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TÓPICO 4
A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE
4.1. Poder constituinte e poder constituído. 4.2. Titularidade e exercício do poder
constituinte. 4.3. Poder constituinte originário. 4.4. Poder constituinte de reforma.
4.5. Poder constituinte derivado decorrente. 4.6. Mutações constitucionais.
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Que é o Terceiro Estado.
2
Segundo Alexandre de Moraes, a idéia de Poder constituinte surgiu com “o surgimento
das constituições escritas, visando à limitação do poder estatal e à preservação dos
direitos e garantias individuais.” (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 21. ed.
São Paulo: Atlas, 2007, p. 21)
3
MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 21.
4
LENZA, Pedro. Curso de direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 111.
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica em sua obra O Poder Constituinte: “Para Sieyès,
nação é um termo empregado para que não se use da palavra povo. O aspecto fundamental
do pensamento de Sieyès, nesse ponto, é a distinção entre nação e povo. Povo, para ele, é o
conjunto dos indivíduos, é um mero coletivo, uma reunião de indivíduos que estão sujeitos a
um poder. Ao passo que a nação é mais do que isso, porque a nação é a encarnação de uma
comunidade em sua permanência, nos seus interesses constantes, interesses que
eventualmente não se confundem nem se reduzem aos interesses dos indivíduos que a
compõem em determinado instante. Assim, a idéia de Sieyès, que nem sempre é bem
compreendida, é até certo ponto simples e sem dúvida lógica. Quando ele contrapõe nação a
povo, está afirmando que o supremo poder não está à disposição dos interesses dos
indivíduos enquanto indivíduos, mas o supremo poder existe em função do interesse da
comunidade como um todo, da comunidade em sua permanência no tempo. Ele faz a distinção
porque lhe parece óbvio que em certa ocasião pode haver uma oposição ou, pelo menos, uma
discrepância entre os interesees do povo – conjunto de indivíduos que vivem num
determinado momento – e os interesses permanentes de uma comunidade. O povo, por
exemplo, para gozar de um maior bem-estar, pode sacrificar os interesses de gerações
futuras, pode sacrificar os interesses permanentes da comunidade.” (FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005,
p. 23)
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Conforme a Constituição de 1988, “todo poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único,
CF), o qual é constituído por aqueles que se encontram relacionados no art. 12 da Carta.
(TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Malheiros, p. 31)
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MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 21. E complementa: “(...) a titularidade do poder
constituinte pertence ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular, cujo conceito é
mais abrangente do que o de nação. Assim, a vontade constituinte é a vontade do povo,
expressa por meio de seus representantes.”
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho esclarece: “Se todo poder, em última análise, repousa no
consentimento, na aceitação dos governados, pode-se dizer que a soberania e, portanto, o
Poder Constituinte originário pertence ao povo. Isso não significa, entretanto, que tenha o
Poder Constituinte como agente habitual o próprio povo. Não se confunde o titular do Poder
Constituinte com o seu agente. Este é o homem, ou o grupo de homens, que em nome do
titular do Poder Constituinte estabelece a Constituição do Estado. Assim, por exemplo, o
ente coletivo, Assembléia Constituinte, costuma ser o agente do Poder Constituinte do
povo. Tal agente, exatamente por não ser o titular do Poder, edita uma obra que vale como
Constituição na medida em que conta com a aceitação do titular. Esta aceitação é
presumida sempre que o agente é designado pelo titular para estabelecer a Constituição,
como ocorre quando uma Assembléia Constituinte é eleita. Ou é aferida posteriormente,
seja expressamente quando a Constituição é sujeita à manifestação direta do povo
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera: “A idéia de que a Constituição é fruto de um
poder distinto dos que estabelece, a afirmação da existência de um Poder Constituinte,
fonte da Constituição e, portanto, dos poderes constituídos (dentre os quais o Legislativo)
é contemporânea da de Constituição escrita. (...) A superioridade daquelas [normas
constitucionais], que se impõe aos próprios órgãos do Estado, deriva de terem uma origem
distinta, provindo de um poder que é fonte de todos os demais, pois é o que constitui o
Estado, estabelecendo seus podres, atribuindo-lhes e limitando-lhes a competência: o
Poder Constituinte. Deve-se, portanto, reconhecer a existência de um Poder Constituinte
do Estado e dos poderes deste (os quais são, por esse motivo, ditos constituídos). Esse
Poder Constituinte é que estabelece a organização jurídica fundamental, é que estabelece o
conjunto de regras jurídicas concernentes à forma do Estado, do governo, ao modo de
aquisição e exercício do governo, ao estabelecimento de seus órgãos e aos limites de sua
ação, bem como as referentes às bases do ordenamento econômico e social.” (FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 21-22)
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No final do século XVIII, consagrou-se a clássica teoria da separação dos poderes,
sendo concretizada inicialmente na Constituição dos Estados Unidos (1787). Tornou-se um
dogma constitucional, com a Revolução Francesa, tanto que a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (art. 16), afirma que não teria Constituição a sociedade que não
assegurasse a separação de poderes.
