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Recife, 2009
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História
Povo
não pode ser sempre o coletivo de fome
Povo
não pode ser um séquito sem nome.
Povo
não pode ser o diminutivo de homem.
O povo, aliás,
deve estar cansado desse nome.
Certa vez Mário Quintana afirmou que as utopias eram inatingíveis, mas isto não era
motivo para não as querer, metaforizando que eram tristes e sem sentido os caminhos trilhados
sem a distante presença das estrelas. Na minha vida, mais intensamente dentro da universidade,
tive uma perene preocupação em conciliar o mundo das idéias e o universo pragmático,
buscando sempre caminhar olhando com denodo o percusso, mas sem perder de vista as
estrelas. Essa conduta fez com que eu, de forma bastante natural, me aproximasse de muita
gente que vive de forma semelhante - atuando no liame das possibilidades conceituais e das
dificuldade circunstanciais – e que se tornaram pra mim referências morais e fraternais. São
amigos e familiares que me deram suporte (me suportaram) e me acompanharam na trajetória
desses agitados quatro anos de graduação que culminam nas páginas desta monografia.
Começo por agradecer a minha orientadora Suzana Cavani, com quem trabalhei nos
últimos dois anos e que nunca me faltou com atenção, sua competência acadêmica aliada a seu
bom humor fizeram com que esse período de acompanhamento se processasse de modo fluído e
prazeroso. A banca avaliadora desta monografia é composta ainda por dois professores que
estimo por bons companheiros desse período de graduação e com quem tive instigantes
conversas sobre os mais variados temas, são eles o professor Marc Hoffnagel e a professora
Socorro Ferraz. Ainda nos quadros do Departamento de História, mantive boas relações com
todos os professores e com alguns até firmei boas amizades, como o professor Biu Vicente e
Antônio Montenegro, a quem mando especial agradecimento.
Minha família me deu a base emocional e as melhores condições possíveis para minha
constituição como indivíduo. Me sinto pleno ao lado do meu pai, da minha mãe e da minha
irmã. O apoio e a atenção conspícua de todos os Azevedos e Souzas foram essenciais para que
eu seguisse o caminho que optei.
Na imagem de meus amigos vislumbro uma geração de grandes homens e mulheres de
moral ativa e peito aberto, em seus abraços e histórias a vida eclode sem mistificações. Com a
limitada e mistificada linguagem escrita, tentarei expressar minha gratidão a eles. Devo
agradecer antes de tudo a Rodrigo Almeida, que me ensina todo dia a lidar com a contraditória
condição humana e que, com seu requinte estilístico, me ajudou diretamente na confecção desse
trabalho. Outra pessoa fundamental no processo de produção da monografia, foi a acadêmica de
primeira linha Cybele Miranda, que além de me colocar à par das normas da ABNT, enleia
todos os meus bons sentimentos em sua alvura. Gabriela Monteiro sempre esteve presente em
meus momentos mais marcantes, assim sendo me ajudou também revisando o texto da
monografia, sou muito grato a ela. Não poderia deixar de agradecer aos grandes amigos que
nesses quatro anos foram essenciais: Diógenis Felix, Pedro Lira, Gabriel Viegas, Marcus Tulius,
Rodrigo Morais, Diego Lins, Juliana Monteiro, Bruna Iglesias e Victor Ramón. O Diretório
Acadêmico de História foi um espaço muito importante para a minha formação, entre as muitas
pessoas com que convivi nessa instituição já consolidada como a mais importante e tradicional
do movimento estudantil no Hemisfério Sul, sou feliz de ter militado ao lado de Rafael Sena e
de Carlos Alberto.
Resumo
Esta monografia se debruça sobre a Lei Saraiva, reforma eleitoral promulgada em 1881,
insigne por reduzir drasticamente o eleitorado no Brasil. Com base nas disussões da elite
política da época e do agitado contexto social da década de 1870, examinaremos os motivos que
levaram os parlamentares do Império a aprovar essa nova legislação que alterava radicalmente o
formato das eleições, que, entre outras mudanças, passavam a se proceder de modo direto e sem
a participação da população analfabeta. Depois da análise do sentido da lei, este trabalho ira
observar a sua eficácia, acompanhando sua estréia prática em Pernambuco, na eleição para
deputação geral em 1881.
Abstract
This work studies the Saraiva Law, electoral reform promulgated in 1881, know for
reducing drasticly the brazilian electorade. Based on that day's political elite's discussion and on
the turbulent social context ofthe 1870's decade, we will exame the reasons that took the
imperial parliamentary to aprove this new legislation that completly redesigned the election's
format, that, among other changes, became direct and excluded the illiterate people's
participation. After analysing the law's sense, this work will observe its efficiency, following its
pratical application in Pernambuco, in the 1881's election.
Lista de Instituições pesquisadas
Considerações Finais.
Referências Bibliográficas.
Anexo.
Introdução
1 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p. 254.
2 Anais da Câmara acessados no site http:// imagem.camara.gov.br/pesquisa_diario_basica.asp. Arquivo capturado em
10/03/2009.
governo, seja da parte do poder privado.”3
A reforma tratada nesta monografia foi promulgada com a intenção de modificar essa
tríade para aperfeiçoar o desacreditado sistema eleitoral vigente. O esforço do governo não foi
pequeno para tornar realidade a nova legislação. Basta dizer que em 1878 uma Câmara de
maioria conservadora foi dissolvida, realizaram-se eleições no mesmo ano, e, em mais um
episódio de explícita manipulação de resultados por parte do governo, foi eleita uma Câmara
onde 100% dos parlamentares eram liberais. Essa mesma Câmara, alcunhada pelos
oposicionistas de “servil”, tinha por ordem do dia a promulgação da nova lei eleitoral, mas só
viria aprová-la três anos depois e sob a direção de um outro gabinete4. Vale ressaltar também
que o soberano, no discurso que abria os trabalhos dessa legislatura, deu carta branca aos
legisladores para a convocação de uma constituinte em benefício da reforma eleitoral.
Mas mesmo com todo o empenho do governo imperial não foi fácil aprovar a nova
legislação. No Parlamento o único consenso era acerca da urgência de uma reforma, porém,
quanto a sua direção e a melhor forma de implementação, o coro era dissonante em diversos
aspectos. Havia polêmica, por exemplo, em torno da exigência de uma constituinte para a
aprovação da reforma, na definição de quem iria poder votar e de qual seria o valor do censo
exigido para obtenção dos direitos políticos. Por fim, a nova legislação, que viria a ser chamada
Lei Saraiva5, acabou sendo promulgada por via ordinária, sem a necessidade de uma reforma
constitucional e a contragosto de uma expressiva oposição. Não podemos deixar de ressaltar
como esta resolução marcou negativamente o processo de construção da cidadania no Brasil ao
eliminar o direito de voto do eleitorado analfabeto, fato que, em conjunto com as outras
modificações na legislação, contribuiu para alijar quase 90% do colégio eleitoral brasileiro da
época6.
Essa exclusão radical do eleitorado analfabeto traz a tona a natureza reacionária das
elites brasileiras no que tange a ampliação dos direitos políticos, fato que “que poderia apressar
a chegada do sufrágio universal, idéia que começava a circular pelo país”7. O enxugamento do
eleitorado, justamente em um momento onde a tendência do pensamento Liberal começava a
flertar com a ampliação dos direitos políticos, como vinha acontecendo em alguns países da
3 CARVALHO, José Murilo de . A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1980.
p.139.
4 Os debates acerca da reforma eleitoral sucederam-se por dois gabinetes liberais: O de 5 de janeiro de 1878, chefiado por
Casansão Sinimbú, e o de 28 de março de 1880, encabeçado por José Antônio Saraiva.
5 Em referência ao seu redator, o conselheiro Saraiva.
6 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. P.39.
7 FERRARO, Alceu Ravanello. A negação do direito de voto aos analfabetos na Lei Saraiva (1881): Uma exclusão de classe?.
La Salle – Revista de educação, ciência e cultura. v.13, n.1, jan. /jun. 2008, p.13.
Europa8, reflete o momento de crise política pelo qual passava a monarquia. Os
descontentamentos de parte da sociedade com o regime se manifestavam principalmente por
meio do movimento republicano, do abolicionista, das sociedades positivistas, além das
constantes insubordinações do oficialato do exército e em manifestações populares. Esse clima
de inquietação na opinião pública influenciou diretamente a elite imperial a optar pela redução
do eleitorado, de modo a evencer a massa da população de um instrumento legítimo de
contestação da ordem, o voto.
Esta monografia está dividida em dois capítulos. O primeiro, “A Lei”, tratará do
processo de estruturação da controversa Lei Saraiva, para entendermos em que condições
sociais e políticas, um tema relevante como esse – a reformulação radical da legislação eleitoral
- entrou na pauta das discussões ordinárias da sociedade e do parlamento Imperial.
Nesta parte analisaremos a dinâmica das eleições, observando quais foram as principais
críticas tecidas ao sistema eleitoral, e em que sentido atuaram as reformas anteriores a 1881.
Nos debates para a reforma eleitoral, também iremos acompanhar como se manifestaram pontos
cruciais para o entendimento do processo de concessão dos direitos da cidadania e do
desenvolvimento, tanto, do ideário liberal, quanto, do democrático no universo político
brasileiro.
No segundo capítulo, intitulado “A Eleição”, o trabalho irá se focar na aplicação da lei,
por meio do estudo de caso da eleição para deputação geral de 1881 em Pernambuco. O
acompanhamento dessa eleição - a primeira direta da história nacional - se baseou na pesquisa
de quatro periódicos da época, escolhidos estrategicamente, de modo que fossem contemplados
os jornais das três frações envolvidas no pleito, são eles: O jornal do Recife, onde o Partido
Liberal mantinha uma coluna intitulada Coluna Liberal, o jornal O Tempo que era um orgão do
Partido Conservador e o jornal O Democrata, vinculado ao diretório dos liberais democratas.
Além desses três periódicos, acompanhamos também o Diário de Pernambuco, na época o
jornal mais importante da província, que, apesar de ter seu corpo editorial vinculado ao Partido
Conservador, procurava não explicitar diretamente suas vinculações partidárias. Os jornais O
Tempo e O Democrata foram pesquisados no Arquivo Publico Estadual Jordão Emerenciano
(APEJE). Já o Diário de Pernambuco e o Jornal de Recife se encontram na divisão de
microfilmes da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Nossa pesquisa pelos periódicos
contempla a análise dos três meses que precederam e os dois que sucederam a eleição de 1881,
observando, através das notícias, os rumos tomados pela primeira eleição regida pela Lei
8 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-134.
Saraiva, procurando verificar as mudanças e continuidades ocorridas nas práticas eleitorais,
tomando por base a postura do governo quanto a aplicação dessa legislação e os artifícios e
estratégias utilizados pelas frações políticas pleiteantes, diante do novo cenário eleitoral.
Por meio da análise das dificuldades para a concreção de um sistema eleitoral que
garantisse eleições decorosas e uma legitimidade satisfatória dos parlamentares no Império, e
no ensejo da agitada conjuntura sócio-política pela qual passava a sociedade brasileira, é que
colocamos à luz a emergência da “Lei Saraiva”. Para então, num segundo momento, a partir da
explanação de sua aplicação na província de Pernambuco, situar sua eficácia prática. Só então,
teremos um cenário satisfatório para indicar os avanços e retrocessos acarretados pela lei no
processo de construção do Estado e dos ideais de cidadania no Brasil, observando em particular
os impactos gerados pelo grande enxugamento do eleitorado.
