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Texto publicado na Revisa Abra, V. 33, N. 2, ag/dez, 2006, p.

11-143
A MORTE RONDA OS CANAVIAIS PAULISTAS

MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA*

Menina-criança, órfã da cana, cujo pai lhe prometera uma bicicleta no final
da safra de 2005. Ele morreu antes. Ela, todavia, não entendeu o significado
da morte. Continuou sonhando e esperando a volta do pai (que fora para o
céu, segundo sua mãe), para lhe mostrar que havia aprendido a pedalar.
Mulheres quebradeiras-de-coco que, na terra dos babaçus, cantam ao ritmo
do som da casca quebrada;
Mulheres quebradeiras-de-coco que, na terra dos canaviais paulistas, desfiam
sonhos, sentadas nos corredores feios das pensões das cidades-dormitórios,
enquanto seus maridos trabalham no corte da cana.
Mulheres rendeiras, mulheres tecelãs nas terras do Vale do Jequitinhonha,
fiando o algodão, tecendo cobertas e sonhos, enquanto cantam e esperam os
maridos que partiram;
Homens maranhenses que sonham com bonés, óculos escuros, motos e também
em construir casa de alvenaria, deixando de lado, a choça de adobe, coberta de
folhas de babaçu;
Crianças de Timbiras/MA, cidade onde a data do dia dos pais foi retirada do
calendário escolar, em razão da migração;
Meninos do Vale que sonham em vir para São Paulo, quando inteirarem idade;
Homens dos canaviais paulistas, enegrecidos pela fuligem da cana, cujo carvão
penetra corpos e almas, tingindo seus olhares de profunda tristeza.
Mulher, menina-criança, menino, homem, todos movidos pela mesma
engrenagem; todos movidos pelos mesmos sonhos e pelas mesmas buscas, pela
esperança miúda de serem alguém neste mundo.
Este texto é dedicado a vocês.

Desde o século passado, a macro-região de Ribeirão Preto é conhecida como uma das
mais desenvolvidas do país. Primeiramente, o café foi o responsável pela produção de enormes
riquezas. No início dos anos de 1960, surgem as usinas de cana-de-açúcar e álcool, cuja
expansão da produção, ao longo destas últimas décadas, coloca esta região (além de outras) no
mais alto ranking da economia brasileira, sem contar a capacidade de competição adquirida no
mercado externo, algo comprovado pelas recentes conquistas na OMC, por meio das futuras
vendas de açúcar para os países da União Européia. Ademais, nesses últimos meses, o etanol (
álcool) tem sido visto como a alternativa para a solução dos problemas energéticos futuros em
razão do esgotamento das reservas petrolíferas mundiais. Grandes empresas como Microsoft e
Google já se mostraram interessadas em investir neste negócio, que coloca o Brasil como um
dos mais competitivos do mundo. Segundo a UNICA (União dos Canavieiros do estado de São
Paulo), neste ano de 2006 serão instaladas mais 19 usinas e destilarias em todo o estado, o que
corresponderá à ocupação de milhares de hectares em cana.
Por sua vez, a maior processadora mundial de açúcar - a COSAN S. A. Indústria e
Comércio - investirá US$ 400 milhões no setor sucroalcooleiro nos próximos anos, atingindo a
cifra gigantesca de moagem de 50 milhões de toneladas de cana por ano! Esta empresa, que
reúne capital nacional e estrangeiro, obteve altos lucros em 2005, em virtude da subida de suas
ações no mercado financeiro em torno de 132%. (Folha de S. Paulo, Dinheiro, B10, 24 de
março de 2006).
Para o viajante que percorre as rodovias paulistas, após a cidade de Campinas, indo em
qualquer direção, a impressão que terá é que estará no meio de um gigantesco canavial. A
história objetivada desta região - caracterizada pelas marcas das antigas fazendas de café, das
moradias dos colonos e sitiantes, do multicolorido de plantações de milho, algodão, amendoim,
feijão, além de pastagens, das estradas vicinais, das reservas de matas, de pequenos córregos –
está em vias de desaparecimento, cedendo lugar ao monocromático dos canaviais, exceto as
áreas ocupadas pelos laranjais. Durante os meses de abril a novembro, até mesmo o firmamento
aparece enegrecido pelas gigantescas nuvens de fumaça, advindas das queimadas da cana,
prática predatória ao meio ambiente e à saúde das populações rurais e urbanas que aí vivem.
Segundo recente reportagem, os focos de queimada aumentam em mais de 1000%durante a
safra na região de Ribeirão Preto.Este fato provoca vários danos à saúde das pessoas da
cidade1, sem contar que há o crescimento de até 50% no número de pacientes com problemas
respiratórios (Folha de S. Paulo, Folha Ribeirão, C1, 28 de março de 2006). Os gases expelidos
pela fuligem da cana queimada são: o carbônico, os nitrosos ( sobretudo o monóxido e o
dióxido de nitrogênio), e os sulforosos (como o monóxido e o dióxido de enxofre). Alguns
desses gases vão para a atmosfera e podem reagir com a água, gerando ácidos nitrosos e
sulforosos que, com grande acumulação, podem gerar chuva ácida, prejudicial ao meio
ambiente. Além desses gases, há a formação de vários hidrocarbonetos ou aromáticos contendo
benzeno e similares, muito prejudiciais à saúde. (Zampernini, 1997; Allen et al., 2004; Rocha
&Franco, 2003; Oppenheimer et al., 2004).
Apesar de inúmeras denúncias, inclusive do Ministério Público, as queimadas
continuam, amparadas na Lei Estadual N. 11.241/2002, contrariando lei anterior, que previa o
fim desta prática predatória do meio ambiente e da saúde das pessoas, que estabeleceu um
percentual crescente de eliminação da queimada de cana do primeiro ao vigésimo ano, para
áreas mecanizáveis. Para aquelas não mecanizáveis, com declividade superior a 12% e área
menor de 150 hectares, o prazo final para a eliminação da queima é o ano de 2031. Segundo
esta lei, a área mecanizável dessa região deveria estar em torno de 30%.
Nos últimos anos, a riqueza, advinda do agronegócio do açúcar e álcool vem sendo
exposta nas vitrines das agrishows, feiras realizadas em Ribeirão Preto com o intuito de revelar
o Brasil moderno, avançado tecnologicamente e cuja agricultura é movida tão-somente por

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máquinas. No entanto, há uma outra realidade situada atrás do palco deste show. Um mundo
invisível, escondido no meio dos canaviais e laranjais que compõem a gigantesca produção
desta região: o trabalho e os trabalhadores.
O objetivo deste texto é dar visibilidade às condições de trabalho impostas pelas usinas,
cujos resultados têm sido o enorme desgaste físico, responsável por 13 mortes no período de
2004-2005, sem contar a legião de verdadeiros mutilados, após 10 ou 15 anos de trabalho.

Os trabalhadores dos canaviais paulistas

Grande parte destes trabalhadores é proveniente das áreas mais pobres do país: nordeste
e Vale do Jequitinhonha/MG. Segundo estimativas do Pastoral do Migrante, são em número de
50 mil migrantes nesta região, enquanto para o conjunto do estado ultrapassam a casa dos 200
mil. Na sua maioria são jovens, que se deslocam todos os anos a partir do mês de março e aqui
permanecem em alojamentos construídos pelas usinas ou nas pensões das cidades-dormitórios,
até o início do mês de dezembro. São os chamados migrantes temporários, embora esta
migração seja permanentemente temporária, pois esta situação existe desde o início da década
de 1960 (Silva, 1999). A partir do ano 2000, no entanto, assiste-se ao processo de mudança da
cartografia migratória. Muitos dos migrantes atuais são provenientes do Maranhão e Piauí,
estados que, no passado, tinham pouca participação neste processo. Uma das explicações dada
para a mudança da cartografia migratória reside no fato de que houve uma enorme
intensificação do ritmo do trabalho, traduzida em termos da média de cana cortada, em torno de
12 toneladas diárias. Este fato está diretamente relacionado à capacidade física, portanto, à
idade, na medida em que acima de trinta anos de idade, os trabalhadores já encontram mais
dificuldades para serem empregados. Desta sorte, a vinda destes outros migrantes cumpre a
função de repor, por meio do fornecimento de maior força de trabalho, o consumo exigido
pelos capitais cuja composição orgânica é maior.
Por outro lado, muitos desses migrantes são camponeses com terra, enquanto outros são
rendeiros e outros já vivem nas periferias das cidades, na condição de proletários A mudança da
cartografia migratória para os canaviais paulistas, por meio da presença de maranhenses e
piauienses vem ocorrendo em razão do avanço do agronegócio da sojicultura e pecuária,
responsáveis pelo processo de expropriação do campesinato dessa região, de um lado, e, do
outro, do sucroalcooleiro paulista, demandante de grandes contingentes de força de trabalho.
Esta migração é essencialmente masculina. Enquanto os homens partem, as mulheres ficam.
Elas cuidam da roça ou se empregam enquanto quebradeiras de coco. Algumas delas partem

