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111!!!!" adltoras
TEORIA E FILOSOFIA DA HISTÓRIA
Contrib uições para o ensino de Históri a
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Inclui bibliografias .
ISBN 978-85-6592 1-12-1
CDD-901
W.A. EDITORES
Rua Rodrig ues Alves, 189 - Fone (4 1) 33 43-5139 - Curitiba - PR
www.waeditores.com.br
37
Temp o e verda de. Não raro afirma-se que a verda de é uma fugaz convi c-
ção , dep end ente das circunstâncias efêmeras do tempo , de um tempo que
escap a por entre os dedos . Mais do que por entre os dedos, um ten1po que se
esvai no emara nhado dos interesses pessoais e coletivos que constroem o es-
paço social da cultur a histórica.
Brand e-se, como solução para sair do que se sente como um impas se,
uma altern ativa: ou bem se afirma a integralidade mono lítica de uma verda
-
de dada e direta mente acessível ao espírito aberto, ou bem se decla ra que
a
verda de é uma ilusão vã, inútil de ser buscada. Entre o dogm atism o e o ceti-
cismo perde -se o homem, perde -se sua racionalidade.
O que nos diz a história a esse propósito? Duas const ataçõ es se impõe m:
de un1a parte, a memó ria acumulada da cultura histórica evide ncia que
a
busca da verda de ( e a correspondente pretensão de a alcançar, ou de a ter
alcan çado) é uma constante na organização social do saber. Uma co nst ante
antrop ológic a, por conseguinte, à maneira como a concebe Jorn Rü sc n. ~ De
outra parte, a produ ção de conhe cimen to confiável sobre o passad o, const i-
tutivo da afirm ação cultural das sociedades, depende - rn zo~vc lm ent e - da
aceitação dessa premissa.
Em homenag em aos setenta anos de Jorn Rüsen (Alemanh a), celebrados em 2008,
1 um dos mais importantes mestres-
·I t·a e da teoria da História co ntemporâneas, cuJa longa amizade me honra.
pensado res da fI oso 1 • . . , .
- ,- - · · B as·,I·,a· Editora da UnB 2001 . (1eorla da Histori a 1: Fundame . . • ••
2 Cf. Razao 11s1ortca . · r . , ntos da C1ênc1a H1stonca) .
JS f:'s te1 •r1n ( ·. rlC' lfr c.1·1ulc Mar tin.\
:, Para uma visão sugestiva dos lemas hoje abordados, cf. Johannes Rohbeck/Herta Nagl-Docekal (eds.). Geschichtsphi·
losopllie und Kulturkritik. Historische und systematische Studien. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschatt, 2003
7;.0/'lll ,· /·'i /os u /i.i r/11 //is
t, íriu 39
in ab a lúvcl. An to ni o Vieir
a, em sua Hi stó ria cio Pu
tw ·u ( 171 8) j á re gi str av
c.-:ssa dura re al id ad e da co a
nd iç ão hu m an a:
"Q ue m qu ise r ve r cl ar am
en te a fa lsi da de da s hi stó
m an as, le ia a m es m a hi stó r ias hu -
ria po r di fe re nt es es cr ito
co m o se en co nt ra m se co re s, e ve rá
nt ra di ze m e se im pl ic am
'
su ce ss o , se nd o in fa lív no m es m o
el qu e um só po de di ze r
a ve rd ad e e ce rto
qu e ne nh um a di z" .4
Co m ef e ito, a ve rd ad e da
co isa e a ve rd ad e do di to
in aç ão de Vi eir a, de qu e sã o di sti nt as . A af ir-
so m en te um po de in fa liv
pr es su põ e um a te or ia on el m en te di ze r a ve rd ad e,
to ló gi ca da ve rd ad e, co m
Co nv ém , en tã o, re cu pe ra a qu al nã o se lid ar á aq ui
r os trê s pl an os em qu e a .
pa ra o co nt ex to de um a qu es tã o da ve rd ad e se põ e
te or ia da Hi stó ria . Se m re
n1an id ad e de sd e os te m po in ve nt ar a hi stó ria da hu -
s im em or iai s. Re m e1 no re
te , em qu e co ns ist em o -se , as sim , su m ar ia m en
pl an o da co isa em si, o -
pl an o da co isa dita. pl an o da co isa pe ns ad a, o
O qu e é a co isa em si?
