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O conceito de um poder local diverso que responda às demandas do desenvolvimento não pode ser o mesmo originado na Itália. É preciso buscar as particularidades brasileiras e entender o papel do desenvolvimento municipal como face concreta de um projeto de poder local diverso.
O conceito de um poder local diverso que responda às demandas do desenvolvimento não pode ser o mesmo originado na Itália. É preciso buscar as particularidades brasileiras e entender o papel do desenvolvimento municipal como face concreta de um projeto de poder local diverso.
Drepturi de autor:
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O conceito de um poder local diverso que responda às demandas do desenvolvimento não pode ser o mesmo originado na Itália. É preciso buscar as particularidades brasileiras e entender o papel do desenvolvimento municipal como face concreta de um projeto de poder local diverso.
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Por Demetrio Carneiro e José Carneiro da Cunha Oliveira
O presente artigo não tem nenhuma intenção de exaurir o debate ou
catalogar posições. Mas apenas registrar, primeiro, a complexidade de um tema geral – Poder Local – que normalmente é levado ao debate político naquilo que ele tem de mais genérico e, por isto mesmo, acaba assinalando uma “leitura moderna” que é apenas formal e não tem a capacidade de fornecer elementos válidos para análises mais consequentes. Em segundo lugar e na tentativa de algum mapeamento, apresentamos algumas questões que julgamos devem ser melhor debatidas dentro do tema. Em especial, procuramos chamar a atenção para a necessidade de que as análises que partem do conceito central de Poder Local se “abram” em espaços maiores para melhor compreensão de processos nada claros em nossa República Federativa como a questão das tensões regionais por conta do desenvolvimento desigual entre elas.
É um apanhado muito denso de problemas e questões pendentes.
E, em nossa leitura, não há mais como tratar de Poder Local sem tratar de Desenvolvimento Municipal. Contudo, precisamos estabelecer o que envolve o município, e uma das determinantes são as tensões entre regiões e precisamos analisá-las com mais profundidade.
Trata-se apenas de um começo.
Já há um bom número de estudos acadêmicos e outros, produzidos por pensadores independentes e pelos partidos políticos, com referência à questão do Poder Local. Boa parte desses estudos não é apenas conceitual e caminha na direção de detectar a existência das estruturas do poder tradicional e as recentes transformações das relações locais de poder(1).
O outro lado do Poder Local, como estudo das relações tradicionais,
é como proposta de transformação fundada na constatação da presença de novos atores políticos e nos atuais padrões de governança democrática. Em último caso, não se busca a constatação, mas como essa proposta pode impulsionar a revisão das relações tradicionais de dominação e subordinação. É a chamada ressignificação (2) ou a leitura diversa do conceito.
Existem, também, linhas claras de leitura das realidades. Algumas são
mais objetivas.(3) Outras, e são muitas, nem tanto. Olham para o conceito ressignificado e estabelecem um ideário que filtra a leitura e pode emprestar ao processo de alteração das relações locais um peso que talvez não tenha. Aquilo, por exemplo, que deveriam ser processos e estruturas inovadoras na questão Estado & Cidadania, movimentos sociais e cogestão, acabam de alguma forma capturados pelas estruturas existentes de poder, seja a partir dos grupos de poder no aparelho do Estado, seja a partir dos grupos de poder nos partidos políticos ou no poder real local (há um debate a ser feito aqui), seja na linha de pensamento sobre Poder Local como constatação das relações de poder já existentes ou como ação de revisão dessas relações, o foco é a localidade. Não necessariamente o ente federativo mais “próximo” do mundo real, o município.
Admite-se, fundamentalmente, um conceito de pertinência, o pertencer
a um lugar que pode ser o local de moradia ou o local de trabalho ou ambos, mas também pode chegar aos limites políticos municipais e mesmo seguir em frente até os limites regionais. De qualquer forma é uma evidente afirmação geográfica.
A Constituição Federal de 88 inovou e deu aos municípios novos
papéis e nova personalidade. Mas não foi apenas isso. Ela também introduziu a novidade da democracia participativa e abriu o caminho para o debate a respeito da cogestão, da gestão partilhada de políticas públicas, cobrou transparência e habilidade de planejamento.