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com os maridos, e, às vezes, até com os filhos, para lhes preparar a comida e lavar suas roupas.
Nas periferias das cidades-dormitórios paulistas vivem em minúsculos quartos alugados nos
fundos-de-quintais, de onde geralmente saem, à espera dos maridos que trabalham no corte da
cana (Vetorassi, 2006; Silva et al., 2006).
Defende-se aqui a tese de que os altos índices de exploração nos canaviais paulistas,
resultando nas 13 mortes de trabalhadores no período de 2004-2005, são assentados no
processo migratório, cuja análise será aprofundada mais adiante. Para isso, serão apresentados
alguns dados de investigações nas regiões de origem desses migrantes, a fim de se aprofundar a
concreticidade das relações de trabalho existentes, sob a ótica do sujeito do trabalho, enquanto
dotado de força, de energia para o trabalho pesado e também enquanto sujeito portador de
valores culturais associados à visão de mundo camponês da realidade social de origem.
O relatório de recente pesquisa da Pastoral do Migrante, em parceria com a Comissão
Pastoral da Terra do Estado do Piauí, obteve informações de 367 domicílios familiares de
trabalhadores que saem para trabalhar em outros estados, nos municípios considerados como os
que possuem os maiores índices de trabalhadores migrantes: Barras, Miguel, São Raimundo
Nonato, União Esperantina e Uruçuí. Das famílias entrevistadas (74,1%) são formadas por 5
membros ou mais; 82,7% dos membros das famílias realizam trabalhos nas atividades
agrícolas.
A renda familiar dos entrevistados segundo essa fonte é: 71,8% dos entrevistados obtêm
com o trabalho realizado na própria região declaram que a renda da família não atinge um
salário mínimo e das famílias que declaram renda maior que um salário, e 86,9% possuem
aposentados entre seus membros. Estes dados revelam que 93% dos que saem para trabalhar
são homens que se distribuem nas diferentes faixas etárias, sendo que 65,3% se concentram na
faixa entre 18 e 35 anos, idade em que o trabalhador possui maior força física para trabalhos
pesados. Os níveis de escolaridade são baixos: 16% são analfabetos e 45% não atingiram
sequer a quarta série do ensino fundamental.
Em torno de 40% das famílias têm pelo menos duas pessoas que viajam todos os anos para
trabalhar fora; em 90,8% dos deslocamentos a migração não é definitiva: os trabalhadores vão e
voltam demorando entre cinco a sete meses e mais da metade é constituída de chefes de
família; 76,6% dos trabalhadores saíram mais do que duas vezes para trabalharem nos últimos
5 anos. Apenas 11,5% dispõem de dinheiro para viajar, 56,6% pedem dinheiro emprestado para
familiares ou amigos e 31,9% recebem adiantamento do gato. A dívida contraída com o gato
pode representar o início da submissão à escravidão ou ao trabalho degradante, segundo esse
levantamento.

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Quanto à maneira de aliciamento desses trabalhadores, o relatório aponta:
(...)15,6% dos trabalhadores saem sós quando vão trabalhar em outro local; 48,4%
migram em pequenos grupos com parentes ou colegas e 56,0% saem em grupos
grandes que são aliciados por gatos. O primeiro contato do gato é feito nos lugarejos,
geralmente nos bares “boteco”, entre um gole e outro de cachaça, ou com alto falante
em cima do carro até o anúncio nas rádios locais. Prometendo bons salários, que
variam entre R$ 800.00 e R$ 1.200.00 por mês, alojamentos bons com comida,
lavadeira de roupa de graça e que no final da safra a usina dará o seguro desemprego.
O segundo passo é o transporte que, na maioria das vezes, é feito por empresas
clandestinas, que na saída, o “gato” oferece ao trabalhador, cachaça, muitas mulheres
em volta do ônibus e outras coisas e partem do município geralmente de madrugada,
utilizam as estradas vicinais ou até estradas de terra, não trafegando pelas BRs, devido
a fiscalização da Policia Rodoviária Federal. (Comissão Estadual de Prevenção e
Combate ao Trabalho Escravo (CPTE); CPT/PI; PETAG/PI – PASTARAL DO
MIGRANTE/PI e DRT/PI. APOIO: OIT-Brasil.

Tabela 1
Número Estimado de Trabalhadores migrantes do MA e PI para S. Paulo

Safras Número estimado de Diferença


Trabalhadores Imigrantes dos Estados do
MA e PI
2000/2001 100 -------
2001/2002 300 + 200
2002/2003 1.000 + 700
2003/2004 3.000 + 2.000
2004/2005 5.000 + 2.000
2005/2006 6.000 + 1.000
Fonte: Pastoral do Migrante, relatório de atividades, 2005.

Os dados acima revelam um crescimento expressivo do número de migrantes destes


dois estados para os canaviais paulistas, no intervalo de apenas seis anos: 6.000%, ou seja, 60
vezes!
Um outro levantamento recente foi feito no município de Timbiras/MA, onde 54% dos
chefes de família entrevistados nos bairros periféricos possuíam terras arrendadas, 16% terras
próprias e 15% posses. A forma de pagamento no sistema de arrendamento é uma saca de arroz
em palha para cada linha de roça, que corresponde a 0,3ha de terra (Carneiro, 2005).
Das 114 famílias entrevistas, 71 (63%) possuem algum membro trabalhando fora do
município de Timbiras. Os locais de destino desses trabalhadores são bastante variados, mas,
concentram-se principalmente nos estados de Goiás (31,18%), São Paulo (30%) e Pará
(6,45%). O deslocamento para outras regiões no interior do estado do Maranhão (19,35%) foi
também citado, destacando-se, nesse caso, o município de Campestre do Maranhão, no qual se
localiza uma usina de produção de álcool, a Destilaria Cayman.

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Quanto ao trabalho realizado nas regiões de destino, a ocupação mais mencionada foi a
da cana-de-açúcar, com 54% das respostas, com menor importância apareceram as atividades
da construção civil e do trabalho doméstico. No que tange à faixa etária, à situação civil e ao
sexo dos migrantes, 60,78% possuem entre 20-29 anos, 54,36% são casados (ou estão juntos) e
83,65% são do sexo masculino.Este dado confirma a situação levantada no Piauí, na qual os
trabalhadores migrantes são muito jovens, são do sexo masculino e são dotados de força para o
trabalho duro requerido pelas usinas sucroalcooleiras.

Tabela 2: Distribuição dos trabalhadores que migraram segundo a faixa etária.

Faixa Etária Nº Em %
15 a 19 anos 6 4,6
20 a 24 anos 34 26,3
25 a 29 anos 28 21,7
30 a 34 anos 11 8,52
35 a 39 anos 15 11,62
40 a 44 anos 3 2,3
45 a 49 anos 3 2,3
50 a 54 anos 2 1,5
Total 102 100 %

Fonte: Carneiro (2005, p.3).

Segundo ainda esse autor, a maioria, cerca de 45,06%, informou que o processo de
migração ocorreu através do contato com familiares e amigos. Somente 8,5% informaram
terem sido mobilizados através de gatos (ou empreiteiros), enquanto 35,21% responderam que
viajaram por conta própria.
No que concerne à forma de deslocamento, os dados coligidos revelam: cerca de 40%
dos trabalhadores viajaram em ônibus clandestinos; 19,7% viajaram em ônibus ditos de
“empresa” e de “turismo” e somente 28,16% informaram que o deslocamento foi realizado em
ônibus de linha.
Quanto ao quesito da ocupação, 53,5% dos entrevistados responderam que o chefe da
família tem por ocupação principal a agricultura, enquanto 20% sobrevivem principalmente
com os rendimentos oriundos da aposentadoria rural. Do total dos ocupados na agricultura,
54% dos entrevistados trabalham em terras arrendadas, 16,4% em terras próprias e 15% em
posses. A forma de pagamento pelo arrendamento corresponde a um saco de 60 kg de arroz
(em palha) por cada linha de roça plantada, ou seja 0,33 hectares.

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Quanto ao tempo de moradia, na periferia de Timbiras, esta pesquisa revela que, para
20,2% das famílias entrevistadas, o tempo de residência na moradia atual é entre 0 a 2 anos;
para 12,3% de 3 a 5 anos, para 22,8% de 6 a 10 anos, enquanto 42,1% responderam estar lá
residindo há mais de 10 anos.
Baseando-se em dados do IBGE, sobre a estrutura agrária do município, o autor conclui
que o processo de expropriação do campesinato maranhense tem ocorrido graças à ação de
grandes empresas, com apoio da SUDENE, SUDAM e fundos setoriais como o FISET,
responsáveis pelo incremento do reflorestamento e pela redução incessante da área da produção
camponesa, que, apesar de representarem em torno de 92% do número de estabelecimentos
com até 50 hectares, ocupam apenas 6,8% da área total. Este fato contribui para o
empobrecimento dos membros da família camponesa, obrigando-os a migrarem em busca de
meios de sobrevivência. No município de Timbiras, 44,7% das famílias entrevistadas são
assistidas pelos recursos dos programas do governo federal, como Bolsa-escola, Bolsa-família,
PETI e Vale-gás.
No que tange às outras áreas de origem de migrantes, vale a pena citar o exemplo do
Vale do Jequitinhonha/MG. No início da década de 1970, grandes projetos de reflorestamento
de empresas estatais e privadas foram implantados no Vale do Jequitinhonha, especificamente
nas chapadas. A ação do Estado, por meio dos governos militares, foi decisiva para a efetivação
do plantio em torno de quinhentos mil hectares de terras com eucaliptos. Um total de catorze
grandes empresas passou a dominar mais de 90% da área reflorestada. (Silva, 1989).
A modificação do sistema de apropriação das terras foi feita graças à intervenção do
Estado, com a criação da Rural Minas, que classificou as terras de chapadas como áreas
devolutas, isto é, desocupadas, e, portanto públicas. Este instrumento jurídico foi o meio pelo
qual os governos militares lograram o desmantelamento da unidade grotas-chapadas, e,
conseqüentemente, do mundo camponês. As terras foram cedidas ou arrendadas às grandes
empresas ou vendidas a preços simbólicos. Na década de 1970, mais de duzentas mil pessoas
migraram definitivamente desta região. A grande maioria dos que ficaram engrossou as fileiras
dos migrantes temporários, principalmente para a região de Ribeirão Preto/SP, para o trabalho
assalariado do corte da cana e da colheita do café (Silva, 1999).
Esta população foi com o passar do tempo, desenvolvendo um modo de vida bastante
peculiar, caracterizado pela apropriação particular das terras baixas – as veredas e grotas – e a
apropriação comum das terras altas – as chapadas. Esta forma de apropriação permitiu a
satisfação das necessidades de sobrevivência desse campesinato por muito tempo. As moradias
eram construídas nas grotas, nas partes baixas, próximas aos córregos, rios ou minas d’água.

