As críticas às teorias marxistas das classes sociais são diversas, mas partem de um pressuposto
comum: o esgotamento das sociedades industriais.3 No início dos anos 1980, Gorz (1987)
sintetizou a questão ao identificar uma crise do movimento operário que acabaria por colocar
em crise o próprio marxismo como ferramenta analítica. Sua leitura vislumbrou uma era de
abolição do trabalho, abolição que se fundamentaria, segundo Silva, “(...) como a chave para
marxismo” (1999: 162). No entanto, antes mesmo de Gorz indicar o “fim das classes sociais”
nos anos 1980, surgiram, na década de 1970, teorias, como veremos à frente, que se
O cenário histórico e especificamente motivador para essas teorias foi o do colapso do tratado
Nesse contexto, as teses de Marx e, particularmente, a teoria das classes sociais passaram a ser
1987).
1
Esse artigo é fruto de pesquisa desenvolvida com o apoio da FAPESP e do CNPq.
2
Professor de Sociologia da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/UNIFESP).
3
Apesar da questão sobre os limites do conceito de classe social ganhar maior compleição na década de 1970 e
nas seguintes, nas décadas de 1950 e 1960 tal discussão já havia sido desenvolvida. Dahrendorf (1982), por
exemplo, produziu um extenso trabalho com o objetivo de analisar os conflitos sociais para além do universo da
fábrica. Encontramos ainda os trabalhos de Goldthorpe e Lockwood (1963 & 1972); de Lockwood (1966); de
Nicolaus (1972); de Nisbet (1996), de Ossowski (1996), como também, o de Mills (1969); o de Mallet (1969), o
de Bottomore (1968), que procuraram reproblematizar o conceito de classe social à luz das transformações
sociais a eles conjunturais.
4
Sobre o período keynesiano, ver, por exemplo: Marglin & Schor (1990).
5
Sobre as causas do fim da União Soviética e do processo de bipolarização política, ver: Hobsbawm (1992);
Thompson (1992), entre outros.
3
Com o aparente fim da hegemonia industrial superada pelo setor de serviços, a teoria das
classes foi designada como uma teoria analiticamente descartável. Entre as concepções
analíticas que compartilhavam desse pressuposto, destaca-se a teoria dos novos movimentos
sociais (Offe, 1989; Touraine, 1969; Melucci, 1980); a teoria da sociedade pós-industrial
(Bell, 1977; Touraine, 1969), acompanhadas pela teoria da ação comunicativa (Habermas,
1987).
De maneira comum, tais teorias têm como pressuposto o esgotamento das sociedades
produção fabril e, portanto, presentes na sociedade civil, tais como: os serviços (Offe, 1985;
interesses, questões e embates distintos daqueles oriundos da relação antagônica capital versus
trabalho, que teriam sido determinantes na estruturação das classes sociais em sociedades até
os anos 1970.
Há, não obstante, variações explicativas sobre as causas e as consequências do que seria uma
sociedade em que o trabalho e as classes sociais não são mais os eixos sociabilizadores
Valendo-nos desse raciocínio, nosso primeiro argumento é o de que as teses que apontaram
classe social e de ação política calcadas na indústria, particularmente na fábrica. A leitura que
ou melhor, de uma teoria do industrialismo. Tratar-se-ia, assim, de uma análise que teria seu
foco na produção (entendida como momento do econômico) e que, por isso, não contemplaria
seguinte maneira:
A teoria das classes surgiu com Marx como uma teoria da luta de classes e da
mudança histórica. (...) Por muito tempo, a industrialização capitalista, na Europa,
nos Estados Unidos e no resto do mundo, pareceu dar razão a Marx, no sentido de
que uma classe emergente de trabalhadores industriais parecia ter interesses opostos
(do ponto de vista de um observador racional) à classe capitalista e vontade política
de impor à sociedade um novo ordenamento econômico. A teoria de Marx,
entretanto, não dava conta da complexidade da articulação entre economia, cultura e
política (Guimarães, 1999: 35-36).
