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Escrita:
Uma Forma de Multiplicar os Sentidos
ou para uma escrita que ensina a ler
um pouco do que ficou de um projecto de autoformação cooperada

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Escrita: Uma Forma de Multiplicar os Sentidos
ou para uma escrita que ensina a ler
um pouco do que ficou de um projecto de autoformação cooperada

Arisitides Custódio . Cláudia Xavier . Cristina Miranda. Dulce Barreiros.


Fernanda Santos . Mª Júlia Lousada . Mónica Teixeira . Paula Martins.

COORDENAÇÃO
Daniel Lousada

e ssentia
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2010
TITULO: Escrita uma forma de multiplicar os sentidos
ou Para uma Escrita que "Ensina" a Ler
Autores: Aristides Custódio, Cláudia Xavier, Cristina Miranda,
Daniel Lousada, Dulce Barreiros, Fernanda Santos,
Mª Júlia Lousada, Mónica Teixeira, e Paula Martins

2010 Euedito

Editor: Essentia - grupo de reflexão


www.essentia.pt.vu gr.essentia@gmail.com

Impressão: Euedito
Depósito Legal: 314628/10
ISBN: 978-989-96852-0-8

Euedito
geral@euedito.com
www.euedito.com

Qualquer sugestão ou pedido de esclarecimento


pode ser enviado para: gr.essentia@gmail.com
Desde já, agradecemos a disponibilidade

As(os) Autoras(es)

6
No que respeita à pedagogia, não sabemos se
haverá, ainda, alguma invenção por inventar, se
teremos alguma técnica não experimentada já.
Não estamos amarrados ao compromisso com a
novidade, mas na expectativa de encontrarmos a
inteligência que suporta as propostas de trabalho
que vamos pensando.
Tudo o que fazemos já foi experimentado. Mas
isto não quer dizer que, nalguns momentos, não
vivêssemos a ilusão de ter criado, se não uma
proposta nova, pelo menos uma nova forma de a
por em prática. Acreditamos que nem isto acon-
teceu!
Mas como, em matéria de educação, não existe,
até ver, um registo de patentes, podemos sem-
pre, em dias cinzentos, pintar o céu de azul,
desde que a busca da originalidade não seja o
nosso propósito mas, tão só, o desejo de fazer
um dia mais claro.

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APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

Esta publicação junta o trabalho desenvolvido no âmbito dos pro-


jectos de autoformação cooperada “Aprender a Escrever Para Apren-
der a Ler” e “Escrita: uma Forma de Multiplicar os Sentidos”. Dois pro-
jectos, como se depreende pelo nome que os identifica, preocupados
com o ensino da leitura e da escrita.
Entre um e outro há um longo espaço de cinco anos a separá-los,
a que não é alheia esta voracidade burocrática que se instalou nas
escolas, e nos consome o tempo todo em reuniões inúteis, incapazes
de nos juntar solidariamente em “modos de fazer uma escola melhor”
para os nossos alunos e, consequentemente, para nós.
Com efeito, nos espaços marcados pela escola, que deveriam ser
de inovação, vive-se uma situação contra a corrente: enquanto outros
sectores procuram simplificar, na escola a palavra de ordem é compli-
car, quer na invenção de mais um papel ou na procura da novidade,
pela novidade, que desgasta, quer em procedimentos formatados num
único modelo de organização do trabalho de aprendizagem (decalcado
do ensino por disciplinas, próprio do 2º Ciclo e seguintes), na ânsia irracional
de colocar todos os professores, com os seus alunos, a fazer a mes-
ma coisa ao mesmo tempo, como se todos fossem iguais e caminhas-
sem todos ao ritmo marcado por um manual qualquer. Em contrapar-
tida, faltam espaços de reflexão sobre a prática, de discussão sobre o
trabalho que se desenrola no quotidiano da aula. Estes momentos,
quem os quer (porque deles precisa), ou procura-os fora da escola, cons-
truindo-os no reduzido tempo que ainda deixam ser só seu, ou não
encontra nunca. Os encontros nos intervalos, na pressa dos átrios e
corredores, quando muito, chegam para o desabafo que não vê hora
de chegada de um qualquer “simplex”.
António Nóvoa descreve a escola de hoje como uma escola
transbordante, que não consegue abarcar mais o que continuamente
lhe é pedido. E então transborda como um copo que não consegue
conter mais água. O problema é que, tal como acontece com o copo
já cheio, o que transborda da escola não é o que se lhe acaba de
meter, mas uma parte do que ela já tem; o que transborda não é

9
aquele papel com o registo inútil, ou descrição da “tarefa para a foto-
grafia”, de que dependem os pequenos poderes, para justificarem a
existência do lugar que ocupam, ou a reunião interminável sem senti-
do, que desespera… O que transborda, escola fora, é o espaço de
encontro que permite pensar o trabalho com prazer! Um espaço que,
hoje em dia, só fora da escola é possível encontrar.
Por tudo isto, não temos outros agradecimentos que não sejam
os que devemos a nós mesmos e àqueles que, fora da escola, nos
apoiam com a sua disponibilidade.

Julho, 2010

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO……………….…………………………………………………………….……..... 13
PARTE I
DA CÓPIA À LIBERTAÇÃO DA ESCRITA
 Quando não souberes copia………….…………………………..………….… 19
 Entre fazer a cópia e copiar………..……..…………..............................……. 20
 Dar forma às ideias……………………………...…...……..………...…………...... 22
 Motivar provocando os sentidos……...…………………………….…….....… 25
 As portas que um texto abre……………..........………………….……..…..… 27
 Inventar as palavras………………………………………………………………… 33
 Libertar a escrita para libertar o texto………………………………...……… 34
 Do controlo externo àquele outro puramente interno da activi-
dade linguística ……………………………………………………………………….. 37
 Trabalho de texto e gramática ………………………………………………… 40
 Concluindo ……………………………………………………………………………... 42
PARTE II
AS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA TAL COMO AS VIVEMOS
 Uma nota a propósito do “plano nacional de leitura”……………...….. 47
 Desenvolvimento do currículo de língua portuguesa, neste
projecto……………………………………………..……………………………………... 48
 Trabalhar o texto literário…………….……………………………………………. 48
Alguns Exemplos do que fizemos: ……………………………………………. 51
 “Quasi” – Mário de Sá-Carneiro……..……..…………….....……………….…... 52
 “Frutos” – Eugénio de Andrade…………………..……………..………...…….... 55
 “Faz de conta” – Eugénio de Andrade ……………….……….…………….… 57
 “Antântico” – Sophia de Mello Breyner e “Aquela nuvem”- Eugé-
nio de Andrade………………………………………………………..…………..……. 58
 Entre Inverno e Primavera: recriar “O Fim do Verão” de José
Agostinho Baptista…………………………………………………………………..… 61
 “Rifão Quotidiano” de Mário Henrique-Leiria……………………………….. 64
 “Livro de Perguntas” de Pablo Neruda………………………………….…. 68
 “Ou Isto ou Aquilo” de Cecília Meireles. ……………………………..………. 71
 Entre as “Nuvens” de Jorge Sousa Braga, e “O Segredo do Rio”
de Miguel de Sousa Tavares………………...……………………..…………...….. 75
 A sopa da bruxa………………………………………………………………………. 82
 “Histórias de chocolate” de José Jorge Letria ………………….…………. 84
 “Escrita formal” ………………………………………………………….…………….. 85
 “Já sei ler a novidade da Joana ao contrário” …………………….……. 88
 Quando eu morava no jardim…………………………………………………… 90

11
 A imaginação aprende-se……………………………………………….…….….. 92
 Trabalho de texto sobre um texto livre…………………………………….... 94
 A questão ortográfica……………………………….…………………………….… 97
CONCLUSÃO
 O ensino da escrita e as TIC – uma questão por resolver………... 103
 Uma nota final………………………………………………………………………….. 106

BIBLIOGRAFIA…………………………………………………...………………………………… 107
 Outras referências…………………………………...…………………………..….. 108
 Obras que contêm os textos trabalhados……………….…...…………… 109
CONTEÚDO DOS TEXTOS DITOS…………………………………………………………….. 109
SOBRE OS AUTORES………………………………...………………………………………….. 110

12
INTRODUÇÃO

“De facto, o grande problema, agora, é fazer do leitor um escritor. No


dia em que se chegue a fazer do leitor um escritor virtual ou potencial,
todos os problemas de legibilidade desaparecerão. Se se lê um texto
aparentemente ilegível, no movimento da sua escrita compreendemo-
lo muito bem. Evidentemente, há que fazer toda uma transformação,
quase diria uma educação; para isso, é necessária uma transformação
social”.
Roland Barthes

Luís Miguel Cintra, no texto de apresentação à sua colectânea


de “Poemas Ditos de Rui Belo”, vê a leitura “numa intimidade que
recria ou pelo menos imagina o acto de escrever”. Ler assim, conti-
nuou, “seria como escrever em voz alta com o som de uma voz que
dá som às palavras”.
“Ouvimos” nesta possibilidade de ler (porque ler também é ouvir),
provavelmente, a mais bela definição de leitura que alguma vez
lemos, e que só poderia chegar-nos pela mão de alguém com a sen-
sibilidade de quem mexe nas palavras à maneira dos poetas: longe do
formalismo que caracteriza a definição científica, sintetiza tudo o que
defendemos sobre a leitura como meio de nos relacionarmos com a
palavra escrita e com o mundo que ela nos traz.
Desde a “invenção da linguagem” que a nossa relação com o
mundo é também uma relação com as palavras que o agarram; quer
dizer, desde que o homem é homem que o mundo não existe, não
existe plenamente, fora das palavras que lhe dão sentido; e a escrita
transportou para um outro nível o desenvolvimento desta relação.
Com a escrita as palavras deixam de ser apenas fala a chamar o
ouvido que escuta, para serem também forma a carregar sentido
pelos olhos adentro. Não dispensam o ouvido – aliás, o ouvido molda-
lhes a forma com os espaços que desenha entre elas – e, mais do
que isso, traz novos modos de ouvir (uma nova forma de escuta, para
usarmos as palavras de George Jean), com palavras que podemos escutar
pelos olhos. E aqui voltamos ao que nos cativa tanto na “leitura” de
Luís Miguel Cintra.

13
Em todas as definições de leitura, que a ciência das línguas nos
traz, a voz está presente, mas sempre escondida (desvalorizada) nos
outros fenómenos que a compõem. O que lhes sobressai, então, é
uma leitura que retira o sentido da palavra como se fosse possível
tirar sentido de uma palavra sem voz. E as consequências pedagógi-
cas estão à vista: práticas de leitura que apostam na extracção de
sentido numa hiper-valorização da leitura silenciosa e que esquecem
que, mesmo silenciosamente, a leitura não é feita de silêncio. A leitura
como pesquisa, que procura apenas a informação necessária à
extracção do acontecimento, até pode esquecer que a palavra escrita
tem um som que lhe reforça o sentido, mas a leitura que se faz com
todo o prazer que a leitura pode dar, não se faz verdadeiramente sem
“o som de uma voz que dá som às palavras”.
“Escrever em voz alta” sugere que a leitura e a escrita estão
presas pelo movimento. E é na tradução deste movimento que a voz
se implica, também, na construção do sentido do texto. Neste sentido,
aprender a ler é, também, aprender a reflectir na leitura o movimento
que a escrita imprime ao texto. E não vemos forma de ensinar a sentir
(ler) o movimento da escrita sem passar, em simultâneo, a experiên-
cia, mesma, de escrever!

*
Questionarmo-nos sobre a nossa relação com a escrita, para
além da que resulta da avaliação que fazemos das produções dos
nossos alunos, foi o desafio que nos impusemos, permanentemente,
na certeza de que só com uma relação descomplexada com esta for-
ma de expressão é possível perceber os constrangimentos dos nos-
sos alunos na sua relação com a escrita. Através dos textos que tra-
balharam ou criaram connosco e da escrita que, sobre estes proces-
sos de criação, experimentamos entre nós, percebemos que defender
a escrita, num processo mais alargado de expressão livre, não signifi-
ca deixar quem escreve ao abandono, até porque a escrita só é real-
mente livre se tiver condições para se desenvolver, se tiver ouvidos
que a escutem, ouvidos que a acompanhem e saibam compreender
os impasses em que, por vezes, o texto cai: uma ideia que não encon-
tra a palavra que lhe dê o sentido desejado ou uma palavra que tem

14
dificuldade em encontrar o seu lugar na frase mas que é fundamental
que esteja lá pela força que transmite.

*
Ensinar a escrever e a ler passa por não separar, nunca, a leitu-
ra da escrita, contrariando a dicotomia entre ler e escrever que, de
acordo com Paulo Freire, nos tem perseguido a vida toda. Cabe-nos,
então, ensinar a encontrar a escrita nos textos que damos a ler, e a
encontrar a leitura nos trabalho de escrita que propomos: a leitura de
um texto não pode esgotar-se na extracção do acontecimento, precisa
de ser vivida na apreciação da sua estética, contida no critério de
escolha das palavras, na forma como estas se arrumam na frase e as
frases no texto…; por sua vez, o domínio da escrita vai além da aqui-
sição da técnica de tradução escrita de uma ideia, assentando, antes,
no desenvolvimento daquela mesma consciência estética, que se ini-
cia quando aprendemos a projectar-nos no leitor que queremos para o
texto que escrevemos.

Neste sentido, procuramos ir além das actividades, tradicional-


mente usadas na escola, que têm apenas no conteúdo o elemento
principal de união entre a leitura e a escrita, como são os casos do
resumo, do reconto e das respostas, por escrito, a questionários de
interpretação.

*
A escola tem duas formas de convocar o texto escrito: a redac-
ção ou composição (livre ou sugerida, no formato e no tema) entendida
como uma tarefa que ocorre num tempo e num espaço determinados,
por solicitação do(a) professor(a), e o “texto livre” que, na tradição de
Freinet, nos chega, à partida, sem agenda ou conteúdo a condicioná-
lo.

O aparecimento do “texto livre” na escola não está isento de


equívocos. Desde logo pelo adjectivo que o identifica: livre, num
espaço onde a escrita é obrigatória. Daqui, na sua concepção original,
ter sido interpretado, por muitos, como um “direito de não escrita”, em
vez de alternativa às práticas escolares de escrita, muito centradas

15
num programa que vê a língua, não como objecto que precisamos
aprender a usar (portanto, com um sentido social preciso), mas unicamente
como objecto de estudo.

Ora, neste projecto, procuramos, por um lado, um espaço que


retire este carácter de “direito de não escrita” que alguns associam ao
“texto livre”, propondo, também, o seu alargamento à leitura; e por
outro lado, em alternativa à escrita obrigatória, propomos a escrita
contratada, que contempla a proposta do professor e que, na ausên-
cia de outras propostas, se transforma em actividade obrigatória.

O que sugerimos, então, são duas formas de convocar o texto


(lido ou escrito), aparentemente conflituantes, mas que esperamos,
através do percurso (que não é, obviamente, nem exclusivo, nem linear) “da
cópia à libertação da escrita” que traçamos, defender como comple-
mentares, ao serviço do ensino da escrita e da leitura.

16
Parte I
DA CÓPIA À LIBERTAÇÃO DA ESCRITA
PARA UMA ESCRITA QUE CONVIDA A LER
PARA UMA LEITURA COM ESCRITA DENTRO


Texto registado por Daniel Lousada e Mª Júlia Lousada, a partir das reflexões produzi-
das pelos professores envolvidos no projecto,

17
O prazer de ler ensina-se numa leitura com prazer
só possível com a escrita presente

18
QUANDO NÃO SOUBERES COPIA
Hoje diabolizamos a cópia como prática escolar. Acontece
(acreditamos) que não é na cópia que o problema está, mas nos usos
que dela fazemos e, para a qual, a “precária consciência dos critérios
que sustentam as práticas escolares”1, não deixa 1 Colello, 2007, p.129
perspectivar usos mais inteligentes. Quer dizer, acei-
tamos a actividade sem a questionarmos, afastados da coerência que
apenas um saber pedagógico lhe pode oferecer. ”De um professor
que sempre deixava copiar passamos para outro que se aterroriza por
ter um aluno que quer copiar”, observa Emília Ferreiro,2 colo- 2 2001, p.41
cando em evidência a nossa dificuldade em reconceptualizar
a cópia, o que nos impede de descobrir quando ela nos pode ser útil.
Andamos de extremo a extremo à procura do “movimento” que fun-
ciona “o que é muito típico dos movimentos pendulares educativos”.
Diabolizada a cópia como prática escolar, esta transforma-se em
prática que ninguém assume mas que pratica clandestinamente. E
perde-se a possibilidade de investir na utilidade que a cópia pode tra-
zer, reconceptualizando-a nas nossas práticas presentes, como mais
um instrumento ao serviço do desenvolvimento da escrita e das leitu-
ras que dela e sobre ela podemos fazer, libertando-a, assim, da con-
dição de reprodução de um produto que a fez nascer.
Quando não souberes pergunta, aconselhamos tantas vezes! E
não nos damos conta do difícil que é, por vezes, seguir um tal conse-
lho. É que nem sempre sabemos ao certo que pergunta temos para
fazer! Ora, na escrita, mais do que noutra actividade qualquer, somos
muitas vezes confrontados com dilemas deste tipo: ter um texto para
escrever e não encontrar a pergun- 3 Escrever é apenas o reflexo de uma coisa
ta que nos faz iniciar a tarefa.3 E que pergunta (Clarice Lispector, citada por
quando assim é, ou deixamo-nos Solange Souza, 1994)
estar onde estamos, ou então… podemos procurar, na “cópia”, a res-
posta para a pergunta que não temos! Então propomos, com Fernan-
do Tordo, “quando não souberes 4 Título de um Livro de poemas de Fernando
copia”!4 Tordo (Lisboa, Campo das Letras, 2007)

19
ENTRE FAZER A CÓPIA E COPIAR
Na nossa escola fizemos muitas cópias e copiámos muitas
vezes. Julgámos, aliás, ter sido através de actividades deste género,
conjuntamente com o ditado, também ele uma forma de cópia, que
entrámos no mundo da escrita. E aqui distinguimos a cópia do copiar.
Desde logo, porque copiar foi, e ainda é, frequentemente, encarado
como transgressão. O “fazer a cópia” e o “copiar” não têm, assim, o
mesmo sentido para nós.
“Fazer a cópia” começava por ser uma repetição de gestos na
busca da forma perfeita que desenha a palavra. O importante não era
a palavra, a frase, o texto… mas a perfeição do contorno da letra. E
depois, ou em simultâneo, era ainda o instrumento que ajudava a gra-
var na memória. Por isso “copiávamos, às vezes, vezes sem conta,
5 tantas vezes também por castigo, as palavras que
Daniel Lousada, 2006
errávamos no ditado”.5 Mas se pela cópia repetimos,
imitando apenas o gesto do outro, o que aprendemos é, tão só, a
repetir gestos que não são nossos. Foi esta dimensão rotineira que
6
granjeou à cópia a fama que ainda
“(…) embora a cópia, como prática social, 6
possa ter propósitos legítimos e também tem.
associados aos processos psicológicos
superiores (registo de informações, arquivo Longe vai o tempo em que a
de documentos e apoio à memória, entre cópia era pedida (obsessivamente
outros), é certo que a escrita capaz de con-
na generalidade dos casos) como
tribuir na evolução das formas de pensamen-
to supera a reprodução mecânica dos tra-
desenho de um texto já escrito para,
çados” (Colello, 2006: p.94)
“passado a limpo”, fazê-lo mais
agradável ao olhar. Nesse tempo, a cópia tinha uma função social
precisa: fazer um produto que reunisse condições óptimas para ser
lido. Mas hoje, o desenvolvimento tecnológico afastou a cópia desta
função e, mesmo na correspondência escolar, as formas mais expedi-
tas de correio electrónico fizeram cair em desuso este passar a limpo
que esta escrita pedia. Não queremos com isto dizer que a perfeição
do contorno que desenha a palavra não deva ser valorizada. Apenas
entendemos que, se não percebermos a diferença entre valorização e
obsessão, corremos o risco de confundir as nossas prioridades.

Hoje temos com a cópia uma relação paradoxal: rejeitamos a


repetição do gesto que busca apenas a perfeição da forma que dese-
nha a palavra, ou a simples reprodução do texto que outro escreveu

20
para nós, e aceitamos o instrumento que ajuda a procurar a forma que
pode dar forma às nossas ideias, numa busca que procura, nas pala-
vras dos outros, as palavras que escondem as nossas próprias pala-
vras, libertos, agora, do sentimento de transgressão que lhe estava
associado.