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Havia uma unidade entre grotas e chapada. A chapada era de todos, conforme mostra o
depoimento de um camponês.
A chapada tinha de tudo; tinha madeira, pouca, mas tinha; tinha vários pedaços de
chapada, mas ninguém era dono... Ninguém vendia...A criação gostava muito da
chapada. Não tinha cerca na chapada. A chapada servia para tirar a madeira, para a
lenha da casa. Tinha muita fruta... A jaca, o piqui tinha demais, o jenipapo, tinha uma
futinha chamada gabiroba, o papari, a pitanga... Do piqui, se faz o óleo, o óleo
amarelo, usado na comida, a gente coloca em cima em cima do prato. Na chapada não
tinha erva brava para o gado não, de tal modo que o gado podia pastar à vontade. A
gente não tinha força de cuidar da chapada, mas lá saía mandiocal... O pessoal era
fraco, não podia fechar de arames a chapada. Na chapada havia muito mato pequeno,
o angiquinho, nós todos aqui conhecemos este mato. Agora, tinha uns paus maiores,
que era o pau-terra, o piquizeiro, muita sucupira. Assim o pessoal usava esta madeira
para fazer coisas para casa: banco, mesa, cadeira, o cati (catre, cama), chiqueiro para
porco, curral, olha senhora, para tudo a chapada servia... (Sr Joaquim, negro, 50 anos)
(Silva, 2001, p. 104-105).

Portanto, essas pesquisas revelam que estes trabalhadores são


produzidos pelo processo de expropriação do campesinato em diferentes espaços e momentos
históricos. Esses últimos durante a fase da ditadura militar, e os primeiros em decorrência da
expansão do agronegócio nos cerrados brasileiros, por meio da plantação de soja e extensas
áreas de reflorestamento de eucalipto. As pequenas roças de feijão, arroz, milho e mandioca
desaparecem para ceder espaços a essas culturas, enquanto seus antigos donos são expulsos,
passando a residir nas periferias urbanas da região. Os dados do relatório da Pastoral do
Migrante em recente visita ao Maranhão e Piauí confirma o processo de expropriação do
campesinato e sua transformação em proletários.

Há um crescimento populacional recente de muitas cidades maranhenses devido à


emigração de famílias do meio rural, enxotadas pelo contexto agressivo da
concentração fundiária; a pobreza extrema levou-as a buscarem abrigo nas cercanias
urbanas onde construíram suas habitações de adobe cobertas de palha de babaçu ou
construídas totalmente com materiais dessa palmeira muito comum naquele Estado.
Tais migrantes há muitos anos moravam e sobreviviam em pequenos arrendamentos
de terra localizados em áreas pertencentes a latifundiários, mas alterações das políticas
de interesses por parte desses grandes proprietários expropriaram compulsoriamente o
sonho dessas famílias de continuar arrendando seu pequeno roçado (cerca de 1/3 de
um alqueire paulista de 24 mil metros quadrados) apenas a fim de plantar, colher e
sobreviver; atualmente, a absoluta falta de alternativas de sobrevivência local está
provocando um êxodo massivo de trabalhadores em direção às regiões do país onde
estão instalados os complexos agroindustriais sustentados pela produção da cana de
açúcar, laranja, café, dentre outros produtos agrícolas. Num largo ao lado do terminal
rodoviário de Timbiras, acompanhamos o embarque de migrantes que lotaram 6
ônibus clandestinos que partiram para o interior de São Paulo, Mato Grosso e Goiás.
Uma semana antes outros 12 ônibus também clandestinos tomaram os mesmos rumos,
sendo que a maioria tinha como destino a região de Ribeirão Preto. Vimos uma Igreja
local corajosa, criativa e testemunhal que segue investindo bastante na construção de
uma infra-estrutura em favor da formação, organização e promoção humana das
comunidades sofridas e enfraquecidas pela pobreza crônica; as pastorais sociais são
instrumentos encarregados de toda essa dinamicidade eclesial.
Estando em Codó, reunimo-nos com os vereadores da cidade na Câmara Municipal,
ocasião em que pudemos fazer-lhes uma ampla exposição sobre a realidade migratória

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que a Pastoral vem acompanhando há anos. Para surpresa nossa, aqueles
parlamentares demonstraram total desinformação a respeito do fenômeno da
emigração massiva que empurra para longe do próprio município milhares de
pessoas. Duas emissoras de rádio locais cederam espaços muito significativos para
entrevistas conosco em programas de grande audiência e alcance regional, inclusive
Estados vizinhos.

SERTÃO PIAUIENSE

Vimos uma realidade muito carente e sofrida de um povo forçado a acostumar-se e a


saber conviver com longas e freqüentes estiagens. Reunimo-nos durante uma manhã
chuvosa com o bispo diocesano e diversos agentes pastorais locais, representantes de
comunidades, sindicatos e associações da região. Em companhia de Dom Pedro, que
muito amigavelmente nos acolheu e hospedou em sua residência, visitamos
comunidades no interior dos municípios de São Raimundo Nonato e São Braz, onde
nos encontramos com um grande número de trabalhadores já prestes a tomar o rumo
de costume, ou seja, regiões distantes pelo país a fora onde há trabalho e ganho para
ao menos minorar a situação de carência de suas famílias.
A seca é o fenômeno que não explica totalmente a razão desse êxodo anual de
piauienses em direção às frentes de oportunidades de trabalho temporário localizadas
em algumas privilegiadas zonas geográficas do país; a falta de políticas públicas
constitui-se num entrave que impede um convívio satisfatório do povo nordestino com
o semi-árido, forçando-o a sair. Em São Raimundo Nonato, também fomos
convidados a manter uma longa entrevista num programa noticioso de rádio
igualmente de audiência e alcance muito significativos. Ouvimos relatos de atividades
de uma Igreja igualmente comprometida e empenhada com a realidade carente e
sofrida de seu povo; as pastorais sociais da diocese desempenham um papel muito
relevante na formação, informação e organização do povo das comunidades
interioranas; os recursos humanos e materiais oferecidos pela Igreja diocesana através
da Cáritas local em favor da campanha existente no Nordeste brasileiro pela
construção de cisternas domiciliares para coletar água da chuva, é um dos grandes
exemplos que visibilizam e ao mesmo tempo tornam a Igreja um sinal de Cristo
amoroso e misericordioso para com seu povo (Relatório Pastoral do Migrante,
Guariba, março de 2006).

Feitas essas considerações, a proposta seguinte é a análise da


ocorrência das mortes no contexto da exploração da força de trabalhadores nus -
segundo a expressão marxiana -, desprovidos de suas condições objetivas, impostas
pelas empresas do chamado agronegócio do açúcar e álcool no interior do estado de
São Paulo.

Vida e trabalho no “inferno verde”

Segundo os relatos de trabalhadores, quando migram, em geral, são trazidos pelos gatos,
viajam em ônibus clandestinos, e, em alguns momentos são submetidos às condições análogas
às de escravo, segundo denúncias da Promotoria Pública, do Ministério do Trabalho e da
Pastoral do Migrante, veiculadas pela imprensa local e regional, nacional e até mesmo
internacional. De 2004 a 2005, a Pastoral do Migrante, por meio do agente, Jadir Ribeiro,
registrou 13 mortes, ocorridas supostamente em função do desgaste excessivo da força de

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trabalho. Segundo depoimentos de médicos, a sudorose, provocada pela perda de potássio pode
conduzir à parada cardiorrespiratória. Outros casos se referem à ocorrência provocada por
aneurisma, em função de rompimento de veias cerebrais. Em alguns lugares, os trabalhadores
denominam por birola, a morte provocada pelo excesso de esforço no trabalho. Para este
trabalho, o piso salarial é de R$ 410,00, sendo que o ganho é medido pelos níveis de
produtividade.
Os nomes dos mortos são os seguintes:
- José Everaldo Galvão, 38 anos, natural de Araçuaí/MG, falecido em abril de 2004, no
hospital de Macatuba/SP. A causa da morte foi parada cardiorespiratória;
- Moisés Alves dos Santos, 33 anos, natural de Araçuaí/MG, falecido no hospital de
Valparaíso/SP, devido a uma parada cardiorespiratória;
- Em maio de 2004, o trabalhador Manoel Neto Pina, 34 anos, natural de Caturama/BA,
faleceu após uma parada cardiorespiratória no hospital de Catanduva/SP.
- Lindomar Rodrigues Pinto, 27 anos, natural de Mutans/BA, falecido em março de
2005, em Terra Roxa/SP;
- Ivanilde Veríssimo dos Santos, 33 anos, natural de Codó/MA, teve morte súbita;
trabalhava para a usina São Martinho, faleceu em Pradópolis/SP;
- Valdecy de Paiva Lima, 38 anos, natural de Codó/MA, falecido no hospital São
Francisco de Ribeirão Preto/SP, em julho de 2005, devido a um acidente cerebral
hemorrágico;
- Natalino Gomes Sales, 50 anos, natural de Berilo/MG, falecido em agosto de 2005, por
parada cardiorespiratória, num hospital em Batatais/SP;
- Domício Diniz, 55 anos, natural de Santana dos Garrotes/PB, falecido em setembro de
2005 no trajeto para o hospital em Borborema/SP; teve morte súbita;
- Em 04 de outubro de 2005, faleceu o trabalhador Valdir Alves de Souza, 43 anos; a
causa da morte foi enfarte.
- Ainda no mês de outubro, dia 21, faleceu o trabalhador José Mário Alves Gomes, 47
anos, natural de Araçuaí/MG; a causa da morte foi enfarte, após cortar 25 toneladas de
cana; morava no alojamento Jibóia, mantido pela Usina Santa Helena, do Grupo Cosan.,
no município de Rio das Pedras/SP.
- No dia 21 de novembro faleceu Antônio Ribeiro Lopes, 55 anos, natural de Berilo/MG,
residente há 20 anos em Guariba, durante o trabalho na usina Engenho Moreno no
município de Luiz Antônio.