Ob vi am en te o di sc ur so
si tu a- se no s do is ou tro s qu e fa le da co is a em si
pl an os . Pa ra a hi stó ria , a
pa ss ad o, do te m po qu e se co isa em si é o ev en to
es va iu , de qu e so m en te re do
e o te ste m un ho re gi str ad sta a m em ór ia (p en sa da
o (a m em ór ia dita). O ev )
re fe re aq ui no sin gu la r, en to do pa ss ad o, a qu e se
nã o ne ce ss ar ia m en te di z
to sim pl es (o u tri vi al ), re sp ei to a um ac on te ci m
qu e m er am en te re gi str as en -
Pa lm ar es ex is tiu". Po de se al go co m o "Z m nb i
tra tar -se (e no m ais da s ve do s
m en to co m pl ex o, ao co ze s é o ca so ) de ac on te ci -
ns ig na r qu e "Z um bi do s
qu ilo m bo in su rre ci on al Pa hn ar es fo i o líd er de
op os to ao re gi m e es cr av um
O qu e se qu er di ze r, en tã ist a no Br as il co lo ni al ".
o, co m a re fe rê nc ia à co isa
pr at ic ad a co m o ci ên ci a, em si? Pa ra a hi stó ria
a "c oi sa em si" co rre sp on
m iti ga do de qu e os at os de ao pr es su po sto re al ist
ra ci on ai s hu m an os pa ss a
de um a ou de ou tra fo rm ad os re al m en te oc or re ra m ,
a, e qu e nã o fa z se nt id o co
se pu de ss e fa ze r tá bu a ra ns id er ar a hi pó te se de qu
sa de to do ac on te ci m en to e
m iti ga do na m ed id a em pa ss ad o. Es se re al ism o é
qu e la nç a m ão da trí pl ic
pe ns ad o e di to . D ei xa e di sti nç ão en tre o en , si,
O -s e de la do , po i__s, ~om~ o
nã o im po ss iv el ), a te se de de m on str aç ão _dífic í l_ (se
da co rre sp on de nc ia ng or
os a en tre oc or rid o, visto
,
~ Cf. Francisco Calazans Falcon. "Historicismo: antigas e novas questões", em História Revista (Goiània), vol 7 (200Z)
23-54.
-,
Tu1rt11 i. ' Vi lo.\()/i11 d11 l/1.11,í 11u 41
10
Ob. cit., p. 23 1.
11
J. Ortega YGasset. c< Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo» (Medi/aciones dei Ouijote.
1914).
Te ol' ia (' f.'i {osofi a du /1 /s /(Í r, ,1 45
çàn ), é necessár io que sej a plaus ível. Essa pla usibi lidatk é esta be lecida se e
so ment e se o di sc urso puder ser controlad o mdoc.Ji carncntc J e acordo com
os pad rões de qualidad e vi gentes na comunid ade c ientífi ca qu e o prod uz, e
aceitos pe la soc iedad e a que se diri ge. Três conjunto s de con di ções devem
ser sat is fe itos para a construçã o da plausibil idade discurs iva :
11 e1
, por exemplo a coletân · · • s Riode
Janeiro: Editora da FGV: _ ea organizada por Jurandir Malerba: A in dependência brasileira: novas d1mensoe ·
2006
Teoria e Filosojh, da Histário
47
da, no entanto, senso comum com ing~nuidadc. A cc.:Ílé.1 -sc, por con seguinte,
como certa obv icdadc qu e todo tex to re mete a a lgo fora d~le. Pode ace1iar
ou não . Deve-se, pois, disti nguir entre o que o texto di z (mai s ou menos
com pletamente) e aqui lo a que se refere . Essa distin ção é de tipo corri q uciro .
