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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

INSTITUTO GOIANO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA

GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA

MENTE, CORPO E CULTURA EM PEDRAS:

A COGNIÇÃO HUMANA NA TECNOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA

JOÃO CARLOS MORENO DE SOUSA

Goiânia

2010
2

JOÃO CARLOS MORENO DE SOUSA

MENTE, CORPO E CULTURA EM PEDRAS:

A COGNIÇÃO HUMANA NA TECNOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA

Monografia apresentada para obtenção de Bacharel em


Arqueologia.

Orientadora: Dra. Sibeli A. Viana

Goiânia

2010
3

FOLHA DE APROVAÇÃO

Monografia apresentada à banca examinadora em 16/12/2010 como


requisito a conclusão do curso de Bacharelado em Arqueologia, apreciada e
aprovada por:

_______________________________ __________

Dra. Sibeli A. Viana (IGPA / PUC Goiás) - Orientadora

_______________________________ __________

Dr. José Roberto Pellini (GRIPHUS Consultoria) - Examinador

_______________________________ __________

Dra. Márcia Bezerra de Almeida (UFPA) - Examinadora


4

DEDICATÓRIA

A você, amigo, que decidiu participar desta viagem!


5

AGRADECIMENTOS

Neste espaço, gostaria de agradecer a todos que contribuíram na minha


formação acadêmica como arqueólogo. Em primeiro lugar, a toda minha
família, que mesmo morando a mais de 700km de distância, me deram todo o
apoio necessário; mas principalmente aos meus pais, João Gualberto de
Sousa (mais conhecido como o aventureiro João Radical) e Glória Patrícia
Moreno Rivera, pelo eterno amor, apoio e promessa de me proporcionar a
oportunidade de cursar uma faculdade na área de meu interesse.

Ao Dr. Emilio Fogaça, pelas primeiras conversas e conselhos sobre


minha formação, e pelas primeiras bibliografias, trazidas da França, que
fomentaram minha paixão pelos estudos em Evolução Humana, Antropologia
Física, e Cognição.

Ao Dr. Paulo Jobim dos Campos Mello, pelas primeiras oportunidades


de estágio em campo e laboratório, pela minha iniciação no mundo da
Tecnologia Lítica, e pelos conselhos no inicio de minha formação.

Aos antigos colegas já formados Diego Mendes e Sady do Carmo Jr.,


pela grande ajuda, orientação e companhia no meu primeiro estágio com
material lítico na análise das indústrias do projeto Serra Geral.

Ao Ms. Antoine Lourdeau, pelos meus primeiros passos no desenho


técnico de artefatos líticos.

À Dra. Renata de Godoy, pela oportunidade de campo em Brasília, que


despertou a importância da prática da Arqueologia Pública.

À Dra. Sibeli Viana, pelo convite à bolsa de iniciação científica que


contribuiu na produção deste trabalho, pelas orientações e “desorientações” na
monografia que me levaram sempre a um grande aprendizado, e por sempre
acreditar no meu potencial.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), pelo


financiamento da bolsa de iniciação cientifica no período 2009-2010, que
resultou em parte dos dados apresentados neste trabalho.
6

À Dra. Sirlei Hoeltz, pelos créditos que sempre me deu pela monitoria
da disciplina de Tecnologia Lítica I, pelo apoio e pelas dicas em análise lítica.

Ao Dr. Júlio Cesar Rubin de Rubin, pelo incentivo que sempre me deu
durante a graduação, pelas grandes discussões de prática de campo, e pelas
conversas de descontração em sua sala.

Ao Dr. José Roberto Pellini, que despertou alguns dos meus maiores
questionamentos críticos, pela disponibilização de muita bibliografia teórica, e
pela fantástica e inesquecível aventura de campo em Unaí, Minas Gerais. E por
aceitar participar da banca examinadora, é claro.

À Dra. Sheila Mendonça de Sousa, ao Dr. Levy Figuti, à Dra.


Veronica Wesolowski e à Dra. Dione da Rocha Bandeira, pela primeira
oportunidade de estágio de campo em Sambaqui e contato com a
Zooarqueologia no Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, em Santa
Catarina.

Ao casal Dra. Águeda Vilhena-Vialou e Dr. Denis Vialou, pela


oportunidade de participar da escavação de maior excelência que já presenciei,
na região arqueológica da Cidade de Pedra no Mato Grosso.

Ao Dr. Walter Neves, pela minha iniciação na prática da Antropologia


Física no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) na Universidade
de São Paulo (USP), e os bons conselhos para minha formação.

Ao Ms. Danilo Vicensotto Bernardo e à minha querida amiga bióloga


Mariana Inglez, pelas orientações dadas nas etapas de estágio no LEEH.

A Tainá Péclat pela contribuição na análise dos resíduos líticos e pela


elaboração dos gráficos no Excel.

Aos amigos e colegas Rodolpho Romani, Victor Alexandre de Brito, e


Liana Mollo, pela contribuição na análise de alguns instrumentos líticos que
utilizei neste trabalho.

À Dra. Márcia Bezerra de Almeida, pela participação na banca examinadora


deste trabalho e as boas sugestões.
7

A Danilo Ramos Ribeiro, por toda a amizade, apoio, carinho, amor e as


magníficas aventuras que a imaginação pode nos dar.

A Ísis Gomes Ribeiro, por toda a amizade, o amor, carinho, apoio e


confiança construídos principalmente neste último ano, e pela grande ajuda na
fundação e estruturação do Centro Acadêmico Jesco Von Puttkamer (CAJVP).

Às amigas Tamiris Maia Gonçalves Pereira, Caroline Murta Lemos, e


Jamária Batista Nascimento, que além do apoio e carinho dados durante
minha graduação, foram fundamentais para existência e os movimentos do
CAJVP.

A Marina Neiva de Oliveira, companheira de líticos e escavações, que


me deu grande apoio e confiança, principalmente nesta reta final.

A Robison Drachenberg, pela confiança e apoio, além da ajuda no


tratamento digital de alguns anexos.

A Nayara Lopes de Araújo, companheira de todos os estágios em


Tecnologia Lítica e de muitas escavações, pela grande amizade, amor, carinho,
apoio e confiança, além das contribuições para existência do CAJVP e ajuda
no tratamento digital de alguns anexos deste trabalho.

A Sanmea Thayanni Barbosa Bastos, que além do amor, carinho,


apoio e confiança, me deu todas as forças para continuar batalhando nesta reta
final. Também me ajudou a concluir este trabalho com organização dos
anexos, e de tabelas. E agradeço também pelas loucas aventuras, no trajeto da
goma, que acabaram me conquistando definitivamente... Sameca.

Aos amigos e colegas, Marcelo Lemos, Rafael Lemos de Sousa,


Marcelo Iury Oliveira, Sérgio Daher de Oliveira, Fernanda Fonseca
Cruvinel de Oliveira, Pedro Paulo Guilhardi, Marco Túlio do Amaral,
Wendel Barbosa Bastos, Danilo Curado, André Esteves da Silva, Carolina
Borges, Ricardo José dos Prazeres, Samara Dyva Marcos, Janaína
Patrícia Coutinho, José Luiz Lopes Garcia e Eduardo Felipe Salla; e aos
professores, Ms. Rute Pontim, Esp. Mariza Barbosa, Dra. Rosiclér da Silva,
Ms. Bertín Sanches, Dr. Paulo Santos, Ms. Ernesto de Castro. A todos
8

estes minha profunda gratidão, pois em algum momento todos ajudaram a


construir a minha formação com belas discussões sobre arqueologia, e por
todo o apoio dado nestes três anos e seis meses.
9

RESUMO

Neste trabalho pretende-se apresentar a abordagem das ciências


cognitivas aplicada à arqueologia, e como esta pode servir como base para
estudos que utilizam da cultura material para entender mais a fundo a cultura
humana. Para isto será apresentado um tipo específico de cultura material pré-
histórica: os artefatos líticos. Trataremos então de analisar o material lítico
proveniente de uma oficina lítica do centro-oeste brasileiro, o sítio arqueológico
GO-CP-17, partindo também da abordagem tecnológica.

Palavras-Chave: Cognição, Cultura Material, Tecnologia Lítica, Pré-História.


10

ABSTRACT

This work is intended to present the approach of cognitive sciences


applied to archeology, and how it can serve as a basis for studies that use
material culture to understand more deeply the human culture. It will be
presented above a specific type of prehistoric material culture: the lithic
artifacts. This work presents the analysis of lithic artifacts from a lithic atelier
located in the Midwest of Brazil, the archaeological site GO-CP-17, under the
technological approach.

Keywords: Cognition, Material Culture, Lithic Technology, Prehistory.


11

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Explorador - Fonte: Site Apolo 11 ................................................... 16


Figura 2 - O Triângulo Cognitivo ..................................................................... 21
Figura 3 - Plano de Corte e Plano de Bico na seção do instrumento. .............. 44
Figura 4 - Esquema Geral das Cadeias Operatórias de Artefatos Líticos. ....... 46
Figura 5 - As várias concepções de produção da ponta Levallois. Fonte: Boëda
(1991, pg. 54).................................................................................................. 48
Figura 6 - Localização do município de Palestina de Goiás no Estado de Goiás.
Fonte: Site Wikipédia (acessado em 05 de dezembro de 2010). ..................... 56
Figura 7 - Localização do Sítio Arqueológico GO-GP-17 na Região do Córrego
do Ouro. Fonte: Borges (2009, pg. 18). ........................................................... 58
Figura 8 - Remontagem de Instrumento com Lasca de Retoque. Fotos de João
Carlos Moreno de Sousa................................................................................. 59
Figura 9 – Reconhecimento da Fratura Concoidal no Material Lítico. Fonte:
Rodet; Alonso (2004) ...................................................................................... 63
Figura 10 - Esquema de Abertura de Plano de Percussão – Debitagem por
Fatiagem. Desenhos por Ernesto Tedesco. Fonte: Viana (2006, pg. 821). ..... 68
Figura 11 - Exemplos de delineamento de gume. 1-Retilíneo, 2-Convexo, 3-
Côncavo, 4-Coche, 5-Denticulado. Fonte: Inizan et. al (1995). ....................... 80
Figura 12 - A: Corte Negativo; B: Corte Positivo. Fonte: Piel-Desruisseaux
(1989, pg. 96). ................................................................................................. 81
12

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Algumas Características Relevantes sobre os Artefatos Lascados


.......................................................................................................................119
13

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Matéria-Prima do Artefatual Lítico.................................................. 56


Gráfico 2 - Proveniência da Matéria-Prima ...................................................... 57
Gráfico 3 - Lascas Suporte - Quantidade de negativo na face externa ............ 65
Gráfico 4 - Lascas Suporte - Orientação das nervuras .................................... 66
Gráfico 5 - Lascas Suporte - Morfologia das Lascas Suporte .......................... 67
Gráfico 6 - Lascas Suporte - Acidentes de Lascamento .................................. 67
Gráfico 7 - Lascas de Fatiagem - Morfologia ................................................... 69
Gráfico 8 - Lascas de Façonnage - Quantidade de negativos na face externa 71
Gráfico 9 - Lascas de Façonnage - Orientação das nervuras .......................... 71
Gráfico 10 - Lascas de Façonnage - Perfil das Lascas ................................... 72
Gráfico 11 - Lascas de Façonnage - Morfologia .............................................. 72
Gráfico 12 - Lascas de Façonnage - Acidentes de Lascamento ...................... 73
Gráfico 13 - Lascas de Façonnage - Morfologia dos Talões............................ 74
Gráfico 14 - Lascas de Retoque - Quantidade de negativo na face externa .... 75
Gráfico 15 - Lascas de Retoque - Orientação das Nervuras ........................... 75
Gráfico 16 - Lascas de Retoque - Perfil das Lascas ........................................ 76
Gráfico 17 - Lascas de Retoque - Morfologia das Lascas ............................... 76
Gráfico 18 - Lascas de Retoque - Acidentes de Lascamento .......................... 77
Gráfico 19 - Lascas de Retoque - Morfologia dos Talões ................................ 77
Gráfico 20 - Lascas de Retoque - Preparação de Talão .................................. 78
Gráfico 21 - Refugo - Estado de preservação ................................................126
Gráfico 22 - Lascas de Refugo - Quantidade de negativos na face externa ...127
Gráfico 23 - Lascas de Refugo - Orientação das Nervuras ............................127
Gráfico 24 - Lascas de Refugo - Perfil das Lascas .........................................128
Gráfico 25 - Lascas de Refugo - Morfologia das Lascas ................................129
Gráfico 26 - Lascas de Refugo - Acidentes de Lascamento ...........................130
Gráfico 27 - Lascas de Refugo - Morfologia dos Talões .................................131
14

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 16
2. ARQUEOLOGIA: MENTE, CORPO E CULTURA ..................................... 18
2.1 A Cultura e a Materialidade .................................................................................. 18
2.2 O Triângulo Cognitivo como Base para a Arqueologia ........................................ 20
2.3 Os Processos Cognitivos ..................................................................................... 22
2.4 Objeto e Artefato ................................................................................................... 28
2.5 Paisagem e Sítio Arqueológico ............................................................................ 29
2.6 As Tradições Tecnológicas .................................................................................. 31
2.7 O Corpo em Ação ................................................................................................. 33
2.7.1 Instrumento: A Prótese Cognitiva Funcional do Corpo ................................. 34
3. INDÚSTRIA LÍTICA: ADAPTAÇÃO E COGNIÇÃO .................................... 36
3.1 A Evolução da Tecnologia .................................................................................... 36
3.1.1 Os Níveis de Complexidade de Produção de Instrumentos ......................... 38
3.2 A Consciência da Operação ................................................................................. 41
3.3 O Conceito de Cadeia Operatória na Tecnologia Lítica ...................................... 41
3.4 As Unidades Tecno-Funcionais ........................................................................... 46
3.5 O Conhecimento e as Escolhas por Trás do Instrumental Lítico ........................ 47
4. PRÉ-HISTÓRIA DA TECNOLOGIA LÍTICA NO CENTRO-OESTE DO
BRASIL .......................................................................................................... 49
4.1 As Tradições Arqueológicas e o Exemplo da Onipresença Itaparica ................. 49
4.2 Sudoeste Goiano .................................................................................................. 50
4.3 Serra Geral ........................................................................................................... 51
4.4 Sul Mato-Grossense ............................................................................................. 52
4.5 Alto Paraná ........................................................................................................... 53
4.6 Panorama Geral.................................................................................................... 53
5. APLICANDO AS ABORDAGENS DE COGNIÇÃO E TECNOLOGIA NA
PRÉ-HISTÓRIA: O CASO DA OFICINA LÍTICA GO-CP-17........................... 55
5.1 Descrição do Sítio ................................................................................................. 55
5.2 Breve Histórico de Pesquisas no Sítio ................................................................. 59
5.3 Metodologia de Análise Lítica Aplicada ............................................................... 60
5.4 Lascamento e Reconhecimento das Técnicas Aplicadas ................................... 61
5.5 Núcleos, As Matrizes de Debitagem .................................................................... 64
15