Capítulo 1 - A Lei
Não há no Brasil um só homem por menos que reflita sobre as
coisas públicas que desconheça os defeitos gravíssimos de
nosso sistema de eleições, e não aspire ver mudado um estado
de coisas, cuja perniciosa influência sob nossas instituições é
manifesta.
Francisco Belisário S. De Souza9
9 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. no 18, 1979. p.19
10 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.147.
11 Idem.
12 Por exemplo a Inglaterra onde apenas 7% da população total votava e Portugal com 9%. CARVALHO, José Murilo de.
Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
13 CARVALHO, Marcus J. M. de. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848 –
1849. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n° 45, pp. 209 – 238, 2003. p.218.
baseada no uso personalista de recursos estatais, de modo a comprometer o estabelecimento de
um aparelho estatal autônomo e moderno, e contribuir para o controle dos resultados
eleitorais.14
Por mais que fossem úteis e eficazes para a manutenção das oligarquias a frente do
poder político, essas práticas viciadas comprometiam os alicerces do sistema político do
Império ao minar exatamente o principal mecanismo que dava legitimidade ao regime
representativo: as eleições. A preocupação da elite política era patente ante a fragilidade da
instituição parlamentar brasileira, já que “o processo eleitoral não lhe dava nenhum índice
seguro da opinião nacional, e a consulta à Nação se havia transformado numa farsa ridícula,
verdadeira burla”15, como bem expressou o conselheiro Saraiva em discurso a Câmara dos
Deputados:
Nós todos temos reconhecido a imperfeição do atual processo eleitoral,
como meio de apurar, pela eleição, a opinião verdadeira e real do país. Isto não quer
dizer que as nossas Câmaras não tenham autoridade, porque enfim não há outro
meio de averiguar a opinião.16
A partir da distribuição de cargos públicos era que o regime Imperial garantia a coesão
de sua estrutura política. Essas nomeações no funcionalismo estatal eram feitas sob a lógica do
clientelismo e garantiam uma unidade política entre o governo central e as demais províncias.
E era também por meio dessa lógica de nomeações que o governo conseguia controlar o
resultado dos pleitos eleitorais. Sua dinâmica era processada em acordo com a estrutura vertical
do aparelho estatal do Império, que se organizava tal qual uma “grande pirâmide”, onde, do
topo, o imperador, amparado pelo poder moderador e auxiliado pelo gabinete ministerial,
detinha o direito de dissolver a Câmara dos deputados17 e convocar novas eleições quando
considerava que havia se configurado uma situação de ingovernabilidade. A partir de então o
Conselho de Estado começava a organizar as eleições por meio da nomeação dos Presidentes
das Províncias. A principal função desses Presidentes era a estruturação e a execução das
eleições em suas respectivas províncias, de modo a garantir a vitória do partido do governo, e
este objetivo era concretizado mediante as nomeações de todas as autoridades do Poder
Executivo (como os delegados de polícia, subdelegados, inspetores de quarteirão, etc.) e de
14 Utilizamos aqui o conceito de José Murilo de Carvalho, baseado em tese de Benno Galjart, que não é de forma alguma
homogêneo, pois, para Norberto Bobbio o Clientelismo só existe entre sujeitos de classes diferentes, e Marcus Carvalho
identifica ainda relações clientelistas em questões de classe e de raça. In: CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados.
Escritos de história política. Belo Horizonte, UFMG, 1999. p.134. e BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicolau; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Editora UnB, 13° ed. 2007. p.177.
15 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. p.36
16 SARAIVA, José Antônio. Perfis parlamentares. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. p. 542.
17 Das dezoito Câmaras temporárias eleitas na vigência do regime de Dom Pedro II, onze foram dissolvidas, e só sete
conseguiram cumprir o mandato de quatro anos.
parte das do Judiciário18 (por exemplo: juízes municipais e promotores).
Segundo Richard Graham, esses cargos distribuídos pelo governo com o objetivo de
controlar os resultados eleitorais se dividiam em três tipos: primeiro, os cargos que implicavam
em responsabilidade direta de organizar as eleições. Segundo, os que indiretamente
influenciavam o comportamento do eleitorado, inclusive no sentido de uso da violência. E o
terceiro, eram os cargos distribuídos como barganha, em troca da fidelidade do eleitor, ou de
seus dependentes.
Dentro dessa lógica, os meses que antecediam as eleições eram marcados por volumoso
número de demissões, nomeações e transferências de cargos no funcionalismo público, onde o
gabinete ministerial tecia uma rede de influência e poder que o ligava aos potentados dos mais
longínquos grotões eleitorais, obtendo o total controle dos resultados dos pleitos. Dessa forma,
por mais de uma vez foram eleitas as chamadas Câmaras unânimes, quando nem um membro da
oposição conseguia se eleger19. Em suma, muita gente podia votar, mas não com liberdade e
autonomia.
Vale citar o famoso sorites de Nabuco de Araújo, que capta de maneira silogística a
dinâmica da manipulação eleitoral, respaldado no clientelismo: “O poder moderador chama a
quem quer para organizar o ministério; o ministério faz a eleição; a eleição faz a maioria. Eis
aqui o sistema representativo em nosso país”.
As nomeações eram o fundamento. Resta-nos explanar como se desenvolviam as
práticas clientelistas decorrentes que facetavam a dinâmica dos pleitos.
Primeiro, o Presidente da Província se certificava de que as comarcas mais importantes
estavam sob o controle de seus correligionários. As autoridades locais, notadamente o juiz de
Paz, além do delegado de polícia e do vigário20, eram os responsáveis pela elaboração das listas
de qualificação dos votantes. Essa seleção era feita geralmente em benefício do partido
governista. Para tanto, as listas se compunham de volumoso número de eleitores “fantasmas”,
os chamados “fósforos”21 no léxico da época, gente que não residia na comarca, ou que não
detinha as capacidades para votar conforme a lei, ou que já havia morrido ou que sequer havia
existido. A composição das listas também se caracterizava por sempre tender a alijar os eleitores
18 Para entender como funcionava a subordinação do poder judiciário ao executivo, e sua atuação na trama eleitoral ver:
FERRAZ, Maria do Socorro. Advogados da justiça, testemunhas do absurdo. in. A face revelada dos promotores de justiça: O
Ministério Público de Pernambuco na visão dos historiadores. Recife, MPPE . 2006.
19 Entre 1842 e 1886 foram eleitas quatro Câmaras unânimes. Nos anos de 1843 (Partido Conservador), 1853 (Partido
Conservador), 1869 (Partido Conservador) e 1878 (Partido Liberal). Além do caso da eleição de 1850, quando 99,1% dos
membros da Câmara eram do Partido Conservador. In CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: A Política imperial.
Rio de Janeiro, Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 1988. p.151.
20 O juiz de paz, eleito nos escrutínios municipais, chefiava a mesa. Com o avanço da legislação eleitoral, o delegado e o
pároco foram afastados desse processo. Em 1881 esta função ficou a cargo dos Juízes de Direito.
21 “Um bom fósforo vota três, quatro, cinco e mais vezes” - SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no
Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.29
oposicionistas. “Feita uma boa qualificação, está quase decidida a eleição”.22
Esses agentes responsáveis pelas listas de qualificação compunham também a mesa que
coordenava os trabalhos no dia da eleição, era de onde saíam as falsificações de atas eleitorais,
que constituíam as famigeradas eleições feitas à “bico de pena”. Essas, tidas como as mais
regulares conforme Francisco Belisário de Souza23, eram feitas na verdade à revelia do votante e
vigoravam geralmente em distritos eleitorais onde a abstenção era alta.
É importante observar que a quantidade de sufragantes que realmente compareciam às
urnas para votar era baixa. Os índices de abstenção eram bastante elevados, giravam em torno
de 40%24. A causa não é misteriosa. Se “devia ao puro medo. As eleições eram batalhas
comandadas por capangas armados de facas e navalhas. Quem tinha juízo ficava em casa” 25, e
quem tinha a coragem de sair na rua para ir votar, corriqueiramente era impedido de entrar no
local de votação por essa capangagem. Esse alto índice de abstenção, quando somado aos votos
nulos, realçava a fragilidade da representatividade política no Brasil oitocentista.
O oposto das calmas eleições feitas à bico de pena, eram as tumultuadas eleições
dominadas pelo uso de métodos coercitivos de controle do eleitorado, constituídos pelos casos
de violência e ameaça aos votantes, principalmente aos oposicionistas.
Nos periódicos da época e na historiografia se multiplicam os casos e as formas de
coerção violenta ao eleitorado. Estas podiam se desfraldar através dos agentes dos órgãos de
segurança pública, que no período que antecedia o processo eleitoral passavam por um processo
de “remonta” e fortalecimento de seus quadros. Era intensa a movimentação de tropas pelo
território nacional, em época de eleições, para garantir uma presença ostensiva da polícia nos
locais de votação, justificada, quase sempre, como necessária a “manutenção da ordem e
segurança do cidadão”. A coerção também era desfechada através de milícias particulares, que
representavam os interesses de alguma oligarquia envolvida no resultado do pleito.
O Presidente da Província, através do chefe de polícia e em negociação com as
oligarquias locais, mobilizava as tropas à sua disposição como em um jogo de xadrez, movendo
suas peças pelas áreas mais críticas do tabuleiro, ou seja, intensificando a presença policial nos
focos de influência oposicionista.
Para além do Estado e seus agentes, o mandonismo dos proprietários de terras sobre vasta
clientela de agregados26, num país de população livre majoritariamente rural e com uma abissal
22 Ibdem p. 27
23 Ibdem p. 33
24 CARVALHO, José Murilo de. Os três povos da republica. In Maria Alice Resende de Carvalho, org. Republica no Catete.
Rio de Janeiro, Museu da República, 2002, 61 – 87. p.77. Apesar dos dados de Carvalho datarem da primeira década da
república, coadunam com o da eleição tratada no presente trabalho.
25 Ibdem p.77
26 “O grosso do eleitorado nacional, como sabemos, está no campo e é formado pela população rural. Ora, os 9/10 da nossa
concentração fundiária, também pesava e comprometia o exercício do voto livre.
Assim a relação entre o senhor de terras e seus agregados funcionava conforme uma
dinâmica de trocas. Conquanto o senhor garantia moradia, segurança e condições de
sobrevivência relativamente estáveis em sua fazenda, os agregados retribuíam com uma
lealdade cega aos interesses de seu senhor. Quanto maior o séquito de agregados, maior a força
do senhor de terras. Uma vasta clientela obediente proporcionava ao latifundiário prestígio e
influência junto aos juízes e chefes de polícia, além de constituir massa de manobra para seus
logros eleitorais
Basicamente eram essas as práticas que vigoravam e norteavam o sistema eleitoral no
Brasil. Estratégias que haviam sido incorporadas ao jogo político, e que eram intrínsecas à
realização das eleições. Sob esse cenário, que tornava impossível o ideal de voto livre, podemos
entender como eram manipuláveis os resultados dos pleitos, sempre a favor da vitória do
partido governista.
