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Quase tudo o que se sabe sobre a vida de Jesus, seu legado e ensinamentos, foram
resumidos nos evangelhos canônicos – escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João –
cerca de 40 anos após a sua morte. Essencialmente, os discípulos contaram a
mesma história, porém salientaram aspectos diferentes. Afinal, reconstituir uma
trajetória como a de Jesus Cristo deve ter sido tarefa desafiadora.
Conta a história que por volta do ano 30 (d.C.), Jesus, acompanhado por seus
discípulos e uma multidão de peregrinos, viaja a Jerusalém para participar das
celebrações da Páscoa no templo judaico. A cidade tinha cerca de 100 mil
habitantes, mas nessa época chegava a abrigar 180 mil pessoas. Para o povo que O
seguia, era apenas uma viagem de rotina, já que os palestinos costumavam visitar
Jerusalém nessa época. Entretanto, Jesus sabia o sofrimento que havia de passar.
Chegando ao local, uma semana antes de sua morte, foi direto a Betânia – um
pequeno vilarejo localizado a três quilômetros de Jerusalém –, onde se hospedou
na casa de Lázaro, Marta e Maria, seus melhores amigos. Participaria das
programações no templo e diariamente retornaria a Betânia a fim de descansar. E
assim sucedeu (veja tabela abaixo):
• DOMINGO - *Pela manhã, bem cedo, Jesus parte para Jerusalém, montado em
um jumento, como previa o profeta Zacarias. Sua entrada nos portões da cidade é
triunfante. Uma multidão O reverencia, abanando louros e palmeiras enquanto
gritam: “Viva o profeta de Nazaré!”. *Ao chegar ao templo, uma cena bastante
desagradável O impacta. Desde a esplanada, todo o local está infestado de
ambulantes vendendo quinquilharias, negociantes e cambistas comercializando
animais. Jesus fica indignado, perde a paciência, vira as mesas dos comerciantes,
derruba cadeiras, abre gaiolas e grita: “Vocês fizeram da casa do meu Pai um covil
de ladrões”.
• QUINTA-FEIRA - *Passa a tarde com sua mãe.• Entre 18h e 23h30, Jesus
celebra sua última ceia junto aos discípulos. Ali, depois de partir o pão e beber do
cálice, diz: “Façam isso todas as vezes que comerdes e beberdes em memória de
mim”. Nessa reunião, Cristo enfatiza os ensinamentos que deverão ser passados a
toda a humanidade após a sua morte. *Por volta das 23h30, Jesus pede que os
discípulos fiquem orando e se retira para o Jardim do Getsêmani a fim de orar a
sós. Ele sabia que em cerca de 1 hora seria traído por Judas, um dos seus
discípulos. Seu coração quase não pode suportar tamanho peso, então afirma:
“Minha alma está cheia de tristeza até a morte”.
O SOFRIMENTO NO GETSÊMANI
De acordo com o relato do médico Lucas – o único evangelista que citou o fato –,
naquele momento Jesus transpirava gotas de sangue. Um fenômeno raríssimo
conhecido pela ciência como hematidrose e que, segundo o PhD. Alexander
Metherell, doutor em Medicina pela Universidade de Miami, ocorre em casos de
ansiedade extrema, quando a liberação de certas substâncias químicas ocasiona o
rompimento dos vasos capilares das glândulas sudoríparas e faz com que a pele
fique sensível a tal ponto de o sangue se misturar ao suor.
Algumas pessoas questionam esse fato. Afinal, por que os soldados levaram Jesus
primeiramente a Anás, se era Caifás o sumo sacerdote no poder?
Além disso, os fariseus sabiam: se Jesus fosse levado à presença de Anás, ele
certamente induziria Caifás a condená-lO, já que ambos tinham participação nos
lucros das vendas realizadas no templo, uma das atividades mais proeminentes e
lucrativas da época. Ter uma banca na sinagoga era como ser proprietário de uma
luxuosa loja em um shopping center. Como o sumo sacerdote era o administrador
geral, todos os comerciantes deviam-lhe impostos.
Anás queria saber mais sobre a doutrina que o rapaz de Nazaré ensinava ao povo.