5.6 Lascas Suportes, Os Produtos da Debitagem ..................................................... 65


5.6.1 Lascas de Fatiagem ....................................................................................... 68
5.7 Os Resíduos de Produção de Instrumento .......................................................... 69
5.7.2 Resíduos de Façonnage ................................................................................ 70
5.7.3 Resíduos de Retoque .................................................................................... 74
5.8 Os Instrumentos Líticos Lascados ....................................................................... 78
5.8.1 Reconhecendo as UTFs Transformativas ..................................................... 79
5.8.2 Reconhecendo as UTFs Preensivas ............................................................. 80
5.8.3 Descrição dos Artefatos e Seus Instrumentos .............................................. 81
5.8.4 Os Fragmentos de Instrumento Lítico Lascado .......................................... 121
5.9 Os Instrumentos Líticos Não Lascados ............................................................. 121
5.10 Refugo............................................................................................................... 126
6. A PRÉ-HISTÓRIA ESCRITA EM PEDRAS: VESTÍGIOS COGNITIVOS NO
GO-CP-17 ......................................................................................................132
6.1 Oficina GO-CP-17: Potencialidade para Escrever uma Pré-História da
Tecnologia ................................................................................................................. 132
6.1.1 Os Dados da Debitagem.............................................................................. 132
6.1.2 Resíduos de Produção de Instrumento ....................................................... 133
6.1.3 Instrumentos ................................................................................................ 133
6.1.4 Comparação dos Dados Apresentados ...................................................... 134
6.1.5 Como Esta Indústria Lítica se Insere no Contexto do Centro-Oeste
Brasileiro?.............................................................................................................. 135
6.2 A Cognição em Atividade no GO-CP-17 ............................................................ 136
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................137
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................139
ANEXOS ........................................................................................................148
16

1. INTRODUÇÃO

Olá, Você! Seja bem vindo a bordo! Esta não é nave mãe, que detém
todas as informações necessárias para aterrissar num novo mundo, mas um
pequeno explorador que busca apenas reconhecer território.

Figura 1 - Explorador - Fonte: Site Apolo 11

Primeiro trataremos de buscar nas ciências cognitivas o que é este


objeto de estudo da arqueologia que tem sido denominado como cultura
material. Veremos que o homem é constituído pela sua mente, seu corpo e sua
cultura, e cada um destes carrega, cria, transmite e agrega conhecimentos.
Estes conhecimentos são materializados. Veremos então quais são os
processos que envolvem conhecimento nesta relação do homem com a
materialidade. E qual é essa materialidade afinal? Do que é constituída a
cultura material? Como a cognição trabalha sobre o objeto e a paisagem?

Rumamos então para um tipo de cultura material específico: Artefatos


líticos. Vamos entender primeiro como se constrói a abordagem tecnológica
que vem estudando este tipo de vestígio pré-histórico, além de buscar
compreender do que realmente se trata o artefato lítico, e o seu papel nas
sociedades pré-históricas. Para compreender a aplicação prática de ambas as
abordagens - cognitiva e tecnológica - na cultura material foi analisada uma
indústria lítica. Trata-se da indústria expressa na oficina lítica GO-CP-17,
localizada no município de Palestina de Goiás, estado de Goiás, região Centro-
Oeste.
17

Mas antes de explorarmos os vestígios desta indústria, vamos fazer uma


rápida viagem pelas indústrias líticas presentes nessa região com o objetivo de
contextualizar nosso estudo de caso. Por fim, exploraremos mais a fundo o
GO-CP-17 – território habitado há milhares de anos, pesquisado há algumas
décadas, e que agora vem sendo mais uma vez pesquisado. Vestígios de
produção e utilização de instrumental pré-histórico do local foram coletados,
analisados, descritos e interpretados.

A missão deste explorador termina tomando o rumo de volta à nave


mãe, com a esperança de que a nova carga de informações aqui contidas, à
luz da cognição e da tecnologia, possa servir como base para um pouso seguro
num mundo que ainda tem muito a ser explorado chamado Arqueologia
Brasileira.
18

2. ARQUEOLOGIA: MENTE, CORPO E CULTURA

The past is everywhere. All around us lie features which, like


ourselves and our thoughts, have more or less recognizable
antecedents. Relics, histories, memories suffuse human
experience. . . . Whether it is celebrated or rejected, attended to or
ignored, the past is omnipresent (LOWENTHAL, 1985:XV).

A Arqueologia pode ser entendida como a ciência que busca


compreender o homem e sua cultura através dos vestígios materiais
remanescentes deixados por grupos humanos, sejam eles de um período pré-
histórico, histórico ou até mesmo contemporâneo. De acordo com Fagan
(1988), o arqueólogo estuda sítios arqueológicos e seus conteúdos no contexto
de tempo e espaço para obter descrições de longas sequências culturais;
reconstrói os antigos modos de vida; estuda processos culturais, explicando
por que mudanças culturais ocorrem e, por fim, busca compreender o registro
arqueológico, incluindo sítios, artefatos, restos de alimentação, e outros, que
fazem parte do nosso mundo contemporâneo.

Fundamentado na ideia de que o homem enquanto indivíduo se


relaciona com a sociedade, o ambiente, e o mundo material, através do corpo e
dos objetos o arqueólogo também estuda a cultura material buscando
compreender os processos por trás da mente, do corpo e da cultura humana.

2.1 A Cultura e a Materialidade

A Arqueologia enquanto ciência entende o processo da pesquisa


arqueológica, entre outros vieses, através da cultura material. Logo, é de suma
importância ter bem estruturado este e outros conceitos, para que, nos
próximos capítulos, seja possível estudar as indústrias líticas e outros aspectos
culturais das sociedades pré-históricas, uma vez que toda a relação do homem
com o mundo material não se faz apenas com o corpo, mas também com os
objetos, ou seja, com a cultura material.

A espécie humana se caracteriza pelo uso abundante de objetos em


todas as suas atividades, e pela apropriação destes objetos. Parece quase
19

impossível a sobrevivência do homem sem o uso de instrumentos, ferramentas,


utensílios e demais produtos da cultura humana. Como enfatizado por Prous
(2004), todas as sociedades têm as mesmas necessidades essenciais. Estas
necessidades exigem as ações de cortar, raspar, furar, moer, entre outras as
quais, para podermos atendê-las, necessitamos de artifícios que ajudam a
realizar atividades que apenas o próprio corpo nem sempre é capaz de fazer.
Não podemos deixar de lado também as necessidades de representação
simbólica em forma material. Necessitamos da manifestação de várias esferas
do conhecimento em sua materialidade. É necessário frisar que ao tratar de
materialidade, aqui, me refiro à matéria, ou seja, aquilo que a Física enquanto
ciência define como qualquer coisa que possua massa, que ocupe um lugar no
espaço e que esteja sujeita a inércia, se apresentando em três estados: líquido,
físico e gasoso. Logo, toda parte do conhecimento humano apresentado em
um destes estados pode ser denominada de cultura material.

Atento para o fato de que estou tratando aqui a materialidade de um


ponto de vista diferente da abordagem que vem sendo construída nos últimos
anos, a qual considera a materialidade como um conjunto de relações culturais
(PELS, 2002), o que inclui toda a relação do homem com objetos. Lynn Meskell
descreve esta diferença entre a abordagem de cultura material, na qual este
trabalho se desdobra, e a abordagem mais ampla da materialidade que ela e
outros autores vêm seguindo nas seguintes palavras:

(…) our understanding of the potentials of materiality diverges


significantly from the conventional study of material culture in
archaeology. Studies of material culture can be traditionally
understood as oscillating between empirical studies and more
theoretical and cultural expressions. (MESKELL, 2005, pg. 1)

Esta abordagem considera, então, a materialidade como:

(...) a term always speaks to a paradox, which is the assumed greater


reality of that which we do not apprehend over that which is merely
evident. (MILLER, 2005,a, pg. 212)

Ou seja, trata de uma pluralidade de conceitos de materialidade


(MILLER, 2005,b).
20

Mas a abordagem seguida aqui trata de apenas uma materialidade, a


materialidade como tudo o que é material, e nada além do material. O
conhecimento humano por trás dessa cultura trato como cognição, e este sim
transcende o caráter material. Logo, cultura material passa a ser a cognição
relacionada à materialidade dos objetos.

2.2 O Triângulo Cognitivo como Base para a Arqueologia

A abordagem do triângulo cognitivo considera o homem formado pelo


Sujeito Psíquico, o Sujeito Fisiológico, e a sociedade e sua cultura. São
“os três bicos da cognição” que Jean-Gabriel Ganascia aponta em sua obra
sobre as ciências cognitivas. Para explicar esta abordagem deve-se deixar
claro que as ciências cognitivas tratam do estudo daquilo que compõe a mente:
o conhecimento. “O conhecimento está no centro das ciências cognitivas, o
conhecimento como objeto de estudo, não o conhecimento enquanto
conteúdo.” (GANASCIA, 1996, Pg. 89).

A arqueologia é uma ciência cognitiva na medida em que tem o


conhecimento humano como objeto de estudo. “Portanto, se quiserem
conhecer a mente, não procurem apenas psicólogos e filósofos: certifiquem-se
de também procurar um arqueólogo" (MITHEN, 1998, Pg. 364). Ao tratarmos
de cultura estamos tratando do conhecimento que o homem possui sobre o
mundo, e este conhecimento percorre outros dois vértices do triângulo que
compõe o homem. O primeiro vértice composto pela “maior parte daquilo que o
homem tem de pouco usual” (DAWKINS, 1989, Pg. 325): a cultura.

Culture: (a) the integrated pattern of human knowledge, belief, and


behavior that depends upon man's capacity for learning and
transmitting knowledge to succeeding generations; (b) the
customary beliefs, social forms, and material traits of a racial,
religious, or social group (Merriam-Webster‟s Collegiate Dictionary,
2008).
21

Figura 2 - O Triângulo Cognitivo

Os outros dois vértices são compostos pela materialidade do homem, ou


seja, o corpo; e pela consciência e a subconsciência humana, ou seja, a
mente. Os três vértices criam, produzem, e armazenam conhecimento através
de uma série de processos.

Ganascia (1996) trata a cognição em dois polos: os conhecimentos


singulares e os conhecimentos plurais. Os conhecimentos singulares tratam
da relação de privilégio do saber individual sobre um objeto, a relação pessoal
do indivíduo com o objeto, ou seja, a teoria cognitiva aborda o singular para
estudar os sujeitos individuais. Assim, dois pontos de vista surgem sobre o
sujeito individual: O primeiro trata da fisiologia, da materialidade do homem, o
seu corpo; o segundo trata da personalidade psíquica, da alma do homem, sua
mente. Os conhecimentos plurais tratam sobre o que pode ser abstraído do
objeto e transmitido a outros indivíduos, o conteúdo. Ou seja, a teoria cognitiva
aborda os plurais para abordar línguas e linguagens, os costumes partilhados,
etc., enquanto que os conhecimentos plurais têm a sociedade e sua cultura
como ponto de vista. A arqueologia estuda o homem abordando os
conhecimentos plurais e a sua relação com os conhecimentos singulares.
Aborda tanto a relação da cultura com a mente humana, como a relação da
cultura e o corpo humano. É neste viés que a Arqueologia Cognitiva busca
compreender a relação do homem com o mundo material e o desenvolvimento
22

cognitivo. O arqueólogo cognitivo Robert Bednarik1 considera: “Cognitive


archaeology is the branch of archaeology that investigates the development of
human cognition”.

Aqui, meu objetivo é demonstrar como o triângulo cognitivo pode formar


uma base excelente para a arqueologia, partindo de um viés mais próximo do
apontado por Warnier (1999), que acredita que a abordagem cognitiva fez
progredir a teoria da cultura material estabelecendo a existência de um
conhecimento discursivo muito diretamente ligado ao engajamento do corpo na
ação. Essa importância dada ao corpo pode ser explicada pelo fato de que o
corpo faz o intermédio da mente com o mundo material, onde a cultura deixa
vestígios de sua existência. Este viés difere um pouco do apontado por Samuel
(1990), onde ela aponta o modelo das Estruturas Multimodais (MMF) partindo
de um ponto de vista biológico, e difere mais ainda do ponto de vista de Ingold
(2008) sobre a Tese da Complementaridade onde faz uma crítica, utilizando da
biologia e psicologia evolutivas com bastante especificidade, sobre o estudo do
homem em três partes: mente, corpo e cultura, ou seja, os mesmos elementos
que compõem o triângulo cognitivo. Outros trabalhos, como o de Viana (no
prelo), parte de uma abordagem tecnológica que, mesmo que não utilize do
triângulo propriamente dito, enfoca o homem partir da mente e do corpo,
apontando estes elementos como responsáveis pelos processos cognitivos e
psicomotores. Parto, então, de um viés que aborda os processos onde há o
engajamento do conhecimento humano dentro do triângulo cognitivo,
considerando o homem enquanto indivíduo e sociedade.

2.3 Os Processos Cognitivos

Modern humans depend so heavily on material culture that the word


„symbiosis‟ does not seem out of place, yet cognitivists often seem
unaware of the importance of this symbiosis, as fish are unaware of
the sea (DONALD, 1998, pg. 181).

1
O texto “Cognitive Archaeology” esta disponível no site da Australian Research Association
(AURA): <http://mc2.vicnet.net.au/home/cognit/web/index.html> (acessado em 10 de outubro
de 2010).
23

Entendemos que o mundo dos homens é composto por objetos. Ao


compreendermos os processos que resultam da relação do homem com os
objetos, podemos começar a compreender como ocorre a relação do homem
com o mundo material através de processos que ocorrem nos três vértices do
triângulo cognitivo.