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Cf. Michel Temer, equivocam-se os que utilizam a expressão “tripartição dos poderes”,
pois o poder tem por características a unidade e a indivisibilidade. A distinção que existe é
entre as funções e os órgãos que desempenham tais funções.
5
Legislativo são administrar (arts. 51, IV; 52, XIII, CF) e julgar (art.
52, I e II, CF).
• No Poder Judiciário, a função típica é a jurisdicional ou jurisdição, a
qual visa aplicar a lei ao caso concreto para solucionar lítigios17,
impondo a validade do ordenamento jurídico de forma coativa,
mediante provocação da parte interessada, sempre que a lei não seja
cumprida espontaneamente. As funções atípicas do Poder Judiciário
são administrar (art. 96, I, c, f, CF) e legislar (art. 96, I, a, CF).
• No Poder Executivo, as funções de governo18 (art. 84, III, IV e V,
CF) e administrativa19 (art. 84, XXV, CF) são típicas. Legislar (arts.
62 e 68, CF) e julgar (processos administrativos) constituem funções
atípicas do Poder Executivo.
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Conflitos de interesse caracterizados por pretensão resistida.
18
A função de governo compreende a atividade política, que traça as diretrizes
governamentais do Estado.
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A função administrativa é responsável por executar as diretrizes governamentais, ou
seja, a realização de atos concretos que visam à satisfação das necessidades coletivas (por
exemplo: a gestão ordinária dos serviços públicos de interesse da coletividade).
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao tratar do veículo do poder constituinte e do direito
de revolução, esclarece: “A perda de eficácia da Constituição (anterior) estabelece o vazio
sobre o qual o Poder Constituinte originário vai erigir a nova Constituição, que se
aperfeiçoará como Constituição se e quando ganhar eficácia. Essa perda de eficácia traduz
um evento revolucionário. Ou melhor, a revolução ‘quebra’ a Constituição então em vigor
(pois revolução, juridicamente falando, é sempre rompimento da Constituição) e assim abre
caminho para a nova Constituição. (...) Há, porém, Constituições não precedidas de
revolução. Algumas, como a Constituição francesa de 1958, são fruto de reforma da
Constituição anterior, estabelecidas de acordo com as normas (pelo menos formais) da
Constituição anterior, mas que, por resultarem numa ampla, completa, profunda formulação,
se intitulam de (nova) Constituição. (...) As considerações feitas (...) levam naturalmente ao
reconhecimento em proveito do povo do direito de revolução, sem o qual o seu Poder
Constituinte não poderia ordinariamente exprimir-se. De fato, o direito de mudar de
organização política em função da idéia adotada [‘uma idéia de direito pode vir a se impor
sem necessidade de recorrerem seus adeptos à força bruta’] implica faculdade de insurgir-
se pelos meios que as circunstâncias fizerem necessários, contra a Constituição vigente.