A questão do Poder Local tomou um foco geográfico-político,
municipal e passou então a interessar o quanto a Carta Constitucional, o novo conceito de cidadania nela embutido, o acúmulo das lutas contra a ditadura, a ampliação da rede de organizações do movimento social, podem ou não alterar as relações pré-existentes de poder e como isso se dá.
No interesse prático dos partidos políticos, a questão do Poder Local
tomou outro caminho e virou elemento de discurso. O discurso se dá em diversos níveis dentro de um dado partido e comparativamente entre eles. Atualmente todos os principais partidos políticos brasileiros incorporaram este discurso. Mas, ter virado elemento de discurso não implica em que tenha virado elemento de projeto, projeto de poder transformador. Ou de prática política sistematizada.
Um vez estabelecido o Poder Local como proposta nos partidos
muitas experiências de gestão passaram a incorporar práticas típicas dessa leitura “ressignificada” ou diversa. Na maior parte dos casos, a proposta acabou se transformando em instrumento de processos hegemônicos e de cooptação. O ciclo de auge e decadência do Orçamento Participativo é um bom exemplo. Uma parte da explicação talvez esteja no fato de que mesmo os partidos supostamente defensores do parlamentarismo são, na prática, presidencialistas. Presidencialistas, na mais forte tradição republicana brasileira: verticalizantes e centralizadores.
Outra evidência fica por conta do ciclo eleitoral. Há evidente
concentração no ciclo ligado às eleições federal/estaduais em detrimento do ciclo das eleições municipais que são vistas como uma preocupação de segunda linha. De modo geral, as próprias estruturas de poder interno dos partidos deixam exposta sua proposta de projeto de poder, pois são todas igualmente verticalizantes e centralizadoras. Na prática, os partidos respondem à visão ideológico-política de toda a sociedade: estamos muito longe de sermos uma federação e o texto constitucional é apenas uma autorização genérica. Mesmo em contexto no qual o texto constitucional acabou estimulando o lado participativo, como nos Conselhos de Saúde Municipais do SUS, ainda assim fica bem clara a captura da estrutura e seu uso manipulatório pelas estruturas de poder tradicionais.
Olhando para a Federação, como um todo, se percebe uma autêntica
correia de transmissão que vai do Executivo Central diretamente para os municípios e passa por uma extensa rede de negociações envolvendo deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores, ministros de Estado e mesmo o gabinete da Presidência de República, que tem poder de decisão em diversos assuntos de interesse municipal. Vista assim a Federação, a capacidade transformadora da leitura ressignificada ou diversa precisa ser relativizada. Ainda será necessária uma avaliação crítica concreta e a partir desse contexto. Na realidade, há outro debate a ser feito: ou se forma uma rede de municípios ou dificilmente esses ganhos de ressiginificação ou diversidade se transformarão em elementos permanentes e sustentáveis. O Poder Local é visto pontualmente. Em cada município isoladamente, difícil será um processo sustentável. Verdadeiramente, a ressiginificação ou diversidade do Poder Local foi conquistada, diferentemente de outros combates políticos, mas há evidente fratura entre a intenção do constituinte e a República Real que todos ajudamos a criar, pois votamos e elegemos.
A república centralizante e vertical, o inverso completo da leitura
ressignificada ou diversa, foi uma escolha pública. Aqui se abre outra linha para o debate.
A regionalidade como um “outro tipo” de Poder Local a ser
debatido.
Além do que já comentamos, a Constituição Federal de 1988 deu ao
governo central a incumbência de buscar a eliminação das diferenças regionais.(4) Com efeito, o constituinte, olhando para macrorregiões, definiu com clareza a obrigatoriedade de políticas públicas que compensassem as evidentes diferenças macrorregionais. Não é outro o motivo de estarem lá, tanto o Fundo de Participação dos Estados como o Fundo de Participação dos Municípios. Mais tarde, coube à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer o planejamento orçamentário, dar ao Plano Plurianual o papel prático na ordenação dos programas federais e de também priorizar o papel do investimento público na superação do desenvolvimento desigual das regiões.
