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TEORIA E FILOSOFIA DA HISTÓRIA
Contrib uições para o ensino de Históri a

Estevão C. de Rezende Martins

Copyright © W.A. Editores Ltda .

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Capa e Diagramação : Gustavo Iurk

Impressão: Gráfica Lastro


lastro@qwnet.com.br

Mart ins, Eslevão C. de Rezende.


Teori a e Filosofia da História.Contribuições para o Ensino de História /
Estevã o C. de Reze nde Martins;
Curitiba: W & A Editores , 20 17.
336 p.

Inclui bibliografias .
ISBN 978-85-6592 1-12-1

1. En sino de História 2. Filosofia da História 3. Didática da História


4. Teoria da História 1. Eslevão C. de Rezende Martins. li. Titulo

CDD-901

W.A. EDITORES
Rua Rodrig ues Alves, 189 - Fone (4 1) 33 43-5139 - Curitiba - PR
www.waeditores.com.br
37

VERITAS FILIA TEM POR IS?


O CON HEC IME NTO HISTÓRICO
E A DISTINÇÃO EN~RE FILOSOFIA
E TEO RIA DA HISTORIA1

Temp o e verda de. Não raro afirma-se que a verda de é uma fugaz convi c-
ção , dep end ente das circunstâncias efêmeras do tempo , de um tempo que
escap a por entre os dedos . Mais do que por entre os dedos, um ten1po que se
esvai no emara nhado dos interesses pessoais e coletivos que constroem o es-
paço social da cultur a histórica.
Brand e-se, como solução para sair do que se sente como um impas se,
uma altern ativa: ou bem se afirma a integralidade mono lítica de uma verda
-
de dada e direta mente acessível ao espírito aberto, ou bem se decla ra que
a
verda de é uma ilusão vã, inútil de ser buscada. Entre o dogm atism o e o ceti-
cismo perde -se o homem, perde -se sua racionalidade.
O que nos diz a história a esse propósito? Duas const ataçõ es se impõe m:
de un1a parte, a memó ria acumulada da cultura histórica evide ncia que
a
busca da verda de ( e a correspondente pretensão de a alcançar, ou de a ter
alcan çado) é uma constante na organização social do saber. Uma co nst ante
antrop ológic a, por conseguinte, à maneira como a concebe Jorn Rü sc n. ~ De
outra parte, a produ ção de conhe cimen to confiável sobre o passad o, const i-
tutivo da afirm ação cultural das sociedades, depende - rn zo~vc lm ent e - da
aceitação dessa premissa.

Em homenag em aos setenta anos de Jorn Rüsen (Alemanh a), celebrados em 2008,
1 um dos mais importantes mestres-
·I t·a e da teoria da História co ntemporâneas, cuJa longa amizade me honra.
pensado res da fI oso 1 • . . , .
- ,- - · · B as·,I·,a· Editora da UnB 2001 . (1eorla da Histori a 1: Fundame . . • ••
2 Cf. Razao 11s1ortca . · r . , ntos da C1ênc1a H1stonca) .
JS f:'s te1 •r1n ( ·. rlC' lfr c.1·1ulc Mar tin.\

A nt es de prosseguir importa deixar claras certas distinções fundamentai s


para o que segue. Essas distinções se impõem, na medida em que o termo
hisfcjria, e m português, é plurívoco. Com efeito, usa-se história para desig-
nar ( l) o processo temporal do agir racional humano como um todo, (2) a
especialidade cognitiva e epistemológica da ciência histórica, (3) os produ-
tos dessa especialidade, também chamados de historiografia. A reflexão
abrangente sobre o processo do tempo, indistintamente, sobre seu advir e
seu porvir, seu sentido e seu éscaton, é tradicionalmente objeto da filosofia
da história. ) Para os fins da reflexão que aqui se apresenta, interessa circuns-
crever o campo temático ao da teoria da história. História no sentido da ciên-
cia da História nos padrões contemporâneos de produção historiográfica .
Teoria no sentido de articular as condições de possibilidade de produzir,
mediante a investigação histórica metodicamente controlada, conhecimento
confiável. A teoria da História na acepção aqui estabelecida, por conseguin-
te, estipula as condições de produção de conhecimento histórico verossímil
e as condições de inserção desse conhecimento em um arcabouço científico
plausível e convincente. Para tanto importa definir se e como se obteria,
nesses procedimentos, conhecimento veraz.
A reflexão sobre a pretensão de verdade do conhecimento em geral e do
conhecimento histórico, em particular, necessita ser confrontada com o que
se pode chamar de otimismo gnosiológico. Esse otimismo consiste no fato
de afirmar-se que a verdade não apenas existe, como é alcançável. A tal
otimismo opõe-se o ceticismo absoluto (a verdade não existe) ou relativo
(mesmo que exista, a verdade é inalcançável) .
O senso comum lida com uma convicção otimista extremamente difundi-
da : as coisas são como elas são, no que consistiria sua verdade própria, in-
trínseca. Ecoa nessa convicção a concepção kantiana da coisa-em-si, de acordo
com a qu a l tudo o que é necessariamente é segundo sua ordem de ser, no que
consiste sua verdade fundamental, metafisica, que exprime sua realidade,
sua densidade ôntica. Não é decisivo saber se essa asserção, por sua vez, é
metafísicamente inatacável. Ela o é. O que importa é que o senso comum
opera com essa convicção, com extraordinário à vontade, com inabalável
grau de certeza. Para os que, a seu turno, manejam o que se diz ( os enuncia-
dos) so bre o que se pensa ser a verdade das coisas, a certeza está longe de ser

:, Para uma visão sugestiva dos lemas hoje abordados, cf. Johannes Rohbeck/Herta Nagl-Docekal (eds.). Geschichtsphi·
losopllie und Kulturkritik. Historische und systematische Studien. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschatt, 2003
7;.0/'lll ,· /·'i /os u /i.i r/11 //is
t, íriu 39

in ab a lúvcl. An to ni o Vieir
a, em sua Hi stó ria cio Pu
tw ·u ( 171 8) j á re gi str av
c.-:ssa dura re al id ad e da co a
nd iç ão hu m an a:
"Q ue m qu ise r ve r cl ar am
en te a fa lsi da de da s hi stó
m an as, le ia a m es m a hi stó r ias hu -
ria po r di fe re nt es es cr ito
co m o se en co nt ra m se co re s, e ve rá
nt ra di ze m e se im pl ic am
'
su ce ss o , se nd o in fa lív no m es m o
el qu e um só po de di ze r
a ve rd ad e e ce rto
qu e ne nh um a di z" .4
Co m ef e ito, a ve rd ad e da
co isa e a ve rd ad e do di to
in aç ão de Vi eir a, de qu e sã o di sti nt as . A af ir-
so m en te um po de in fa liv
pr es su põ e um a te or ia on el m en te di ze r a ve rd ad e,
to ló gi ca da ve rd ad e, co m
Co nv ém , en tã o, re cu pe ra a qu al nã o se lid ar á aq ui
r os trê s pl an os em qu e a .
pa ra o co nt ex to de um a qu es tã o da ve rd ad e se põ e
te or ia da Hi stó ria . Se m re
n1an id ad e de sd e os te m po in ve nt ar a hi stó ria da hu -
s im em or iai s. Re m e1 no re
te , em qu e co ns ist em o -se , as sim , su m ar ia m en
pl an o da co isa em si, o -
pl an o da co isa dita. pl an o da co isa pe ns ad a, o
O qu e é a co isa em si?
Ob vi am en te o di sc ur so
si tu a- se no s do is ou tro s qu e fa le da co is a em si
pl an os . Pa ra a hi stó ria , a
pa ss ad o, do te m po qu e se co isa em si é o ev en to
es va iu , de qu e so m en te re do
e o te ste m un ho re gi str ad sta a m em ór ia (p en sa da
o (a m em ór ia dita). O ev )
re fe re aq ui no sin gu la r, en to do pa ss ad o, a qu e se
nã o ne ce ss ar ia m en te di z
to sim pl es (o u tri vi al ), re sp ei to a um ac on te ci m
qu e m er am en te re gi str as en -
Pa lm ar es ex is tiu". Po de se al go co m o "Z m nb i
tra tar -se (e no m ais da s ve do s
m en to co m pl ex o, ao co ze s é o ca so ) de ac on te ci -
ns ig na r qu e "Z um bi do s
qu ilo m bo in su rre ci on al Pa hn ar es fo i o líd er de
op os to ao re gi m e es cr av um
O qu e se qu er di ze r, en tã ist a no Br as il co lo ni al ".
o, co m a re fe rê nc ia à co isa
pr at ic ad a co m o ci ên ci a, em si? Pa ra a hi stó ria
a "c oi sa em si" co rre sp on
m iti ga do de qu e os at os de ao pr es su po sto re al ist
ra ci on ai s hu m an os pa ss a
de um a ou de ou tra fo rm ad os re al m en te oc or re ra m ,
a, e qu e nã o fa z se nt id o co
se pu de ss e fa ze r tá bu a ra ns id er ar a hi pó te se de qu
sa de to do ac on te ci m en to e
m iti ga do na m ed id a em pa ss ad o. Es se re al ism o é
qu e la nç a m ão da trí pl ic
pe ns ad o e di to . D ei xa e di sti nç ão en tre o en , si,
O -s e de la do , po i__s, ~om~ o
nã o im po ss iv el ), a te se de de m on str aç ão _dífic í l_ (se
da co rre sp on de nc ia ng or
os a en tre oc or rid o, visto
,