(...) De fato, a revolução é sempre feita por uma minoria, mas só se legitima pela adesão da
maioria.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 25-26)
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Pedro Lenza lembra que “alguns autores entendem que o texto de 1967 teria sido
‘promulgado’, já que votado nos termos do art. 1º, § 1º, do AI nº 4/1966. Contudo, em razão
do ‘autoritarismo’ implantado pelo Comando Militar da Revolução, não possuindo o Congresso
Nacional liberdade para alterar substancialmente o novo Estado que se instaurava,
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra que “o seu segundo traço característico é
diversamente designado conforme a corrente doutrinária. Todas estas corrente estão de
acordo em reconhecer que ele é ilimitado em face do Direito Positivo (no caso a
Constituição vigente até sua manifestação). A este caráter os positivistas designam
soberano, dentro da concepção de que, não sendo limitado pelo Direito positivo, o Poder
Constituinte não sofre qualquer limitação de direito, visto que para essa escola o Direito
somente é Direito quando positivo. Os adeptos do jusnaturalismo o chamam de autônomo,
para sublinhar que, não limitado pelo Direito positivo, o Poder Constituinte deve sujeitar-se
ao Direito natural.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 27)
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Pedro Lenza conclui: “Como o Brasil adotou a corrente positivista, o poder constituinte
originário é totalmente ilimitado, apresentando natureza pré-jurídica, uma energia ou força
social, já que a ordem jurídica começa com ele e não antes dele. Assim, para o Brasil e os
positivistas, nem mesmo o direito natural limitaria a atuação do poder constituinte
originário.” (LENZA, Pedro. Ob. cit., p. 113)
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O jusnaturalista J. H. Meirelles Teixeira ressalta que “esta ausência de vinculação,
note-se bem, é apenas de caráter jurídico-positivo, significando apenas que o Poder
Constituinte não está ligado, em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não
significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder Constituinte seja um poder
arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário, tanto quanto a
soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder
Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral,
da Razão. Todos estes grandes princípios, estas exigências ideais, que não são jurídico-
positivas, devem ser respeitados pelo Poder Constituinte, para que este se exerça
legitimamente. O Poder Constituinte deve acatar, aqui, ‘a voz do reino dos ideais
promulgados pela consciência jurídica’, na bela expressão de Recaséns Siches.” (TEIXEIRA,
J. H. Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 213)
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MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 23.
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que “frequentemente as Assembléias
Constituintes são limitadas pela predefinição de determinados pontos substanciais (p. ex., a
república e a federação na Constituinte de 1890), e condicionadas pela prefixação de
certas regras de deliberação. Isto não desmente que o Poder Constituinte seja sempre
autônomo e incondicionado, visto que essas Constituintes são precedidas por atos do Poder
Constituinte, estes sim iniciais, autônomos e incondicionados, que investem na Assembléia o
papel de seu agente. E, por isso, podem fixar-lhe um estatuto, uma verdadeira Pré-
Constituição (p. ex., o Dec. nº 1, de 15-11-1889).” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
Ob. cit., p. 27)
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MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 23. E, ainda, acrescenta: “Como afirma Sieyès, não
se esgota sua titularidade, que permanece latente, manifestando-se novamente mediante
uma nova Assembléia Nacional Constituinte ou um ato revolucionário.”
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Michel Temer adverte: “Parece-nos mais conveniente a expressão ‘Poder Constituinte’
para o caso de emanação normativa direta da soberania popular. O mais é fixação de
competências: a reformadora (capaz de modificar a Constituição); a ordinária (capaz de
editar a normatividade infraconstitucional).” (TEMER, Michel. Elementos de direito
constitucional. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, p. 31)
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 28.
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Alexandre de Moraes anota que “o Poder Constituinte derivado reformador, denominado
por parte da doutrina de competência reformadora, consiste na possibilidade de alterar-se
o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria
Constituição Federal e será exercitado por determinados órgãos com caráter
representativo. No Brasil, pelo Congresso Nacional. Logicamente, só estará presente nas
Constituições rígidas.” (MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 24)
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho, versando sobre o modo de exercício do Poder
Constituinte instituído, assevera: “As soluções, em Direito comparado, são por isso das mais
variadas. Quanto à iniciativa das emendas, certas Constituições a reservam ao Poder
Legislativo ordinário (p. ex., Alemanha, art. 79), alguns, ao Executivo apenas (v. g., Portugal,
1933, art. 135), outras a atribuem tanto ao Legislativo quando ao Executivo (França, 1958,
art. 89), outras ao Legislativo e ao próprio povo (iniciativa popular) (Suíça, art. 121), enos
Estados federais pode estar aberta aos legislativos dos Estados-Membros (Estados
Unidos, art. V). Quando à elaboração das emendas, algumas prevêem (ainda que em certas
hipóteses apenas) que órgão especial (convenção) se reúna para tanto (Estados Unidos, art.