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Duas outras mortes estão sendo averiguadas, pois as denúncias ocorreram após os corpos
terem sido enterrados em seus locais de origem, no Vale do Jequitinhonha/MG.
As notícias dessas mortes ganharam espaços nos principais meios de comunicação
locais, regionais e, até mesmo, internacionais2. Estas denúncias, inicialmente encaminhadas ao
Ministério Público, chamaram a atenção da Procuradoria Geral da República de São Paulo, da
Plataforma DHESC - Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e
Culturais – DHESC Brasil, com apoio institucional do Programa de Voluntários das Nações
Unidas (UNV/PNUD) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PGR/MPF – as
quais organizaram duas audiências públicas na cidade de Ribeirão Preto durante o mês de
outubro de 2005, e também da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, representada
pela Comissão de Agricultura e Pecuária, que se responsabilizou pela organização da terceira
audiência pública, na cidade de São Paulo, em dezembro de 2005. No ano de 2006, o
Ministério Público do Trabalho realizou várias audiências com o intuito de discutir o fim do
trabalho por produção e o cumprimento da NR313; houve também uma audiência pública em
Ribeirão Preto, chamada pela Comissão dos Direitos Humanos do Trabalho da Assembléia
Legislativa de São Paulo.
As mortes são na verdade a ponta do iceberg de um processo gigantesco de exploração,
no qual não somente a força de trabalho é consumida, como também a própria vida do
trabalhador. Historicamente, este sistema de exploração guarda fortes semelhanças aos fatos
ocorridos na Inglaterra no início do século XIX, quando nas fábricas e manufaturas, em virtude
da extração da mais valia absoluta, as jornadas de trabalho se estendiam até 18 horas, levando
muitos operários à morte. Marx (1977), ao analisar estes fatos, afirma que tal sistema fora
estancado em virtude da ação do estado, por meio de uma legislação capaz de conter os apetites
vorazes dos capitalistas em busca de lucros crescentes, a fim de garantir a reprodução da classe
trabalhadora.
Silva (1999), em estudo sobre trabalhadores e trabalhadoras rurais na região de Ribeirão
Preto, aponta que este fenômeno da exploração sempre esteve associado à grande oferta de força
de trabalho, proveniente dessas áreas mais pobres do país e também em razão dos
condicionantes históricos que definem estes trabalhadores como desqualificados, desvalorizados,
valores que entram na determinação do valor do preço da força de trabalho. Este fenômeno tem
acompanhado o processo de acumulação capitalista em vários tempos históricos e em vários
países. Atualmente, a chamada imigração ilegal de trabalhadores das áreas pobres para as ricas
nada mais é do que a outra face desta medalha. Na verdade, a ilegalidade é uma forma de
rebaixar o valor desta força de trabalho, na medida em que os imigrantes não têm acesso aos

11
direitos sociais trabalhistas e são considerados não cidadãos, ‘indocumentados’, obrigados a
viver escondidos, podendo ser deportados, presos como criminosos, segundo atestam várias
pesquisas sobre a temática das migrações internacionais no mundo atual (Serviço Pastoral dos
Migrantes, 2005).
No que tange aos migrantes temporários, eles são considerados “estrangeiros”, “gente
de fora”, “gente que vem para tomar os empregos dos paulistas”, portanto, recai sobre eles, a
marca do preconceito, dos estigmas, valores que direcionam ações de órgãos policiais em várias
cidades. Apenas para citar um exemplo, no ano de 2005 e também em 2006, a delegacia de Santa
Rosa de Viterbo exigiu que todos os migrantes se cadastrassem assim que chegassem ao
município, cujas justificativas baseavam-se nos supostos aumentos dos índices de criminalidade
durante a safra, supostamente, provocados por eles, evitando as possíveis fugas dos criminosos.
Atitudes como essa se repetem todos os anos, apesar de protestos de vários setores da sociedade
civil, sobretudo da Pastoral do Migrante, sediada em Guariba. A ideologia discriminatória, que
camufla o preconceito racial, dado que a maioria dos migrantes não é branca, se estende aos
residentes, ex-migrantes nas cidades dormitórios da região, tornados verdadeiros “outsiders”
(negros, mineiros, nordestinos) em contraposição aos “estabelecidos” (originários das cidades,
brancos e descendentes de antigos colonos italianos). (Vetorassi, 2006; Silva, 1999, Silva et al.,
2006).
O paralelo com os imigrantes ilegais nos países ricos assenta-se no processo de
desenraizamento social que atinge tanto estes últimos quanto os nacionais, temporários. O
desenraizamento inicia-se com a perda das condições objetivas do trabalho, nos locais de
origem. O deslocamento espacial é também deslocamento cultural e de valores. O universo
social destes espaços é diferenciado. Nos locais de origem ainda há muitos traços dos valores de
uso, das relações primárias de sociabilidade, do tempo cíclico, da natureza e não do tempo linear
da produção de mercadorias capitalistas.
Estes elementos constituem a ontologia do ser social destes camponeses, transformados,
de um momento para o outro, em mercadoria, força de trabalho barata, cujo dispêndio deve
obedecer às regras impostas pelas empresas. No eito dos canaviais, devem se portar como
“profissionais do podão”. Para isso, devem aprender o “jogo do corpo”, com movimentos cada
vez mais rápidos, para ser um verdadeiro “atleta”, um “jogador de futebol” (segundo a expressão
de um subdelegado do trabalho), capaz de jogar durante oito ou nove horas, sob sol forte e
temperaturas acima de 350! A fim de oferecer ao leitor a idéia mais próxima possível da
realidade dos chamados “profissionais do podão”, far-se-á uma breve descrição de seu cotidiano,
durante sete ou oito meses, com apenas uma folga por semana.

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Logo pela madrugada, começam a preparar a comida, pois há apenas um fogão para
muitas marmitas. Por voltas da 6:00hs, os ônibus partem em direção aos canaviais, numa
viagem que pode durar mais de uma hora. Chegando ao eito, as tarefas são distribuídas: cada
trabalhador recebe as instruções do corte de cinco ruas. A cana deve ser abraçada e cortada o
rés-do-chão para facilitar a rebrota. Esta atividade exige total curvatura do corpo. Após o corte,
a cana é lançada nas leiras (montes); antes devem ser aparados os ponteiros, cujo teor de
sacarose é pouco não compensando o transporte para a moagem. Segundo dados agronômicos
da ESALQ, para cortar 10 toneladas de cana, o trabalhador desfere quase 10 mil golpes. A
elevação continuada da média induz ao sofrimento, dor, doenças e até mesmo à morte.
Acredita-se que este fato seja um dos principais pontos de reflexão. Há ainda, segundo a
pesquisa de Andrade (2003), registros do uso de drogas, como maconha e crack, para o
aumento da capacidade de trabalho durante o corte da cana. A frase, Não dá para acompanhar
o campo de cara limpa, reflete a crueza e a brutalidade destas relações de trabalho. A maconha,
segundo depoimento de um trabalhador, alivia as dores nos braços. Quanto ao crack, trata-se de
uma droga estimulante, portanto, o seu uso possibilita maiores ganhos de produtividade. Este
fato, além de invisível, é proibido, pois, numa sociedade permeada pela violência como a
brasileira, o silêncio, muitas vezes, é uma estratégia de sobrevivência.
As condições de trabalho são marcadas pela altíssima intensidade de produtividade
exigida. Na década de 1980, a média (produtividade) exigida era de 5 a 8 toneladas de cana
cortada/dia; em 1990, passa para 8 a 9; em 2000 para 10 e em 2004 para 12 a 15
toneladas! No entanto, em razão dos critérios impostos, vários depoimentos demonstram que
este montante é muito maior, pois o cálculo da produtividade é feito a partir da transformação
do metro em toneladas. Ou seja, a partir de cálculos aleatórios, a paridade é estabelecida em,
por exemplo, X metros = X toneladas. Este sistema é chamado “campeão”, que consiste no
seguinte: antes do corte, um técnico da usina recolhe três amostras de cana de cada talhão (área
plantada). Estas canas são levadas para a usina e pesadas. A partir daí são fixados os valores
correspondentes de metros e toneladas, segundo estimativas baseadas nas amostras colhidas.
Entretanto, apesar dos critérios científicos e técnicos terem aperfeiçoado as variedades de cana
- cada vez mais visando ao aumento do teor de sacarose -, as canas não possuem o mesmo peso,
nem se encontram da mesma forma no momento do corte. Há canas deitadas, em pé, trançadas,
as quais exigem diferentes esforços dos trabalhadores. Assim sendo, o Sindicato de Cosmópolis
desenvolveu um método capaz de diminuir um pouco o desgaste no tocante: o uso do gancho.
O gancho é um instrumento de madeira, feito pelos próprios trabalhadores, que substitui, na
verdade, os movimentos com as pernas para alinhar a cana para o corte dos ponteiros, caso