Ao reflectirmos sobre o valor pedagógico da cópia (que procu-


ramos associar agora ao copiar), recordamos a cópia que, por vezes,
fazíamos com prazer. Mas, nesta cópia, não era a cópia do “desenho”
de um texto já escrito que prendia a nossa atenção. Embora dela não
resultasse outro produto de escrita, era, no entanto, uma forma de
fazer um pouco nosso o texto que líamos e relíamos com prazer,
numa espécie de “cópia livre”,7 que nos fazia 7 Por analogia com o Texto livre”
sentir o texto não apenas pelo que os olhos de Freinet (1974), entendido, no
trazem, mas também pelo que traz a mão dizer de Clanché (1976), como
uma forma de solicitar o texto.
que escreve. E aqui recordamos Bakhtin
quando, discutindo sobre a dimensão criativa da linguagem, defende
que esta se desenvolve “a partir de «palavras-alheias» que, pelo jogo
dialógico, se transformam em «palavras-pró-
8
prias-alheias» para, finalmente, se transfor- Colello, 2007, p.171

marem «palavras-próprias»”.8 Ora, o que “(…) a experiência discursiva de


qualquer pessoa se forma e se
procuramos desenvolver agora é a pos- desenvolve em uma interacção
sibilidade de uma prática de escrita assente constante e contínua com os
enunciados individuais dos outros
numa relação idêntica, vendo na cópia (não (…). Essas palavras dos outros
como reprodução de um texto definitivo9 mas trazem consigo a sua expressão,
seu tom valorativo que assimila-
como acção integrada naquele jogo dialógi- mos, reelaboramos e re-acentua-
co), um instrumento que nos ajuda a pensá- mos” (Bakhtin, 2003, p. 294, 295)
la, integrando o texto num novo processo de 9 O texto como produto (que
podemos ler num livro, numa
produção. revista, ou mesmo numa folha
Tal como desenvolvemos a nossa fala, dactilografada) é um texto definiti-
vo (Schneuwly, 1994).
na fala que temos com o outro, é possível, de
igual modo, desenvolver a nossa escrita com a escrita que o outro tem
connosco. Copiar, neste sentido, é entrar na escrita do outro e deixá-
lo orientar a nossa, actuando nessa zona de “apropriação criativa não
plagiadora” que, no dizer de Eduardo Prado Coelho10 é a “zona 10 2009
indecisa em que as palavras dos outros são as nossas e as nos-
sas são ainda as palavras dos outros”. Quer dizer, não é sobre práti-
cas de cópia de pensamentos alheios que esperamos reflectir, mas

21
sobre a cópia das formas que podem acolher pensamentos que são
nossos. Então, ao introduzir, nestes termos, a exploração da cópia em
contexto escolar, é para a apropriação das formas que a “palavra”
pode tomar quando escrita, que começamos por focalizar a atenção
do escritor aprendiz.

DAR FORMA ÀS IDEIAS


Sílvia Colello11, numa tradução livre de Ajuriaguerra, dá-nos a
11
2007)
imagem do escrever como “a arte de aprisio-
12
“De todas (…) as actividades,
nar a mão para libertar a ideia”;12 na perspec-
é a escrita que deixa à mão, tiva que procuramos defender aqui a cópia é
menos liberdade, mas é ao um instrumento ao serviço desta arte: “às
mesmo tempo a mais plena,
porque fixa a linguagem e pode vezes – sugere Forrester ao jovem Jamal, ao
deixar o traço descritivo de tudo oferecer-lhe um texto para copiar – o simples
o que ela pode exprimir” (Ajuria-
guerra, 1988: p.10). ritmo da dactilografia, leva-nos da primeira à
13
In Descobrir Forrester. Um segunda página. Quando sentires as tuas
filme de Rob Brown, 2000. palavras começa a dactilografá-las”.13
Aqui, com o movimento que imprimimos à mão, esta cópia pare-
ce funcionar como chave para aceder a ideias que temos escondidas,
como se ao tactearmos as palavras dos outros sentíssemos a forma
que permite revelar as nossas, num processo que se assemelha, de
certo modo, ao processo que o escultor experimenta quando parte à
descoberta daquela forma que, se for persistente, o barro promete
revelar. Quer dizer, as ideias têm a forma que as palavras, naquela
combinação, revelam. E na escrita, mais do que na fala, a forma
amarra mesmo o sentido: na fala o discurso é treinado para ser dito,
depois do que se esfuma no ar, enquanto que na escrita o discurso
precisa ser “esculpido” para transmitir toda a sua força. Dito de outro
modo, as ideias, quando escritas, têm uma forma que vive da força
que a combinação que encontramos para as palavras que escreve-
mos, lhe dá.

*
Na escola, com frequência, esquecemos que, no que respeita à
escrita, o importante é começar a escrever, nem que para tanto preci-
semos de tomar palavras de empréstimo. Mas este empréstimo traz

22
em si uma promessa que só
muito dificilmente aprende-
mos a cumprir sozinhos: a
promessa de devolver o que
um dia pedimos emprestado,
que o mesmo é dizer, a pro-
messa de nos libertarmos do
que tomámos por emprésti-
mo. Então, ao copiar, fazemo-
lo como quem usa um instru-
mento de apropriação de um
saber, repetindo o gesto
copiado não para não errar
mas para, ao fazê-lo nosso
gesto, construirmos, a partir
dele, os nossos próprios ges-
tos, na perspectiva defendida
atrás com Bakhtin (Figura 1).
Nesta cópia treinamos uma
escrita feita a partir da leitura
que fazemos da escrita do
outro: é a cópia como treino
de uma técnica, o aprender a
esculpir formas, tendo as
formas do outro como mode-
lo. Quer dizer, não se trata de
FIGURA 1 – Em cima, um poema de Eugénio de fazer a apologia da cópia (no
Andrade; em baixo, a cópia que confronta o
nosso gesto com o gesto do outro. sentido literal do termo) ou de
plagiar os textos que gosta-
mos de ler ou de ouvir ler. Trata-se de aprender a escrita através da
escrita dos outros, apropriando-nos, não das suas ideias, mas das
diferentes formas que a escrita tem, treinando processos de fixar a
nossa interpretação, a nossa visão do mundo. Então, tal como acon-
tece, por exemplo, na iniciação às artes plásticas, durante algum tem-
po as nossas formas são decalcadas de formas alheias, modificando
aqui e ali um ou outro elemento, fazendo do texto lido uma reescrita
que traduz a nossa experiência.

23
Aqui afastamo-nos da cópia da “nossa escola”, que apenas
prendia o movimento ao olhar, sem qualquer compromisso com o sen-
tido. E promovemos a cópia como a procura da forma que bata certo
com o que temos para contar, como instrumento que ensina a cons-
truir “(…) o vínculo entre o texto e o objecto por ele abordado (a retóri-
ca e o conteúdo)” que, para além de representar “o grau de conheci-
mento linguístico, traduz a óptica do autor sobre o mundo; o modo de
14 compreende-lo e de com ele se relacionar”.14
Colello, 2007, p.220
Ensinar a escrever passa, também, por desen-
volver a capacidade de apreciar estruturas já formadas (diferentes
formas de combinar as palavras na frase) e a usá-las para dar forma
às ideias que o pensamento é desafiado a compor. É certo que um
texto assim criado corre o risco de não ser original na sua forma; mas
não é na procura da originalidade da forma que esta cópia se situa,
mas no desvendar os segredos que a produção escrita esconde. A
Criança, dizia Vygotsky, precisa crescer para alcançar capacidade
literária, e “para tanto deverá acumular múltiplas experiências, alcan-
çar um grau também muito elevado de desenvolvimento no
15
1986: p.54 seu mundo interior”.15 Então, até lá, levamo-la a escrever com
a forma dos outros, ou numa mistura de formas que batam
certo com o que tem para contar, através da apropriação das diferen-
tes técnicas de esculpir a palavra que colocamos ao seu dispor,
apoiados numa leitura que não é apenas leitura, mas uma forma parti-
cular de ler, e que identificamos como leitura da escrita: uma leitura
que não joga apenas com o conteúdo mas com tudo o que a escrita
envolve e que só uma leitura que convoca o “escrever” é capaz de
16
16
“Ler como um escritor”, para proporcionar. Como refere Geraldi, “é
utilizar o título de um livro de necessário mobilizar recursos linguísticos
Francine Prose
para enfrentar um tema (…), que não são
previamente aprendidos para depois serem postos em funcionamento,
mas estão em funcionamento quando aprendidos. (…) Debruçar-se
sobre a língua em funcionamento, lendo textos, debatendo temas,
esquematizando intervenções, fazendo anotações, revisando concei-
tos e concepções: eis a preparação para escrever textos: conviver
17 com a expressão e não analisar ou descrever os recursos
2008: p.46-65
de expressão.17

24
Neste sentido, esta cópia apresenta-se como instrumento fun-
damental ao serviço deste propósito. Ao escrevermos, copiando as
estruturas que servem a nossa escrita, abrimos uma porta para
entrarmos bem dentro das formas que a limitam e, uma vez dentro,
criamos as condições para, um dia, descobrirmos as saídas que a
libertam: só nos libertamos dos gestos alheios se os copiamos um dia
na procura dos nossos próprios gestos.

MOTIVAR PROVOCANDO OS SENTIDOS


Na “nossa escola” a cópia era apenas a cópia que prende o
olhar e na qual o ouvido está ausente. Mas a cópia que busca a forma
do texto não assenta apenas no que o olhar pode oferecer. Esta (a
forma) faz-se também do sentido feito do movimento que um olhar
associado a um ouvido que escuta pode dar. Quer dizer, na escrita, a
forma, que nos habituamos a ver com a estabilidade que o escritor
fixa, não é tão fixa assim, podendo ser ainda moldada pelo movimento
que o leitor traz com a sua leitura.18 Mas esta 18 “A escrita como a leitura é
leitura é incompatível com uma escola que movimento - diz Julien Gracq
(1981) -, e a palavra comporta-se
se esforça mais por trazer a gramática do aí, consequentemente, como
que a provocar os sentidos. E aqui trazemos móbil cuja massa, por muito pou-
co que se reduza, nunca pode ser
a memória que nos ficou das primeiras estro- vista como nula, e pode sensivel-
fes dos Lusíadas e do “Mostrengo” de Pes- mente inflectir a sua direcção”
(George Jean. 2000, p.135).
soa. Camões ficou, entretanto, esquecido
nos tempos do liceu; já Pessoa, revisitámo-lo muitas vezes, talvez
porque, ao contrário de Camões, não chegou até nós num exercício
de gramática para cumprir: “as crianças até que gostam de ler –
escreveu Eduardo Prado Coelho –, até que a experiência das leituras
obrigatórias, gramaticalizadas, formatadas escolarmente as des- 19
2009
via das boas leituras”.19
E aqui é inevitável a referência à motivação, associada, normal-
mente, à expectativa de prazer que a realização da tarefa nos pode
proporcionar. Ora, para nós, a motivação (que não conseguimos ver
fora da actividade em si)20 não está apenas 20
«Nunca consegui entender o
no prazer, mas também no sentido que a processo de motivação fora da
actividade envolve. Por vezes, não é o gosto prática, antes da prática. É como
se primeiro devesse estar motiva-
prometido pelo trabalho que nos motiva, mas do para depois entrar em acção
sim o que esperamos (ou queremos) conse- (…).

25
Esta é uma forma muito antidia- guir com ele. Quer dizer, a motivação situa-
lectica de entender a motiva- se, algures, entre o prazer e a utilidade que
ção.(…). O currículo padrão lida
com a motivação como se esta retiramos das tarefas que temos para reali-
fosse externa ao acto de estudar. zar: nem tudo o que é útil nos dá prazer (mas
A melhor coisa é sempre aquela
que você não está fazendo no fazemos porque tem para nos oferecer algo
momento» (Paulo Freire e Ira que podemos usar)21 e nem sempre o que
Shor, 1986, p. 15).
nos dá prazer tem outra utilidade, para além
21
Quando a gramática transporta do bem que nos faz sentir.
este sentido, aceitámo-la, ou
procuramo-la mesmo Com este modo de solicitar a escrita o
que buscamos é, essencialmente, o prazer de fazer entrar as nossas
palavras num jogo de palavras que esconde sentidos a revelar, a par-
tir do jogo proposto pelas palavras do outro, onde a utilidade é apenas
uma dimensão a que podemos aceder se quisermos investir a expe-
riência adquirida em projectos futuros, por exemplo, na abordagem a
outras leituras, no “texto livre” que escrevemos. Mas só escreve livre-
mente quem adquiriu os instrumentos que lhe permitem ser livre na
sua escrita e nas escolhas que faz.22
22
O “texto livre”, na tradição que
nos vem de Freinet, “dá aos alu- Na maior parte das vezes, o texto (se
for poético mais intensamente) precisa de
nos a possibilidade de se exprimi-
rem livremente” (Schneuwly,
1994), ajudando a resolver o um leitor que aceite entrar neste jogo, que
problema da motivação para a esteja disponível para apreciar as diversas
escrita.
combinações que as palavras podem tomar
23
2000 na frase. É o encontro com um leitor que, no
dizer de C. S. Lewis,23 mais do que querer
saber o que se passa a seguir, quer saber tudo o que as palavras
constroem, cultivando a disponibilidade para a pausa que lhe permite
entrar no jogo, só possível se não se deixar ficar apenas pelo que
acha necessário à extracção do acontecimento, investindo na procura
de significados escondidos, que só buscamos se o texto, pela combi-
nação dos elementos que lhe dão forma, nos segredar que existem.
Os desafios lançados pelo poema de Eugénio de Andrade (Figu-
ra 1) e pelo excerto do poema de Mário da Sá-Carneiro (Figura 2)
fazem parte de um jogo assim, e que convida o leitor a mexer no texto
através de uma espécie de cópia que não é outra coisa mais do que
uma forma de ler o texto: dar ao texto lido o sentido que é o nosso,
dentro dos sentidos que ele tem para nos dar.

26
AS PORTAS QUE UM TEXTO ABRE
Com os “Frutos” de Eugénio
de Andrade, as palavras são con-
vocadas pelo jogo de sentidos que
o olhar, o cheiro, ou o sabor con-
vocam. Dir-se-ia que as palavras
surgem à cadência da evocação
dos sentidos e os sentidos que
revelam vêm mediatizados, na sua
maior parte, por significantes que
remetem para significados que não
se afastam muito, ou não se afas-
tam mesmo, dos seus sentidos lite-
rais.
Em “Quasi”, de Mário Sá-
FIGURA 2 – Usar a forma do outro pa-
ra dar forma ao que temos para dizer.Carneiro, são outras as sensações
presentes. São estados de alma,
nem sempre fáceis de trabalhar nestas idades pois os sentidos das
palavras que os revelam não estão mediatizados, somente, por signi-
ficantes relativos a significados com sentido literal. Dizer, por exemplo,
“um pouco mais de azul – eu era além” recusa um significado literal
(nem o significante “azul” é aqui relativo a cor, nem o significante
“além” refere, neste caso, uma distância ou afastamento), antes reme-
tendo, na expressão que os integra, para um sentido não-literal, que
uma informação visual apenas, não com- 24
“A leitura sempre envolve uma
porta.24 São, muitas vezes também, sentidos combinação de informação visual
que se integram num tipo de sentidos a que e não-visual. Ela é uma interac-
ção entre o leitor e o texto”
só podemos aceder se entrarmos primeiro no (Smith, Frank, 1989, p. 86). E
movimento que a escrita imprimiu ao texto. quanto mais informação não-
visual trouxer para a leitura do
Dir-se-ia que o movimento (que é forma tam- texto mais fácil se torna esta
bém) esconde o sentido e que este só nos é interacção, ou seja, a sua leitura.
dado se fizermos o texto mexer com a leitura
que a sua escrita pede, fazendo, com esta leitura, a forma de sol-
tar o sentido. Então, como refere George Jean25, antes de nos 25 2000
lançarmos na leitura, precisamos conhecer a música particular do
texto que vamos ler (a sua partitura) e que apenas a “voz” nos dá: “A
língua é para mim uma experiência sonora. Música” – diz Rubem

27
26 Alves –. Eu escrevo o rumor das palavras.26
2004, p.28
Recriando Padre António Vieira, as palavras
George Jean, referindo-se ao
debate que procura saber se a precisam da voz que as anima.27
leitura em voz alta é uma vocali-
zação a posteriori ou um modo de *
apreender a relação entre fonema
e grafema, defende a primeira Tanto para a leitura de “Quasi” como
tese, acreditando, no entanto, “na
eficácia das aprendizagens de “Frutos”, pedimos vozes emprestadas: as
baseadas na passagem directa de Germana Tanger e de Manuela de Frei-
dos signos para o significado na
medida em que, necessariamen- tas. E ouvimos…, E repetimos a escuta… E
te, a viva voz fixa o significado na encostamos a nossa voz às vozes que
sua continuidade, fluidez, fiabili-
dade e variantes. É por isso que a pedimos de empréstimo. Sem chamar a
poesia é uma ajuda preciosa e, atenção para o conteúdo, sem perguntas de
na maior parte dos casos, não
existe (não existe plenamente) interpretação, repetimos a leitura do poema
sem ser dita” (Georges Jean, todo e, depois, verso a verso, lendo e
1995, p. 190).
recriando modos de ler, a partir das leituras
27
“Os sermões “sem a voz que os
animava, ainda que ressuscita-
dos leitores que leram para nós. E partimos
dos, são cadáveres” (p. 11). à conquista dos textos através da nossa
escrita.
Eugénio de Andrade chamou frutos para o seu poema. Mas nós
queremos um poema que fale sobre o Inverno (Figura 1), usando uma
forma igual. Então começamos por listar as coisas que o Inverno nos
pode trazer. E seleccionamos nove dos elementos que nos fazem
lembrá-lo.
O primeiro sentido a ser chamado nos “Frutos” foi o sabor. Para
o nosso Inverno veio o olhar (“pura delícia dos olhos”) que nos permite
ver a “paisagem que me fascina”; e para substituir o cheiro vem o tac-
to com a “frescura das sílabas”… … … …
Mário de Sá-Carneiro, como já referimos, chega-nos com um
desafio diferente: traz sensações que necessitam mais do que os
“cinco sentidos” para serem captadas. Para percebe-las precisamos
de “ouvir” os sentidos que nos chegam pelo movimento que a leitura
imprime ao texto – por isso começamos por ouvir o poema encosta-
28
dos ao sentido que o movimento da leitura
Sobre o tratamento do poema
na sala de aula, Ana Gebara de Germana Tanger lhe deu, procurando,
(1998) defende que nos anos assim, despertar os sentidos escondidos em
iniciais a ênfase deve ser dada à
fruição, daqui decorrendo um nós28 – e, ao mesmo tempo, precisamos
conhecimento mais intuitivo. fazer o que raramente fazemos, ou não

28
fazemos nunca: conversar com o autor do texto a partir do seu texto.

