurações simples e planas como símbolos para formas e espaços
tridimensionais pode ser uma resposta inevitável em circunstâncias hápticas. Millar propõe o
ensino do desenho para crianças cegas, assim como buscar nas teorias sobre o desenho infantil
os fundamentos e respostas para estas questões.
Durante a pesquisa de campo constituinte destes estudos, pôde-se observar na fala de
um dos indivíduos entrevistados, a direção para onde apontam as respostas a questões como
esta assinalada por Millar:
Apaixonada por música, T. é uma adolescente de 14 anos, cega precoce e está
aprendendo a tocar instrumentos como o cavaquinho e o pandeiro, mas gosta muito também
de bateria e saxofone. Ao tentar reconhecer as ilustrações em relevo nos livros infantis
pesquisados, acabou associando algumas figuras ao formato de instrumentos musicais com os
quais tem contato. Freqüenta aulas de artes, onde aprendeu a representar e reconhecer
tatilmente linhas e formas geométricas, além de desenhar coisas de seu cotidiano. Durante a
conversa, argumenta que um “desenho” é bem diferente da “coisa” que se quer desenhar e
que é difícil reconhecer a forma de algo que “pegamos poucas vezes nas mãos”. “Por
exemplo, se fosse desenhar uma bateria, com certeza não iria saber que é uma bateria... ela
“de verdade” tem mais coisas... ia ter um desenho de vários círculos e umas riscas como os
pedais, umas coisas assim”.∗
Apesar de nunca ter visto uma bateria, a adolescente parece conhecer a diferença entre
a forma tridimensional do objeto, seu volume e profundidade e a sua representação gráfica,
planificada, bidimensional. Tenta explicar estas diferenças, desenhando uma bateria (Fig. 19):

Fig. 19 – Bateria
(T. 14 anos)


Relato pessoal da autora durante pesquisa de campo.
57

“O prato do lado esquerdo seria um círculo; um risco para o pedal, a caixa também
seria um outro círculo, o bumbo também iria ser outro círculo, o surdo também... Tem muitos
círculos na bateria...”.
E um cavaquinho (Fig. 20):

Fig. 20 – Cavaquinho
(T. 14 anos)

“O cavaquinho dá pra desenhar praticamente todo... mas embaixo, no começo do


braço dele tem uns quatro círculos... o braço, uma corda, duas, três... aqui já começa o
corpo... e esse risco tá aqui pra onde se coloca a corda... aqui dentro já tem o buraco do
cavaquinho...”.
Quando T. relaciona a forma tridimensional da bateria e do cavaquinho a uma figura
geométrica, percebemos em seu vocabulário conteúdos de um repertório gráfico adquirido
provavelmente nas aulas de desenho. Isto lhe possibilita situar, conhecer, comparar, nomear
formas e, principalmente compreender melhor o seu entorno, apesar de não ver. Este repertório
gráfico, na impossibilidade de ser apreendido visualmente, necessita de um aprendizado tátil
perceptivo, onde a criança cega ao “tatear o objeto em sua tridimensionalidade deve encontrar
paralelismo com a necessária simplificação e esquematismo do desenho bidimensional em
linha com relevo tátil” (DUARTE, 2009).

Ainda conforme Duarte, se a visualidade nos proporciona conceitos de bonito/feio,


alto/baixo, grande/pequeno, limpo/sujo, azul/roxo, largo/estreito, para o cego é impossível
“prever uma distância com “um golpe de vista” antes de percorrer o caminho”. Os limites da
percepção tátil nos mostram a necessidade de se construir uma memória da representação
através do desenho, que então se organizará como memória tátil. “O esquema gráfico é quase
58

uma palavra, um nome, a identificação desenhada de um objeto. Não é arte nem poesia. É
apenas o substituto mais simples e direto, um substituto visual para a visualidade do próprio
objeto” (DUARTE, 2009). Desta maneira, ao permitir ao cego o acesso a este aprendizado,
além de integrá-lo ao processo educacional usual, aos códigos gráficos e comunicacionais
pertinentes a esta linguagem, estamos também lhe possibilitando maior autonomia na
compreensão e produção de representações gráficas (DUARTE, 2005, 2009).

A abordagem do próximo capítulo é sobre a metodologia utilizada para a pesquisa, da


coleta à interpretação e análise dos dados.
59

4 METODOLOGIA

O percurso investigatório deste trabalho constituiu-se basicamente de um


levantamento bibliográfico, pesquisa de campo e análise dos dados coletados. Para isso
utilizou-se a observação, registro e análise das interações entre pessoas - crianças e
adolescentes cegos - e sistemas envolvidos - ilustrações em relevo e seu reconhecimento tátil.
Ou seja, treze crianças consideradas cegas congênitas, com idade entre oito e dezesseis anos
experimentaram identificar as ilustrações em relevo de quatro livros infantis.
A investigação está norteada pela análise da verbalização das crianças frente à
experiência tátil com as ilustrações em relevo, e pela categorização e interpretação de dados,
cujo enfoque não está centrado em quantificações ou generalizações, mas no aprofundamento
da análise dos dados coletados (FLICK, 2004). Trata-se, portanto de um estudo de natureza
qualitativa, do tipo exploratório, descritivo e analítico, onde houve preocupação com o
contexto do objeto de estudo, com a investigação descritiva dos dados coletados e uma maior
ênfase nos processos envolvidos do que nos resultados.
Partindo da organização do roteiro, para a seleção e revisão bibliográfica, e a escolha
dos livros ilustrados em relevo e do grupo de indivíduos que fariam parte do processo de
análise das imagens, procedeu-se à pesquisa de campo para o levantamento dos dados.
Segundo Lakatos e Marconi (1982, p. 64), a pesquisa de campo é utilizada para se “conseguir
informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta
[...] ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”.
Além disso, este tipo de pesquisa não está restrito a uma simples coleta de dados, pois
requer uma série de procedimentos pré-estabelecidos para obter determinado resultado, no
qual podem ainda estar subjetivamente implicados o nível sócio-cultural e o contexto de
aprendizagem escolar onde estão inseridos os indivíduos consultados, o que confere à
pesquisa o caráter exploratório.
60

4.1 PARTICIPANTES

Para analisar o reconhecimento tátil das imagens em relevo neste estudo, foram
participantes da pesquisa treze crianças e adolescentes clinicamente diagnosticados cegos, na
faixa etária entre oito e dezesseis anos.
A investigação compreendeu alguns momentos e lugares distintos, de acordo com a
acessibilidade possível, nas cidades de Blumenau, Brusque, Curitiba, Itajaí e Florianópolis,
entre maio de 2008 e março de 2009, a maioria em instituições que trabalham com educação
especial na área de deficiência visual. Duas entrevistas foram feitas no domicílio dos
entrevistados (em Brusque e em Itajaí).
As características restritivas necessárias na seleção dos participantes, para garantir um
resultado eficaz na investigação foram a faixa etária dos indivíduos (oito a dezesseis anos) e o
diagnóstico clínico (cegueira precoce, sem resíduo de memória visual).
Embora a escolha dos participantes da investigação não tivesse sido direcionada
previamente neste sentido, considera-se relevante relatar, devido a algumas evidências nos
resultados coletados, que oito das treze crianças cegas participantes da análise têm ou tiveram
experiências anteriores com aprendizagem de desenho. Sete indivíduos tiveram contato com o
desenho de modo sistematizado, um aprendeu a desenhar com familiares e cinco nunca haviam
desenhado.
O fator experiência com desenho foi um dado que surgiu no decorrer da pesquisa,
levando-nos inclusive a alterar o cronograma, ampliando a complementação da pesquisa de
campo para entrevistas com mais indivíduos sem esta característica. Portanto, o número de
entrevistados, que inicialmente seria dez, passou a treze crianças/adolescentes.
O quadro a seguir (Quadro 1) traz a caracterização dos participantes da pesquisa de
campo; o local onde foram feitas as entrevistas, o sexo, a idade, o diagnóstico clínico e o fator
estimulação para o desenho. A identidade dos entrevistados foi preservada, constando apenas
uma letra como inicial de seus nomes.
Além das entrevistas com as crianças e adolescentes cegos para a análise do relevo,
foram entrevistados ainda dois autores e dois ilustradores de três dos livros infantis escolhidos
(Quadro 2), com o objetivo de conhecer o processo de concepção e produção do relevo nesta
espécie de publicação. Foram contatados dois autores e dois ilustradores; dois livros são da
mesma autora (Firirim Finfim e A Bruxa Mais Velha do Mundo - Elizete Lisboa) e um livro
foi escrito e ilustrado pela mesma pessoa (Um Mundinho para Todos - Ingrid B.
Bellinghausen).
61

Quadro 1
Caracterização dos Participantes na Análise das Imagens em Relevo

Local Nome Sexo Idade Diagnóstico Escolaridade e


Estimulação para desenho

Curitiba C. F 08 Glaucoma congênito18. 1ª série - Frequenta aulas de artes


Fez estimulação visual e desde início 2007.
ainda distingue algumas Bom reconhecimento de formas.
cores.

Curitiba B. M 08 Descolamento de retina 2ª série - Frequenta aulas de artes


congênito19. desde início 2007.
Bom reconhecimento tátil.

Curitiba K. M 08 Descolamento de retina, 2ª série - Frequenta aulas de artes


cegueira precoce. desde início 2007.
Segundo a mãe,
enxergava um pouco com
um dos olhos até os 2
anos.

Florianópolis J. F 08 Má formação do nervo 2ª série - Não freqüenta aula de artes.


ótico na gestação.

Florianópolis P. F 10 Catarata20 (genético): 4ª série - Não freqüenta aula de artes.


avó, tias e mãe possuem
o mesmo problema.

Blumenau L. F 10 Glaucoma congênito. 4ª série - Não freqüenta aula de artes;


aprendeu com a avó a fazer alguns
desenhos.

Curitiba T. M 12 Descolamento de retina, 6ª série - Frequenta aulas de artes


glaucoma e catarata. desde agosto de 2006.
Alta miopia, com Bom reconhecimento tátil;
posterior descolamento de desenha muito.

18
Quando vemos um objeto, a imagem é transmitida do olho ao cérebro através do nervo óptico. Esse nervo
funciona como um cabo elétrico, contendo cerca de um milhão de fios que levam a mensagem visual lateral ou
periférica e também a visão central, usada para leitura. O glaucoma pode destruir gradativamente esses "fios
elétricos", causando pontos cegos na área de visão. O Glaucoma pode não provocar dor e os portadores dessa
doença só percebem sua existência quando os danos são graves e irreversíveis. Se todo o nervo óptico for
destruído, irá ocorrer uma cegueira definitiva. O Glaucoma pode ser: de ângulo aberto, de Ângulo Fechado,
Congênito ou Secundário. (CBO, 2009).
19
As causas primárias são: trauma, descolamento do vítreo, tumores. Fatores que predispõem são a miopia e a
afasia. (BARBIERI, 2009).
20
Opacidade do cristalino. As causas podem ser: hereditariedade; rubéola; síndrome de Down; diabetes e outras
condições. (BARBIERI, 2009).
62

retina em ambos os olhos.


Com baixa visão
congênita, perdeu a visão
de um dos olhos aos 2
anos, e do outro aos 5
anos. Não tem percepção
de luz e apresenta
glaucoma em ambos os
olhos e início de catarata
em um.

Curitiba L. M 14 Retinopatia da pré- 7ª série - Frequenta aulas de artes


maturidade21. Nasceu de desde maio de 2008.
6 meses, o excesso de
oxigenação na incubadora
queimou a retina.

Retinopatia da pré- 7ª série - Frequenta aulas de artes desde


Curitiba T. F 14 maturidade. Nasceu de 5 agosto de 2006.
meses de uma gravidez de
risco, o excesso de
oxigenação na incubadora
queimou a retina.

8ª série - Participa do grupo de


Florianópolis M. F 14 Tumor cerebral.
pesquisa em desenho (LabDIA-
UDESC) desde 2002.
Representações gráficas e
bom reconhecimento tátil.

Retinopatia da pré-
Itajaí V. M 15 8ª série - Não freqüenta aulas de artes.
maturidade. Nasceu de 6
meses, o excesso de
oxigenação na
incubadora queimou a
retina.

Retinopatia da pré-
Brusque M. M 15 1ª série do E. Médio - Não freqüenta
maturidade.
aulas de artes.