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estes não sejam retirados antes de serem lançados nas leiras. A experiência adquirida durante o
tempo de trabalho leva à criação de estratégias que visam à diminuição do sofrimento no
trabalho. Assim sendo, o gancho, como invenção resultante da experiência laboral, acaba sendo
um mecanismo de resistência do trabalhador. Este instrumento ameniza as dores nos braços e
nas costas e evita o agravamento das dores nas pernas. Outra forma de resistência produzida no
eito é a troca de cabos do podão pelo próprio trabalhador. As usinas, na busca do aumento
desenfreado de lucros, fornecem podões com cabos menores, a fim de diminuir os custos com
os instrumentos de trabalho. Esta medida exige maior curvatura do corpo no momento do corte,
mais um agravante do sofrimento no trabalho. Para contrapor a isso, alguns trabalhadores
trocam os cabos menores por maiores.
Por outro lado, algumas usinas exigem a cana amontoada e não enleirada (em leiras),
para facilitar a ação dos guinchos no momento da recolha e depósito nos caminhões. Todas
estas imposições não são contabilizadas nos cálculos dos técnicos, segundo o modelo campeão.
Ainda mais. A cana é pesada na usina, portanto, o controle desta operação escapa ao
trabalhador, que, em muitos casos, se sente lesado.
Para evitar o roubo no momento da pesagem, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de
Cosmópolis desenvolveu um método que contraria aquele adotado pelas usinas. Trata-se da
quadra fechada, cuja descrição é a seguinte. De posse dos cadernos de metragem,
obrigatoriamente oferecidos pela usina, tem-se o controle sobre o eito igualado, isto é, de todo
o eito, e não apenas de algumas partes, segundo o processo de amostragem descrito
anteriormente. Ademais, foi desenvolvido um software para computador - colocado na usina -
capaz de controlar o peso da cana proveniente de todos as quadras (talhões), sob a fiscalização
do sindicato. Segundo a sindicalista, os cálculos, advindos deste método, apontam para cifras
muito superiores daquelas oferecidas pela usina. Em alguns casos, a partir de seus exemplos, 12
toneladas (segundo o campeão), na realidade, correspondem a 20, 25 ou até 30 toneladas
(segundo a quadra fechada)! Em suma, além do sobre-valor captado pela relação de trabalho
que fixa em R$ 2,20 a tonelada cortada, há o roubo no momento da pesagem da cana na usina4.
A metragem feita pelo “campeão” é uma amostragem de determinada área do eito – a
escolha ficava a critério da usina, que escolhia os piores locais, ou seja, aqueles em
que o metro da cana tinha uma pesagem menor. Além disso, os fiscais e empreiteiros
“roubavam metros” dos cortadores de cana, pois a quantidade de cana não era
conhecida por quadra.
A partir de 1988, o Sindicato de Cosmópolis consegue colocar a quadra fechada na
Usina Éster. A idéia partiu de um dos trabalhadores, que sugeriu que a metragem
fosse feita em cada quadra, para que não houvesse injustiça, corrigindo, assim, as
imperfeições do terreno e estabelecendo um controle maior da produção de cada
trabalhador. Para dar andamento ao processo, o Sindicato exigiu que a Usina
fornecesse o mapa agronômico da fazenda. Assim, antes de iniciar a safra, o Sindicato
já sabia quantos metros de cana tinha cada quadra, impedindo que os metros de cana

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fossem “roubados” pelos fiscais ou empreiteiros. Um dos trabalhadores entrevistados
disse que, em comparação ao caminhão campeão, a quadra fechada aumenta de 30 a
40% o que os trabalhadores recebem pela produção (Diário de campo de Juliana
Dourado após ter assistido ao Vídeo, Quadra fechada, de autoria de José Roberto
Novaes e do Sindicato de trabalhadores de Cosmópolis, abril de 2006).

Não obstante este controle, os relatos apontam para a continuidade das cãibras, vômitos,
tonturas, feridas no corpo, provocadas pelo suor mesclado à fuligem, dores de cabeça etc. A
principal característica desse trabalho é a de ser extremamente árduo e estafante, pois exige um
dispêndio de força e energia, que, muitas vezes, o trabalhador não possui, tendo em vista o fato
de serem extremamente pobres, senão doentes e subnutridos, além de serem submetidos a uma
disciplina rígida, cujo controle não incide apenas sobre o tempo de trabalho, como também
sobre os movimentos do corpo e o grau de competição estabelecido entre os cortadores. Quanto
mais competitivos, mais rápidos serão os golpes de podão, capazes de lhes darem o título de
“podão de ouro”. Os portadores desse prêmio terão no final da safra, poupado o suficiente para
a compra da moto, mercadoria desejada, cujo fetiche redefinirá o papel de seu possuidor na
comunidade de origem. Caso seja jovem, solteiro, será visto como vitorioso, forte, destemido,
valores sancionados positivamente e responsáveis pelas conquistas amorosas das jovens, cujos
olhares também permanecem embaçados pelo brilho do fetiche. Caso sejam casados, o dinheiro
poupado poderá ser empregado na construção da casa em alvenaria, deixando de lado a choça
de adobe, coberta com folhas de babaçu (Maranhão) ou a casinha, cujas paredes são cobertas
pela tabatinga (Vale do Jequitinhonha).
No que tange à atividade do plantio, o dispêndio de energia é também muito grande.
Esta tarefa combina o emprego de força de trabalho e meios mecânicos. Após o corte das
mudas, as mesmas são transportadas aos locais de plantio em caminhões. Em cima da carga de
cana, que chega a atingir a altura de 3 metros, ficam os trabalhadores que vão lançando as
mudas nos sulcos, já abertos para o plantio. Esta tarefa se combina àquela de outros
trabalhadores que, agachados ou ajoelhados, vão colocando e cortando as mudas nos sulcos.
Estes últimos são obrigados a desempenhar a tarefa no ritmo do caminhão e também do trator,
que vem em seguida tapando os sulcos com terra. Os motoristas destes caminhões são
terceirizados e recebem segundo o sistema de fretes. Logo, quanto mais cana transportarem
maiores serão seus ganhos. Segundo relato de sindicalistas, os trabalhadores não descansam e
não tem tempo sequer para suas necessidades fisiológicas.
A carência nutricional, agravada pelo esforço excessivo, contribui para o aumento de
acidentes de trabalho, além de doenças das vias respiratórias, dores na coluna, tendinites,
cãibras, produzidas pela perda de potássio em razão dos suores. A fuligem da cana queimada

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contém gases com venenos, pois, também segundo o que está sendo apurado pela Promotoria
Pública, as usinas distribuem agrotóxicos que apressam a maturação da cana, apenas três
semanas antes do corte. Estes produtos são altamente prejudiciais à saúde5.
Durante as Audiências Públicas, muitos relatos de trabalhadores confirmaram o
sofrimento durante o trabalho, as cãibras em todo o corpo, ânsias de vômito, que levam a
desmaios e, até mesmo à morte, como nos 13 casos citados. Alguns chegaram a mencionar as
jornadas de trabalho que chegam à 18 horas diárias, sobretudo nas atividades referentes à troca
de turnos, como o engate dos tratores com a cana colhida pelas máquinas, cujas “gaiolas” são,
em seguida acopladas aos caminhões, que conduzem a cana às usinas para a moagem.
A imposição da média de 12 toneladas de cana colhidas por dia é uma forma de
selecionar os trabalhadores, pois aqueles que não atingem o nível de 10 toneladas são
dispensados. Os níveis de esforços exigidos para o corte da cana, somados à não reposição
adequada dos nutrientes e calorias perdidos no eito, e o não esclarecimento sobre o volume da
produção diária do trabalhador, são o comprovante dos índices de superexploração e também
do desrespeito aos direitos humanos do trabalho.
O grande exército de trabalhadores migrantes representa não somente o resultado do
desenraizamento social e econômico, provocado pelo processo de expropriação em seus locais
de origem, como também, um conjunto de seres, cuja condição humana é negada (Silva, 1993).
Trata-se de um fenômeno, cuja face é a negação do sujeito enquanto ser, e sua transformação em
não portador de direitos, algo que causa sérias rupturas em sua identidade. Neste contexto, vários
processos contribuem para a progressão do trabalho em direção a simples labor, isto é, à simples
reposição das necessidades físicas e orgânicas, sem contar que a capacidade de ação, ou seja, da
política, é suprimida (Arendt 2005).
Neste sentido, a redução desse trabalho a labor é baseado em múltiplas práticas, sendo
que as mais comuns são: listas negras, proibindo a desobediência de normas; ganchos,
suspendendo trabalhadores por suposta desobediência aos feitores; sentimento de medo e
vergonha em pedir atestados médicos, em virtude do fato de que a declaração da doença e da dor
é um sinal de fraqueza, que não corresponde aos padrões de virilidade existentes e à competição
imposta pelos responsáveis pela disciplina do trabalho; renascimento do sistema de barracão, da
economia de escambo, de tal sorte que o trabalhador não possui direito sequer ao status de
consumidor livre.
A ocorrência destes processos coercitivos na região foi reiterada nos relatórios feitos
após as Audiências Públicas. Segundo o relatório da plataforma DHESC, as iniciativas destes
trabalhadores para levar a público este contexto de exploração são seguidas de ameaças e