Para o eleitor oposicionista as dificuldades eram muitas e quase intransponíveis. Primeiro,
para ser um eleitor da oposição o cidadão tinha de ter uma austera convicção moral e um rígido
posicionamento político, para assim resistir a qualquer impulso corruptor e não transigir seu
voto por nenhum benefício oferecido pelos governistas, como dinheiro ou um cargo seguro no
funcionalismo público. Passada esta primeira provação, o sufragante em questão teria de ser
bastante destemido para enfrentar a rua, onde encontravam-se numerosos agentes do governo
prontos a desfechar as mais torpes cavilações violentas contra os oposicionistas. Por fim, se
finalmente o convicto eleitor conseguisse depositar sua cédula na urna, seu voto ficaria, ainda
assim, à mercê de uma mesa eleitoral pouco confiável, que talvez nem o contabilizasse, pois “a
apuração ou não do voto dependia mais da mesa do que do votante”28.
população rural são compostos de párias, sem terra, sem lar, sem justiça e sem direito todos dependentes inteiramente dos
grandes senhores territoriais “. Apesar dessa passagem ter sido escrita para ilustrar a situação do Brasil rural sessenta anos
depois da aprovação da Lei Saraiva, descreve bem a situação de dependência da população conhecida como “agregados”.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega,
1975. P.25
27 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.39
28 CARVALHO, José Murilo de. Os três povos da republica. In Maria Alice Resende de Carvalho, org. Republica no Catete.
Rio de Janeiro, Museu da República, 2002, 61 – 87. p.77.
É oportuno enfatizar que era precisamente a estrutura do governo imperial que propiciava
as condições para o desenvolvimento destas práticas que ofuscavam os aspectos positivos do
sistema eleitoral - manifestos na regularidade e na amplitude do sufrágio-, por meio do conluio
que se firmava entre a haute politique do gabinete imperial e a chamada “política de meia boca”
das províncias29.
A necessidade de uma reforma eleitoral mais radical se tornava cada vez mais
emergente, em compasso com as grandes mudanças políticas, sociais e econômicas, que o país
passava no terceiro quartel do século XIX, e que influíram diretamente para a realização de uma
ampla agenda de reformas estatais, dentre elas a eleitoral, no sentido de conter a crise que
começava a se instaurar no regime monárquico.
Finda a década de 1860, caracterizada pela política de concílio, firmada pelo Partido, ou
Liga Progressista, teve início a predominância dos Conservadores à frente da política nacional.
Estes viriam a chefiar os Gabinetes Imperiais até 1878. Essa década de governo dos
conservadores, principalmente no período do gabinete Rio Branco, foi responsável por uma
série de reformas na estrutura do Estado31, que privilegiavam bandeiras antigas do Partido
Liberal, mas que foram feitas no sentido reformista da “lógica saquarema”, que consistia em
“disciplinar as mudanças na economia e sociedade, temendo que estas, deixadas à própria sorte,
deitassem a baixo toda ordem imperial”32. Tais reformas foram feitas no sentido de modernizar
a economia e a sociedade do Império, aperfeiçoando a estrutura do regime sem necessariamente
questionar sua ordem.
Em contrapartida ao governo conservador, a década de 1870 foi fértil quanto ao
nascimento de movimentos que controvertiam o status quo da sociedade imperial e do regime
monárquico. Essas movimentações se constituíram sob um sentido prático em comum - a
oposição à ordem vigente. A dinâmica desses grupos se dava em torno da associação de
intelectuais, vinculados a burguesia ou a elite, situados nos grandes centros urbanos do país.
Esses ativistas acabaram ficando conhecidos como a “geração de 1870”. Dentro dessas
manifestações podemos apontar o movimento republicano, o abolicionista e as sociedades
positivistas. Apesar de alguns membros desses grupos terem ligações com o Partido Liberal,
suas atuações se davam, em grande parte, fora do sistema partidário, e tinham por plataforma
política o apelo direto a opinião pública, por meio de jornais, conferências, meetings, encontros,
banquetes e outras manifestações coletivas que movimentavam os espaços públicos e
mobilizavam a população em torno de suas causas.
As sociedades positivistas atuavam principalmente dentro dos centros acadêmicos e
escolas politécnicas. As mais importantes aconteceram nas Faculdades de Direito do Recife e de
São Paulo. Eram grupos de intelectuais que interpretavam as novas doutrinas do pensamento
científico – como o cientificismo, o positivismo, o darwinismo e o spencerianismo - e as
utilizavam como instrumento de crítica à cultura que dava bases ao regime imperial. Muitos dos
membros das sociedades positivistas atuavam também nas fileiras do movimento abolicionista,
que foi de fato o movimento mais agregador desta década, pois agrupava liberais (radicais e
moderados), republicanos e positivistas nas diversas sociedades anti-escravistas e nos clubes
abolicionistas espalhados pelo país. Apesar das divergências políticas dentro de um grupo tão
plural acabarem impossibilitando a concreção de um partido abolicionista – como ambicionava
Joaquim Nabuco, elas foram responsáveis por atos públicos de diversas naturezas, que vieram a
influenciar diretamente na agenda das reformas para a substituição da mão de obra servil.
O Partido Liberal - fraccionado em três grupos nesta época: os liberais moderados, os
31 Por exemplo, a Lei do Ventre Livre, a Reforma Judiciária, a da Guarda Nacional, a Eleitoral de 1875, a Monetária, a do
Ensino (principalmente superior), a proibição do recrutamento obrigatório, leis de regulamentação e incentivo a imigração,
entre outras.
32 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002. p.86
novos liberais e os liberais radicais - deu amparo a muitos integrantes dos movimentos de
contestação ao status quo imperial, que, mesmo inseridos no establishment monárquico,
atuavam tencionando reformas estruturais na sociedade, e até mesmo a mudança do regime.
Esses políticos se alinhavam às correntes dos novos liberais e dos radicais. A ala dos “novos
liberais”, era constituída por políticos jovens, vinculados a famílias tradicionais do Império,
geralmente eram filhos ou afilhados de políticos já consagrados e também tinham em comum o
título de bacharel em Direito. Este grupo, formado por Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José
Mariano, Muniz Barreto e outros, constituía a base do chamado “Clube da Reforma”, que como
o nome indica, não atuava no sentido de ir contra as instituições imperiais, mas no de
aperfeiçoá-las em conformidade com as premissas que vinham do velho continente. Assim
encampavam lutas como o abolicionismo e a separação entre a Igreja e o Estado, utilizando
largamente a propaganda política por meio de periódicos e de eventos públicos, além de
encabeçar a oposição ao governo conservador.
Já os liberais radicais não se contentavam apenas com as reformas propostas pelo grupo
dos novos liberais. Para os membros desta corrente, a própria instituição imperial implicava
uma barreira ao desenvolvimento de uma sociedade mais liberal, que só se desenvolveria
mediante a substituição do regime monárquico por um republicano. Esses liberais radicais
fundaram o movimento republicano, que teve como marco inicial o manifesto de 1870, escrito
por três membros do Partido Liberal: Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva e Salvador de
Mendonça. Fora Saldanha Marinho, os outros dois autores do manifesto republicano e a maioria
dos militantes deste movimento não pertenciam à elite política brasileira, nem eram oriundos de
famílias tradicionais, mas faziam parte da crescente classe média urbana brasileira. A maioria
dos signatários do manifesto eram profissionais liberais como pode-se ver: para um único
fazendeiro, o manifesto apresenta 14 advogados, 10 jornalistas, 9 médicos, 8 negociantes, 5
engenheiros, 3 empregados públicos, 2 professores e 1 “capitalista”.33
Assim nascia o primeiro grupo civil organizado de fora da elite política a contestar as
bases e o próprio regime34. Mas, apesar de se posicionar muitas vezes de maneira radical, as
práticas dos membros desse movimento eram muitas vezes ambíguas; primeiro porque muitos
ativistas do republicanismo eram membros do governo imperial e pleiteavam eleições; e
segundo, porque faziam parte do próprio corpo do governo, adotavam uma posição
extremamente moderada quanto a forma de ação que deveria ser adotada para a instauração real
33 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p..305.
34 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002.
p.-111.
de um regime republicano, retaliando oficialmente qualquer alternativa de revolução ou golpe
de Estado. Os republicanos intentavam depor o imperador gradualmente, por meio de reformas
e amparados pela vontade popular.
Dessa maneira a “geração de 1870” irrompeu os espaços políticos institucionalizados e
levou discussões que punham em xeque os pilares do edifício imperial para a rua: na arena
política, a contestação ao Estado centralizador saquarema pelo movimento republicano; a
estrutura social baseada na escravidão e a concentração fundiária, foram criticadas a partir da
pauta abolicionista; e as sociedades positivistas atuaram refletindo sobre a realidade nacional
por meio de novos conceitos e teorias importadas da Europa.
No mesmo período, o fim da Guerra do Paraguai proporcionou a emergência das Forças
Armadas como uma instituição forte e estabelecida, o que dava notoriedade a um grande
segmento de oficiais, muitos pertencentes à classe média, que viriam a se envolver no mundo da
política, principalmente vinculados ao movimento republicano. Ao mesmo tempo, na economia,
o grande crescimento do número de estradas de ferro potencializava a produção de café e seu
escoamento para os portos que destinavam a mercadoria para o mercado exterior. O
desenvolvimento do comércio de exportação, propiciado então pela indústria cafeeira,
estimulou o desenvolvimento dos centros urbanos onde estavam sediados os bancos, as
empresas de transporte e as companhias de seguro que atendiam as demandas do comércio do
café. Além do que, as receitas governamentais, acumuladas com a boa fase do comércio de
exportação, financiavam o aumento do corpo burocrático estatal, concentrado nos grandes
centros urbanos. A expansão da malha ferroviária também foi responsável pela fundação de
algumas indústrias na década de 1870, principalmente na região Sul do Brasil. Eram fundições
de ferro, indústrias têxteis e de sapatos, cervejarias e chapelarias. Essas mudanças influíram
diretamente para o fortalecimento do mercado interno, para o desenvolvimento urbano e para a
emergência de uma classe média oriunda dos grandes centros urbanos nacionais.
E o crescimento dessa classe média brasileira de fato proporcionou uma nova base
social para sustentação de projetos reformistas. Boa parte desses grupos urbanos educados,
constituídos principalmente por burocratas e profissionais liberais, como assinalou Richard
Graham, “começavam a considerar o oligarca do interior uma indicação do atraso e da
barbárie”. Pois a massa dos eleitores da zona rural era composta por agregados, que, segundo
essa parcela da burguesia, não detinha autonomia para exercer o voto livre, nem discernimento
político, votavam conforme a vontade dos grandes proprietários rurais. De fato existia uma
preponderância do eleitorado rural em comparação com a população citadina, o que em
consonância com as práticas clientelistas utilizadas pelos grandes proprietários, garantia um
peso político desproporcional às elites rurais, em detrimento da população urbana. Diante de tal
desvantagem eleitoral, parte da elite e das camadas médias citadinas, que queriam uma maior
representação no governo, se manifestaram em favor da restrição do direito de voto aos
alfabetizados e proprietários.
Esse posicionamento não se limitava a exclusão do eleitorado do campo, intentava
também afastar das eleições as crescentes massas urbanas que, nas principais capitais do país,
onde o processo de industrialização despontava sua fase inicial, já ensaiavam manifestações
políticas em reclame de seus direitos, como foi o caso do chamado “motim do vintém” ocorrido
em 1878 - quando a população do Rio de Janeiro tomou as ruas para protestar contra o aumento
da tarifa do bonde, em manifestações que foram violentamente reprimidas pela polícia e tiveram
por saldo as mortes de civis e policiais nos confrontos, e a destruição de parte do centro da
cidade. Esta parcela da sociedade que advogava a redução do eleitorado, defendia a tese de que
as massas eram politicamente alienadas e sem maturidade intelectual para opinar nos rumos
políticos do país por meio do voto.