Mas Jesus respondeu: “Para que perguntas a mim? Pergunte aos que me
ouviram…”. E, considerando sua atitude um desrespeito para com a autoridade, um
dos oficiais O esbofeteou.
A lei mosaica exigia que a acusação contra os malfeitores fosse feita por, no
mínimo, duas testemunhas cujos depoimentos tivessem coerência. Além disso, a lei
garantia que um réu jamais seria condenado horas antes de um sábado porque isso
lhe impediria de solicitar recurso. Entretanto, mesmo sem nenhuma acusação
coesa, o julgamento prosseguiu. Como já era esperado, Anás pediu aos soldados
que levassem Jesus à presença de seu genro.
Poucos minutos depois, Jesus já está no palácio de Caifás, onde escribas, anciãos e
sacerdotes O aguardavam para um novo interrogatório. Como não havia acusação
coerente, o sumo sacerdote, possivelmente avisado da afronta do Mestre a seu
sogro e indignado com o episódio da segunda-feira, passa a questioná-lO sobre sua
identidade, supostamente messiânica.
Logo, eles O consideram blasfemo por deixar nas entrelinhas a mensagem de que
era de fato o Rei dos judeus, um delito constituído no direito romano – lex de
maiestate, lei anterior a Júlio César e a Augusto – que punia com morte a traição
em relação ao Estado. Ao clarear do dia, agora diante do Sinédrio, Jesus é mais
uma vez condenado.
Como o Sinédrio não tinha poder legal para crucificá-lO, precisou encaminhá-lO a
uma corte romana a fim de conseguir a liberação. Chamando a atenção para esse
fato, o pastor e teólogo.
Como o Sinédrio não tinha poder legal para crucificá-lO, precisou encaminhá-lO a
uma corte romana a fim de conseguir a liberação. Chamando a atenção para esse
fato, o pastor e teólogo Acyr Raymann, professor da Universidade Luterana de São
Leopoldo (RS), declara: “O Sinédrio tinha poder para matar Jesus, porém não por
crucificação, mas por apedrejamento, por exemplo. No entanto, os fariseus não
queriam assumir esta responsabilidade. Por isso, insistiram na crucificação. Só
assim esse fardo estaria sobre as costas do governo romano. Sem querer, eles
estavam cumprindo as Escrituras”.
A CRUELDADE DO SUPLÍCIO
O peso dessa trave variava entre 34 e 57 quilos – dependendo da cruz, havia vários
tipos – e normalmente era colocado sobre os ombros da vítima e atado com tiras.
Uma pessoa em situação física normal poderia carregar esse peso sem maiores
problemas. No entanto, a debilidade física de Jesus era tão intensa que O
impossibilitava de caminhar sem cair. Foram quase 50 minutos de caminhada,
arrastando um pé após outro, entre tropeços e empurrões. A cada queda, a trave
também caía e lhe esfolava o dorso. Como a exaustão de Cristo excedia os limites,
próximo ao Calvário a guarda romana permite que uma outra pessoa O ajude a
carregar.
Maier, autor de Jesus, Verdade ou Mito?, esclarece esse mal-entendido que tem
sido a raiz do anti-semitismo, isto é, o ódio aos judeus no mundo. “Naquele tempo
as pessoas se deitavam ao pôr do sol e acordavam ao nascer do sol. Convenhamos,
Jesus é preso depois de escurecer e é submetido a julgamentos até o amanhecer. É
preciso recordar que não havia noticiários noturnos ou plantões de notícia.
Portanto, como poderiam saber do que se passava com o Mestre? Na verdade, eles
nada souberam até que fosse muito tarde”. E, de fato, de acordo com o depoimento
de Lucas, nem todo judeu queria a crucificação de Cristo. Muitos deles ficaram
sabendo da execução quando o tumulto passava diante de suas casas. Mas a
sentença era irrevogável. O evangelista chega a afirmar que “uma multidão de
homens e mulheres judias choravam, enquanto Jesus arrastava sua cruz até o
Calvário”.
A CRUCIFICAÇÃO
Ao chegar ao local da execução, a lei judaica determinava que uma dose de vinho
misturado a mirra (fel) fosse oferecida ao réu. A bebida tinha efeito levemente
anestésico. Jesus chegou a molhar a boca no líquido, mas o gosto parecia ser tão
ruim que Ele se recusou a tomar.