A relação do homem com os objetos é carregada de um valor simbólico


que transcende a sua materialidade, ou seja, vai além das características
físicas. Refiro-me a valorações que o homem determina para diferentes
objetos. Tal valoração pode ser condicionante para as atividades do dia-a-dia,
ou até mesmo, determinante para uma forma de vida. Esse valor simbólico
compõe a identidade cultural de cada sociedade, portanto, diferentes valores
podem ser dados ao objeto em relação às diferentes tradições culturais. A
relação cognitiva do homem com os objetos pode ser observada como uma
cadeia de processos cognitivos.

O termo percepção vem sendo utilizado na arqueologia, muitas vezes,


sem uma definição clara. É um termo que pode ser entendido de diferentes
maneiras. Nos anos mais recentes a arqueologia vem bebendo da
multiplicidade de olhares sobre a percepção que a filosofia e a psicologia
evolutiva apontam. Nesta linha de pensamento a percepção percorre os três
processos cognitivos (sensação, interpretação e significação), porém sem
quase nunca distinguir percepção dos outros processos, podendo ser apenas
sinônimo de sensação, até se assemelhar ao conceito geral de cognição que
emprego aqui.

De acordo com Chaui (2000, pg. 151), “a tradição filosófica, até o século
XX, distinguia sensação de percepção pelo grau de complexidade”. E seguindo
uma linha filosófica define percepção como:

O conhecimento sensorial de configurações ou de totalidades


organizadas e dotadas de sentido e não uma soma de sensações
elementares; sensação e percepção são a mesma coisa (Pg. 153);

Além disso, Chaui ainda afirma que percepção:

(...) é sempre uma experiência dotada de significação, isto é, o


percebido é dotado de sentido e tem sentido em nossa história de
24

vida, fazendo parte de nosso mundo e de nossas vivências; Em


resumo: na percepção, o mundo possui forma e sentido e ambos
são inseparáveis do sujeito da percepção (Pg. 154).

Neste sentido, sensação também é interpretação, e somado à


significação, temos a percepção.

Mais recentemente, Gärdenfors (2007, pg. 41), partindo duma linhagem


da psicologia evolutiva aponta três elementos da consciência, ou seja, da
cognição, para buscar entender o funcionamento do pensamento:

1. Les sensations sont les impressions sensorieles immédiates.


2. Les perceptions sont des impressions sensorielles interprétées.
Les perceptions forment una catégorie de représentations.
3. Les imaginations (ou images), que j‟appelarai également
représentations détachées, ne sont pas directement régies par des
impressions sensorielles. Imaginations et perceptions sont les
éléments à partir desqueles le monde intérieur se construit.

Neste sentido, percepção e sensação são processos diferentes;


percepção é sinônimo de interpretação; e o termo imaginação é utilizado para
se referir à construção do mundo interior, ou seja, dos conhecimentos
singulares.

Os processos cognitivos que constroem o conhecimento podem ser


conceituados de uma maneira diferenciada. Uma vez que separar o homem em
corpo, mente e cultura tem se tornado um modo eficaz de estudar o homem,
proponho os seguintes conceitos para os processos cognitivos, que constroem
o conhecimento humano, baseado no modelo do triângulo cognitivo:

A sensação, o primeiro processo cognitivo, é a capacidade de captação


de informações através dos mecanismos sensoriais do corpo. Essa capacidade
está ligada diretamente às características biológicas do indivíduo, suas
qualidades físicas da percepção. A sensação é realizada através do corpo
sendo o primeiro estágio de relação da mente com tudo aquilo que há no corpo
do individuo e com tudo aquilo que compõe o meio espacial do ambiente
humano: os objetos. Este conceito está de acordo com o sugere Gärdenfors:
25

“Les sensations sont localisées dans de corps. On ne peut pas décrire una
sensation sans dire où on la ressent dans notre corp”(2007, pg. 43).

A interpretação, o segundo processo cognitivo, é a capacidade mental


de organizar as informações recebidas na sensação, que dá a capacidade do
indivíduo orientar o seu comportamento. Nem tudo aquilo que é sentido num
objeto é interpretado, pois nem todas as informações sobre o objeto estão no
nosso banco de dados cognitivo: a memória.

Ambos os processos sensação e interpretação formam um grande


processo cognitivo de construção dos conhecimentos singulares: a percepção.
A interpretação é influenciada pela sociedade vigente e pelas experiências
individuais. Em outras palavras, o individuo tende a perceber, num primeiro
momento, aquilo que ele já conhece, buscando inconscientemente informações
já existentes na memória para assimilar às informações captadas no processo
sensitivo. Apenas percebemos coisas novas quando realmente procuramos
por elas. Caso contrário, estas novas informações nunca irão existir para o
indivíduo. Ganascia (1996) explica isso tratando a noção de modalidades
perceptivas da memória referindo-se àquilo que percebemos consciente e
inconscientemente com influência direta da memória, os processos
conscientes enquanto intencionais, controláveis e acessíveis a consciência
(BARGH & MORSELLA, 2008).

A significação, terceiro processo cognitivo, trata do estabelecimento de


valores para as informações interpretadas. Este valor é construído pelo
conhecimento tradicional da sociedade, e pela individualidade. Ou seja, a
significação ocorre de acordo com as informações já existentes na memória
individual, mas principalmente na memória da sociedade – nos conhecimentos
plurais. Os objetos, portanto, só possuirão um valor simbólico quando existe a
relação cognitiva com o homem. O objeto por si só não possui esse valor
simbólico. Sem significação não existe objeto. Não existe nada.

Três pontos devem ser observados sobre os processos acima descritos.


Primeiro, que estes ocorrem de maneira automática, independente da nossa
vontade. Segundo, que estes processos ocorrem numa reação em cadeia onde
um processo dá inicio ao outro. E por fim, os três processos ocorrem de uma
26

forma tão rápida que, por muitas vezes ao tentarmos distinguir sensação,
interpretação e significação, inicialmente parecem ser a mesma coisa, mas ao
compreendermos como e onde eles ocorrem podemos ver que se trata de
processos cognitivos diferenciados.

O primeiro processo, a sensação, trata da identificação do objeto através


do corpo do indivíduo; a seguir desencadeia o processo de interpretação, que
trata de organizar as informações percebidas no objeto através da mente do
indivíduo; consequentemente ocorre o processo de significação, que trata de
estabelecer valores para aquele objeto através das tradições da sociedade a
qual o indivíduo está situado. Temos aqui o triângulo cognitivo: Corpo e
sensação, mente e interpretação, cultura e significação; e ainda percepção
enquanto construção dos conhecimentos singulares, e significação enquanto
construção dos conhecimentos plurais. Os conhecimentos singulares
equivalem à memória individual, ao mundo interior apontado por Gärdenfors
(2007); já os conhecimentos plurais equivalem à memória social apontada por
Dyke & Alcock (2003), e ao mundo exterior de Gärdenfors.

Ainda há um quarto processo a ser citado. A apropriação. Apropriar-se


dos objetos e do ambiente é da natureza humana. É um processo conjunto à
significação, onde, de acordo com os valores atribuídos aos objetos e ao
ambiente, estes são, de forma seletiva, tomados como pertencentes ao
indivíduo e/ou à sua sociedade. Este conceito de apropriação é relativo ao da
abordagem cognitiva apontada por Baillete & Kimble onde:

Appropriation is seen as a process that allows an individual to


'rebalance' (rééquilibrer) their internal cognitive structures following
the disturbance in the environment, or to absorb new information
from that environment (2008, pg. 10).

E também, uma vez que é um processo conjunto da significação, se


aproxima da abordagem tecnológica, discutida pelos mesmos autores, que
afirma que:

Appropriation is seen as the process by which an individual invests


meaning and value in the use of a tool. The result of this process is
characterised as the gap or difference in use between that
imagined by the creators of the tool, and that which was put into
27

effect by the end users, or by the different uses made of the same
tool by different groups of users in the same context (Pg.10).

É possível observar que este modelo para compreensão da relação


cognitiva do homem com o mundo material, apesar de tratar o homem em três
partes - a mente, o corpo e a cultura – estas estão diretamente interligadas, e
os processos que ocorrem neles e entre eles estão em ação contínua, sendo
assim realizada esta separação como um modelo de estudo eficaz sobre a
cognição entre o homem e o mundo material. As palavras de Julian Thomas
expressam melhor o que quero dizer:

Mind, body and world are not ontologically distinct spheres: they are
categories which people have created, and which often serve to lead
us to misunderstand ourselves. Thinking is not something which takes
place in a separate space called the mind: it is a means of
engagement in the world, and it would not be possible if we did not
already exist in a material world, alongside other beings. Yet very
often human beings presume themselves to be free-standing and self-
contained „individuals‟, possessing a rich internal world which
confronts physical reality from a distance, and renders it meaningful
(THOMAS, 1998, pg. 151).

Em resumo, e para tornar mais claro, o modelo aqui proposto dos


processos da relações cognitiva do homem com o mundo material se desdobra
a seguinte maneira:

• Percepção – Construção dos conhecimentos singulares:

• Sensação - capacidade de captação de informações através dos


mecanismos sensoriais do corpo.

• Interpretação - a capacidade mental de organizar as informações


recebidas na sensação, que dá a capacidade do indivíduo orientar o
seu comportamento.

• Significação - trata do estabelecimento de valores para as informações


interpretadas – construção dos conhecimentos plurais.

• Apropriação - de acordo com os valores atribuídos aos objetos e ao


ambiente, estes são, de forma seletiva, tomados como pertencentes ao
indivíduo e/ou à sua sociedade.
28

2.4 Objeto e Artefato

Após compreender estes processos, podemos começar a finalmente


conceituar alguns termos muito utilizados nos estudos de cultura material,
baseado nas definições dos processos cognitivos aqui propostas.

Por objeto entende-se qualquer coisa que possui uma relação com o
homem através dos processos cognitivos. O objeto só existe na realidade do
indivíduo a partir do momento que é percebido.

Outro termo que se faz importante de construir uma definição é o


artefato. Este é um dos termos mais utilizados pela arqueologia para se referir
aos seus objetos de estudo. Artefato pode ser definido como qualquer objeto
apropriado pelo homem para atender uma função (seja ela funcional, simbólica,
etc.). No caso do artefato produzido podemos denominar também objeto
técnico, pois está inserido numa cadeia de operações técnicas. Ou como
Deforge define, objeto técnico é “l‟objet existe dans la mesure où il est inclus
dans um chaîne de gestes, dans um comportment technique general”(1985,
pg.82).

In general, the nature of an artefact depends on aspects of the


physical world (e.g. the material from which it is made), on the
characteristics of the individual who made it or for whom it was
intended, and on aspects of history and fashion (HINDE, 1998, pg.
178).

Seguindo a visão de Hinde, o artefato pode então ser considerado a


partir da apropriação enquanto processo cognitivo.

Estes conceitos são importantes de compreensão, principalmente para


discutir, em seguida, o conceito de instrumento. Para entender melhor esta
série de definições, vejamos de outra forma:

 Todo artefato é um objeto, pois ele é perceptível ao homem.


 O objeto para se tornar artefato deve ser apropriado.
 Se o objeto é apropriado através de técnicas de produção ele se
torna um objeto técnico.
29

 Todo objeto técnico é apropriado, logo, todo objeto técnico é um


artefato.

Todas as definições acima descritas podem servir para objetos e


artefatos em forma material e, também imaterial. Há de reforçar sempre que a
cultura humana também se apresenta de forma imaterial! Fato é que o estudo
da cultura imaterial na arqueologia pode ser feito através da cultura material.
Por exemplo, a música não é matéria física, é um artefato imaterial, mas é
produzida por artefatos materiais, como tambores e flautas, que podem ser
estudados pela arqueologia. O arqueólogo acaba por se tornar uma espécie de
detetive que procura e estuda vestígios materiais para compreender a mente, o
corpo, e a sociedade do homem por trás destes vestígios. Em outras palavras,
cabe à arqueologia buscar compreender a cultura através da sua materialidade
como viés para interpretação dos conhecimentos humanos. Estes
conhecimentos na sociedade - a cultura - são agregados aos objetos e
materialmente manifestados nos artefatos materiais. Neste sentido, a cultura de
um grupo humano pode ser definida pelo modo como os objetos, materiais e
imateriais, são produzidos, percebidos, significados e organizados no meio
ambiente.

2.5 Paisagem e Sítio Arqueológico

Para entendermos a relação cognitiva do homem com o meio ambiente,


devemos entender que este meio é percebido pelo homem. O termo paisagem
é designado para tratar desta relação, contudo, ainda não há um consenso na
definição do termo paisagem nos estudos de arqueologia.

(…) authors use a multiplicity of landscape references that


differentially emphasize natural (e.g., ecological,
geomorphological, and hydrological) and cultural (e.g.,
technological, organizational, and cosmological) aspects of the
human environment (ANSCHUETZ et al. 2001).

Tilley começa definindo paisagem como a representação


30

“physical and visual form of the Earth as an environment and as


setting in which locales occur, and in dialectical relation to which
meanings are created, reproduced and transformed” (1994, Pg.
25).

Em acordo com esta visão, nesta relação dialética estão presentes os


processos cognitivos de forma a perceber a forma física do espaço e a criar,
reproduzir e transformar significados.

Paralelo a este conceito, Bender (2001) define a paisagem como o


espaço mediado pela percepção subjetiva e sensorial dos indivíduos, ou seja,
tudo aquilo que o homem percebe no espaço físico. Utilizando do conceito de
objeto aqui aplicado, o modo como os objetos se estruturam no espaço físico e
os processos cognitivos por trás da relação do homem com estes objetos
constroem a paisagem. Ou seja, a paisagem é puramente cultural. Bender
(2001) ainda coloca que a paisagem não é apenas um espaço qualquer, mas
um espaço mediado. Ou seja, Paisagem não é apenas o espaço que você
percebe ao seu redor. Deve haver movimentação neste espaço. Quando há
movimentação, maior informação é captada por nossos mecanismos
sensoriais, e nossa interpretação sobre o meio ambiente se modifica. Podemos
complementar na afirmação de Bender a questão social. Indivíduos de
diferentes sociedades podem perceber o espaço de maneira semelhante em
certos aspectos, mas diferenças culturais podem refletir em modos
extremamente divergentes de significar a paisagem.

