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03 a 09 de fevereiro de 2010, Itaici, Indaiatuba ‐ SP
ENPs, 25 anos celebrando e fortalecendo a comunhão presbiteral
“Eu me consagro por eles” (Jo 17,19a)
Prot. 02/2010
13º ENP
1 Nos sites de busca, só em português, aparecem mais de quatro milhões de links relacionados ao tema.
2 O próprio fato de alguns se perguntarem: como ser padre hoje? Qual o caminho? Qual minha identidade?
diversas culturas, os mais variados âmbitos, como imaginar que a Igreja permaneça
fora deste contexto?
3 Ver, por exemplo, LYOTARD, Jean François, A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. 5ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio 1998; BAUMANN, Z. Tempos Líquidos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007;
IDEM, A era do vazio, São Paulo, Manole, 2005; LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de
hiperconsumo, São Paulo, Companhia das Letras 2007; GESCHÉ, A., O mal, São Paulo: Paulinas, 2003, p. 38.
valores e normas. Esta mudança, nunca é demais repetir, atinge de cheio o
cristianismo e, nele, o catolicismo 4.
4Cf. HERVIEU-LÉGER, D., Catholicisme. La fin d’um monde, Paris, Bayard, 2003, p. 275ss; TAYLOR, C., A secular age,
Cambridge/Massasussets/London, 2007, 505-535 ; DAVIE, G., Religión in Britain since 1945, Oxford, Bkackwell, 1994, p.
93-116
5Trata-se aqui, convém lembrar, do EU literalmente individual, mas também, lato sensu, do eu grupal. Nos dois casos, os
projetos de cada um, projetos localizados, específicos, como são todos os projetos, tendem a assumir caráter universal,
único.
Percebemos aqui e acolá o surgimento de tentativas de um novo ethos, que
seja capaz de conduzir a totalidade da vida a rumos diferentes dos que constatamos a
olhos nus 6. É exatamente nesta busca de um novo ethos que se manifesta a
responsabilidade histórica atual da Igreja. Já não se trata, por certo, de se retornar à
cristandade. O mundo se tornou plural e este fato é irreversível. O advento do sujeito
com a possibilidade de inúmeras escolhas é um ganho positivo (DGAE 20). Sua
exacerbação é o problema. Neste contexto, portanto, de valorização do sujeito e de
pluralidade de possibilidades, cabe à Igreja manifestar a Boa Nova do Reino de Deus,
anunciando o Deus do Reino, dizendo por atitudes e palavras que nossa Fé se
alicerça no Deus que é Uno e Trino, num Deus que, em si mesmo, é relação. Disso
não podemos abrir mão.
6Há inúmeras tentativas, aqui e acolá, de valorização, por exemplo, da família, da vida em comunidade, dos laços humanos
sobrepondo-se à mentalidade do lucro a todo custo, da preservação ambiental e defesa do planeta. Estas tentativas se
manifestam não apenas em experiências concretas, mas também na sensibilização através de eventos, campanhas,
mensagens nos meios de comunicação, entrevistas de personalidades públicas, em especial do meio artístico etc.
7Percebe-se, deste modo, um dos motivos para que a primeira encíclica de Bento XVI, Deus Caritas Est, seja dedicada
exatamente ao tema do Amor-Agape. De modo especial, os nn. 12ss. Ver também Caritate in Veritate, nº 6.
expressão de Aparecida recomeçar a partir de Jesus Cristo (DA 12, 41 e 549) 8 . Não
podemos compreender esta expressão como busca desenfreada por um tempo que já
se foi, ou por uma clientela que outros estão levando embora. O recomeçar a partir
de Jesus Cristo tem inúmeras implicações. Para nós, importa observá-lo no nível
deste novo ethos que o mundo precisa encontrar.
De nossa parte, nesta atitude de contribuição para o novo ethos, importa
mostrar que Jesus Cristo não viveu fechado em si mesmo, mas, esvaziando-se, veio
ao encontro da humanidade. Importa mostrar que o Filho do Homem, no extremo da
kenosis e à diferença das aves do céu que têm seus ninhos e das raposas que têm suas
tocas, não tinha sequer onde reclinar a cabeça. Não vivia para si. Vivia para o Pai e
para os demais. Trata-se, portanto, de uma cristologia acentuadamente kenótica, uma
cristologia de esvaziamento, de saída de si (2 Cr 8,9; Fp 2,5ss ).
Algumas conseqüências precisam então ser tiradas. Elas dizem respeito ao
rosto da Igreja no atual momento da história, seja mundial, nestes tempos de
globalização, seja brasileira, que mais diretamente nos afeta. Estas conseqüências
chamam nossa atenção para a mudança de lugar sociocultural que a Igreja ocupa no
horizonte mundial e brasileiro. Dizem também respeito aos pontos que se tornam
prioritários na ação evangelizadora.
6. A TRANSMISSÃO DE NOSSA FÉ
Na medida em que conteúdo e método possuem viva articulação entre si, não
podemos pensar em caminho evangelizador, que não seja através do diálogo, da
inclusão e do relacionamento. À primeira vista, estes termos podem parecer
repetitivos, pois, afinal, nunca deixamos de falar sobre eles. Qualquer bom sermão, e
lá estamos nós a abordar estes aspectos. A novidade trazida pelo atual momento
histórico diz respeito ao fato de que, para um mundo plural, de tantas possibilidades
e escolhas, a base para as construções de vida não se dá pelo institucional nem pelo
tradicional. Ela se dá pelo relacionamento direto, pela imediatez dos resultados, pela
proximidade da eficácia.