Atrofia do nervo ótico22 1ª série do E. Médio - Não freqüenta


Florianópolis A. M 16
em decorrência de aulas de artes.
convulsão, 24 horas
após o nascimento.

21
Alterações vasculares da retina e do vítreo que podem levar ao descolamento total da retina, causada pela
prematuridade e baixo peso, e por uso excessivo de oxigênio. (BARBIERI, 2009).
22
Degeneração, ou má-formação do nervo óptico. Pode ser congênita de causa não conhecida, hereditária, ou
como parte de um conjunto de anomalias. (BARBIERI, 2009).
63

Quadro 2
Caracterização dos Participantes da Concepção das Imagens em Relevo

Local Idade Nome Profissão

Belo 51 José Carlos Aragão Ilustrador, jornalista, escritor, ator e


Horizonte dramaturgo.
É graduando em Escultura pela Escola
de Belas Artes da Universidade Federal
de Minas Gerais.
Ilustrou “A Bruxa Mais Velha do
Mundo”, instrumento da pesquisa.

Belo 57 Elizete Lisboa Escritora de literatura infantil.


Horizonte Professora.
Autora de “A Bruxa Mais Velha do
Mundo” e “Firirim Finfim”,
instrumento da pesquisa.

São Paulo Ingrid Biesemeyer Bellinghausen Escritora e ilustradora de literatura


infantil. Autora e ilustradora de “Um
Mundinho para Todos”, instrumento
da pesquisa.

Obs.: Estas entrevistas foram realizadas via correio eletrônico.


A autora e o ilustrador de “Um Presente Muito Especial”, também utilizado na análise, não foram
localizados.

4.2 INSTRUMENTOS

Para o desenvolvimento deste estudo foi realizado o levantamento bibliográfico por


meio do qual se fez a revisão teórica do tema abordado, de modo a organizar sumariamente as
observações feitas durante o processo, na busca de respostas às perguntas motivadoras da
pesquisa. Para a coleta de dados, os instrumentais utilizados foram os quatro livros infantis e as
entrevistas específicas: uma para o reconhecimento tátil das imagens em relevo pelas crianças
cegas e outra para o processo de concepção das imagens pelos ilustradores.
Empregou-se a entrevista semiestruturada, individual, não diretiva, pré-agendada, o
que possibilitou a exploração do assunto em relação às experiências dos entrevistados, à
64

elaboração e estruturação das informações apresentadas e suas variantes. A entrevista do tipo


semiestruturada, segue um roteiro pré-estabelecido, mas que pode ser alterado no decorrer da
coleta de informações, de acordo com a relevância dos dados coletados (DUARTE e
BARROS, 2005). Além disso, a entrevista pode ser considerada cognitiva, pelo fato de estar
testando um instrumento (BAUER e GASKELL, 2007, p. 78): o relevo tátil das imagens e
eventuais facilidades ou dificuldades em sua identificação. Ou seja, o teste do instrumento, isto
é, a leitura tátil realizada pelos participantes da investigação, permite conhecer a
funcionalidade destas imagens em relevo.
As observações dos participantes foram anotadas em um quadro (Quadro 3) e
registradas em áudio e vídeo, dando origem a dados relevantes que possibilitaram uma análise
mais minuciosa dos resultados, preservando sempre a identidade dos indivíduos. Além disso,
foram realizadas entrevistas por meio eletrônico com dois autores e dois ilustradores, para
compreender e elucidar questões referentes ao processo de concepção/produção do relevo.
Para a escolha das quatro obras da literatura infantil, transcritas para o Braille e com
ilustrações em relevo - o principal critério utilizado foi a diversidade quanto à resolução do
relevo nas imagens. Nesta seleção, não foram levadas em conta a qualidade literária ou
estética, ou seja, o conteúdo textual ou a qualidade da imagem visual, uma vez que o foco
esteve apenas na questão do relevo.
Durante o teste piloto percebeu-se que para a análise do fator reconhecimento de
imagens a função do texto poderia ser ambígua: tanto poderia funcionar como um tira-dúvidas,
quanto para sugerir um acerto por adivinhação. Além disso, pelo fato de a escrita Braille
ocupar um espaço maior do que o texto em tinta, em alguns casos o texto e a ilustração em
tinta não coincidem com o texto em Braille – havendo então uma defasagem da ilustração em
relevo com o texto em Braille: às vezes a “palavra reveladora” que poderia reforçar a
identificação de determinado desenho em relevo, só apareceria na página seguinte, em Braille.
Este fator somado à abrangência da faixa etária dos entrevistados (de 08 a 16 anos),
determinou a necessidade de se flexibilizar a questão da leitura do texto em Braille, deixando à
escolha dos entrevistados fazê-la antes, durante ou depois da identificação das imagens. Para a
maioria dos indivíduos as duas leituras foram simultâneas e para as crianças mais novas os
textos mais extensos foram lidos oralmente.
Nestas entrevistas, foi relevante que os entrevistados não tivessem tido nenhum contato
anterior com os livros pesquisados, para que não houvesse interferência nos resultados. Pelo
fato de ser recente a utilização das imagens em relevo neste tipo de publicação, a maioria dos
65

indivíduos abordados também a desconhecia, isto é, o processo de investigação representou


para eles um primeiro contato com as ilustrações em relevo.

4.3 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

Definida a metodologia, selecionados os participantes e instrumentos da investigação,


foi elaborado um quadro de verificação de leitura das imagens em relevo (Quadro 3), um
questionário (A) com perguntas complementares para as crianças e adolescentes cegos que
fariam as leituras táteis, e um questionário (B) para os responsáveis pela concepção dos
relevos.

Quadro 3
Verificação da Leitura das Imagens em Relevo

Título da obra: Autor:


Ilustrações: Editora:

Nome: Diagnóstico:
Idade: Data: Local:

leitura da
imagem
em relevo
página página: página:
lê de
imediato
lê com
dificuldade
não lê

Questionário A - Verificação da Leitura das Imagens em Relevo

- Você acha importante a ilustração em relevo nesta espécie de livro?


- Para você, a ilustração colabora na compreensão do texto?
66

- Qual tamanho de imagem facilita seu reconhecimento? Grande? Pequeno?

- É fácil a leitura da imagem para você?

- Onde você sentiu mais dificuldade e onde foi fácil a leitura?

Questionário B - Verificação da Concepção/Produção das Imagens em Relevo

1. Qual relevância tem para você, quando ilustra um livro, estabelecer um diálogo texto&imagem?

Como acontece? É um processo fluido ou “dá trabalho”?

2. Como foi para você, ilustrar um texto destinado também a pessoas que não veem?

3. Foi sua primeira experiência?

4. Além de integrar visualmente o desenho aos elementos de relevo, qual foi sua participação na

escolha das imagens que seriam transcritas em relevo?

5. Se houve participação nestas escolhas, que elementos (ou fatores) você levou em conta?

6. Houve alguma preocupação, neste caso, em estabelecer um diálogo texto (Braille) e imagem

(relevo)?

7. Existem várias limitações técnicas na produção de um livro com imagens em relevo, uma delas é

a dificuldade (ou impossibilidade?) de se ter relevo frente&verso. Este fator influenciou na

concepção das imagens a tinta (visual)?

8. Como você percebe esta questão das duas linguagens (relevo e visual) presentes simultaneamente

no livro infantil?

9. Você acha que esta ação (a publicação de livros com as duas linguagens) colabora para as

questões de inclusão?

10. Você já teve a oportunidade de presenciar alguma criança cega “lendo” as imagens em relevo

deste livro? De algum outro?


67

4.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS DADOS

De posse das informações coletadas nas observações e entrevistas, estas foram


organizadas, estruturadas e sistematizadas para reflexão e posterior redação. Para a análise dos
dados coletados nestes estudos foram empregadas a Análise de Conteúdo e a Análise da Forma.
A Análise de Conteúdo é um método de análise dentro das ciências sociais empíricas, por meio
do qual o pesquisador pode obter indicadores (quantitativos ou não) que possibilitem a dedução
de conhecimentos relativos às condições de produção ou recepção destes resultados (BAUER e
GASKELL, 2007). Neste procedimento, considerou-se especialmente:

a) a construção de tipos, modelos e esquemas pelo uso dos conceitos teóricos, da


relação com as variáveis quantificadas e da realização de comparações pertinentes;
b) ligação com a teoria, que pressupõe a definição metodológica e teórica do
pesquisador em termos de seleção entre as alternativas disponíveis da interpretação da
realidade. (LAKATOS e MARCONI, 2007).

Procedeu-se à exploração do material coletado após organizar e categorizar as respostas


conforme o grau de dificuldade de leitura das imagens. Para definição destas categorias foram
observados três níveis de legibilidade/reconhecimento tátil: legibilidade imediata, legibilidade
com dificuldade e nenhuma legibilidade; o que resultou em um índice de legibilidade das formas
em relevo – para o qual, conforme Bauer e Gaskell (2007), a Análise de Conteúdo é também
utilizada.
Por outro lado, a apreensão tátil das imagens em relevo se processa de forma específica,
distinta de qualquer outra mídia, levando-nos a buscar um outro modo de análise, que estamos
chamando de Análise Tátil-Visual da Forma.
Um dos pontos nevrálgicos desta questão é o fato de não haverem bases teóricas
suficientes que dêem suporte a esta espécie de análise, já que a imagem em relevo ainda é um
recurso muito recente tanto na área do design gráfico, quanto da ilustração ou das artes visuais
de modo geral. Optamos por Gombrich, Arnheim e Bernard Darras, que tratam da forma como
representação, esquema gráfico e iconotipo, buscando complementar as informações com os
estudos sobre desenho e reconhecimento tátil na invisualidade, de Kennedy, Millar e Duarte.
68

4.5 CATEGORIAS LEVANTADAS

A partir da observação da leitura das imagens em relevo, durante as entrevistas com as


crianças e adolescentes cegos e posteriormente na interpretação dos dados, algumas categorias
emergiram, interferindo significativamente no índice de resultado das análises:
a) Histórico
. Experiência prática com o desenho
. Contexto familiar e sua influência no estímulo para o desenho
b) Escola
. Escola especial
. Escola regular
. Posição da escola em relação à necessidade do ensino de desenho
c) Ilustração em relevo
. Importância desta espécie de ilustração
. Legibilidade

Para a análise das entrevistas com os ilustradores / autores dos livros foi observado:
a) Histórico
. Experiência com esta espécie de ilustração
b) Concepção do Relevo
. A partir da Editora / Autor
. Com a consultoria de pessoas cegas

Os próximos quatro capítulos constituem-se de análise sucinta das ilustrações visuais,


tipologia, diagramação, formato e projeto gráfico de modo geral, de cada um dos quatro livros
utilizados como instrumental de pesquisa, além da análise do reconhecimento tátil das
ilustrações em relevo pelos indivíduos entrevistados. A abordagem dos componentes visuais
tornou-se necessária porque, além de serem publicações com proposta inclusiva, foi
considerada a interferência de uma linguagem na outra (tátil e visual), tanto para o modo de
produção/concepção do relevo quanto para ambas as leituras.
69

5 LIVRO 1 - A BRUXA MAIS VELHA DO MUNDO

Fig. 21 - Livro 1, capa.

“A Bruxa mais Velha do Mundo” é uma publicação da editora Paulinas (2005), escrito
por Elizete Lisboa23 e ilustrado por José Carlos Aragão24.

5.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS

O livro foi impresso em papel couché fosco, 32 páginas, com ilustrações que lembram
recortes. Em cores suaves e com contorno das imagens sempre em uma porcentagem baixa de
cinza, quase branco, o livro tem o formato retangular (16,0 cm x 22,0 cm) apropriado para as
narrativas dinâmicas, que pedem horizontalidade para o movimento de uma página à outra.

Fig. 22 - Livro 1, p. 04 e 05.

23
Elizete Gomes Lisboa é graduada em Letras pela UFMG, professora e autora de cinco livros infantis, todos
contando com a versão escrita comum e em braile. “Rosa e o Gato”, “Quero Brincar”, “Que Será que a Bruxa
está Lavando?”, “A Bruxa Mais Velha do Mundo” e “Firirim Finfim”, todos produzidos entre 2004 e 2007.
24
José Carlos Aragão, 51 anos, é mineiro, jornalista, escritor, ator e dramaturgo. Tem vários livros publicados, a
maioria de literatura infantil. Para adultos, publicou três livros de poesia e um de contos.
70

Fig. 23 - Livro 1, p. 06 e 07.