Especificamente, a Lei que criou o FPE, Lei Complementar nº 62, de
1989, destinou 85% das cotas aos estados do norte, nordeste e centro-oeste, ficando os restantes 15% para Sul e Sudeste. Originalmente, o Congresso Nacional teria até o ano de 1992 para debater e estabelecer novos parâmetros. Evidentemente, o crescimento econômico pode gerar alterações nos perfis, pedindo alteração no regime de cotas. Sucessivas protelações colocaram o assunto sob a alçada do Supremo Tribunal Federal que decidiu dar prazo até 2012 para uma revisão da Lei Complementar.
Previsível que teremos uma questão de embate federativo. Quando da
aprovação da Lei Complementar, José Sarney era o presidente da República. Hoje, ele retorna à próxima legislatura como principal, e discreto, fiador do equilíbrio de centro.
Seria interessante uma leitura que revelasse a diferença entre poder
nacional e os diversos poderes subnacionais, olhando de forma mais atenta para a questão subnacional e a formação de arcos de aliança macrorregionais, seus vínculos com o poder nacional e sua acomodação na questão federativa da forma como ela se dá hoje. Ou não se dá. Questões que envolvem não apenas o FPE ou o FPM, mas também a própria composição das bancadas na Câmara Federal e o comportamento dos partidos políticos que se sentindo nacionais refletem muito mais as demandas regionais e as contradições entre elas, que são resolvidas no interesses das elites dominantes mais tradicionais.
A lógica de transformação de relações também precisa chegar à
região e estratégias devem beneficiar olhares para a formação de redes nas micro, meso e a macrorregiões. Na direção inversa da proposta de olhar em bloco para as regiões, sem querer desmerecer que há tensões internas entre os blocos regionais, talvez o comportamento prático e realmente federativo fosse outra postura.
A provocação final aqui fica por conta de propor que a questão do
desenvolvimento desigual seja vista a partir da ótica municipal e não regional, já que o desenvolvimento desigual pode afetar municípios indistintamente. É possível pensar o estabelecimento de parâmetros socioeconômico-ambientais, pelo menos, que qualifiquem uma dada localidade, independentemente de sua inserção regional, a receber ou não os benefícios da partição federativa.
(1)
Um bom exemplo: Avritzer , Leonardo. Sociedade Civil e participação
social no Brasil. Disponível em: <http://www.democraciaparticipativa.org/files/AvritzerSociedadeCivilPa rticipacaoBrasil.
(2)
Da Costa , João Bosco Araújo. A ressignificação do local: O imaginário
político pós- 80. Revista São Paulo em perspectiva, 10(3), 1996.
(3)
Entre outros:
Maluf , Rui Tavares. Prefeitos na mira. São Paulo: Editora Biruta.
2001. Weber , Luís Alberto. Capital social e corrupção política nos municípios brasileiros. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Ciências Políticas/UNB. 2006. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/30/ TDE-2006-11-07T164649Z-409/Publico/luiz_weber.pdf>.
De Souza , Clóvis Henrique Leite. Partilha de poder decisório em
processos participativos nacionais. Dissertação apresentada no PPG em Ciências Políticas da UNB como requisito parcial para a abtenção do título de Mestre em Ciências Políticas. 2008. Disponível em: <http:// repositorio.bce.unb.br/handle/10482/5718>.
Abers , Rebecca; Keck , Margarete. Representando a diversidade:
Estado e associações civis nos conselhos gestores. Artigo apresentado no II Seminário Nacional do Núcleo de Pesquisa em Ciências Sociais: “Movimentos sociais, participação e democracia” UFSC. 2007.
(4)
Cito como uma boa introdução ao debate federativo:
Rezende , Fernando; Afonso , José Roberto. A federação brasileira: Fatos, desafios e perspectivas. Disponível em: <http://info.worldbank.org/etools/docs/library/229990/Rezende%20e %20 Afonso.pdf>. Texto originalmente publicado na “Revista Política Democrática” n° 28