Nesse sentido, caracterizando a teoria marxista das classes como uma análise típica da
indústria (entendida como sinônimo de fábrica), ela seria útil para explicitar as formas de
central. Superado esse momento histórico, seria ela também superada. Portanto, a produção
industrial, como anuncia Bell (1977), teria sido marcada por um longo período que vai do
século XVIII à década de 1970. Após esse período se desencadearia um conjunto de novos
problemas para essa “nova” sociedade que se estruturaria nos escombros da sociedade
6
Cardoso, à época, vinculou essa concepção de classe ao que denominou de um “marxismo estático”. Para esse
tipo de marxismo, as classes sociais seriam definidas por um processo de separação “(...) segundo as qualidades
inerentes a cada conjunto de elementos internamente homogêneos. Tem-se, assim, uma concepção estática, na
medida em que se define o que é de forma positiva por atributos dados” (Cardoso, 1975: 100 – grifos do autor).
Para uma discussão crítica sobre a relação entre os atributos técnico-produtivos e as relações de oposição de
classe, ver: Amorim (2009; 2010).
5
ação política coletiva. Resumidamente, para tais definições reducionistas o trabalhador foi
Um exemplo dessa concepção reducionista de classes sociais pode ser encontrado no Tratado
de Materialismo Histórico de Nicolai Bukharin publicado em 1921. Nele o autor, sintetiza sua
concepção de classe.
Haveria, portanto, uma correspondência entre as formas de apropriação dos saberes empíricos
assim, o trabalho, a classe social e a ação política de forma determinista, reduzindo tais
7
Soma-se aqui a questão da tomada de consciência, isto é, a passagem mecânica de uma “consciência de si” a
uma “consciência para si”. Sobre a questão das formas de consciência de classe, ver, de um lado: Lukács (2003);
Mészáros (1993); e Iasi, (2007); e, de outro, Thompson (1998); Bourdieu (2005); Poulantzas (1977; 1977a);
Sallum (2005); entre outros.
8
Discutindo a questão, Tronti também aponta para os limites de definições reducionistas de classe operária: “(...)
é possível abandonar uma definição ‘objetiva’ de classe operária? É possível definir como ‘classe operária’
todos os que lutam subjetivamente nas formas típicas da classe operária contra o capital, dentro do processo de
produção social? É possível separar, finalmente, o conceito de classe operária do conceito de trabalho
produtivo? E, nesse caso, ficaria ainda ligado aos salários? O problema é encontrar novas definições de ‘classe
operária’, mas sem abandonar o domínio da análise objetiva e sem voltar a cair nas armadilhas ideológicas.
Fazer desaparecer a materialidade objetiva da classe operária em puras formas subjetivas das lutas
anticapitalistas é um erro novamente ideológico do neo-extremismo” (Tronti, 1982: 177).
9
Físico aqui se opõe as novas formas de produção imaterial, não tangíveis, mas que conservam a lógica de
apropriação do valor e da acumulação capitalista.
6
apenas as implicações dessa concepção de classe e de trabalho e política que dela derivam,
sociais. Ela é importante justamente na medida em que se voltou contra, sobretudo, a maneira
pela qual os partidos comunistas, sob a orientação do Partido Comunista Soviético, definiram
trabalho, classe social e ação política coletiva. No entanto, se, por um lado, as críticas,
construídas, a partir dos anos 1970, à teoria das classes sociais tocaram em um ponto
classe social como um todo. Isto é, ao criticar a definição de classes dos partidos comunistas,
como se não existissem outras, passaram a identificar toda e qualquer análise marxista como
inoperantes.
Parece-nos, assim, que ao ter um ponto de partida restrito (de trabalho, classe e luta política
dos partidos comunistas), as teses sobre o “fim das classes sociais” tenderam a diagnosticar as
diretamente oposto ao dessa perspectiva restrita, isto é, absolutamente não determinadas pela
produção na fábrica.
10
O livro de Bukharin é também conhecido como Ensaio Popular de Sociologia Marxista.