A diagramação do texto possui o mesmo ritmo da narrativa, leve e sem excessos, com
uma tipologia não serifada, o que também lhe confere dinâmica e movimento.

Fig. 24 - Livro 1, p. 08 e 09.

Há pouca redundância nas imagens, ou seja, o ilustrador raramente repete na ilustração


visual exatamente o que o texto diz. Isto irá acontecer na página 11 (onze), embora o ilustrador
tenha se utilizado de uma metáfora poética que ultrapassa o sentido literal do texto: “Brinca
também/ de se balançar na rede/ pra ver a lua chegar”, com o desenho de uma rede pendurada
em duas estrelas, onde dorme uma bruxa.

Fig. 25 - Livro 1, p. 10 e 11.

Na página 12 (doze), “De noite, lagartixa, vaga-lumes/ e mais alguns bichos pequenos
dormem sobre/ o baú de guardar sonhos. Bem ao lado/ da cama da bruxa.”, aparece a
ilustração descritiva no desenho da cama, do baú, da lagartixa e do vaga-lume.
Assim também na página 13 (treze), onde aparece a coruja, e na página 15 (quinze)
também traz para a ilustração a função descritiva, reforçando o texto.
71

Fig. 26 - Livro 1, p. 12 e 13.

Fig. 27 - Livro 1, p. 14 e 15.

Por outro lado, “De vez em quando, no meio da noite, a bruxa perde o sono” (nas
páginas 16 e 17), a imagem é dividida em duas (à esquerda em fundo preto e à direita em
fundo amarelo bem claro), criando, pela sua função predominantemente simbólica, uma
ruptura através da palavra “CLICK!” desenhada em tamanho grande, no meio das duas
páginas. O desenho de uma mão no interruptor de um lado e de uma lâmpada acesa do outro,
reforçam a idéia de passagem do escuro para o claro, representando a mudança no ritmo da
narrativa.

Fig. 28 - Livro 1, p. 16 e 17.

As duas páginas seguintes (18 e 19) em fundo branco, com a jaguatirica, a cobra, um
pássaro, o macaco e o tamanduá indo da esquerda para a direita, possuem o movimento de uma
seqüência;

Fig. 29 - Livro 1, p. 18 e 19.


72

...quando o ilustrador prepara a próxima cena (páginas 20 e 21): ““ Os bichos vão


chegando, / devagarinho, / pra deitar no colo, pra escutar. // Sereno, serenata. / “Dum-dum, lá
lá lá, / ui-ui-ui.”” Os elementos predominantes são o azul da noite, o luar, as montanhas e a
casa da bruxa, introduzindo a próxima cena.

Fig. 30 - Livro 1, p. 20 e 21.

A partir da página 23 o ritmo muda, quando o texto fala que a bruxa “vai se casar no
ano que vem” e a imagem, em tons de rosa e vermelho, traz alguns corações.

Fig. 31 - Livro 1, p. 22 e 23.

Fig. 32 - Livro 1, p. 24 e 25.

Fig. 33 - Livro 1, p. 26 e 27.


73

Fig. 34 - Livro 1, p. 28 e 29.

Encerra-se a narrativa, deixando para a imaginação do leitor o final da história, se a


bruxa encontrará ou não um noivo, com imagens trazendo apenas referências ao personagem,
como o chapéu e a vassoura de recém-casados.

Fig. 35 - Livro 1, p. 30 e 31.

Fig. 36 - Livro 1, p. 32.

5.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS

Página 03: A borboleta é a primeira imagem em relevo e antecipa a narrativa, na folha de


rosto junto à dedicatória, sem alusão ao texto, quase como ornamento. Apenas em relevo, o
desenho não aparece em tinta e tem muitos detalhes internos nas asas. Esta imagem não foi
identificada nenhuma vez, mas três pessoas interpretaram como “rosto de um palhaço”, uma
“obra de arte” e um “morcego”.
74

Fig. 37 - Livro 1, relevo - p. 03.

Página 05: O relevo aparece no desenho de um sol incompleto, com raios sinuosos, nascendo
por trás de três montanhas desenhadas em relevo de linha contínua. Esta figura de sol não
esquemático foi identificada poucas vezes, sempre por crianças que têm o hábito de desenhar
com freqüência: “Parece um sol, mas o sol é redondo!” (L.G., 14 anos). “Parece uma flor.” (T.,
14 anos). Apenas um leitor identificou: ”É um sol saindo por trás das montanhas” (T. 12 anos,
desenha muito).

Fig. 38 - Livro 1, relevo - p. 05.

Página 06: As nuvens, a casa e a escada não foram identificadas nenhuma vez. A montanha
foi identificada apenas uma vez (por T., 12 anos), ao confirmar no texto a palavra “serra”.

Fig. 39 - Livro 1, relevo - p. 06.

Página 07: O relevo nesta ilustração foi identificado como bola três (03) vezes. Foi
confundido com “fruta” e “abóbora”, por duas pessoas, por causa das linhas internas. O texto
não faz referência à palavra “bola”.
75

Fig. 40 - Livro 1, relevo - p. 07.

Página 08: “Ah... É um coelhinho... olha!... tem duas orelhinhas aqui em cima!” (K., 8 anos).
O contorno do barco de papel, neste desenho, sugere ao menino as orelhas de um coelho
(talvez a representação de coelho de Páscoa, aprendido na escola). Não foi identificado como
um desenho de barco nenhuma vez. As linhas que representam a água também não foram
lidas.

Fig. 41 - Livro 1, relevo - p. 08.

Página 09: O relevo aparece em três peças do jogo de dominó, em primeiro plano – que foi
identificado apenas uma vez (por T. 12 anos, que desenha e joga dominó). O texto não faz
alusão à palavra “dominó”, mas a “brincar” (a ilustração em tinta também mostra três
personagens jogando dominó). Para um dos participantes a forma das peças lembrou a “cela”
(ou reglete) utilizada para escreverem manualmente em Braille: “É a cela que a bruxa usa para
o Braille”.

Fig. 42 - Livro 1, relevo - p. 09.


76

Página 10: A meia-lua foi identificada por quatro (04) pessoas e a estrela (em relevo
contínuo), por três (03). Antes de fazer a leitura do texto, K., 08 anos, comenta: “é uma
montanha... Não!... é uma banana!” e L.G., 14 anos, diz: “parece um sorriso, uma boca”. O
texto, nestas duas páginas, traz a palavra “lua”.

Fig. 43 - Livro 1, relevo - p. 10.

Página 11: As quatro estrelas foram identificadas por cinco dos entrevistados que desenham
ou já tiveram algum contato com desenho. As figuras maiores foram identificadas com maior
facilidade e a estrela maior, mais isolada, teve identificação imediata.

Fig. 44 - Livro 1, relevo - p. 11.

Página 13: “A coruja não dorme. / Está sempre toda acesa. / E espia tudo/ que a bruxa faz”, é
o texto desta página. A imagem em relevo da coruja não foi identificada por ninguém, mas K.,
08 anos, sugere que pode ser uma “laranjinha” – talvez pela textura das penas do peito, em
relevo.

Fig. 45 - Livro 1, relevo - p. 13.


77

Página 15: Acompanhando o texto “Ih! Usa penico/ de madrugada.”, há o relevo de um


penico, que foi identificado por três (03) pessoas como “jarro” e “xícara”, pois a forma é muito
semelhante (e penico é um utensílio em desuso, com o qual provavelmente nenhuma delas teve
contato antes). Neste caso, os entrevistados que identificaram o desenho não fizeram relação
com o texto, mesmo depois de terem lido em Braille.

Fig. 46 - Livro 1, relevo - p. 15.

Página 17: Uma lâmpada acesa é o desenho em relevo que acompanha o texto: “De vez em
quando, no meio da noite, a bruxa perde o sono”. Não foi identificada nenhuma vez, porém foi
confundida com uma flor, uma mão (“tem dedinhos e é redondo no meio”, diz K., 08 anos),
um sol e uma vela acesa. Estas duas últimas imagens podem ter sido lembradas por serem
também imagens esquemáticas que se costuma representar com raios, para simbolizar fonte de
luminosidade.

Fig. 47 - Livro 1, relevo - p. 17.

Página 18: O desenho da cobra foi identificado por três (03) entrevistados, embora o texto não
faça alusão a este animal, através da palavra “cobra”. Duas páginas adiante: “Os bichos vão
chegando, / devagarinho,/ pra deitar no colo, pra escutar. (...)” O relevo foi confundido
algumas vezes por “montanha” e “escada”, talvez pela semelhança formal da linha que sobe e
desce.
78

Fig. 48 - Livro 1, relevo - p. 18.

Página 19: O relevo do tamanduá não foi identificado nenhuma vez. Entre os entrevistados
que desenham, dois sugeriram que poderia ser “um cavalo”, “um bicho”, e duas pessoas
identificaram como “montanha” (o rabo) e como “uma pessoa” (pelas pernas).

Fig. 49 - Livro 1, relevo - p. 19.

Página 20: O desenho em relevo de um violão foi identificado três (03) vezes – por pessoas
que tocam violão; talvez pelo reforço do texto, que fala em “viola” e por lembrarem do objeto
que lhes é familiar.

Fig. 50 - Livro 1, relevo - p. 20.

Página 23: Três (03) pessoas identificaram os corações – mesmo o texto não trazendo a
palavra coração ou corações. Estas pessoas desenham.
79

Fig. 51 - Livro 1, relevo - p. 21.

Página 24: O ponto de interrogação não foi identificado. O coração foi identificado por quatro
(04) pessoas, três delas são as mesmas que identificaram os da página anterior.

Fig. 52 - Livro 1, relevo - p. 22.

Página 27: Três (03) pessoas identificaram as flores. L., dez anos, lembrou das flores que
aprendeu a desenhar com avó, mas teve dúvidas com relação ao laço, uma representação para
ela ainda desconhecida.

Fig. 53 - Livro 1, relevo - p. 23.

Página 30: A ampulheta não foi identificada por nenhum dos entrevistados.
80

Fig. 54 - Livro 1, relevo - p. 24.

Índice de Verificação da Leitura Tátil das Imagens - Livro 1

Livro: A Bruxa mais Velha do Mundo


Número de entrevistados: 13 Idades: de 08 a 16 anos
Local: Blumenau, Brusque, Curitiba, Florianópolis e Itajaí Período: 05/2008 a 03/2009

leitura do
relevo

pág 03: borboleta pág 05: sol pág 06: casa escada montanha nuvem
lê de 01 01
imediato
com 01
dificuldade
não lê 13 11 13 13 12 13
Quadro 4 - Livro 1, páginas 3, 5 e 6.

p. 7: bola p.8: barco água p.9: dominó p.10: lua estrela p.11: estrelas
03 01 04 02 04

01
10 13 13 12 09 10 09
Quadro 5 - Livro 1, páginas 7, 8, 9, 10 e 11.
81

p.13: coruja p.15: penico p.17: lâmpada p.18: cobra p.19: tamanduá
03 03

13 10 13 10 13
Quadro 6 - Livro 1, páginas 15, 17, 18 e 19.

p.20: violão
p.23: corações p. 24: inter. coração p.27: flores p.30: ampulheta
03 03 04 03

10 10 13 09 10 13
Quadro 7 - Livro 1, páginas 20, 23, 24, 27 e 30.

Percebeu-se neste livro o cuidado na concepção da maioria das imagens em relevo.