Se mpre que se recorre a um texto, a intenção primária do leitor é a <l c o
entender. No caso da historiografia, busca-se entender a fonte narrativa na
sua qualidade elucidadora do estado de coisas a que se refere.
N esse sentido , o texto transcende sua condiçã.o de "coisa" enquan to arte-
fato literário e tem reconhecida sua di mensão de instrumento cognitivo do
mundo. Torna-se, as sim, instrumento de com preensão, interpretaçã o e expli-
cação do mundo. Mesmo se essa compreensão seja fo rçosam ente parcial ou
fragm entária.
Confinar a análise historiográfica da fonte a seu caráter esti lístico ape-
nas, como se se tratasse de um fi m em si, é inadequado à função m ed iadora
que a narrativa desempenha com relação à compreensão da real idade. O his-
toriador recorre, por conseguinte, ao binômio analítico do dizer e do referir.
Todo texto diz algo enquanto artefato literário e refere o mundo. A referên-
cia da fonte narrativa não é redutível a cada sentença de que se compõe o
texto (frequentemen te obj eto da análise quando se lida com o texto como
"coisa literária") . Essa referência depende do sentido global que a fonte cons-
trói, cujo todo interpretativo é, por assim dizer, maior do que a soma das
sentenças, tomadas uma a uma.
Por certo pode-se tomar o texto como uma unidade literária isolada e
examiná-lo exclusivament e desde o ponto de vista de sua consistência e de
sua coerên cia. Parece-me que essa é, entretanto, uma condição preliminar
para a admiss ibilidade do texto en quanto referente ao mundo, ao estado de
coisas de que dá notícia. A questão da veracidade do texto repõe aqui, então,
a dupla acepção de verdade com que se vem lidando: a da estrutura interna
do texto e a qu e se aplica à sua condição de referente.
Faz pouca diferença práti ca, por conseguinte, tratar da verda de e m tese,
por defini ção ou por postulação . Ou tratá-l a como decorrente da aplicaçào
de determinada teoria que sustente a impossibi lidade de demonstra ção cnba l
da pertin ência abso luta do referente, o que to rnaria irrelevant e a ques tão.
Pragmaticamen te, registra-se que a pretensão ele ve rdad e acompanha a pre-
tensão de racionalidade e que tod a fonte (ass im com o sua inkrpretação na
arqu itetura expli ca tiva da narra i iva hi stó ri ca) é Iida e int erpretada como pos-
síve l produtora de um di scurso vera?.. Q ualqu er narrati va produzida pela
48 Estevão C. de Rezende Marii 11.1
,.k q w, li da-
ind ividu n l e soci alm ente ace itáveis medi ante contr ole e mpír ico
uma agcnd ;1
de , pode -se di zer qu e o proje to mode rno da racio nalid ad e é
abert a . A cada temp o, nova aprop r iação , nova exp lica ção.
~urto de
Essa abert ura torno u possí vel qu e, a part ir dos ano s 1970, novo
co nt rol á-
incer tezas , por princ ípio, asso lasse a co nstru ção, meto d icam ente
nova versão
ve l, de conh ecim ento co nfiável. Conv e nc iono u- se cham ar essa
tese prin-
crepu scula r da teoria do conh ecim ento de "pós- mod ernis mo' '. Sua
. Também
cipal é de cunh o cétic o e sua idola tria do discu rso de vi és arbitr ário
a histó ria não escap ou a essa epide mia.
é de se
Há, pois, teoria s de uma histo riogr afia pós-m odern a. A quest ão
O ponto
saber se existe m efetiv amen te formas pós-m odern as de histo riogr afia.
explica-
de partid a dessa s teoria s é o fim da crenç a em que seja possí vel uma
lação de
ção cient ífica coere nte de proce ssos passa dos, para usar a fonnu
do que di z
La'.vrence Stone . 15 As teoria s pós-m odern as vão, no entan to, além
é suspeita.