16
retaliações por parte das empresas. O contato destes trabalhadores com sindicatos ou órgãos
públicos competentes para fiscalização das condições de trabalho é evitado pelas empresas,
dificultando sobremaneira não apenas a defesa dos direitos envolvidos nas relações de trabalho
no campo, mas também o esclarecimento acerca do real conteúdo das relações que sustentam o
corte manual da cana-de-açúcar no estado6. Além de propositalmente distanciados dos
sindicatos e dos órgãos de fiscalização, estes trabalhadores também são afastados dos contextos
rotineiros de sociabilidade das cidades onde residem durante a safra. Uma hierarquia espacial
define não apenas fronteiras territoriais, mas também limites aos ambientes passíveis de
exercícios das trocas simbólicas nos municípios. Abrigados em favelas ou cortiços afastados,
muitos deles situados no interior dos canaviais, estes trabalhadores migrantes são disciplinados
no cotidiano do lugar, sendo estigmatizados em seus corpos e em seus bens simbólicos7.
Este conjunto de violências é decisivo na desconstrução do universo da ação destes
trabalhadores. As dificuldades do dia-a-dia são reiteradamente silenciadas e os valores, as
lembranças da experiência cotidiana, são forçadas ao apagamento. Como bem destaca Arendt
sobre a tangibilidade dos acontecimentos no plano da ação,
(...) sem a lembrança e sem a reificação de que a lembrança necessita para sua própria
realização – e que realmente a tornam, como afirmavam os gregos, a mão de todas as
artes – as atitudes vivas da ação, do discurso e do pensamento desapareceriam como
se nunca houvessem existido (p. 107)

No sentido geral, tal como sugere Antunes (1997) em relação ao trabalho industrial no
capitalismo avançado, este trabalho torna-se estranhado, impondo-se, contraditoriamente, como
barreira social ante o desenvolvimento da personalidade humana. No sentido específico,
desfigurado, o trabalho, ao invés de caminho para a ação, reduz-se ao labor, como foi dito
acima. Ou seja, para os trabalhadores do corte da cana, o eito despe seu universo de
representações e revela sua dimensão eminentemente orgânica, que sobrevive às exigências
físicas do dia de trabalho.
Este confinamento na dimensão do labor integra, em sentido mais amplo, a perda de
referências deste segmento de trabalhadores rurais. Isto porque o que permite ao portador da
força de trabalho (trabalho-mercadoria) não se tornar também abstrato são justamente suas
práticas políticas de defesa dos direitos sociais característicos das relações trabalhistas em
sociedade modernas. Contudo, na medida em que para esta categoria de trabalhadores estes
direitos ou não existem ou são efetivamente ignorados no cotidiano da relação de trabalhos –
vide exemplo da Norma Rural 31, que dispõe sobre segurança no trabalho e não tem suas
cláusulas respeitadas pelas usinas e empreiteiros da região –, há também a emergência de
trabalhadores abstratos, cuja face individual e sua personalidade são descartáveis nas relações

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de trabalho vigentes. Assim, a identidade deste trabalhador, sua face política e suas trocas
simbólicas são subsumidas em um contexto onde ele mesmo é reduzido à esfera do labor, ou,
nos termos de Marx, à não-identidade do trabalho abstrato; isto é, é reduzido exclusivamente ao
“quantum nele contido da substância constituidora do valor” (Marx, 1983, p. 47), a saber, a
energia para o trabalho. Ou seja, nesta lógica do capital agroindustrial, trata-se da redução do
indivíduo a músculos e movimentos, a simples energia. (SILVA, et al, 2006).

Relatos do “inferno” (que não é verde)

Neste item serão apresentados alguns excertos dos relatórios da Promotoria Pública e da
Plataforma DHESC produzidos após visitas aos trabalhadores e realização das Audiências
Públicas.

Durante a visita ao alojamento de trabalhadores migrantes, dentro da propriedade da


Usina Bonfim, foram obtidas as seguintes informações e constatados os seguintes
fatos:
Foram encontrados no alojamento os trabalhadores (cerca de 40) que se encontravam
de folga no dia 04, segundo o rodízio 5 por 1.
As condições do alojamento se aproximam a de uma prisão. Em cada quarto existem
3 ou 4 camas. Os cômodos não têm janelas e as portas se abrem todas para um
corredor interno. A área onde é feita a lavagem dos utensílios de trabalho é a mesma
onde se lavam as marmitas e onde se obtém água para consumo individual. A
presença de funcionários da empresa, durante todo o tempo em que estivemos no
alojamento foi intensa, tentando impedir o acesso livre aos trabalhadores. A Relatoria
Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, à Água e à Terra
Rural, com base em análise preliminar de documentos, resultados e informações
obtidas em missão para investigação de denúncia de mortes de cortadores de cana de
açúcar, no Estado de São Paulo, por possível sobrecarga de trabalho e alimentação
insuficiente (...).
A referida Relatoria Nacional faz parte do projeto “Relatores Nacionais em Direitos
Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DHESC)”, coordenado pela Plataforma
Brasileira DHESC, com apoio do Programa de Voluntários das Nações Unidas
(UNV/PNUD/ONU) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do
Ministério Público Federal.

Foram apresentados os relatórios que tratam de ambos os casos. Em outubro de 2005,


a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho realizou missão na Região de
Ribeirão Preto/SP para investigar as causas das mortes de dez trabalhadores rurais do
setor canavieiro. O Relatório enfoca alguns itens, tais como: trabalhadores migrantes,
oriundos dos estados de Pernambuco, Piauí, Paraíba, Maranhão, Bahia e Minas Gerais;
aliciamento de trabalhadores por “gatos”; não-fornecimento de Equipamentos de
Proteção Individual – EPI por parte do empregador; exaustão dos trabalhadores por
jornada de trabalho excessiva, sendo esta a maior causa das mortes. Um outro detalhe
é que todos os trabalhadores encontrados eram negros ou pardos.
A realidade vivida pelos trabalhadores rurais da região de Ribeirão Preto levou a
concluir que o conjunto das condições a que os trabalhadores estão submetidos
concorre para que tanto as mortes quanto a mutilação dos trabalhadores sejam
recorrentes. As condições a que nos referimos são: a) superexploração dos
trabalhadores, ocasionada por pagamento por produção, que leva os trabalhadores a
produzir além de seus limites, pela jornada de trabalho de 10 horas/dia, pelas metas de

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produção fixadas em 10/12 toneladas por dia; pelos baixos salários, pela terceirização
das atividades e pela não pesagem da produção, o que leva os trabalhadores a não ter
controle da real produção do seu trabalho e da justeza do salário recebido; b)
deficiência na intermediação e fiscalização das relações de trabalho, expresso na
permanência de condições insalubres e periculosas no ambiente de trabalho (ausência
de condições para armazenamento da alimentação, água inadequada, equipamentos de
proteção individual em número insuficiente ou em condições inadequadas, ausência de
ambulância e equipamentos de primeiros socorros) e no desrespeito à legislação
nacional e aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é
signatário (aliciamento de trabalhadores por ‘gatos’, intimidação aos trabalhadores,
não emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, não pagamento
integral das verbas rescisórias); c) práticas anti-sindicais, expressas na política da
empresa de ameaças aos trabalhadores que denunciam irregularidades e na recusa em
contratar ex-dirigentes sindicais (Relatoria Nacional para o Direito Humano ao
TrabalhoProjeto Relatores Nacionais em DhESCPlataforma Brasileira de Direitos
Humanos Econômicos, Sociais e CulturaisApoio: Organização das Nações Unidas -
ONU- PNUD/UNVProcuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PGR/MPF).

No dia 09.03.2006, conforme demanda feita pela Coordenação do projeto dos relatores da
Plataforma DHESC e da Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, foi
realizada audiência com o Ministro do Trabalho e Emprego, Sr. Luiz Marinho, para tratar
da situação vivida pelos trabalhadores do setor canavieiro no interior de São Paulo, bem
como a existência de trabalho escravo no interior de Pernambuco.
Geralmente ficam hospedados em alojamentos mantidos pelas usinas, ou em casas
alugadas por eles próprios ou pelo empreiteiro ou pelo gato. O aluguel pago por esses
trabalhadores fica em torno de R$50,00 e R$100,00 pago por pessoa, por casas na
maior parte das vezes, localizadas em favelas ou cortiços da região, as quais têm entre
dois e quatro cômodos, e chega a ser dividida por um número de quatro a nove
pessoas.