Estas não extrapolam as dimensões e conservam do princípio ao fim, um tamanho que pode ser
abarcado com a palma da mão. As linhas de contorno são completas e as distâncias entre
pontos geralmente são regulares. Algumas representações são difíceis para identificar sem um
mediador, ou sem a ajuda do texto. A complexidade na resolução tátil de algumas figuras e o
excesso de linhas internas, como nos desenhos da borboleta, do tamanduá, da coruja e da
ampulheta, por exemplo, comprometem a identificação das imagens.
A autora Elizete Lisboa, atualmente cega (sofreu perda gradual de visão por retinose),
aprendeu Braille aos nove anos de idade e atualmente é professora de português, além de
escrever para crianças. Sobre os livros com ilustrações em relevo, comenta:

Bem ao contrário do que muita gente pensa, cegueira, de modo algum, significa
escuridão. O mundo de quem não enxerga é povoado de imagens. Essas imagens
vão se formando através de múltiplos caminhos. Ora são as impressões táteis, no
contato direto com o objeto. Outras vezes são as informações, abstrações que vão se
processando e se acumulando. Mas essas imagens também se formam
82

simplesmente a partir da capacidade inventiva que há em cada ser humano. Até o


ano passado, por exemplo, eu nunca tinha visto um tamanduá. A imagem desse
animal pra mim era apenas uma língua fininha, comprida, sem corpo. Diante desses
fatos, é preciso salientar que é comum a pessoa cega precisar de ajuda para
entender uma ilustração em relevo. Por outro lado, há de se considerar que o relevo
não é suficiente para que um desenho possa ser identificado com as mãos. De modo
nenhum, basta criar relevo nos contornos de uma figura. As perspectivas são grande
barreira, às vezes barreiras intransponíveis, sobretudo para quem nunca enxergou.
Mas o fato é que a eventual necessidade de ajuda para identificar um desenho, por
si só, não retira o prazer de ver desenho com as mãos. Ver desenhos assim pode
representar divertimento e também mais uma forma de enriquecimento do universo
de quem não enxerga. Por isso, o livro de literatura infantil que tem como
destinatário (ou que tem entre seus destinatários) o deficiente visual, deve conter
sim ilustrações, pelo menos algumas, em relevo. Eu nunca pude esquecer o rato e o
papagaio que estavam desenhados no primeiro livro que li, em Braille. (LISBOA,
2007)

Para o ilustrador, José Carlos Aragão, foi a primeira experiência em ilustração, tanto
com “livro inclusivo”, quanto com texto de outro autor. Por correio eletrônico foram feitas a
ele várias perguntas, em forma de entrevista (Apêndice A), onde relata brevemente como foi
este processo. Tirando proveito da dificuldade na diagramação do relevo (frente e verso) das
páginas, o ilustrador complementa algumas vezes uma ilustração tátil em uma face do papel,
com ilustrações visuais na outra face. Como a borboleta em alto relevo em uma página, que
aparece em baixo relevo no céu da página seguinte. “Ou uma montanha em tinta de uma
página coincide com uma montanha em relevo da outra. Esse jogo, obviamente, só é percebido
pelo leitor com visão normal, mas como possibilidade gráfica ou de comunicação, não poderia
ser desprezado pelo ilustrador”, argumenta Aragão.
83

6 LIVRO 2 - UM MUNDINHO PARA TODOS

Fig. 55 - Livro 2, capa.

Escrito e ilustrado por Ingrid Biesemeyer Bellinghausen, “Um Mundinho para Todos”
é da Editora Difusão Cultural do Livro – DCL (2006).

6.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS

O livro possui 24 páginas, em papel couché fosco, formato quadrado (30,0 cm x 30,0
cm), com indicação de leitura para a faixa etária entre 2 e 5 anos de idade e um projeto gráfico
direcionado também para crianças de baixa visão. Traz imagens muito coloridas em tinta e
ilustrações em relevo, acompanhando o texto em Braille. As cores, predominantemente
primárias e aplicadas quase sempre a 100%, ocupam as páginas inteiras. Em conversa por
meio eletrônico (Apêndice B), a autora e ilustradora conta sobre sua experiência: “Fiquei
muito feliz com este projeto, feliz só de imaginar que todas as crianças poderiam lê-lo, cada
uma do seu jeito...”.

Fig. 56 - Livro 2, p. 03.


84

Fig. 57 - Livro 2, p. 04.

Fig. 58 - Livro 2, p. 05.

O texto, quase narrativo, fala sobre as diferenças entre as pessoas e o desejo de um


“mundinho” ideal. As ilustrações, feitas de recortes e colagens com papéis coloridos,
raramente possuem linhas de contorno. As figuras são em cores primárias ou secundárias,
quase sempre puras, sem gradação de tons, volume ou profundidade e com pouco movimento.

Fig. 59 - Livro 2, p. 06.

Fig. 60 - Livro 2, p. 07
85

Fig. 61 - Livro 2, p. 08.

Fig. 62 - Livro 2, p. 09.

A maioria das imagens é grande e com poucos detalhes, o que facilita a leitura para
crianças com baixa visão.

Fig. 63 - Livro 2, p. 10.

Fig. 64 - Livro 2, p. 11.

Quase todas as imagens estão em posição frontal. As ilustrações de uma página não
possuem correlação, em termos de continuidade de leitura, com imagens da página seguinte.
86

Fig. 65 - Livro 2, p. 12

Fig. 66 - Livro 2, p. 13

Fig. 67 - Livro 2, p. 14

Fig. 68 - Livro 2, p. 15

Fig. 69 - Livro 2, p. 16
87

Fig. 70 - Livro 2, p. 17

Fig. 71 - Livro 2, p. 18

Fig. 72 - Livro 2, p. 19

Fig. 73 - Livro 2, p. 20

Fig. 74 - Livro 2, p. 21
88

6.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS

Folha de rosto: O relevo desta página está no círculo, na boca e nos dois olhos (figuras ovais
preenchidas com pontinhos) e foi facilmente identificada por cinco (05) dos entrevistados. A
forma do círculo foi reconhecida por todos os entrevistados, mesmo pelos que não
reconheceram a boca e os olhos.

Fig. 75 - Livro 2, relevo - fl. de rosto

Página 03: Os relevos nos contornos da carinha, árvores, olhos e boca provocaram
ambigüidade no reconhecimento da forma. As árvores foram reconhecidas duas vezes – não
havia certeza nem de se tratar de um rosto, nem deste “rosto ter árvores”. Algumas vezes os
entrevistados questionaram se seriam orelhas. Os olhos e a boca foram reconhecidos por três
(03) pessoas, independentemente de o contorno circular, o que validava a hipótese de ser um
rosto. As gaivotas só foram identificadas uma vez. Novamente aqui, as pessoas com
experiência em desenho tiveram mais facilidade para a identificação.

Fig. 76 - Livro 2, relevo - p. 03

Página 6: Os relevos das flores da página 06 foram reconhecidos duas vezes. O fato de
ficarem no topo da página fazia com que fossem confundidos com nuvens ou estrelas com um
ponto dentro. As figuras de laranja e maçã foram reconhecidas como “fruta” por uma pessoa.
As duas folhas da laranja, quase simétricas, foram identificadas como “dois olhos com o nariz
no meio” (L.G., 15 anos). As árvores foram identificadas por três (03) pessoas.
89

Fig. 77 - Livro 2, relevo - p. 06

Página 07: Nesta página as nuvens foram identificadas duas (02) vezes, os pássaros três vezes,
o sol cinco (05) vezes e os peixes uma vez, por um dos entrevistados que desenham. A linha
representando a água foi identificada como “linha”.

Fig. 78 - Livro 2, relevo - p. 07

Página 09: As figuras esquemáticas de bonecos, na página a seguir, foram identificadas por
cinqüenta por cento das pessoas, aproximadamente. O fato de terem as linhas dos braços
erguidas confundiu com asas de anjo para um dos entrevistados. Este esquema se repete por
algumas páginas, alterando-se apenas as dimensões, proporções e o detalhe das pernas (que
aqui não aparecem em relevo) em alguns desenhos. Neste caso, acredita-se que o fator
repetição tenha colaborado para o índice de acertos nos desenhos posteriores.

Fig. 79 - Livro 2, relevo - p. 09

Página 11: Na ilustração a seguir, o relevo aparece apenas no boneco à esquerda, inclusive
com o desenho das pernas. Nesta página houve um acerto a mais, seis (06) pessoas
identificaram a figura; um indivíduo que havia ficado em dúvida na página anterior,
identificou o desenho em relevo.
90

Fig. 80 - Livro 2, relevo - p. 11

Página 12: O relevo da página a seguir está apenas na figura do sol, rapidamente identificada
por cinco (05) dos entrevistados. Um dos entrevistados teve dúvidas, inicialmente sugerindo
que poderia ser “uma estrela... mas, tão grande?!” (L.G., 14 anos). Dos oito (08) indivíduos
que não identificaram, dois (03) têm oito anos de idade.

Fig. 81 - Livro 2, relevo - p. 12

Página 14: Nesta página o relevo aparece na figura humana e no cão. A figura, mesmo
estando de perfil, foi identificada por cinco (05) pessoas. O cachorro foi identificado por
“bicho”, por dois (02) dos entrevistados e um terceiro associou o desenho com uma “pessoa
com quatro pés”.

Fig. 82 - Livro 2, relevo - p. 14


91

Página 16: O boneco ajoelhado foi identificado prontamente por três (03) pessoas. O fato de
estar nesta posição dificultou a leitura tátil, deixando dúvidas. Uma das pessoas identificou
como “uma pessoa com sapatos de palhaço”, que seriam sapatos compridos, indo dos joelhos
até os pés.

Fig. 83 - Livro 2, relevo - p. 16

Página 18: As duas figuras da página 18 foram apenas duas (02) vezes identificadas como
bonecos – mas a parte inferior não foi relacionada com cadeira de rodas. Um dos entrevistados
sugeriu que seriam “duas bailarinas fazendo círculos”.

Fig. 84 - Livro 2, relevo - p. 18

Página 20: Nesta página os bonecos foram identificados com facilidade por seis (06) pessoas.
O relevo aparece apenas nos dois bonecos em primeiro plano.

Fig. 85 - Livro 2, relevo - p. 20


92

Página 21: O relevo aparece apenas nos círculos, que foram identificados por dez (10) dos
entrevistados.

Fig. 86 - Livro 2, relevo - p. 21

Índice de Verificação da Leitura Tátil das Imagens - Livro 2

Número de entrevistados: 13 Idade:entre 08 e 16 anos


Local: Blumenau, Brusque, Curitiba, Florianópolis e Itajaí. Data: 05/2008 a 03/2009

leitura
do relevo

carinha p3: árvores cara pássaro p. 6: flores laranja maçã árvores


lê de 05 02 03 01 02 01 03
imediato
com 08
dificuldade
não lê 11 10 12 11 12 10
Quadro 8 - Livro 2, rosto, páginas 03 e 06.

p.7: nuvens pássaros sol peixes água p 09: bonecos 1 e 2 pág 11: boneco
02 03 05 01 06 06
01

11 10 08 11 12 07 07
Quadro 9 - Livro 2, páginas 07, 09 e 11.
93

p.12: sol p.14: boneco cachorro p.16: boneco rezando


05 05 02 03

01

08 08 10

Quadro 10 - Livro 2, páginas 12, 14 e 16.

p.18: cadeirante 1 e 2 p.20: boneco 1 e 2 p.21: círculos


02 06

11 07 03
Quadro 11 - Livro 2, páginas 18, 20 e 21.

O relevo das ilustrações e as próprias imagens em tinta de “Um Mundinho Para Todos”
são essencialmente baseados em linhas (retas e curvas) e formas geométricas (quadrados,
círculos, triângulos, trapézios). Estas configurações, a princípio, também fazem parte do
repertório gráfico daquelas crianças que têm recebido estimulações para o desenho, o que nos
leva a supor que este tenha sido o elemento facilitador.
Não há uma relação direta entre o texto e as imagens, nem interdependência; a maioria
dos entrevistados não quis (ou não sentiu necessidade de) recorrer ao texto na primeira leitura.
Pode-se concluir que os relevos seriam identificáveis mesmo sem o suporte do texto. Embora a
leitura de algumas imagens não seja tão clara e imediata, há pouca ambigüidade, muita
redundância e repetição de formas. Para o aspecto seqüencial de leitura tátil, talvez este seja
um fator positivo, se levarmos em conta suas relações com a memória motora – pelo menos
enquanto dura a leitura do livro, a repetição da forma reforça a sua fixação.
94

Como o livro se propõe a abranger um público maior, inclusive os de baixa visão, seu
projeto gráfico provavelmente pode se considerar bem sucedido, com um texto em fonte sem
serifas, corpo grande, cores puras e formas limpas.
Em entrevista (Apêndice B) e conversa por meio eletrônico, a autora e ilustradora
explicou que a definição das imagens em relevo foi feita com a participação de cegos, da
mesma instituição responsável pela impressão do Braille25.

25
Fundação Dorina Nowill.
95

7 LIVRO 3 - UM PRESENTE MUITO ESPECIAL

Com texto de Patrícia Engel Secco e ilustrações visuais de Edu A. Engel, o livro não
traz ficha catalográfica, nem vínculo oficial com uma editora.