“A leitura de um texto – diz Paulo Freire – é uma transacção


entre o sujeito leitor e o texto, como mediador do encontro do leitor
com o autor do texto. É uma composição entre o autor e o leitor em
que o leitor, esforçando-se com lealdade no sentido de não 29
1993, p. 43
trair o espírito do autor, ‘reescreve’ o texto”29. Então, nesta
reescrita, procuramos opor outras palavras ao texto e, ao come-
çarmos pelos dois primeiros versos, verificamos que, afinal, há senti-
dos que não dependem daquelas palavras em concreto mas das rela-
ções que estabelecemos entre elas (Figura 3). Quer dizer, com estes
jogos de palavras, construímos fra-
ses ou expressões que remetem
para sentidos não visíveis nos seus
significados literais, revelando-os
através dos efeitos que as relações
das palavras que os compõem pro-
duzem em nós: não é sobre a falta
de “azul”, que não o deixa “ser
além”, que Mário de Sá-Carneiro
escreve, mas sobre o estado de
alma que um desejo não cumprido
lhe provoca. E aqui damos conta do
fim trágico de um poeta que desistiu
FIGURA 3 – opor as nossas palavras de viver.
às palavras do texto que lemos
Por que será que Mário de Sá-
Carneiro decidiu acabar a sua vida? – foi a pergunta que colocámos
para abordarmos a segunda parte do poema – E iniciámos a entrada
nestes versos, primeiro através dos seus sentidos literais, para avan-
çarmos depois com outros sentidos pos- 30 Asas têm os pássaros e aviões.
síveis.30 Golpe pode ser um corte, panca-
da, movimento rápido, um crime…
Mário de Sá-Carneiro estava descon- Corte ou crime de asa não faz
tente com a vida e, por isso, desistiu de viver. sentido. Só pode ser um movi-
mento rápido – Para chegar onde
Mas nós não desistimos; não desanimamos, queria faltou-lhe aquele pequeno
não preferimos estar onde estávamos antes; movimento e, em vez de tentar de
novo, desejou não ter tentado.
não queremos ficar parados a pensar apenas
no que devíamos ter feito… Procuramos o que precisamos para che-
garmos onde queremos chegar (Figura 4).
29
FIGURA 4 – Exprimir sentidos diversos FIGURA 5 – Recriar Mário de Sá-Carneiro

Em certo sentido, esta escrita ou reescrita assemelha-se, por


vezes, à montagem de um puzzle, com uma diferença: temos a ima-
gem ou apenas a ideia do que possa vir a ser, mas não temos as
peças que nos permitem entrar no jogo. Então, procuramos palavras
(as peças), que vamos juntando em pedaços que fazem parte da ima-
gem (do sentido) que procuramos compor (Figura 5). Nesta procura, a
cópia é apenas um momento breve, que logo se esgota ao passarmos
à reescrita que ajuda a interpretar o texto. E na busca dos sentidos
que o texto oferece somos desafiados, também, a exprimir os sentidos
diversos que a partir dele criamos. As características do modelo estão
presentes mas já não é o modelo que está representado. Atrevemo-
nos a dizer que, mais do que a cópia apenas, é uma “cópia original”
que temos, feita de uma escrita que, simultaneamente, nos ajuda a
perceber que nem sempre é preciso dizer tudo, e que o texto ganha
força se o que é fundamental brotar da cabeça de quem lê, através da
“informação não-visual” que o texto solicita.
As crianças estariam plenamente conscientes do significado das
expressões que criaram? Talvez não! Mas pela escrita, encostada ao
ouvido, temos esta possibilidade de fixar significantes capazes de, a
prazo, poderem revelar sentidos escondidos. Então, cabe ao profes-
sor que ensina a escrever, ensinar os seus alunos a estarem atentos
a estas expressões que os seus “ouvidos criam”, ajudando-os, através

30
da escrita, a procurar os sentidos que a superfície das palavras por si
só não traz. De certa forma, estamos perante uma experiência algo
parecida com a experiência vivida por Jorge, personagem em “Sinais
de Fogo” de Jorge de Sena:
“(…) de repente ouvi dentro da minha cabeça uma frase: «Sinais
de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas
frias» (…). Que sentido tinha aquela frase? Tentei repeti-la para
mim mesmo: Sinais de fogo… Mas esquecera-me do resto (…).
Repeti mentalmente: «Sinais de cinza os homens se despedem,
lançando ao mar os barcos desta vida». (…) as palavras eram
outras, ou quase as mesmas diversamente. Tirei um papel do bol-
so, e escrevi: «Sinais de fogo os homens se despedem, lançando
ao mar os barcos desta vida». E depois? (…) «Nas vastas
águas»… Nas vastas águas… Era absurdo. Eu fazendo versos?
Porquê?”

*
Com o que temos vindo a reflectir corremos o risco de passar a
ideia de que defendemos que nem tudo o que lemos ou escrevemos
precisa de fazer imediatamente sentido (ter um significado). Acontece
que um texto pode oferecer-nos mais do que “um sentido” se estiver-
mos disponíveis para aceitá-los. Como dizia Sophia de Mello Breyner,
numa das suas cartas a Jorge de Sena, “em verso não preciso de
compreender, mas em prosa sim”. Quer dizer, o sentido não nos che-
ga apenas no significado que uma palavra fixa; o sentido é também,
tantas vezes, o efeito de sentir um sentido que simplesmente encon-
tramos, mas que não conseguimos traduzir com palavras. Sentimos e
pronto. E um sentir assim tem todo o sentido para nós. Quer dizer,
quando lemos, não lemos apenas com uma leitura que busca o signi-
ficado preciso da palavra como se de uma qualquer definição se tra-
tasse. Às vezes, fazemo-lo pelo puro encantamento que o ecoar da
palavra nos traz. Mas, tal como Jorge em “Sinais de fogo”, desafiamo-
nos, de seguida, a tentar encontrar o sentido das palavras que chega-
ram até nós.
Acontece que ao impor, obsessivamente, o significado preciso
de tudo o que dá a ler, a escola raras vezes oferece a uma criança a
possibilidade de interagir com o texto, numa leitura que vá além dos
significados que a sua experiência atribui às palavras. Então fica-se

31
pela compreensão que a superfície do texto lhe dá, absorvendo ape-
nas o seu sentido mais literal e concreto. Mas interpretar é saber
entrar no sentido profundo da palavra – “saber revelar a metáfora por
31
A. Silva e R. Carbonari, 1977
trás dela”31 –, no exercício de um saber que
precisa entrar bem dentro dos segredos da
escrita e que só o escrever permite plenamente: há impressões para
as quais não temos palavras que cheguem para descreve-las, ou fal-
ta-nos a habilidade para, com as palavras que temos, encontrarmos a
arrumação que nos permite desocultar as impressões que o texto
fixou em nós.
Ora, o que temos vindo a propor é, precisamente, esta impossi-
bilidade de aprender a revelar estes sentidos não-visíveis (talvez,
menos acessíveis) de um texto se, num dado momento, não fizermos
entrar a escrita num jogo que não é outra coisa mais do que aprender
a escrever, desenvolvendo, a nossa escrita a partir da escrita do
outro. Quer dizer, a leitura e a escrita são duas faces de uma mesma
moeda, que se implicam na forma de expressão a que dão forma: da
expressão escrita. A escrita é objecto e objectivo, sendo a leitura
(apenas!) o meio de acedermos a ela. A leitura, no sentido aqui tra-
tado, não existe fora do acto (mesmo) de escrever, e a escrita sem
leitura é impossível: “Não é possível ler sem escrever e escrever sem
ler – diz Paulo Freire – Um dos equívocos que cometemos está em
dicotomizar ler de escrever, desde o começo, mesmo da experiência
em que as crianças ensaiam os seus primeiros passos na prática da
leitura e da escrita (…). Essa dicotomia entre ler e escrever nos
32 acompanha sempre como estudantes e professores”32. E o
1993, p. 36
“aprender a ler lendo” ou o “aprender a escrever escreven-
do”, se levados à letra, acentuam esta dicotomia. Mas há, algures, um
lugar onde estes dois movimentos se encontram. Cabe-nos, então,
ajudar a construir este lugar: o lugar que permite ajudar a ver quando
a leitura dos textos de autor poder ser útil à escrita que queremos
ensinar, e quando a escrita pode ajudar a encontrar o sentido dos
textos que damos a ler. E, então, talvez seja possível ler como quem
escreve, que o mesmo é dizer “escrever em voz alta
33
33
Miguel Cintra, 2004 com o som de uma voz que dá som às palavras” .

32
INVENTAR AS PALAVRAS
“Nós não somos do século d’ inventar as palavras. As palavras já
foram inventadas. Nós somos do século d’ inventar outra vez as
palavras que já foram inventadas”
Almada Negreiros

De certa forma, aprender a escrever é aprender a inventar as


palavras outra vez, num processo que não é possível dar por termina-
do. As palavras são as mesmas mas, ao escrevê-las, “inventámo-las”
novamente na arrumação que escolhemos para elas. Foi o que fize-
mos até aqui, explorando o mundo da escrita pela via das palavras
que outros, com os seus textos, inventaram para nós: pedimos as
suas palavras de empréstimo para aprendermos a inventar as nossas.
E percebemos, então, que estas invenções se fazem dos sentidos
diversos que, com as palavras já inventadas, conseguimos compor,
como se de uma composição musical se tratasse: as notas são as
mesmas, aqui e ali há uma frase que revela uma influência, mas a
novidade da invenção não é questionada.
“As palavras não existem / fora da nossa voz as / palavras não
assistem / palavras somos nós”.34 Nesta 34 Gastão Cruz, Palavras. In “A
perspectiva, este aprender a inventar pala- Doença”, 1963
vras precisa de muito mais do que fazer incursões na escrita do outro,
com a nossa escrita; precisa que nos coloquemos, com tudo que
somos, nas palavras já inventadas, numa espécie de jogo feito de um
“vaivém” entre o que temos para dizer e os modos de dizer que a
escrita do outro nos dá.
Este trabalho de texto, sobre os textos que têm nos textos de
autor (literários) a matriz que ajuda a saber escrever, é uma forma de
trazer uma gramática pronta-a-usar para a escrita dos nossos textos.
Quer dizer, presos a este formato, vem uma gramática implícita, a
condicionar a escrita que se escreve a partir deles: esta gramática,
que no entanto não explicitámos, está naquela matriz que amarra o
texto; não dá, mas tem a regra que só vemos quando vamos (porque
precisamos) à procura dela.
Mas, para nós, o trabalho de texto não é apenas componente de
um método, mas elemento essencial de uma didáctica que reflecte a
nossa atitude face ao ensino da escrita, e que integramos na tradução
de um espaço que queremos que seja acolhimento de múltiplas for-
33
mas de convocar o texto: um espaço que, na tradição de Freinet, nas-
ce da exploração de uma escrita que ele pensou livre para o “texto
livre” que inventou.

LIBERTAR A ESCRITA PARA LIBERTAR O TEXTO


35
“Há sistemas para todas as Parafraseando Almada Negreiros, há sistemas
coisas que nos ajudam a saber que nos ajudam a saber escrever, só não há
amar, só não há sistema para sistema para saber escrever.35
saber amar” (2009: p. 70)

Claro que a escrita do outro não está apenas nos textos que
damos, para ler e, lendo, provocar a escrita na aula: ela está, também,
nas apreciações que se expressam no decurso de um trabalho de
texto, que o “texto livre” solicita, já presente nos modos de ler que
explorámos até aqui
O “texto livre”, como espaço de solicitação do texto, caracteriza-
se pela sua diversidade de espaços: de escrita livre, de liberdade de
36
36
No texto livre a liberdade define escrita, de liberdade de expressão…
o texto; uma liberdade que, para
Clanché (1977) “não reside no A Escrita Livre, vemo-la sem amarras,
conteúdo, assunto, inspiração, sem espaço/tempo marcado para se soltar.
etc., mas no modo de solicitação”,
actuando num espaço de liberda-
A “escrita livre” é escrita e é livre, não tem
de psicológica materialmente horários a cumprir, ambiciona alcançar o
instituída: “é a escrita enquanto
estatuto da arte que vive para além do autor.
corpo que deve, em primeiro
lugar, se libertada; então esta Como texto livre, na tradição que nos vem
liberdade desenvolve-se segui- de Freinet, não nasce por encomenda: não
damente, ao mesmo tempo no
plano epistémico e no plano psi- podemos dizer que nos comprometemos a
cológico. A hipótese central que escrever um texto livre. A expressão livre
Freinet desenvolve é que a liber-
dade psicológica – não decretada não é compatível com compromissos de
mas materialmente instituída – produção. Por isso não conseguimos ver um
condiciona e facilita o acesso ao
domínio epistémico, e isto não “texto livre” num qualquer plano de trabalho:
graças a uma espécie de milagre o que vemos é escrita que só no fim sabe-
empírico que faria com que a
criança, quando escrevesse remos se é texto livre ou não. Neste sentido,
livremente, mais correctamente o texto livre que escrevemos é o texto que
escreveria o que sem qualquer
espécie de dúvida, é uma ilusão”. não nos comprometemos a escrever.
A Liberdade de Escrita é a liberdade
de quem escreve. Não arrasta obrigatoriamente o “texto livre” que, no
entanto, precisa deste espaço para se manifestar.

34
A escola promove a escrita livre, criando estes espaços de liber-
dade de escrita e implicando outros espaços fora do espaço que a
sala de aula marca. Mas um espaço onde escrita livre acontece só é
possível se a escrita não for obrigatória, se nos for permitida a alterna-
tiva de outras realizações nesse espaço. No texto livre a liberdade
marca o texto e o autor.37 37
”(…) a criança escreverá o seu
texto espontâneo à noite, num
Finalmente, o texto precisa de espaços canto da mesa; nos joelhos
de Liberdade de Expressão onde, então ouvindo a avó recordar histórias
surpreendentes do passado;
livre, pode dizer presente: espaços que con- encima da pasta, antes de entrar
vocam outros sentidos atentos às criações na aula e também, naturalmente,
durante as horas de trabalho livre
livres que acontecem em diferentes lugares e que reservamos na utilização do
tempos não marcados em horários ou agen- tempo” (Freinet, 1976).
das. É o espaço por excelência de socialização do texto, fundamental
para o ensino da língua. É o espaço onde a leitura e a escrita se
cruzam, servindo-se mutuamente; onde se ensina a trazer para o
nosso texto a experiência da leitura feita escrita, que vamos
fazendo dos textos que não são nossos.

*
Se falamos de escrita livre é porque existe uma escrita amarra-
da, que não consegue libertar-se. Por vezes liberta-se do tema, mas
mantém-se presa ao espaço e ao tempo que a agenda escolar coloca
atrás de si. A escola, pressionada pela obrigatoriedade da escrita, faz
do aprender a escrever e do escrever como manifestação deste
saber, a sua primeira preocupação. É a aprendizagem da escrita e a
demonstração da sua apropriação que solicita o texto: escrevemos,
não porque tenhamos algo de importante para dizer, mas porque
somos obrigados a revelar como somos capazes de manipular a escri-
ta.38 38
O trabalho de texto sobre o
texto de autor que descrevemos,
Com o “texto livre” a escola depara-se se não for enquadrado no espaço
com um outro modo de convocar a escrita, que o texto livre marca, a prazo
não passará de mais uma activi-
alterando as prioridades da produção do tex- dade rotineira, igual a tantas
to: escrevemos porque perseguimos um sen- outras desenvolvidas na escola.
tido preciso para a nossa escrita; não escrevemos para aprender a
escrever, se bem que aprendamos a escrever no decurso do proces-
so. Não é a aprendizagem da escrita que nos motiva mas o que
podemos fazer com ela que nos atrai. Assim, no texto livre, “a escrita,

35
no sentido mais literal do termo, não é mais do que a primeira etapa
da produção do texto enquanto produto: é ao longo deste processo de
socialização que se faz a aquisição do epistema”. Quer dizer, quando
o escritor escreve um texto ele “(…) trabalha no sentido social do
39 termo, isto é, produz; pelo contrário, a criança quando
Clanché, 1977
escreve não produz, aprende (…)”39
Escrevemos porque temos algo para contar ou porque precisa-
mos que a escrita nos ajude a pensar. A escrita não serve apenas
para comunicar. Atrevemo-nos até a dizer que a comunicação não é a
principal função que atribuímos à escrita, embora esta venha sempre
associada em todas as outras funções que a escrita tem: hoje, já não
escrevemos cartas; temos e-mail e sms para cumprir esta função.
Mas o sms e o e-mail têm escrita dentro, dirá alguém. Pois tem, mas
são outra escrita: mesmo o e-mail, sem abreviaturas, tem uma forma
parecida com o telegrama, próxima da fala, portanto; pede um leitor
na ponta do terminal para ler a mensagem, mas, diferentemente da
norma tradicional de escrita, não exige a sua presença, com a mesma
intensidade, no decurso da produção da mensagem. Na escrita, preci-
samos de convocar o leitor, virtual ou real, que traz as perguntas que
nos fazem avançar; o leitor não é apenas consumidor, é elemento
fundamental no processo de produção.
“O texto escrito implica, entre o autor e o respectivo leitor, uma
40
Steiner, 2007 promessa de sentido”.40 Por isso precisamos
41
“O outro é a medida; é para o fazer com que este se implique tanto na
outro que se produz o texto. E o escrita daquele.41 Ora, a qualidade da nossa
outro não se inscreve no texto
apenas no seu processo de pro-
relação com a escrita resulta do nível de
dução dos sentidos na leitura. O consciência que temos desta promessa. O
outro insere-se já na produção,
como condição necessária para
“texto livre”, sendo sempre escrito para o
que o texto exista” (Geraldi, citado outro (que pode ser o outro virtual que pensa
por Colello, 1993). o texto connosco42), “para todas as pessoas
42
Quando a escrita é instrumento participantes de uma forma ou de outra na
que ajuda a pensar, a comunica- 43
ção, obviamente presente, não é vida da classe” , facilita a materialização
a prioridade, mas a clareza dos desta promessa; a situação comunicativa,
pensamentos que penso. Quanto
mais sentido tiver para o outro, geradora de sentido, está sempre presente,
mais sentido terá para mim. fabricando laços entre a vida que se vive na
43
Schneuwly, 1994) escola e a experiência social exterior, defi-
nindo um contexto no qual produzir um texto tem um sentido preciso

36
para os alunos. Mas esta é uma perspectiva que uma criança muito
dificilmente consegue adoptar sozinha. Nem todas são capazes de
convocar o diálogo, nos diferentes tipos de escrita, que ajuda à
expressão dos sentidos prometidos.

DO CONTROLO EXTERNO ÀQUELE OUTRO


PURAMENTE INTERNO DA ACTIVIDADE LINGUÍSTICA

FIGURA 6

Como refere Schneuwly, enquanto que na fala é a situação exterior, a


comunicação em directo que se estabelece com o outro que, funcio-
nando em cadeia, dá sentido à actividade linguística – «pergunta/res-
posta, dúvida/explicação; a necessidade de qualquer coisa e a res-
posta a essa necessidade chamam-se mutuamente» (Figura 6) – na
escrita o contexto precisa ser representado interiormente, sem um
outro físico que interpela e ajuda a construir o discurso (Figura 7). E
aqui, viver a passagem daquele controlo externo àquele outro pu-
ramente interno da
actividade linguística,
como condição neces-
sária à aquisição/de-
senvolvimento da es-
crita, colhe todo o sen-
tido. Ora, o trabalho de
FIGURA 7
texto, que o “texto
livre” solicita, desen-

37
volve este movimento: através das interpelações que o texto convoca,
na procura dos sentidos prometidos, questionam-se as falas que a
escrita permite ver.
Em fases iniciais é fundamental a presença de leitor para que o
autor perceba que a escrita mexe na fala, que não é apenas discurso
falado feito de um modo que pode ver, mesmo que, num primeiro
momento, comece por ser o registo daquilo que diz. Mas a escrita,
para ser escrita, precisa de ser discurso pensado depois de falado. E
aprender a escrever é aprender a pensar um discurso assim. É neste
movimento (fala – escrita – leitura – reescrita…) em que se coloca o
texto que a aprendizagem se dá e se desenvolve. Um movimento
sempre presente na escrita de qualquer autor.
Um autor competente encontra argumentos que o libertam da
presença do leitor real (físico); quer dizer, dando conta das distinções
entre fala e escrita, desenvolve o seu discurso ajudado por um diálogo
interior com o leitor virtual que lhe lê o texto (projecta-se no leitor que
deseja para os seus textos). Mas o aprendiz de escritor precisa de um
outro físico que o ajude no diálogo para, com persistência, passar de
um processo interpessoal (controlo externo) a um processo intrapes-
soal (controlo interno) necessário à sua emancipação da fala, e trans-
formar a escrita numa forma de pensar, que lhe permite ser autónomo
44
Para Marcus Richter (2003) no reconhecimento dos sentidos que a escri-
“competência comunicativa é, ta força.44
antes de tudo, uma competência
semiótica; logo, a passagem da
fala para a escrita, no processo *
de escolarização, implica o acrés-
cimo de outro código na mente, e Aprendemos a fazer fazendo o que
assim, uma «segunda língua» no
sentido semiótico do termo
queremos aprender e não a fazer coisa
diversa. Não é possível pensar sobre uma
escrita que não temos! É preciso escrevê-la primeiro para depois ser
possível pensá-la. Por isso se diz que a primeira regra da escrita é
escrever, não é pensar: «Não penses, escreve! – dizia William Forres-
ter ao jovem Jamal – Primeiro escreves com o coração, depois voltas
45
a escrever com a cabeça».45 Não é esta a
In Descobrir Forrester, filme de
Gus Van Sant. tradição da escola. Enquanto alunos ensina-
ram-nos que a primeira regra é pensar para
não errar – “não pensas antes de escrever e depois dá isto”. Pela
nossa parte, entendemos que pensar é fundamental, mas preferimos

38
dizer que é preciso pensar no texto que escrevemos antes de dá-lo
como pronto, o que é bem diferente.
Escrevemos com o coração aquela emoção do momento. Mas
depois precisamos ter a certeza de que a experiência vivida mantém
todo o sentido na leitura que outros farão do nosso texto. Então
vemos o que escrevemos com a razão. Por isso, na instituição do
texto livre de Freinet, a redacção, a leitura e a discussão sobre/e a
propósito dos textos lançam mão de “um conjunto de patamares entre
o controlo exterior (ligados à conversação: leitura pública e comentá-
rios dos textos) e o controlo interno (aspectos ligados à produção
escrita: influência provocada pelas reacções
46
Clanché, citado por Schneuwly,
oferecidas pelo grupo/classe)”.46 O autor,
1994
incentivado a não se contentar com a “escrita
pela escrita”, porque recusa “escrever para nada”, é levado a distan-
ciar-se do seu texto para, estimulado pelas interpelações do grupo,
procurar com ele a frase perfeita que traduz o pensamento que pre-
tende transmitir (Figura 8).
Neste sentido, o texto livre
assume a escrita, também,
como um trabalho/jogo de pala-
vras: se, por um lado, é no que
temos para contar que o texto
encontra sentido, por outro, é
no processo de escrita, neste
jogo/encontro de palavras e
frases que o texto provoca os
sentidos, nos faz sentir e gostar
(ou não) do que ouvimos quan-
FIGURA 8 do lemos. Quer dizer, de certa
forma, escrever é também pro-
curar uma frase ou palavra com a caneta e deixarmo-nos ir num texto
pensado para ser escrito. Mas não é qualquer palavra que se deixa
pensar deste modo: umas dão-se a estes convites e outras (tantas
vezes) resistem a dar a cara.
Na procura do texto definitivo, a escrita tem esta possibilidade,
que a fala tem menos, de jogar com as palavras: na fala, como defen-
demos já, a palavra dissolve-se no ar, mas na escrita ela fica para ser

39
lida. E nesta leitura reforça-se o trabalho de texto, feito do encontro de
ideias com as palavras que as revelam. A leitura faz ecoar o som das
palavras que faz frente ao sentido, diz Julien Gracq: “não se é escritor
sem o sentimento de que o som na palavra vem carregar o sentido”.
Esta dimensão sonora de um texto só a “leitura da escrita” nos traz: “o
47 autor lê em voz alta e compreende a sua partitu-
Citado por Jean, G., 1999
ra.”47 Então não trabalhamos só as ideias; traba-
lhamos as ideias com as palavras que acrescentam ao texto a sonori-
dade que o sentido do texto precisa (Figura 9).
A prática do texto
livre ao valorizar a pers-
pectiva comunicacional da
escrita faz do texto o
objecto da análise. Não
sendo a avaliação, expres-
sa na nota que o professor
tem para dar, o motivo do
encontro, o autor tem a
possibilidade de, ao des-
FIGURA 9
centrar-se do seu texto,
ver-se como observador
crítico da escrita que produz, ajudado pela interpelação que o grupo
oferece.