7
Se tais teses partiram de uma concepção teórica reduzida, não menos reduzidas parecem ser
suas respostas, já que não observaram 1.) a operacionalidade do conceito de classe social sob
forma da produção tradicional (produção de bens duráveis), seja sob novas formas como as da
de mais-valia.
Discutir esse conjunto de argumentos à luz das teorias que informam a tese sobre o “fim das
classes sociais” é o centro desse texto. Para tal, apresentaremos, em primeiro lugar, as
principais referências teóricas europeias e dos Estados Unidos que propuseram a superação,
direta ou indiretamente, da teoria das classes sociais para a análise das sociedades capitalistas
contemporâneas; e, em segundo, uma análise da incorporação da tese sobre o “fim das classes
sua refutação.
A teoria social, principalmente a europeia, discutiu nos últimos decênios as classes sociais,
preocupando-se em ampliar sua análise diante de um novo conjunto de relações sociais que se
apresentaram com vigor a partir dos anos 1970. Não obstante, esse empreendimento teórico
teve uma configuração específica que se estruturou pelo apontamento dos limites da análise
marxista.
Mike Savage, em Classe e História do Trabalho, sintetiza o que estaria em jogo quando o
Para Savage, a análise das classes esteve, na maioria das vezes, presa ao plano do econômico.
esfera da história social (e não da econômica)” (Savage, 2004: 26), isto é, tratar-se-ia de
ampliar o conceito, retirando dele a pecha de uma categoria restrita à indústria (à fábrica) e,
A extensão desse movimento de crítica à teoria marxista das classes sociais é longa. Aqui
conjuntura e mesmo o momento histórico e político em que elas foram criadas. Assim, o
objetivo desse item é, ao descrever o conteúdo das teses sobre o “fim das classes sociais”,
uma rotina que “encapsulou” os conflitos de classe, acabando com um processo de polarização
social. Esses conflitos de classe teriam deixado de existir, segundo o autor, na medida em que
conhecimento produzido nas universidades e centros de pesquisa passaria a ser o novo eixo de
sociabilização “pós-industrial”.
A produção imediata de mercadorias se tornaria, dessa forma, uma esfera secundária da vida
social em relação àquelas situadas fora dela e “(...) o problema de maior relevância (...) [seria]
onde se leva adiante esse trabalho” (Bell, 1977: 138). As “sociedades industriais” estariam,
então, restritas aos países do “terceiro mundo” que, se seguirem o modelo dos países
conhecimento. Portanto, as classes sociais, mesmo não desaparecendo, se tornariam, para Bell,
9
universidades.
classes sociais como centro da ação política e social, Alain Touraine (1978; 1989) indicou a
necessidade de reformulação das formas de luta orientadas por “antigos movimentos sociais”
que não seriam mais determinados pela indústria, pelo trabalho assalariado, ou pela luta
sindical e partidária, isto é, pela economia estrito senso, mas que estariam generalizados por
toda a sociedade “pós-industrial”. Touraine, afirma, dessa forma, que “(...) a classe popular
não pode mais ser identificada como um novo tipo de dirigente.” E conclui: “Descobrimos
(1989: 15).11
Na nova sociedade, os conflitos adviriam da luta por uma maior participação na esfera política
retenção de informações estratégicas a sua administração. Com isso, o conflito deveria ser
social e cultural.
fundamentalmente por lutas pela igualdade, mas pelo direito à diferença (Touraine, 1989: 62-
11
Ao analisar o futuro do sindicalismo e tendo como base esse modelo analítico de Touraine, Martins Rodrigues,
considera que: “(...) as características gerais da sociedade pós-industrial abrem pouco espaço para a
organização sindical, embora a extensão desse espaço possa ser diferente quando se avaliam sociedades
nacionais específicas”. Nesse sentido, “(...) sindicalismo aparece como uma instituição condenada a ocupar
uma posição subalterna na sociedade pós-industrial, porque todos os fatores que favoreceram sua expansão
passada não mais existem ou se reduziram significativamente” (1999: 301).