De acordo com Valera (2000), paisagem é um espaço categorizado que


resulta da existência de um observador munido de consciência; é um termo
utilizado para designar as realidades espaciais que são socialmente
percebidas, experimentadas e conceituadas. A paisagem não é, então,
construída individualmente, pois estamos tratando de um produto cultural, dos
conhecimentos plurais, sendo assim, necessariamente construída pela
memória social.

A paisagem é, no fundo, a percepção cognitiva da envolvente


exterior pelo elemento humano, constituindo a memória a tomada
de consciência da acção cognoscente. Assim, na realidade,
paisagem e memória resultam num binómio inseparável, de total
31

complementaridade, cuja construção corre em paralelo


(MATALOTO, 2007, Pgs. 123-124).

Por fim, a paisagem é o entorno físico meio ambiental da ação do


homem. Este espaço físico, logo, é um espaço adaptado pela ação humana. É
neste contexto que a denominada Arqueologia da Paisagem se insere,
estudando os processos de apropriação do espaço. O arqueólogo busca
compreender a organização espacial, não só da área de escavação, mas da
paisagem como um todo. Uma paisagem percebida subjetivamente pelos seus
aspectos biológicos, mas buscando a imagem mental de uma cultura projetada
pelos remanescentes materiais dessa mesma população.

É esta paisagem construída, trabalhada, conceptualizada, que


ainda hoje nos acompanha pejada de simbolismos, códigos e
significações, que procuramos decifrar com a actividade
arqueológica, numa ânsia de criação/preservação da memória
colectiva (MATALOTO, 2007, Pg. 123).

Existem pontos na paisagem apropriados pelo homem, para realização


de diferentes atividades, e atender diferentes necessidades. São estes pontos
apropriados, que deixam vestígios de atividade humana, que o arqueólogo está
em busca. Em outras palavras, o arqueólogo busca o sítio arqueológico. É de
acordo com o espaço percebido e os elementos que o compõe, além de suas
necessidades culturais, que o homem se apropria dos objetos e da paisagem,
transformando-os em artefatos e sítios arqueológicos. Tratar a paisagem
separada do homem torna-se ineficaz, pois:

The place and the people are conceptually fused. The society
derives meaning from place, the place is defined in terms of social
relationships, and the individuals in the society are not alienated
from the land (SACK, 1980, pg. 177).

2.6 As Tradições Tecnológicas

Além dos conceitos de cultura material, a arqueologia forma grandes


bases sobre o conceito de tradição. Em seu conceito mais „tradicional‟ a
tradição, em arqueologia, é definida por “uma sequência de estilos ou de
32

culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formam uma
continuidade cronológica” (MENDONÇA DE SOUSA, 1997, pg. 124). Mais do
que o conhecimento e o estilo por trás da cultura material de uma sociedade, a
tradição ainda pode ser compreendida como o conjunto de ações, hábitos, e
comportamentos realizados por toda uma sociedade, ou seja, a manifestação
inconsciente, como apontado por Rahmeier (2007), mas também consciente (!),
“da identidade cultural estruturada nos seres humanos ao longo de suas vidas”
(RAHMEIER, 2007, pg. 34). Estas tradições se apresentam e se modificam
através de vários aspectos da cultura, como as crenças, alimentação, estética,
arte, tecnologia, entre outros. Ou seja, a tradição é o todo hábito da cultura de
uma sociedade. Aqui, volto atenção à tecnologia, que responde, entre outras
coisas, pela produção de artefatos técnicos. A tecnologia pode ser também
compreendida como meio de compreensão específico da técnica e de seus
produtos (BECKMANN, 1777 apud DEFORGE, 1985, pg. 61), e ainda,
tecnologia “refers to the things manufactured and the knowledge and skills
required to make them” (TREMBLAY & PRESTON, 1985, pg. 11).

Entende-se que para que seja possível compreender certos aspectos


sobre diferentes grupos humanos, estudamos sua cultura material, partindo da
ideia de que esta é fruto da relação do homem com a sociedade, a natureza, a
tradição, enfim, o mundo. Diferentes sociedades, com diferentes necessidades
específicas, podem apresentar diferentes produtos materiais. Estes produtos
podem, ou não, ter sido produzidos por diferentes tradições tecnológicas, ou
seja, diferentes hábitos técnicos de produção de artefatos. A técnica em
qualquer sociedade é a representação de esquemas mentais aprendidos
através da tradição, assim como qualquer ação humana no mundo material,
uma vez que a técnica é resultado das estratégias e significados sociais
(LEMONNIER, 1993). Este conhecimento tradicional sobre produção dos
artefatos é transmitido, modificado, amadurecido e adaptado através da
linguagem, da observação, da imitação, e da experiência - o que inclui ações
de tentativa e erro. Destaca-se a construção das capacidades cognitivas
individuais dadas pela aquisição do conhecimento técnico através das cadeias
operatórias. Em seu pleno sentido, os conhecimentos técnicos
33

sistematicamente transmitidos de geração a geração são denominados de


tradição (FOGAÇA & BOËDA, 2006).

Aqui é possível fazer um paralelo entre o triângulo cognitivo e o tríplice


ponto de vista do homem total apontado por Marcel Mauss: o elemento
sociológico de comunicação entre indivíduos para transmissão do
conhecimento técnico, e os elementos psicológico e biológico individuais no
ato da técnica em ação. O elemento sociológico pode ser comparado aos
conhecimentos plurais, ou seja, a cultura. Da mesma forma, os elementos
psicológico e biológico podem ser comparados aos conhecimentos singulares,
ou seja, o corpo e a mente. “Mas o todo, o conjunto é condicionado pelos três
elementos indissoluvelmente misturados” (MAUSS, 2003, pg. 405).

Em suma, a cultura possui toda uma dinâmica que possibilita a evolução


contínua do comportamento técnico. Contudo, a cultura não modifica os
processos cognitivos por trás da técnica e da tradição.

The evolutionary factors, which have shaped the brain and


complex behavior of humans over millions of years, are, therefore,
unlikely to be completely overturned by cultural developments
arising out of a relatively short period (HODGSON, 2000).

Para Mauss (2003), se não houver tradição, não haverá técnica e nem
transmissão, partindo da ideia de que a técnica deve ser tradicional e eficaz.
Contudo, volto atenção para o fato de que uma técnica que não é capaz de
responder as necessidades, sejam elas simbólicas ou funcionais, de uma
sociedade tem pouca (ou nenhuma) chance de se tornar tradicional. É, pois,
necessário o surgimento da técnica eficaz para que esta seja transmitida para
toda uma sociedade e torne-se então tradicional. De tal forma, as cadeias de
operações técnicas eficazes para a produção e utilização dos artefatos tornam-
se tradicionais.

2.7 O Corpo em Ação

O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou,


mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais
34

natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico do homem, é


seu corpo (MAUSS, 2003, pg. 407).

O corpo, mais do que a forma material do homem, é o agente mediador


da mente com o mundo material, com o mundo imaterial, com o universo
simbólico da cultura, e que media as relações sociais de gênero, considerando
gênero como uma posição culturalmente construída do indivíduo na sociedade.
Inclusive, o estudo do gênero em antropologia era praticamente invisível antes
da abordagem cognitiva (MUKHOPADHYAY, 2004). Toda esta relação é
carregada de conhecimentos plurais e singulares. Uma relação carregada
cognitivamente.

A relação da mente com o mundo material é carregada de


conhecimentos técnicos sobre o corpo que permitem ao indivíduo perceber os
objetos, se deslocar pelo ambiente, transformar a materialidade do objeto e
utilizar os instrumentos. Os modos de interagir com o mundo material através
de gestos e movimentos justificados, num primeiro momento, pela cognição e
para a cognição, definem as técnicas do corpo. Nos anos de 1930, Marcel
Mauss já definia as técnicas do corpo como “as maneiras pelas quais os
homens, de sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-
se de seu corpo” (MAUSS, 2003, pg. 401).

2.7.1 Instrumento: A Prótese Cognitiva Funcional do Corpo

Já tendo definido artefato como objeto apropriado para atender uma


função, cabe agora definir instrumento como o tipo de artefato que exerce sua
função modificando a forma material de outros objetos, através de um conjunto
de gestos que definem um funcionamento. Deforge (1985) classifica o
funcionamento como os fenômenos físico-químicos cientificamente ou
empiricamente conhecidos e que são explorados. O funcionamento aqui se
refere ao modo de utilizar os instrumentos, ou seja, o conjunto de gestos que
compõem técnicas corporais.

Logo, percebemos que para o artefato ser considerado um instrumento


ele deve ser incorporado pelo homem, não na forma física, mas incorporando
35

as dinâmicas do objeto. Warnier (1999) relaciona a incorporação do objeto à


capacidade de memorizar e incorporar conjuntos de ações motoras
perfeitamente adaptadas à dinâmica da relação com os objetos e com o meio.
Em outras palavras, o instrumento é uma prótese do corpo humano, pois
complementa as necessidades funcionais que apenas o próprio corpo não é
capaz de satisfazer. Contudo, isto na basta para definirmos o instrumento como
tal. De nada adianta a existência de um artefato tecnicamente produzido para
atender uma necessidade funcional se ele não é utilizado para atender uma
função, se ele não é incorporado. Instrumento se define pela ação (LEROI-
GOURHAN, 2002), e não pela produção.
36

3. INDÚSTRIA LÍTICA: ADAPTAÇÃO E COGNIÇÃO

A indústria lítica é definida pela produção de artefatos a partir da


extração de objetos materiais em sua forma natural através de uma cadeia de
operações que envolvem o conhecimento técnico de produção, saber fazer,
função e funcionamento do artefato (BOËDA, 1991). Todo objeto inserido nesta
cadeia operatória, devo reforçar, é um objeto técnico (DEFORGE, 1985).

Os instrumentos líticos são um perfeito exemplo de objetos técnicos


apropriados para atender uma função (artefatos técnicos). As necessidades
funcionais que levam a produção desses artefatos direcionam nosso
pensamento à tecnologia. Todo o conhecimento por trás da apropriação
desses artefatos foi determinante na pré-história humana, afinal, os
instrumentos líticos possuem propriedades físicas que permitem transformar
outros materiais (como a carne, a madeira, o osso, o couro, alimentos vegetais,
etc.) de forma mais eficaz do que o próprio corpo humano. O estudo das
indústrias líticas pré-históricas é carregado de uma importância, também, por
outros fatores: são os vestígios arqueológicos que possuem um melhor grau de
preservação em relação aos demais tipos de artefatos pré-históricos; são os
vestígios mais antigos no registro arqueológico; e, principalmente, os artefatos
líticos são produtos de conhecimento humano – cognição – em forma material.

3.1 A Evolução da Tecnologia

Making inferences about the evolution of cognition from the


archaeological record is a difficult business, because there is not
much to go on. Stone tools are probably only a small fragment of the
technology used by any group, as contemporary groups (including
those that did not use metals) indicate (BRIDGEMAN, 2002, pg. 403).

E de que forma ocorre a evolução tecnológica? A priori, é necessário


dizer que o termo evolução deve ser tratado como uma mudança de
adaptação ao meio, seja este meio ambiental, cultural, etc.. A evolução
tecnológica ocorre neste sentido, onde a necessidade de atender diferentes
funções pode exigir uma diferente tecnologia. Mudança na tecnologia implica
37

diferentes métodos e/ou técnicas aplicados, sejam elas de produção dos


instrumentos ou de sua utilização. A análise das cadeias-operatórias nos
permite ler no registro arqueológico possíveis mudanças nas técnicas
aplicadas, contudo, não necessariamente uma mudança no conhecimento
técnico. A evolução da tecnologia ocorre juntamente às mudanças internas na
sociedade, como por exemplo, no contexto pré-histórico: novas necessidades
em economia de matéria-prima, necessidade de ferramentas adequadas para a
caça de diferentes espécies animais ou coleta de novos alimentos. Estas
mudanças internas na sociedade surgem por fatores culturais, ou mesmo por
fatores externos como a necessidade de se adaptar em novos ambientes.
Mudanças climáticas, por exemplo, implicam em mudanças na vegetação, na
fauna, e na paisagem como um todo, podendo vir a exigir novas necessidades.
Leroi-Gourhan (1984) já tratava desta relação do meio interno, relacionado aos
fatores culturais, e meio externo, relacionado ao ambiente natural. O homem,
tendo como um de seus aspectos naturais de sobrevivência a adaptação em
diferentes meios, se adapta tecnologicamente. Em outros termos, o homem
evolui tecnologicamente.

Mudanças no meio social/ambiental podem implicar diretamente em


mudanças na cultura humana, e caso a evolução cultural não ocorra, refletem
na decadência desta sociedade, pois a toda a dinâmica da cultura humana não
permite uma estagnação, e o fator “a cultura é dinâmica” já é entendido pelas
ciências humanas assim como aponta Laraia (1986, pg. 101) que “cada
sistema cultural está sempre em mudança”. Quando é o caso da esfera da
tecnologia precisando se adaptar, independente de sua complexidade, estas
mudanças ocorrem para que os instrumentos atendam melhor às novas
necessidades. Em suma, a evolução tecnológica não implica necessariamente
em técnicas de produção mais complexas, mas em produtos que atendam às
novas necessidades exigidas pelos meios ambiental/cultural. É necessário
frisar que estas novas necessidades não são necessariamente funcionais,
afinal, o universo simbólico da cultura muitas vezes sobrepõe estas
necessidade, por exemplo: a moda, enquanto expressão de um gênero na
sociedade, pode levar indivíduos a se apropriarem de objetos a partir de
características que, a priori, expressem simbolicamente sua posição social no
38

grupo, ou em um específico grupo, deixando as características funcionais como


secundário. Viana (2005) utiliza do efeito circunstancial de moda de Boëda
(1997) para explicar estas possibilidades em artefatos líticos.