Por outro lado, no Brasil rural, as vozes contrárias a abrangência do sufrágio também
começaram a ecoar com força. Por duas questões principais os fazendeiros se indispunham a
branda concessão do direito de votar. Uma das causas se relacionava com o medo do avanço do
movimento abolicionista, que em 1871 conseguira emplacar a Lei do Ventre Livre. Essa elite
rural temia o crescimento de um grande número de libertos dotados de direito político, que lhes
fugisse ao controle e dessa forma pudessem representar alguma ameaça, num futuro próximo,
de alteração da ordem social por meio das eleições.
A outra razão era o elevado custo das eleições para as oligarquias rurais. Como se sabe o
dia da eleição sagrava a lealdade do senhor com seu séquito de clientes, e se isso assegurava sua
posição política, também representava um fardo para eles pois:
Essa clientela imensa, e que vinha passando por um processo de expansão, se por um
lado garantia os ganhos políticos dos senhores, acarretava-lhes, por outro lado, um custo muitas
vezes alto, relativo a compra e a manutenção da fidelidade dessa massa de agregados. A partir
desta lógica, muitos fazendeiros passaram a defender uma diminuição no eleitorado, visando
35 ROSAS, Suzana Cavani. Eleição, cidadania e cultura política no Segundo Reinado. Revista Clio. Série história do Nordeste,
Recife, v. 20, 2004.
aliviar suas despesas eleitorais.
Subtraindo o direito de voto da crescente massa urbana e enfraquecendo a atuação
política dos oligarcas rurais, a burguesia urbana viria a garantir uma posição privilegiada no
regime representativo a partir de então. Como bem assinala Nelson Werneck Sodré quando
afirma que antes da reforma eleitoral de 1881 “o domínio das oligarquias se fazia sem peias, o
forte das representações era articulado pelos senhores de terra, pelos donos do latifúndio, que
administravam as eleições e manipulavam o processo de escolha”, já “o sufrágio direto, [com as
condições de restrição exigidas por esta parte da elite] favorecia a preponderância dos centros
urbanos, nos resultados eleitorais, sobre as zonas agrárias”36.
Dessa forma, na década de 1870, os discursos de grande parte da opinião pública,
principalmente entre a elite urbana, de como moralizar as eleições se desdobraram de modo a
responsabilizar o povo pela ineficácia do processo, e as exigências por reforma eleitoral se
davam no sentido de restringir a participação popular ao invés de ampliá-la. Intentando assim,
restringir os mecanismos de atuação política das massas e potencializar a representação no
governo da burguesia emergente.
O libelo maior deste pensamento é o livro de Francisco Belisário Soares de Souza,
deputado do Partido Conservador, O Sistema Eleitoral no Império, que foi lançado no ano de
1873. A obra se divide em três partes. Na primeira, Belisário traça um perfil das eleições na sua
época, devassando cada minúcia do processo e da legislação em correspondência com as suas
agruras. A segunda faz uma retrospectiva pelas reformas eleitorais promulgadas no passado,
explanando o caráter ineficaz e a remanescência dos problemas pretéritos. Na última, o
conservador decreta a emergência de uma reforma eleitoral radical. Indicando o sentido de
como há de ser feita, num futuro urgente, tal modificação se propõe a sanar os problemas que
comprometem a consulta à opinião pública nas urnas.
36 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. pp.103 -104
Para entendermos as críticas feitas por Belisário é fundamental a explanação de como se
organizavam as eleições e quem podia votar conforme a legislação Imperial. Os escrutínios para
as assembléias gerais aconteciam de modo indireto37, como fixava o art. 90 da Constituição.
Dessa maneira dividia-se em duas categorias aqueles que votavam: os votantes e os eleitores.
Na primeira fase da eleição iam às urnas a massas de votantes que escolhiam os eleitores. Esses
eleitores escolhidos nas “eleições primárias” é que participavam da segunda fase do processo
eleitoral - a votação nos candidatos aos postos legislativos de senadores e deputados gerais.
Obtinha o direito de votar aquele cidadão que, sendo homem livre, fosse maior de 25 38 anos e
possuísse uma renda suficiente para tanto. Dessa maneira a cidadania política era determinada
censitariamente. Os votantes teriam de ter uma renda anual de 200$000 réis, e os eleitores
haviam de amealhar 400$000 réis anuais. Em alguns casos não era necessária a comprovação de
renda, caso dos membros do clero regular, os oficiais do exército e bacharéis em direito. Os
libertos possuíam o direito de participar das eleições primárias, desde, é claro, que tivessem a
renda necessária para tanto. Nesse ponto as leis eleitorais, assim como a Constituição, não se
guiaram por critérios raciais para inviabilizar o acesso às urnas dos cidadãos. Por fim, era
negado o direito de voto para alguns ofícios, como os praças de pré e os serventes das
repartições e estabelecimentos públicos.
37 Exceção quanto as eleições provinciais, onde o processo era conduzido de forma direta, neste caso, com a participação
direta dos votantes.
38 Havia exceções para os maiores de 21 anos, que comprovassem independência financeira.
O valor exigido para o exercício de voto nas eleições primárias era muito baixo,
praticamente simbólico, de modo que “quase todo mundo podia ganhar aquele tanto, com
exceção de 'mendigos' e 'vagabundos'”39. Já nas secundárias, quando aumentava o valor do
censo, o número de eleitores era extremamente reduzido, nessa fase a “violência e os tumultos
nas ruas tendiam a minguar”40. “Em contrapartida, a fraude reinava soberana”41.
Para Belisário o grande vilão da honradez dos pleitos era essa população que votava nas
primárias. A solução para os problemas do sistema eleitoral, para ele, seria a implantação de
eleições diretas, eliminando a primeira das duas fases, sob a condição de excluir do processo a
massa da população. Em suas palavras o, inócuo e alienado, papel dos votantes figurava dessa
maneira:
39 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.-142.
40 ROSAS, Suzana Cavani. Eleição, cidadania e cultura política no Segundo Reinado. Revista Clio. Série história do Nordeste,
Recife, v. 20, 2004. p.-90.
41 Idem.
42 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-19.
43 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6°. Ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1994. p.-70.
emblemático quanto a idéia que as classes dominantes tinham acerca da massa de votantes que
atuavam nas eleições primárias e até no que concerne ao conceito de “povo”.
É patente a idéia de que a elite brasileira do XIX se referia, na maior parte das vezes,
com desprezo e ojeriza ao chamado “povo”. Principalmente quanto aos posicionamentos
políticos da massa. A repetição desse discurso acerca da inaptidão política da população pobre e
livre influenciou diretamente as opções que a sociedade fez no tocante a reforma eleitoral. De
modo que esta havia de ser executada visando “a extirpação de um mal tão sério” 44, sendo este
mal a participação das classes subalternas na construção política do país.
Acompanhando depoimentos de personalidades da época, e até de parcela da
historiografia, podemos entender a fluência desse discurso propagador da inépcia popular em
relação ao exercício da cidadania política.
Um dado extremamente explícito dessa corrente de pensamento se encontra no estudo
do francês Louis Couty, publicado no ano da aprovação da Lei Saraiva, que ratificava a posição
daqueles contrários à extensão do direito de voto para o povo, ao afirmar que no Brasil havia
uma ausência de massas organizadas e capazes de dirigir um governo. Por meio de uma tabela,
que se baseava no censo demográfico de 1872, quantificou e qualificou a população total
brasileira.
De acordo com essa classificação, o estudioso francês acaba por concluir que o “Brasil
não tem povo”, referindo-se em verdade, a ausência no país de um “povo” politicamente
organizado/capaz, visto que, a população classificada nas categorias – “índios e escravos” e
“agregados, caipiras, capangas, capoeiras, beberrões”, tidos por inaptos para o exercício do voto
livre e consciente, era estimada em quase 80% da população total.
Era justamente esta então a composição do eleitorado das primárias, “a grande massa
arrolada nas listas de qualificação, a turba multa, ignorante, desconhecida e dependente”, no
44 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-19.
dizer de Belisário, que ainda completava, “o votante é, por via de regra, analfabeto; não lê, nem
pode ler jornais; não frequenta clubes, nem concorre a meetings, que os não há; de política só
sabe do seu voto, que ou pertence ao Sr. Fulano de tal por dever de dependência (algumas vezes
também por gratidão), ou a quem lho paga por melhor preço, ou lhe dá um cavalo, ou roupa a
título de ir votar na freguesia”45.
Era exatamente por causa dessa “patuléia”, no dizer do redator liberal do Jornal do
Timon, por esse “eleitorado amorfo”, nas palavras do historiador Nelson Werneck Sodré46, que o
sistema político imperial não se desenvolvia, porque o próprio “povo significava um elemento
indiferente ao seu destino político”, como propagava Câmara Cascudo, que entravava o
desenvolvimento da nação, e produzia “liberdade sem disciplina, parlamento sem eleição,
abolição sem ensino profissional, bacharelismo sem prática”47.
Proferido tantas vezes e com tanta veemência por ilustrados da época e, posteriormente,
pela historiografia, esse conjunto de discursos pejorativos que condenavam a participação
política da população tida por ignorante, acabou atuando como um sistema de exclusão48. E esse
sistema de exclusão foi um instrumento utilizado pelas elites nacionais para afastar a maior
parte da população do direito de reivindicar suas aspirações por meio daquele que é, nas
palavras de Norberto Bobbio, “o melhor remédio contra o abuso de poder – mesmo que
“melhor” não queira realmente dizer ótimo ou infalível – a participação direta ou indireta dos
cidadãos nos direitos políticos”49.
Além do que, essas discussões indo na contramão das vertentes mais democratizantes da
ideologia liberal, arrefeciam os anseios dos partidários da execução do “perigoso” ideal de
sufrágio universal, que já começava a se disseminar pelo ideário político brasileiro,
principalmente depois de ter entrado na pauta do manifesto republicano de 1870.
É fundamental salientar que esse movimento de redução do corpo de eleitores não
existiu apenas no Brasil, muito menos as idéias que nortearam esse movimento podem ser
atribuídas originalmente aos intelectuais da elite brasileira. Toda essa discussão na verdade se
insere no próprio desenvolvimento do Estado liberal clássico. Como afirma Norberto Bobbio
“Um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente
45 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-33.
46 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. p.-103.
47 Cascudo, Luís da Câmara. O marquês de Olinda e seu tempo. São Paulo. 1938. p.-203. in. - SODRÉ, Nelson Werneck.
Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. p.-103.
48 “Em toda sociedade a produção de discursos é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de
procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos. É de onde emanam os procedimentos de exclusão e
de isolamento de grupos sociais, por meio dos interditos.” FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Éditions Gallimard,
Paris, 1971. p.- 4 e 5.
49 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6°. Ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1994. p.-44.
em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita. Limitada às classes
possuidoras”, como foi o caso do Brasil Imperial. Nesse período não necessariamente estava na
ordem do dia a elevação do sufrágio a toda população, esse estágio do pensamento Liberal
priorizava a garantia e a segurança das fruições privadas.