10
64). Estariam, assim, deslocados do terreno meramente produtivo, não respondendo, portanto,
Claus Offe (1989) realizou uma leitura das sociedades capitalistas depois da última
fundamentado na “luta bipolar de classes sociais” (Offe, 1985: 08). Para tal, relacionou a
os serviços que implicaria em uma nova forma de organização da resistência fora dos laços do
termos, a ser a sociedade civil onde os “novos movimentos sociais” se articulariam com base
em lutas organizadas em torno de valores universais como, por exemplo, a paz, o meio
Que a fábrica não seja o centro de relações de dominação nem o palco dos mais
importantes dos conflitos sociais mais importantes; que os parâmetros “meta-
sociais” (p. ex., econômicos) do desenvolvimento social tenham sido substituídos
por uma “autoprogramação da sociedade”; que tenha se tornado sem sentido supor
uma continuidade entre o desenvolvimento das forças produtivas e a emancipação
(pelo menos nas sociedades ocidentais) – são suposições e conclusões que se
impuseram principalemnte a partir da absorção de teóricos franceses como Foucault,
Touraine e Gorz, de tal modo que, contra elas, os resquícios de “ortodoxia” marxista
praticamente não têm qualquer chance academicamente respeitável (Offe, 1989: 35-
36).
A questão central, portanto, para Offe refere-se a quais seriam os conceitos sociológicos de
estrutura e de conflito mais apropriados para a análise de uma sociedade na qual o trabalho
Já para André Gorz (1987), as sociedades capitalistas teriam vencido a batalha contra o
socialismo real dando fim a um período dominado politicamente por lutas oriundas da
11
ilustrada e bem paga e que, por isso, conduziria as lutas contra a exploração e a alienação na
produção, teria sido perdida por conta da cooptação do operariado às vantagens e relativos
As novas formas de produção teriam deslocado seu eixo do trabalho-imediato para setores
administrativos e de serviços, corroborando, como para Melucci (1980), a tese segundo a qual
a informação, e não mais o trabalho, seria a nova fonte de conflitos sociais. Gorz deu, assim,
sentido, Gorz indicou uma divisão social entre "tempo de trabalho” e o "tempo da vida”
(Gorz, 1998: 12). O trabalho e a vida do trabalhador teriam sido separados. Tratar-se-ia de
duas esferas distintas e complementares. Com isso, a produção teria se tornado uma esfera
Como desdobramento dessa indicação, foi na sociedade civil que o autor identificou o espaço
características necessárias para a formação de uma luta política coletiva oposta à dos antigos
movimentos sociais e que teria como objetivo central a ampliação de espaços de liberdade que
Jürgen Habermas (1987), por seu turno, consubstanciou essas ideias, dando-lhes um corpo
na indicação de que nas sociedades capitalistas contemporâneas não haveria uma “classe
identificável”, nem tampouco um “grupo social claramente circunscrito que possa ser
de cunho estratégico, ou seja, aquelas baseadas na obtenção do lucro e/ou qualquer outro tipo
de vantagem de ordem pessoal. O “mundo da vida” teria uma ação anti-sistêmica diante da,
cada vez mais invasiva, racionalidade que conformaria o “sistema”, na medida em que seria
Com efeito, uma sociedade seria tanto mais democrática quanto mais estabelecida pela ação
favor daquilo que seria o seu lócus por excelência, isto é, os “novos movimentos sociais”
mundo do trabalho, mas que, por isso mesmo, teriam a faculdade de contrarrestar o sistema
partir de meados dos anos 1970, deixando para traz também os conceitos de trabalho e classe
que as explicava12. Tais teses procuraram refutar as análises marxistas, ainda que levando em
conta apenas uma análise marxista reducionista de classe social, na medida em que
12
Seguindo essa leitura de Marx, Habermas indica que: “Marx escolhera o ‘trabalho’ como conceito fundamental porque
pôde obervar como as estruturas da sociedade burguesa eram cada vez mais fortemente marcadas pelo trabalho abstrato,
isto é, pelo tipo de um trabalho assalariado regulado em forma de empresas. Entretanto, essa tendência enfraqueceu-se
nitidamente nesse meio tempo” (2002: 483).