Stone . Elas assum em o ponto de vista de que qualq uer coerê ncia
afia é a ne-
O pensa ment o funda ment al da teoria pós-m odern a da histo riogr
Barth es e
gação da refer ência da histo riogr afia à realid ade. Assim , Rola nd
poesia, ao
Hayd en Whit e assev eram que a h istori ograf ia não se distin gue da
ponto de ser ela mesm a poéti ca.
Em seu Jvfeta hist01 y : the histo rical imag inati on in ninet eenth
-centu,y
uevill e,
Europe 16 , Hayd en Whit e recor re a quatr o histo riado res (Mic helet , Tocq
, Nietzsche
Rank e e Burc khard t) e a quatr o filóso fos da histó ria (Heg el, Marx
ífico de ver-
e Croc e) para tenta r demo nstra r que não exist e um critér io cient
ciência da
dade histó rica . Por isso não have ria difer ença subst antiv a entre
mediante a
Histó ria e filoso fia da Histó ria. Emb ora se possa obter dado s
xto signi -
análi s e filoló gica das fo ntes, sua even tual articu lação em um conte
is, e não
ficati vo é produ zida exclu sivam ente por critér ios estét icos e n1ora
por critér ios cient íficos .
como
De outra parte, na narra tiva histó rica form a e conte údo não teriam
de um núme-
ser distin guido s. Segu ndo Whit e, os histo riado res lança m mão
a form a e 0
ro limitado de recur sos retór icos, que enqu adram previ amen te
gera l' ', escn>
con te úd o da fo rm a narra tiva de apres entaç ão que redig em. "Em
reco nhec er
ve Whit e, "[ os teóric os da litera tura] most ram certa av ersão em
as narra ti vas histór icas como o que elas efeti va mente são: fi cções ling
uísti cas
[ve rbal fictions ], cujo conteúdo é tanto in ventado quant o encon trado
e cuja
form a tem mais a ver com seus corre spond entes na litera tura do que
co m os
eleme ntos das ciências" .
O ponto de vista de que toda narra tiva histó rica sej a uma inv enção
, va i
muito além tanto das considerações de um Tucídides ou de uma N
atali e Z.
Dav is 17, que reconhecem as propr iedad es do di scurs o histór ico, mas
não põem
em dúvida que tal discurso medi a o acesso às realid ades hum anas .
Tamb ém
para Rank e a histó ria era ao mesmo temp o ciência e arte, considerav
a ter-se
imergido nos pensamento s e nos sentimentos dos prota gonistas que
inves ti-
gava, ao busca r reconstruir suas ações mediante a repre senta ção guiad
a pe-
las fo ntes . Para Ranke, como para os histor iadores em geral até hoje,
a repre -
senta ção intelectual serve para chegar sempre mais perto do passa
do real.
Há, por conse guint e, uma notável diferença entre uma teoria que negu
eà
apresentaç ão histó rica qualquer possibilida de de corre spond er à realid
ade e
uma histo riogr afia plenamente consc iente da comp lexid ade do conh
ecim en-
to histó rico e que pressupõe que pessoas reais tivera m pensa ment os
e senti-
ment os reais , que condu ziram a ações reais, que pode m, por sua vez,
ser re-
conh ecida s e representa das historicam ente. Com o bem lemb rou
N icolas
Resc her 18, que não exista critério absoluto de verdade e que isso não
consti-
tua uma defic iência da Histó ria não é propr iamente uma novid ade,
mas a cir-
cunst ância concr eta do conhecimento científico, admi tida desde K
ant.