, . ·· s J História do Futuro . Brasllia


' P. Antonio Vieira, · · : Editora da UnB, 2005, org
. do P José Car
186 , p. . . Vieira por certo tem como pressup osto a verdade da fé Essa premis sa , natural para seulos Brandi Alei.xo, S.J §
238
trabalho e l691ca dentro
da teologia da reve 1aça- o, nao
- encontra aplicaçáo e ·
na metodologia con •
temporanea da H1s . . •
to1 ia.
40 Cslevào C de f<eu nde Murti, 1_1

pe nsado e enunciado, característica do realismo cláss ico de inspiração ari s-


toté lica e de matiz empirista. A mitigação do realismo decorre da ci rcunslán-
c ia incontornável de que nada do que ocorreu no tempo, por força da ação
humana, subsiste para além de seu tempo de outra maneira do que a da me-
mória dos coetâneos e do que eles dizem de seu tempo e de suas ocorrências.
Assim, a por1a de entrada no mundo histórico do passado memorizado se dá
pela linguagem, em todos os seus formatos.
A experiênc ia da análise historiográfica traz um elemento fundamental,
que aliás não é estranho aos demais discursos científicos contemporâneos.
Esse elemento é a suposta ou admitida pretensão de verdade, considerada
ínsita a todo e qualquer discurso racional. Assim, encontra-se um território
comum ao esforço metódico do conhecimento, que é a busca e, reconhecida-
mente, a obtenção da verdade. Mais adiante se verá em que consistiriam os
critérios possíveis para a eventual qualificação de uma sentença, no discurso
histórico, como verdade ira. Convém aqui delimitar o que se entende por
discurso rac ional. Para o efeito da análise historiográfica, tanto para a que se
faz na produção da pesquisa de que decorre o texto, quanto para a que lida
(hermenêutica e comparativamente) com o texto produzido, o discurso racio-
nal contemporâneo deve satisfazer três requisitos essenciais:

(a) Sua estrutura pretende descrever, adequadamente, o que ocorreu. Nes-


se sentido, nenhum discurso historiográfico foge ao mandamento de
Ranke, de buscar narrar como as coisas efetivamente se deram, mes-
mo se cada sentença, isoladamente, não tencione ser empiricamente
controlável. 5
(b) A qualidade do d iscurso depende de sua eficácia argumentativa en-
quanto um todo discursivo. Ou seja: somente a apreensão global da
narrativa perm ite avaliar a pe11inência do texto.
(c) O juízo sobre a pertinência da narrativa com relação a seu tema dá-se
em dois níveis: ( c.1) internamente, em termos de consistência textual
e empírica; ( c.2) externamente, de duas formas - em termos compa-
rativos com outras narrativas relativas ao mesmo tema e pela eficiên-
cia de convencimento que produza no âmbito da comunidade epistê-
mica profissional dos historiadores .

~ Cf. Francisco Calazans Falcon. "Historicismo: antigas e novas questões", em História Revista (Goiània), vol 7 (200Z)
23-54.

-,
Tu1rt11 i. ' Vi lo.\()/i11 d11 l/1.11,í 11u 41

Pode-se vl'.r na estrutura que se esboça, o que :-.e cham


a Jc carálc:r rclacional
do con bl:cimenlo hi stór ico.<' O conhecimento é duplam
ente hi ~ltJri co. De um
laJo, é histórico porque se dá no tempo humano refle
tid o, im erso na histori -
cidade de toda e qualquer existência. Fa la-se , nesse
caso, de um caráter hi s-
tórico em sentido amplo. De outro lado , é histórico
por ser produzido medi-
ante práticas metódicas consagradas de pesquisa, que
atendem a requisito s
de contTole de qualidade e de pertinência. Nesse segu
ndo caso, fala-se de
conhecimento histórico em sentido estrito.
Em ai11bos os caso s~o conteúdo narrado é suposto esta
r em con son ânc ia
com pelo rnenos~ rês exigências~ primeira é a sua
pertinência temporal
cmn respeito aos infere'Sse::i ~ociais presentes, às carê
ncias de orientação con-
cretas emergentes no respectivo tempo atual. A segu
nda é a sust enta ção
empírica nas fontes (de todos os tipos) em que a
investigação busca sua
fundamentação como discurso sobre o tempo passado
. A terceira é a resul-
tante expositiva, cujo argumento narrativo deve dota
r-se de virtude convin-
cente em bases racionais controláveis (reconstrutív
eis ), independentes de
recursos afetivos, como a sugestão, a sedução ou a
emoção.
Con vém deixar registrado aqui, no entanto, que a emp
atia emotiva não
precisa ser excluída do processo de obtenção do con
hecimento. Ela se en-
contra presente em larga medida, aliás , na primeira
das exigências 1nencio-
nad as, a carência de orientação. O que se deve pres
ervar, na perspectiva do
método científico, é a impessoalidade do resultado hist
oriográfico final. Não
se confunda, porém, essa impessoalidade com insensib
ilidade ou alienação.
Inve rsam ente, a impessoalidade é a garantia de sobr
evivência da explicação
argumentada para além da paixão entusiástica. Para
essa, diga-se de passa-
gen1, a primeira é supé rflua. É provavelmente esse
o motivo porque se con-
sidera amiúde o raciocínio científico como impiedo
so, em particular quando
0 tem a estu dad o tem a ver com as circunstâncias da existência con
creta. Por
exemplo: se a questão estudada for o processo tran
sformador da Revoluç ão
Russa de 19 17. Comparado com seus ideais mobiliza
dores, esse processo.
pou co mais de setenta anos depois, deixou um inegável
saldo de frustr<1ç õcs.
mesmo se não foi infrutífero em todos os aspectos. 7

Cf. E. de Rezen de Mart ms . ·o cara· ter relacional do conhecimen to histórico", em


e, . Cléria B. da Cos t;:i (org.). Um pRsseio
com Clio . Brasília: Paralelo 15, 2002, p. 1-24 .
7 Cf. Leandro Konde A d .alélica Rio de Janeiro: Campu s, "1988; François Furet.
r. erro Ia da dl • . .. O µassado de uma ilusão :
. b .d a' r,·o comunista do século XX. São Paulo : S1c1hano, 1995.
ensaio so re o I e
./ ' / ' 1t1 · 1 111, r . ,/,· !<,·. ,·11d 1 ,\/111 ,,,,
Vc-~c, por conseguint e, que ope rar com um concc il o uc verdad e, 11,, r l;i-
110 da apreensão dos aco ntec im enl os hi stó ri cos, de sua dcscri ç{10 e d<:: ~uº
cx plicaçào , requer definir co m clar·eza seus limites, para ev itar as du as ;-1rma -
di lhas mencionadas: o dogmati smo e o ceticismo. Cons iderar a verdade, si~k-
mat icamente, como fi lh a de se u tem po, conduz, mais ou men os in~x oravc l-
rn ente, ao ceti cismo . Mesmo que se tra te de um ceticismo soci al, qu ando se
afirmasse qu e a verdade depende da com unida de que aceite !ai ou qual a fir-
mação sobre si, sobre seu passado . Dessa forma , seria adm issíve l que se afir-
masse qu alquer coisa, desde que determinado grupo aceitasse a afirma ção e
agisse em conformidade com ela . Essa versão do relat ivismo socia l (ou co-
1111 mitarismo de referência) levaria ao cetic ismo na medida em que abre mão
de um pressuposto metódico fundamental da concepção genérica de verda-
de, que admite sua universalidade e a possibilidade de ser al cançada.
A particularização dos critérios de validação das sentenças so bre o qu e
loi ou o que é o caso, enredada numa teia de valorações diversas, acarretaria
o abandono da universalidade. Se a verdade suposta é um val or universal,
ela deveria estar isenta de dependências culturais, sociais, comunitárias. Es-
sas dependências seriam relevantes exclusivamente no plano históri co das
ci rcu nstâncias em que indivíduos e grupos vivessem concretamente, circuns-
tâncias que poderiam facilitar ou dificultar o acesso à dita verdade. Ou seja:
a questão estaria no operador e não no conteúdo do conhecimento. Em am-
bos os casos, estamos diante de um duplo otimismo: o do conhecimento re-
flexo do operador do conhecimento e o da afinnação implícita de que há
conteúdo de conhecimento (referência ao mundo em si) contrastável com o
registro do conhecimento pelo sujeito cognoscente.
No caso do conhecimento histórico~,é necessário lembrar a distinção en-
tre a historicidade do ato cognitivo e o conhecimento produzido pela inves-
tigação praticada pela história, como ciência, sobre determinado período do
passado. O que releva analisar, aqui, é o caráter do conteúdo cognitivo pro-
duzido pelo historiador de acordo com os cânones metódicos de sua discipli-
na. Lida-se com duas dimensões temporais cruzadas, de cuja interseção re-
sultaria um discurso plausíve l, destina.do a satisfazer uma dupla exigência
de verdade: uma, referente ao período passado que investiga; outra, referen-
te ao período prese nte em que os resultados da investigação devem ser va li-
dados. Há quem afirme que a relação entre verdade e tempo só possa ser
abordada, com propriedade, pela filosofi a. Que esta discip lina entretém umn
relação privilegiada co m sua própria história, como nenhuma outr~l. Com
43