A MORTE DE JESUS
De acordo com alguns especialistas, a causa da morte de Jesus pode ter sido
multifatorial. Desidratação, arritmia por estresse induzido, perda sanguínea e
enfarte estão entre os diagnósticos mais especulados. Outros, como o pesquisador
Benjamin Brenner, do Centro Médico Rambam de Israel, cogitam ainda a hipótese
de ter ocorrido uma embolia pulmonar.
No entanto, há quem conteste essa possibilidade. Dr. William Edward diz que é
praticamente improvável que uma trombose tenha se formado num curto espaço
de tempo. Para ele, “as duas causas mais lógicas são choque hipovolêmico [que
tem como causa determinante a perda de sangue, plasma ou líquidos
extracelulares] e asfixia por exaustão”.
A quarta, pronunciou quando parecia não mais suportar a dor: “Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?”, seguido de “Tenho sede”, quando lhe deram
uma esponja umedecida em um pouco de vinho azedo, resto da bebida dos
soldados. Finalmente, às 3 horas da tarde de sexta-feira, isto é, à hora nona, Jesus
brada em alta voz dizendo: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. E então,
morre.
A pedido dos soldados, Pôncio Pilatos autorizou a crucifratura dos executados, isto
é, o ato de quebrar-lhes as pernas a fim de que não pudessem exercer força para
se erguerem e então respirarem. A pressa devia-se ao fato de que o pôr do sol se
aproximava e logo se iniciariam as celebrações de Páscoa, período em que as
execuções não eram permitidas. Mas, quando a ordem fora dada, Jesus já estava
morto, por isso, somente os ladrões tiveram suas pernas fraturadas.
Depois disso, José de Arimatéia, que também era seguidor de Jesus, pediu
autorização a Pilatos para levar o corpo do Mestre. Então, juntamente com
Nicodemos, banharam-nO com mirra e aloés e O sepultaram. Ao terceiro dia, Ele
ressuscitou.
Não há sofrimento com tamanha repercussão que tenha sido mais aterrorizante do
que as últimas horas de Cristo. Além das dores físicas e injustiças políticas, o
desprezo, a humilhação e a rejeição contribuíram para que sua tristeza fosse ainda
maior. Felizmente, a crucificação e a morte de Jesus não estabeleceram o fim de
um grande ministério, como queriam os fariseus. Na realidade, involuntariamente,
eles contribuíram para que o Messias fosse eternamente coroado, cumprindo o que
havia sido predito nas Escrituras. Hoje, povos, tribos e nações O reverenciam.
Desde que o povo judeu, guiado por Moisés e Arão, atravessou o Mar Vermelho em
direção à Terra Prometida em 1.060 a.C., em todas as residências dos israelitas, o
ritual denominado Pessach – Páscoa, ou literalmente “passagem, travessia” – era
reproduzido conforme as últimas ordenanças de Deus ao povo, na noite em que
houve a grande libertação. Imolava-se um cordeiro, retirava-se o sangue do animal
e então ungia-se os umbrais e vergas das portas, em alusão à proteção contra o
anjo da morte que matou os primogênitos das famílias egípcias, a última e única
praga que tocou emocionalmente Faraó, fazendo-o autorizar a partida dos escravos
rumo à liberdade.
A festa era tão ou mais popular que o Natal dos dias atuais. O banquete servido ao
som de música, alaridos e danças tinha mesa farta e muita carne assada. Para o
cristianismo, a morte de Jesus colocou fim à imolação de cordeiros, pois os pecados
passaram a ser perdoados através do Espírito Santo, já que Jesus levou sobre si os
pecados de todos. Além disso, o marco referencial entre a lei e a graça se
estabeleceu.
A contagem do tempo até meados de 525 d.C. era uma grande confusão. Existia o
calendário Juliano, Gregoriano, Hebreu, Chinês, entre outros. Para pôr um fim
nessa desordem, em 525 d.C., o historiador grego Dionísio, calculando a data de
Páscoa, toma o calendário Juliano como base e estabelece o nascimento de Jesus
Cristo como sendo o primeiro ano de uma nova era. Os acontecimentos que
tivessem ocorrido antes do nascimento de Jesus seriam sinalizados com a sigla a.C.