13
“dilatar” a análise dos conflitos sociais para além da fábrica. Negativo, pois apreenderam essas
como um todo, evidenciando, com base nisso, o esgotamento da sociedade industrial tanto
dentro como fora de suas fronteiras territoriais. Tudo isso sem se valerem da historicidade de
Em consequência, isso deixou de lado, pelo menos, duas questões importantes e que podem
maneira pela qual os países da América Latina organizaram as suas formas de reestruturação
produtiva que claramente não poderiam ser um exato reflexo daquelas da Europa e Estados
desdobramentos políticos, das ações políticas coletivas, particularmente vividas no Brasil, que
Além disso, a escolha da referência marxista como centro de suas críticas, que nomeamos aqui
de reducionistas, não foi aleatória. Na prática, o que parece estar em jogo, quando se estende a
indicação de superação e caducidade das teses marxistas ligadas à concepção oficial dos
partidos comunistas à toda análise marxista e à própria análise de Marx sobre as classes
interior da análise marxista, como, por exemplo, o das lutas sociais, das lutas políticas, dos
sujeitos políticos, das ações políticas coletivas organizadas e dos movimentos e classes
populares.
Com o fortalecimento das teorias que tinham como centro a pressuposição do “fim das classes
concepções de ciência distintas daquelas do marxismo oficial. No entanto, essa divisão levou
consigo toda uma bibliografia marxista que não compartilhava de pressupostos reducionistas e
economicistas de classe, trabalho e ação política. Não obstante, nos últimos anos,
particularmente com as crises econômicas, mas não somente por elas, a teoria marxista volta
pesadamente a cena e começa a ter uma revisão mais cuidadosa e não homogeinizadora,
diferente da que realizaram as teorias descritas acima, das classes e das relações de classe.
A partir dos anos 1980 começa a se desenvolver uma “importação” para o Brasil de teses
postos de trabalho nas fábricas dos países economicamente mais ricos. No entanto, essa
absorção parece ter sido realizada ao largo das experiências históricas brasileiras que, apesar
de terem influência daquelas de países europeus, dos Estados Unidos e Japão, por exemplo,
vigorosamente ao final dos anos 1970 e durante a década de 1980. As greves de 1978-80 no
ABC em São Paulo, a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980, a formação da
Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983, a campanha das diretas já e o processo de
democratização política promovido durante a década de 198014 são expressões da luta política
concreta que seriam consideradas, sob algumas lentes europeias, parte de “antigos
13
Veja-se, por exemplo, a redução significativa do número de empregos na indústria na Europa e EUA, base da
constituição das teses sobre o surgimento de sociedades pós-industriais.
14
Nesse sentido, “A década dos oitenta foi a década da luta e da organização operária e popular no Brasil. Os
indicadores da mobilização popular mantiveram-se muito altos e o salto organizativo do período foi muito
grande. (...) Nesse período, ocorreu uma explosão inédita de greves, colocando o Brasil, juntamente com a
Espanha, que também saía de uma ditadura, como campeões incontestes da atividade grevista em escala
mundial.” (Boito Jr; Galvão; & Marcelino, 2009: 36). Ainda sobre esse contexto histórico, ver: Antunes (1992); e
Rodrigues (1997). Ver também: Dias e Bosi (2005), sobre a reconstrução da classe trabalhadora no Brasil dos
anos 2000.