Nesse processo, os direitos políticos podem ser entendidos à parte dos outros direitos,
tidos como naturais. No esteio do pensamento de Tocqueville, a teoria liberal permite que uma
sociedade determine seu igualitarismo50 democrático de acordo com uma certa equalização, que
seria fixada por critérios variados, como o econômico, o de instrução e o racial. É por meio
desse mecanismo de determinação dos iguais dentro de uma sociedade, que a limitação do
direito de voto se torna factível dentro do liberalismo.
Tomamos então os discursos dos parlamentares brasileiros como parâmetro para
entendermos os posicionamentos da elite imperial quanto a estas questões. Nesses
pronunciamentos é bem visível a apropriação das ideias dos grandes pensadores do liberalismo
político, que adequados a realidade política brasileira davam coerência aos posicionamentos do
grupo que ambicionava ver os votantes das primárias longe das urnas. Se as vezes os
parlamentares não chegavam a citar diretamente nomes como os de Stuart Mill, John Locke,
Benjamin Constant, Montesquieu, Alexis de Tocqueville e outros distintos filósofos da escola
liberal, revelam nas suas palavras a presença inegável da leitura e influência desses clássicos.
Nos debates para a construção da reforma eleitoral de 1881, vamos analisar os discursos
mais marcantes proferidos pelos membros dos dois gabinetes ministeriais diretamente
envolvidos com este processo - o de Cansanção Sinimbu (1878-1880) e de Antônio Saraiva
(1880-1881), pelos da híbrida bancada liberal da Câmara temporária, além dos provenientes do
Senado vitalício, procurando localizar sua correspondência com textos basilares do ideário
liberal, de modo a fornecer um panorama satisfatório acerca do sentido e do espírito desta que
foi a reforma eleitoral mais radical do Império.
A opção pelas eleições diretas, como já foi dito, permeou com intensidade os discursos
políticos por toda a década de 1870. A postergação da reforma até fins desta década deve-se
principalmente ao fato de que o artigo 90 da Constituição Imperial determinava com todas as
letras que as eleições deviam se proceder de maneira indireta. Dessa forma, a exigência de uma
reforma que instituísse um procedimento eleitoral oposto ao determinado na carta magna, só
seria possível legalmente por meio de uma reforma constitucional, que era um processo assaz
complicado - tanto que foi adiado por quase uma década pelo Imperador, “pois bastava o
50 Para um aprofundamento nos usos dos conceitos de igualdade e liberdade no terreno político ver; BOBBIO, Norberto.
Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção política. São Paulo, 1995, Editora UNESP.
exemplo do ocorrido no Primeiro Reinado para mostrar-lhe o perigo de tudo quando pudesse
sugerir a ideia de uma nova Constituinte”51.
Em 1871, antes mesmo da publicação de O Sistema Eleitoral no Império, o soberano já
estava consciente desta questão. Às vésperas de sua primeira viagem ao exterior, nos conselhos
que deixou por escrito à Princesa Regente, reservou algum espaço para tratar do tema, onde sob
a rubrica “Eleições” escreveu: “Instam alguns pelas diretas, com maior ou menor franqueza,
porém nada há de mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá
fazer essa mudança do sistema das eleições, embora conservem os eleitores indiretos a par dos
diretos”. Mais a frente, desenvolvendo este pensamento, destaca a importância da necessidade
de expansão da educação popular, afirmava que sem isso, não conviria arriscar uma reforma
“por assim dizer definitiva como a das eleições diretas”, sujeitando-a a influência “tão deletéria
da falta de educação popular”.52
Ainda sobre a preocupação da educação do eleitorado, um dos mais distintos
parlamentares do Império, o jovem liberal Tavares Bastos, ressaltava a necessidade de
alargamento da instrução popular para o progresso do regime, amparado em dados que
revelavam o estágio de atraso que se encontrava o Estado Imperial quanto a este ponto.
Perguntava Bastos: “Quais serão os destinos de nosso sistema de governo, que deve assentar na
capacidade eleitoral, se perpetuar-se o embrutecimento das populações?”, visto que, “a
frequência das escolas primárias mal atinge a média de 1 aluno por 90 habitantes em todo o
Império. Compare este sinistro algarismo com o de alguns dos Estados Unidos, onde a média é
de 1 por 7: nem se esqueça que, se na própria capital do império há apenas um aluno por 42
habitantes, das vinte províncias há sete onde a proporção é maior a 1 por 100, e há mesmo uma
(o Piauí) onde excede ainda 1 por 200”53.
É interessante notar que toda essa preocupação da elite política imperial não se traduziu
em termos práticos. Das muitas reformas e ações do governo, nenhuma foi acionada no sentido
de ampliar substancialmente o acesso ao ensino público para a população pobre54, e eram
escassos os programas de alfabetização para adultos. As reformas educacionais acionadas pelo
Império se limitavam basicamente a tratar dos ensinos superior e técnico55. O despreparo do
51 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo,
DIFEL, 1969.p. 206.
52 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p. 207
53 BASTOS, Tavares. A. C.. A Província. São Paulo, Editora Nacional, 3° ed., 1975. pp.145-146.
54 Em 1882, os gastos com a instrução correspondiam por menos de 2% do orçamento, contra mais de 20% para as forças
armadas. in. HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São
Paulo, DIFEL, 1969.p.220
55 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002.
p.-85.
eleitorado das primárias era, para muitos políticos do Império, um fator proveniente do baixo
grau de instrução pública. No entanto, como veremos abaixo, durante o processo de
estruturação da reforma eleitoral, o governo optou por excluir os direitos políticos da “massa
[da população] embrutecida”, como chamava Tavares Bastos, a disseminar políticas públicas
inclusivas, por meio de projetos que garantissem um amplo acesso do povo à educação formal.
Depois de quase dez anos de predomínio conservador, por pressões políticas, o
Imperador resolveu mover novamente sua “gangorra ministerial”, tirando os liberais do
ostracismo, em 5 de janeiro de 1878, ao nomear Cansanção Sinimbu para chefiar o gabinete que
tinha por obrigação a construção de uma reforma eleitoral que atendesse as expectativas do voto
direto - causa tradicionalmente defendida pelo Partido Liberal-, e só para alfabetizados. Sérgio
Buarque de Holanda afirma que naquele instante, Sinimbu não tinha qualificações para figurar
entre os mais brilhantes dos quadros do Partido Liberal, assim, “sem estar em condições de
exigir a presidência do conselho, só poderia ser grato e servir, até o sacrifício, aquele que
repentinamente o alçara o poder”, o rei.56
Mesmo que a causa da reforma para eleição direta fosse vontade da maior parte dos
membros de ambos os partidos, seria muito difícil a conjuração de um gabinete liberal e uma
Câmara de maioria conservadora visando a formação de uma constituinte para alteração da lei.
Por isso a primeira exigência que Sinimbu fez ao Imperador, logo ao ser empossado no cargo,
foi a dissolução da Câmara. Desejo prontamente atendido por Sua Majestade.
Dissolvida a Câmara, convocaram-se eleições para o mesmo ano e, como já era
esperado, os esforços práticos para a realização de uma reforma que viesse a reparar a fraude e
os demais males do sistema eleitoral, tiveram por ponto de partida, contraditoriamente, uma
eleição nada idônea, que acabou por constituir uma Câmara unânime, composta em sua
totalidade por membros do partido liberal.
A Câmara recém eleita, montada como que por encomenda para concreção de um
objetivo único – a reforma eleitoral -, tal e qual o gabinete Sinimbu, foi questionada quanto a
sua autonomia de decisão. Afinal, ela não havia sido composta de acordo com méritos
eleitorais, mas fazia parte de um estratagema do poder moderador/executivo (mais do primeiro
que do segundo) para a condução efetiva da reforma eleitoral, principalmente na Câmara
temporária. Isto fica claro diante da leitura da fala do trono de 1878, no já citado discurso que
abria os trabalhos dessa casa, onde o Imperador determina que se decrete a reforma, mesmo que
para isso passem um borrão sob a Constituição de então, a de 1824, até hoje a mais duradoura
56 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p. 218
da história brasileira. Por isso, esta legislatura foi chamada de Câmara dos servis, pelos
articulistas da época, pois suas atividades instavam em acordo com as (im)posições do
moderador.
Assim, com o terreno devidamente preparado para a construção da reforma, o gabinete
Sinimbu em pouco tempo apresentou o seu projeto pronto e já com as assinaturas de 72
deputados, muito mais do que os votos necessários para sua aprovação, o que não impediu a
manifestação de uma oposição na Câmara e no Senado.
O projeto de lei previa uma eliminação drástica do eleitorado, ao vetar o direito de voto
dos analfabetos e impor a exigência de renda de 400$000 réis, censo que anteriormente era
cobrado unicamente dos eleitores, no caso a minoria do eleitorado. Não deixando dúvida
alguma quanto a intenção da proposta de excluir a massa da população (os votantes) do direito
de voto. Na época, apenas 15% da população total era alfabetizada, ou 20% se tomarmos apenas
os homens. Dessa maneira, 80% da população masculina ficava impedida de obter o direito de
votar a partir daquele momento57. Outro aspecto importante é que o projeto não tocava em um
ponto presente no programa do Partido Liberal, referente aos direitos políticos dos acatólicos.
O papel da oposição não foi silencioso, pelo contrário, as contendas arroladas no
processo foram retratadas pela alcunha de “guerrilhas parlamentares”58. O grupo dos dissidentes
do projeto de Sinimbu era encabeçado por três dos mais ilustres políticos liberais do Império;
José Bonifácio (o moço), Joaquim Nabuco e Saldanha Marinho. Estes argumentavam que o
caráter da reforma ia de encontro com a ideologia liberal, sendo mesmo retrógrada, por afastar
grande parte da sociedade civil da esfera de participação do governo representativo.
A representatividade nacional sob o julgo do projeto de lei foi escancarada por dados em
discurso de Saldanha Marinho, liberal pela província amazonense, signatário do manifesto
republicano e defensor do sufrágio universal. O deputado apurou que, sendo a população total
do Império 8.419.67259, número já decrescido da população escrava, desse total os aptos a ler e
escrever eram 1.012.087. Tirando as mulheres, os analfabetos, os menores, os interditos, os que
não tivessem renda superior a 400$000 réis, concluiu Saldanha que só 400.000 pessoas teriam o
direito de votar, número que representa a ínfima fração de 1/20 da população livre.
Esse enxugamento do eleitorado se tornou a bandeira da bancada oposicionista
figurando constantemente nas falas dos dissidentes. Partindo desse ponto, José Bonifácio
declarou “odiosa” a lei que pretendia delegar o futuro de decisão política de toda a nação a sua
57 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. P.39.
58 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p. 254.
59 Esses dados são referentes ao censo de 1876.
vigésima parte de supostos ilustrados, em detrimento da massa de população que seria
explorada pelo governo em uma via de mão única, onde exigia-se dos cidadãos os deveres, mas
sem conceder-lhes os direitos, nas palavras de Bonifácio “a lei dirá as massas, pagai impostos,
mas não votareis”. O parlamentar argumentava ainda que, a pouco tempo, quando rebentou “A
guerra do Paraguai [e o país] precisava de milhares de soldados para sustentar a honra nacional
e a dignidade da pátria, não foi as tábuas do censo que pedistes as levas do sacrifício”60. E
concluía ironizando a infâmia das bases do projeto de lei:
Atacando também a eliminação dos analfabetos, Joaquim Nabuco argumentava que não
advinha da chamada “massa inerte ou inconsciente” os vícios das eleições, mas sim dos:
Considero inadmissível que uma pessoa participe do sufrágio sem saber ler,
escrever e, acrescentaria, sem possuir os primeiros rudimentos de aritmética.