O achado de diferentes produtos em diferentes contextos espaço-


temporais indica, não necessariamente em tradições culturais diferentes, mas
em diferentes necessidades a serem atendidas. Além disso, a evolução
registrada na cultura material não indica diferentes capacidades cognitivas,
pois esta capacidade já deve se fazer presente para ser expressa
materialmente. Contudo, a produção desses novos artefatos pode implicar em
construção de conhecimentos singulares e plurais, ou seja, implicar em novos
modos de perceber e significar os artefatos. A capacidade técnica já deve
existir, para que esta evolua e gere novos conhecimentos técnicos. E a
inovação, enquanto modo de adaptação é, portanto, uma forma de evolução.
Neste sentido, é correto afirmar que:

L‟évolution consistant en une “renégociaton” des príncipes


techniques, caque nouveau príncipe ou association de príncipes
correspond à une acte d‟invention qui, selon divers facteurs,
deviendra innovation pour les societés qui les auront adoptés
(BOËDA, 1997, Pgs. 137-138).

Evolução tecnológica não é justificada pelo tempo, ou nível de


complexidade. Também não é justificada necessariamente pelo nível de
eficácia em termos funcionais, pois pode ocorrer em função da economia, ou
até mesmo imposições puramente simbólicas da cultura. Evolução é a
mudança justificada pela adaptação ao meio!

3.1.1 Os Níveis de Complexidade de Produção de Instrumentos

Boëda (1997) surge com a ideia de níveis evolutivos, partindo da


complexidade técnica de debitagem, ou seja, produção de instrumentos
através do fracionamento de uma matriz primária, com objetivo de produzir
suportes para a confecção de instrumentos. Esta ideia “níveis evolutivos”, a
priori, remete a uma visão de evolução justificada pela complexidade
tecnológica de produção observada no material lítico. Contudo, se partirmos da
39

ideia de aplicação de um nível de complexidade essencial para atendimento de


uma necessidade, a aplicação dos métodos de produção apontados por Boëda
podem se tornar eficazes, uma vez que o conhecimento técnico e o “saber-
fazer” necessários são frutos de uma tradição cultural, ou seja, as capacidades
cognitivas devem se fazer presentes no indivíduo para que esta tecnologia
complexa se faça presente.

Os blocos de matéria-prima explorados para produção de suportes são


denominamos como núcleos. São neles que estão presentes as bases
negativas das lascas que nos possibilitam a identificação de sequências de
produção e dos esquemas operatórios. Foi a partir desta ideia foi estabelecida
uma escala que Boëda (1997) compreendeu estes níveis evolutivos, do qual
prefiro denominar de níveis de complexidade adaptativa. Estes níveis são
vistos pelo autor em cinco sistemas. Estes níveis, ou sistemas, são agrupados
em dois subconjuntos.

O primeiro subconjunto agrupa os sistemas técnicos de produção em


que apenas uma parte do núcleo é necessária para realizar seus objetivos,
sendo que a parte restante não tem nenhum papel técnico. Os sistemas aqui
tratados são os sistemas: A, que trata unicamente da produção de um gume,
independente das demais características, o seja, não seguem uma escolha
específica; B, que trata uma noção de recorrência de retiradas sucessivas que
permitem um controle sobre algumas características do gume (regularidade e
delineação, por exemplo); C, que trata da exploração de superfícies convexas
naturais e/ou preparadas e da noção de recorrência que permite controlar,
além do gume, a morfologia de toda a lasca. Entre os sistemas do primeiro
subconjunto vemos que as concepções C difere da B pela preocupação não
mais somente com as características dos suportes, mas também com as
características apresentadas pelas bases negativas destes suportes.

O segundo subconjunto agrupa os sistemas técnicos que necessitam de


toda a integralidade do núcleo para a realização dos objetivos e os suportes
produzidos estão mais próximos do que será o instrumento. Aqui estão
agrupados os sistemas: D, representados pelas concepções denominadas
discóide e piramidal, que tratam da adoção de recorrências organizadas de
40

retiradas que permitem manter as convexidades capazes de produzir os


objetivos desejados, permitindo que o núcleo seja explorado por séries
sucessivas idênticas e produzindo a mesma gama de retiradas, porém com
risco de perder a característica pré-determinada das retiradas; e E, que trata da
preconcepção da integridade do núcleo, com o objetivo de lhe conferir uma
forma e características técnicas particulares. Este último seria o máximo da
predeterminação, representados pelas concepções levallois e laminar.

Ao compararmos as concepções discóide, piramidal e levallois com as


concepções do primeiro subconjunto fica claro que o segundo subconjunto tem
uma gama de complexidade tecnológica maior que o primeiro subconjunto. É
possível observar nestes sistemas certos atributos que vão sendo utilizados
com cada vez mais intensidade, e uma elaboração prévia das características,
tanto do suporte, como do núcleo cada vez mais complexa. Nas concepções
Discóide, Piramidal e Levallois percebemos que os núcleos se tornam
homotéticos, ou seja, há uma preocupação em manter a forma dos núcleos,
que antes não existia (BOËDA, 1997).

As concepções discóide e levallois tratam de núcleos que possuem duas


superfícies convexas, assimétricas e secantes, que delimitam um plano de
intersecção. Porém, nos núcleos levallois, ao considerarmos a charneira, é
possível perceber uma hierarquização nas superfícies de lascamento,
enquanto no discóide não há uma hierarquização, porém as superfícies estão
em total sinergia. A concepção discóide tem como objetivo a produção de
suportes curtos, e convexos; e seu plano de percussão é secante ao plano de
intersecção das duas superfícies de lascamento. No levallois o plano de
percussão é perpendicular ao de intersecção e há uma maior preocupação com
a convexidade lateral para maior controle das ondas de impacto no suporte
pré-determinado. Quanto ao núcleo piramidal, ele deve apresentar uma
superfície plana e outra convexa.
41

3.2 A Consciência da Operação

O conceito de cadeia operatória surge na década de 1930 com Marcel


Mauss (1950). Leroi-Gourhan (2002) originou o termo cadeia-operatória
maquinal, para retratar o nível de consciência do comportamento operatório
global. Para entender este termo, devemos entender que existem processos
automáticos, ou seja, que ocorrem independente da nossa vontade,
inconscientes, os quais o homem não tem controle (como é o caso do
desencadeamento dos processos cognitivos). A operação maquinal está num
nível intermediário entre o automático e o lúcido, pois a ação é inconsciente,
mas a consciência pode ser acessada a qualquer momento em busca de
conhecimentos que possam responder às necessidades inesperadas que
possam surgir, como no caso das cadeias operatórias.

3.3 O Conceito de Cadeia Operatória na Tecnologia Lítica

Muito da importância sobre os vestígios líticos é sublinhada ao


compreendermos a noção de Cadeia Operatória, principalmente quando Leroi-
Gourhan (2002) aplica este conceito à pré-história, da década de 1960. Para
compreender este conceito podemos considerar a definição de Balfet (1991a),
onde ela conceitua a fabricação de um artefato organizado numa série de
etapas e operações interligadas, indispensáveis e dependentes, como uma
cadeia de operações, ou seja, como uma cadeia operatória. Essa cadeia de
operações tem sua gênese no esquema mental idealizado pelo artesão a partir
de conhecimentos técnicos aprendido pelas tradições culturais (PELEGRIN,
1995). A cadeia operatória, então, consiste nas etapas de aquisição da
matéria-prima e nas etapas específicas de produção. Contudo, parto do
princípio que os limites da cadeia operatória não começam aqui, de modo que
ela também consiste na utilização do artefato e no descarte dele. Dizendo isso
de maneira mais simples, a cadeia operatória é a história de vida do artefato,
desde seu nascimento até sua morte.
42

A noção de cadeia operatória traz aos estudos de pré-história, e mais


especificamente à tecnologia lítica2, como veremos a seguir, uma importância
extrema, uma vez que esta noção permite, ao estudarmos a história do
artefato, compreender aspectos cognitivos sobre o homem por trás dele. Ao
aplicarmos esta noção às indústrias líticas, ou mais especificamente, ao estudo
dos artefatos líticos lascados, entendemos que os instrumentos finalizados não
são os únicos vestígios capazes de nos fornecer informações sobre o grupo
humano a quem ele pertenceu. Os resíduos de produção deste instrumento se
fazem tão importantes quanto o artefato finalizado.

As etapas das cadeias operatórias de instrumentos líticos lascados


podem ser classificadas começando pela aquisição da matéria-prima, que
envolve conhecimento das propriedades físicas das rochas, que é inevitável
para a seleção de matéria-prima específica para o instrumento a ser produzido.
Deve-se ainda considerar as dificuldades físicas de coleta e, quando ocorre,
transporte do material até o local de produção dos instrumentos, a oficina
lítica3. Outro ponto ainda a ser considerado são os fatores simbólicos
relacionados à seleção da matéria-prima, à forma de aquisição e ao transporte
deste material até a oficina.

As etapas de produção de instrumentos líticos podem ser classificadas


em três etapas: Debitagem, façonnage e retoque. A debitagem consiste na
produção de suportes, ou seja, lascas com estrutura, forma e volume que
servirão como matriz dos futuros instrumentos, a partir de blocos ou fragmentos
de rocha aos quais acabam sendo denominados núcleos (PELEGRIN, 1988).
Os métodos de debitagem podem ser classificados nos termos de Boëda &
Fogaça (2006) já descritos. A façonnage consiste na modificação do volume
do suporte, podendo produzir a região anterior à parte transformativa que

2
Sublinho aqui o conceito de tecnologia lítica, utilizando deste termo para me referir aos
conhecimentos técnicos de uma dada sociedade sobre os artefatos líticos.
3
Importante frisar que oficina e indústria têm conceitos diferentes. O termo oficina aqui é
considerado como o local onde os artefatos são produzidos, enquanto que indústria se refere à
produção em si. Neste sentido, oficina tem a mesma definição de atelier: “Lieu où s‟effectue
une opération technique de traitement de la matière première. C‟est ainsi que l‟on a parlé très
tôt de sites d’ateliers pour designer des gisements caracterisés par l‟abondance de déchets de
taille de la pierre.” (LECLERC & TARRÊTE, 1988).
43

direciona a ação do instrumento, as áreas de preensão, de encabamento, etc..


Esta visão de façonnage é tratada como uma etapa de produção que pode
ocorrer posterior à debitagem, e já vem sendo utilizada por autores que
trabalham sobre as indústrias líticas do Brasil Central (FOGAÇA, 2001;
MELLO, 2005; VIANA, 2005; LOURDEAU, 2010), adaptada da visão tradicional
que adota façonnage como “taille d‟un bloc ou fragment de roche dure, par
enlèvements successifs, qui donne alors des déchets, afin d‟en degager un outil
ou une ébauche” (PELEGRIN, 1988. pg. 1019), ou seja, um método de
produção que não inclui a debitagem, sendo que o suporte de produção dos
instrumentos é natural. O retoque consiste na modificação da região do gume,
ou seja, a produção ou modificação dá área do instrumento que entra em
contato direto com outra matéria durante o uso.

Para tratar de Plano de Corte (PC) e Plano de Bico (PB) detalhadamente


(Figura 4) podemos usufruir das mesmas definições descritas por Pedro Paulo
Guilhardi, baseadas na proposta de Boëda (1997):

-Plano de corte, que pode ser criado ou aproveitado naturalmente


e se constitui pela intersecção da face inferior com a superfície do
outro plano. Ele colabora diretamente no direcionamento e na
estabilização da ação e na confecção do plano de bico, já que é
anterior a este.

-Plano de bico é a zona ativa da borda, geralmente criado a fim


de adequar o plano de corte a uma ação específica, deve ter
propriedades físicas e tecnomorfológicas adaptadas a sua ação,
tal como, ser mais resistente que o objeto a ser modificado.
(GUILHARDI, 2009, pg. 49).
44

Figura 3 - Plano de Corte e Plano de Bico na seção do instrumento.

Cada uma das etapas de produção produz, também, resíduos. Estes


são classificados em categorias de acordo com seus estigmas tecnológicos
através de uma análise sistemática que nos permite saber as fases de
produção de qual cada resíduo é proveniente, além de nos permitir identificar
as técnicas aplicadas em cada etapa. É possível também que um resíduo de
produção possa ser reaproveitado como matriz inicial de produção, ou como
suporte do instrumento. Ao final destas etapas se tem o instrumento finalizado
e pronto para ser utilizado. É bom frisar que a produção do instrumento pode
ter início em qualquer destas etapas (Ver figura 03). Da mesma forma, estas se
fazem desnecessárias em certas ocasiões, podendo ocorrer aproveitamento da
estrutura volumétrica do objeto coletado, que já lhe permite ir da aquisição da
matéria-prima direto para a façonnage, retoque, ou mesmo a utilização do
objeto em estado bruto. Ou seja, nem todo instrumento apresenta vestígios de
todas as três etapas, seja porque uma etapa extinguiu os vestígios da etapa
anterior, seja porque esta(s) etapa(s) não foi(ram) realizada(s).

A utilização de todo instrumento segue um funcionamento específico,


concebido antes mesmo dos processos acima descritos, respondendo a uma
função, atendendo às necessidades levaram o lascador a dar início à produção
do instrumento. Neste ponto chegamos novamente à definição de
instrumento. Não basta que um artefato, seja ele o que for, tenha sido
apropriado para atendar uma função instrumental. Ele deve ser utilizado! Ele
deve fazer corpo com o homem, entrar em contato com a matéria e transforma-
la. O instrumento não é definido pela sua produção, pela sua forma ou pela sua
45

significação. O instrumento é definido pela ação (LEROI-GOURHAN, 2002). A


utilização dos instrumentos leva sempre a um desgaste na sua estrutura física.
No caso dos instrumentos líticos, o gume perde o seu fio de corte com o uso
contínuo, além de que possíveis fraturas possam impedir que o instrumento
continue exercendo sua função, fazendo com que este seja descartado.

É possível perceber que a cadeia operatória de qualquer artefato termina


no seu descarte. Schiffer (1975) afirma que ao término da vida-útil de um
elemento, desde que não haja reutilização, eles serão descartados, ou seja, o
descarte não necessariamente ocorrerá sempre que o artefato perde sua
função. No caso dos instrumentos líticos, em algumas ocasiões, seus vestígios
nos remetem à ideia de que o instrumento, após um fratura ou desgaste do
gume, passa mais uma vez por etapas de retoque e até mesmo de façonnage,
modificando pouco de sua forma, dando uma nova “vestimenta” ao
instrumento, ou modificando-o a ponto de transformá-lo em outro artefato ou
instrumento (se este voltar a ser utilizado). No segundo caso, se dá início outra
cadeia operatória. Em outros casos o artefato pode simplesmente ser perdido,
ou descartado por razões puramente simbólicas.
46

RESÍDUOS

Matéria-Prima DEBITAGEM FAÇONNAGE RETOQUE

Suporte

Artefato

DESCARTE
REAVIVAGEM UTILIZAÇÃO
(Funcionamento/Função)

Instrumento
esgotado

Figura 4 - Esquema Geral das Cadeias Operatórias de Artefatos Líticos.