Fig. 87 - Livro 3, capa

7.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS

“Um Presente Muito Especial” foi produzido em papel reciclado, reforçando a


mensagem ecológica que o texto pretende passar. Tem formato quase quadrado (21 cm x 21,5
cm), com texto longo e poucas ilustrações, tanto em tinta quanto táteis. É um conto de Natal,
onde Papai Noel se vê às voltas com o pedido de uma criança, difícil de atender – salvar o
planeta da destruição. As ilustrações em aquarela (que parecem trazer um pouco da textura
também do lápis de cor) são apenas nove, para trinta e seis páginas.
Optou-se por transcrever o texto, devido a sua extensão, intercalando com as
ilustrações em tinta e as respectivas observações a respeito, na seqüência deste.

Fig. 88 - Livro 3, fl. rosto


96

- Vejamos, uma bicicleta, um patinete, um carrinho de autorama, um vide-game, uma boneca,


um cavalinho de madeira pintado de azul com bolinhas amarelas, um ursinho de pelúcia, uma bola
de futebol, outra bicicleta, mais uma bola de futebol, uma casinha de bonecas... Hoh, hoh, hoh,
como essas crianças gostam de ganhar presentes!- disse Papai Noel enquanto comia um delicioso
biscoito de aveia acompanhado de leite quentinho.
- E o senhor por algum acaso conhece alguém que não gosta de ganhar brinquedos no Natal? –
perguntou o duende amarelo, enquanto organizava com muito carinho a lista de pedidos das
crianças.
- É mesmo! – exclamou o duende azul. –Não conheço uma única criança que não goste de
ganhar brinquedos, principalmente no Natal. Muito pelo contrário, isso sim! A cada ano que passa,
mais aumenta a quantidade de brinquedos que precisamos fazer... Olhem só o tamanho da lista que
o Papai Noel está segurando... é gigante!
- Gigante, você está brincando, não é? Essa lista é colossalmente enorme! – disse o duende
verde. – Em todos os meus anos trabalhando aqui com o Papai Noel na fábrica de brinquedos,
nunca vi uma lista tão grande!
- Nem eu! – disse o Papai Noel, distraidamente. – E, vejam só, a lista continua: um capacete,
uma caixa de lápis de cor, um bambolê...Hoh,hoh, há muito tempo ninguém me pedia um
bambolê...Vejamos aqui: um escorregador, um carrinho vermelho, a salvação do planeta, uma
boneca bebê que faz xixi, um dinossauro, um...Oh! Vocês ouviram o que esta criança, o Tiago,
pediu? Acho que temos um probleminha à vista, duendes!
- Como assim, Papai Noel? O que o senhor quer dizer com isso? – perguntou o duende
vermelho.
- Que o alerta vermelho pode ser disparado a qualquer instante! – disse o bom velhinho, muito,
muito preocupado. – Vocês bem sabem que se alguma criança pede um presente impossível, algo
que nós não possamos atender, ou que esteja fora de nosso alcance, o Natal pode desaparecer!
- Ora, Papai Noel, não se preocupe... Eu já fiz muitos bambolês e ainda me lembro muito bem
da receita mágica e... – tentou dizer o duende azul, mas foi interrompido pelo duende amarelo, que
continuou:
- Não seja bobo, você bem sabe que o Papai Noel não está falando de fazer bambolês...

Fig. 89 - Livro 3, p. 07

Fig. 90 - Livro 3, p. 08
97

As imagens não estão distribuídas e intercaladas entre o texto de forma regular, de modo
que tanto podemos encontrar três páginas de texto entre duas ilustrações, quanto até seis
páginas de texto, sem imagens.

- Não estou mesmo, não, não! – completou o bom velhinho. – Estou me referindo ao outro
pedido...
- Ah! Então, já sei, a boneca que faz xixi de verdade! Não, esse pedido não é nada, nada
impossível! – disse o duende amarelo. – Eu mesmo já fiz muitas bonecas como essa.
- Mas eu também não estou falando da boneca! – disse o Papai Noel com uma voz muito
chateada. – Bem sei que fazer brinquedos nunca foi nem nunca será um problema para essa minha
equipe fantástica de duendes... Só que neste ano uma criança, o Tiago, decidiu não pedir
brinquedos. E, em vez de sonhar com um jogo especial ou uma bicicleta, me pediu para salvar o
planeta!
- Salvar a Terra? – perguntou o duende azul. – E desde quando o mundo precisa de salvação?
Essas crianças... Assistem a muita televisão e depois ficam tendo idéias estranhas!
- Ora bolas, o que será que o Tiago está pensando? – perguntou o duende amarelo. – Que
existem marcianos soltos pelo espaço querendo destruir o planeta?
- Não! – respondeu o duende verde, que até então havia ficado quieto. – Tenho certeza de que
ele sabe muito bem que os extraterrestres não querem invadir a Terra!
- Ah, bom! – suspirou aliviado o duende vermelho.
- Isso mesmo! E os extraterrestres não querem invadir e destruir o nosso planeta e não vão fazer
isso, então não precisamos nos preocupar... - disse animado o duende azul. Porém, ao colocar os
olhos no rosto tristonho do Papai Noel, ele refletiu e acrescentou: - Ou precisamos?
- Nós precisamos, sim, nos preocupar – respondeu o duende verde. – E como eu já disse em
outras vezes, não é com os marcianos, é com os humanos!
Papai Noel, percebendo que a conversa estava ficando séria, resolveu deixar de lado a lista de
presentes que ele e os duendes ainda não tinham conseguido acabar de ler e disse:
- Venham até aqui, amiguinhos! Vamos trocar algumas idéias sobre esse assunto, e, quem sabe,
vocês não me ajudam a encontrar uma solução. Preciso entregar um belo presente para o Tiago,
pois, se ele não ficar satisfeito e achar que seu pedido não foi atendido, que desejou algo
impossível, perderemos a máfia do Natal...
Os duendes sentaram-se em voltas da poltrona dourada do Papai Noel esperando que ele
dissesse alguma coisa, mas foi justamente o duende verde quem falou primeiro:
- Muito sábia a criança que fez esse pedido, muito sábio o Tiago. Ele só tem nove anos, mas
sabe que o nosso planeta, o mais lindo e mais maravilhoso do universo, está sofrendo muito. Ele
percebeu que o ser humano, o homem, não está cuidando da natureza como deveria. Afinal, ela é o
nosso mais precioso tesouro.
- Como é que é? – perguntou o duende vermelho sem entender muito bem a explicação do
amigo verde.

Fig. 91 - Livro 3, p. 15

O ilustrador trabalha com desenhos que ocupam toda a página, utilizando-se de luz e
sombra, volumes e profundidade, embora quase todas as cenas sejam em primeiro plano. A
98

maioria das ilustrações cumpre predominantemente a função descritiva, trazendo elementos do


texto verbal para o visual.

Fig. 92 - Livro 3, p. 16

- Bem – começou o Papai Noel, tomando as rédeas da conversa-, o que acontece pé que para se
desenvolver o homem esqueceu um pouco os cuidados com a natureza. E os resultados têm sido
realmente muito tristes. Eu sei bem disso, pois cada vez que sobrevôo com meu trenó uma grande
cidade, um vilarejo ou até mesmo um pequeno povoado, vejo árvores caídas, lixo espalhado e rios
poluídos... Até as florestas, que tanto já ofereceram ao homem, estão sendo destruídas... E cada
vez que uma árvore é derrubada, centenas de animaizinhos perdem seus lares, outros tantos sua
fonte de alimento – disse ele tristemente. Depois, soltando um longo suspiro, olhou devagar para
todos os duendes e falou:
- Eu bem sei que a mãe natureza, tão forte, amiga e corajosa, está muito aborrecida com a
situação! Venho pensando há algum tempo em como ajudar, como fazer com que o homem
compreenda que ele também faz parte da natureza e que a Terra é a sua casa, seu único e
verdadeiro lar. Só que eu ainda não descobri como...
- Mas, Papai Noel,porque o senhor simplesmente não usa sua poderosa mágica natalina para
fazer as árvores nascerem de novo, ou para fazer com que as águas sujas dos rios fiquem limpas
novamente? – perguntou o duende vermelho.
madeira azul com bolinhas amarelas, o escorregador e a casinha de bonecas com madeira extraída
de áreas de manejo, ou seja, retirada de lugares onde a árvore que pode ser transformada em casas,
brinquedos ou móveis é escolhida com todo cuidado, fabricaremos os pneus das bicicletas com
borracha das seringueiras, assim como a sola d - Isso mesmo, Papai Noel! – exclamou o duende
azul. – Se o senhor se concentrar bem, tenho certeza de que consegue... Assim, fica tudo lindo,
limpo, e a criança que pediu de presente a salvação do planeta, o Tiago, vai ficar muito, muito
contente...
- Ele se considerará presenteado e o espírito do Natal não desaparecerá! – concluiu o duende
amarelo.
Papai Noel coçou a barba branca, pegou mais um biscoito de aveia, tomou um longo gole de leite,
olhou bem sério para os duendes e disse:
- Pode ser que o Tiago fique satisfeito, sim, se eu limpar as águas dos rios ou se eu fizer com que
as árvores brotem em meio a áreas devastadas... Também posso tirar o lixo das ruas e dos parques,
sem nem mesmo precisar usar uma mágica muito poderosa, mas será que o mundo estaria sendo
realmente salvo com isso?
Os duendes azul, vermelho e amarelo se entreolharam, deram um grande suspiro de alívio e
gritaram:
- Claro! Se o senhor puder limpar o mundo com mágica natalina, o planeta terra, com certeza,
será salvo!!!
Mas o duende verde, que não estava nem um pouco satisfeito com o que ouvia, disse em alto e
bom tom:
- Eu acho que usar mágica não vai ajudar em nada... O Papai Noel pode limpar o planeta, mas de
que adianta isso se no dia seguinte os homens vão começar a sujar tudo novamente, a jogar esgoto
nos rios e a derrubar as árvores das florestas... Hum... Acho que nós devemos é contar para todas as
crianças que o nosso planeta precisa de cuidados especiais, de muito carinho, de preservação!
99

Papai Noel, então, sentou o duende verde em seu joelho, segurou a sua mão pequenina, olhou
bem para os seus olhinhos muito pretos e disse:
- Você tem toda razão, amiguinho. E o melhor de tudo é que você acabou de nos mostrar o
caminho!
- Como assim, Papai Noel? – perguntou o duende verde. – O que foi mesmo que eu mostrei?
- Você mostrou que a conscientização é a solução para o nosso problema – respondeu Papai Noel.
– E, pensando bem, eu sempre quis presentear a humanidade com algo realmente especial... Se
ensinarmos às crianças a cuidar das pessoas e do planeta, preservando a natureza, protegendo as
florestas com suas árvores, animais e rios, estaremos dando a elas o melhor presente que já existiu!
Dessa vez todos os duendes gritaram de alegria e, depois de dançar, pular e até dar cambalhotas
de felicidade, resolveram perguntar para o Papai Noel qual a fórmula secreta para fabricar
conscientização.
- Bem... - disse pensativo o bom velhinho. – Eu não conheço nenhuma fórmula para
conscientização... E também não sei como embrulhar esse presente! Aliás, vocês têm alguma idéia,
duendes?
- Eu tenho, eu tenho! – exclamou o duende vermelho. – Nós podemos entregar o presente que
cada criança pediu e, no mesmo pacote, enviamos um pouquinho de conscientização... O que vocês
acham?
- Eu acho que você não entendeu que isso é impossível! – exclamou o duende azul. – Como
podemos enviar uma coisa que não sabemos nem ao menos fabricar?
- Pois é... – disse pensativo Papai Noel. – Mas eu acho que a idéia do duende vermelho foi bem
boa! Podemos enviar, sim, conscientização em forma de presente, mas vamos precisar repensar as
nossas fórmulas de fabricação de brinquedos!
- Como assim? – perguntou o duende amarelo. – Acho que eu não entendi bem... Mudar as
fórmulas dos brinquedos?
- Isso mesmo! A partir de agora, só usaremos material da floresta! O que vocês acham?
- Ah, bem! Agora quem não entendeu fui eu! – disse o duende verde. – Se nós estamos tentando
distribuir conscientização, como é que o senhor sugere usar o material das florestas para fabricar
brinquedos? Dessa forma nós vamos derrubar mais árvores e causar mais destruição...
- Não, nós não vamos causar mais destruição! – exclamou Papai Noel. – Nós vamos, sim, utilizar
de maneira responsável os produtos que vêm da floresta e, assim, chamar a atenção para sua
preservação! Querem um exemplo? Fabricaremos aquele cavalinho de madeira azul com bolinhas
amarelas, o escorregador e a casinha de bonecas com madeira extraída de áreas de manejo, ou seja,
retirada de lugares onde a árvore que pode ser transformada em casas, brinquedos ou móveis é
escolhida com todo cuidado; fabricaremos