TRABALHO DE TEXTO E GRAMÁTICA


Na escola, é bom que os autores se encontrem, a propósito dos
seus textos, com aqueles que são os seus primeiros leitores, que
desejamos os mais solidários, mas também os mais críticos. No
decorrer destes encontros, a atenção do professor está presente com
a informação que esclarece, que ajuda a compreender porque é que
48
“Não é que eu valorize o dis- uma frase soa melhor com aquela palavra
curso correcto, claro e elegante – naquele lugar, ou soa estranhamente porque
seja ele oral ou escrito –, mas
acredito que a prática de tal dis- o sujeito não concorda com o predicado, ou
curso é a única maneira de asse- porque etc., etc., etc., …, convocando a
gurar que dizemos as coisas com
correcção, delicadeza e eficiência gramática que ajuda a libertar a escrita num
a nós mesmos” (Bruner, 1999) texto que cativa leitores.48

40
José Cardoso Pires, ao referir-se à condição essencial para se
ser escritor afirmava: Em primeiro lugar precisamos conhecer a fundo
gramática da língua portuguesa, em segundo lugar esquecê-la. Por
seu lado, Paulo Freire, em conversa com Iran Shor, dizia que “em
certo sentido você tem que lutar contra a gramática para ter liberdade
para escrever. (…) a beleza e a criatividade não podem viver escravas
da devoção à correcção gramatical”.49 Duas formas, aparentemen- 49 1987
te semelhantes, que vêem a gramática como principal instrumento
de condicionamento social da linguagem, mas distintas no modo esco-
lhido para interagir com ela: esquecimento e luta.
Paulo Freire soa-nos mais simpático. Preferimos a escrita como
luta: luta entre modos de dizer e de escrever, com o trabalho de texto
como palco; luta pela busca ou conquista daquela palavra ou frase
que traduz o que temos para contar e que a fala espontânea, só por
si, não chega para revelar. E no decurso desta luta temos a oportuni-
dade de aprender gramática. É o encontro com a gramática que Frei-
net chama de “natural” ou com a gramática que Álvaro Gomes identifi-
ca como “gramática da vida”50: a gramática 50 A gramática da vida é feita de
que aponta a regra e ajuda a compreender regras que não se vêem. É ela
mas recusa ser lei; a gramática que não quer que nos permite notar a estranhe-
za de uma frase e nos faz pergun-
fazer de quem ensina polícia, nem trata quem tar porquê.
transgride como fora da lei…, porque, como 51
Citado por Madeira, 2005.
refere Hymes,51 a propósito da noção de
“competência comunicativa”, a escola precisa de saber ensinar quan-
do utilizar ou quando não utilizar as regras que a gramática impõe.
“O que aprendi sobre a língua não aprendi nos compêndios de
gramática”, diz Rubem Alves, “desrespeito sabendo que estou a des-
respeitar o que dizem os cientista da lín- 52 “O gramático está para a lin-
gua”.52 Mas desrespeitar a gramática obriga a guagem da mesma forma que a
saber como. O desrespeito não se baseia na dona de casa está para casa
arrumada. (…) Sou formado em
ignorância: só desrespeitamos quem ou o desencontros. A sensatez me
que queremos. O desrespeito da gramática absurda. Os delírios verbais me
terapeutam” (2004).
precisa nascer de uma intenção pois, quando
tal, transforma-se em desrespeito da língua. Desrespeito feito de igno-
rância é um sem querer. Em certo sentido, o que fazemos agora é um
desrespeito: “um sem querer” não existe. Sem querer não é nome,
não leva determinante artigo atrás.

41
CONCLUINDO
O “texto livre” é um produto da escola, refere Bernard Sch-
neuwly. Nasceu na escola, colhendo deste facto, a vantagem de não
ser considerado um capricho enganador. Trata-se de um instrumento
que não poderia ser criado por quem não tivesse tomado e vivido “a
escola a sério, como lugar social de aprendizagem colectiva e que
utiliza as particularidades da escrita para melhor fazer funcionar este
lugar, dando aos alunos a possibilidade de se exprimirem livremente”.
É neste contexto, continua Schneuwly, que a escrita escapa ao esta-
tuto de sagrado, de qualquer coisa inacessível, antes apresentando-
se, de imediato, como uma ferramenta que acolhe inúmeras funções
na vida da classe.
Se é verdade que não é suficiente escrever livremente para
aprender a escrever, e não ser legítimo estabelecer uma relação de
causa/efeito entre escrita livre e competência escrita, no entanto,
quer-nos parecer que o texto livre, com tudo o que ele envolve, ajuda
a resolver um dos problemas maiores que o ensino da escrita levanta:
o da motivação. Ao situá-la no interior dos processos de solicitação e
produção do texto, não deixa que apareça como personagem de um
engano: afinal o que anuncio é o que não tenho para dar.
Com a liberdade que o define, e actuando num lugar onde a
escrita é obrigatória, o texto livre oferece a liberdade que a escrita
precisa. Sendo a escrita obrigatória e não escrever na escola não ser
opção, marca um espaço onde a escrita é livre, ao permitir outras rea-
lizações neste espaço; o espaço de “liberdade psicológica material-
mente instituída”, referido atrás com Pierre Clanché.
Como vimos, o texto livre não é um tipo de texto, nem tão pouco
se identifica com um estilo de escrita. É uma forma de solicitar o texto,
um espaço, um tempo onde coabitam todas as formas de escrita: do
poema à prosa, da narrativa, ao ensaio, ou mesmo ao relato de uma
notícia. A única condição para ser um produto que o “texto livre” mar-
ca é ter nascido da vontade de quem o escreveu. Mas não marca a
legitimidade de um texto.
Houve tempos em que se falava de “texto livre” por oposição a
outras formas de escrita: de um lado a escrita livre e do outro todas as

42
outras, numa espécie de confronto moral que procurava desacreditar
as formas tradicionais de solicitar a escrita de um texto.
Ora, o “texto livre” não é uma “instituição absoluta” que procura
excluir da escola uma escrita que não seja escrita livremente. E aqui
distinguimos o “texto livre” como espaço, do texto que, como texto, se
quer livre: nada impede um texto de se libertar da vontade que o cha-
mou.
Defender o “texto livre” como única forma legitima de solicitar um
texto seria defender que, na escola, a criança escreveria unicamente
o que quisesse, quando quisesse, se quisesse. E isto seria um absur-
do. Há coisas que só aprendemos a gostar porque alguém insistiu que
experimentássemos, colocando-se a nosso lado para participar con-
nosco da experiência. Mas esta insistência, esta participação solidá-
ria, precisa de amarrar prazer: quem insiste precisa, na forma como
insiste, de mostrar que gosta do que está a oferecer. E então, perante
uma experiência bem sucedida, o mais provável é que ela se repita,
sem necessidade de um novo convite, no “espaço de liberdade psico-
lógica” instituído na sala de aula, que dá pelo nome de “texto livre” e
que, no entendimento que defendemos, pode também ser apenas
leitura de um texto já pronto (de autor ou outro). Daqui a necessidade
de criação deste espaço, para que esta possibilidade, mesmo que
seja apenas possibilidade, exista!

43
44
Parte II
AS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA
TAL COMO AS VIVEMOS

45
Paulo Freire refere-se ao analfabetismo como uma violência
que se exerce sobre os homens e as mulheres “proibindo-os
de ler e de escrever, com que se limita na capacidade de,
lendo o mundo, escrever sua leitura dele e, ao fazê-lo,
repensar a própria leitura”.
Daqui o sentido desta construção didáctica que aposta, des-
de o início, no escrever, desvendando os segredos que a
escrita esconde e nos permite ler o que escrevemos, sozi-
nhos ou solidariamente com quem nos acompanha, livre-
mente ou na resposta a um desafio. Então, enquanto desco-
brimos os segredos escrevendo, atrevemo-nos a descobrir o
que dizem os textos que outros escreveram para nós.

46
UMA NOTA A PROPÓSITO DO “PLANO NACIONAL DE LEITURA”

As obras e textos trabalhados não obedecem a um critério espe-


cial. Mesmo as obras do “Plano Nacional de Leitura” só por coincidên-
cia são aqui tratadas. Não é que tenhamos algum preconceito em
relação a elas. Acontece que os “projectos verticais” (justificados em
escolas que não promovem os seus próprios projectos), com a sua
vocação hegemónica, tendem a relegar para segundo plano os projec-
tos que professores e educadores negoceiam entre si e com os seus
alunos.
É suposto que um plano nacional com estas características
aposte no prazer de ler. Foi, aliás, nesta perspectiva que o acolhe-
mos, até ser tomado por uma visão burocrática que se instalou para o
promover e medir o seu sucesso: listas das leituras que os professo-
res fizeram com os seus alunos, mais as listas das leituras que os
alunos fizeram, mais o que todos fizeram com todas estas leituras…,
como se ler com o prazer que esta leitura nos pede não fosse activi-
dade bastante. E, de repente, o que eram leituras aconselhadas tor-
nam-se leituras quase obrigatórias53, escalo- 53 Quem não as escolhe não tem
nadas por anos de escolaridade, sem direito matéria para preencher os inquéri-
a espreitar o que se anuncia para depois, tos que, às tantas, vão avaliar o
seu trabalho.
com medo que as leituras se repitam (?).
Pela nossa parte incentivamos a repetição das leituras que gostamos,
sem limites, sem qualquer condicionalismo, deste ou doutro plano
qualquer…, mas incentivando a procurar sempre, em cada leitura
repetida, o motivo que nos faz desejar ler mais uma vez. Quer dizer,
entendemos que a escolha dos livros a ler deve ser uma responsabili-
dade do professor, que tem em conta os interesses dos seus alunos.
Se a obra vai ser objecto de estudo mais tarde, seja: virá acompanha-
da de uma leitura mais madura, que trará, certamente, uma perspecti-
va renovada.
O “Plano Nacional de Leitura” é apenas mais um plano que
podemos ou não acolher. Não é, nem pode ser, de modo algum, o
plano de leitura da escola.

47
DESENVOLVIMENTO DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA,
NESTE PROJECTO
Tratando-se de um trabalho preocupado com o desenvolvimento
de competências relacionadas com a área de língua portuguesa, pro-
curou-se também incluir, ao longo do texto, a título de exemplo, a refe-
rência a conteúdos do programa (ou com ele relacionadas) que as activi-
dades propostas permitem desenvolver.
Assim, a descrição das práticas desenvolvidas é antecedida por
uma curta reflexão teórica que as sustenta e pela referência a algu-
mas das competências que se espera promover.
Trata-se, portanto, de um texto centrado em práticas de escrita, com
intenções didácticas, ele mesmo fruto do trabalho de texto a que foi
sujeito pelos seus autores.

TRABALHAR O TEXTO LITERÁRIO

Há uma grande diferença entre a palavra falada, apenas fala, e


a palavra falada porque está escrita. Ambas são pensadas para
serem ditas, mas são-no de um modo diferente.
A fala tem um ouvido presente, nem que seja do outro lado de
uma linha telefónica, que interpela, responde, interroga…, e reforça o
que é dito. Mas a palavra falada porque está escrita não é apenas
fala: é fala que foi pensada para ser escrita, é palavra esculpida para
ser ouvida com os olhos também.
Então, quando dizemos de uma criança que escreve como fala,
na realidade ela não escreve, ela simplesmente “fotografa” o que fala
(capta o som que a palavra produz quando fala). Ela não traduz a fala
para ser escrita, ela simplesmente não sabe esculpir a palavra. E a
fala quando escrita fica estranha quando lida.
Na escrita, a palavra é manipulada e moldada com a caneta. E
aqui entende-se melhor Ajuriaguerra quando refere o escrever como
“o aprisionar a mão para libertar a ideia”. De facto, a mão que escreve
está presa por uma vontade que lhe marca os movimentos e lhe diz
quando parar para pensar melhor as palavras que traduzem a ideia,
ou para ver se o modo como se arrumam na frase traz o sentido, ou o

48
sentir, do mesmo modo que o pensamento pensou. E isto é o que
uma mão que apenas fotografa palavras não é capaz de fazer.
Recriar os textos de autor, copiando-os para libertar a escrita,
como sugere o título do texto que fundamenta este projecto, é fazer
da forma escrita uma fala: em vez de traduzir a palavra falada para
ser escrita, propomos, também, o percurso inverso.
Neste sentido, abordar o texto literário, num programa de ensino
da escrita, passa por ensinar o que podemos fazer com as palavras
quando escritas. Podemos lê-las, obviamente, numa forma de tradu-
ção também, e mais: podemos manipulá-las, juntá-las às nossas, tro-
car-lhes as voltas, sentir-lhes a forma para descobrir como são feitas.
Até aqui, pode dizer-se que trabalhar um texto literário, um texto
informativo ou um outro texto qualquer não tem qualquer diferença:
todos se baseiam no mesmo processo de tradução. Acontece que
com o texto literário, em especial com a poesia, o processo de tradu-
ção (o modo como se jogam as palavras na frase) é mais visível e, por
conseguinte, mais fácil de mostrar.54 A difi- 54 ”O poema esconde uma histó-
culdade está em não fazer de tudo isto um ria, contando-a incompletamente.
É feito de emoções e de tensões
exercício de escrita que esta história não completa-
mente contada deixou. Alguns
Mas será possível ensinar a ler e a poemas escondem de tal forma o
escrever sem dar exercícios de leitura e de enredo que é impossível ler a
trama que o fez assim. Outros,
escrita? com a porta entreaberta, deixam
Claro que não! Mas para isso não fal- sair um pouco da história num
convite a preencher lacunas; e
tam exercícios de leitura e de escrita! Não abre-se, assim, espaço à nossa
precisamos de inventar mais um! escrita para com ela entrarmos
melhor no sentido do texto,
recriando-o”.

49
50
Alguns Exemplos do que fizemos:
ESCRITA APOIADA NA LEITURA DE TEXTOS DE AUTOR,
ESCRITA LIVRE,
OU…

A “imagem” do CD mp3 dos “textos ditos”, que completam


algumas das actividades descritas, pode ser descarregada em:
http://sites.google.com/site/gressentia/home/publicacoes
ou: www.essentia.pt.vu
Estas gravações apenas pretendem ilustrar a leitura como
apresentação de um produto.
Os meios técnicos rudimentares, usados na captação do som,
afectaram, obviamente, a qualidade das gravações.

51
“O primeiro momento é o da leitura de fruição-  Explorar a escrita de poemas
prazer, no qual todas as impressões, a emoção  Ler em voz alta
 Dizer poemas de memoria
estética, afloram, sensibilizando o leitor para as  Identificar palavras da mesma
próximas etapas. família e da mesma área voca-
No segundo, sugere-se a elaboração de uma bular
 Descobrir soluções alternativas
paráfrase” (Gebara, A. 1998). E é neste momento
que fazemos entrar a nossa escrita.

“QUASI” DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (3º e 4 ano de escolaridade)

O momento de fruição,
de leitura prazer, chegou-
nos, primeiro, através dos
sons que a voz de Ger-
mana Tanger nos trouxe.
A nossa voz chegou
depois, criando e recrian-
do diferentes modos de
ler.
FIGURA 10 E passamos ao momento
seguinte: olhar as pala-
vras que o texto tem,
procurando perceber a importância que elas têm na frase. Nalguns
textos, esta importância pode medir-se pela falta que a palavra faz.
Foi o que experimentamos
Um pouco mais de sol - eu era brasa nos dois primeiros versos,
um pouco mais de____- eu era_____ para descobrirmos que o
sentido deles se esconde na
Um pouco mais de azul - eu era além
Um pouco mais de____ - eu era____
relação entre sol/brasa e
azul/além (Figura 11). E
FIGURA 11 fomos à procura de outras
palavras capazes de se
associarem a estas numa relação idêntica (Figura 12).
Uma vez percebida a
lógica da relação entre
as palavras, que dão
sentido aos dois versos,
partimos à descoberta
de outras palavras com
as quais podemos pro-
duzir sentidos seme-
FIGURA 12 lhantes (Figura 13).

52
Saber procurar no dicionário o significado de uma  Usar o dicionário;
palavra adequada à expressão que estamos a  Encontrar o significado de uma
palavra de acordo com o con-
trabalhar, não é uma competência que se adquire texto de uma expressão
com facilidade. O dicionário não dá resposta para  Identificar/aplicar expressões
todos os problemas de interpretação que temos idiomáticas, ditados e provér-
pela frente, exigindo do utilizador o esforço de bios
reflexão que permite decidir sobre o termo certo.
Precisamos, então, de proporcionar aos nossos
alunos múltiplas experiências de leitura em que o
uso do dicionário se justifica.

felicidade – amizade estrela Então, ao recriarmos estes versos


lua – luar perfeito com as palavras listadas, verifica-
carinho – amizade sol - luz mos que o sentido deles não se
vida – alegria verde - alterava. Ou seja, há palavras que
floresta contribuem para a construção do
flor calor esperança sentido que procuramos, não pelo
mar – maresia jardim seu significado literal, mas pela
pintura – quadro relação que estabelecemos entre
preto – escuridão elas (Figura 14).
fogo – chama Passando aos versos seguintes,
flor – primavera detivemo-nos no “golpe d’asa” para
cor – arco-iris perceber o que faltou a Mário de
FIGURA 13 Sá-Carneiro. E fomos ao dicionário
ver o que nos diz:
Asas têm os pássaros, os
aviões, os tachos e panelas;
Golpe pode ser um corte,
uma pancada, pequeno
movimento, um crime...
E o debate instalou-se:
– Para atingir (alcançar, con-
seguir) faltou-me…..… Só
pode ser pequeno movimen-
FIGURA 14 to… Mas será da asa?
“Faltou-lhe um bocadinho
assim”, alguém disse, lembrando uma expressão tirada da “publicida-
de” (aproveitamos para recordar outras expressões do mesmo géne-
ro, que os ditados populares e os provérbios nos trazem).
E continuamos: “Se ao menos eu permanecesse aquém” – como
não atingiu o que queria, desejou ter ficado aquém (na parte de cá, diz
o dicionário) – Desejou não ter tentado, concluímos.