Um dos exemplos mais interessantes é o que se liga ao mundo das religiões
em nossos dias. Temos religiões para todos os tipos e gostos. A maioria delas, porém,
ingressa neste mundo pós-moderno oferecendo sucesso pessoal, afetivo e
patrimonial. Não me consta que, nos últimos anos, alguma religião tenha alcançado
êxito pregando, por exemplo, vida eterna. Tampouco me consta que o mesmo
patamar seja alcançado através da condição de ser uma religião histórica, antiga,
tradicional ou institucional. O que consta para o atual momento histórico no qual a
Igreja se vê inserida é o caráter imediato da eficácia divina, do Deus – cada vez mais
9 BENTO XVI, Frères dans le Christ. L’espirit de la fraternité chretienne, Paris: Cerf, 2005.
10 Cf. PAULO VI, Exortação Apostólica Evangellii Nuntiandi, 15
A terceira solução falaciosa é a da carreira solo, do fechamento em torno dos
projetos e das expectativas pessoais, em detrimento do caminhar comum. Embora eu
esteja utilizando a imagem muito própria do ambiente musical, esta realidade se
aplica a todas as dimensões da vida. Basta olhar o que acontece com muitos casais,
quando um dos dois rompe a relação, afirmando que, de agora em diante, vai olhar
mais para si, buscando a felicidade. Não se trata – repito – de negação do direito à
felicidade. O que angustia é o fato de ser um projeto individualizado de felicidade.
Daí a imagem da carreira solo.
O ethos da alteridade gratuita, da comunhão, da efetiva partilha de vida,
implica necessariamente interpelação mútua. Significa interpelar e deixar-se
interpelar, de modo que o outro, no sentido mais amplo do termo, sendo diferente de
mim, me interpela, me incomoda e me questiona. Esta interpelação pode levar à
rejeição ou ao fascínio. A rejeição parece ser o ethos predominante de nosso tempo.
Desde o nível religioso até os âmbitos da intimidade humana e geração da vida. A
regra é sempre a mesma: se me incomoda, elimino. Assim se justificam, por exemplo,
o já mencionado aborto, a mobilidade religiosa, já demonstrada em pesquisa feita há
alguns anos 11, as prisões da miséria, que em nada recuperam o ser humano, mas, ao
contrário, tornam-no ainda mais desumano, os choques de ordem nas grandes
cidades, que, em lugar de resolver os problemas sociais, apenas os empurram para
outros lugares, a pregação, enfim, da violência e da destruição como solução.
11 Não sou eu que devo me converter aos princípios de uma religião institucionalizada. É a religião que deve se adaptar
(integralmente) às minhas expectativas. Neste contexto, algumas propostas religiosas de nosso tempo trabalham bastante
com pesquisas de mercado, procurando saber, o tempo todo, o que pensam e esperam seus (possíveis) adeptos.
ingressar, com maior empenho, numa pastoral diversificada e, por certo, articulada,
sem a qual perderemos muito de nossa força testemunhal e interpeladora em vista ao
ethos do diálogo e o respeito mútuo.
16DA 294 – “Assumir esta iniciação cristã exige não só uma renovação de modalidade catequética da paróquia. Propomos
que o processo catequético de formação adotado pela Igreja para a iniciação cristã seja assumido em todo o Continente
como a maneira ordinária e indispensável de introdução na vida cristã e como a catequese básica e fundamental...”
erro se nos fecharmos àquele aspecto que sempre distinguiu os(as) discípulos(as) de
Jesus Cristo, qual seja, a sensibilidade aos crucificados da terra, tenham eles o nome
que tiverem: pobres, excluídos, marginalizados etc... (DA 391). Num mundo marcado
pelo horizonte do lucro desenfreado, do consumo, da individualização, da religião
como grande negócio, é a preocupação pela vida ameaça, crucificada e destruída,
vida em todas as suas instâncias, que vai assinalar o DNA dos(as) seguidores(as) de
Jesus Cristo. Não se pode passar muito rapidamente pelos nn 391-393 de Aparecida:
“Tudo o que tenha relação com Cristo, tem relação com os pobres e tudo o que está
relacionado com os pobres reivindica a Jesus Cristo” (DA 393).
É por isso que o testemunho que somos chamados a dar concretiza-se no
amor, na parceria e na santa cumplicidade em relação aos que nada podem retribuir,
aos que não participam de um mundo organizado a partir do lucro. Nosso tempo
gerou muitos e muitos rostos de crucificados (DA 65, 402 e 409) e os continuará
gerando, até que a força de um novo ethos seja capaz de brecar a virulência de uma
mentalidade e de estruturas que se constroem a partir do individual exacerbado, do
ganho, do lucro e do acúmulo 17. A pergunta, então, que surge é: como fazer isso?
Como enfrentar tamanha força do ethos do mercado? Só mesmo com o testemunho
da gratuidade. E não há gratuidade maior do que o amor efetivo e afetivo pelos
sofredores da terra (DA 396s). É verdade que a Igreja, de um modo ou de outro,
sempre esteve ao lado dos sofredores. A história está aí para não nos deixar mentir.
A novidade do atual momento histórico, ou seja, da atual conjuntura, está no fato de
que esta solidariedade deve ser, de fato, alçada aos primeiros lugares da
concretização do recomeçar a partir de Jesus Cristo. A atual conjuntura pede uma Igreja
fortemente comprometida com a vida, termo ampla e includentemente assumido.
Trata-se de concretizar para o hoje a afirmação paulina de não se querer outro senão
o Cristo Crucificado, loucura e escândalo (1 Cor 1,23).