ckit~), t1 ~1 n..:tl exào li losó lici:I cont cmporfl nca, su hsla


11cial parle do traba lho
de Íl1vcstigaçào concentra-se na história da ri losofía .
Wo l f"g;rng Wii.; land con-
sidera ser imp ossí vel distinguir rigorosamente entr
e fi losofia e.: hi ~tór ía da
fi losofia. Afirma ainda que mesmo que se quisesse esta
be lecer um ~abcr fun-
dame ntal último a partir de um tempo zero, a "carênci
a de estabe lecer uma
relação com o passado logo se estabeleceria". 8 Desde
a pers pectiva da análi-
se historiográfica, a suposição de que haveria um
regresso ao infini to na
busca do passado põe urna questão interessante. A
posi ção de Wie land é
postulatória, não demonstrada, e parte da hipótese de
que qualquer asse rtiva
sobre a verdade, no temp o, sempre pode ter sua sust
entação possível busca-
da no tempo anterior. Isso, de certa maneira , faz ecoa
r a persistente influên-
cia das genealogias do saber, no formato nietzschean
o ou no foucau ltiano. 9
A história (própria) certamente serve de impulso que
stionador para contex-
tualizar problemas e para entender porquê essa pergunta
, e não aquela, nesse
contexto, e não naquele, parece relevante .
Relevância não existe por si mesma. Ela é estabelecida
desde a pers pec-
tiva contingente da existência histórica dos agentes raci
onai s hu1nanos . É o
contexto histó rico respectiv o que estrutura a rede de
referências que trans-
forma tal ou qual pergunta em relevante. A veracidade,
a verossim ilha nça ou
a verdade pura e simples parecem constar do rol das
questões relevantes até
onde ou quanto se consiga rememorar (e reconstruir)
os cont eúdos que res-
pondam às pergunta s. As respostas variam. E variam
porque as circunstân-
cias empíricas das existências nada mais fazem do que
variar.
Perm ito-me trazer novamente à colação o P. Vieira. No
§ 170 da Hist ória
do Futuro discorre ele sobre o caráter circunstanci
al do desdobramento efe-
tivo da compreensão , pelo "lume natural do discurso
", do "lume sobr enatu-
ral da profecia",
"que se vai propagando, difundin do e estendendo a
muitas
cousas, tem pos, sucessos e circunstâncias que nela
s estavam

a Wolfgang Wieland ,,Über den Grund des Interesses


der Philosophie an ihrer Geschichte", em Rol! W. Puster
Veritas filia temporis? Phi/osophiehistorie zwischen Wahrh (org.).
eil und Geschic/Jte. Berlin : de Gruyter, 1995. p. 11-1 2.
g Ver, a propós ito: Nytha mar de Oliveir
a. "A conce pção teleológica da histór_ ia sustenta, portanto, o espaço de rea!iza~ão
da nova metafi sica, na medida em que o summum bonum
kantiano exige um reino dos fin s.Por _ Iras ~de uma concepça? _nao-
emp1n. · de moral.idade sentido teleológico de natureza
ca ,O humana termina por trair uma consl1tu1çc10 do suJe1to, h1slon
· 1 ca e
soc1a men te condicionada. A liberd ade, concebida por Kant como /e/os ela natu reza humana mostra -se inapta .
para assum
.
seu papel tran scende ntal num universo onde reina a conting . . . • d ir
ência. A fllosoli él do su1_ · l d
e1to consci ente, rna1s ce o ou mais ar e,
descobriria ·a noite da verd ade", a verdade de que não
ha afinal um "eu" vercl acle1ro, como ong em transcenden
desventuras empl ricas Traclalus elhico -polilicus. Genea tal de suas
logia do et/Jos rnodemo Porto Al egre: Ed1PUCRS, 1999,
p.78.
-14 E l'Tewio C de Rezende 1Hartins

ocultas e pela conferência e consequ ência do mesmo di scurso


se vão entendendo e descobrindo de novo. Jsso q uer dizer in
quocl ve! quale tempus : não só em que tempo, senão cm qual
tempo. A expressão em que tempo sign ifica a determinação do
tempo certo em que as cousas hão de suceder; e a expressão em
qual tempo significa as qualidades e circunstâncias do mesmo
tempo, isto é, o estado dos reinos, das respúblicas, das nações,
e os acontecimentos particulares da paz, da guerra, do cati vei-
ro, da liberdade e outros semelhantes que no mesmo tempo, ou
mais vizinho ou mais distante, se hão de ver e suceder no mun-
do ... ". 10

Vieira distingue a exigência (detenninação) de que todas as coi sas se


deem no tempo das coisas que efetivamente se dão no tempo. Implica que
toda ação humana forçosamente se insere no processo temporal e que a re-
fl exão sobre esse processo é, por sua vez, também uma açã.o humana sob o
influxo do tempo em que se dá. A reflexão tem, por conseguinte, de articular
o contingente efetivo do ocorrido com o possível encadeamento explicativo,
que resgata no passado o entendimento plausível do presente e sua eventual
proj eção indicativa para o futuro. O discurso histórico, portanto, ao estabe-
lecer conexões explicativas entre as circunstâncias anteriores e as posterio-
res (habitualmente expressas em termos causais, mesmo se não de maneira
óbvia ou de forma explícita), transcende relativamente o caráter circunstan-
cial (feito de rupturas) para estabelecer um plano de continuidades. Conti-
nuidade não significa mesmice, nem necessidade. Ao fim e ao cabo, será
considerada veraz (verdadeira) a narrativa histórica que satisfizer às exigên-
ci as explicativas do tempo presente, ao entendê-lo como resultante das cir-
cunstâncias do tempo passado. Assim, a experiência natural da vivência do
te1npo (eu e minha circunstância 11 ) é transposta, na narrativa histórica, para
a transcendência do tempo refletido.
A relação entre tempo e verdade está, consequentemente, estabelecida no
plano discursivo produzido pela reflexão racional que se apropria da experiên-
cia e a coloca em perspectiva que faça sentido para o sujeito atual da refl e-
xão. Para que tal sentido se instaure (sej a por desvelamento, seja por atribui-

10
Ob. cit., p. 23 1.
11
J. Ortega YGasset. c< Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo» (Medi/aciones dei Ouijote.
1914).
Te ol' ia (' f.'i {osofi a du /1 /s /(Í r, ,1 45

çàn ), é necessár io que sej a plaus ível. Essa pla usibi lidatk é esta be lecida se e
so ment e se o di sc urso puder ser controlad o mdoc.Ji carncntc J e acordo com
os pad rões de qualidad e vi gentes na comunid ade c ientífi ca qu e o prod uz, e
aceitos pe la soc iedad e a que se diri ge. Três conjunto s de con di ções devem
ser sat is fe itos para a construçã o da plausibil idade discurs iva :

(a) a qua lidade dos dados colhi dos na documentação qu e co rrespond a


ao período , ao episód io, à sequ ênc ia de acontecim entos qu e se q uer
conhecer , descreve r, entender, exp licar;
(b) os padrões metódico s do exame dos dados;
( c) a qualidad e discursiv a do texto historiog ráfico.