No entan to, embora Kant ou Max Weber recon heçam a impo ssibil
idade
de um critério absoluto de verdade, admitem um critério form al ou
conv en-
ciona do , enrai zado na lógica da pesquisa. Essa lógica goza de valid
ade uni-
versal entre seus pratic antes e constitui o funda ment o da ciênc ia
objet iva
aceita por eles . Esse critéri o fo rmal de verda de veio a ser fortem ente
contes-
tado por diver sos teóricos conte mpor âneos da ciência, na linha gem,
por exem -
plo, de Karl R. Popper. Para Popp er não há sequer um critério posit
ivo de
verda de, mesm o que fo rmal. Todo e qualq uer conhe cime nto produ
zido pelo
agent e racio nal é sempre conjetura l, válido enqua nto não fo r fa lsead
o pelo
apare cime nto de uma contraprov a.
'7 Ficlion ;11 the Archives: Pardon Tales and their Tellers in Sixteent h-Centu
ry Fran ce. Slanford : Stanford Unive rsity
Press, 1987.
10 cr. The Coheren ce Theory of Truth University
Press of America, 1973; Rationa /ity. Oxford Universi ty Press, 1988;
Ka nt and lhe Reach of Reason. Cambridge University Press , 1999.
52 / ,',1·/e \lrio ( · rle Rezc11de Mar1 111 s
9
' Cf. Paul Ricoeur. Le conflil des inlerpréla/ions. Essais d'herméneulique. Paris: Seuil, 1969.
1
Tt!o rw e l-'1 /o.rn/i11 dn !11 stári11
53
Adm it ida a auto nom ia abso luta do texto , perd e sent ido
qua lque r tenta ti-
va de v incu lá- lo à realidade . Com isso, com o pretend e
Ro land Ba rthc s, de-
sapa rece ria a disti nção entre verd ade e poesi a. Ma is:
desa pare cer ia qu alqu er
vínc ulo entr e auto r e texto . Para o histo riador, a pers
pect iva fi los6 fíca da
auton01n ia abso luta de uma neom ônad a textu al é sem
utili dade. O histo ria-
dor cont inua send o, hoj e em dia, um serv o da pert
inênc ia, in depe nden te-
mente de co nseguir traze r prov as caba is do arra njo
inter pret ativo em que
inse re suas fo ntes. A interpret ação histórica arbit ra,
mas não é arbi trária . A
liber dade poét ica é usad a, mas dentro dos limites das
conv ençõ es metó dica s
que auto riza m a reco nstru ção do cam inho sem depe nder
da idios sinc rasia do
autor. E mbo ra o texto não se ente nda ou expl ique sem
este . A auto ria (e sua
legitimid ade) é uma cond ição sem a qual a perti nênc ia
da narr ativa fi ca subs -
tantivam ente preju dica da. A1ni úde conf unde -se legit imaç
ão pe la auto ria ( que
se pod e tam bém cham ar de heur ístic a auto ral) com argu
men to de auto rida -
de . Auto r e auto rida de não coin cide m necessar iame
nte. Para a pert inên cia
em píric a do texto , poré m, nem todo auto r faz auto rida
de.
Por outr o lado , o cárc ere ideo lógico pode cont amin ar
de tal form a o text o
que por vezes se imp õe abst rair da auto ria para ver
se subs iste pert inên cia
emp írica . U m bom exem plo de um exer cício dest e tipo
pode ser dado com a
H istór ia da Revo luçã o Russ a (em 2 vols ., 1930 e 1932
), de Trót ski. Um ou-
tro exem plo inter essa nte é a História da Comuna de Pari
s , de P.-O . Liss aga-
ray, publ icad a em 1878.