3.4 As Unidades Tecno-Funcionais

Todo instrumento é constituído por três partes: uma zona que entra em
contato com uma matéria transformando-a, uma zona de preensão que recebe
a energia aplicada pelo homem, e uma zona transmissora de energia. Esta
última zona, no caso dos instrumentos encabados, não se sobre pões à zona
preensiva, contudo, em instrumentos sem cabo a zina preensiva e transmissora
de energia se sobrepõe na estrutura do artefato. A cada uma destas zonas
classificamos uma Unidade Tecno-Funcional (UTF), definida como um conjunto
de elementos e/ou características técnicas que coexistem em uma sinergia de
efeitos (BOËDA, 1997). Cada instrumento pode conter uma ou mais UTFs
transformativas, e para cada uma destas, consequentemente, há pelo menos
uma zona preensiva e uma zona transmissora. Neste caso, definimos um
instrumento para cada UTF transformativa. Em outras palavras, um artefato
47

lítico pode conter mais de um instrumento em sua estrutura física, assim como
um canivete suíço moderno possui vários instrumentos em sua estrutura que
seguem diferentes funcionamentos e atendem diferentes funções
(LOURDEAU, 2006).

3.5 O Conhecimento e as Escolhas por Trás do Instrumental Lítico

On fabrique un outil pou le faire fonctionner.

La fonction crée le contact transformatif.

L‟homme crée le fonctionnement. (BOËDA, 1997, pg. 134)

As necessidades de atender uma função e os hábitos gestuais corporais


tradicionais do funcionamento acabam por direcionar as características físicas
do instrumento, como sua estrutura volumétrica 4, a matéria-prima da qual o
instrumento é materialmente composto, os ângulos de plano de bico e plano de
corte das UTFs transformativas, o delineamento do gume, etc.. Outro fator que
direciona as escolhas técnicas de produção de um instrumento, e que talvez
esteja acima das necessidades funcionais, é o fator simbólico, o qual não deve
nunca ser deixado de lado pelo arqueólogo que busca entender a cultura como
um todo, mesmo que, num primeiro momento, esteja buscando características
específicas de um tipo de cultura material, afinal, os processos mentais que
subjazem e direcionam nossas ações no mundo material estão incorporadas
em um amplo sistema simbólico (LEMONNIER, 1993). A busca dos aspectos
tecnológicos da cultura material lítica não foge a esta ideia, uma vez que ao
tratarmos de tecnologia tratamos de escolhas técnicas, e é o conhecimento
tradicional da sociedade que, num primeiro momento, direciona tais escolhas.

Há ainda outro fator a ser levado em consideração. Diferentes grupos


humanos podem apresentar as mesmas necessidades, e produzirem os
mesmos instrumentos, e seguindo um funcionamento semelhante, contudo,

4
A noção de estrutura é definida pro Boëda (1997, pg. 30) como “une forme intégrant et
hiérarchisant un ensemble de propriétés techniques qui aboutissent à une composition
volumétrique définie”.
48

estes instrumentos podem ter sido produzidos por diferentes métodos e


técnicas. De acordo com Mello (2007, pg. 118) “só levando em conta o
instrumento, ou seja, a fase final das operações técnicas, a tipologia é incapaz
de dar conta dos conjuntos de conhecimentos postos em prática para se
chegar ao objeto”. Em suma, as cadeias operatórias destes instrumentos
podem ser distintas. Mais uma vez é notável a importância da noção de cadeia
operatória e a análise dos resíduos de produção dos instrumentos, pois apenas
os estudos tipológicos dos instrumentos não permitem evidenciar este fato
(MELLO, 2006), como no exemplo da Figura 04.

Figura 5 - As várias concepções de produção da ponta Levallois. Fonte: Boëda (1991, pg. 54)

As escolhas que levaram a produção dos artefatos líticos podem ser


observadas no próprio material, através da identificação dos estigmas
tecnológicos, e das suas características naturais, partindo de uma metodologia
sistemática.
49

4. PRÉ-HISTÓRIA DA TECNOLOGIA LÍTICA NO CENTRO-


OESTE DO BRASIL

Antes de tratar do sítio arqueológico GO-CP-17, localizado no sudoeste


de Goiás, onde este trabalho busca compreender aspectos cognitivos através
da tecnologia lítica, devemos buscar entender o contexto pré-histórico em da
região que ele está situado, e como este contexto vem sendo
arqueologicamente interpretado.

4.1 As Tradições Arqueológicas e o Exemplo da Onipresença Itaparica

O conceito de tradição já foi aqui discutido, porém, antes visualizar


panorama pré-histórico do centro-oeste brasileiro, mesmo que de uma forma
breve, devemos atentar ao modo como o conceito de tradição vem sendo
aplicado na prática. Uma vez que a cultura material nos mostra alguns dos
aspectos tradicionais de uma cultura, poderíamos dizer que grupos humanos
de um mesmo período, mas de diferentes locais, que deixaram vestígios
matérias com aspectos tradicionais semelhantes entre si, são indicativos de
origens tradicionais semelhantes? A semelhança na tecnologia empregada em
diferentes locais indica uma mesma origem cultural? Uma vez que diferentes
cadeias-operatórias podem levar a um mesmo produto, a semelhança destes
produtos é decorrente da tradição, ou de necessidades que devem ser
atendidas por um grupo humano?

A metodologia de análise feita nos trabalhos de arqueologia brasileira


nas décadas de 1960 até 1980 levaram em consideração essencialmente os
instrumentos líticos, dando pouca importância aos resíduos de produção. E foi
com base apenas nos instrumentos que as tradições arqueológicas foram
definidas. E estas tradições, baseadas em apenas um tipo de produto, neste
caso o artefato lítico, acaba por não raras vezes, se estendendo para definir
toda a cultura de um grupo humano pré-histórico. A primeira utilização deste
conceito foi feita por Calderón na década de 1960, onde ele assume a
utilização do conceito de Tradição para a identificação de migrações pré-
históricas (CALDERÓN, 1973). Calderón definiu uma tradição, denominada
50

Tradição Itaparica, para um grupo humano que produzia artefatos líticos plano-
convexos (lesmas), em função de sítios encontrados na Bahia. Schmitz (1980),
em função da semelhança dos artefatos líticos achados no sudoeste goiano
com os achados de Calderón, classifica como provenientes da mesma tradição,
a Tradição Itaparica. As “lesmas”, então, tornaram-se os fósseis-guias desta
tradição, ou seja, através da semelhança de um único tipo de artefato, baseado
principalmente em sua morfologia, e deixando de lado as razões que levaram a
existência deste produto, a arqueologia brasileira concebeu na época a
presença de um mesmo grupo cultural em diversas regiões do Brasil. E ainda
nos trabalhos mais recentes há a persistência de definir a presença de uma
mesma cultura em diversas regiões, e em diferentes períodos. Uma mesma
cultura em diferentes períodos, paralelo à dinamicidade da cultura, parece
contraditório.

4.2 Sudoeste Goiano

A macrorregião do sudoeste goiano é conhecida por abranger duas


regiões de rico contexto arqueológico. Refiro-me às cidades de Serranópolis e
Palestina de Goiás - antigo território do município de Caiapônia. Estas duas
regiões foram primeiramente pesquisadas pelo Programa Arqueológico de
Goiás, realizado pela, até então, Universidade Católica de Goiás (UCG) com
colaboração do Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), do Rio Grande do Sul,
e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, também do Rio Grande do Sul,
durante a década de 1970.

A região de Serranópolis foi pesquisada pelo Projeto Paranaíba pela


equipe de Schmitz. De acordo com Schmitz (1987), os abrigos da região
apresentam ocupações antigas, cujas datas vão de 11000 anos AP até 8400
anos AP. A hipótese de Schmitz et al. (1989) para todo este período de mais de
2000 anos é a de que a ocupação foi realizada por um único grupo cultural, a
partir de interpretações dos padrões de vestígios arqueológicos encontrados. O
padrão que Schmitz se refere é a tipologia morfológica dos vestígios
encontrados. A tradição cultural deste grupo foi denominada Tradição Itaparica.
51

O trabalho de campo na região de Caiapônia foi realizado sob o nome


de Projeto Alto Araguaia (Schmitz, 1986). Já em 2006, o Instituto Goiano de
Pré-História e Antropologia (IGPA) retoma as pesquisas na região, sob
coordenação de Sibeli Viana, partindo de outra perspectiva teórico-
metodológica com o projeto Análise do Sistema Tecnológico das Indústrias
Líticas Pré-Históricas Recuperadas pelo Projeto Alto Araguaia (VIANA, 2006).
Schmitz (1986), concluiu em sua pesquisa que os vários sítios superficiais, de
exploração de matéria prima local, correspondiam aos grupos humanos da
denominada Tradição Itaparica, em função da semelhança com as indústrias
de Serranópolis; já os sítios em abrigo, com extratos pré-cerâmicos, de outra
tradição, denominada Tradição Serranópolis. O projeto de Viana parte da
abordagem tecno-funcional e “evolutiva”, sem buscar classificar tradições
arqueológicas para os grupos humanos da região.

Borges (2009) faz uma crítica aos trabalhos de Schmitz nos sítios da
região, pois estes são complexos, muitas vezes cheios de problemas de
preservação e de datações, e os materiais líticos de superfície precisam ser
analisados com uma maior cautela, pois os estigmas de lascamento por muitas
vezes parecem estar mascarados. Contudo, afirma que as pesquisas
anteriores tornaram possível “compreender melhor as intenções técnicas, os
processos técnicos de produção e as várias etapas das cadeias operatórias
que estarão presentes nesses locais” (BORGES, 2009, pg. 90).

4.3 Serra Geral

Esta região, localizada na divisa da Bahia com Goiás, teve pesquisas


realizadas também pelo Programa Arqueológico de Goiás na década de 1970.
A análise do material lítico seguiu a mesma metodologia utilizada para
Serranópolis e Caiapônia. Schmitz et al (1996) não classifica uma tradição
arqueológica pré-determinada para os grupos humanos responsáveis pelas
indústrias líticas da região, pois não foram encontrados fósseis guias como a
“lesma” da tradição Itaparica, e também não sugere uma tradição arqueológica
diferente.
52

Mello (2006) retoma as análises das indústrias da região partindo da


abordagem tecno-funcional, objetivando compreender os sistemas de produção
e utilização dos artefatos líticos, sem pretender classificar uma tradição
arqueológica para os grupos humanos da região.

4.4 Sul Mato-Grossense

O Vale do Rio Manso, no estado do Mato Grosso, teve suas indústrias


líticas analisadas partindo dos dados de Viana (2002) através da abordagem
tecnológica, como visto em Viana (2005) e Mello (2005). As pesquisas
realizadas por esses autores não objetivaram a identificação de tradições
arqueológicas pré-definidas, mas da identificação dos métodos e técnicos de
produção e utilização de artefatos líticos, e ainda constataram a complexidade
dos métodos de produção de artefatos líticos da região, partindo da proposta
de Boëda (1997), nos sistemas B, C (em todos os sítio pesquisados) e D. Para
a autora esta complexidade

(...) exigiu não somente seleção de matéria-prima adequada,


obtida a partir de “escolhas” previamente determinadas, como
também conhecimento e domínio dos métodos e das técnicas que
cada concepção de debitagem exige para a eficácia de sua
produção (Pg. 323).

A indústria lítica do sítio Ferraz Egreja, localizado na microrregião da


Cidade de Pedra, no município de Rondonópolis, com datações que remontam
o Holoceno recente - 1900 AP - vem sendo analisado por Vilhena-Vialou
(2006). A análise da indústria local segue uma abordagem tecnológica, sem
classificar tradições arqueológicas, mas que também não busca compreender
“níveis evolutivos” da produção de instrumentos.

A mesma autora realizou pesquisas no abrigo Santa Elina, e analisou a


indústria lítica local através da mesma abordagem de Ferraz Egreja. Um ponto
importante para o sítio é que este apresenta datações que remontam o
Pleistoceno - 23320 AP - (VILHENA-VIALOU & VIALOU, 1994), e para estas
datações o material lítico encontrado apresenta características de um material
“pouco elaborado” e associado à megafauna. Contudo a estratigrafia apresenta
53

problemáticas que levam muitos pesquisadores a desconsiderar datações mais


antigas que o Holoceno.

4.5 Alto Paraná

As pesquisas mais recentes nesta região não tratam tão a fundo as


questões relacionadas à tecnologia dos artefatos líticos na região, limitando-se
a analises descritivas semelhantes às realizadas por Schmitz no Programa
Arqueológico de Goiás. A maior preocupação parece ser em remontar às
datações e análises geoarqueológicas, buscando entender as sequências de
ocupação na região, mas ainda não buscam a fundo os processos culturais que
ocorreram e resultaram na cultura material investigada.

De acordo com Martins & Kashimoto (2009), as datações mais antigas


pra região são de 11050 AP no Alto Sucuruí – Mato Grosso do Sul, que
desemboca no Rio Paraná. Esta região se encontra relativamente próximo à
região de Serranópolis. De acordo com os autores, os artefatos líticos, que
apresentam tipologias e funcionalismo diversificado, estão associados à
confecção de produtos relacionados à pesca. Contudo, não retrata mais a
fundo as questões ligadas à tecnologia. Ainda de acordo com estes autores, a
indústria lítica da região “apresenta característica tecnotipológicas que a
aproximam daquelas encontradas no sul de Goiás, filiadas à Tradição Itaparica”
(pg. 326).