[...] num tal estado de coisas, a grande maioria dos votantes de quase todos os
países, se comporia de trabalhadores manuais; e o duplo perigo, o de um nível
demasiado baixo de inteligência política e o de uma legislação de classe. Conceder o
sufrágio a um homem que não saiba ler é como dá-lo a uma criança que não saiba
falar [...] Todo direito de voto nas mãos de quem não paga impostos é uma violação
do princípio fundamental de um governo livre.64
O projeto foi colocado em votação na Câmara dos deputados e acabou sendo aprovado
63 SARTORI, Giovanni. A teoria da Democracia revisitada: O debate contemporâneo. São Paulo, Ática, 1994. p.217.
64 LOSURDO, Domenico. Democracia ou Bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de Janeiro, Editora
UFRJ; São Paulo, Editora UNESP, 2004. Págs. – 32,33 e 39.
65 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969. Págs. – 252 e 253.
com larga maioria dos votos, 71 favoráveis contra apenas 13, ou seja, 4/5 dos membros
apoiaram a excludente lei. Diante da derrota clamorosa dos dissidentes, e entre os aplausos ao
anúncio do resultado, o deputado Silveira Martins vociferava: “Câmara dos servis!”.
Aprovado na Casa temporária em fins de maio, o projeto foi enviado para votação no
Senado. Na Sibéria, como era conhecida a Câmara vitalícia, onde não havia hegemonia do
Partido Liberal, o projeto não conseguira formar muitos partidários, os senadores desgostavam
principalmente do pressuposto que exigia constituinte. O que desagradava-os quanto a
convocação de uma constituinte seria a possibilidade de se alterar na constituição a condição de
vitaliciedade dos membros do Senado, questão que já havia sido expressa pelo Partido Liberal
em seu programa. E de fato, o receio dos senadores levou a não aprovação do projeto no
Senado em 12 de novembro.
O insucesso quanto a aprovação da reforma, somada ao “motim do vintém”, além do
momento difícil pela qual passavam as finanças do Império, muito por causa dos dispêndios
relativos a seca de 1878, afundaram o ministério numa crise institucional e de popularidade,
acabando por selar o destino do gabinete Sinimbu, que foi desmantelado no segundo mês de
1880.
A chefia do novo gabinete foi assumida então, já no mês seguinte, pelo consagrado
liberal baiano Antônio Saraiva. Dotado de mais traquejo político e já conhecedor do insucesso
do gabinete anterior, Saraiva fez o caminho inverso de Sinimbu, ao invés de chegar no
Parlamento com o projeto de lei fechado, construiu-o junto de seus correligionários,
contemporizando as opiniões divergentes e tentando ao máximo agrupar as diversas exigências
para a formação de uma base ampla que não levantasse dúvida quanto a aprovação da reforma.
De fato, ao posicionar-se aberto a um debate amplo sobre a lei, o novo chefe do gabinete
ganhou a simpatia até de boa parte dos deputados que se colocaram na oposição anteriormente.
O projeto, entretanto, não foi fácil de ser aprovado. Muitas altercações e dissensões
ocorreram nas plenárias da Câmara, mas as discussões se procederam sobre os mesmos pontos
já debatidos no tempo do Gabinete anterior, sendo redundante, portanto, o exame destas
contendas novamente.
O projeto final manteve a exclusão dos analfabetos e o voto censitário. No entanto a
renda que se exigia agora era a mais baixa, a do votante – constituída em 200$000 réis -. Deve-
se atentar que o novo regulamento eleitoral exigia uma documentação minuciosa para a
comprovação desta renda. Este ponto foi crucial no sentido de diminuir o eleitorado, pois só
uma minoritária parte da população tinha meios comprobatórios de sua renda. A exigência
dessa documentação foi, provavelmente, a causa responsável pelo maior número de exclusões
imediatas da Lei, visto que, esta, não sendo retroativa, manteve o direito de voto dos
analfabetos que já tinham obtido o título de eleitor em qualificações eleitorais anteriores. Pode-
se entender a rigorosa exigência dessa documentação como uma ação compensatória da
transição da forma indireta para a direta nas eleições. O novo formato iria virtualmente
substituir o viés classicista da eleição indireta, pois, como não havia na eleição direta duas fases
para diferenciar censitariamente o eleitorado pobre do mais rico, foi criado esse mecanismo que
exigia que a renda do eleitor fosse determinada em uma documentação que comprovasse a
posse de bens imóveis ou de pagamento de determinados impostos. Esse procedimento, na
prática, excluía o simples trabalhador que na maioria dos casos gozava da renda exigida mas
não dispunha da documentação requisitada para sua comprovação. Uma jogada perniciosa do
conselheiro, pois, ao elaborar a Lei, manteve o censo mais baixo, dando a entender que a
reforma não viria a eliminar os eleitores pelo critério de renda.
Saraiva contemplou ainda em seu projeto o direito de elegibilidade aos acatólicos e
naturalizados, e laicizou o processo, ao determinar que as eleições só poderiam acontecer
dentro das Igrejas em último caso, dispensando também as cerimônias religiosas, que antes, por
lei, abriam os trabalhos eleitorais.
No que toca a organização das eleições, a nova legislação deu um passo importante no
sentido de garantir sua lisura, ao promover o Juiz de Direito como autoridade máxima do
processo de estruturação dos pleitos, ficando este responsável por presidir o comitê de
qualificação dos eleitores e a mesa eleitoral no dia das eleições. Esse cargo que antes era
atribuído ao Juiz de Paz66, uma autoridade tradicionalmente vinculada aos interesses das
oligarquias, passara então a ser exercido pelos Juízes de Direito, estes, que eram magistrados
formados, sofriam menor pressão e interferência do governo em suas ações por gozarem de
vitaliciedade neste cargo. Ainda assim, os Juízes de Direito estavam sujeitos a certas
designações do poder Executivo, como transferências indesejadas67 para comarcas de pouca
importância eleitoral e, em casos extremos, a aposentadoria compulsória.
Além do que, a reforma de 1881, aumentou consideravelmente o número de cargos
públicos classificados na categoria das inelegibilidades ou incompatibilidades, que impediam a
candidatura eleitoral de membros do funcionalismo público ocupantes de determinados cargos
de chefia ou de influência, uma medida preventiva contra o uso da máquina pública pelas
66 Essa autoridade era eleita nas eleições provinciais e era constituída, em sua maioria, por indivíduos ligados aos interesses
dos proprietários, pois além do cargo não ser remunerado e nem exigir formação jurídica, tinha um papel central na organização
das eleições.
67 Um exemplo grotesco do uso exagerado das transferências de Juízes de Direito pelo Executivo para fins eleitorais
aconteceu na eleição de 1844, onde das 116 comarcas que dividiam todo o país, em um só dia, foram publicadas a
transferências de 52 Juízes.
autoridades governamentais para fins particulares no período das eleições. Mas a aprovação da
reforma não residia na letra da Lei simplesmente. A manobra burocrática para dispensar a
convocação de uma constituinte que o habilidoso conselheiro Saraiva fez, a exemplo de
Portugal68, foi crucial para o sucesso da aprovação. O gabinete redigiu a reforma dispensando
os chamados “escrúpulos constitucionais”, e em janeiro de 1881, a então Lei Saraiva, foi
promulgada na Câmara e no Senado, mas sob o formato de lei ordinária, de forma
inconstitucional, modificando a Carta Magna sem convocar uma Assembléia Constituinte.
A Lei Saraiva implicou numa exclusão dos direitos políticos sem igual em toda a
história do Brasil. Atentando aos dados do relatório da Diretoria Geral de Estatísticas do
Império pode-se ter ideia da magnitude dos efeitos negativos para a cidadania no Brasil. Seus
números mostram que a população eleitoral do Império em 1874 correspondia a 1.114.066
indivíduos, e que depois da reforma de 1881 apenas 145.296 da população brasileira podia
gozar de direitos políticos, isto é quase a parte oitava do colégio eleitoral antigo.
O caráter radical de suas determinações visavam interferir nas três principais esferas de
atuação das legislações anteriores. Tornando o voto distrital, com um candidato por distrito
nomeado por vitória de maioria absoluta, a lei intentava garantir a presença das oposições na
Câmara. Ao tornar a eleição direta, excluindo a fase onde ocorriam as maiores pertubações da
ordem pública, o governo prometia a paz e a lisura nas eleições, nas palavras de Sérgio Buarque
de Holanda, “suprimindo o abuso onde este era frontoso para conservá-lo onde ele era
dissimulado69”, e por fim, quando limitava o eleitorado a ínfima camada dos “aptos”, imaginava
estar elevando o nível do voto.
A nova Lei optou por elevar a qualificação do eleitorado para reduzi-lo numericamente
ao extremo. Cabia então definir o rosto do vilão a ser expurgado do processo eleitoral:
caracterizaram-no como pobre e analfabeto, e chamaram-no de povo. Atribuindo a massa do
eleitorado “ignorante” os malogros e insucessos nos escrutínios por todo o país, culpando, na
visão de Joaquim Nabuco, os “corrompidos” e não os “corruptores” pelos descaminhos das
eleições.
Com a eliminação do povo deste processo a representação nacional passou a ser
legitimada então pela parcela inexpressiva de 1,5% da população brasileira “esclarecida”.
Dessa forma o eleitorado só voltaria a alcançar o número de antes da aprovação da lei mais de
40 anos depois, marginalizando por décadas o povo do universo eleitoral e entravando o
68 Em Portugal onde a constituição vigente, no tocante ao regulamento eleitoral, era praticamente igual brasileira, foi aprovada
reforma para eleições diretas sem necessidade de constituinte.
69 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969.p. 261
processo de maturidade política da Nação.
Se a nova lei obteve êxito na sua aplicação, se eliminou a fraude e a violência do terreno
eleitoral, se garantiu uma representatividade oposicionista satisfatória, se livrou o governo das
acusações de controle dos resultados, vamos acompanhar no próximo capítulo, que se debruça
sob a aplicação da Lei Saraiva, na sua estréia prática, tomando por estudo de caso a eleição de
1881 para a Câmara dos Deputados na província de Pernambuco.
Capítulo 2 - A Eleição
“O poder é o poder, e é um direito do governo violar a lei”.
J. de Freitas Henriques.
Promulgada a Lei Saraiva em 9 de janeiro de 1881, seu teste prático viria a se efetuar no
final de outubro do mesmo ano, quando iria se realizar a primeira eleição regida pela nova
legislação eleitoral. A sociedade brasileira de então voltou suas atenções para aquele evento,
com a esperança de que a nova reforma eleitoral, resultado de anos de discussões entre as elites
políticas imperiais, viesse a eliminar a fraude e a violência que afamavam a prática do sufrágio
no Brasil oitocentista. Assim, neste capítulo vamos analisar como o governo, sob a orientação
do Conselheiro Saraiva, organizou e executou esta eleição, acompanhando o posicionamento da
opinião publica expressa nos periódicos, e as articulações e táticas políticas das frações
envolvidas no pleito, observando quais foram as mudanças práticas que a Lei Saraiva trouxe
para o terreno eleitoral.