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dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege’.” (NOVELINO, Marcelo. Ob.
cit., p. 90). Neste sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “É preciso notar que as
limitações registradas na Constituição vigente proíbem seja abolido o instituto; quer dizer,
eliminado, suprimido. Não veda que o seu regime (modo e condições de exercício) seja
modificado, desde que – evidentemente – isto não leve a negar o seu conteúdo essencial.”
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 30)
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Para José Afonso da Silva, “a vedação atinge a pretensão de modificar qualquer
elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a
liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a
proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz
o texto) para a sua abolição. Assim, por exemplo, a autonomia dos Estados federados
assenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração.
Emenda que retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica tendência
a abolir a forma federativa de Estado. Atribuir a qualquer dos Poderes atribuições que a
Constituição só outorga a outro importará tendência a abolir o princípio da separação dos
Poderes.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 67)
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que “o texto suscita dificuldades de
interpretação. Uma concerne ao que seja ‘abolir’. Há quem leia nisto a proibição de mudar o
regime do instituto compreendido na matéria dos quatro incisos do art. 60, § 4º, em
particular o regime dos direitos fundamentais. Essa posição é um exagero, já que, na língua
portuguesa, abolir significa suprimir e não se suprime um instituto quando se lhe altera o
regime. Lembre-se a lição de Alexy de que uma restrição só afeta o ‘conteúdo essencial’ de
um direito, portanto, o abole indiretamente, ‘quando não é adequada, não é necessária ou é
desproporcionada em sentido estrito’ (Teoría de los derechos fundamentales, trad. Esp. 2.
reimpr., Madrid, Centro de Estúdios Constitucionales, 2001, p. 125).” (FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 188-189)
41
O Supremo Tribunal Federal decidiu que “a ‘forma federativa de Estado’ – elevado a
princípio intangível por todas as Constituições da República – não pode ser conceituada a
partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte
originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às
futuras emendas à Constituição.” (STF – ADI nº 2.024, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
22.06.2007)
42
Conforme Alexandre de Moraes, “(...) a grande novidade do referido art. 60 está na
inclusão, entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes à
democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que por não se
encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardaram um conjunto mais amplo de direitos
constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. Neste sentido,
decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin nº 937-1/DF) ao considerar cláusula pétrea, e
11
Atenção!
1) Não há limitação temporal46 na Constituição Federal de 198847;
2) Não cabe iniciativa popular de proposta de Emenda Constitucional.48
intangibilidade literal. Os direitos coletivos consagrados no art. 5º, por estarem ligados ao
valor liberdade, também devem ser considerados como cláusulas pétreas, como ocorre com
a liberdade de reunião e de associação.” (NOVELINO, Marcelo. Ob. cit., p. 91-92)
44
José Afonso da Silva considera que “quando a Constituição Federal enumera matérias de
direitos fundamentais como insuscetíveis de emendas, há de se tomar essa postura como
inadmitindo hipóteses de limitação implícita. Todavia, das quatro categorias de normas
constitucionais que, segundo Nelson de Sousa Sampaio, estariam implicitamente fora do
alcance do poder de reforma, as três seguintes ainda nos parece que o estão, por razões
lógicas, como sejam: se pudessem ser mudadas pelo poder de emenda ordinário, de nada
adiantaria estabelecer vedações circunstanciais ou materiais a esse poder. São elas: (1) ‘as
concernentes ao titular do poder constituinte’, pois uma reforma constitucional não pode
mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador; (2) ‘as referentes ao titular
do poder reformador’, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo
titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário; (3) ‘as relativas ao
processo da própria emenda’, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la
quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não a aceitando quando vise a atenuá-
lo.” (SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 68)
45
O Supremo Tribunal Federal não admite “dupla revisão”, ou seja, uma emenda afastar a
cláusula proibitiva e outra emenda introduzir a modificação desejada. Em sentido contrário,
o constitucionalista português Jorge Miranda (vide MIRANDA, Jorge. Manual de direito
constitucional, 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990).