D esde a cien tific izaç ão da histó ria no sécu lo 19 grad
ualm ente se pass ou
a não con side rar mais a narr ativa -fon te ou a meta
narr ativ a con10 ícon es
intoc áveis. Assi m com o se deix ou de mim etiza r os proc
edim ento s das ciên -
cias ditas natu rais ou exat as. E se desc obri u ser inóc
uo quer er cons truir lei s
dos acon tec imen tos histó rico s , mes mo no form ato, altam
ente prob lemático,
do mod elo Hem pel- Pop per. Jõm Rüse n, em sua teor
ia da histó ria, elab ora
uma matr iz disc iplin ar em que os elem ento s emp írico
, metó dico e esté tico se
artic ulam. E artic ulam -se, para orig inar- se, no mun do
conc reto do pens ar e
do agir hum anos e, para expr imir-se, pelo recu rso da histo
riog rafi a que re tornn
àque le mun do . 20
mana continge nte ela vida sobre a qual cabe refletir, a matriz não cxcl ui a
priori nenhuma opção teórica disponível. Submete-a, contudo, 1nui to poppc-
ria nam ente, ao teste de sua eficácia explicativa, ao passar pelo crivo do rc-
grame nto metódico da pesquisa. Se a questão que põe em andamento a pro-
cura histórica é algu1na carência existencial do sujeito, a resposta depend e
do controle metódico de qualidade que a comunidade profissional pratica e
cobra.
A ingenuidade da historiografia clássica e o caráter desabusado da auto-
nomia textual são críticas levadas muito a sério pelos historiadores para os
quais a construção de um critério de objetividade para a metanarrativa his-
toriográfica é penhor de sua racionalidade. Essa racionalidade foi não raro
criticada corno expressão de poder e de conservadoris mo, ao ser identifica-
da com as estruturas existentes nas sociedades contemporâne as. 2 1 Essa preo-
cupação de cw1l10 sociológico e político pode inspirar mais de um autor, mas
é irrelevante - em última análise - para a admissibilidad e metódica da quali-
dade da historiografia.
Para essa finalidade, a veracidade da narrativa depende da estrutura sis-
temática das fontes, da interpretação e de sua articulação no texto final. As-
sim, a linguagem desempenha papel instrumental na dimensão intencional
da narrativa historiográfica , cuja finalidade é a de descrever, analisar, inter-
pretar e explicar determinado episódio. A escolha do episódio e sua delimi-
tação, como j á se iembrou, é resultado de interação entre carência existen-
cial, opção valorativa e objetivos sociais.
Na h istória social, cultural, política, econômica, intelectual - enfiin, nas
mais diversas variações, a historiografia considera o discurso ( o texto, a nar-
rati. va), como um meio, como um sinal que aponta para outra coisa que não a
própria narrativa enquanto "coisa". Por exemplo: a história dos conceitos
políticos, tal como praticada por Quentin Skinner22 ou por J. G. A. Pocock23,
o u por Reinhardt Koselleck 24 . Koselleck inspirou e dirigiu a n1onumental
en c iclopédia Geschichtlich e Grundbegr~ffe, que tem corno subtítulo "léxico
histórico da linguagem político-social na Alemanha" [ historisches Lexikon
71
Cf. Herta Nagl-Docekal. Die Objektivitat der Geschichtswissenschaft. Viena-Munique: R. Oldenbourg, 1982.
71
"Meaning and understanding in the History of ldeas," His/ory and Theory 8 (1969), p. 3-53.
2
; Cf. Politics, Language and Time: Essays on Polilical Thoughl and History. Nova Iorque: Atheneum. 1973.
24
Cf. Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichl/icher Zeiten. Frankfurt/M, Suhrkamp, 1979 (Ed. bras. Contraponto/
PUC-Rio, 2006).
Tt 0 1·10 l' /.'i/o so/ i11 i/11 l l ist1í r ic1
55
verossim il han ça e da plausibilidade socia !men te ace itas entre cn unc iados
paiiicu lares e articulação discursiv a de contexto s, William Sewc ll Jr. 27 , ao
discutir a complexidade da 1nontagern interpretativ a que a histori ografia pro-
duz, reafirma que a narra tiva não se reduz à arquitetura lingu ística. A pro-
pósito do mundo cul tural e social dos trabalhadores que partic iparam da re-
volução de 1848 na França, Sewell len1bra que a comunicação não se restrin-
ge ao falar e ao escrever - é preciso, diz, entender as inúmeras outras fonn as
de contágio social, as ocorrências em que os protagonistas estão envol vidos
ou que provocam, as instituições, as práticas sociais, as corporações de ofi-
cio, os rituais e as cerimônias , as crenças e os mitos, os valores e as inércias
que prevalecem no respectivo ambiente social.