Para se consegui r reduzir, a conceitos , as condiçõe s sob as quais se pode


abordar uma fonte desde a perspecti va de seu teor de verdade , convém esta-
belecer algumas convençõ es bem simples, válidas para toda fonte te xtual. É
preciso deixar aqui claro, ademais, que mesmo quando a fon te histori ográfi ca
não é formalm ente constituí da de texto ( discurso escrito), sua incorpor ação
à categoria de fonte requer habitualm ente sua transposi ção para o texto, n a
m edida em que descrição e interpreta ção de uma pintura paleolíti ca ou de
um fragment o de cerâmica marajoar a se dão pelo discurso narrativo escrito.
P osta essa ressal va, pode-se lembrar que todo texto (toda narrativa ) possuí
duas dimensõ es : uma obj etiva ( o texto enquanto tal) e uma intencion al ( o
que seu autor objetiva exprimir com sua narrativa ). Visto objetivam ente, todo
texto é uma coisa. Essa "coisa" - como qualquer outra - pode ser apreendi -
da, descrita, investiga da quanto a suas proprieda des e relações.
D entre as propried ades do texto encontra -se mais do que a m era p ercep-
ção pode registrar. Tem-se também as circunstâ ncias, pois, em que a narrati-
va ( o texto) se constituiu : produzid a por um determin ado autor, em um de-
term inado tempo, para um determin ado tempo, resultant e de condiçõe s pes-
soa is, psíquica s, sociais, políticas por sua vez historica mente identificá v e is.
A sucessiv a identifica ção histórica das circunstâ ncias articula-s e em uma
cadeia sem fim.
Não se a pode interrom per, mas apenas definir um ponto a partir do qua 1
se recorta o objeto de análise (a " coisa" a ser entendid a) e um ponto que se
escolhe como O encerram ento de um determin ado interesse de compree nsão,
interpret ação e explicaçã o. A ss im, as fontes (as ''coisas'' tex tuai~ narrat iva s)
são id entificad as, escol h id as, anal isadas, em fu nçã o desses do ts pontos de
referênc ia. Desse modo O hi storiador delimit a fe nômen os abrangen tes e com-
I ; 1, TO" e · ri, · l (L ;;;. c 11 dc 1\ l11r / i ns

. . ·1 . ' ' 11 11110) l'. C O ll ~, l. n',j L111lí,l l: X-


pk'i.OS (co nw a 111dcpcn<le11 cia do 8ras 1 , pu1 c x c .' ,. . .
· , · • · l· - ·0 cros de c1rc un stanc1 a~. ,1p,irt 1r
pli c:ll,'.,l l1 (cm lorm a narrativa) que art 1cu a os J b . .
• - sso ao in 1i111to . i'ê:lra c1 cxc..:m-
dc ckterrn inaclo ponto, sem mcorrer em um regi e . .
. · das vezes que a h I sto ri ogra-
plo da independência do Brasil , tem-se, no mai s ' ' _ A

· b - a questão com a Inconfiden-


fía costuma iniciar seu processo refle xivo so te .
· • • . • assim cham ados mov 1rncnto~
eia Mmeira (ou , ma ls ge nen camente, com os · . .
· 1 · t da Corte bragantma no Rio de
autonomistas) e passar pelo estabe ec mi en
· ~ ·
°
• cesso não sen a adequadam ente
.
Jane1ro com o estaçoes sem as qua is o pi o
entendido . 1
::

eorno uma ,,coisa


· " entre outras , todo texto está inserido numa rede re-
lac iona l de malha fi na, que pode ser posta em evidência para qualquer obser-
vador preparado. O que é um observador preparado? _N o plan.o do conheci-
mento científico, 0 observador preparado é o profiss10nal tremado metodi-
camente a recorrer aos padrões de registro e análise praticados na respectiva
comun idade epistêmica. A prática dessa comunidade viabiliza a anuência de
seus integrantes quanto à objetividade, à evidência de tal ou qual texto. Na
historiografia, para além do texto enquanto "coisa", importa que a comuni-
dade profissional convenha quanto ao que o texto veicula. Com efeito, as
fontes não são obj eto de investigação por si e para si mesmas, mas como
veículos de significado com respeito a ocorrências do passado que se quer
conhecer, compreender, explicar.
O contexto social, político, cultural, econôtnico em que as fontes são
produzidas e o contexto a que se referem deve1n estar presentes na mente do
hi storiador, quando considera a natureza textual da narrativa com que lida.
Assim, o texto remete a um teor que não é apenas a sua construção literária,
mesmo se - enquanto "coisa" - o texto com efeito não passe de um artefato
literário . A rem issão a algo para alé1n de si mesmo não significa, simultane-
amente, que o texto esteja sempre e necessarian1ente carregado de acer1o.
que ele seja forçosamente verdadeiro enquanto referente a uma realidade
que, s_em ele, seria incognoscível. O controle da qualidade referencia l dn
narrativa, no que se chama de referência cruzada é incontornável para ª
• A • '

cons1stenc1a do argumento histórico .


Para se compreender essa exigência de controle de qualidade deve-se
adotar uma atitude re 1at·1vamente simples,
·. ~
de senso comum. Nao se con 1~111-
L

11 e1
, por exemplo a coletân · · • s Riode
Janeiro: Editora da FGV: _ ea organizada por Jurandir Malerba: A in dependência brasileira: novas d1mensoe ·
2006
Teoria e Filosojh, da Histário
47

da, no entanto, senso comum com ing~nuidadc. A cc.:Ílé.1 -sc, por con seguinte,
como certa obv icdadc qu e todo tex to re mete a a lgo fora d~le. Pode ace1iar
ou não . Deve-se, pois, disti nguir entre o que o texto di z (mai s ou menos
com pletamente) e aqui lo a que se refere . Essa distin ção é de tipo corri q uciro .
Se mpre que se recorre a um texto, a intenção primária do leitor é a <l c o
entender. No caso da historiografia, busca-se entender a fonte narrativa na
sua qualidade elucidadora do estado de coisas a que se refere.
N esse sentido , o texto transcende sua condiçã.o de "coisa" enquan to arte-
fato literário e tem reconhecida sua di mensão de instrumento cognitivo do
mundo. Torna-se, as sim, instrumento de com preensão, interpretaçã o e expli-
cação do mundo. Mesmo se essa compreensão seja fo rçosam ente parcial ou
fragm entária.
Confinar a análise historiográfica da fonte a seu caráter esti lístico ape-
nas, como se se tratasse de um fi m em si, é inadequado à função m ed iadora
que a narrativa desempenha com relação à compreensão da real idade. O his-
toriador recorre, por conseguinte, ao binômio analítico do dizer e do referir.
Todo texto diz algo enquanto artefato literário e refere o mundo. A referên-
cia da fonte narrativa não é redutível a cada sentença de que se compõe o
texto (frequentemen te obj eto da análise quando se lida com o texto como
"coisa literária") . Essa referência depende do sentido global que a fonte cons-
trói, cujo todo interpretativo é, por assim dizer, maior do que a soma das
sentenças, tomadas uma a uma.
Por certo pode-se tomar o texto como uma unidade literária isolada e
examiná-lo exclusivament e desde o ponto de vista de sua consistência e de
sua coerên cia. Parece-me que essa é, entretanto, uma condição preliminar
para a admiss ibilidade do texto en quanto referente ao mundo, ao estado de
coisas de que dá notícia. A questão da veracidade do texto repõe aqui, então,
a dupla acepção de verdade com que se vem lidando: a da estrutura interna
do texto e a qu e se aplica à sua condição de referente.
Faz pouca diferença práti ca, por conseguinte, tratar da verda de e m tese,
por defini ção ou por postulação . Ou tratá-l a como decorrente da aplicaçào
de determinada teoria que sustente a impossibi lidade de demonstra ção cnba l
da pertin ência abso luta do referente, o que to rnaria irrelevant e a ques tão.
Pragmaticamen te, registra-se que a pretensão ele ve rdad e acompanha a pre-
tensão de racionalidade e que tod a fonte (ass im com o sua inkrpretação na
arqu itetura expli ca tiva da narra i iva hi stó ri ca) é Iida e int erpretada como pos-
síve l produtora de um di scurso vera?.. Q ualqu er narrati va produzida pela
48 Estevão C. de Rezende Marii 11.1