4.6 Panorama Geral

Desde as primeiras pesquisas realizadas no Brasil Central na década de


1970 por Schmitz tornou-se visível - em num contraste gritante - três períodos
distintos na produção de artefatos líticos. O primeiro período começa por volta
de 11000 AP até cerca de 8000 AP (com exceção à Santa Elina que apresenta
datações mais antigas), e onde aparecem, como fósseis-guias, os artefatos
plano-convexos morfologicamente semelhantes (lesmas). O segundo período,
entre 8000 AP e 3000 AP, onde os artefatos líticos bem elaborados tendem a
54

desaparecer, e em alguns sítios a quantidade de artefatos diminui. O terceiro


período surge depois de 3000 AP com artefatos líticos lascados ainda pouco
elaborados em relação ao primeiro período, e ainda em menor quantidade,
surgimento dos artefatos polidos e coincidentemente (ou não) com o
surgimento dos artefatos cerâmicos. Ao mesmo tempo, estes três períodos
coincidem (ou não) com três momentos ambientalmente determinados. O
primeiro período se inicia no fim do pleistoceno / começo do Holoceno marcado
por um clima frio e seco. O segundo período é marcado por um período mais
quente e úmido, o Holoceno médio. Por fim, o último período marca um retorno
do clima seco. De acordo com Vilhena-Vialou, neste terceiro período:

O advento da cerâmica coincide com o marco das mudanças


econômico-sócio-culturais, através de provável sedentarização ou
semi-nomadismo, com as instalações de aldeias, de suas áreas de
plantio (milho, mandioca, tabaco), aproveitamento da flora
existente (palmeiras, plantas silvestres), da pesca em função dos
rios próximos e da caça (cervos, macacos, queixadas, pacas...)
num raio de caminhada de algumas jornadas, a partir do centro
habitacional (2009, Pg. 37).

Outro fator interessante é que não há sempre uma continuidade na


ocupação destes sítios, como é o caso de Serranópolis, onde Schmitz et al.
(1987) observa aparentes intervalos entre cada período de ocupação.

As pesquisas mais recentes, que utilizam da abordagem tecnológica,


demonstram que apesar de os artefatos líticos lascados de datações mais
recentes parecerem, num primeiro momento, menos elaborados, estes por
muitas vezes requerem um complexo conhecimento técnico (VIANA, 2005;
MELLO, 2005). Contudo, apenas as escolha realizadas são materialmente
expressas. A cultura material não expressa toda a capacidade cognitiva e não
expressa toda a carga de conhecimento de uma sociedade, ou de um
indivíduo.
55

5. APLICANDO AS ABORDAGENS DE COGNIÇÃO E


TECNOLOGIA NA PRÉ-HISTÓRIA: O CASO DA OFICINA
LÍTICA GO-CP-17

A tecnologia é uma das esferas que compõe a cultura humana e


responde pela produção de artefatos. A tecnologia aplicada nas indústrias
líticas gira em torno das capacidades corpóreas do lascador e do consumidor,
das capacidades de raciocínio consciente e subconsciente, e, principalmente,
dos conhecimentos tradicionais da sociedade. Esta cultura material enquanto
vestígio arqueológico permite estudar a ação do corpo em relação à produção
e utilização de um instrumento, permite reconstruir os esquemas mentais que o
lascador seguia para produzir cada artefato, e ainda torna possível estudar
uma tradição tecnológica guiada pelas necessidades culturais, ambientais, e de
todo o meio. Veremos como o sítio arqueológico GO-CP-17, se tratando de
oficina lítica, consegue representar bem a esfera da tecnologia de um grupo
cultural pré-histórico do Brasil Central.

5.1 Descrição do Sítio

O sítio está localizado no município de Palestina de Goiás, no sudoeste


do estado Goiás, Brasil (Figura 5). Mais especificamente, o sítio está localizado
na microrregião do Córrego do Ouro (Figura 6). Nesta microrregião foram
delimitados 26 sítios arqueológicos, encontrados numa prospecção
caracterizada por Viana (2006) como oportunista, pois a procura de sítios feita
durante o Projeto Alto Araguaia priorizou apenas os pontos da região que eram
formados por abrigos, paredões, e quaisquer pontos onde haveria grande
possibilidade de encontrar vestígios materiais, e as escavações seguiram o
método de níveis artificiais.

O GO-CP-17 se encontra sob um afloramento de seixos de quartzito.


Trata-se de um sítio de superfície a céu aberto. Por toda a área onde aparecem
os seixos são encontrados vestígios líticos lascados (instrumentos, núcleos,
fragmentos e lascas). Os seixos são encontrados apenas em uma determinada
cota altimétrica, de acordo com que a cota diminui ou aumenta os seixos não
56

aparecem mais. Os dados das análises do material lítico mostram um


aproveitamento da matéria prima local (Gráficos 1 e 2), sendo estes um dos
fatores que levou a todos os pesquisadores que trabalharam diretamente no
sítio à interpretação do local como oficina lítica (SCHMITZ, 1986;
BORGES,2010; VIANA, 2010). A interpretação não poderia ser outra, afinal, é
evidente a existência de material lítico cuja matéria prima é de quartzito
proveniente de seixos e, além disso, a presença das diferentes classes líticas
que compõem uma cadeia operatória de produção de instrumentos.

Figura 6 - Localização do município de Palestina de Goiás no Estado de Goiás. Fonte: Site


Wikipédia (acessado em 05 de dezembro de 2010).

700
600
500
400
300
200
100
0
Lascas de Lascas de Lascas de Lascas de Lascas Lascas
Debitagem Retoque Façonnage Fatiagem Suporte Bipolares

Sílex Quartzito Quartzo Arenito

Gráfico 1 - Matéria-Prima do Artefatual Lítico


57

450
400
350
300
250
200
150 Seixo
100 Bloco
50 Sem Córtex
0

Gráfico 2 - Proveniência da Matéria-Prima

A vegetação local é típica de cerrado, parcialmente alterada pela


pastagem. O relevo é ondulado. O sítio está sujeito a atividades de erosão
pluvial e, de acordo com Viana (2010), este fator impede a formação de solos
em profundidade.

Nas proximidades do GO-CP-17 não são encontrados grandes abrigos.


Como descrito por Schmitz (1986), o local possui blocos desgarrados que
poderia servir para abrigar uma ou duas pessoas. No abrigo mais próximo da
área de escavação são encontradas algumas pinturas rupestres, porém estas
estão bastante deterioradas. Foi constatada a presença de alguns fragmentos
cerâmicos na superfície do sítio.

Borges (2009) e Viana (2010) vêm apontando que, por se tratar de uma
área aberta e de superfície, o sítio está susceptível de ações antrópicas de
pisoteamento de animais de grande porte, principalmente o gado. Ainda há o
fator das queimadas que podem atingir o sítio, que podem ocorrer até
naturalmente no cerrado. Este fator nos leva a dar uma atenção especial na
análise dos vestígios líticos em laboratório e à realização de atividades
experimentais.
58

Figura 7 - Localização do Sítio Arqueológico GO-GP-17 na Região do Córrego do Ouro. Fonte:


Borges (2009, pg. 18).

Viana (2010) também aponta que as remontagens de peças encontradas


em níveis distintos (Figura 7) podem, por um lado, indicar a intensa ocupação e
exploração da matéria prima local, e por outro lado, pode indicar a perturbação
antrópica ou natural de processo de formação do sítio. Inclusive nos artefatos
59

descritos nos próximos subcapítulos veremos a ocorrência de peças


remontadas que foram encontradas em diferentes áreas do sítio.

Figura 8 - Remontagem de Instrumento com Lasca de Retoque. Fotos de João Carlos Moreno de
Sousa.

A estratigrafia do sítio é confusa. De acordo com Viana (2010) a


estratigrafia do sítio não é um dado seguro para falar de possíveis reocupações
do local como sítio arqueológico. Ainda não existem datações para este sítio,
mas a região em geral possui datações que vão de 4455+-65 AP até 940+- AP.

5.2 Breve Histórico de Pesquisas no Sítio

O sítio foi primeiramente escavado e descrito por Schmitz et al. (1986)


durante o projeto Alto Araguaia, nas décadas de 1970 e 1980, porém os
instrumentos líticos foram privilegiados em sua coleta e análise, que partiu de
uma abordagem da escola histórico-culturalista, e tomava por base
especialmente os aspectos morfológicos. Esta abordagem privilegiou a análise
do produto, e deixou de lado os aspectos relativos à produção e os aspectos
que leva à produção destes artefatos. Schmitz (1986) ainda considerou este
sítio, e todos os outros da região caracterizados por serem “sítios superficiais a
céu aberto”, como “da Tradição Itaparica”.

O projeto de Viana (2006) retomou as análises da indústria lítica da


região. O material lítico foi reanalisado partindo desta outra abordagem que
busca compreender toda a cadeia-operatória de produção dos instrumentos e a
60

evolução dos sistemas técnicos. O sítio GO-CP-17 está entre os sítios


selecionados pelo projeto para atividades de escavação. De acordo com Viana
(2010), as coletas de material na escavação durante este projeto foram “coletas
totais” e não tendenciosas, ou seja, foram coletadas todas as peças líticas
lascadas e não lascadas que são aptas para receberem modificações e/ou
serem utilizadas.

Inserido no projeto de Viana (2006), Borges realizou uma pesquisa


diretamente no Sítio Arqueológico GO-CP-17, tomando como objeto de análise
os instrumentos líticos recuperados nas escavações “tendo como princípio
entender como estas foram produzidas e quais foram os gestos e os processos
mentais (saber-fazer) que deram ao objeto vida e significado” (BORGES, 2009,
pg. 15). Borges ainda afirma que a pesquisa possibilitou uma aproximação
entre pesquisadores e os “atores” que produziram tais objetos.

Ainda inserido no referido projeto, de forma paralela e complementar, foi


realizada uma análise dos resíduos de lascamento (lascas) decorrentes das
diferentes fases das cadeias operatórias de produção de instrumentos líticos do
sítio arqueológico GO-CP-17. Esta análise tornou possível construir um
esquema geral das cadeias operatórias de produção de instrumentos deste
sítio (MORENO DE SOUSA et al. 2010).

Neste trabalho apresento dados complementares às pesquisas já


realizadas.

5.3 Metodologia de Análise Lítica Aplicada

A necessidade de uma metodologia que busca compreender de forma


mais específica uma das esferas culturais de uma sociedade, a tecnologia, é
notável ao nos depararmos com o método tradicional aplicado nas indústrias
líticas do Brasil Central pré-histórico, o qual, como retrata Lourdeau (2006)
fundamenta-se na construção de tipologias em função de critérios morfológicos
gerais. A análise dos artefatos líticos deste sítio, e dos seus resíduos de
produção foi realizada a partir de uma metodologia sistemática através do
reconhecimento dos estigmas tecnológicos de cada peça, baseado nas
61

características descritas nas obras de Tixier (1980) e Inizan (1995), que


compreende os aspectos de produção e utilização de cada instrumento. Este
pode ser um viés eficaz para buscar parte do conhecimento humano sobre o
mundo material, a forma como ocorrem os processos por trás desta cognição
no contexto pré-histórico, e como estes podem refletir no todo da tradição de
uma cultura. Foi nesta abordagem que seguiu a análise dos instrumentos líticos
do sítio arqueológico GO-CP-17, analisando as marcas deixadas pelas etapas
de produção e utilização, para reconhecimento dos aspectos técnicos, e
cognitivos enquanto pertencentes à esfera social de um grupo humano
representada na cultura material pré-histórica. Contudo, não basta a análise
minuciosa de cada instrumento lítico, pois: “somente a partir da reconstrução
das cadeias operatórias torna-se possível vislumbrar toda a gama de
processos dinâmicos que intervêm na concepção, utilização e abandono dos
artefatos de pedra” (FOGAÇA, 1995). Enquanto que o instrumento está
presente apenas na etapa de utilização na cadeia operatória, os resíduos de
lascamento derivam de todas as etapas de produção. A história que estes
resíduos nos contam revela uma sinopse sobre o conhecimento por trás do
instrumental lítico: sobre quais etapas de produção o instrumento passou antes
de estar finalizado, sobre os métodos e técnicas utilizados nestas etapas, e
ainda nos fornece informações que nos remetem a reconhecer traços
tradicionais culturais dos grupos humanos responsáveis por uma indústria
lítica.

5.4 Lascamento e Reconhecimento das Técnicas Aplicadas

O lascamento é a ação de percussão de um corpo sobre outro, ou seja,


de um percutor sobre uma matéria mais frágil, onde a sequência de golpes, já
esquematizados na cabeça do lascador, gera fraturas organizadas (retiradas
de lascas) na matéria mais frágil, de modo que esta vai sendo moldada.

Todo choque entre dois corpos gera um impacto, porém com diferentes
níveis de intensidade – um simples toque gera um impacto de menor
62

intensidade que um golpe. O primeiro impacto a ser gerado é o denominado


Cone de Hertz5 (Hertzian Cone), que ocorre pela grande concentração de
energia gerada que se propaga. No momento do impacto, forma-se um cone
com ângulos constantes, devido à difusão preferencial da onda de choque. Em
seguida, ondas continuam a propagar a energia gerada pelo impacto. Um
modo prático de entender um impacto direto é lembrar o que acontece quando
um objeto cai na água. Aquela primeira grande explosão, no momento em que
o objeto entra em contato com a água, é o que podemos chamar de Cone de
Hertz, seguida de ondas que são propagadas a partir do local onde o objeto
caiu. Em materiais sólidos, como as rochas, os produtos da colisão entre os
corpos deixam estigmas que nos permitem identificar a ocorrência de algum
impacto anterior. Em outras palavras, a imagem da explosão de energia e a
propagação em ondas ficam “congeladas” na rocha. Quanto maior a
homogeneidade da matéria sólida em que o impacto se propaga, mais visíveis
serão tais estigmas. O conhecimento deste aspecto qualitativo na rocha é
fundamental para os indivíduos que coletam a matéria prima do artefato lítico
e/ou produzem os artefatos através da percussão, e como aponta Mallol
(1999), a escolha de matéria-prima com qualidades físicas menos próprias para
lascamento pode ser decorrente de fatores como comportamento econômico e
tradição tecnológica, e não da falta do conhecimento sobre os aspectos da
rocha.