Conteúdo simbólico e coerência conceitua! devem ser buscados em to-
dos os tipos de experiência social, de forma que se possa identificar o flu xo
de fonn ação das mentalidades e das convicções. Muito do que se disse, a
pri ori , sobre alienações e interferências, perde sentido, para o historiador
que retraça e reconstrói o itinerário de forma ção da sociedade europeia con-
temporânea em suas sucessivas etapas. Lidar com textos não signi fi ca, pois,
elencar a produção de autores ou empilhar informações registradas no dis-
curso: a ressignifi cação, a cada vez contemporânea, do sentido de um episó-
dio (no século 19 dir-se-ia: do espírito de uma época) é uma construção in-
terpretativa a partir de fo ntes fragmentárias.
N ão resta dúvida de que o debate sobre o papel da linguagem na consti-
t ui ção materia l do discurso historiográfico é relevante. A representação de
m undo construída pela História científica do século 19 mostrou-se rapida-
mente inadequada . Desde os anos 193 0 e, sobretudo após a 2ª Guerra Mun-
dia l, a complex idade do tempo vivido e refletido evidenciou-se nos esforços
da escola dos Annales, na crítica marx ista e no estruturismo metódico18 . Muito
do que se fez na h istoriografia inspirada pela sociologia ou pela antro po lo-
gia, ou ainda p or influência das correntes 1n arxistas, adotara acríticam ente
os pressupostos h istorici stas da prevalência da política e do Estado na con-
fo rmação do discurso explicativo do sent ido da nação . Estado e ec onom ia
seriam as duas únicas reali dades que interessariam . O prime iro sustentarifl n
concepção do m und o huma no cmno fu nção da política. A segunda . a idcin
Wo rk and Revolution in France: The Language of Labor from 1/Je O/d Regime to 1848· eam bri·d9~ Unlversity Press,
7 .
"
200 5.
1980 . Ver também o recente Logics of History: Social Th eory and Social Tran sformation. University oi Chicago Press ,
28 Cf. Christopher Lloyd. As estruturas da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993
1995 (ed . orig. ).
fr ema e / 'i/0.10/ iu da Ji istór io
57
2° Cf. Konslruk/1.011 der Vergange nhe1·t. E'me E'111 führung ;11 díe Gesc híchl stheoríe. Bonn : Bohlau , 1997 (ed . org . Ams
terdã,
1987 ).
, . A N Ph ·1 sophy oi Hís lory. The Urnv
3 · ersIty
· of Chica· go Press, 1995 D A k
u Frank Anke rsm1VHans Kellner . e n ersm1·t
(eds .). d ~wll ; ~ tapho r Berkeley: Univ
ver ainda: Híslory and Tropology. Th e R1 O ersity of Califo rn ia Press, 1984.
se an a e ·
58 Hste vã o C de R eze11de Martins
Cada predicado deve ser satisfe ito, mas somente seu conj unto permite atri-
buir à narrativa a qua lifi cação de veraz.
Pode-se concl uir que a relação tempo e verdade na produção do conhec i-
mento historiográfico depende da conjunção de pelo menos sete fatores:
31
Ob. cit., p. 237.
32
Ob. cit. , p. 226.
33
Ob. cit., p. 238.
Teuno L' Filoso{tn du Jlist1íri11 59
.,, . . . p .
· Abbe de Sain t-Pierre. ro1 e1o para torr, arperp é/ua E1 paz na Ewopa (1 7 \ 3). Brasl lia: Editora da UnB, 2003; São Paulo :
IOE SP; Brasília: IPRI.