53
Interpretar o texto não é outra coisa mais do que  Recriar textos
reescrever o texto, mostrando, num outro jogo de  Descobrir soluções alternativas
 Partilhar ideias, sentimentos,
palavras, o sentido que o texto tem. Mas pode- sensações
mos, num jogo idêntico, criar alternativas ao sen-
tido que o texto propõe.

A Mário de Sá-Carneiro faltou-lhe, então, “um bocadinho assim”, para


chegar onde queria chegar. Ficou tão desanimado que, em vez de
tentar de novo, preferiu lamentar a sua sorte. Mas nós não nos lamen-
tamos e nunca desistimos.
Vamos escrever sobre o
que precisamos para che-
garmos onde queremos
chegar:

Com … …. …
Atingirei, alcan-
çarei, consegui-
rei … … …

FIGURA 15

Figura 16

Ouvir faixas 1, 2 e 3
descarregar em: www.essentia.pt.vu

54
As listas de palavras, porque organizam a infor-  Escrever/ler listas de palavras
mação de acordo com um critério seleccionado, de acordo com um atributo
dado;
ajudam o escritor aprendiz a trabalhar numa das  Identificar palavras que come-
mais importantes funções da escrita: a função de çam/terminam pela mesma
memória. Por outro lado, como evidenciam mais sílaba/letra
facilmente a dimensão sonora na relação com a  Reconhecer globalmente
extensão gráfica da palavra, são frequentemente palavras
utilizadas nos anos de iniciação à escrita.

“FRUTOS” DE EUGÉNIO DE ANDRADE (DO 1º ao 4º Ano)

Desde o jardim-de-infância que


as nossas crianças se habitua-
ram a identificar listas de pala-
vras com os seus nomes, com
o material que podem usar,
com os brinquedos que têm
para brincar, com os ingredien-
tes do bolo que decidiram
fazer, etc.
Nestes frutos de Eugénio de
Andrade, que vieram até nós
pela voz de Fernanda de Frei-
tas, encontramos outro uso
para as listas de palavras que
escrevemos.
Primeiro ouvimos o poema
FIGURA 17 todo, para depois repetirmos,
de memória, a sequência dos
frutos. E experimentámos es-
crever, os seus nomes, a partir dos
sons que as palavras, ao dize-las, nos
traziam (Figura 18).
Quem quis, e apenas quem quis, foi
convidado a dizer o poema com os
frutos que mais gostava, fizessem ou
não parte do poema.
Finalmente recriamos o poema com
outras listas de palavras. E como está-
vamos envolvidos num projecto sobre
alimentos, começamos pelos pratos de
comida que conhecemos. FIGURA 18

55
Primeiro fizemos a lista dos alimentos e depois dos pratos que pode-
mos fazer com eles (Figura 19).

Arroz, carne, almondegas, Arroz com carne


douradinhos, batatas, Arroz com peixe
queijo, massa, vitela, pudim, Sopa de pedra
bolo, peixe, camarão, bife, Arroz de marisco
ovos, salsicha, couve Arroz de pato
FIGURA 19

Cada um escolheu o prato que mais gostava, e reescreveu o poema,


aplicando a fórmula dos frutos de Eugénio de Andrade (Figura 20).
E outros poemas chegaram até nós vindos de outras turmas, recrian-
do os mais diversos temas (Figura 21).

FIGURA 20 FIGURA 21

Ouvir faixas 4, 5 e 6 do CD
descarregar em: www.essentia.pt.vu

56
Não é possível criar a partir do nada. Mesmo no  Fazer de conta
mundo do faz de conta os ambientes que criamos  Inventar a partir do real
 Identificar palavras da mesma
são sempre projecções de experiências vividas família e da mesma área voca-
recriadas numa história que inventamos. O bular
desenvolvimento da capacidade para inventar  Reconhecer/aplicar adjectivos
histórias alimenta-se, pois, desde muito cedo, de
pequenas incursões a estes mundos, num diálo-
go permanente com as experiências que vive-
mos.

“FAZ DE CONTA” DE EUGÉNIO DE ANDRADE (DO 1º ao 4º Ano)

A leitura de Mário Viegas com Manuela


de Freitas apresentou o poema. A seguir
toda a turma, aos pares, numa leitura que
recria a leitura ouvida, repetiu a leitura.
Individualmente, cada criança escreveu
no seu caderno, “faz de conta que sou” (o
que entendeu ser), escondendo dos cole-
gas os versos que recriava.
À medida que cada criança lia o seu ver-
so, perguntava se havia alguém com um
verso de resposta, já escrito ou inventado
na hora:
– Faz de conta que sou pássaro
– Eu serei espantalho que mete medo
– Faz de conta que sou cão
FIGURA 22 – Eu serei a tua casota
– Faz de conta que sou cavalo
– Eu serei o teu cavaleiro
……………………
E o diálogo desenrola-se, convidando
todos a aceitar o desafio.
Esgotadas as ideias, procuramos os ver-
sos que podíamos trabalhar para serem a
última resposta:
– Faz de conta que sou cão
– Eu serei a tua casota
Casota que te abriga
Vezes sem conta
– Faz de conta, faz de conta

Ouvir Faixas 7 e 8 FIGURA 23


descarregar em: www.essentia.pt.vu
57
Interpretar é saber entrar no sentido profundo da  Identificar palavras da mesma
palavra – “saber revelar a metáfora por trás dela” família e da mesma área voca-
bular
–, no exercício de um saber que precisa de entrar  Escrever palavras relacionadas
bem dentro dos segredos da escrita e que só o com um tema
escrever permite plenamente: há impressões  Ler palavras através de reco-
para as quais não temos palavras que cheguem nhecimento global
para descreve-las, e que só com a pausa que a  Identificar o sentido global de
textos
escrita força é possível procurar.

“ATLÂNTICO” DE SOPHIA DE MELLO BREYNER E


“AQUELA NUVEM E AS OUTRAS” DE EUGÉNIO DE ANDRADE
(DO 1º ao 4º Ano)

Como sempre iniciei a activi-


dade com a minha leitura. A
leitura dos meus alunos vem a
seguir. Voluntariamente, um a
um experimenta diferentes
formas de projectar a voz, dei-
FIGURA 24
xando rapidamente de ser lei-
tura para ser apenas dizer.
O sentido do conteúdo que o poema nos traz merece então a
nossa atenção. Qual será a palavra mais importante deste poema?
“Mar” recolheu o consenso. A razão da escolha não foi explicada, mas
concordei. E, então, interpelei:
– É de mar que fala o poema?
– Não é da alma. Diz que a alma é feita de maresia
Alguém diz que maresia é coisa do mar, mas não sabe o quê. E
fomos ao dicionário investigar.
Para Sophia de Mello Breyner, o mar tinha de ser muito importante,
para dizer que metade da sua alma era feita de maresia, concluí.
O desafio foi recriar um
poema igual com as pala-
vras de que mais gostamos.
Encontradas as palavras
exemplifiquei no quadro a
proposta. E, individual-
mente ou a pares, outras
recriações surgiram com as
outras palavras que
FIGURA 25
listámos.

58
Aquela Nuvem

FIGURA 26

“Aquela Nuvem” teve um traba-


lho idêntico ao trabalho realiza-
do com o “Atlântico”.
Mas aqui, depois da leitura,
recriamos, apenas, as duas
primeiras estrofes, aproveitando
as palavras, usadas no “Atlân-
tico” (Figura 26).
FIGURA 27

É tão bom ser borboleta É tão bom ser sol


Ter um corpo de mil cores ter um corpo raiado
E voar voar e brilhar, brilhar
Leva-me contigo Leva-me contigo
Quero ver o céu Quero ver o mundo
Quero ver as flores Quero ver as estrelas

FIGURA 28 FIGURA 29

Ouvir Faixas 9, 10 e 11
descarregar em: www.essentia.pt.vu

59
E, por fim, experimentámos relacionar Sophia de Mello Breyner com
Eugénio de Andrade através dos dois poemas.
Vimos como escritores diferentes podem ter ideias que se podem cru-
zar. E, então juntámo-los em recriações nossas.

Borboleta Para isso, propu-


Metade da minha alma é feita de vontade de voar. semos um trabalho
de pares, unindo
É tão bom ser borboleta os autores com as
Ter um corpo colorido recriações que se
E voar, voar… ligam melhor.

Estrela
Metade da minha alma é feita a brilhar
É tão bom ser estrela
Ter um corpo brilhante
E piscar, piscar…

Criança
Metade da minha alma é feita de brincadeira
É tão bom ser criança
Ter amigos e amigos
E crescer, crescer…

60
Quando falamos de utilização de modelos de  Identificar palavras da mesma
escrita ou contacto com a escrita do outro é de área vocabular
 Escrever listas de palavras
contacto com a escrita do outro, mesmo, que relacionadas com um tema
falamos e não com a leitura dos seus textos ape-  Completar frases
nas. E isto só se faz se nos apropriarmos desta  Relacionar ideias
escrita, fazendo-a nossa numa reescrita que
integra o que queremos escrever. E esta aproxi-
mação à escrita do outro faz-se em sessões de
trabalho colectivo, fortemente directivo, que con-
voca a participação de todos: lançamos pistas,
fazemos perguntas, iniciamos frases…

ENTRE INVERNO E PRIMAVERA:


“O FIM DO VERÃO” DE JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA (3º e 4º Ano)

Depois de ler o poema,


que seria a proposta de
“trabalho de texto” do dia,
passei ao seu registo no
quadro para ser copiado
nos cadernos de escrita.
Ainda não tinha acabado
de escrever a segunda
palavra do poema e vem
FIGURA 30 logo o reparo da letra
minúscula que inicia o
primeiro verso. “faço-me
de novas”. Volto a olhar para o livro e observo: pois é o Agostinho
Baptista escreveu assim. Já não era a primeira vez que trabalhavam
situações estranhas como esta, e as observações ficaram por aqui –
mais tarde voltaríamos ao assunto, à semelhança do que já fizéramos
no trabalho com outros textos. Sucederam-se leituras repetidas, que
recriam diferentes modos de ler e, de seguida, passámos à descober-
ta de frases e palavras do poema que identificam elementos associa-
dos ao:
– Verão: tardes ainda quentes, esplanadas, uvas de Setembro
– Outono: ventos, memória dos temporais
E propus um poema idêntico que falasse do fim do Inverno e anun-
ciasse a chegada da Primavera. Recordamos, então, algumas carac-
terísticas, e outros elementos que costumamos associar ao Inverno e,
em seguida, fizemos o mesmo relativamente à Primavera. Registamos
o que encontramos de mais significativo, procurando, neste registo,
estabelecer uma relação com o conteúdo de “O Verão Está no Fim”,

61
que pudesse ajudar-nos a recriar o poema Entre o Inverno e a Prima-
vera (Figura 31).
Verão Inverno Primavera
tardes quentes frio, neve, chuva, Dias mornos, amenos
esplanadas temporal, lareira Flores, andorinhas,
cães aquecedores Borboletas
Uvas de Setembro gatos (Fevereiro e Janeiro cerejas
meses dos gatos)
FIGURA 31

Auxiliados pelos elementos recolhidos, iniciamos a recriação do poe-


ma, começando por transformar o fim do verão em fim do inverno:
Restam poucas tardes ainda quentes frias
algumas esplanadas lareiras cães gatos e as uvas de
setembro e as laranjas de março
Para deslocá-lo um pouco do original fizemos alguns acertos:
As tardes passaram a dias:
Restam pouco dias ainda frios
Com a pergunta, quando temos mais tempo para estar à lareira?, sur-
giu:
algumas noites à lareira, gatos e as laranjas de
março.

A segunda parte de “O Fim do Verão” anuncia a chegada do Outono.


Aqui anuncia a primavera.
- Identificamos os ventos que sopram do atlântico, que trazem chuva
(a memória dos temporais que as areias trazem)
- Tomamos nota de outros ventos: vento sul, vento norte/nortada,
vento leste (Figura 32)
- Falamos sobre outras memórias e de quem as traz (Figura 33)

Ventos Memórias da Primavera


sopram de outro sitio, lugar, andorinhas, céu azul,
mudam de direcção, sentido, borboletas, jardins, flores, nuvens
ficam mais fracos, leves, perdem a brancas, brisas
força
FIGURA 32 FIGURA 33

O vento mantém-se mas.. muda de direcção, perde a força, fica


leve…
E o poema fica pronto (Figura 34)

62
FIGURA 34

Ouvir faixas 12 e 13
descarregar em:
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Finalmente desafiamo-nos a compor outros textos (em prosa ou em


verso), adoptando este como guião, mas não sem antes nos debru-
çarmos, uma vez mais, sobre o que faz o inverno e a primavera serem
aquilo que dizemos ser.

FIGURA 35

Restam poucos dias frios. A neve deixou as serras da Estrela e


do Marão e o vento já não sopra tão gelado.
De vez em quando o sol e as nuvens cinzentas juntam-se para
fazer um arco-íris e alegram-nos com as suas cores. As nuvens
choveram tanto, tanto que resolveram parar para não desapa-
recerem de vez e viram brancas e leves como cama de algodão
onde apetece deitar.
Os rios sem as águas das chuvas, andam tranquilos, bem dis-
postos, sem o compromisso de chegar rapidamente ao mar.
FIGURA 36
As andorinhas, ao longe, trazem a memória da Primavera.
63
A escrita criativa está na moda. E muita coisa, por  Combinar passado e presente
vezes, muito pouco criativa, se tem escrito sobre nos textos que escrevemos
 Identificar/aplicar regras bási-
ela. “É uma expressão que não me agrada, cas de pontuação
embora me surpreenda, com frequência, a dizer  Identificar o sentido global de
que ‘fulano tem uma escrita muito criativa’. Talvez textos
fosse mais bem dito dizer que ‘fulano é muito
criativo na sua escrita’. Em bom rigor a criativida-
de é de quem cria e não do produto criado” (D.
Lousada, 2005). Portanto, não ensinamos escrita
criativa mas a escrever com toda a criatividade
que for possível colocar no texto. Acontece que o
ser criativo não é uma construção espontânea. O
ser criativo (A. Menéres, 2003) é feito de um
aprender a olhar para além das aparências, com-
preendendo que não passam de aparências,
através de um processo puramente imaginário
mas que, nem por isso, ou até por isso, não deixa
de ser feito de experiência.

RIFÃO QUOTIDIANO DE MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA (do 1ª ao 4º Ano)

Hoje trabalhamos o “Rifão Quotidiano” de


RIFÃO QUOTIDIANO Mário-Henrique Leiria, lido por Mário Vie-
gas.
Uma nêspera
A leitura provocou o riso generalizado. E
estava na cama
a adesão ao texto foi total, com quase
deitada todos a desejarem recriar a sua leitura de
muito calada imediato!
a ver
o que acontecia. Será que se fosse apresentado sem a
leitura de Mário Viegas teria provocado a
Chegou a velha mesma reacção? Aqui recordo George
e disse: Jean quando diz que “o prazer do texto
- olha uma nêspera reside, por vezes, no prazer da escuta.”
e zás comeu-a. Que tem este texto para nos divertir tan-
É o que acontece to?
às nêsperas - A maneira como foi lido…
que ficam deitadas - O texto é mesmo para fazer rir…
caladas - Nós não lemos assim e rimo-nos na
a esperar mesma…
o que acontece. Provavelmente, a escuta que Mário Vie-
gas despertou em nós continuou a sentir-
FIGURA 37
se no modo como recriamos a sua leitura!

64
Não houve outro tipo de exploração, nenhuma outra atenção ao con-
teúdo, nenhum lugar a perguntas de interpretação. Apenas ler e
recriar modos de ler, tendo como mote a leitura de Mário Viegas. Nem
o título mereceu, inicialmente, qualquer reparo. Só a proposta “vamos
aproveitar esta história para inventarmos outros rifões quotidianos”
provocou a pergunta, “o que é um rifão quotidiano?”
E outras histórias surgiram, umas decalcadas do texto original

Um velho
estava na praia
deitado
muito calado
a ver
o que acontecia
chegou o crocodilo
e disse
- Olha um velho
e zás comeu-o
É o que acontece
aos velhos
que ficam deitados
calados
a esperar
o que acontece

FIGURA 38 FIGURA 39

E outras interpretando uma ideia.

Curiosamente as crianças que evitaram o


decalque, recriando a ideia num outro
contexto, foram as que esqueceram o
maior número de detalhes. Mas também
foram as que, provavelmente, melhor
souberam interpretar a intenção e o con-
teúdo do rifão original.
No entanto, ao esquecerem os detalhes,
produziram textos menos interessantes
ao ouvido. Com efeito se são as ideias
principais que dão sentido à história, é
nos detalhes que a ideia a transmitir
ganha força.

FIGURA 40

65
Aparentemente, as propostas apresentadas pretendem apenas
(re)contar uma história com outros actores num outro contexto, sem
ter em conta a forma e os detalhes que caracterizam o ambiente. As
reacções à leitura em voz alta foram o pretexto para analisar os tex-
tos. A comparação com o texto original foi a estratégia encontrada
para puxar a debate os problemas formais, observando-se o papel
representado pelos detalhes na definição da forma de um texto e na
criação do clima que se pretende passar.
O exercício de ajustamento dos textos à estrutura do rifão original
permitiu, por um lado, perceber as diferenças na sua forma, pos-
sibilitando, por outro, encontrar no conteúdo as analogias necessárias
ao seu enriquecimento.

PROPOSTA DO ALUNO

ORIGINAL AJUSTADA À ESTRU- DEPOIS DE TRABALHADO


TURA ORIGINAL
Uma nêspera um aluno Um aluno
estava na cama estava Estava na sala
deitada ___________ a olhar para o ar
muito calada distraído muito distraído
a ver a ver a ver
o que acontecia. O que acontecia o que acontecia

Chegou a velha e o professor chegou o professor


e disse: disse: e disse
- olha uma nêspe- - olha um aluno distraí- - olha um aluno distraido
ra do e zás deu-lhe um cachaço
e zás comeu-a. e deu-lhe um cachaço
É o que acontece
É o que acontece É o que acontece aos alunos
às nêsperas aos alunos que ficam a olhar para o ar
que ficam deitadas ___________ distraídos
caladas Distraídos a esperar
a esperar ___________ o que acontece
o que acontece. ___________
FIGURA 41

 Que diz o texto sobre a nêspera?


 Que diz o texto sobre o aluno?

66
ORIGINAL DO ALUNO AJUSTADA À No trabalho de texto sobre
ESTRUTURA ORIGINAL o “Pedro” não esteve ape-
Uma nêspera O pedro nas em causa a integração
estava na cama estava na rua de uma ideia numa estrutu-
deitada a jogar bola ra pré-existente, exigindo,
muito calada ____________
a ver ____________
assim, um esforço de refle-
o que acontecia. _____________ xão mais profundo sobre o
Chegou a velha Chegou a mãe seu conteúdo.
e disse: e disse: Contrariamente à acção de-
- olha uma nêspera - Pedro anda para casa
e zás comeu-a. senvolvida com o “aluno
distraído” que, pela sua
É o que acontece É o que acontece
às nêsperas a quem não diz semelhança (passividade),
que ficam deitadas à mãe aonde* vai permitiu colocá-lo com a
caladas mesma expectativa (ver o
* Na proposta do Pedro está
a esperar
o que acontece.
escrito “onde”, permitindo que acontecia), apontando
explorar as situações em que para uma conclusão idênti-
se escreve um e outro termo
FIGURA 42
ca, a mensagem retida do
texto do Pedro vincula uma
moral diferente. A expecta-
tiva não está, aqui, no “ver o que acontece”, mas nas consequências
da violação de uma regra, implícita no desenrolar da acção.

Que fez o Pedro?


DO ALUNO DEPOIS DE
ORIGINAL  Foi jogar bola sem a
TRABALHADO
Uma nêspera O Pedro mãe saber.
estava na cama estava na rua  Foi para a rua sem
deitada a jogar bola dizer à mãe onde ia.
muito calada muito contente  Foi jogar bola às
a ver e a mãe
o que acontecia. sem saber
escondidas da mãe.
 Foi jogar bola sem
Chegou a velha Chegou a mãe
dizer à mãe onde ia.
e disse: e disse
- olha uma nêspe- - olha o Pedro na rua sem eu A nêspera, o velho e o
ra. saber. aluno distraído estavam
E zás comeu-a. E zás, mandou-o para casa à espera do que aconte-
É o que acontece É o que acontece cia.
às nêsperas a quem E o Pedro estava à
que ficam deitadas fica na rua
caladas a jogar bola
espera de quê?
a esperar sem dizer à mãe  Jogar a bola sem a
o que acontece. aonde vai mãe saber.
 Não ser apanhado.
FIGURA 43
 Jogar bola todo o dia.