Fig. 93 - Livro 3, p. 29

Fig. 94 - Livro 3, p. 30
100

O texto em tinta em letras grandes, constitui-se de uma tipologia básica, sem serifas,
sobre páginas coloridas em tom pastel. O formato quadrado das páginas complementa a
predominância de estaticidade nas cenas em close, primeiro plano e ausência de movimento na
narrativa visual.

os pneus das bicicletas com borracha das seringueiras, assim como a sola dos tênis que as crianças
pediram...
- Ah! E nós podemos também utilizar brinquedos usados na fabricação de brinquedos novos... -
disse o duende verde. – Isso se chama reciclar, e eu até já aprendi a fórmula dessa transformação:
bicicleta velha vira patinete novo, bola furada vira boneca nova, e assim por diante! Vai ser
divertido!
- É mesmo! E nós ainda podemos colocar, em cada um dos presentes, um cartãozinho dizendo:
“Ajude a salvar o planeta. Faça como Papai Noel, preserve a floresta” – falou o duende vermelho.
- Boa idéia! Boa idéia! – disse feliz o Papai Noel.
Daquele dia em diante, as coisas mudaram muito lá na fábrica mágica: os duendes se
especializaram em fazer coisas com material reciclado e transformavam brinquedos esquecidos em
brinquedos novos, maravilhosos. Em cada um deles, o Papai Noel fazia questão de usar algum
produto da floresta, sempre extraído com carinho e muito cuidado, de maneira a preservar essas
áreas tão especiais, e escrevia, pessoalmente, um a um, os cartõezinhos de Natal, colocando neles a
frase:

Fig. 95 - Livro 3, p. 33

Fig. 96 - Livro 3, p. 34

Nem é preciso dizer que aquele Natal foi muito, muito especial. Todas as crianças receberam os
presentes e, ao lerem os cartões, em seu coração brotou uma semente única que logo se transformou
em uma enorme floresta encantada. Uma floresta tão magnífica e cheia de energia que, quando Papai
Noel convidou o menino Tiago para dar uma volta em seu trenó pelos céus do planeta na noite de
Natal, ambos puderam ver lá do alto que a Terra estava totalmente envolvida pela luz da
conscientização.
101

Fig. 97 - Livro 3, p. 36

Fig. 98 - Livro 3, contracapa

7.2 IILUSTRAÇÕES TÁTEIS

Capa: A ilustração em relevo da capa aparece apenas em seis formas de bengala, três de cada
lado da ilustração em tinta, que não foram identificadas.

Fig. 99 - Livro 3, relevo - capa.

Página 07: O relevo que aparece na forma retangular da tela do computador, com a palavra
“alerta” (escrito também em Braille) foi identificado por todos como “quadro” e “placa”. Além
da tela do computador, o relevo está no contorno da xícara e em um desenho representando
uma folha de papel (carta para o Papai Noel), que não foram identificados.
102

Fig. 100 - Livro 3, relevo - p. 07

Página 15: O relevo nesta ilustração acompanha todo o contorno do desenho e não foi
identificado. Alguns traços verticais em relevo, nas dobras do lençol, foram reconhecidos
como “chuva” e “pingos d’água”, por T. (12 anos).

Fig. 101 - Livro 3, relevo - p. 15

Página 29: O relevo acompanha todo o contorno do desenho, na página 29, e não foi
identificado nenhuma vez.

Fig. 102 - Livro 3, relevo - p. 29

Página 33: A forma retangular foi identificada por sete (07) pessoas, como “retângulo”,
“placa” e “quadro”.
103

Fig. 103 - Livro 3, relevo - p. 33

Página 36: Nesta página o relevo aparece em três corações (que não aparecem em tinta) e
foram identificados por três (03) pessoas.

Fig. 104 - Livro 3, relevo - p. 36

Contracapa interna: Duas pessoas identificaram os relevos do desenho da contracapa interna


como “meias”, depois de lerem o texto.

Fig. 105 - Livro 3, relevo - contracapa


104

Índice de Verificação da Leitura Tátil das Imagens - Livro 3

Número de entrevistados: 13 Idade:entre 08 e 16 anos


Local: Blumenau, Brusque, Curitiba, Florianópolis e Itajaí Data: 05/2008 e 03/2009

leitura
do relevo

capa: bengalas p.7: papel caneca computador p.15: menino lápis papel travesseiro
lê de
imediato
com 13
dificuldade
não lê 13 13 13 13 13 13 13

Quadro 12 - Livro 3, páginas 07 e 15.

p.29:cavalinho pau p.33: quadro p.36: corações c.capa int.: meias


07 03 02

13 06 10 11
Quadro 13 - Livro 3, páginas 29, 33, 36 e contracapa.

Neste livro, percebe-se que toda a subjetividade das imagens concebidas para a
visualidade e todas as suas complexas especificidades foram mantidas na transcrição para o
relevo. Figuras, por exemplo, com detalhes em perspectiva ou formas abertas tornaram
impossível a identificação, mesmo para aqueles indivíduos habituados ao desenho.
Encontramos poucas representações esquemáticas e o índice de legibilidade foi muito baixo.
105

8 LIVRO 4 - FIRIRIM FINFIM

De Elizete Lisboa, com ilustrações de Ana Raquel, Firirim Finfim é um livro da Editora
Paulinas (2007).

Fig. 106 - Livro 4, capa

Fig. 107 - Livro 4, fl. de rosto.

8.1 ILUSTRAÇÕES VISUAIS

Em papel couché fosco e formato retangular (21,0 cm x 26,0 cm), a diagramação


delimitou os espaços do texto em tinta (ao pé das páginas) e do texto em Braille (no topo),
fazendo com que a leitura de um não interferisse na leitura do outro. O texto está igualmente
bem distribuído entre as páginas, sem perder o ritmo na leitura. As ilustrações de Ana Raquel
brincam com o real e o imaginário, misturando desenho, pintura e computação gráfica; a
ilustradora aplica pontinhos desenhados no lugar do contorno, dando movimento às figuras.
Isto faz com que cada página pareça um bordado, onde o relevo aplicado às imagens ora é real,
106

ora ilusório. Todas as páginas são ilustradas e todas as ilustrações ocupam páginas duplas,
criando assim maior dinâmica e profundidade no formato horizontal.

Fig. 108 - Livro 4, p. 04 e 05

Fig. 109 - Livro 4, p. 06 e 07

Fig. 110 - Livro 4, p. 08 e 09

Fig. 111 - Livro 4, p. 10 e 11


107

Fig. 112 - Livro 4, p. 12 e 13

Fig. 113 - Livro 4, p. 14 e 15

Fig. 114 - Livro 4, p. 16 e 17

Fig. 115 - Livro 4, p. 18 e 19

Fig. 116 - Livro 4, p. 20 e21


108

Fig. 117 - Livro 4, p. 22 e 23

Fig. 118 - Livro 4, p. 24 e 25

Fig. 119 - Livro 4, p. 26 e 27

Fig. 120 - Livro 4, p. 28 e 29


109

Fig. 121 - Livro 4, p. 30e 31

8.2 ILUSTRAÇÕES TÁTEIS

Página 04: Na página 04, a única imagem em relevo identificada foi a do sol, por duas (02)
pessoas. Os olhos e a boca do sol “personificado” confundiram um pouco a sua leitura.
Ninguém identificou a nuvem (sem contorno definido e com muitas linhas em espiral), nem as
borboletas – onde, para cada figura foi utilizado um desenho diferente de relevo.

Fig. 122 - Livro 4, relevo - p. 04

Página 05: O relevo da nuvem, em forma de espirais abertos não foi identificado por ninguém
e a árvore, que traz relevo apenas no contorno, foi identificada por quatro pessoas.

Fig. 123 - Livro 4, relevo - p. 05


110

Página 07: A borboleta não foi identificada nenhuma vez, a montanha foi identificada por
duas (02) pessoas e as três árvores em forma de palmeira, com uma só linha representando o
tronco, não foram identificadas.

Fig. 124 - Livro 4, relevo - p. 07

Página 09: A nuvem na página abaixo foi identificada por duas (02) pessoas, com bastante
dificuldade e somente ao relacionar com a proximidade do sol, pois o desenho não possui
contorno definido e possui muitos pontos internos. O sol, em desenho esquemático, foi
identificado por quatro (04) pessoas (a boca e os olhos não aparecem no relevo). A flor e o
pássaro não foram identificados nenhuma vez.

Fig. 125 - Livro 4, relevo - p. 09

Página 11: O relevo no desenho abaixo está apenas na linha do chão e nas árvores, também
em formato de palmeira e em tamanho reduzido, que não foram identificadas por nenhum dos
entrevistados.
111

Fig. 126 - Livro 4, relevo - p. 11

Página 13: O relevo destas duas árvores acompanha o desenho que foi feito em tinta e foi
reconhecido por duas pessoas.

Fig. 127 - Livro 4, relevo - p. 13

Página 15: Os relevos na borboleta e na garça não foram identificados nesta página. A linha
do chão foi reconhecida por duas pessoas como montanha.

Fig. 128 - Livro 4, relevo - p. 15

Página 17: Nenhuma das figuras em relevo (macaco, nuvens, linha do chão e árvores) foram
identificadas nesta página.
112

Fig. 129 - Livro 4, relevo - p. 17

Página 19: Na página abaixo, a nuvem em relevos em espiral foi reconhecida com dificuldade
por duas (02) pessoas e a linha do chão por apenas uma pessoa. A linha (aberta) do lago não
foi identificada.

Fig. 130 - Livro 4, relevo - p. 19

Página 21: O relevo na figura do macaco e da nuvem não foi identificado. Três (03)
entrevistados identificaram o relevo nas estrelas e duas reconheceram o desenho da lua em
relevo.

Fig. 131 - Livro 4, relevo - p. 21

Página 23: Nesta página, a onça foi identificada (como um “gato”) por uma (01) pessoa. A
árvore foi identificada por uma pessoa facilmente, e com dificuldade por outra.
113

Fig. 132 - Livro 4, relevo - p. 23

Página 25: O lobo foi identificado como animal (rato e rinoceronte) por duas (02) pessoas. A
árvore não foi identificada.

Fig. 133 - Livro 4, relevo - p. 25

Página 27: Aqui o relevo nas imagens do tucano e da tartaruga não foi identificado por
nenhum dos entrevistados.

Fig. 134 - Livro 4, relevo - p. 27

Página 29: A nuvem foi identificada três (03) vezes e o sol quatro (04) vezes.
114

Fig. 135 - Livro 4, relevo - p. 29

Página 31: A nuvem foi identificada duas (02) vezes e todas as outras figuras em relevo desta
página (montanha, árvore, borboleta e nota musical) não foram identificadas nenhuma vez.

Fig. 136 - Livro 4, relevo - p. 31

Índice de Verificação da Leitura Tátil das Imagens - Livro 4

Número de entrevistados: 13 Idade:entre 08 e 16 anos


Local:Blumenau, Brusque, Curitiba, Florianópolis e Itajaí Data: 05/2008 e 03/2009

leitura
do relevo

p.4: sol nuvem borboleta 1 borboleta 2 borboleta 3


lê de imediato 02

com
dificuldade
não lê 11 13 13 13 13

Quadro 14 - Livro 4, página 04.


115

p.5: nuvem árvore p.7: borboleta montanha árvore 1 árvore 2 árvore 3


04 02

13 09 13 11 13 13 13
Quadro 15 - Livro 4, páginas 05 e 07.

p.9: nuvem sol flor pássaro p.11: árvores p.13: árvore 1 árvore 2
04 02 02

02

11 09 13 13 13 11 11
Quadro 16 - Livro 4, páginas 09, 11 e 13.

p.15: borboleta chão garça p.17: macaco árvore 1 árvore 2 árvore 3

02

13 11 13 13 13 13 13
Quadro 17 - Livro 4, páginas 15 e 17.
116

p.19: nuvem chão garça lago p.21: macaco nuvem estrela meia-lua
03 02

02 01

13 13 13 13 10 11
Quadro 18 - Livro 4, páginas 19 e 21.

p.23: onça árvore p.25: lobo árvore p.27: tucano tartaruga


01

01 01 02

12 11 11 13 13 13
Quadro 19 - Livro 4, páginas 23, 25 e 27.

p.29: nuvem sol p.31: nuvem borboleta nota musical árvores montanha
03 04 02

10 09 11 13 13 13 13
Quadro 20 - Livro 4, páginas 29 e 30.