Durante a visita realizada ao alojamento Jibóia, mantido pela Usina Santa


Helena, do Grupo COSAN, foram constatadas as seguintes ocorrências:
a. A pessoa responsável pela administração do alojamento apresentou resistência
ao acesso da Comissão formada pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao
Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho e
Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo ao
alojamento, permitindo o acesso apenas quando foi informado pelo Ministério Público
do Trabalho de que seria submetido aos procedimentos legais vigentes por dificultar a
realização do trabalho das autoridades presentes;
b. Foram encontrados diversos trabalhadores migrantes, os quais
informaram haver naquele local quatro turmas de trabalhadores, somando-se o
total de 120 trabalhadores alojados. Todos eram provenientes do estado de
Minas Gerais, majoritariamente trabalhadores negros e pardos.
c. As condições de alojamento são precárias, em cada quarto existem quatro
camas, e quatro armários de aço, nos quais os trabalhadores guardam seus pertences, e
como o espaço é insuficiente, expõem-nos também no chão, sobre as camas, e
suspendendo-os pelas paredes. Cada quarto conta apenas com uma janela pequena, as
portas de todos os quartos apontam para uma mesma porta, estreita, que em caso de
emergência (incêndio, por exemplo) impossibilitaria a fuga dos trabalhadores,
colocando todos em risco. Os banheiros localizados próximos ao quarto não contam
com chuveiro, contam apenas com uma pia pequena e um vaso sanitário com
descarga, os banhos são realizados em uma área coletiva com vários chuveiros.
d. As refeições são realizadas em um refeitório existente no local, próximo à
cozinha, em horário fixo, entretanto, os trabalhadores organizam-se para fazer as
refeições sem interferência da administração local. Contam com uma nutricionista que
freqüenta o local em dias alternados verificando se a dieta alimentar recomendada
para os trabalhadores tem sido cumprida corretamente, embora alguns trabalhadores
afirmem que a qualidade da comida não seja muito satisfatória. Há uma espécie de
lavatório para os copos, onde eles retiram a água da torneira para beber, pois a usina
não disponibiliza água filtrada para os trabalhadores;

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d- O local onde lavam as roupas e utensílios usados no trabalho fica localizado na
parte traseira de cada quarto, um pequeno lavatório composto por uma pia com
torneira, em precárias condições de higiene. Próximo a cada lavatório há uma fossa
sanitária, algumas com a tampa danificada ou até cobertas com pedras, o que não
proporciona o isolamento completo dos dejetos. É próximo a essas fossas sanitárias
que se encontram os varais para colocação das roupas lavadas para secar ao sol;
e. Os gêneros alimentícios ficam estocados em duas despensas, separados e em
condições adequadas de higiene, todos com data de validade e indicação de data para
consumo. Os alimentos provenientes de frigoríficos ficam armazenados em
refrigeradores para conservação até o período previsto para consumo. O material de
limpeza é armazenado em uma outra despensa em separado dos gêneros alimentícios.
f. Há um cômodo no local onde funciona uma espécie de bar, no qual é realizada
a venda de bebidas alcoólicas aos trabalhadores. Esse bar já foi fechado uma vez por
determinação da Sub-Delegacia Regional do Trabalho de Piracicaba/SP, entretanto,
permanece com freezers, e barris para armazenamento de bebidas alcoólicas, além de
alimentos usados como petiscos, amendoim, por exemplo. É perceptível a existência
de um caderno que funciona como uma espécie de caderneta para anotação dos
débitos de trabalhadores. Foi encontrada, ainda durante a visita, uma garrafa vazia de
cerveja e diversas tampinhas de garrafas de cachaça ao lado do bar, o que reforça os
indícios de que o consumo e venda de álcool no alojamento permanece, além de o bar
encontrar-se fechado no momento da visita e não ter havido a disponibilização da
chave para abri-lo. Os indícios de consumo e venda de bebida alcoólica no alojamento
mantido pela usina expõem os trabalhadores ao risco freqüente de dano, devido aos
efeitos que o consumo do álcool provoca no organismo humano. Uma vez que as
atividades desenvolvidas pelos trabalhadores requerem o uso de objetos cortantes, os
trabalhadores ficam, após a ingestão de álcool, vulneráveis a um risco maior de
provocar danos a si próprios e a outrem, acarretando assim, no aumento do grau de
periculosidade das atividades laborativas em virtude do consumo de tal substância.
g. Há ainda uma espécie de galpão com bancos, televisão, mesa de sinuca com
tacos e bebedouro, onde os trabalhadores passam parte de seu tempo livre sentados
assistindo à programação da televisão ou jogando sinuca;

VISITA À FAMÍLIA DO TRABALHADOR VALDECY PAIVA DE LIMA

5- No período da noite do dia 25 de outubro de 2005, a Relatoria Nacional para o


Direito Humano ao Trabalho esteve no município de Guariba para ouvir a família do
trabalhador Valdecir Paiva de Lima, que faleceu no dia 11 de julho de 2005. O
trabalhador queixava-se de estar sentindo dores-de-cabeça, quando aproveitou o seu
dia de folga e, no dia 21 de junho de 2005, procurou tratamento médico no Pronto
Socorro da Sociplan de Guariba. Foi atendido pela Doutora Maria Ivani, que o
encaminhou para exames de eletroencefalograma e raios X. No dia 22 de junho
retornou para apresentar os exames, recebeu o diagnóstico de enxaqueca, tomou os
remédios indicados pela médica, mas continuou apresentando o quadro de dores-de-
cabeça. A médica disse que deveria continuar tomando os remédios e que não poderia
fornecer-lhe um atestado só por causa de dor-de-cabeça. Tomou os remédios e
continuou trabalhando na Central Energética Moreno, no município de Luiz
Antônio/SP. No dia 07 de julho, após a refeição, cortou duas bandeiras de cana e
imediatamente sentiu-se mal, quando foi amparado pelo sobrinho, que também
trabalha no mesmo engenho. Foi levado ao hospital de Ribeirão Preto, no ônibus da
Usina, passou por uma cirurgia cerebral, ficou internado durante quatro dias, mas não
resistiu e faleceu. O corpo foi sepultado em Codó, no Maranhão, sendo que a Usina
assumiu todas as despesas funerárias. Saía de casa para trabalhar no corte da cana às
05h20 da manhã, voltava para casa por volta das 17h. Cortava doze toneladas de cana
por dia, tinha 38 anos, de cor parda, analfabeto, oriundo do município de Codó, era
casado e tinha uma filha. A única fonte de renda da família era o salário do
trabalhador, a empresa pagou a rescisão do contrato de trabalho e está providenciando
o seguro de vida, mas não pagou indenização à família, que está morando com
familiares numa casa de dois cômodos juntamente com oito pessoas, e que têm
sobrevivido da ajuda de parentes. O trabalhador levava comida de casa. Segundo o
sobrinho do trabalhador, no local de trabalho não há ambulância nem meios de

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primeiros socorros, quando algum trabalhador adoece ou se acidenta é socorrido pelo
ônibus da Usina8. (Plataforma DHESC/RELATORIA NACIONAL PARA O
DIREITO HUMANO AO TRABALHO, 2005).

Considerações finais

Desde o início deste ano de 2006, vários Encontros, Audiências Públicas,


Debates vêm sendo realizados com representantes dos Sindicatos, Empresas, MPT, DRT/SP,
SDTs, Pastoral do Migrante, Universidades, Assembléia Legislativa de São Paulo, ONGs, com
o intuito de discutirem propostas para a solução das mortes e também para coibir a precarização
e as práticas abusivas de exploração dos trabalhadores pelas usinas. Até o momento, o MPT e a
DRT/SP adotaram como imposição o cumprimento da NR31. Para o ano de 2007, haverá a
imposição do fim do trabalho por produção, segundo determinação do MPT.
Estes atos comprovam a intervenção do Estado, como agente disciplinador das relações
de trabalho, dado que, a partir de meados da década de 1990, com a extinção do IAA (Instituto
do Açúcar e Álcool), houve a implantação do processo de desregulação dessas relações imposta
pelo neoliberalismo. Algumas das medidas, que estão sendo e serão impostas pela DRT/SP,
visam a reparação do desrespeito não somente das leis trabalhistas, como também dos direitos
humanos do trabalho. Os principais itens do documento produzido pela DRT/SP são9:
- Fim da terceirização, com a eliminação dos intermediários (gatos) no mercado de
trabalho10;
- Exames médicos pré-admissionais e demissionais com ênfase na avaliação cardíaca e
osteomuscular, exigindo-se os seguintes exames: hemograma completo; imunologia
para a doença de chagas; protopasitológico, além de outros exames periódicos de
avaliação de peso (os cortadores perdem mais de 5kgs de peso durante a safra), pressão
arterial e cardiopulmonar; notificação de doenças e acidentes de trabalho,
disponibilização de ambulâncias e pessoas treinado nas frentes de trabalho etc.
- Proposta de que a alimentação deverá ser fornecida pelo empregador, incluindo café da
manhã e almoço, segundo os costumes alimentares regionais; fornecimento de re-
hidratante oral de acordo com a análise nutricional;
- As moradias dos migrantes serão consideradas alojamentos e deverão cumprir a
NR3111;
- Quanto à jornada de trabalho, deverá haver controle, com abolição de horas extras, do
sistema “coruja”, que se constituem nas sobras de talhões que são cortadas após a
jornada, sem pagamento de horas extraordinárias; uma das propostas é a diminuição da
jornada para 6 hs diárias;

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- Quanto à aferição e remuneração por produção, a proposta é a adoção do sistema da
quadra fechada da Usina Éster, criado pelo sindicato de Cosmópolis; eliminar o critério
da cana amontoada e adotando o da cana enleirada, com corte da ponta no chão (e não
antes da cana ser lançada ao chão); elevação do piso da categoria;
- Quanto ao sistema de transporte de trabalhadores, deverá haver o cumprimento da
NR31, que leva em conta a segurança;
- Quanto ao carregamento de cana, proibição da jornada de 12 hs, qualificação dos
operadores de máquinas e inspeção periódica dos veículos;
- Quanto à NR31, imposição do cumprimento imediato dos seguintes itens:
ƒ Fornecimento de EPIs e ferramentas
ƒ Fornecimento de pelo menos 2 pares de calçados;
ƒ Instalação sanitária;
ƒ Fornecimento de água para higiene e água fresca potável;
ƒ Abrigo para alimentação, protegido de intempéries com mesas e
assentos;
ƒ Exigência do cumprimento de pausas para descanso (pelo menos duas);
ƒ Fornecimento de vestimentas12.
Todavia, a grande polêmica que envolve neste momento, de um lado, a Promotoria
Pública e do outro lado, os usineiros e representantes sindicais, é o trabalho por produção, cuja
abolição é defendida pelos promotores, os quais acreditam que é a imposição da alta
produtividade a responsável pelas mortes. Tal medida não é aceita nem pelos usineiros, que
alegam que seriam lesados e nem pelos representantes sindicais, cujas afirmações são as de que
os trabalhadores não aceitariam trabalhar na diária (pagos por dia), porque o piso salarial é
baixo, aquém de suas reais necessidades de reprodução da força de trabalho e do sustento de
suas famílias. Segundo uma sindicalista, os trabalhadores não aceitam diminuir o ritmo de
trabalho porque não conseguiriam cortar cana devagar, pois correriam riscos de ser
acidentados!
O leitor poderia se perguntar sobre razões que levam as pessoas a aceitar esta situação.
Segundo Amartya Sem, a liberdade somente existe quando, diante de no mínimo duas
alternativas, a pessoa pode escolher uma delas. Se houver, apenas uma única alternativa, não se
pode falar em liberdade, mas em imposição, já que a possibilidade de escolha é inexistente.
Esta é a situação dos migrantes que se destinam a este trabalho nos canaviais e laranjais
paulistas e também dos chamados bóias-frias locais. São pessoas que não possuem outra
alternativa de sobrevivência, senão esta. Quanto ao ritmo acelerado de trabalho, ele foi sendo