15
Um exemplo da absorção das teses europeias e estadunidenses está na discussão proposta por
Cardoso, já no início dos anos 1980, sobre a nova configuração das classes nas sociedades
contemporâneas. Ainda partindo da problemática das classes sociais, Cardoso relativiza seus
argumentos desenvolvidos na década anterior, passando a dar maior atenção a outras esferas
com Bell (1977) e Touraine (1969) promovendo, assim, a inserção das teses desses autores no
Cardoso, mesmo admitindo o peso do capital, indica que foram abertas “(...) novas vias de
luta mais generalizadas e mais diversificadas, para as várias categorias sociais” (Cardoso,
1982: 28), o que implicaria em relativizar o peso das classes sociais na dinâmica social.
se interroga: “(...) é a classe, hoje, definidora de identidades coletivas? Em que medida, ou até
aonde? Não foram as classes enfraquecidas na sua qualidade de definidoras por excelência de
identidades coletivas?” (Waizbort, 1998: 67). Haveria, então, uma diferença substancial entre
a organização social no século XIX, aquela que inspirou Marx, e a do século XX, já que as
planejamento muito avançado se comparadas àquelas do século XIX. Conclui, com isso, que
instaurado pela oposição entre capital e trabalho, o trabalho não seria mais a atividade central
sociedade, o trabalho e os trabalhadores não surgem mais, como antes, como um princípio
de empregos na indústria. Nas estatísticas expostas, o autor indica a presença de apenas 10%
da população ativa empregada no setor secundário no final do século XX. A absorção do outro
contingente ativo poderia ser parcialmente realocada nos serviços, lembra o autor. No entanto,
trabalho como atividade sociabilizadora se tornou opaco. Haveria, assim, uma perda de laços
sociais no trabalho e a constituição de identidades coletivas com base no trabalho seria cada
Em sinal distinto ao de Waizbort, Sallum Jr, em Classes, Cultura e Ação Coletiva, procura
relacionar a classe social à ação coletiva. Sua referência central é a perspectiva de Pierre
Bourdieu, sobretudo em como este autor realiza uma análise das classes sociais, incluindo a
esfera da cultura. Sallum Jr. resgata a concepção de classe de Bourdieu na medida em que
tendência de substancialização das classes como atores coletivos com consciência plena,
incompleta ou falsa do sistema de exploração. Nesse sentido, recusa o espaço social como
reais, ignorando, por consequência, o peso da luta simbólica nos processos de representação e
Projeta-se, assim, a necessidade de considerar a dimensão cultural como uma “(...) parte
essencial das relações de classe” (Sallum Jr., 2005: 25). Nesse sentido, as classes sociais são
apreendidas como construções teóricas de identificação de relações entre agentes que ocupam
posições relativamente vizinhas em função do capital econômico e cultural que possuem. Para
15
Essa perspectiva pode ser encontrada em Offe (1989a). Não obstante, ao fazermos uma leitura do processo de
lutas sociais na última década, o que se nota é o oposto dessa afirmação. As lutas sociais no Brasil estão
concentradas predominantemente em questões materiais, como veremos mais à frente.
17
o autor, a ponte entre as posições objetivas de classe (materiais e culturais) e suas práticas não
seria a consciência do agente e sim seu habitus de classe, que Bourdieu identifica como
portanto, o resultado da percepção dos agentes em relação à sua posição relativa no conjunto
Também procurando ampliar o conceito de classe social e tendo como referência o livro Adeus
Essas transformações teriam afetado, segundo o autor, além das condições de vida da classe
destacou “(...) uma nítida tendência de diminuição das taxas de sindicalização, especialmente
na década de 1980” (Antunes, 1995: 59). A dessindicalização dar-se-ia pela separação entre
partidos ligados a ele, a indicação da redução estrutural ou do fim do trabalho pela introdução
intensa de tecnologia é descartada pelo autor. Segundo Antunes, essa possibilidade faria ruir o
16
Pode-se dizer que esse processo de precarização do trabalho atinge também os trabalhadores estáveis e qualificados, na
medida em que suas condições materiais de vida e de trabalho são degradadas.
17
Ver, sobre a questão sindical no mesmo período: Santana e Ramalho (2003).