A resolução dos relevos neste livro não manteve um padrão; ora a mesma figura é
representada de uma forma, ora de outra. Supõe-se que, ao representar a mesma coisa de várias
maneiras diferentes, a interpretação fique comprometida tatilmente se não houver mediação. A
117

árvore aparece em várias formas e tamanhos diferentes, do início ao fim do livro. Porém, há
uma repetição de formas abertas, contornos de figuras que não se fecham, incompletos. Assim
como na imagem em tinta, no relevo também aparecem formas rebuscadas, muito irregulares e
complexas. Entendemos que isto pode acarretar em grande dificuldade de identificação, por
demandar maior memória de trabalho. São desenhos em relevo com códigos de representação
em excesso, hipoteticamente difíceis de serem decodificados, mostrando-se sem significado
para as pessoas cegas participantes da investigação.
118

CONSIDERAÇÕES FINAIS - UMA CONVERSA RELEVANTE

Esta pesquisa teve como propósito a análise da legibilidade e reconhecimento tátil das
ilustrações em relevo de quatro obras de literatura infantil, direcionadas a crianças cegas. Se
estas imagens são funcionais, e que alcance possuem estas publicações como instrumentos de
inclusão, foram as principais averiguações propostas. A qualidade literária das obras
analisadas e as eventuais habilidades dos entrevistados não se constituíram foco deste estudo;
embora tenha emergido durante o percurso, em sentido mais amplo, a presença de uma relação
direta entre o reconhecimento de imagens táteis e a prática do desenho por crianças cegas,
com todas as suas implicações.
Os chamados “livros inclusivos” têm surgido como uma tentativa de suprir a carência
nos meios de produção cultural de obras direcionadas ao público invisual e minimizar as
distâncias entre aqueles que “podem” e os que “não podem” ver. É inegável que o discurso
pela inclusão26, com todas as suas complexidades, necessita de maior reflexão e
aprofundamento por parte da sociedade de modo geral e, mais especificamente, por parte dos
educadores. Sabemos que implantar ações, em nome de um mero e formal cumprimento de leis
ou decretos, pode resultar simplesmente em um número a mais (ou a menos) nos dados
estatísticos. Quantificar, aumentar o índice de indivíduos com alguma defasagem sensorial,
mental ou física, freqüentando escolas regulares não é o bastante, enquanto não houver um
olhar para a qualidade dessa escola e da formação desses professores, em todos os níveis.
Embora seja pertinente às indagações que movem esta pesquisa, esta é uma outra discussão,
que merece espaço e aprofundamento próprios. Parece oportuno observar, no entanto, se o que
queremos é que o cego se adapte às condições da visualidade ou que a sociedade se esforce
para se adaptar às diferenças, adequando conteúdos de nossa cultura visual para uma real
acessibilidade destas pessoas. Não raras vezes estas duas intenções se confundem, sem que
percebamos, tão condicionados estamos à visualidade.
Se não podemos pensar em inclusão escolar sem pensar em qualidade de ensino, como
pensar na concepção de materiais para serem utilizados por pessoas com algum tipo de
26
Conforme a determina a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), é fundamental que a escola seja espaço de todos e
para todos, acolhendo “crianças com deficiências e crianças bem dotadas, crianças que vivem nas ruas e que trabalham,
crianças de populações distantes ou nômades, crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros
grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas [...]”.
119

defasagem sensorial, sem levar em conta como se processam os outros sentidos, na ausência de
um deles? Como conceber um “livro inclusivo” sem pensar em imagens táteis que de fato
possam ser identificadas pelas crianças cegas? Quais são os fatores implicados, os elementos
facilitadores para que o reconhecimento tátil destas imagens realmente se processe?
O recurso da ilustração em relevo nos livros infantis ainda é novidade, não só entre as
crianças e adolescentes cegos, como para seus familiares, professores e para quem lida com
eles no dia-a-dia. Logo, a primeira reação da maioria dos entrevistados, compartilhada
inclusive pelas pessoas de seu convívio, foi de que as ilustrações em relevo pareciam
insignificantes, sem propósito. Ou seja, embora a maioria demonstrasse curiosidade, para eles
“tanto faz” ter ou não ilustrações em relevo acompanhando o texto em Braille em um livro
infantil. Uma reação natural, já que nem sempre somos receptivos àquilo que pouco
conhecemos ou que demandará algum esforço extra de nossa parte até assimilarmos. O
desenvolvimento da pesquisa mostrou, porém, não se tratar apenas de simples resistência a
algo novo ou desconhecido e sim de uma questão muito mais complexa e ainda plena de
interrogações.
Percebeu-se que a simples transcrição para o relevo de uma imagem originalmente
concebida para a percepção visual, sem adaptá-la à realidade perceptiva tátil, apenas corrobora
a imposição de códigos visuais a quem a eles não tem acesso, em nome de uma inclusão, que,
de fato, acaba se tornando ineficaz.
A impressão do Braille e do relevo interpontado é uma das últimas etapas na
impressão do livro inclusivo. A inviabilidade de se utilizar o mesmo espaço em frente/verso,
com a impressão dos pontos, e os cuidados no manuseio para que estes não percam a
legibilidade, são algumas limitações que fazem com que o processo de impressão necessite de
maior atenção, tornando-o mais oneroso do que uma publicação comum. Isto faz com que seja
necessário um projeto gráfico adequado, para que o relevo de uma página não interfira nas
imagens do verso, tanto em tinta quanto táteis. Em outras técnicas de produção de relevo,
como a termoformagem27 e o relevo feito em papel microcapsulado28, o desenho resulta em
linha contínua. Experimentalmente, durante a pesquisa, lançou-se a pergunta a alguns
entrevistados sobre a diferença de sensação tátil ou o grau de dificuldade no reconhecimento
das formas entre o relevo interpontado e a linha contínua. O relevo interpontado, para a

27
Sobre material plástico, muito utilizado na impressão de mapas para o ensino de geografia para invisuais.

28
As microcápsulas de álcool em sua superfície, ao serem expostas ao calor agem sobre a tinta preta (impressa
ou desenhada) formando a textura do relevo.
120

maioria dos indivíduos, pareceu ter o melhor nível de legibilidade. Considera-se importante
salientar que esta resposta, hipoteticamente, pode estar relacionada à familiaridade que todos já
têm com os pontos do código Braille29; questão que, eventualmente poderá ser retomada em
estudos posteriores.
Por outro lado, se nos livros infantis para crianças videntes a ilustração pode auxiliar na
compreensão do texto, no caso das ilustrações em relevo para crianças cegas, muitas vezes
observou-se o inverso: o próprio texto em Braille ajudando a identificar a imagem. Percebeu-
se que pode ser divertido, fazendo com que a leitura se torne lúdica, prazerosa, como em um
jogo de associações, contanto que as formas alcancem algum nível de legibilidade tátil e a
“brincadeira” não se transforme em frustração. Se para nós, habituados à visualidade, um
código tátil pode ser incompreensível, como será a leitura de um código visual, para alguém
que nunca enxergou?
Como a escrita Braille ocupa mais espaço do que o texto em tinta, em alguns casos este
fator provoca uma defasagem entre a leitura do Braille e da imagem em relevo, fazendo com
que a palavra que poderia reforçar a identificação de determinado desenho em relevo, só
apareça na página seguinte. O projeto gráfico para esta espécie de publicação requer, portanto,
atenção especial neste sentido, para que as duas escritas e as duas formas de apresentação das
imagens possam estar integradas, sem que percam a legibilidade nem se priorize uma em
detrimento de outra. Conhecer o código Braille, neste caso, pode ser de grande utilidade para o
designer ou ilustrador que organizará a diagramação das páginas.
Claro que não se pode desconsiderar ainda a importância da mediação – sabe-se que é
fundamental o papel do mediador, para que qualquer criança se sinta estimulada e incorpore o
hábito da leitura desde cedo. É inegável que, para uma criança impossibilitada de enxergar,
esta necessidade encontra-se potencializada em muitas atividades. A leitura do Braille, por ser
codificada, com o tempo acaba se automatizando, dispensando a necessidade de mediação.
Porém, os estudos existentes sobre o reconhecimento tátil das imagens ainda são muito
recentes e escassos, para que se possa afirmar haver possibilidade de que a leitura de códigos
tátil-visuais também possa ser automatizada. De qualquer modo, a questão que surge requer
uma acurada observação comparativa entre estas duas leituras, a do Braille como um código, e
a das imagens em relevo, concebidas geralmente de modo aleatório.
É importante salientar, contudo, que as observações recorrentes dos entrevistados sobre
o reconhecimento tátil estão invariavelmente relacionadas à forma das imagens. Ou seja, além

29
Ver capítulo 3 (3.3, p. 55)
121

do relevo, a legibilidade tátil de uma imagem está principalmente relacionada à configuração


da forma.
As respostas coletadas pela pesquisa de campo reiteram esta afirmação, demonstrando
que pode haver expressiva facilitação para a leitura tátil quando:

- a linha de contorno é bem definida, completa;

Fig. 137 - Contorno


(Livro 1)

- a forma é esquemática;

Fig. 138 - Esquema


(Livro 2)

Fig. 139 - Esquema


(Livro 1)
122

Fig. 140 - Esquema


(Livro 1)

- existe a repetição da forma (ao longo da leitura);

Fig. 141 - Repetição


(Livro 2)

Fig. 142 - Repetição


(Livro 2)

- a forma é simplificada, limpa, sem detalhes;

Fig. 143 - Forma simplificada


(Livro 1)

Além disso, o melhor índice de legibilidade foi observado nas seguintes ilustrações:
123

Na ilustração abaixo (Fig. 144) as linhas que marcam as diferenças entre as cores dos
círculos foram grafadas em relevo. Este desenho foi identificado facilmente por dez (10) dos
treze (13) indivíduos. Os três (03) participantes que não reconheceram a configuração em
círculos já são adolescentes, utilizam pouco o Braille e têm o computador como principal
instrumento de apoio para as atividades escolares. Um deles lembra de ter tido contato com
livros com texturas em relevo e desenhos quando criança, mas reconhece que “o uso do
computador ajudou a esquecer muitas coisas, inclusive a leitura do Braille” (M., 15 anos).

Fig. 144 - Círculos


(Livro 2)

O boneco, ou figura humana esquemática foi identificado seis (06) vezes, o sol
esquemático e o esquema de rosto foram identificados facilmente por cinco (05) participantes
da investigação. Estas ilustrações (Fig.145, 146 e 147) pertencem ao mesmo livro (Livro 2),
onde foi observado o uso do recurso do esquema em várias imagens e da repetição da forma,
ao longo da leitura. Além de as imagens terem sido concebidas com a participação de
indivíduos cegos, as formas e cores utilizadas facilitam a leitura para crianças e adolescentes
de baixa visão.