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imposto e, ao mesmo tempo, incorporado pelos trabalhadores, durante estas últimas décadas.
Ainda que sujeitos à morte e às mutilações – a vida útil de um cortador de cana é de 15 anos e a
do escravo no Brasil era de 10 anos –, os trabalhadores, ao “preferirem” este ritmo,
consideram-no natural, sem questionar as conseqüências para suas próprias vidas.
Portanto, a migração, assim como este trabalho, é resultante do sistema econômico-
social vigente, que se traduz pela imposição, pelo atrelamento de milhares de pessoas a um
processo de trabalho, que não pode ser definido como livre, que possui as características da
escravidão, porém com novas correntes, invisíveis, sob a capa do salário em dinheiro, do
contrato e do chamado direito de ir e vir. Qualquer forma de recusa, de resistência, individual
ou coletiva, é traduzida em ameaças, dispensas, medo e perseguições. O capataz dos confins
deste país é substituído pelos feitores, fiscais e gatos. As armas são substituídas pelas listas
negras e rescisões de contratos.
Enquanto esta barbárie ocorre no mundo do trabalho, o mundo do mercado
internacional coloca este mesmo país no patamar do sucesso absoluto do agribusiness. Este é o
paradoxo dos dois mundos da sociedade contemporânea. O trabalho que produz esta enorme
riqueza é o mesmo que mutila e pode matar os “Severinos”, que deixam suas terras em busca
da sobrevivência individual e familiar.
O verdadeiro significado da história libertadora é quando os sujeitos a escovam a
contrapelo, segundo a definição de W. Benjamin. Este texto teve esta intenção.
Notas
1- Em recente declaração durante a realização da Audiência Pública, realizada em Ribeirão Preto em 22 de
março de 2005, um vereador de Araraquara afirmou que, durante o período da safra, os gastos da Secretaria
de Saúde aumentam em R$ 500 mil ao mês, em virtude dos problemas das doenças respiratórias que
atingem, principalmente, as crianças e idosos. Em 2003, houve 3885 pedidos de queimada encaminhados a
Cetesb, na região de Ribeirão Preto. Em 2006, este número passou para 4585, o que representa não o fim
progressivo das queimadas, mas seu aumento (Folha de S. Paulo, Folha Ribeirão, C3, 11/04/06).
2- Inúmeras reportagens forma veiculadas pelas imprensas local e regional, além de jornais de grande
circulação como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, além de programas televisivos, valendo destacar
uma reportagem de sete minutos no Programa, Fantástico, da Rede Globo, no horário nobre de domingo á
noite. Quanto às notícias veiculadas no exterior, destacam-se: entrevista concedida pela autora desse texto à
Rádio Alemã, Deutschland radio, Deutsche Welle de Berlim, no mês de março de 2006, ao jornal francês La
Terre, de Paris, no período de 28 de fevereiro a 06 de março de 2006, na seção, Actualité . As mortes
também foram objeto de referência na Espanha no Boletim Trabajador Azucarero (V. V, N. 11, nov/05).
3- A NR 31- Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho, na Agricultura, Pecuária Silvicultura,
Exploração Florestal e Aqüicultura –, estabelecida pela Portaria n° 86, de 03/03/05 (Diário Oficial da União
de 04/03/05), regulamenta os direitos e deveres inerentes aos empregadores e empregados rurais. Dentre as
medidas de segurança que não vêm sendo cumpridas pelas usinas da região de Ribeirão Preto, estão a
obrigatoriedade de abrigos nas frentes de trabalho, as instalações sanitárias (um conjunto para cada 40
trabalhadores), águas potável e fresca, materiais de primeiros socorros, remoção adequada dos acidentados,
pausas regulares e remuneradas para descanso e interrupção remunerada da jornada de trabalho por fatores
climáticos (RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO AO TRABALHO, 2005).
4- Todas estas informações foram oferecidas pela representante do STR de Cosmópolis, durante a primeira
Audiência Pública, chamada pela Procuradoria Geral da República de São Paulo e pela Plataforma DHESC

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(Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), sob o patrocínio da ONU, realizada em Ribeirão Preto, no dia 27
de outubro de 2005, com o fim de apurar as ocorrências das mortes nos canaviais paulistas.
A promotoria Pública do Trabalho da 15a. Região Administrativa (Ribeirão Preto) constatou que o
trabalhador morto durante a jornada em Rio das Pedras havia cortado 19 toneladas de cana e não 16, como
fora estipulado pela usina, segundo informe durante a Audiência Pública, chamada pela Comissão dos
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, realizada no dia 23 de março de 2006, no prédio da Câmara
Municipal de Ribeirão Preto.
5- Notícias veiculadas pela internet revelam que esta situação não ocorre apenas no Brasil. Em Chichigalpa,
região canavieira da Nicarágua, onde está situada a empresa Nicarágua Sugar State y Compañía Licorera de
Nicarágua, 1383 trabalhadores morreram nos últimos anos, vítimas de insuficiência renal crônica (IRC),
enfermidade provocada pela creatinina, em razão dos agrotóxicos maturadores da cana, que causam coceiras,
e sérios danos à saúde, como a IRC. (CCOO/CONFIA/Nicarágua, 2006), acessado em 21 de março de 2006.
6- A este respeito, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho destaca que, em visita ao
alojamento de uma usina controlada por capital multinacional no município de Araraquara, a pessoa
responsável pela administração do alojamento apresentou resistência ao acesso da Comissão formada pela
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Delegacia
Regional do Trabalho e Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo às
instalações do alojamento. O acesso foi permitindo após a informação, pelo Ministério Público do Trabalho,
de que a empresa seria submetida aos procedimentos legais vigentes por dificultar a realização do trabalho
das autoridades públicas, tal como aponta trecho do referido relatório (RELATORIA NACIONAL PARA
O DIREITO HUMANO AO TRABALHO, 2005).
7- Emprega-se aqui o termo disciplina tal como concebida na noção de espaço disciplinador em Foucault
(1983). No disciplinamento deste espaço, importa aos grupos sociais saber sobre as presenças e as ausências,
instaurar comunicações úteis, interromper outras, poder apreciar ou sancionar comportamentos. Ou seja,
neste espaço disciplinado, grupos e agentes procedem para reconhecer, dominar e utilizar os recursos nele
disponíveis. Nestes termos, a disciplina manifesta-se não apenas nas formas institucionais mais evidentes,
mas também nas dimensões “microfísicas” que operam nas relações de poder.
8- A viúva deste trabalhador e a filha voltaram para a terra de origem, após o recebimento da indenização, seguro
de vida e a pensão do marido, segundo informações da Pastoral do Migrante. Assim que o marido faleceu, a Usina
providenciou o traslado do corpo até Codó/MA, cuja viagem durou três dias, numa distância de 3000 Km. A
esposa e a filha foram na mesma ambulância que transportava o corpo do trabalhador morto.Em razão de não
entender o significado da morte, a menina perguntava a mãe sobre as razões do “pai ficar fechado naquele caixão”,
segundo depoimento colhido por mim, assim que elas regressaram a Guariba, a fim de receber seus direitos.
9- DRT/SP. Diagnóstico e propostas de solução sobre a precarização do trabalho no setor sucroalcooleiro no
Estado de São Paulo. Agradeço a gentileza do subdelegado do trabalho de Araraquara, Dr. Milton F. B.
Bonili, pela disponibilidade deste material.
10- Além da Procuradoria do Trabalho, o Ministério do Trabalho e várias prefeituras estão empenhadas no
combate à presença dos aliciadores de mão-de-obra migrante (os gatos), bem como nas moradias precárias
destes. Folha de S. Paulo, B10, 15/02/06.
11- Uma força-tarefa envolvendo a Subdelagacia do trabalho, o Ministério Público do trabalho, a Polícia
Federal, a Polícia Militar de Ibaté, acabou com um alojamento na periferia desta cidade, onde mais de 100
trabalhadores, provenientes do Maranhão estavam vivendo em condições sub-humanas. Jornal primeira Página, ,
B3, São Carlos, 08/04/06.
12- O subdelegado regional do trabalho/São Carlos, Dr. Antônio Valério Morillas Jr., conseguiu
implantar a obrigatoriedade da distribuição de kits de proteção dos trabalhadores da laranja, medida quês era
estendida a todo estado de São Paulo. Os kits contêm: óculos, marmita térmica, boné árabe (com proteção
para o pescoço), botina, perneira, avental, luvas, roupa teflonada (para diminuir o calor). Jornal Primeira
Página, A 10, São Carlos, 02/04/06.
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* Professora livre-docente da UNESP; pesquisadora visitante da USP e pesquisadora do CNPq.

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