Na mesma semana em que o gabinete presidido pelo conselheiro Saraiva conseguiu a
aprovação da reforma eleitoral, requisitou ao Imperador o pedido de demissão coletiva,
justificando-se pelas palavras do Barão Homem de Melo – então membro deste ministério,
“este (gabinete) entendia que, uma vez realizada a reforma da eleição direta, estava finda a sua
missão”70. O Imperador negou o pedido de exoneração, e estendeu o gabinete Saraiva à
execução da Lei. Assim, o sucesso da reforma eleitoral acabou ficando vinculado a boa
execução da eleição de 1881, se esta realmente conseguisse garantir uma representatividade
satisfatória da oposição e por fim aos casos de violência e demais problemas eleitorais, esses
bons resultados iriam coroar o êxito do gabinete Saraiva.
A primeira eleição direta do Império deveria se proceder de modo a ser considerada a
mais honesta da história da monarquia. Para tanto o chefe do gabinete atuou com diligência,
orientando ostensivamente os agentes do governo responsáveis pela eleição, por meio de uma
circular publicada nos periódicos de todo o país, onde se determinava que os funcionários
públicos trabalhassem visando a efetivação de eleições ordeiras. O governo deveria, segundo as
instruções do Conselheiro, abster-se de qualquer ato que viesse a interferir nos resultados do
pleito, mesmo que isto custasse a derrota do partido governista nas eleições – fato que seria
inédito em todo Segundo Império. A orientação de Saraiva neste ponto ratifica a tese defendida
por Francisco Belisário em seu livro de que, no Império, a vitória de um candidato de oposição
é transformada em argumento favorável ao governo, como prova de sua imparcialidade na
eleição.71 Os discursos do conselheiro eram permeados por frases de efeito, e entre outros
70 SARAIVA, José Antônio. Perfis parlamentares. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. p.651
71 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção
apelos, o eminente político baiano rogava que o governo “tivesse vergonha ao menos uma vez
na vida”. Sobre a conduta do gabinete na organização da eleição continuava:
Com todos esses bons auspícios propagandeados largamente pelos jornais de todo
Brasil, Saraiva ganhou a simpatia de grande parte da opinião pública e logo seu gabinete foi
chamado de “O Restaurador”, em alusão a restauração da moralidade e da honradez que viriam
a figurar no cenário eleitoral. Com base nas publicações dos jornais, podemos afirmar que os
articulistas políticos, principalmente os vinculados ao Partido Conservador e a ala liberal
identificada como Democratas, estavam divididos entre os que se posicionavam ceticamente
quanto a boa execução das eleições, e os que expressavam otimismo em relação aos resultados
da aplicação da nova lei eleitoral. No nosso entender, o fato desses dois grupos políticos
oposicionistas se colocarem na disputa eleitoral, já constituía por si só um forte impulso de
legitimação do pleito73. O trecho abaixo, retirado de uma coluna do jornal conservador O
Tempo, revela como um articulista guabiru, nos editoriais e nas publicações a pedido, mesmo
insatisfeito com a exclusão das massas pela nova legislação, nutria simpatia pelo conselheiro
Saraiva e entendia que a eleição de 1881, se organizada de maneira honesta, constituiria um
momento propício para a concretização de uma representação política legítima.
É certo que o país, depois de sua emancipação política, vai ver agora pela
primeira vez, graças a finura de um ministro sério, ensaiar-se um sistema de eleição,
que garante em teoria a legitimidade da representação nacional.
É certo também que o elemento popular, aquele que entre nós mais sente a
ação das leis tributárias com que se mantém a integridade do Império, se promove a
defesa de sua honra e se desenvolve o seu crédito, não pode, e nem poderá, de veras
aplaudir esse avanço da escola liberal.
A restrição imoderada que se fez do exercício do direito do voto com essa lei,
cuja a passagem teve a magia de fazer parar tudo, os mil embaraços criados pelas
instruções incompletas, que baixaram com decreto de 29 de janeiro, produziram um
certo descontentamento, geraram uma certa desconfiança, que não deixou de atingir
o merecimento da obra.
Pois bem, se por este ou por aquele modo a vontade do governo em assumpto
de tamanha gravidade chegar a ser a última razão, todo o mundo tem o direito de
dizer que, nesta situação nunca mais se conseguirá uma representação genuína.”74
Apesar de todo o clima de otimismo, propagado pelo governo e por parte da opinião
pública, quanto ao processo de estruturação daquela eleição, o gabinete Saraiva teria muito
75 NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1854). Recife, Imprensa Universitária/UFPE, Vol. II,
1964. p.6.
espaço para publicação de artigos de candidatos liberais. Mas geralmente deixava transparecer
seu posicionamento de tendência guabiru. Apesar de não expressar em suas linhas um tom
partidário o Diário de Pernambuco tinha uma importância fundamental para o Partido
Conservador, pois, ao aglutinar a nata intelectual do partido em sua redação, tornou-se o centro
disseminador que organizava todas as outras publicações da imprensa guabiru de menor porte,
de tiragem mais modesta e de linguagem mais arisca.
O periódico do Partido Conservador era O Tempo. Este, ao contrário do Diário de
Pernambuco, não deixava seu posicionamento velado, expressava em seu subtítulo a sua
filiação: “Orgão do Partido Conservador”. Era um jornal de publicações essencialmente
políticas em que, com uma linguagem clara e direta, exercia oposição ferrenha ao governo e ao
partido Liberal. No entanto, a atuação do Tempo, no período da campanha eleitoral em 1881,
não refletia o comportamento típico da imprensa de oposição, que segundo Isabel Marson, é
“caracterizada por críticas tão acentuadas às pessoas do governo ou aos elementos do seu
círculo que chegavam até o insulto”76. No caso da cobertura dessas eleições, a imprensa adotou
uma postura de singular honradez para a época. Neste pleito se configurou uma situação
especial propiciada por um pacto firmado entre o orgão do Partido Conservador e o jornal do
Partido Liberal, depois que as contendas entre as duas redações haviam se tornado uma
“tempestade de impropérios”, no dizer do redator da Coluna Liberal Sigismundo Gonçalves.
Foi proposto então o acordo em questão, que não impunha nenhum limite à liberdade de
expressão, mas exigia que os artigos mais polêmicos fossem assinados por seus autores. A
restrição do uso dos pseudônimos de fato arrefeceu as ofensas de cunho pessoal, pois ao sair do
anonimato os autores ficavam sujeitos a punições do governo, enquadrados sob a acusação de
“abuso de liberdade de imprensa”77. Assim, a oposição conservadora desempenhou um
importante papel na cobertura daquela eleição, ao acompanhar com denodo a organização do
pleito eleitoral, publicando sistematicamente cada acusação de irregularidade na condução
desse processo. Foram nas páginas de O Tempo onde encontramos o maior número de
denúncias de abusos exercidos pelo governo na organização e execução das eleições.
O outro jornal que em nossa pesquisa compõe a fileira dos oposicionistas é A
Democracia. Este periódico vinculado ao chamado “Partido Democrata”78 foi um diário de vida
curta, caso típico da imprensa política sazonal que funcionava em período eleitoral, tendo sua
publicação limitada ao fim de 1880 e ao ano de 1881. As posições da Democracia podem ser
76 MARSON, Isabel. Movimento praieiro. Imprensa, ideologia e poder político. São Paulo, Editora Moderna, 1980.
77 NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1854). Recife, Imprensa Universitária/UFPE, Vol. II,
1964. p.246.
78 O termo Partido era utilizado pela imprensa da época para designar os Democratas, que não constituíam um partido político
fundamentalmente, mas sim uma fração dissidente do Partido Liberal.
entendidas em consonância com a trajetória do diretório Democrata, que nasceu a partir da
dissidência de um grupo político no seio da desunida família do Partido Liberal, no ano de
1878, quando o partido voltava ao centro da cena política nacional. Assim os liberais
democratas se posicionavam criticamente quanto ao governo do conselheiro Saraiva e ao grupo
dirigente do Partido Liberal em Pernambuco, os chamados Leões. Desse modo, o conteúdo
político desse diário confluía com o do O Tempo, e havia uma certa cooperação entre as duas
redações que, recorrentemente, publicavam os mesmos artigos e denúncias, visando atingir seu
rival comum – o Partido Liberal, que era governo na época.
A imprensa governista era centralizada sob a publicação da Coluna Liberal, redigida
pelos membros do Partido de mesmo nome. Os liberais se expressavam até o ano de 1880 por
um jornal próprio, chamado A Liberdade, encerrada as atividades deste periódico, o partido
passou a utilizar uma coluna alugada no tradicional Jornal do Recife. A Coluna Liberal, como
orgão do partido no poder, atuou nessa eleição de maneira defensiva, rebatendo e se esquivando
das acusações feitas pelos jornais da oposição. É interessante notar que, apesar de o diretório do
Partido Liberal ser fortemente atacado pelas duas frações oposicionistas, a Coluna só se
manifestava pujante contra os conservadores do Tempo, não se preocupando em travar intrigas
com os Democratas, e até cedendo espaço em algumas ocasiões a publicações do diretório
Democrata, como na divulgação da candidatura de José Mariano e da chapa desse grupo. A
postura de não agressão aos Democratas, adotada pelo grupo leonino visava possíveis
negociações no período pós-eleitoral, provavelmente tencionando uma “re-acomodação” do
grupo dissidente no Partido Liberal, como de fato veio a ocorrer menos de um ano depois.
Outro tema que se destaca nas páginas da “Coluna” é a sua postura crítica quanto à imprensa
oposicionista em Pernambuco. Foram publicados diversos artigos que condenavam a forma vil
e personalista das abordagens das gazetas da oposição, que eram baseadas simplesmente, no
dizer do editor da “Coluna”, em um “torpe sistema de provocações”, que relegava a segundo
plano a “disseminação de teorias políticas e a discussão de ideias”.
A propaganda política desses jornais visava atingir fundamentalmente um publico
votante composto por camadas da classe média e até a população mais pobre em alguns casos,
como: empregados públicos, bacharéis, clérigos, oficiais militares, guarda-livros e praças do
exército e da armada. Os jornais não se limitavam a atingir o publico alfabetizado, no século
XIX era comum a leitura em voz alta dos periódicos em reuniões casuais nas boticas e botecos
da cidade. Geralmente essa prática de divulgação era exercida por indivíduos vinculados aos
partidos, que reproduziam e comentavam o conteúdo dos diários. Com frequencia esses
ajuntamentos acabavam por constituir comícios inflamados, que por sua vez, criavam um
ambiente propício para o afrontamento de grupos políticos rivais e até de levantes violentos por
partidários mais exaltados, como o caso noticiado pelo Diário de Pernambuco, na ocasião em
que conservadores divulgaram a notícia da promulgação da Lei Saraiva em Caruaru.
Todos esses jornais eram sediados no Recife, mas sua distribuição se efetuava pelas
demais cidades do interior de Pernambuco, principalmente as mais próximas da capital: Olinda,
Jaboatão, São Lourenço da Mata, Goiana, Igaraçu, Itamaracá e Pau D'alho. No entanto, a pauta
dos diários não se limitava a tratar dos acontecimentos políticos dessas cidades que
circundavam o Recife, como é manifesto na notícia acima citada, as movimentações políticas
do interior constituíam assuntos que dinamizavam as discussões da imprensa recifense e
fundamentavam seus posicionamentos políticos. Nesse sentido, os crimes e pertubações da
ordem publica do interior eram fartamente divulgadas pelas gazetas do Recife, como veremos
em seguida, no acompanhamento das notícias acerca do processo de estruturação da eleição.