46
Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica que “Constituições há que só permitem sua
revisão em épocas certas, espaçadas. Vedam durante certo tempo sua alteração. É o caso
da Constituição francesa de 1791 (Tít. VII, art. 3º).” (FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Ob. cit., p. 28). E Marcelo Novelino complementa: “A limitação temporal é uma
proibição de reforma de determinados dispositivos durante um certo período de tempo
após a promulgação da Constituição, com a finalidade de assegurar a sua estabilidade e
evitar alterações precipitadas e desnecessárias.” (NOVELINO, Marcelo. Ob. cit., p. 87-88).
A Constituição de 1824 previu o exercício do poder constituinte derivado reformador
somente após o lapso temporal de 4 anos.
47
Segundo Marcelo Novelino, “em relação ao poder revisor, havia [na Constituição de 1988]
uma limitação temporal de cinco anos (ADCT, art. 3º).” (NOVELINO, Marcelo. Ob. cit., p.
88)
48
Em sentido contrário, José Afonso da Silva entende que “a iniciativa popular pode vir a
ser aplicado com base em normas gerais e princípios fundamentais da Constituição, mas ele
não está especificamente estabelecido para emendas constitucionais como o está para as
leis (art. 61, § 2º).” (SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 64)
49
Pedro Lenza lembra que “o poder constituinte derivado, assim como o reformador e o
decorrente, é fruto do trabalho de criação do originário, estando, portanto, a ele vinculado.
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acarretar a sanção política mais grave num Estado Federal, qual seja,
a intervenção nos Estados federados (art. 34, VII, CF);
• os princípios federais extensíveis – são as normas centrais que
representam paradigmas para todas as entidades federativas, ou
melhor, são as regras previstas para a organização da União, que por
serem comuns aos demais entes da Federação, são de aplicação
obrigatória na organização dos Estados federados, do Distrito
Federal e dos Municípios, conforme o caso. 57 (Ex: art. 2º, CF)58; e
• os princípios constitucionais estabelecidos – são as normas
constitucionais que dirigem a capacidade de auto-organização da
entidade federativa, limitando-a, por meio da regulação prévia da
José Afonso da. Ob. cit., p. 650). Neste sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “A
Constituição em vigor equiparou o status do Distrito Federal ao dos Estados. É ele um ente
federativo, conforme decorre do art. 1º, caput, da Lei Magna. (...) Assim, a sua auto-
organização em nada difere da dos Estados, salvo por resultar numa Lei Orgânica e não
numa Constituição. A própria limitação material é posta nos mesmos termos da que tolhe os
Estados. Pode-se, portanto, entender decorrer da Constituição Federal um Poder
Constituinte do Distrito Federal.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder
constituinte. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 153)
55
José Afonso da Silva defende que a Lei Orgânica Municipal “é uma espécie de
constituição municipal. Cuidará de discriminar a matéria de competência exclusiva do
Município, observadas as peculiaridades locais, bem como a competência comum que a
Constituição lhe reserva juntamente com a União, os Estados e o Distrito Federal (art. 23).
Indicará, dentre a matéria de sua competência, aquela que lhe cabe legislar com
exclusividade e a que lhe seja reservado legislar supletivamente.” (SILVA, José Afonso da.