67
Compiladas as ideias sugeridas pela história do Pedro, reescreve-se o
texto, auxiliado pela comparação, linha a linha, com o rifão original
(Figura 43).

Finalmente voltámos ao rifão original para explorarmos outras inter-


pretações, outros sentidos que ele nos traz:

 Há pessoas que não se interessam com o que se passa à sua


volta;
 Não devemos deixar para os outros o cuidado dos nossos inte-
resses;
 ... … … … … … …

68
Mesmo na escrita de histórias que se inventam, a  Aprender a fazer “boas” per-
investigação é muito importante. É preciso apren- guntas
 Identificar o lugar que o adjec-
der a procurar a informação que dá conteúdo às tivo pode ocupar na frase
histórias. E daqui, a importância de aprender a  Identificar/aplicar o presente do
fazer a pergunta que traz a informação que preci- indicativo e/ou o pretérito per-
samos. feito
 Identificar/aplicar sinais de
Num encontro sobre a organização de pequenos pontuação
projectos de investigação na sala de aula, discu-
tia-se a importância de ensinar as nossas crian-
ças e jovens a fazerem “boas” perguntas. Quando
é, então, que uma pergunta é boa ou má?
Para Vergílio Ferreira, “perguntar é abrir a distân-
cia que está sempre em nós. E quando essa
distância é máxima, a resposta está no infinito”
(1992).
Ora, se esta distância máxima não trouxer outras
distâncias, que podemos abrir com perguntas de
resposta ao alcance de um olhar, a pergunta não
é, certamente, uma boa pergunta.
Então, perante uma pergunta que coloca a res-
posta num lugar que pressentimos mas não con-
seguimos alcançar, precisamos encontrar a per-
gunta que ajuda a encurtar a distância.

“O LIVRO DAS PERGUNTAS” DE PABLO NERUDA (Do 1º ao 4º Ano) – Ensinar


com textos colectivos

Como as primeiras respostas servi-


ram, apenas, para por as andorinhas
de castigo, observei: – até parece que
é o que eu faço, quando alguém che-
ga à sala atrasado! Vamos lá… nada
de castigos. Se chegar tarde muitas
vezes...
– Não aprende.
Que acontece às andorinhas Então, que pergunta precisamos fazer
Que chegam tarde ao colégio? (ou que precisamos saber), para res-
ponder a Pablo Neruda?
FIGURA 44 – O que é que as andorinhas apren-
dem no colégio?
E cada um escreveu no seu caderno tudo o que pensa que as andori-
nhas podem aprender.

69
Acabado o tempo para esta tarefa,
registei as respostas que nos iriam
dar algumas das ideias de que preci-
sávamos para escrever a nossa histó-
ria.
Ao analisarmos as respostas, elogiei a
criança que indicou “golpe d’asa”, por
recordar o que aprendeu com o traba-
lho de texto sobre o poema “Quasi” de
FIGURA 45 Mário de Sá-Carneiro. E destaquei
“orientação”: falamos dos pontos car-
deais, da posição das estrelas, do sol…, de mapas, de GPS…, que
iríamos estudar futuramente.
INICIÁMOS A HISTÓRIA:
Era uma vez uma andorinha [Não. Era uma vez, não] Uma andori-
nha [pois…, mas a andorinha tem nome] chamada Salomé [Oh…
chamada?!] Salomé é uma andorinha [como é a andorinha?] jovem,
muito gira e brincalhona [às vezes soa melhor se um dos adjectivos
vier antes do nome].
Salomé é uma jovem andorinha, muito gira e brincalhona, mas
com um grande defeito: nunca chega a horas ao colégio, porque
é muito dorminhoca e por isso não acorda a tempo [recordamos o
que aprendemos sobre os dois pontos].
Experimentos outras formas:

porque é muito dorminhoca e


Há duas palavras que não fazem falta por isso não acorda a tempo

Como é muito dorminhoca,


Podemos substituir porque por não acorda a tempo [de
como. Que acontece à pontuação? quê?] de voar a horas para o
colégio

Para ajudar a resolver o problema da Salomé, os pais obrigaram-


na a ir cedo para a cama [cama?] para o ninho. Mas de manhã
[voltava a chegar tarde, era sempre o mesmo castigo, a preguiça fala-
va mais alta, o quentinho sabia tão bem…]
Um dia, a professora disse:
– Hoje vamos saber o que aprendemos sobre orientação [deu um
teste, fez um exercício, mandou a andorinha encontrar um lugar no
70
mapa, levou a andorinha para um lugar escondido e mandou-a
regressar ao colégio sozinha]
Levou as andorinhas para um lugar distante e mandou-as voltar
para o colégio sozinhas. [que aconteceu à salomé?] E a Salomé
perdeu-se [porquê?] porque não assistiu às aulas de orientação.
[Se quisermos substituir “porque”, como escrevemos?] A Salomé,
como faltou às aulas de orientação, perdeu-se.

O principal estava feito Salomé é uma jovem andorinha, muito gira e


(responder à pergunta brincalhona, mas com um grande defeito: nunca
de Pablo Neruda). E chega a horas ao colégio. Como é muito dorminho-
antes que o entusiasmo ca, não acorda a tempo e voa sempre atrasada para
esmorecesse demos as aulas.
por terminado o trabalho Para ajudar a resolver o problema da Salomé, os
colectivo. O que ficou pais obrigaram-na a ir cedo para o ninho. Mas, de
por contar foi remetido manhã, o quentinho sabia tão bem…
para uma ficha de escri- Um dia a professora disse:
– Hoje vamos saber o que aprendemos sobre
ta, que desafia a procu-
orientação.
rar a pergunta, que traz
Levou as andorinhas para um lugar distante e
a resposta que é preci- mandou-as voltar para o colégio sozinhas. A Salo-
sa para continuar a his- mé, como faltou às aulas de orientação, perdeu-se.
tória. FIGURA 46

71
O saber também é feito das memórias que guar-  Identificar/aplicar pronomes e
damos da história das histórias que aprendemos adjectivos
 Identificar/aplicar discurso
a contar. directo e discurso indirecto
De vez em quando, desafiamo-nos a registar tudo  Identificar estrofes e versos
o que acontece no decurso de um trabalho de
texto. E, então, registamos tudo o que é escrito
no quadro. E registar tudo significa registar tudo,
mesmo o que acabamos por concluir que não
está certo (ou gostamos menos) e então apago
no quadro. Mas nos cadernos dos alunos leva um
risco por cima, para que se perceba onde está o
engano ou como era a frase de que não gosta-
mos tanto: são registos que servem para escre-
vermos a história (uma espécie de acta) do texto
que escrevemos em conjunto.
Este relato é a história de um destes textos, que
escrevemos para ensinar/aprender a escrever e a
chamar as coisas pelos nomes que elas têm.

“OU ISTO OU AQUILO” DE CECÍLIA MEIRELES (3º e 4º Ano)

Hoje a professora leu-nos o


poema “Ou Isto ou Aquilo” de
Cecília Meireles.
A seguir lemos nós, tantas vezes,
que quase sabemos de cor. E
como já é costume, experimen-
tamos escrever sobre o mesmo
tema.
A professora pediu-nos para
escrevermos palavras de coisas
que podemos ver, sentir e ouvir –
só palavras, frases não.
Quando acabou o tempo para
esta tarefa, ditamos as palavras
para a professora escrever no
quadro. Mas a professora só
escreveu as que achamos que
serviam para o poema que íamos
escrever.
FIGURA 47 Com estas palavras, escrevemos
os nossos versos com coisas que
não podemos ver, ouvir ou sentir ao mesmo tempo.

72
A professora escreveu no quadro os versos que mais gostámos de
ouvir e lemos para ver se continuávamos a gostar.
Ou se tem o brilho do sol e não se tem o brilho da lua
Ou se tem o brilho da lua e não se tem o brilho do sol
Ou se tem o brilho do diamante e não se tem o brilho da estrela
Ou se tem o brilho da estrela e não se tem o brilho do diamante
FIGURA 48
Ou se tem o arco-íris e não se tem o céu azul
Ou se tem o céu azul e não se tem o arco-íris

Comparámos os nossos versos com o poema original e achamos que


estava bonito, mas a professora não gostou que estivesse quase
igual. E então disse:
– E se trocássemos o verbo “ter” por outro verbo?
E experimentamos Ou se é brilho do sol e não se é brilho da lua
várias formas (Figu-
Ou somos o brilho do sol e não somos o brilho da lua
ra 49).
Ou sou o brilho do sol e não sou o brilho da lua
Ou brilho como o sol e não brilho como a lua.

FIGURA 49

Em seguida observamos a lista de palavras que escrevemos no início,


para ver se conseguíamos outras combinações que não fossem:
- brilho ……… brilho
- ter …….. ter
- ver ……. ver

FIGURA 50

73
A Cecília Meireles escreveu no seu poema que não é possível estar
ao mesmo tempo em dois lugares. Para escrevermos uma coisa um
pouco diferente, resolvemos
escrever sobre o que podemos Mas há coisas que posso
ter ou fazer ao mesmo tempo. A Fazer ao mesmo tempo:
estrofe número seis também foi Ou caminhar e sentir o ar no rosto
escrita de outro modo. Ou sentir o ar no rosto, caminhando
Ou ver o céu enquanto subo a montanha
Lemos o poema todo para ver Ou subir a montanha enquanto vejo o céu
como ficou e fizemos mais al- Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo
gumas alterações. e passo o dia a escolher o que quero
FIGURA 51

FIGURA 52

74
E a professora disse que tínhamos que arranjar outro lugar para a
última estrofe, porque os versos anteriores falavam de coisas que
podemos fazer ao mesmo tempo. Depois de descobrirmos o melhor
lugar para esta estrofe, completamos a última começada pela profes-
sora (Figura 53).
E em vez de ou isto ou aquilo
Tenho, então, isto e aquilo
FIGURA 53

E o poema ficou pronto Ou brilho como o sol e não é noite


Ou brilho como a lua e não é dia
Ou brilho como um diamante e não sou estrela
Ou brilho como uma estrela e não sou lua
Ou vejo o arco-íris e não tenho dia claro
Ou tenho dia claro e não vejo o arco-íris
Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo
E passo o dia a escolher o que quero.
Mas há coisas que posso
Fazer ao mesmo tempo
Ou caminhar e sentir o ar no rosto
Ou sentir o ar no rosto, caminhando.
Ou ver o céu enquanto subo a montanha
Ou subir a montanha enquanto vejo o céu
E em vez de isto ou aquilo
FIGURA 54 Posso fazer, então, isto e aquilo

Ouvir faixas 14 e 15
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75
“Tive a sorte de começar pela tradição oral, a  Escrever listas de palavras de
sorte de conhecer o poema antes de conhecer a acordo com um tema
 Identificar substantivos e
literatura. (…) Pensava que os poemas não eram adjectivos
escritos por ninguém, que existiam em si mes-  Exprimir ideias , sentimentos,
mos, por si mesmos, que eram como que um emoções
elemento natural, que estavam suspensos, ima-
nentes. E que bastaria estar quieta, calada e
atenta para os ouvir.
Desse encontro inicial ficou em mim a noção de
que fazer versos é estar atento e de que o poeta
é um escultor” (Sophia de Mello Breyner Andre-
sen, 2004).

ENTRE AS “NUVENS”, DE JORGE SOUSA BRAGA E


“O SEGREDO DO RIO” DE MIGUEL SOUSA TAVARES
“NUVENS”
(do 1º ao 4º ano)

Comecei por ler as


duas primeiras linhas
deste poema em pro-
sa, de Jorge Sousa
Braga. Depois repeti a
leitura frase a frase.
Mas, antes de repetir o
poema, disse que gos-
tava que ouvissem
com os olhos fechados FIGURA 55 – “MONTANHAS” – Jorge Sousa Braga
e que os abrissem,
apenas, quando encontrassem a resposta para a pergunta que tinha
para lhes fazer.
“Sinto-me como se vivesse dentro de
uma nuvem. Branca. Fecho os olhos e
deixo-me arrastar. Pelo vento”.
Onde foi que o vento nos deixou?

FIGURA 56 – para algumas crianças o


local confunde-se com um objecto de
desejo
76
Continuei com as perguntas para abrir lacunas que dão continuidade
à história que propus recriar (Figura 57),

FIGURA 57

e com as primeiras respostas preenchi as lacunas (Figura 58), como


exemplo do que queria que fizessem, também, nos seus cadernos.

FIGURA 58

E cada um preencheu as lacunas com as respostas que encontrou.

Finalmente li o poema todo para ver as reacções:


– Não perceberam nada pois não?
– Não – responderam-me em coro.
– Mas é lindo, não é?
– É é é é é…
E com o 1º ano o trabalho ficou por aqui.

*
Com a turma do 4º ano o processo foi idêntico, iniciado, também,
com a leitura das duas primeiras linhas. Mas, aqui, com a primeira
pergunta, quis que as crianças descobrissem o que sentiam se vives-
sem dentro de uma nuvem (Figura 59).
A indicação do lugar para onde o vento empurrou a nuvem foi a per-
gunta que se seguiu (Figura 60) para, finalmente querer saber o que
fizeram no local onde o vento a deixou (Figura 61)

77
Sinto Fui até Fiz
Conforto, calma, Destino, paraíso, outra Buscar cor para o meu
feliz, vento no ros- nuvem, espaço, além, quadro, visitar outros
to, relâmpagos, campo do dragão, céu, sol, países, bolas de
calor, a voar, des- alto das montanhas, palá- nuvens, ver o futuro,
cansada, dormir, cio de cristal, pólo norte, despejei a nuvem, falei
relaxada, paz, sos- imaginação, arco-íris, outro com o sol, brinquei às
sego, leve lado do mundo, florestas, caçadinhas, corri na
montanhas grandes montanha
FIGURA 59 FIGURA 60 FIGURA 61

Com as respostas registadas no quadro, propus, então, que arranjas-


sem forma de as integrar no poema original: primeiro, localizando o
lugar apropriado para cada resposta e, depois, fazendo os ajustes
necessários, para trazer ao texto todo, o som próprio de um poema.
É nesta fase do trabalho que a expressão “esculpir a palavra” melhor
se aplica. Mas este é um processo que dificilmente uma criança con-
segue aprender sozinha. E, aqui, o verbo ensinar agarra todo o seu
sentido.
Para dizer o que sentimos podemos começar a frase com o verbo
sentir, ou podemos começar com a palavra que indica o que sentimos.
Mas para isso, ela tem que ser transformada.
Verificamos, então, que apenas algumas palavras se deixam trans-
formar na forma que nos agrada.

FIGURA 62

Completamos esta parte Sinto-me como se vivesse dentro de uma


do poema com as nuvem. Branca. Uma calma enorme toma
expressões que encon- conta de mim. Invade-me. Sinto-me como
tramos, e lemos para ver se estivesse deitada numa cama. De algo-
se gostávamos do que
dão.
ouvimos.
FIGURA 63

78
Passamos à escolha do local onde a nuvem parou e do que fizemos
enquanto lá estivemos. E escrevemos frases para continuar o poema
(Figura 64).

FIGURA 64

Lemos e relemos o
que escrevemos para Sinto-me como se vivesse dentro de uma
encontrarmos o tom nuvem. Branca. Uma calma enorme toma
certo. E fizemos mais conta de mim. Invade-me. Sinto-me como
um acerto: trocámos se estivesse deitada numa cama. De algo-
“chego” por “paro”. dão. Fecho os olhos e deixo-me arrastar.
Finalmente voltamos Pelo vento.
ao poema original,
Chego Paro ao no arco-íris. E encho uma
todo. E comparamo-lo
com a nossa escrita. lata de cores para pintar o meu quadro.
FIGURA 65

Ouvir Faixas 16 e 17
descarregar em: www.essentia.pt.vu

79
No meu tempo de escola aprendi (talvez seja  Saber associar os sinais de
mais correcto dizer tentaram ensinar-me) a pon- pontuação com o sentido e o
tuação como sinais gráficos que servem a sintaxe ritmo na escrita.
de um texto, na medida em que, na gramática
tradicional, “a sintaxe está na base da própria
caracterização da pontuação” (Chacom, 1983),
sugerindo um vinculo estreito entre o emprego da
pontuação e os conhecimentos sobre a sintaxe.
Talvez por isso tenha sido sujeito a exercícios
imensos de divisão de orações sem que tenha
resolvido os meus problemas com a pontuação
de um texto.
Sem querer entrar na polémica, entendo a lógica
do sentido como a única lógica que faz sentido
trabalhar neste nível de ensino.

Enquanto o poema foi apenas ouvido, não houve lugar a reparos


quanto à forma de pontuação usada. Mas, quando passei o poema a
escrito, para ser trabalhado, perguntei se não havia nada de estranho,
na forma de pontuar usada pelo poeta. Então, alguém chamou a aten-
ção para uma pontuação que ia contra tudo o que, até então, lhes
tinha ensinado: nunca separamos um nome (substantivo) da sua qua-
lidade (adjectivo)!
Então, sugeri reescrever o
Sinto-me como se vivesse den-
poema com a pontuação
que achavam correcta. E, a tro de uma nuvem branca.

FIGURA 66
seguir, pedi que lessem com Fecho os olhos e deixo-me
a leitura que a pontuação arrastar pelo vento.
encontrada pedia.
A diferença entre ter ponto final ou não ter, foi o tema do debate que
propus.
Que passou pela cabeça do poeta para separar o adjectivo do nome?
Às tantas – sugeri – quis chamar a atenção para a palavra “branca”.
Que terá esta palavra de tão importante para ser destacada?
Com o impasse instalado, vou lançando contributos para o debate:
- “Branca” é a cor da nuvem. Mas as nuvens podem ser de outra cor.
- Ela é branca e não cinzenta por alguma razão.
- Quando é que a nuvem é branca? E quando é cinzenta?
Recordamos outra forma semelhante de organização do texto, que
experimentamos noutras ocasiões, para reforçar uma ideia. E anali-
sámos o ritmo a dar à leitura, que esta pontuação pedia.

Sinto como se vivesse dentro de uma nuvem. Uma nuvem branca.


80
“Debruçar-se sobre a língua em funcionamento,  Saber antecipar conteúdos,
lendo textos, debatendo temas, esquematizando prever
intervenções, fazendo anotações, revisando con-
ceitos e concepções: eis a preparação para
escrever textos: conviver com a expressão e não
analisar ou descrever os recursos de expressão”
(Geraldi).

“O SEGREDO DO RIO” (Do 2º ao 4º Ano)

Que relação tem “O Segredo do


Rio” com as “Nuvens”? Nenhuma!
Mas relacionam-se num dos modos
que utilizamos para ensinar a escrever:
têm uma estrutura que ajuda, a partir da
sua leitura, a ensinar a fazer as perguntas
que nos auxiliam a descrever uma cena.
“O Segredo do Rio” teve assim um
tratamento idêntico ao tratamento usado
com “As Nuvens”: de vez em quando
parávamos e, com as perguntas que
íamos fazendo, convidávamos a imaginar
o que se passava a seguir. E continuá-
vamos a leitura, comparando as respos-
tas que encontrávamos com as respostas
FIGURA 67 que Miguel Sousa Tavares encontrou
para escrever o seu texto.

As Nuvens O Segredo do Rio


“Sinto-me como se vivesse “Era uma vez um rapaz”
dentro de uma nuvem. Bran-
ca”. - Como era o rapaz?
- Que posso sentir mais?
“Que morava numa casa de
“Fecho os olhos e deixo-me campo”.
arrastar. Pelo vento”. - Como era a casa de cam-
- Até onde vou? po?
FIGURA 68

A nuvem”, sendo um poema, “esconde a história, contando-a


incompletamente”. É uma síntese, para usarmos o termo de Sophia
de Mello Breyner Andressen, que “exprime inumeráveis experiências

81
mais ou menos transpostas”. Podemos lê-lo todo, ou dá-lo a ler, antes
de qualquer pergunta, que os espaços a preencher abrem-se vazios a
convidar a escrita feita das respostas às perguntas que temos para
fazer.
Mas com “O Segredo do Rio” os espaços que se abrem, com as
perguntas que vamos fazendo, estão já preenchidos pela história.
Podem ou não ser preenchidos com outras respostas; mas se faze-
mos as perguntas depois do texto lido, elas vêm condicionadas pelas
respostas que a história já traz. Daqui fazermos acompanhar a leitura
do texto com estas perguntas que marcam os espaços a preencher,
permitindo apenas a resposta que vem da experiência do leitor. E,
então, de vez em quando, surpreendíamo-nos ao ver que, aqui e ali,
parecia termos vivido experiências idênticas: só as palavras e o seu
jogo eram, muitas vezes, diferentes.