historiografia pa11e de pressupostos. Como na c iência em geral, não se lida


con1 fatos puros, acessíveis sem m ediação, mas sempre com fatos sob pres-
supostos. U m desses pressupostos, antes mencio nado como pretensão, para
enfat izar seu caráter intencional, é a hipótese da verdade. Essa hi pótese-
pretensão tem a capacidade de viabilizar a função mediadora da fonte como
acesso à dimensão intencional de sua produção. Com efeito, recorre-se ao
pressuposto de que o registro textual (narrativo) por parte de qualquer autor
tem por intenção consignar o que ele entende ser pertinente ao mundo. Pres-
supõe-se igualmente que a intenção prim eira do autor não é a de fraudar seu
contemporâneo ou seu futuro leitor. Tem-se aqui, novamente, o caráter otimis-
ta da consideração do problema da verdade, em que se preserva sua possi-
bi lidade juntamente com a pressupos ição da honestidade básica da racio-
nalidade humana.
A orientação por tal hipótese ou pretensão de verdade é que p ermite arti-
cular as questões h istóricas e sistemáticas que os textos referem . O aspecto
histórico sublinha o caráter referente da narrativa com respeito ao m undo, ao
estado ou aos estados de coisas cujo acesso media. O elemento sistemático
aponta para a organicidade interpretativa produzida na metanarrativa histo-
riográfica, que maneja um número considerável de textos (narrativas), clas-
sificados e qualificados como fontes. A noção de metanarrativa é utilizada
aqui para designar todo texto historiográfico que se constitui a partir da in-
vestigação sistemática das fontes. Essa noção é ap licável, por conseguinte,
il im itadamente, a cada nova narrativ a que se fundamente em outras.
Q ue se possa "encontrar a verdade" em textos referentes ao passado é um
pressuposto otimista, decorrente de uma atitude realista, predom inante na
metodologia científica de modo corriqueiro. O fato mesmo de se lidar com
fontes (pouco importando se se trata da percepção sensorial ou da leitura de
narrativas) como meio de alcançar compreensão consistente do mundo re-
força a ide ia regulativa da verdade como hipótese orientadora . Admitido o
caráter irrenunciável dessa hipótese, seu estatuto de h ipótese n ão sofre alte-
ração . Toda pretensão de verdade carece de demonstração efetiva no texto
resultante da investigação.
Admitir-se que todo texto é lido sub ratione veritatis não atri bui automa-
ticamente a tal fon te o caráter de verdade. Apenas aponta a razoabilidade da
leitura crítica da fonte com a pretensão de estabelecer uma rede re lac ional
que confira ao teor da narrativ a pelo menos verossim ilhança. A tese historicista
de q ue das fontes se haure certezas desde há muito encontra forte resi stência
Teori a t: Fi loso.fin du Histó ria
49

em tod as as esco las historio grá fi cas con tem


por âne as . 11 A valo riza ção das
então cha ma das ciên cias aux ili ares da Históri
a aca rretou , em mea dos do sé-
cu lo 19, extr aor diná ria con fi ança na adm issi
b ilida de dos teor es med iado s
pelas fon tes . Ess a mesn1a valo riza ção veio a
14
pro duz ir um efei to tardi o - em
part icular nos cam pos da heu rística e da herm
enêutic a: a des con fia nça qua n-
to à pos sibi lida de de se asse gur ar a inataca bili
dad e sub stan tiva das fo ntes
pelo mer o fato de existire m. A crítica heurísti ca
e o enre dam ento hen nen êuti co
con soli dar am de vez a inse gur ança relati va da
fiab ilid ade doc ume ntal. Inst a-
la-s e, no m étod o hist órico, o que se pod e cha mar
de pru dên cia gno siol ógic a.
Essa pru dên c ia tende a utilizar a rede relacion
al de refe rênc ias cruz ada s par a
ton1ar seu s resu ltad os plau síve is .
Lida-se , por con seguinte, no plano da met ana rrat
iva pro duz ida sob a égid e
des sa pru dên cia met ódica, com hipóteses de
seg und o nível. A hipó tese de
prü neir o níve l é gen éric a e consiste na alca nça
bili dade teór ica da ver dad e .
As dem ais arti culam dad os e interpretações em
hipó tese s de seg und o níve l,
de cun ho argu men tati vo e de fina lida de explica
tiva , para pro duz ir a met ana r-
rati va sob re tal ou qual episódio do pas sado.
Pod e-se per gun tar ainda como se dá o control
e de qua lida de do pro dut o
narr ativ o. N ão par ece cabível lançar mão de
argu men tos de auto rida de, de
que natureza seja in. Tam pouco convence recorrer
simplor iam ente ao con cei-
to trad ici ona l de evid ênc ia objetiva , tão caro
aos ade ptos do real ism o me-
tafi sico . Com o a dúv ida sistemática, o argu men
to de auto rida de é igua lme n-
te um a por ta abe rta ao rela tiv ism o. A evid
ênc ia obj etiv a apo nta par a o
dog mat ism o natu ralista ingê nuo. O realismo mit
igad o e a rede rela cion al de
refe rênc ias, por sua vez , pare cem satisfaz er plen
ame nte a con cep ção m ode r-
na de razã o em mov ime nto , que pres supõe a
cap acid ade intr ínse ca à razã o,
de con stru ir e ofer ece r exp licaçõe s plausíve is
para a circ unstânc ia do tem -
po hum ano.
Nes se sentido, a tese do fra casso do proj eto mod
erno de razã o peca por
exa gero . Se a razão é pensada com o solu ção
definitiv a, com o um de1ni urg o
onto lógi co, à man eira do sécu lo das Luz es, com
efeito pode-se evo car com
bom mot ivo sua fa lênc ia. Mantid a contudo a
perspectiva da raciona lida de
com o facu ldad e pró pria ao age nte hum ano
e apta a pro duz ir exp lica çõe s

, i Cf. Friedrich Jaeger/Jêi m Rüsen


. Geschichte des Histod sm_us. M~nique: C. ~-Be ck,
histo ricismo, organizado por Luiz Sérgi o Du arte da 1992 ; ver também o dossiê sobre
0 Silva: H1sl6na Revista (Goiânia). vol. 7 (200 2).
" Marcel Gauc het (org .). Philosophie des Sciences
Hisloriques. Le momen l romantique. Pmis: Seuil,
2002.
50

,.k q w, li da-
ind ividu n l e soci alm ente ace itáveis medi ante contr ole e mpír ico
uma agcnd ;1
de , pode -se di zer qu e o proje to mode rno da racio nalid ad e é
abert a . A cada temp o, nova aprop r iação , nova exp lica ção.
~urto de
Essa abert ura torno u possí vel qu e, a part ir dos ano s 1970, novo
co nt rol á-
incer tezas , por princ ípio, asso lasse a co nstru ção, meto d icam ente
nova versão
ve l, de conh ecim ento co nfiável. Conv e nc iono u- se cham ar essa
tese prin-
crepu scula r da teoria do conh ecim ento de "pós- mod ernis mo' '. Sua
. Também
cipal é de cunh o cétic o e sua idola tria do discu rso de vi és arbitr ário
a histó ria não escap ou a essa epide mia.
é de se
Há, pois, teoria s de uma histo riogr afia pós-m odern a. A quest ão
O ponto
saber se existe m efetiv amen te formas pós-m odern as de histo riogr afia.
explica-
de partid a dessa s teoria s é o fim da crenç a em que seja possí vel uma
lação de
ção cient ífica coere nte de proce ssos passa dos, para usar a fonnu
do que di z
La'.vrence Stone . 15 As teoria s pós-m odern as vão, no entan to, além
é suspeita.
Stone . Elas assum em o ponto de vista de que qualq uer coerê ncia
afia é a ne-
O pensa ment o funda ment al da teoria pós-m odern a da histo riogr
Barth es e
gação da refer ência da histo riogr afia à realid ade. Assim , Rola nd
poesia, ao
Hayd en Whit e assev eram que a h istori ograf ia não se distin gue da
ponto de ser ela mesm a poéti ca.
Em seu Jvfeta hist01 y : the histo rical imag inati on in ninet eenth
-centu,y
uevill e,
Europe 16 , Hayd en Whit e recor re a quatr o histo riado res (Mic helet , Tocq
, Nietzsche
Rank e e Burc khard t) e a quatr o filóso fos da histó ria (Heg el, Marx
ífico de ver-
e Croc e) para tenta r demo nstra r que não exist e um critér io cient
ciência da
dade histó rica . Por isso não have ria difer ença subst antiv a entre
mediante a
Histó ria e filoso fia da Histó ria. Emb ora se possa obter dado s
xto signi -
análi s e filoló gica das fo ntes, sua even tual articu lação em um conte
is, e não
ficati vo é produ zida exclu sivam ente por critér ios estét icos e n1ora
por critér ios cient íficos .
como
De outra parte, na narra tiva histó rica form a e conte údo não teriam
de um núme-
ser distin guido s. Segu ndo Whit e, os histo riado res lança m mão
a form a e 0
ro limitado de recur sos retór icos, que enqu adram previ amen te
gera l' ', escn>
con te úd o da fo rm a narra tiva de apres entaç ão que redig em. "Em
reco nhec er
ve Whit e, "[ os teóric os da litera tura] most ram certa av ersão em