Fig. 145 - Esquema figura humana


(Livro 2)
124

Fig. 146 - Esquema sol


(Livro 2)

Fig. 147 - Esquema rosto


(Livro 2)

Por outro lado, foi observado que a presença de alguns atributos podem provocar
“ruído” na identificação, dificultando ou até impossibilitando o seu reconhecimento. Nenhum
dos participantes da investigação identificou as ilustrações apresentadas abaixo. As razões para
este fato são sugeridas:
- forma muito grande (não cabe na mão);

Fig. 148 - Muito grande


(Livro 2)
- linha de contorno incompleta;

Fig. 149 - Contorno incompleto


(Livro 4)
125

- forma complexa, com muitos detalhes;

Fig. 150 - Complexa


(Livro3)

Fig. 151 - Complexa


(Livro 1)

- forma em perspectiva

Fig. 152 - Perspectiva


(Livro 3)
126

- linha de relevo em contorno irregular, com variações de espaços entre os pontos;

Fig. 153 - Contorno irregular


(Livro 4)

Fig. 154 - Contorno Irregular


(Livro 4)

Outro fator observado que se considera extremamente relevante, foi que, para aquelas
crianças e adolescentes cegos entrevistados que têm algum contato com a atividade do
desenho, o reconhecimento tátil das ilustrações efetivamente foi facilitado. Contudo, para os
que não praticam ou nunca tiveram a oportunidade de experimentar o desenho como atividade
motora, gestual ou representação gráfica, as ilustrações identificadas foram em número
bastante reduzido, às vezes até inexistente. Estas constatações trazem consigo algumas
questões:
Que espécie de forma teria um nível de reconhecimento tátil capaz de minimizar a
necessidade de mediação e em quais circunstâncias ela poderia ocorrer?
Qual é a relação existente entre o reconhecimento tátil de uma forma representada
bidimensionalmente em relevo e o ato de desenhar?
Por que o desenhar pode constituir-se em elemento facilitador para o reconhecimento
tátil, e, principalmente, que função poderia ocupar no desenvolvimento cognitivo da criança
cega?
127

No início da pesquisa de campo, L. (10 anos, cega por glaucoma congênito), ao fazer o
movimento com o dedo para reconhecer tatilmente estas ilustrações (Fig.155 e 156):

Fig. 155 - Esquema flor


(Livro 1)

Fig. 156 - Esquema flor


(Livro 2)

...lembrou da flor que aprendera a fazer com a avó (Fig. 157):

Fig. 157 - Desenho flor


(L., 10 anos)

Percebeu-se que, ao desenhar a sua flor, ela repete o mesmo movimento que fizera para
o reconhecimento tátil da ilustração, tendo o miolo como ponto de partida. O desenho
aprendido com a avó, e que talvez ela tenha memorizado por meio da repetição do movimento
128

(memória motora), tornou-se de alguma maneira não só uma referência para a representação
gráfica da “flor”, como fez com que tivesse acesso ao reconhecimento tátil do relevo na
ilustração. Ainda que nunca tenha visto nem o desenho, nem uma flor real, L. teve acesso a um
código de representação considerado visual que, se ampliado, poderia significar para ela uma
considerável apropriação em termos cognitivos.
Em síntese, de acordo com este estudo, foram detectados dois elementos básicos
facilitadores para a legibilidade tátil das ilustrações em relevo: a esquematização da forma e a
experiência com desenho. É necessário, no entanto, que se aprofundem as pesquisas sobre a
configuração da forma para a percepção tátil, tanto para o reconhecimento, quanto para a sua
representação gráfica.
Conforme resultados obtidos pela pesquisadora Susanna Millar (1991), citado no
Capítulo 3 (3.3), para formas geométricas como o círculo, o triângulo, o quadrado e a cruz, o
reconhecimento tátil por crianças e adolescentes cegos foi de 100%, 91%, 83% e 45%,
respectivamente. Tais resultados demonstram que formas geométricas simples e planas
possuem maior legibilidade tátil, do que representações tridimensionais ou em perspectiva,
como também apontam as respostas desta pesquisa. Usar estas formas como símbolos para a
representação gráfica de formas e espaços tridimensionais, portanto, pode ser a resposta para
um reconhecimento tátil eficaz. Reiterando esta afirmação, Millar propõe ainda o ensino do
desenho para crianças cegas, como indicam igualmente os estudos de Duarte (2003, 2004-a,
2004-b e 2009), relatados no mesmo capítulo.
Parece acertado pontuar que o ensino do desenho, através de configurações simples
(esquemas), assume um papel fundamental no que se refere ao reconhecimento de imagens
tátil-visuais. Neste sentido, portanto, se o que se busca é efetivamente a inclusão da criança
cega no ensino regular, o ensino do desenho pode representar uma importante conquista no
âmbito do seu desenvolvimento cognitivo. Além disso, o contato com o desenho e as
ilustrações em relevo nos livros infantis pode permitir que esta criança se aproprie de maneira
lúdica e prazerosa de códigos de representação das coisas do mundo, que apesar de fazerem
parte de um contexto dominado pela visualidade, sempre estarão presentes em seu cotidiano.
129

REFERÊNCIAS

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da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual – uma psicologia da visão criadora.


Tradução: Ivonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1980.

________________. El Pensamiento Visual. Tradução: Rubén Masera. Buenos Ayres:


Universitaria, 1971.

BANYAI, Istyan. Zoom. São Paulo: Brinque-Book, 1997.

BARBIERI, Lydia C. Marques. Painel de Patologias Oculares e suas Implicações


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BATISTA, Cecília Guarnieri. Formação de Conceitos em Crianças Cegas: Questões


Teóricas e Implicações Educacionais. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa. Campinas, SP:
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CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Tradução: Fernanda Lopes de Almeida.
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135

ANEXO

Anexo A - Entrevista com o ilustrador José Carlos Aragão30.

M – Qual relevância tem para você, quando ilustra um livro, estabelecer um diálogo
texto&imagem? Como acontece? É um processo fluído ou “dá trabalho”?
JCA - Não tenho muita experiência prática e específica em ilustração de livros infantis,
embora, como escritor, cartunista e artista plástico, eu me sinta bastante familiarizado com as
duas formas de linguagem – verbal e visual. Em princípio, não gosto de ilustrar textos escritos
por mim mesmo. Além do temor de me tornar redundante – o desenho apenas repetir o que eu
já disse com palavras – prefiro que um outro ilustrador reinterprete visualmente o texto,
agregando a ele novas possibilidades de leitura. Pelo mesmo motivo, prefiro ilustrar textos de
outros autores, o que me permite desenvolver interpretações e leituras inéditas, que eu talvez
não conseguisse fazer de meus próprios textos. Fora isso, é um processo que dá algum
trabalho, mais por limitações editoriais, recursos orçamentários, processos gráficos, que pelo
trabalho em si – sempre prazeroso.
M. - Como foi para você, ilustrar um texto destinado também a pessoas que não vêem?
JCA - Foi um desafio tentador lidar com um certo hibridismo visual que, ao mesmo
tempo, buscava comunicar-se com dois públicos tão distintos, senão opostos.
M - Foi sua primeira experiência em ilustração?
JCA - Sim. Antes, só havia ilustrado um livro (Badulaques e traquitanas – alguma
poesia e outras brincadeiras com palavras, Paulinas, 2005), de minha própria autoria. Por sua
especificidade – poesia visual para crianças – alguns poemas foram concebidos já em sua
forma visual e gráfica, não fazendo sentido, dessa forma, que outra pessoa os ilustrasse.
M - Além de integrar visualmente o desenho aos elementos de relevo, qual foi sua
participação na escolha das imagens que seriam transcritas em relevo?
JCA - Seguindo indicações da própria autora – que é cega – sobre algumas limitações
de percepção de formas gráficas em relevo pelo leitor com deficiência visual, tive total
autonomia na proposição de quais imagens usaria e de como as representaria.

30
José Carlos Aragão é ilustrador do livro “A Bruxa Mais Velha do Mundo”. Esta entrevista foi realizada no dia
27/04/2008, às 22h24min, por meio eletrônico (internet).
136

M - Se houve participação nestas escolhas, que elementos (ou fatores) você levou em
conta?
JCA - Foram vários fatores, incluindo a simplificação no desenho de algumas formas,
redução de detalhamento de figuras e eliminação da volumetria e da perspectiva na
representação de objetos, seres e paisagens.
M - Houve alguma preocupação, neste caso, em estabelecer um diálogo texto (Braille)
e imagem (relevo)?
JCA - Não necessariamente. Como num livro convencional, a ilustração é mais rica e
interessante quando não é apenas uma representação literal do que está escrito, mas amplia as
referências e os horizontes, sugere novas possibilidades de leitura e interpretação e estimula a
imaginação do leitor. Assim, quando possível, não me prendi tão fielmente ao texto, nem
priorizei qualquer sincronismo entre imagem e narrativa. Por exemplo: quando o texto diz que
“a bruxa perde o sono”, desenhei uma lâmpada acesa – o que permite ao leitor (nesse caso,
cego ou não) fazer uma associação metonímica entre texto e imagem, ou entre duas narrativas
simultâneas.
M - Existem várias limitações técnicas na produção de um livro com imagens em
relevo, uma delas é a dificuldade (ou impossibilidade?) de se ter relevo frente&verso. Este
fator influenciou na concepção das imagens a tinta (visual)?
JCA - O texto em Braille pode ser impresso nas duas faces do papel (interpontado), o
que nem sempre é possível com os desenhos em relevo. Procurei, então, tirar proveito dessa
dificuldade, articulando, algumas vezes, ilustrações em relevo em uma face do papel com
outras ilustrações a tinta, na outra face. Uma borboleta em alto relevo numa página é vista em
baixo relevo sobre o céu de uma paisagem na página seguinte. Ou uma montanha em tinta de
uma página coincide com uma montanha em relevo da outra. Esse jogo, obviamente, só é
percebido pelo leitor com visão normal, mas como possibilidade gráfica ou de comunicação,
não poderia ser desprezado pelo ilustrador.
M - Como você percebe esta questão das duas linguagens (relevo e visual) presentes
simultaneamente no livro infantil? Você acha que esta ação (a publicação de livros com as
duas linguagens) colabora para as questões de inclusão?
JCA - Acho que a simultaneidade das duas linguagens corresponde melhor às propostas
de inclusão, tão valorizadas atualmente, pois além de atender às necessidades de quem tem
plena ou nenhuma visão, também permite a fruição da obra por pessoas com baixa acuidade
visual. Mas, mais importante que isso, esse tipo de publicação – ao contrário das tradicionais
137

publicações exclusivamente em Braille – não exclui da leitura o leitor sem deficiência e que
não domina a escrita para cegos, o que normalmente cria um tipo de exclusão inversa.
M - Você já teve a oportunidade de presenciar alguma criança cega “lendo” as
imagens em relevo deste livro? De algum outro?
JCA - Vi, recentemente, num vídeo produzido pela Elizete, dois irmãos – um menino
cego e uma menina com visão normal – lendo, juntos, um livro da própria Elizete com a dupla
escrita. Fiquei muito impressionado em ver como, apesar de diferenças tão evidentes, os dois
pareciam pessoas tão iguais – um retrato claro do que deve ser a autêntica inclusão.
138

Anexo B – Entrevista com Ingrid Biesemeyer Bellinghausen31.

M - Qual relevância tem para você, quando ilustra um livro, estabelecer um diálogo
texto&imagem? Como acontece? É um processo fluído ou "dá trabalho"?
IBB - Acho importante manter este diálogo, é preciso “entrar” na estória, no texto,
imaginar personagens, ambientes, e se envolver p/ criar. É um processo fluido na proporção
deste envolvimento.
M - Como foi para você, escrever/ilustrar um texto destinado também a pessoas que
não vêem?
IBB - Não alterou meu processo de criação. Apenas nas ilustras procurei ser cuidadosa
em manter contrastes com cores, pensando em crianças com baixa visão. Fiquei muito feliz
com este projeto, feliz só de imaginar que todas as crianças poderiam lê-lo, cada uma do seu
jeito...
M - Foi sua primeira experiência?
IBB - Sim.
M - Além de integrar visualmente o desenho aos elementos de relevo, qual foi sua
participação na escolha das imagens que seriam transcritas em relevo?
IBB - Não participei neste processo.
M - Se houve participação nestas escolhas, que elementos (ou fatores) você levou em
conta?
M - Houve alguma preocupação, neste caso, em estabelecer um diálogo texto
(Braille) e imagem (relevo)?
M - Existem várias limitações técnicas na produção de um livro com imagens em
relevo, uma delas é a dificuldade (ou impossibilidade?) de se ter relevo frente&verso. Este
fator influenciou na concepção das imagens a tinta (visual)?
I - Não.
M - Como você percebe esta questão das duas linguagens (relevo e visual) presentes
simultaneamente no livro infantil?
IBB - Fico na dúvida quanto à síntese da imagem nos relevos, pois na tinta nada se
perde... Mas vale ressaltar a importância da impressão também com o Braille/relevo para as

31
Ingrid Bellinghausenn é autora e ilustradora do livro “Um Mundinho para Todos”. Esta entrevista foi realizada
no dia 12/08/2008, às 19h20min, por meio eletrônico (internet).
139

crianças de visão normal, que, entrando em contato c/ o livro, tomam conhecimento de outras
questões.
M - Você acha que esta ação (a publicação de livros com as duas linguagens)
colabora para as questões de inclusão?
IBB - Sim, muito.
M - Você já teve a oportunidade de presenciar alguma criança cega "lendo" as
imagens em relevo deste livro? De algum outro?
IBB - Sim.
Não.

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