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amor pela liberdade humana: um senhor, por mais que ele faça e por mais
liberal que queira se mostrar, jamais deixa de ser, por isso, um senhor. Sua
existência implica necessariamente a escravidão de tudo o que se encontra
debaixo dele. Assim, se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de
servir à liberdade humana; seria o de cessar de existir.
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A severa lógica que me dita estas palavras é muito evidente para que eu
necessite desenvolver esta argumentação. E me parece impossível que os
homens ilustres, dos quais citei os nomes tão célebres e tão justamente
respeitados não tenham sido tocados e não tenham percebido a contradição
na qual eles caem ao falar de Deus e da liberdade humana simultaneamente.
Para que tenham passado ao longo do problema, foi preciso que tivessem
pensado que esta inconseqüência ou esta injustiça fosse, na prática,
necessária para o próprio bem da humanidade.
Talvez, também, ao falar da liberdade como de uma coisa que é para eles
respeitável e cara, eles a compreendam completamente diferente da que
concebemos, nós, materialistas e socialistas revolucionários. Com efeito, eles
não falam jamais dela sem acrescentar imediatamente uma outra palavra, a
da autoridade, uma palavra e uma coisa que detestamos com toda a força de
nosso coração.
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graças aos cuidados desses governos tutelares que só existem, como se sabe,
para o bem dos povos.
Há, além disso, um grande inconveniente: é que a maior parte das leis
naturais, que estão ligadas ao desenvolvimento da sociedade humana e são
tão necessárias, invariáveis, quanto as leis que governam o mundo físico, não
foram devidamente constatadas e reconhecidas pela própria ciência [5]. Uma
vez tivessem elas sido reconhecidas pela ciência, e que da ciência, através de
um amplo sistema de educação e de instrução popular, elas passassem à
consciência de todos, a questão da liberdade estaria perfeitamente resolvida.
As autoridades mais recalcitrantes devem admitir que aí então não haverá
necessidade de organização, nem de direção nem de legislação políticas, três
coisas que emanam da vontade do soberano ou da votação de um
parlamento eleito pelo sufrágio universal, jamais podendo estar conformes às
leis naturais, e são sempre igualmente funestas e contrárias à liberdade das
massas, visto que elas lhes impõem um sistema de leis exteriores, e
conseqüentemente despóticas.
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Mas há ainda uma terceira razão que tornaria tal governo impossível. É
que uma academia científica, revestida desta soberania por assim dizer
absoluta, ainda que fosse composta pelos homens mais ilustres; acabaria
infalivelmente, e em pouco tempo, por se corromper moral e
intelectualmente. E atualmente, com o pouco de privilégios que lhes deixam,
a história de todas as academias. O maior gênio científico, no momento em
que se torna acadêmico, um sábio oficial, reconhecido, decai inevitavelmente
e adormece. Perde sua espontaneidade, sua ousadia revolucionária, e a
energia incômoda e selvagem que caracteriza a natureza dos maiores gênios,
sempre chamada a destruir os mundos envelhecidos e a lançar os
fundamentos dos novos mundos. Ganha sem dúvida em polidez, em
sabedoria utilitária e prática, o que perde em força de pensamento. Numa
palavra, ele se corrompe.
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Decorre daí que rejeito toda autoridade? Longe de mim este pensamento.
Quando se trata de botas, apelo para a autoridade dos sapateiros; se se trata
de uma casa, de um canal ou de uma ferrovia, consulto a do arquiteto ou a do
engenheiro. Por tal ciência especial, dirijo-me a este ou àquele cientista. Mas
não deixo que me imponham nem o sapateiro, nem o arquiteto, nem o
cientista. Eu os aceito livremente e com todo o respeito que me merecem sua
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