18
poder de consumo e levaria à “destruição da economia de mercado (...). Não sendo nem
trabalhadores com várias funções simultâneas, o trabalhador polivalente, seria uma das formas
tenderiam a preencher uma parte da força de trabalho periférica, isto é, os postos de trabalho
teria predominado até os anos 1970 na Europa. Dentro de um processo contraditório, teriam se
constituído no Brasil, por um lado, formas intelectualizadas da força de trabalho, mas que, por
profunda. Um duplo movimento teria sido construído. De um lado, seria possível observar, no
Apesar dessas transformações radicais, o autor conclui que o operariado não estaria em vias de
desaparição e de que a classe trabalhadora ainda se projetaria como parte estrutural das
conceito e como princípio analítico parece ter subjugado a realidade brasileira nesse processo.
Os acontecimentos históricos aqui trabalhados, mesmo que não esgotem a realidade brasileira,
são suficientes para diagnosticar os equívocos das teses do “fim das classes sociais” no Brasil.
A sociedade brasileira foi, assim, formatada pelos modelos teóricos que aqui desembarcaram.
Nesse sentido, as relações de classe da conjuntura que percorreu as décadas de 1980 a 2010
foram negligenciadas, na medida em que a história das lutas sociais desse período foram
brasileira.
Como seria possível entender a incorporação no Brasil de teses que negam as relações de
classe e as condições materiais de existência como fatores preponderantes das lutas sociais?
Como seria possível desconsiderar o número de lutas e ações políticas coletivas das três
do lugar”?18
Ao analisar as lutas sociais no Brasil das décadas de 1990 e 2000, podemos notar que
diferentemente do que apontam, Cardoso (1982); Waisbort (1998); Guimarães (1999); Silva
condições materiais de existência e não, como sugeriu Touraine (1983), a fatores de ordem
cultural, de valores, de identidade coletivas. Como podemos notar nos dados abaixo, as lutas
18
Tomo aqui como metáfora a expressão de Schwarz (2000) que indicou como “fora do lugar” a importação do
ideário liberal europeu e estadunidense à sociedade brasileira escravista do século XIX.
20
Assim, com base nas fontes do ACC/CPT, SAG/Dieese e do Osal/Clacso, Souza indicou que
em 2004 “(...) os tipos de organização dos sem-terra e sindical concentram 83% dos protestos
realizados.” (2011: 198), já em 2008, se somadas “(...) as ações sindicais e de sem-terra, temos
55,4% do total”. Conclui, assim, que restam “(...) aos chamados movimentos relacionados à
esfera dos valores, da dimensão simbólica, da ‘cultura’ e das ‘identidades coletivas’ menos de
uma a cada dez ações de protesto organizadas pelo movimento social” (2011: 200).19
Nestes termos, entendemos que a perda de postos de trabalho na Europa e Estados Unidos tem
relação direta com uma tentativa do capital em deslocar suas formas de valorização, isto é, de
ampliar suas fronteiras a países como o Brasil, a China e a Índia em que o valor da força de
trabalho é mais baixo se comparado aos países de forte tradição sindical e partidária como
das classes sociais não estão em questão. Em estatísticas recentes, nota-se um crescimento do
indústria no PIB passou de 20% para 28% no período de 1960-2008 e na China de 37% para
telecomunicações cresceu em todas as suas frentes no período que vai de 1994 a 2011. O
número de postos de trabalho aumentou, assim, na indústria, de 22,3 mil para 33,5 mil; na
implantação, de 15,2 mil para 50,3 mil; e nos serviços de 129 mil para 160 mil.20
19
Vale ainda mencionar que em 2004 o movimento sindical foi o de maior número, com 33,2% das lutas sociais
e, em 2008, o primeiro, com 33% das lutas sociais no período (Sousa, 2011: 197 & 199).
20
Esses números aumentariam significativamente se considerássemos os trabalhadores terceirizados. Para uma
análise mais detalhada dos dados expostos, ver: Cavalcante (2009).
21
Neste sentido, uma análise restrita à Europa e aos Estados Unidos parece explicitar apenas a
aparência da economia-política capitalista atual, isto é, traz consigo a ideia de que viveríamos
em sociedades pós-industriais e que esse processo atingiria mais cedo ou mais tarde os países
economicamente periféricos.
organização social e do fluxo de capitais no mundo. Diante dessas indicações, o melhor seria
caducidade da análise marxista das classes nos forneceria elementos concretos de análise
social.