Não foram poucas as denúncias acerca de irregularidades na montagem da eleição de
1881 noticiadas nesses periódicos. As acusações de irregularidades cometidas pelos agentes do
poder público eram ironicamente noticiadas sob a alcunha de uso da “força moral do governo” -
em referência a interferência ilegal dos agentes governistas no processo. Nessas notícias, que
fundamentavam a descrença dos eleitores quanto a lisura eleitoral, a distribuição de cargos
ocupava um lugar central. Dentre essas queixas, podemos destacar as denúncias de um eleitor
de Panelas, que apontava uma série de nomeações irregulares feitas naquela comarca, e nas de
Bonito e Lagoa dos Gatos. Neste artigo, o depoente acusava o governo de utilizar foragidos da
lei, distribuindo cargos de comando na polícia, para o controle das eleições.
O novo juiz de direito de Águas Belas declara francamente que segue para
aquela comarca, levando o compromisso que diz ter contraído, de fazer eleger o Sr.
Ulysses Viana, o que já comunicou ao Dr. Souza Lima, observando que bastavam
irem 4 soldados para fazer o que outros fazem com 400.84
Nesta eleição também não faltaram as transferências de Juízes de Direito, que por não
compartilharem as posições do partido no governo, eram removidos para comarcas longinquas,
como foi o caso do Juiz de Direito de Bom Conselho, que fora estrategicamente transferido para
uma comarca de 2° entrância no Baixo Mearim do Maranhão.85
As fraldes por incompatibilidades também marcaram presença nesta eleição com a
conivência do Presidente da Província, o liberal Souza Lima. O então presidente foi alvo de
muitas críticas dos oposicionistas, que o acusavam de cumprir a lei das incompatibilidades
“somente quando convém aos interesses partidários dos seus amigos”, como na punição dos
suplentes de subdelegado de Floresta, que foram demitidos por acumularem a função policial
com o cargo de vereador. Mas o mesmo delito não havia sido punido em outros casos, quando o
Presidente fazia vista grossa e não cumpria a lei, como foi com o subdelegado da Várzea, que
acumulava o cargo na polícia com o de Juiz de Paz, e em Olinda, onde dois vereadores e o
82 Entre os casos de nomeações escusas, foram nomeados mais seis subdelegados no Cabo, e em Quipapá foi nomeado para
delegado o alferes José Carlos Vital, conhecido como “mercador de Limoeiro”, por ter roubado o soldo da tropa quando foi
comandante do destacamento de Taquaretinga.
83 O Tempo, 27 de setembro de 1881. “Erro ou propósito”.
84 A Democracia, 11 de agosto de 1881. “Notável franqueza”.
85 O Tempo, 1 de outubro de 1881. Secção para todos. “Ainda a circular do Sr. Saraiva”.
presidente da Câmara também atuavam em postos de comando da polícia.86
Questões como a compra de votos e a inclusão de fósforos nas listas de qualificação
eleitoral também fizeram parte do universo de práticas políticas daquela eleição, como
denunciavam os jornais da capital.87 E a audácia dos agentes do governo no sentido de fraldar a
eleição era tanta que, em Tacaratu, o primeiro suplente do Juiz Municipal chegou a roubar os
títulos dos eleitores daquela vila.
O volumoso número de irregularidades praticadas pelo governo mostra que nem a Lei
Saraiva teve dispositivos suficientes para, na prática, estancar a interferência deste no pleito,
nem a retórica legalista do Gabinete Imperial conseguira conduzir efetivamente as condutas dos
agentes do governo no sentido de marginalizar, ou até mesmo atenuar, as fraudes do terreno
eleitoral. Os abusos cometidos nessa eleição foram volumosos e de natureza variada, tal qual as
eleições do passado, não faltando também ameaças ao eleitorado. Em diversas vilas e cidades o
eleitorado oposicionista se sentia intimidado e requeria proteção ao Presidente da Província em
artigos publicados pela imprensa. Em São Bento as ameaças chegaram a se concretizar em um
atentado armado contra um correligionário do Partido Conservador, Luiz Felippe Cavalcante de
Albuquerque, que teve sua casa invadida por capangas que desfecharam tiros e acabaram
baleando sua mulher e sua concunhada, sem ferir mortalmente nenhuma delas. A polícia,
segundo os relatos, nem agiu com prontidão na hora do atentado, nem levou a frente as
investigações e o crime foi atribuído, por Luiz Felippe, a seus rivais políticos, ligados ao Partido
Liberal, que já o vinham ameaçando.88
Desse modo, a medida que o dia da eleição se aproximava, iam se arrefecendo as
esperanças dos eleitores e foi se criando o habitual clima de medo que permeava o processo
eleitoral. Alguns artigos nos jornais aludiam até ao episódio da Hecatombe de Vitória, quando,
Mas o modo burlesco como se estruturou aquela eleição não foi capaz por si só de
definir seus resultados, e apesar das ameaças de interferência indevida do governo no pleito, o
Partido Conservador pleiteava com chances reais de vitória em alguns distritos, baseando suas
boas aspirações na conjuntura política daquele momento em Pernambuco, onde o Partido
Liberal entraria enfraquecido na disputa, o que de fato favorecia os guabirus.
O Partido Liberal em Pernambuco vinha passando por uma crise em seus quadros
internos, que tivera início com o fim do ostracismo liberal, época em que o partido passou dez
anos alijado do centro do poder político do país - o Gabinete Imperial. Da ascensão do gabinete
de Cansanção Sinimbu em 1878, é que afloraram as dissensões, motivadas pelo loteamento de
cargos no funcionalismo público. O Partido na época era presidido pelo Barão de Vila Bela, mas
96 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicolau; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Editora UnB, 13°
ed. 2007.p.-521.
7º Cabo 61.877 817 13,23
8º Palmares 63.183 1065 16,85
9º Bonito 65.336 641 9,81
10º Caruaru 64.428 790 12,41
11º Garanhuns 65.309 665 10,18
12º Pesqueira 64.686 714 11,03
13º Cabrobó 70.917 1114 15,78
Fonte: O Tempo de 11.10.1881
No entanto não foi somente o delegado de polícia acima referido que teve culpa no
episódio de Bom Conselho. Diversas instâncias do governo falharam no acontecimento em
questão, pois esse acontecimento já havia sido anunciado pelos eleitores daquela vila que, tendo
em sua composição uma maioria de conservadores, vinham recebendo constantes ameaças. O
receio coletivo do eleitorado conservador foi expresso não apenas em artigos publicado pelo
Diário de Pernambuco e pelo O Tempo, mas em ações concretas, como a que “data de 5 de
agosto, quando cento e tantos eleitores dirigiram a S.M. o Imperador uma representação na qual
indicavam os motivos que lhe determinavam receios de graves pertubações no dia da eleição” 97.
Essa representação já havia sido endereçada anteriormente ao Presidente da Província e ao
Gabinete do conselheiro Saraiva, que nenhuma medida prática tomaram. Acresce ainda que o
Juiz de Direito de Bom Conselho havia sido removido dias antes da eleição, provavelmente
para a montagem deste cenário que impediu o exercício do voto livre.
Apesar do episódio de Bom Conselho, a eleição ocorreu calma na maior parte dos
distritos, muito por causa do número restrito de eleitores, só 10.899 dos 832.14098 habitantes de
Pernambuco foram alçados a categoria de eleitor, o que corresponde a modesta fração de 1,3%
da população. O número dos que realmente votaram foi ainda mais baixo, pois como já
referimos anteriormente, eram altos os índices de abstenção eleitoral no Império e em 1881 não
foi diferente, apesar de não termos as cifras das abstenções em Pernambuco, o índice nacional
mostra como foi minguada a participação do eleitorado brasileiro na primeira eleição direta: dos
150.000 eleitores qualificados em todo país, pouco mais de 64% desses compareceu as urnas99.
Pelo Brasil também foram notificados casos de transgressões e pertubações nas eleições.
Ainda assim aquela eleição foi propagandeada como a mais calma e honesta da história do país.
Fato que foi reproduzido, sem um estudo mais aprofundado, por grandes historiadores do
quilate de Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré, Oliveira Viana e João Camilo de
Oliveira Torres.
Assim o objetivo alardeado pelo gabinete Saraiva, de promover eleições “limpas e
honestas”, não se concretizou, apesar de diversas obras da historiografia brasileira afirmarem o
contrário. Notando-se os abusos ocorridos no pleito e todo o engendramento no funcionalismo
público para o controle da eleição, registrados nos jornais, fica claro que a nova legislação
estava longe de possuir eficácia diante de suas atribuições.
Em Pernambuco, o partido liberal mesmo dividido garantiu uma vitória apertada,
conseguindo garantir sua representatividade em 7 dos 13 distritos da província. Os
conservadores ficaram com apenas uma cadeira a menos que os governistas, o que pode ser
considerado uma vitória para os parâmetros do Império. Assim, a eleição garantiu a formação
de uma Câmara equilibrada entre as duas principais forças da política nacional. Os
conservadores conseguiram fazer dois quintos da casa, os republicanos conseguiram fazer
representação e chegaram a eleger três deputados, e o Partido Liberal ficou com o restante das
vagas, mas amargaram algumas derrotas significativas, entre elas a de dois ministros de Estado;
97 O Tempo, 5 de novembro de 1881. “A eleição de Bom Conselho”
98 Este dado não contempla a população escrava.
99 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL,
1969. Pág. – 285.
Barão Homem de Melo e Pedro Luís.
A conquista de uma representação satisfatória pela oposição, só significa um logro da
nova legislação em uma análise à primeira vista. Pois, os dados das outras duas eleições
organizadas nesta última década do Império, a de 1885 e a de 1886, indicam que a oposição só
garantiu uma boa representação na primeira - numa legislatura que foi dissolvida com menos de
um ano. Já na eleição seguinte, mais de 80% das cadeiras da Câmara Temporária ficaram com
os governistas. Ou seja, os resultados positivos conquistados pela eleição de 1881, não podem
ser seguramente atribuídos as mudanças acarretadas pela reforma eleitoral, pois sua eficácia não
se repete nas outras eleições. As vitórias obtidas pelo Partido Conservador se devêm, mas
propriamente, à forma como o Gabinete Saraiva executou a eleição, quando o conselheiro criou
condições favoráveis à derrota do partido governista em certos distritos, tencionava, antes de
tudo, afirmar o sucesso da Lei que levava o seu nome.
Considerações finais
ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São
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WEFFORT, Francisco C., organizador. Os clássicos da política. 11° ed, v.2, São Paulo, Ática,
2006.
Anexo
Lei Saraiva (1881) Para senador, deputado geral e provincial: Lei Saraiva (1881)
Em todo o Império:
Os diretores gerais do tesouro nacional e os diretores
das secretarias de Estado;
Na Corte e nas províncias em que exercerem autoridade
ou jurisdição:
Os inspetores ou diretores de arsenais;os Inspetores de
corpos do exército; os secretários de polícia da Corte e
das províncias; os Inspetores de tesouraria da fazenda,
gerais ou provinciais, e os chefes de outras repartições
de arrecadação;o diretor geral e os administradores dos
correios, os lentes e diretores de faculdades ou outros
estabelecimentos de instrução superior; os
desembargadores de relações eclesiásticas; os ajudantes
dos procuradores fiscais e dos feitos da fazenda.
Fonte: SOUZA, Francisco Belizário de. O Sistema Eleitoral no Império. Brasília, Senado Federal, 1979 e a Constituição
de 1824.