,,, The Past and the Present. Londres : Rouledge, 1981_


1
Paulo: EdUSP, 1992. (ed . orig. The Johns
Edi~ão brasileira: Meta-História: A Imaginação Histórica do Século XIX. São
• r,
Hopkins Un1 vers1ty Press, 1975).
- t
Teor ia e Filosuj io riu l/1.,triri11 51

as narra ti vas histór icas como o que elas efeti va mente são: fi cções ling
uísti cas
[ve rbal fictions ], cujo conteúdo é tanto in ventado quant o encon trado
e cuja
form a tem mais a ver com seus corre spond entes na litera tura do que
co m os
eleme ntos das ciências" .
O ponto de vista de que toda narra tiva histó rica sej a uma inv enção
, va i
muito além tanto das considerações de um Tucídides ou de uma N
atali e Z.
Dav is 17, que reconhecem as propr iedad es do di scurs o histór ico, mas
não põem
em dúvida que tal discurso medi a o acesso às realid ades hum anas .
Tamb ém
para Rank e a histó ria era ao mesmo temp o ciência e arte, considerav
a ter-se
imergido nos pensamento s e nos sentimentos dos prota gonistas que
inves ti-
gava, ao busca r reconstruir suas ações mediante a repre senta ção guiad
a pe-
las fo ntes . Para Ranke, como para os histor iadores em geral até hoje,
a repre -
senta ção intelectual serve para chegar sempre mais perto do passa
do real.
Há, por conse guint e, uma notável diferença entre uma teoria que negu

apresentaç ão histó rica qualquer possibilida de de corre spond er à realid
ade e
uma histo riogr afia plenamente consc iente da comp lexid ade do conh
ecim en-
to histó rico e que pressupõe que pessoas reais tivera m pensa ment os
e senti-
ment os reais , que condu ziram a ações reais, que pode m, por sua vez,
ser re-
conh ecida s e representa das historicam ente. Com o bem lemb rou
N icolas
Resc her 18, que não exista critério absoluto de verdade e que isso não
consti-
tua uma defic iência da Histó ria não é propr iamente uma novid ade,
mas a cir-
cunst ância concr eta do conhecimento científico, admi tida desde K
ant.
No entan to, embora Kant ou Max Weber recon heçam a impo ssibil
idade
de um critério absoluto de verdade, admitem um critério form al ou
conv en-
ciona do , enrai zado na lógica da pesquisa. Essa lógica goza de valid
ade uni-
versal entre seus pratic antes e constitui o funda ment o da ciênc ia
objet iva
aceita por eles . Esse critéri o fo rmal de verda de veio a ser fortem ente
contes-
tado por diver sos teóricos conte mpor âneos da ciência, na linha gem,
por exem -
plo, de Karl R. Popper. Para Popp er não há sequer um critério posit
ivo de
verda de, mesm o que fo rmal. Todo e qualq uer conhe cime nto produ
zido pelo
agent e racio nal é sempre conjetura l, válido enqua nto não fo r fa lsead
o pelo
apare cime nto de uma contraprov a.

'7 Ficlion ;11 the Archives: Pardon Tales and their Tellers in Sixteent h-Centu
ry Fran ce. Slanford : Stanford Unive rsity
Press, 1987.
10 cr. The Coheren ce Theory of Truth University
Press of America, 1973; Rationa /ity. Oxford Universi ty Press, 1988;
Ka nt and lhe Reach of Reason. Cambridge University Press , 1999.
52 / ,',1·/e \lrio ( · rle Rezc11de Mar1 111 s

O caráter conjetural do conhecimento não significa, no ca so da hi stória,


uma espéc ie de ca rta de alforria que permita a cons trução arh itrári a de qua l-
qu er discurso poético, ao bel-prazer do autor. Essa licença poétic a ili milada
é uma consequência prática indesejável das teses pós-modernas, qu e se
auto !iberam do controle metódico de qualidade referente à pertinência do
discurso à realidade. No contrato do método científico, essa pertinência é
esperada. lvlais, é buscada. Nela se inclu i a p retensão de verdade, mesmo se
as circunstâncias de garantia de sua obtenção sejam frágeis. A expectativa
social de verac idade da narrativa-fon te e da metanarrativa é a forma básica.
O equívoco, o erro , ou até a fraude, são a exceção - não a regra.
A referênc ia à realidade é não apenas possível como contro láve l. Para
tanto basta que todos os participantes da comunidade profissional se enten-
dam sobre os procedimentos de controle. Há uma dimensão meramente for-
mal nessa comunidade, que se resume ao procedimento m etódico seco: nada
se afirma sem fundamento, direto ou indireto, em fontes controladas. Sub-
siste, contudo, uma possibilidade de variância não negligenciável, decorren-
te do conflito teórico ( chamado por Paul Ricoeur de "confl ito das interpreta-
ções"19). Não raro esse embate decorre de posições filosóficas sobre o con-
teúdo e a finalidade da ação humana no tempo. No século 20 um exemplo
ma rcante desse conflito foi (e, em certa medida, ainda é) a oposição entre o
pensamento marxista e o pensamento liberal.
Em qualquer caso, porém, a referência à realidade jamais é negada. Somen-
te a virada linguística introduziu o risco renovado de relativismo, ao consi-
derar o texto, na esteira de Saussure, como unidade autônoma, suficiente a si
mesmo. Dessa autossuficiência sintática se deduziu a autossuficiência se-
mântica e, dela, a autossuficiência pragmática. Afinal, o pensar humano se-
ria função da estrutura linguística prévia. A estruturação suposta na lingua-
gem, onto logia à parte, ignora no entanto o caráter histórico da formação e
acumulação do sistema de referências que a linguagem utiliza. O historiador
dificilmente divergiria da proposição que afirma que aquilo que o homem de
hoje pensa e diz está condicionado pelo que se pensou e disse ontem. E
assim sucessivamente . Trata-se de uma necessidade relativa, de uma deter-
minação contingente, fruto da concretude empírica da h istórica efetivamen-
te produzida pela ação dos homens no tempo .

9
' Cf. Paul Ricoeur. Le conflil des inlerpréla/ions. Essais d'herméneulique. Paris: Seuil, 1969.
1
Tt!o rw e l-'1 /o.rn/i11 dn !11 stári11
53

Adm it ida a auto nom ia abso luta do texto , perd e sent ido
qua lque r tenta ti-
va de v incu lá- lo à realidade . Com isso, com o pretend e
Ro land Ba rthc s, de-
sapa rece ria a disti nção entre verd ade e poesi a. Ma is:
desa pare cer ia qu alqu er
vínc ulo entr e auto r e texto . Para o histo riador, a pers
pect iva fi los6 fíca da
auton01n ia abso luta de uma neom ônad a textu al é sem
utili dade. O histo ria-
dor cont inua send o, hoj e em dia, um serv o da pert
inênc ia, in depe nden te-
mente de co nseguir traze r prov as caba is do arra njo
inter pret ativo em que
inse re suas fo ntes. A interpret ação histórica arbit ra,
mas não é arbi trária . A
liber dade poét ica é usad a, mas dentro dos limites das
conv ençõ es metó dica s
que auto riza m a reco nstru ção do cam inho sem depe nder
da idios sinc rasia do
autor. E mbo ra o texto não se ente nda ou expl ique sem
este . A auto ria (e sua
legitimid ade) é uma cond ição sem a qual a perti nênc ia
da narr ativa fi ca subs -
tantivam ente preju dica da. A1ni úde conf unde -se legit imaç
ão pe la auto ria ( que
se pod e tam bém cham ar de heur ístic a auto ral) com argu
men to de auto rida -
de . Auto r e auto rida de não coin cide m necessar iame
nte. Para a pert inên cia
em píric a do texto , poré m, nem todo auto r faz auto rida
de.
Por outr o lado , o cárc ere ideo lógico pode cont amin ar
de tal form a o text o
que por vezes se imp õe abst rair da auto ria para ver
se subs iste pert inên cia
emp írica . U m bom exem plo de um exer cício dest e tipo
pode ser dado com a
H istór ia da Revo luçã o Russ a (em 2 vols ., 1930 e 1932
), de Trót ski. Um ou-
tro exem plo inter essa nte é a História da Comuna de Pari
s , de P.-O . Liss aga-
ray, publ icad a em 1878.
D esde a cien tific izaç ão da histó ria no sécu lo 19 grad
ualm ente se pass ou
a não con side rar mais a narr ativa -fon te ou a meta
narr ativ a con10 ícon es
intoc áveis. Assi m com o se deix ou de mim etiza r os proc
edim ento s das ciên -
cias ditas natu rais ou exat as. E se desc obri u ser inóc
uo quer er cons truir lei s
dos acon tec imen tos histó rico s , mes mo no form ato, altam
ente prob lemático,
do mod elo Hem pel- Pop per. Jõm Rüse n, em sua teor
ia da histó ria, elab ora
uma matr iz disc iplin ar em que os elem ento s emp írico
, metó dico e esté tico se
artic ulam. E artic ulam -se, para orig inar- se, no mun do
conc reto do pens ar e
do agir hum anos e, para expr imir-se, pelo recu rso da histo
riog rafi a que re tornn
àque le mun do . 20