“O rapaz ouviu aquela conversa e ficou gelado de terror e sem


saber o que fazer”.
Porquê?
“Se avisasse o peixe e ele fugisse nessa noi- Se não avisasse, o
te, ficava na mesma sem o seu amigo e a seu pai pescava-o e
família ficava sem comida. Por outro lado, se ele era comido. Se
deixasse o pai pescar a carpa, ele não con- avisasse ele fugia e
seguia imaginar-se capaz de comer aos já não teria um ami-
bocados aquele peixe que agora era seu go para brincar
grande companheiro de conversas e brinca-
deiras”
FIGURA 69

82
“A ideia que temos sobre a produção de textos  Usar frases complexas para
escritos é muitas vezes a de uma actividade indivi- exprimir sequências e rela-
dual, a ser realizada solitariamente, em oposição a ções
uma actividade colectiva própria da fala, de uma
conversa na qual diversos interlocutores constroem
o discurso.” (TEBEROSKY, ANA 1990)
“O diálogo sela o acto de aprender que nunca é
individual, embora tenha uma dimensão individual”
(FREIRE, P. e SHOR, I 1986)

A SOPA DA BRUXA (do 1º ao 4º Ano)


A turma foi dividida em dois grandes grupos, e dentro de cada grupo
constituíram-se pares de crianças para realizar a tarefa.
Um grupo foi responsável pela bruxa
 Era uma vez uma bruxa. Como era a bruxa?

O outro grupo foi responsável pela sopa da bruxa.


 Um dia a bruxa resolveu fazer uma sopa. Que meteu no caldei-
rão?

Para um e outro grupo propôs-se a escrita de palavras: um escreveu


os nomes dos produtos da sopa da bruxa; o outro escreveu palavras
que diziam como a bruxa era.
No quadro completam-se as frases com as palavras propostas. Aqui e
ali acertam-se pormenores:

Era uma vez bruxa má, feia, desdentada, de cabelos cinzentos


despenteados.
Um dia resolveu fazer uma sopa. Então meteu, no caldeirão,
batatas, couve cenouras feijão, patas de rato, aranhas, baratas e
FIGURA 70

cozinhou tudo com água (só com água? É a sopa de uma bru-
xa!) e sangue de galinha.

E agora, quem vai comer a sopa?

Quando a sopa ficou pronta mandou-a para a turma do 4º Ano.

Aceite o convite, a história é devolvida depois de pronta.

83
Com esta forma de escrever histórias, trazemos para a escrita, o que
fizemos muitas vezes na “hora do conto”, num modelo em tudo seme-
lhante ao modelo que utilizamos na leitura-escrita de “O Segredo do
Rio”, de Miguel Sousa Tavares” ou da “Nuvem” de Jorge Sousa Bra-
ga. Só que, neste caso, não é a leitura de um texto que solicita a
escrita.

84
Num mundo de conto de fadas não é preciso  Identificar personagens
explicar a razão de tudo; podemos sempre dizer  Identificar, no enredo de uma
história, o problema descrito e
que aquilo é assim porque a fada quis assim: é a solução encontrada
magia.  Identificar de soluções alterna-
Daqui apreciarmos este tipo de propostas de tivas
escrita quando se trata de ensinar a escrever em
fases de iniciação, pela possibilidade que dá de
sair rapidamente do impasse em que por vezes o
texto cai: quando o enredo corre o risco de se
arrastar podemos sempre convocar a persona-
gem mágica que traz o fim, sem serem necessá-
rias grandes explicações.

HISTÓRIAS DE CHOCOLATE DE JOSÉ JORGE LETRIA


“O CÉU DE CHOCOLATE – 1º Ano

Deste conjunto de histórias recriamos o “Céu de Chocolate”, optando


por uma primeira abordagem mais tradicional: identificamos as perso-
nagens, o problema que a história descreve e a solução encontrada,
para, de seguida, passarmos à escolha do que iríamos alterar.
Decidimos que o céu de chocolate deixaria de ser céu para passar a
ser nuvens de cacau, que não deixam ver o céu azul, mantendo, no
geral, o enredo da história. E de céu de chocolate passou a céu de
cacau.

Ouvir Faixas 18 – descarregar em: www.essentia.pt.vu

FIGURA 71

85
“A língua é para mim uma experiência sonora.  Descobrir aspectos funda-
Música. Desrespeito sabendo que estou a des- mentais da estrutura e do fun-
cionamento da língua, em
respeitar o que dizem os cientistas da língua. situações de uso
(…) Eu escrevo o rumor das palavras”. (ALVES,
Ruben. 2004). “Mas desrespeitar a gramática
obriga a saber como. O desrespeito não se
baseia na ignorância. O desrespeito nasce de
uma intenção. Só desrespeitamos quem ou o
que queremos. Se é feito de ignorância é um
sem querer. Em certo sentido o que fazemos
agora é um desrespeito: ‘um sem querer’ não
existe. ‘Sem querer’ não é um nome, não leva
determinante atrás” (D. Lousada). Mas há tex-
tos que se dão mais ao desrespeito que outros.
Daqui o preferirmos os textos que se dão mais
ao respeito para submeter à ditadura da gramá-
tica: recados, avisos, notícias…

ESCRITA FORMAL (3º e 4º Ano)

Receitas, actas, requerimentos, petições, etc, são textos com uma


forma fixa; uma vez entendida a lógica da sua organização apenas
com um olhar é possível antecipar muito do seu conteúdo, sem
grandes esforços de interpretação. São textos de trabalho que
cumprem uma função muito precisa, sem qualquer compromisso
com o prazer de ler ou escrever: a economia de esforço é a sua
principal característica.
Então, de vez em quando, centramo-nos num destes textos e,
pegando num parágrafo, reflectimos colectivamente sobre a sua
forma e o seu conteúdo até à exaustão, apoiados numa orientação
directiva. É um tempo em que o “professor ensina” gramática aos
seus alunos.
Como sempre, as intervenções das crianças, quando interpeladas,
são sempre feitas com base nas propostas alternativas de escrita.
Quer dizer, antes da resposta às interpelações é obrigatório testar a
escrita das hipóteses.

No dia 12 de Outubro de 2006 realizou-se uma reunião com o


4º ano para falarmos sobre o jornal escolar, A Padeirinha.

86
1. Vamos dizer “realizou-se uma reu-
nião” com uma só palavra. – perante a
No dia 12 de Outubro
perplexidade dos olhares vem a pista – de 2006, o 4º Ano reu-
É uma forma verbal. niu para falarmos*
sobre o jornal escolar,
2. Se nos reunimos claro que é para
falar! Mas o que é que queremos com A Padeirinha.
a conversa? * Falar ou falarmos: registamos a
dúvida na concordância para
 Encontrar outro aspecto para o jornal trabalhar mais tarde.

3. Sim… Outras palavras para aspecto.


 vista, imagem

4. Imaginem que estamos a olhar para o aspecto de alguma coisa


ou de alguém.
 cara, rosto, look

5. Look? Podia ser! Mas não estamos na Inglaterra! Vamos lá…


toca a escrever propostas.

No dia 12 de Outubro de 2006 o 4º ano reuniu para falar sobre


o jornal escolar, A Padeirinha, para encontrar outro imagem,
rosto, vista cara, look para o jornal

6. Há aqui qualquer coisa que não soa bem…


 Muitos “para”

7. Lembrem-se que estamos a escrever uma notícia…


 Uma notícia não é um romance.

8. Pois. Vamos lá poupar as palavras e dizer o necessário.

No dia 12 de Outubro de 2006 o 4º ano reuniu para falar sobre


o jornal escolar, A Padeirinha, para encontrar outro rosto para
o jornal a Padeirinha.

87
9. Encontrar? Até parece que está ali à nossa espera! Vamos lá…
uma palavra com mais força que indique que estamos a trabalhar…

 fazer construir, fabricar, criar, imaginar.

10. Vamos substituir “outro”.

No dia 12 de Outubro de 2006, o 4º ano reuniu para criar um


novo rosto para “A Padeirinha”.

88
Numa primeira fase do processo de iniciação à  Reconhecer que, numa
escrita, é muito importante a presença da escrita da frase, a posição de uma
palavra conta;
professora que regista a fala das crianças. A escrita,  Relacionar produções orais
enquanto traçado das suas falas, é construída pela com a sua forma escrita
mediação de uma espécie de cópia feita a partir do  Encontrar diferentes formas
modelo da professora. E dizemos numa espécie de de escrever duas ou mais
cópia porque a cópia está apenas no traçado, já que frases numa só
 Juntar uma ou mais frases
o mais importante – a sua fala, que a escrita da
professora regista, - não é cópia nenhuma.

JÁ SEI LER A NOVIDADE DA JOANA AO CONTRÁRIO (1º Ano)


Hoje tivemos o texto da Joana para trabalhar!

“Eu tenho uma pomba na minha avó”

Depois de escrito numa tira de papel, a Joana leu o seu texto para a
turma. O Jorge, um dos miúdos mais participativos, também quis ler.
― Está bem. Mas vais tentar ler do fim para o princípio
― Assim não consigo ― respondeu depois de hesitar
― Lê como sabes, então.

Logo de seguida, em jeito de brincadeira, vem o reparo da professora:


― Como é Jorge? Também tens uma pomba na tua avó?

E o desafio foi lançado à turma. Se somos nós que vamos contar a


novidade da Joana como vamos escrever?
FIGURA 72

Partimos à descoberta do que é igual nas duas frases. Dispusemos


então as frases na vertical para melhor as compararmos.
Eu A Joana Como vem sendo hábito, passou-se à interpe-
tenho tem lação da Joana. Trata-se de interrogar o texto,
uma uma procurando junto da autora as respostas que o
pomba pomba texto não dá. E, a cada pergunta, a Joana vai
na na dando a sua resposta.
minha sua Falta agora completar a notícia com as novas
avó avó informações.
FIGURA 73

89
Começamos por tentar integrar a informação da primeira resposta:
― Para juntar estas duas frases temos que apagar algumas palavras.
Quais são?
FIGURA 74

As palavras “no” e “galinheiro” foram a primeira hipótese. Ao ler a


frase assim composta vimos que não dava. Então a Beatriz sugeriu
que apagássemos as palavras “A”, “pomba” e “está”, ficando assim:
A Joana tem uma pomba na sua avó no galinheiro.

Procuramos outras combinações:


A Joana tem uma pomba no galinheiro na sua avó.

A professora pediu uma palavra para substituir o “na” porque não gos-
tava dele naquele sítio. E a frase ficou assim:
A Joana tem uma pomba no galinheiro da sua avó.

Seguindo o mesmo processo, uma a uma, se vão integrando as res-


tantes respostas.

A última resposta teve


A Joana tem uma pomba
um processo um pouco magrinha e bonita, no galinhei-
mais complicado:
à semelhança da novi-
ro da sua avó, que o amigo do
dade original precisou avô lhe deu
de ser, primeiro, re- FIGURA 75
escrita na terceira
péssoa e só com a ajuda da professora foi integrada no texto.
No dia seguinte o Jorge vem ter connosco:

― Professora, já sei ler a novidade da Joana ao contrário!

90
“A criança é capaz de aprender a palavra e a frase  Falar de coisas que vejo,
vivo sinto
antes de distinguir os seus elementos constitutivos,  Retirar e usar informação
mas com a condição de esta frase estar intimamen- de registos de tempo, pre-
te inserida no contexto de vida dos indivíduos (FREI- senças, tarefas…
NET, C. 1977) .

“O acesso à linguagem escrita começa quando o


adulto decide. A ilusão pedagógica pode manter-se
porque as crianças aprendem tanto a proceder
como se nada soubessem (embora saibam), quanto
a mostrar, diligentemente, que são capazes de
aprender através do método escolhido” (EMÍLIA FER-
REIRO, 1991).

“QUANDO EU MORAVA NO JARDIM…” (1º Ano)


Do Jardim para a Escola queríamos que começasse por ser ape-
nas uma mudança de espaço! O Jardim-de-Infância e a Escola fun-
cionam no mesmo edifico, partilhando as mesmas estruturas de apoio:
cantina, biblioteca, espaços exteriores…
Durante o ano desenvolveram-se actividades em conjunto, criaram-se
espaços para a comunicação, visitámo-nos regularmente, cruzamo-
nos inúmeras vezes naquilo que fazíamos. Não éramos ilustres des-
conhecidos.
O primeiro dia serviu, então, para relembrarmos encontros passados,
coisas que fizemos em conjunto. Serviu para pormos as nossas
memórias em dia.
E serviu para explorar um novo espaço: a nossa sala.
Nas paredes tínhamos:
 O programa de Língua Portuguesa do 1º Ano
 O registo do tempo
 O registo de presenças e faltas
 O registo de quem somos
O Pedro, apontando o registo de
tempo, diz: “quando eu morava no
jardim não era assim…” – Então
decidimos pedir à educadora um
registo de tempo para comparar
mais tarde.
Entretanto, a análise do Registo de
Quem Somos (Figura 76) serviu
para continuarmos a falar de nós.
FIGURA 76

91
Ficamos a saber que todos sabem o seu nome próprio, mas nem
todos sabem o seu nome completo e alguns (muito poucos) não
sabem o nome do pai e da mãe; que quase todos reconhecem o seu
nome escrito em maiúsculas no Registo de Quem Somos e as pala-
vras PAI e MÃE

Alguns assumiram, então, o seu primeiro compromisso:


 Saber o seu nome completo, o nome do pai e o nome da mãe;
 Reconhecer o seu nome escrito nos registos, nas listas de nomes,
na identificação dos seus cadernos;
 Reconhecer a escrita das palavras pai e mãe.

Lentamente o Registo de Quem Somos foi sendo preenchido com as


informações disponíveis: o nome do pai e da mãe, o dia do aniversário
(data de nascimento), a cor dos olhos, a cor do cabelo, o animal prefe-
rido, o brinquedo preferido, o melhor amigo…
E ensaiamos os primeiros pequenos textos que falam de nós.
Ex.: “O brinquedo preferido do Telmo é uma bola de futebol”
“O pai do Mário é mecânico”

92
É verdade que não há limites para a imaginação. E  Experimentar percursos
sem limites, não se lhe reconhece princípio nem fim. individuais ou em grupo que
proporcionem o prazer da
Aparece e pronto. Mas isto não significa que não escrita
seja necessário aprender a detectar os sinais que  Usar frases complexas para
anunciam a sua chegada. exprimir sequências e rela-
Alberta Menéres conta que, conversando com um ções
grupo de crianças, uma lhe perguntou onde dormia
o verde! Ora, é com perguntas como esta que, tan-
tas vezes, a imaginação se agarra e desenvolve.

A IMAGINAÇÃO APRENDE-SE (1º ao 4º Ano)


Onde mora o azul, o amarelo, o verde, o vermelho?
Em pequenos grupos, elaboramos listas de palavras que nos indi-
quem onde podemos encontrar estas cores
De seguida mudamos as cores de grupo e colocamos outras per-
guntas: Com quem moram? Que gostam de fazer?
Mora Com Gosta de

Estádio do Dragão Sol Voar


Azul

Céu Estrelas Vento


Mar Olhos Nuvens Futebol
Borboletas Pássaros Nadar
Folhas Erva Árvores Vento
Olhos Periquito Brincar
Verde

Algas Tartaruga
Arco-íris Arco-íris
Relva
Fogo Lareira Estar à lareira
Vermelho

Benfica Fogão Calor


Sangue Pôr-do-sol
Arco-íris Dançar
Morangos Morangos
Sol Areia Estar ao sol
Amarelo

FIGURA 77

Malmequer Canário
Canário Pintainhos
Lua Arco-íris
O meio do ovo

As crianças são sempre desafiadas a escrever autonomamente, a


registar antes de dizer, ensaiando, de acordo com o seu nível de
desenvolvimento, as suas hipóteses. Para o efeito, socorrem-se dos
diversos instrumentos disponíveis: listas de palavras conhecidas,
quadros silábicos, cartazes de letras, analise dos sons das palavras
que a fala nos traz…

93
Enquanto as crianças ensaiam os seus registos a professora circula,
responde às perguntas que lhe são colocadas, muitas vezes, com
novos desafios, dá pistas…
 Quantas vezes abres a boca para dizer essa palavra?
 Como se pronuncia (como dizes) o primeiro bocadinho?
 Que outras palavras conheces que começam da mesma maneira?
Registadas as palavras construiu-se, no quadro, uma tabela de dupla
entrada com as propostas sugeridas para cada cor para, finalmente,
se escrever uma frase para cada uma delas, tendo a tabela como
guia:
O Azul mora no céu
com as estrelas
e gosta de voar

Fazem-se mais perguntas que permitam continuar a frase:


 Com quem? – com os pássaros;
 Quando? – em dias de sol

Convidam-se voluntários para lerem os textos depois de prontos, dis-


cutindo-se sobre a leitura que nos dá mais prazer ouvir: o ritmo
empregue, a entoação…
Desafiam-se as crianças a dizer os textos como se fossem, elas
mesmas, as cores, reescrevendo-os, depois, na primeira pessoa:
FIGURA 78

Sou o azul
moro no céu
com as estrelas
e gosto de voar
com os pássaros
em dias de sol

Analisam-se as diferenças verificadas


na escrita.

Entretanto, a professora lê os textos do livro de Maria Alberta Mene-


res.
94
A escrita aprende-se. Não se ensina! Aprende-se no  Identificar elementos
diálogo com os outros. Eu não ouço o professor e essenciais da frase.
 Descobrir a informação que
depois vou escrever de acordo com as suas instru- falta num texto (aprender a
ções, como ele me “ensinou”. fazer perguntas)
O Professor não me “ensina” a escrever. Acompa-
nha-me na minha escrita, interpela-me. O professor
é um crítico.
Um bom professor de escrita, gosta de escrever.
Critica-me porque gosta de escrever. Não procura
os meus erros. Vê no que escrevo de errado o que
eu não vejo que está certo, e ajuda-me a descobri-
lo.

TRABALHO DE TEXTO SOBRE UM TEXTO LIVRE


Um texto começa por ter apenas
as palavras necessárias para
dizer o que queremos dizer. Não
tem palavras a mais! Seguindo
este critério, quando nos envol-
vemos num trabalho de texto,
começamos por verificar se é
possível dizer melhor com
menos palavras. Neste sentido,
por vezes, corrigir um texto não
é mais do que descobrir a frase
certa escondida numa frase que
FIGURA 79 transborda de palavras.

FIGURA 80

De certa forma, a escrita de um texto desenrola-se como a composi-


ção de uma peça musical. Começa por um esquema simples (uma
melodia), despido de quaisquer efeitos. Mas, ou as notas estão lá
todas, no sítio certo, ou a melodia sai desafinada.
95
FIGURA 81

O texto do Luís revela que, num primeiro momento, escrevemos ao


sabor da fala, num processo que transcreve um discurso oralizado.
Mas a escrita não é fala, não aceita repetições excessivas de pala-
vras. Com a escrita a palavra não se dissolve no ar, adquire uma exis-
tência quase física que não a deixa sair dali. Por isso oferece “resis-
55 tência como matéria a ser trabalhada”,55
Ives Beal, in Apap & Cool, 2002
adquire uma força que influencia o caminho
do texto, obriga a um pensamento mais rigoroso e criativo. E isto não
se ensina, passa-se pelo entusiasmo da construção solidária de uma
escrita em directo, projectando escritas alternativas num processo que
assume a escrita como único instrumento de trabalho. Quer dizer, a
fala espontânea não é permitida nesta fase. Desta forma, reforça-se a
reflexão participada que só a exposição da escrita pela leitura é capaz
de provocar. A obrigação da escrita obriga à pausa que o pensamento
necessita, força o diálogo interior necessário à construção da hipótese
alternativa, desenvolve a capacidade de reflexão metalinguística de
que se alimenta o “escritor” competente.
Retirada ou substituída uma palavra que não cabe, acrescentada
outra que está a menos, voltámos ao texto todo.
Verificamos, então, que podíamos retirar uma palavra mais.

FIGURA 82

96
E, aparentemente, o texto ficou arrumado, de acordo com as inten-
ções projectadas pelo seu autor.
Como o Luís não quis ser interpelado sobre o seu desabafo, não pas-
sámos à fase de perguntas sobre o conteúdo do texto. Dir-se-ia que,
continuando a comparação com a música, não se introduziu o som de
outros instrumentos, não se passou à orquestração. Houve apenas
lugar a um desafio do professor: encontrar uma arrumação diferente
para as frases 3, 4 e 5, juntando o conteúdo da 3 e da 5 numa só.
a. Gostava que tudo ficasse como era dantes e voltássemos a ser
amigos;
b. Gostava que voltássemos a ser amigos e tudo ficasse como era
dantes;
c. Gostava que tudo ficasse como era dantes, que voltássemos a
ser amigos;
d. Gostava de votássemos a ser amigos, que tudo ficasse como
era dantes.