Ob. cit., p. 642). No mesmo sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “É inegável que a
Constituição de 1988 procurou valorizar o Município. Incluiu-o entre os entes federativos
no art. 1º, caput; ampliou-lhe a esfera de autonomia, dando-lhe auto-organização em termos
análogos à dos Estados (e Distrito Federal). (...) O paralelismo entre o Estado e o Município
no tocante à sua auto-organização é patente. Ambos fixam a sua própria organização,
respeitando os princípios e preceitos da Constituição Federal (o Município, também os da
Constituição do respectivo Estado). Tanto um como o outro o fazem por determinação da
Constituição Federal, nos dois casos pela Casa legislativa. Mas o documento que
consubstancia essa auto-organização se denomina Constituição no concernente ao Estado e
lei orgânica no respeitante ao Município. (...) Em face do exposto, não será absurdo falar
num Poder Constituinte municipal, o que certamente arrepiará certos constitucionalistas
sempre prontos a denunciar os ‘erros’ da Carta.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O
poder constituinte. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 153-154)
56
Antes da Constituição Federal de 1988, a competência de organização dos Municípios era
dos Estados-membros, que produziam uma única Lei Orgânica para todos os entes locais que
se encontrassem circunscritos ao seu território, exclusive os Municípios do Rio Grande do
Sul, Curitiba e Salvador, que tiveram leis orgânicas próprias, elaboradas pelas respectivas
Câmaras Municipais.
57
Arts. 1º, I a V; 2º; 3º, I a IV; 4º, I a X; 5º, I, II, III, VI, VIII, IX, XI, XII, XX, XXII,
XXIII, XXXVI, LIV e LVII; 6º a 11; 93, I a XI; 95, I, II e III ((HORTA, Raul Machado.
Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 391-392).
58
Os Municípios não apresentam Poder Judiciário próprio.
15
59
Arts. 23; 24; 25; 27, § 3º; 75; 96, I, a-f, II, a-d, III; 98, I e II, 125, § 4º; 144, §§ 4º,
5º e 6º; 145, I, II e III; 155, I, a-c, II (HORTA, Raul Machado. Ob. cit., p. 392-393).
60
Arts. 27; 28; 37, I a XXI, §§ 1º a 6º; 39 a 41; 42, §§ 1º a 11; 75; 95, I, II e III,
parágrafo único; 235, I a XI (HORTA, Raul Machado. Ob. cit., p. 393).
61
Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Caracteriza-se o Poder Constituinte
instituído por ser derivado (provém de outro), subordinado (está abaixo do originário, de
modo que é limitado por este) e condicionado (só pode agir nas condições postas, pelas
formas fixadas) pelo originário.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit., p. 28)
62
MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 24.
63
MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 24.
64
Art. 60 da Constituição Federal de 1988.
65
MORAES, Alexandre de. Ob. cit., p. 24.
16
66
Uadi Lammêgo Bulos ressalta que, para alguns autores, o fenômeno é também rotulado
de poder constituinte difuso, a exemplo de George Burdeau (Traité de science politique, v.
4, p. 247, 290 e SS.). (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 316).
67
Pedro Lenza esclarece que “as mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o
caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, através de processos informais.
Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente
estabelecidas no texto constitucional.” (LENZA, Pedro. Ob. cit., p. 90)
68
Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo G. G. Branco explicam que “por vezes,
em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por
força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda,
sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o
sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se,
aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional,
fala-se em mutação constitucional.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio
Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 220)
69
Marcelo Novelino, assim, expõe: “Criada em contraposição aos meios formais de
alteração da Constituição (‘emenda’), a mutação constitucional consiste em um processo
informal de modificação do conteúdo, sem que ocorra qualquer alteração em seu texto. É o
que ocorre com o surgimento de um novo costume constitucional ou quando o Tribunal
Constitucional altera o sentido de uma norma da Constituição por meio da interpretação.”
(NOVELINO, Marcelo. Ob. cit., p. 83)
17
70
Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “o processo informal de mudança da constituição, por
meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da
constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer
por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes
constitucionais.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 22)
71
Segundo a lição de Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo G. G. Branco,
“todos os juristas, e não apenas os intérpretes/aplicadores da Constituição, quando
analisam os processos informais de criação da direito por via interpretativa, advertem, de
início, que uma coisa são as leituras que, mesmo novas, ainda se mantenham no espectro dos
significados aceitáveis de um texto jurídico, e outra, bem distinta, são as criações sub-
reptícias de novos preceitos, mediante interpretações que ultrapassam o sentido literal
possível dos enunciados jurídicos e acabam por transformar os seus intérpretes em
legisladores sem mandato.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
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