A prop osta de Rüs en é prov avel men te a fó rmu la mais


incl uden te dos
mod os de prod ução do conh ecim ento histó rico . Calc
ada na expcri ênci n hu-

20 Cf . t b • . R nstrução do Passado (Teoria da Históri a li : Os


-nota 1• ver am em. eco princlpios da pesqui sa histórica) e História
. (T · da H'1stó · Ili F ·
V1va eona na : armas e funçõe s do conhec imento hlstónco). ambos Bras ·1 · · Ect·l ·
11a. 1 01 a da UnB, 2007 .
54 l ·.'.\'l l' IJÔfl e rle Rczcnde Martins

mana continge nte ela vida sobre a qual cabe refletir, a matriz não cxcl ui a
priori nenhuma opção teórica disponível. Submete-a, contudo, 1nui to poppc-
ria nam ente, ao teste de sua eficácia explicativa, ao passar pelo crivo do rc-
grame nto metódico da pesquisa. Se a questão que põe em andamento a pro-
cura histórica é algu1na carência existencial do sujeito, a resposta depend e
do controle metódico de qualidade que a comunidade profissional pratica e
cobra.
A ingenuidade da historiografia clássica e o caráter desabusado da auto-
nomia textual são críticas levadas muito a sério pelos historiadores para os
quais a construção de um critério de objetividade para a metanarrativa his-
toriográfica é penhor de sua racionalidade. Essa racionalidade foi não raro
criticada corno expressão de poder e de conservadoris mo, ao ser identifica-
da com as estruturas existentes nas sociedades contemporâne as. 2 1 Essa preo-
cupação de cw1l10 sociológico e político pode inspirar mais de um autor, mas
é irrelevante - em última análise - para a admissibilidad e metódica da quali-
dade da historiografia.
Para essa finalidade, a veracidade da narrativa depende da estrutura sis-
temática das fontes, da interpretação e de sua articulação no texto final. As-
sim, a linguagem desempenha papel instrumental na dimensão intencional
da narrativa historiográfica , cuja finalidade é a de descrever, analisar, inter-
pretar e explicar determinado episódio. A escolha do episódio e sua delimi-
tação, como j á se iembrou, é resultado de interação entre carência existen-
cial, opção valorativa e objetivos sociais.
Na h istória social, cultural, política, econômica, intelectual - enfiin, nas
mais diversas variações, a historiografia considera o discurso ( o texto, a nar-
rati. va), como um meio, como um sinal que aponta para outra coisa que não a
própria narrativa enquanto "coisa". Por exemplo: a história dos conceitos
políticos, tal como praticada por Quentin Skinner22 ou por J. G. A. Pocock23,
o u por Reinhardt Koselleck 24 . Koselleck inspirou e dirigiu a n1onumental
en c iclopédia Geschichtlich e Grundbegr~ffe, que tem corno subtítulo "léxico
histórico da linguagem político-social na Alemanha" [ historisches Lexikon

71
Cf. Herta Nagl-Docekal. Die Objektivitat der Geschichtswissenschaft. Viena-Munique: R. Oldenbourg, 1982.
71
"Meaning and understanding in the History of ldeas," His/ory and Theory 8 (1969), p. 3-53.
2
; Cf. Politics, Language and Time: Essays on Polilical Thoughl and History. Nova Iorque: Atheneum. 1973.
24
Cf. Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichl/icher Zeiten. Frankfurt/M, Suhrkamp, 1979 (Ed. bras. Contraponto/
PUC-Rio, 2006).
Tt 0 1·10 l' /.'i/o so/ i11 i/11 l l ist1í r ic1
55

::ur 1w liti sch -so z iale 11 Spr ac he in De


uts chl an d' 5J. Pocock , corn o Sk inn er
Ko sellec k, parte do pre ss upo sto de que e
ide ias e con cei tos são dec isivos par a
o sur gim ento da soc ied ade polític a mo
der na. Su a influên c ia ma rca nte, co n-
tud o, só se viab ilizou por est are m ess
as ide ias e ess es con ceitos arti culado
em um dis curso com efe ito normativ s
o sob re o com por tam ent o soci al por
fo rça de legitim ação polític a. O entend
im ent o dessa leg itim ação e dessa efi-
các ia pas sa pel a aná lise teó rica das for
ma s de con stit uiç ão dos sist em as de
pod er e de cre nça , cuj a autori dad e em
pre sto u forç a sej a à argu me nta ção por
si me sm a ( com o no cas o do Iluminism
o) , seja à aut ori dad e gov ern am ent al
(co mo no caso do direito divino das
din astias rein ant es) . Ess a con jun ção
fato res , contud o , não faz esses autore de
s pensar em , com o no cas o de Barth es
De rrid a e Wh ite , que a análise de tex ,
tos (in clu sive daq ueles que enu nci am
nar rat iva me nte a inte rpr eta ção de out
ras fontes não dis cur siv as) lhe s confi-
ra, enq uan to tais , qua lqu er pri ma do
formal ou ma teri al. N arr ativ as, dis cur
sos, tex tos inte res sam pel o sentido que -
me diem ( dim ens ão int encion al do
res pec tiv o aut or incluída) e pelo sig
nificado que pos sua m no con tex to do
tem po em que for am constituídos e do
tem po em que são int erp ret ado s.
E ssa cir cun stâ nci a não pre jud ica a
imp ort ânc ia rel ativ a adi cio nal que
pos sue m os textos par a os historiadore
s que lida m com etn o-h istó ria. A an-
tro pol ogi a cultur al con tem por âne a e
sua util iza ção na pes qui sa his tór ica in-
ser em o uso das ling uag ens num a per
spe ctiv a de inte rpr eta ção do tem po , em
par ticu lar par a as soc ied ade s de ma triz
div ers a da eur ope ia, ind isp ens áve l à
dec ifra ção do sen tid o da vid a e da org
anizaç ão soc ial. Os tra bal hos de Ly nn
Hunt26, por exe mp lo, em nad a se con
trap õem aos pre ssu pos tos adi ant ado
por Ko sel lec k, na me did a em que a s
pra gm át ica ling uís tica , nas soc ied ade
pri mit iva s com o nas com plexas, ser s
ve de ter mô me tro da tes situ ra cul tur
dos inte gra nte s das res pec tiva s com uni al
dad es. Lin gua gem e cul tur a com uns
pas sam a rep res ent ar o fato r de coe são
e ide nti dad e social, sub stit uin do ant i-
gas catego ria s de cla sse , com o no cas
o do ma rxi sm o, por exe mp lo. Em seu
trab alh os sob re a Re vol uçã o Fra nce sa, s
Hu nt dec lara des eja r esc apa r tant o do
sim pli sm o des cri tiv o da seq uên cia dos
aco nteciment os (qu e se pretenderia
ise nto ) quanto da val ori zaç ão ide oló
gic a ( que ten ci ona ria pro duz ir um a re-
ceita de rev olu ção) a priori. Na me sm
a direção, sub linh and o a dif icu lda de
que há em se est abe lec er um crit ério
qua lqu er de ver dade que vá alé m da

'5 Stuttga rt: Klett -Cotta, 1972-200 4, vols. 1-9.