E antes de dar o trabalho por concluído, cuidamos da pontuação

FIGURA 83

Como “pauta sonora de um texto”, a escrita traz sinais que guiam o


leitor no modo de lhe dar vida. Às vezes, precisa de algo mais do que
palavras alinhadas, arrumadas no sítio certo. Precisa do modo de
dizer do seu autor, de explorar outros modos de lhe dar forma.

FIGURA 84

97
Os erros corrigem-se. Não se “valorizam” com uma  Descobrir e aplicar regas
avaliação que penaliza. ortográficas;
 Investir na correcção ortográ-
Os pontos fracos não se escondem. Usam-se como fica.
trampolim para crescer no conhecimento. Mas para
que tal aconteça é necessário colocar o erro em
condições de cumprir esta função.
Nesta perspectiva, transformamos o “status do erro”
para, no dizer de Ives Beal, colocá-lo na condição
de hipótese formulada pelo sujeito que constrói o
seu saber, que aprende em interacção com os
outros a partir das avaliações que faz.

A QUESTÃO ORTOGRÁFICA
Uma ortografia descuida-
da realça os defeitos de
um texto, por vezes, não
deixa ver o que está
escrito, obriga a uma
leitura silabada, palavra a
palavra, que oculta o que
de bom este possa con-
ter. Daqui o cuidado que
temos na transcrição do
texto a trabalhar, evitando
que o número de erros
visíveis prejudique a sua
apreciação.
Então, perante um texto
FIGURA 85 com muitas palavras
erradas, começamos por
corrigir todos os erros que não tenham nada para nos ensinar, ou
seja, que não é possível reverter a partir das informações que a análi-
se da palavra nos oferece. Para este tipo de erros, feitos em palavras
de uso frequente, que não nos dizem o porquê de se escreverem
assim, temos o local das Palavras que é Proibido Errar. “Escrevem-
56
56
Quando o uso de uma letra ou se assim porque sim” , reflectindo uma difi-
digrafo é justificado apenas pela culdade que pode acompanhar-nos por
tradição de uso ou pela origem – algum tempo. Mesmo com o estatuto de
etimologia da palavra – (in Artur “escritor” competente, encontraremos sem-
Morais, 2001
pre palavras novas para as quais é possível
encontrar mais do que uma hipótese de escrita. Se “hipótese” fosse
uma destas palavras, teríamos, com certeza, à cabeça, quatro manei-

98
ras de fixar a sua escrita (ipótese, ipóteze, epótese, epóteze) e, às
tantas, dificilmente, nos ocorreria a norma que hoje usamos.
Mas a aprendizagem da ortografia não se centra apenas na memória,
pode e deve servir-se de outros recursos cognitivos para se desenvol-
ver.
Este é um dos trabalhos em que a nossa intervenção na sala de aula
é mais directiva, permitindo interpelar, fazer perguntas, dar pistas,
propor desafios numa espécie de jogo de descoberta. Mas o modo
como esta interpelação é feita depende da natureza do erro, da ava-
liação que fazemos.
Para perceber a natureza dos erros detectados e melhor determinar
os recursos cognitivos que podemos mobilizar, construímos, com fre-
quência, quadros de análise que nos ajudam a avaliar as dificulda-
des reveladas.
A análise do Quadro da figura 86, construído a partir dos erros detec-
tados no texto, permite observar três tipos de dificuldades:
- de correspondência fonográfica regular directa
- de correspondência regular morfológica gramatical
- de correspondência fonográfica irregular.

FIGURA 86

É esta avaliação que nos vai dizer como é que uma determinada difi-
culdade ortográfica vai ser trabalhada:
- Numa aula com toda a turma, durante um trabalho de texto, ou
noutro momento agendado para o efeito;
- Individualmente ou em pequena grupo, com o professor, no tempo
de trabalho autónomo.
De todos os erros analisados, seleccionamos três para trabalhar no
decurso do trabalho de texto:

99
- ficase/ficasse; emfim/enfim – porque são um erros frequentes, par-
tilhados por outras crianças e temos a possibilidade de relembrar
regras já estudadas;
- secalhar/ se calhar – porque ocorre, por vezes, com outras formas
verbais;

A estes acrescentamos a análise da distinção “antes/dantes” que, não


estando no grupo dos erros ortográficos, é um tipo de dificuldade que
merece ser analisada sempre que a oportunidade aparece, em con-
textos de significação.
As palavras erradas, classificadas como “correspondências irregula-
res”, são corrigidas, integradas em famílias de palavras conhecidas
(pazes vem de paz; acho é forma do verbo achar) e, como são tam-
bém de uso frequente, são enviadas para a lista de palavras que é
proibido errar.
As restantes dificuldades, como estão localizadas, apenas, no autor
do texto, são trabalhadas individualmente no tempo de trabalho autó-
nomo. Tratam-se de dificuldades ao nível da “correspondência fono-
gráfica regular directa”, localizadas na confusão entre “s”, “j” e “x” ou
“ch”, e entre “l/lh”, quer em textos espontâneos, quer em textos dita-
dos. Sendo um problema de distinção que não depende de contextos
de significação, entendemos que “o aprendiz possa tratar a língua
como objecto de conhecimento e não só como instrumento de comu-
nicação. (…) A defesa de um aprendizado significativo da língua não
57
pressupõe ‘uma ditadura do texto como única
Artur Morais, 2001
unidade de trabalho’.”57
58 “A escrita deve ser vivida como um trabalho de
Marie-Pierre Canard, 2002
palavras e não como um jogo de inspiração”.58
Não queremos com isto dizer que, num dado momento, não nos sin-
tamos inspirados, mas o “trabalho de palavras” tem de estar lá. Se
assim não fosse, o texto do Jorge teria ficado como estava.
É deste “trabalho de palavras” que o ensino da escrita se funda. É de
escrita e do desafio de escrever, persistentemente assumido pelo
professor com os seus alunos, que o ensino da escrita é feito.
Sublinhamos com porque a importância que lhe atribuímos é enorme.
Quer dizer, o professor é solidário e implica-se com os seus alunos
também com a sua escrita, experimentando, quantas vezes, as suas
dificuldades.

100
CONCLUSÃO

101
102
O ENSINO DA ESCRITA E AS “TIC – UMA QUESTÃO POR RESOLVER

Nizza Villaça, defende que um dos grandes equívocos das histó-


rias do livro e da leitura é não fazerem “uma distinção entre a leitura
da necessidade e a leitura apaixonada”.59 E então, assu- 59 Citado por José
mindo esta distinção, vê o texto electrónico, com todas as Furtado, 2003
suas vantagens, como muito apropriado para o primeiro tipo de leitura.
A leitura por necessidade procura economia de esforço e a rapidez de
acesso. E o texto electrónico, organizado em plataformas, com moto-
res de busca que eliminam barreiras de tempo, espaço e selecção,
posiciona-se, claramente, a favor deste tipo de leitura. O prazer, a
existir, não assenta no acto mesmo de ler, mas sim na satisfação da
necessidade que o convoca.
Mas a leitura apaixonada, de fruição e prazer não se contenta
com um texto atrás de uma tela; “ela se completa no contacto corporal
com o livro”. Um “bom leitor” não é num documento digital que encon-
tra o prazer que procura, assim como não é no computador que um
“mau leitor” encontra o estímulo, capaz de o fazer aderir ao texto, que
não encontrou noutros suportes. Desenganem-se aqueles que acredi-
tam que quem não gosta de ler em papel, passa a gostar se as pala-
vras estiveram dispostas no monitor de um computador ou num “leitor
electrónico”.
Com esta obsessão pelas novas tecnologias digitais corremos o
risco de promover uma inversão de valores, fazendo do conteúdo o
meio que faz a tecnologia brilhar, quando deveria ser o contrário. Foi
neste sentido, que preferimos procurar, no acto mesmo de ler, os
argumentos que trazem novos leitores para uma “leitura apaixonada”.
Claro que também fazemos pesquisas na internet, por exemplo,
na procura de informação que traz ideias para a nossa história; claro
que também utilizamos o computador, por exemplo, na edição e
impressão do jornal escolar, ou do livro de histórias que publicamos
no final do ano, ou na gravação das leituras que fazemos dos textos
que escrevemos... Mas o que brilha não é a tecnologia, mas sim o que
conseguimos fazer com ela. Até podemos dizer, com Mcluhan,60 60 1964
que “o meio é a mensagem”, mas apenas se, pela forma como se

103
implicam, não conseguirmos fazer qualquer distinção entre a mensa-
gem e o meio que a materializa.

*
“(…). Hoje não sei se me agrada uma escola que deixa o mundo
entrar. Agrada-me mais uma escola dentro do mundo, com grandes
janelas para poder olhar e agarrar…, e que avance, de vez em quan-
do, mundo fora. Uma escola aberta ao mundo, não sendo mundo, não
saberia o que fazer com o mundo todo a querer entrar. De certa forma
é o que acontece agora: a escola não sabe o que fazer com o mundo
que, continuamente, lhe entra portas adentro. Daqui esta tentativa de
se fechar a este mundo todo que a empanturra e mal a deixa respi-
61
61
D. Lousada, 2009 rar”

A “revolução informática” que nos envolve e nos afecta é, prova-


velmente, a oportunidade de pensar a escola como este “espaço den-
tro do mundo”, mas dele suficientemente distanciado, para melhor
podermos decidir o que dele queremos agarrar. Defendemos, então,
não o fechamento da escola, mas a definição dos seus limites: o que,
em cada momento, pode ou não pode deixar entrar. Mas decidir que
tal coisa não entra não quer dizer que não serve à escola; significa
apenas que, naquele momento, não é útil que entre. Quer dizer, há
um conjunto de coisas que, estando fora, estão suficientemente perto
para, se necessárias, podermos agarrar.
Os quadros interactivos são úteis mas não para fazerem tarefas
62
62
Uma criança do nono ano que os meios tradicionais fazem melhor. E
desabafava: “o meu professor de quanto aos computadores, não vemos, como
matemática dá aulas com powr-
points” espectaculares, mas eu muitos vêem, cada aluno com o seu, na sala
não percebo nada do que lá está. de aula: só por piada ouvimos a descrição de
uma sala com professor e alunos ligados por um terminal de compu-
tador, quando a comunicação está à distância de um olhar ou à velo-
cidade da voz que fala ao ouvido que escuta. Mesmo numa aula de
informática ninguém deve estar sozinho frente a um monitor: o traba-
lho entre pares, mesmo aqui, é importantíssimo.
Motivar para a leitura nunca foi tarefa fácil. E agora, neste mun-
do globalizado pelas tecnologias da comunicação e informação, a
tarefa é pouco menos que imensa. Os motivos que nos afastam do

104
livro são mais que muitos: para quê investir esforço na leitura de uma
história se a podemos encontrar num qualquer clube de vídeo, pronta
a consumir, sem o trabalho de imaginar o que as palavras, só por si,
não são capazes de mostrar; para quê investir horas, folheando livros
e enciclopédias, na procura da informação, se a “revolução informáti-
ca” colocou-nos o conhecimento(?) à distância de um click? Talvez
por isso há quem aposte no fascínio das novas tecnologias como
meio de promover a adesão de crianças e jovens à leitura e à escrita.
Não cremos que este seja o melhor motivo para fazer entrar na escola
uma tecnologia que não tem no prazer de ler mas na aceleração do
acesso à informação, se não o seu propósito, pelo menos a sua prin-
cipal motivação.
Escrever é uma actividade que parece incompatível com o tem-
po acelerado que vivemos hoje. Por isso mesmo, talvez, a escrita
nunca foi tão necessária, pela pausa a que obriga e de que o pensa-
mento necessita tanto. Mas para que a escrita recupere o lugar que foi
perdendo, a favor de outras formas de expressão mais expeditas, é
necessário equacionar o trabalho sobre as suas funções em função
das necessidades da vida presente, sem dogmatismos ou preconcei-
tos, conscientes da distinção, que o texto digital tornou mais evidente,
entre “leitura da necessidade” (que alargamos à escrita da necessidade) e
“leitura apaixonada” (alargada aqui à escrita apaixonada).
Centrar a escrita que se ensina na escola na função de comuni-
cação, é olhar a escrita por uma lente que deixa ver apenas o menos
importante: “já não se escrevem cartas como antigamente”; enviam-se
e-mails e sms numa escrita que é outra escrita, que procura, ainda,
nome próprio. E isto significa ver na escrita, mais do um meio de
comunicar, uma forma de dizer e de pensar, que convoca, no mesmo
modo, o pensamento do outro.

*
Muitos têm criticado o lugar que os programas de língua portu-
guesa reservam ao prazer da leitura e da escrita, afirmando que a
escola primeiro tem que ensinar a ler! É verdade! Mas não é em pri-
meiro ou em segundo. Tem de ensinar e pronto. Não percebem, ou
não perceberam então, que a primazia do prazer que o “programa” dá
ao ensino da língua, não é conteúdo que se ensina, mas uma forma

105
de vivê-la que se constrói ao longo do processo todo. Quer dizer, não
passamos o gosto pela escrita para ensinar a escrever depois. Como
poderíamos passar o prazer de uma coisa que não damos a viver
plenamente?!
Mesmo sem dados de quaisquer estudos a acompanhar-nos,
não temos dúvidas em afirmar que um leitor que aprendeu a ler com
prazer, tem mais condições de vir a ser um leitor competente e investir
a sua competência leitora na “leitura da necessidade”, que dá mais
trabalho e não dá tanto (ou nenhum) prazer.

UMA NOTA FINAL


A escola precisa de (re)aprender a ser a pausa de que a escrita
precisa e a não descartar, sistematicamente, para “a casa”, a respon-
sabilidade de acompanhar os seus alunos na sua escrita: “a casa”,
onde a velocidade dos horários condiciona as suas vidas, tem cada
vez menos condições para escrever solidariamente com eles; e a
escrita é tarefa demasiada para se aprender a gostar sozinho.

106
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108
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“Cecília de Bolso: uma antologia poética”, de Cecília Meireles. Porto Alegre:
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“O Livro das Perguntas”, de Pablo Neruda. Porto: Campo das Letras, 2008.
“O Segredo do Rio”, de Miguel Sousa Tavares. Lisboa: Oficina do Livro, 2004
“O Poeta Nu”, de Jorge Sousa Braga. Lisboa: Assírio & Alivim, 2007
“Poemas de Almada Negreiros, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro”. Anto-
logia de poemas ditos por Germana Tânger. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004
“Poemas de Bibe”. Antologia de poemas ditos por Mário Viegas e Fernanda de
Freitas. Porto: Jornal Público
“Poesia” de Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa: Caminho, 2007

CONTEÚDO DOS TEXTOS DITOS


A imagem do CD mp3 pode ser descarregada em www.essentia.pt.vu
1. Quasi (excerto) – original de Mário de Sá-Carneiro
2. Quasi flor – recriação de “Quasi”
3. Quasi luz – recriação de “Quasi”
4. Frutos – original de Eugénio de Andrade
5. Ementa – recriação de “frutos”
6. Primavera – recriação de “frutos”
7. Faz de Conta – original de Eugénio de Andrade
8. Faz de Conta – recriação
9. Aquela Nuvem – original de Eugénio de Andrade
10. É Tão Bom Ser Borboleta – recriação de “Aquela Nuvem”
11. É Tão Bom Ser Sol – recriação de “Aquela Nuvem”
12. O Verão Está no Fim – original de José Agostinho Baptista
13. A Primavera Está a Chegar – recriação de “O Inverno Está no Fim”
14. Ou isto ou aquilo – original de Cecília Meireles
15. Ou Isto ou Aquilo – recriação
16. Nuvens – original de Jorge Sousa Braga
17. Nuvens – recriação
18. Cacau Quentinho – recriação de “O Céu de chocolate” de José Jorge Letria

109
SOBRE OS AUTORES
ARISTIDES CUSTÓDIO
Concluiu o curso de professor do 1º ciclo na Escola Superior de Educação Jean Piaget,
em 1995, e a licenciatura na variante de Matemática e Ciências da Natureza, exercendo,
actualmente, a sua actividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira,
em Vila Nova de Gaia ■ Tem participado em projectos de formação contínua de professo-
res e publicado artigos sobre educação, em revistas da especialidade ■

CLÁUDIA XAVIER
Concluiu a licenciatura em professora de 1º ciclo variante de português/francês na Escola
Superior de Educação de Bragança, em 1995, exercendo actualmente a sua actividade
no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Tem
participado em projectos de formação contínua de professores ■

CRISTINA MIRANDA
Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em
1978, exercendo actualmente a sua actividade no Agrupamento de Escolas Adriano
Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Concluiu a licenciatura de Complemento de
Formação Científica e Pedagógica para Professores do 1º ciclo do Ensino Básico, Espe-
cialização em Estudo do Meio, na Universidade Aberta, em 2005 ■ Tem participado em
projectos de formação contínua de professores ■

DANIEL LOUSADA
Concluiu o curso do Magistério Primário do Porto em 1973, tendo exercido a sua activi-
dade, como professor do 1º ciclo do ensino básico, até 2005 ■ Especializou-se em edu-
cação especial, na área da deficiência mental e dificuldades múltiplas, na ESE Jean Pia-
get de V. N. Gaia, em 1994, e concluiu o mestrado em ciências da educação na Faculda-
de de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, em 2002 ■ Foi
professor de educação especial e membro de uma equipa de coordenação de apoios
educativos, do concelho de V. N. Gaia ■ Leccionou na Escola do Magistério Primário de
Chaves e na ESE Jean Piaget. Actualmente é formador certificado pelo IEFP, em cursos
de formação pedagógica de formadores ■ Tem participado em projectos de formação
contínua de professores, e publicado artigos em revistas de educação que reflectem
sobre a prática pedagógica ■ É sócio do Movimento da Escola Moderna, tendo integrado
a Coordenação do Núcleo Regional do Porto e o Conselho Nacional de Coordenação
Pedagógica, de 1988 a 2003. Actualmente integra o grupo de intervenção cívica “Essen-
tia-grupo de reflexão”, sediado na cidade do Porto ■

DULCE BARREIROS
Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em
1978, exercendo actualmente a sua actividade no Agrupamento de Escolas Adriano
Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se em Gestão e Coordenação
pedagógica, em 1999, encontrando-se, actualmente, a concluir mestrado em ciências da
educação ■ Tem participado em projectos de formação contínua de professores ■

FERNANDA SANTOS
Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola do Magistério Primário do Porto, em
1979, exercendo actualmente a sua actividade no Agrupamento de Escolas Adriano
Correia de Oliveira, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se em Direcção Pedagógica e
Administração Escolar, na ESE Jean Piaget – V. N. Gaia, em 1993 e em Educação Espe-
cial, na área da deficiência mental e dificuldades múltiplas, em 1995 ■ Foi professora de
educação especial ■ Tem participado em projectos de formação contínua de professores
e publicado artigos sobre educação, em revistas da especialidade. É sócia do Movimento
da Escola Moderna, tendo feito parte da coordenação do Núcleo Regional do Porto ■

110
Mª JÚLIA LOUSADA
Concluiu o curso do Magistério Primário do Porto em 1973, tendo exercido a sua activi-
dade, como professora do 1º ciclo do ensino básico, até 2006 ■ Especializou-se em
animação cultural de escola, na ESE Jean Piaget – V. N. Gaia, em 2002 ■ Tem participa-
do em projectos de formação contínua de professores ■ É sócia do Movimento da Escola
Moderna, tendo participado activamente nas actividades do Núcleo Regional do Porto ■

MÓNICA TEIXEIRA
Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola Superior de Educação Jean Piaget
de Vila Nova de Gaia, em 1997, exercendo, actualmente, a sua actividade no Agrupa-
mento de Escolas Anes de Cernache, em Vila Nova de Gaia ■ Especializou-se na área
de Estudo do Meio, em 2005, na Universidade Aberta ■ Foi coordenadora de vários
estabelecimentos de ensino. É actualmente conselheira no Conselho Geral do Agrupa-
mento de que faz parte. Tem participado em projectos de formação contínua de professo-
res ■ Actualmente é formadora certificada pelo IEFP.

PAULA MARTINS
Concluiu o curso de professora do 1º ciclo na Escola Superior de Educação do Porto, em
1995, e a licenciatura na variante de Educação Física, exercendo actualmente a sua
actividade no Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, em Vila Nova de
Gaia ■ Tem participado em projectos de formação contínua de professores ■

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