A teoria social européia e estadunidense dos anos 1970 e 1980 pressupuseram, para criticar e
apontar a superação do conceito e da teoria das classes sociais, o pior e teoricamente mais
continente europeu ocidental e dos Estados Unidos houve ainda a preocupação em balizar,
mesmo que com equívocos, teoricamente tal crítica. Habermas (1987), Offe (1989), Touraine
(1979), Gorz (1987) e Bell (1977), procuraram, cada um ao seu modo, demonstrar o “fim das
constituição das ações sociais e políticas, como também da formação de novos sujeitos ou
atores políticos.
No caso brasileiro isso não se verificou. A teoria social brasileira que se apropriou das teorias
erigidas na Europa e Estados Unidos, o fez sem contudo discutir os seus pressupostos.
Reproduziu, assim, no Brasil a tese sobre “fim das classes sociais” nas três últimas décadas,
por meio da introdução da teoria dos “novos movimentos sociais”, da “ação comunicativa” e
tais teorias, ou seja, não problematizando qual conceito de classes sociais pretendiam superar.
22
Nesse sentido, e aqui se pese a homogeneização dessa indicação, a teoria social brasileira que
absorveu esse suposto “fim” parece tê-lo feito sem se preocupar em debatê-lo à luz de nossas
particularidades sociais e políticas. Veja-se, por exemplo, nos anos 1980 que autores
“dar voz” aos atores sociais e políticos, acabaram por “rejeitar as teorias de classe sem mesmo
as ter submetido à crítica teórica” (Sader e Paoli, 1986). Nesse sentido, observa-se a influência
análise teórica mais profunda (Gohn, 2011). A análise dos movimentos sociais nas décadas de
1980 e 1990 caracterizou-se, dessa forma, por “estudos de natureza mais empírico-descritiva,
centrados nas falas dos agentes” (Gohn, 2011: 10). O resultado dessa influência “foi a
utilização acrítica de teorias elaboradas no exterior para a análise dos movimentos sociais no
Brasil, e na América Latina, muitas vezes incorporando categorias que se opõem no debate
Nesse sentido, houve nessas últimas três décadas uma incorporação acrítica e, portanto,
ideológica das teorias produzidas pelo e para o ocidente europeu e Estados Unidos, sendo que
essa incorporação teve como objetivo, sobretudo, concorrer no Brasil com uma tradição
marxista reducionista pelo campo de pesquisa sobre as lutas sociais, políticas, dos sujeitos
Em tempo, mostra-se ainda necessário questionar a raiz dessas questões postas em um cenário
social e político “externo” ao Brasil. Isto é, analisar em que medida as teses centrais desse
É possível constatar que houve uma ampliação dessas esferas, sobretudo, no que se refere à
de pesquisa, como indicou Bell, não levou em conta a capacidade do capital em ampliar seu
universidades foi codificado na forma de valor de troca, na forma da mais simples mercadoria
capitalista. A expansão que muitos autores projetaram, depois de Bell, em setores entendidos
como de capacitação cognitiva não foi acompanhada por um alargamento das formas de
políticas institucionais.
fábricas de produtos duráveis ou semiduráveis. Elas podem ser, à semelhança dessas últimas,
valorização do capital.
O aglomerado de trabalhadores, dessa forma, pode ser físico ou virtual, mas nos dois casos ou
mesmo em sua forma híbrida, ainda prevalece a produção de mercadorias com o objetivo de
tornou a classe trabalhadora mais livre. Pelo contrário, esse tipo de produção aprofundou a
exploração do trabalho. Nesse sentido, a crítica às teses que indicam a superação do conceito
de classe social nos parece central, sobretudo, se nos questionamos: a que conceito de classe
social essas teses de superação e “fim” se referem? Haveria um acordo quanto a esse ponto de
partida?
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