26 Cf. entre outro s, Lynn Hunt et a11..1. -r.,e 11·111g the TruthAbout History. Nova Iorque: Norton & Co., 1995
.
56 Fs te ,,âo (' de Hez ende Mart ins

verossim il han ça e da plausibilidade socia !men te ace itas entre cn unc iados
paiiicu lares e articulação discursiv a de contexto s, William Sewc ll Jr. 27 , ao
discutir a complexidade da 1nontagern interpretativ a que a histori ografia pro-
duz, reafirma que a narra tiva não se reduz à arquitetura lingu ística. A pro-
pósito do mundo cul tural e social dos trabalhadores que partic iparam da re-
volução de 1848 na França, Sewell len1bra que a comunicação não se restrin-
ge ao falar e ao escrever - é preciso, diz, entender as inúmeras outras fonn as
de contágio social, as ocorrências em que os protagonistas estão envol vidos
ou que provocam, as instituições, as práticas sociais, as corporações de ofi-
cio, os rituais e as cerimônias , as crenças e os mitos, os valores e as inércias
que prevalecem no respectivo ambiente social.
Conteúdo simbólico e coerência conceitua! devem ser buscados em to-
dos os tipos de experiência social, de forma que se possa identificar o flu xo
de fonn ação das mentalidades e das convicções. Muito do que se disse, a
pri ori , sobre alienações e interferências, perde sentido, para o historiador
que retraça e reconstrói o itinerário de forma ção da sociedade europeia con-
temporânea em suas sucessivas etapas. Lidar com textos não signi fi ca, pois,
elencar a produção de autores ou empilhar informações registradas no dis-
curso: a ressignifi cação, a cada vez contemporânea, do sentido de um episó-
dio (no século 19 dir-se-ia: do espírito de uma época) é uma construção in-
terpretativa a partir de fo ntes fragmentárias.
N ão resta dúvida de que o debate sobre o papel da linguagem na consti-
t ui ção materia l do discurso historiográfico é relevante. A representação de
m undo construída pela História científica do século 19 mostrou-se rapida-
mente inadequada . Desde os anos 193 0 e, sobretudo após a 2ª Guerra Mun-
dia l, a complex idade do tempo vivido e refletido evidenciou-se nos esforços
da escola dos Annales, na crítica marx ista e no estruturismo metódico18 . Muito
do que se fez na h istoriografia inspirada pela sociologia ou pela antro po lo-
gia, ou ainda p or influência das correntes 1n arxistas, adotara acríticam ente
os pressupostos h istorici stas da prevalência da política e do Estado na con-
fo rmação do discurso explicativo do sent ido da nação . Estado e ec onom ia
seriam as duas únicas reali dades que interessariam . O prime iro sustentarifl n
concepção do m und o huma no cmno fu nção da política. A segunda . a idcin

Wo rk and Revolution in France: The Language of Labor from 1/Je O/d Regime to 1848· eam bri·d9~ Unlversity Press,
7 .
"
200 5.
1980 . Ver também o recente Logics of History: Social Th eory and Social Tran sformation. University oi Chicago Press ,
28 Cf. Christopher Lloyd. As estruturas da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993
1995 (ed . orig. ).
fr ema e / 'i/0.10/ iu da Ji istór io
57

de que apenas mo dos de produçã o e o


hom em com o fa bcr exi stem ou impor-
tam . A j unção de pol ític a e eco nomia num
fluxo articulado quase necessário
foi o passo seguinte. A lin ear idade
dessa jun ção alimentou a ideologia do
progre sso (ou do desenvolvimento, seg
undo a fase) que avança sse ine xora-
vel me nte até o respectivo dia de hoj e.
As rup tur as linguístic a e cultural tiveram
o mérito de intr oduzir, a partir
dos ano s 197 0, uma pluralidade incont
ida de perspectivas fi losófi cas, em
que sed es de pensar e pod er dei xar
am de est ar confin ada s às est rut ura
ins titu cio nais . O simplismo das obs erv s
ações triv iais de primeira orde1n dei -
xaram de migrar, im punes, para o plano
das descriç ões dos est ados de coi sas
de um pas sad o que não se pod e experi
me ntar de primeira mão. Ch ris Lo ren z
afi nna que o historiador acaba, com efe
ito , por criar mu ndos em que as lac u-
nas ine vit áve is da exp eriência são pre
enc hidas pela cap acidade de rep res en-
tação pla usí vel. 29 Me sm o que o preenc
himento dessas lacuna s sej a feito por
ana log ia e, por con seg uinte, com algum
a dos e de criativ idade. Lo ren z com o
Fra nk An ker sm it 30 ou Rüsen, no entant
o, em mo me nto algum abrem mão da
pren1issa fi losófica de que a realidade
hum ana de ontem ter á sido tão sem e-
lha nte à de hoj e como a de am anhã.
Ess a con sta nte antropoló gica de inspir
ação weber iana no fundo cor res -
pon de à adm iss ão prévia da rac ionalid
ade humana, no plano individual co1no
no coletivo. Ra cio nal idade crítica e dis
cursiva. Crítica por que som ente ace ita
reg istr os inf orm ativos quando satisfaçam
o criv o metódico da prática cie ntí -
fi ca est abe lec ida . Crítica ainda por que
não aceita a cre nça com o pre mi ssa
ind isc utí vel a priori. Se quisermos, pod
emos dizer que a racionalid ade críti-
ca aqui pre ssu pos ta ser ia um a rac ion
alid ade em tese vazia, mas historica -
me nte pre enchida. Co m res peito a seu
recheio, a raz ão dev eri a ter a atit ude
cartes ian a da dúv ida me tódica .
A rac ion alid ade é tam bém discursiva.
Discursiva na me dida em que , pa ra
si com o par a os outros, enu nci a nar
rativamente a articulação de todos os
dados de que dis pon ha, num construto
racional controlável pelo interlocutor
posto no me sm o pla no epi stê mic o e me
tódico , que é consolidado pe~a inte r-
pretaç ão em mn a nar rat iva pla usí vel
, consistente, coe rente e con vmcente.

2° Cf. Konslruk/1.011 der Vergange nhe1·t. E'me E'111 führung ;11 díe Gesc híchl stheoríe. Bonn : Bohlau , 1997 (ed . org . Ams
terdã,
1987 ).
, . A N Ph ·1 sophy oi Hís lory. The Urnv
3 · ersIty
· of Chica· go Press, 1995 D A k
u Frank Anke rsm1VHans Kellner . e n ersm1·t
(eds .). d ~wll ; ~ tapho r Berkeley: Univ
ver ainda: Híslory and Tropology. Th e R1 O ersity of Califo rn ia Press, 1984.
se an a e ·
58 Hste vã o C de R eze11de Martins

Cada predicado deve ser satisfe ito, mas somente seu conj unto permite atri-
buir à narrativa a qua lifi cação de veraz.
Pode-se concl uir que a relação tempo e verdade na produção do conhec i-
mento historiográfico depende da conjunção de pelo menos sete fatores:

(a) a admissão do realismo 1niti gado;


(b) a convenção metódica de controle de qualidade do conhecimento e
de sua admiss ibilidade na comunidade epistêmica;
(c) a c01nunidade linguística e cultural em que o conhecimento faça sen-
tido;
(d) a pretensão de que a racionalidade humana é apta a conhecer adequa-
damente o que se deu no passado;
(e) a pretensão de que estados de coisas do passado podem ser recons-
truidos mediante investigação metódica;
(f) a pretensão de que há habilidade crítica para admitir ou não fontes
para a reconstrução do passado;
(g) a razoab ilidade linguística e cultural da narrativa e da metanarra-
tiva, em seu conjunto, como veículos de registro e interpretação do
passado .
A articulação desses fatores numa rede relacional permite à comunidade
epistêmica conferir à narrativa-fonte e à metanarrativa a propriedade de ve-
raz, plausível, confiável, convincente. Obtém ela, por conseguinte, certezas
relacion ais .
Uma última palavra, recorrendo a Vieira. Dos quatro gêneros de verdade
qu e propõe no § 181 da História do Futuro: verdade com certeza de fé
'
verdade com certeza teológica, verdade com certeza moral, verdade com
certeza provável3 ', a ci ência conte1nporânea da História decididamente so-
n1ente aceita o último. Todas as certezas relacionais com que se lida na
historiografia são de caráter provável. Vieira, por óbvios motivos, somente
pode diri gir-se àqueles a quem solicita " o assenso da fé"(§ 163) 32 . C01n essa
premissa transcendental, pouco ou nenhum apreço pelas narrativas hun1anas
lhe resta (§ 186). 33 Entende-se perfeitamente a posição do P. Vieira. Um
contemporâneo seu, o Abbé de Saint-Pierre, intensamente angustiado com a

31
Ob. cit., p. 237.
32
Ob. cit. , p. 226.
33
Ob. cit., p. 238.
Teuno L' Filoso{tn du Jlist1íri11 59

sequenc ia cruel d~ guerras que marcara o século dL; Lllí s


XIV (rarn u~a r uma
ex pressã o de Vo lta ire), também busca valores -- polí l icos
J~:,sa l"c; ita -· para
subtrair à in constância dos homens, em particular dos so
beranos, os critér ios
d~1 paz _:;-1 Cri térios de paz, critérios de verdade - uma
busca in cessante. Oca -
ráter relacional do conhecimento histórico e de sua veracida
de parece conci-
liar adequadamente a ânsia de permanência e a concretu
de empírica da his-
tória dos ho1nens .

.,, . . . p .
· Abbe de Sain t-Pierre. ro1 e1o para torr, arperp é/ua E1 paz na Ewopa (1 7 \ 3). Brasl lia: Editora da UnB, 2003; São Paulo :
IOE SP; Brasília: IPRI.

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