O princípio da percussão direta, portanto, fundamenta-se na fratura


concoidal, (fenômeno do cone de Hertz). No caso do material lítico lascado, o
bulbo representa uma porção do cone de Hertz (Figura 3), que em seguida
evolui em ondas. O impacto ainda deixa marcas, como lancetas nas bordas
das lascas. Contudo, o impacto irá diferir de acordo com a homogeneidade e a
dureza dos corpos em colisão (bloco e percutor), podendo causar acidentes de
lascamento, e também de acordo com a técnica de lascamento, podendo ser,
além de percussão, sobre pressão. No caso de percutores de matéria-prima
macia (osso e madeira) e do lascamento por pressão o bulbo é menos

5
Cone de Hertz é assim denominado em reconhecimento à Heinrich Hertz (1893) pela teoria
de propagação de ondas.
63

expressivo, mas a linha que separa o talão da face inferior da lasca apresenta
uma cornija, ou seja, um lábio bem expressivo (PROUS, 2004).

Figura 9 – Reconhecimento da Fratura Concoidal no Material Lítico. Fonte: Rodet; Alonso (2004)

Para reconhecimento das modalidades de lascamento, podemos


considerar os três grandes parâmetros indicados por Pelegrin (1997) para o
reconhecimento das técnicas de percussão. Primeiro, o modo de aplicação da
força - percussão direta, percussão indireta, pressão etc. – os quais deixam
diferentes estigmas na rocha, porém nem sempre reconhecíveis. Segundo, a
natureza e a morfologia dos instrumentos de percussão - pedra, bastão em
madeira, chifre animal etc. Terceiro, os gestos e a posição do corpo durante o
lascamento, o modo de manter a peça a ser trabalhada. Neste ponto abordado
consideramos, então, as técnicas corporais.

Ao final da produção dos instrumentos líticos lascados estarão presentes


nestes os negativos dos estigmas: contra-bulbos (negativo do bulbo), lancetas,
ondas de propagação de energia, nervuras, e eventuais acidentes de
lascamento. Em alguns casos também são identificados marcas de ação
térmica, como manchas, negativos de cúpulas, podendo ser resultantes de
técnicas de tratamento térmico, além de alterações naturais na homogeneidade
da rocha. A forma como estes estigmas se apresentam nas lascas e em seus
negativos indicam a técnica aplicada para a produção de cada lasca.
64

5.5 Núcleos, As Matrizes de Debitagem

Os núcleos podem ser identificados pela presença de plano(s) de


percussão e superfície(s) de debitagem que contém os negativos das lascas
suporte organizados de forma em que seja possível observar o aproveitamento
das características de sua estrutura para a retirada das lascas suporte (VIANA,
2005). Dentre os núcleos analisados, até o momento, nenhum deles
apresentou características morfológicas e tecnológicas que definem um método
de debitagem complexo. No geral, os núcleos não apresentam configuração
complexa, sendo aproveitados ângulos e convexidades naturais dos blocos, o
que explica a quase ausência de resíduos de configuração de núcleo.

Nos trabalhos anteriores foram analisados 24 núcleos (BORGES, 2009).


Estes núcleos puderam ser classificados como de concepções “B” e “C”.
Complementando estes dados há mais um núcleo identificado:

Peça: 150 / Setor: NBW1

Trata-se de um bloco grande com dimensões de 85mm de comprimento,


126mm de largura e 65mm de espessura, de concepção “C”. Não é possível
verificar a proveniência pelo córtex, pois toda a peça está coberta por um tipo
de incrustação, inclusive os negativos da debitagem. Esta incrustação impede
a verificação da matéria-prima, assim como a delimitação de alguns negativos.
Apresenta superfícies planas naturais aptas para debitagem. O núcleo não está
esgotado.

É possível observar a presença de três superfícies de lascamento:


Proximal, superior e esquerda. A superfície proximal apresenta a primeira
sequência de retiradas. É possível identificar uma retirada de lasca
ultrapassada na porção direita. Em seguida há a segunda sequência localizada
na face superior que apresenta uma grande retirada refletida com dimensões
de pouco mais de 75mm e comprimento e 52mm de largura, sendo que o plano
de percussão está na superfície esquerda. A terceira sequência é composta
por duas retiradas de lascas ultrapassadas de cerca de 55mm de comprimento
e 30mm de largura, sendo que a superfície superior é utilizada como plano de
65

percussão. Há uma pequena retirada que utiliza dos negativos destas duas
retiradas anteriores como plano de percussão, de modo que o talão formado é
do tipo “diedro”, e esta lasca apresenta dimensões de 25mm de comprimento e
45mm de espessura. A seguinte sequência de retiradas está localizada na
superfície proximal composta por uma retirada invadente ultrapassada na
porção esquerda seguida por uma retirada longa da porção direita. A última
sequência está também na superfície proximal e é composta de pequenas
retiradas, porém, não é possível verifica com precisão o número de negativos
em função da incrustação que mascara muitos estigmas.

Assim como os núcleos descritos por Borges (2009), as retiradas de


lascas suportes não ultrapassam um ângulo de percussão de 110°.

5.6 Lascas Suportes, Os Produtos da Debitagem

Para a classificação de lascas de debitagem como possíveis suportes


descartados ou reservados para serem aproveitados em outro momento, foram
considerados suas concepções de volume e dimensão, que podem estar
relacionados a aspectos de sua funcionalidade. Apesar da ausência de uma
padronização na coleção, comparações com os instrumentos foram realizadas
em busca de características estruturais que permitam atender alguma função
ou que possam ser modificados a ponto de serem utilizados. Foram
classificadas nesta categoria 23 lascas.

16 Um negativos sem contrabulbo


14 Um negativo com contrabulbo
12 Dois negativos
10 Três Negativos
8 Quatro Negativos
6 Cinco ou mais negativos
4 Cortical
2 Ausente
0

Gráfico 3 - Lascas Suporte - Quantidade de negativo na face externa


66

Estas lascas tenderam a ter grandes quantidades de negativos que


deram forma e volume apropriados, ou são completamente corticais, já
apresentando uma estrutura natural própria de suporte.

Lisa-sem nervura
9
1 Nervura longitudinal
8
2 Nervuras Paralelas

7
Y

6 Y Invertido

5 mais de 3 negativos

Indeterminado
4
1 Nervura transversal
3
1Nervura Lateral
2 Longitudinal
Cortical

1
em "T"

Gráfico 4 - Lascas Suporte - Orientação das nervuras

E a orientação dos negativos segue a mesma regra.


67

Trapezoidal
14

Triangular
12
Triangular com vértice
10 para baixo
Quadrangular
8
Mais larga do que
comprida (2x)
6
Retangular

4 Arredondada

2 Irregular

0 Triangular desviada

Gráfico 5 - Lascas Suporte - Morfologia das Lascas Suporte

Já com relação à morfologia, se destacam as peças que não possuem


uma forma bem definida (irregular) e aquelas que possuem uma largura duas
vezes maior que o comprimento. E uma quase ausência de morfologia
trapezoidal.

18 Não há acidentes

16
Lasca refletida
14
Lasca com lingüeta
12

10 Transbordante

8 Ultrapassante

6
Bulbo duplo
4
Lasca ultrapassante e
2 transbordante

Gráfico 6 - Lascas Suporte - Acidentes de Lascamento


68

Quando há algum tipo de acidente, tendem a apresentar aqueles que


normalmente produzem dorsos. Se somarmos todas as lascas que contém
ultrapassagem com as que contêm transbordagem veremos que estas
ultrapassam as lascas sem acidente. Estes dados remetem mais uma vez à
ideia de que estes denominados “acidentes” não representem literalmente
acidentes, mas escolhas técnicas (BORGES, 2009). O mesmo ocorre nos
demais sítios da região analisados (GUILHARDI, 2009; RODRIGUES, 2009;
VIANA, 2010).

5.6.1 Lascas de Fatiagem

Trata-se de um método de debitagem que produz lascas suportes com


características padronizadas. De acordo com Viana (2006, pg. 820) a fatiagem
consiste “na exploração de seixos de tamanhos medianos e pequenos, de
morfologia específica: alongados e de superfícies levemente achatadas”.

Figura 10 - Esquema de Abertura de Plano de Percussão – Debitagem por Fatiagem. Desenhos por
Ernesto Tedesco. Fonte: Viana (2006, pg. 821).
69

Triangular com vértice


8 para baixo
7 Quadrangular
6
Mais larga do que
5
comprida (2x)
4
Retangular
3
2 Triangular desviada
1
0 Retangular 2 (maior
Lascas de Fatiagem comprimento horizontal)

Gráfico 7 - Lascas de Fatiagem - Morfologia

Foram contabilizadas 14 lascas de fatiagem. Assim como as demais


lascas suportes, estas tendem a ser duas vezes mais largas do que compridas.

5.7 Os Resíduos de Produção de Instrumento

Para a identificação dos diferentes tipos de resíduos de lascamento e de


seu posicionamento na cadeia operatória, nos baseamos nos estigmas
tecnológicos que caracterizam suas fases de produção, além de comparações
das bases positivas (face inferior) das lascas com bases negativas presentes
em núcleos e instrumentos da coleção.

O material coletado pelo projeto de Schmitz et al. (1986) totalizou 671


peças, dentre as quais foram classificadas a partir dos aspectos morfológicos
como: 268 lascas de debitagem, 48 lascas-suporte, 102 lascas de retoque, 91
lascas de façonnage, 14 lascas de fatiagem e 74 lascas bipolares.

Até o momento, durante o projeto de Viana (2006) obtivemos os seguintes


resultados: Ao todo foram analisadas 798 resíduos de produção. Destas foram
classificadas e quantificadas em:

- Lascas siret - 222,

- Fragmentos de lasca - 82

- Refugo - 160
70

- Lascas de fatiagem - 28

- Produtos bipolares - 103

- Lascas de retoque - 79

- Lascas de façonnage - 101

Os dados apresentados neste trabalho são referentes a todo o material


analisado até o momento. Vejamos a seguir a classificação e descrição dos
resíduos de produção. Foi feita a análise estatística dos resíduos para buscar
tendências, de forma que esta análise contribui para o entendimento acerca
das tradições tecnológicas desta indústria lítica. As características analisadas
foram: O número de negativos na face superior das lascas, a forma como estas
estão organizadas, o perfil das lascas, os acidentes de lascamento, a
morfologia das lascas, e a morfologia dos talões.

Com relação às lascas siret6, e aos fragmentos de lasca, não foi possível
remontar suas posições nas cadeias operatórias. Quanto aos produtos
bipolares, ao compararmos com os instrumentos, parecem relativos à produção
de suportes, ou seja, são resíduos de debitagem, contudo até o momento não
foram minuciosamente analisados, e, portanto, não foram inclusos nos
resíduos descritos a seguir. Devo frisar que o projeto de Viana (2006) ainda
dará continuidade e sempre dando atenção especial a oficina lítica GO-CP-17.

5.7.2 Resíduos de Façonnage

Os resíduos de façonnage foram identificados por apresentarem


características especificas: são pouco espessos, presença de negativos bem
organizados em sua face superior, talões com preparação e que formam
ângulos obtusos entre a aresta do talão e a base positiva da lasca – reflexo de
um gume deixado no instrumento com ângulo propício para atender uma ação.

6
Lascas siret são assim classificadas pela fratura gerada no momento da percussão localizada
exatamente no ponto de impacto, dividindo a lasca em duas metades – duas lascas siret.
71

80 Um negativos sem contrabulbo

70 Um negativo com contrabulbo

60 Dois negativos
50 Três Negativos
40 Quatro Negativos
30 Cinco ou mais negativos
20 Cortical
10 Preparação de talão
0

Gráfico 8 - Lascas de Façonnage - Quantidade de negativos na face externa

Lisa-sem nervura
60

1 Nervura longitudinal

50 2 Nervuras Paralelas

Y
40
Y Invertido

mais de 3 negativos
30

Indeterminado

20 1 Nervura transversal

1Nervura Lateral
Longitudinal
10
Cortical

em "T"
0

Gráfico 9 - Lascas de Façonnage - Orientação das nervuras

As lascas de façonnage da coleção apresentam, na maioria das vezes,


mais de quatro negativos na face externa; e porção distal refletida. Algumas
lascas são completamente corticais, o que pode representar um
aproveitamento da forma natural do suporte para produção do instrumento. A
preparação do talão é pouco expressiva.
72

100
Helicoidal
80 Côncavo
60 Convexo
40 Linear/Retilíneo
20
0

Gráfico 10 - Lascas de Façonnage - Perfil das Lascas

A tendência do perfil das lascas de façonnage é linear ou côncavo. Isto


significa que o plano de corte dos instrumentos teria em geral uma forma plana
ou convexa.

40 Trapezoidal

Triangular
35
Triangular com vértice
para baixo
30
Quadrangular

25 Subcircular

Mais larga do que


20
comprida (2x)
Retangular
15
Arredondada

10
Mais de 4 lados

5 Irregular

Triangular desviada
0

Gráfico 11 - Lascas de Façonnage - Morfologia

Não há um padrão morfológico nestas lascas. A tendência é a de


morfologias triangulares, quadrangulares e peças duas vezes mais largas que
compridas. Peças retangulares, subcirculares e com mais de quatro lados são
pouco expressivas.
73

100
Não há acidentes

90 Lasca refletida

Lasca com lingüeta


80
Transbordante
70
Ultrapassante
60 Bulbo duplo

50 Lábio

Lascamento Bulbar
40
Lasca refletida com lingüeta
30
Transbordante e
ultrapassante
20 Lasca refletida e
transbordante
10 Lasca com lingüeta
ultrapassante
Lasca com lingüeta
0 transbordante

Gráfico 12 - Lascas de Façonnage - Acidentes de Lascamento

A maioria não apresenta acidentes. Quanto a grande quantidade de


lascas refletidas, quando comparadas às bases negativas dos instrumentos
podem representar mais do que uma resposta de interrupção na propagação
das ondas de percussão causada pela própria rocha. Por exemplo, os
instrumentos raspadores tendem a apresentar marcas de reflexão em seu
plano de corte, porém os instrumentos de corte e de furo não apresentam estas
marcas. A recorrência deste “acidente” de lascamento, nestes casos, pode
estar relacionada, então, ao funcionamento dos instrumentos. Pouca presença
de lábio, ou seja, quase ausência de percussão macia ou pressão.
74

Meia lua
90
Vírgula
80
Asa
70
Linear
60 Puntiforme
50 Diedro
40 Facetado

30 Esmagado
Triangular
20
Cortical
10
Liso
0

Gráfico 13 - Lascas de Façonnage - Morfologia dos Talões

Os talões são na maioria lisos, ou seja, não apresentam preparação.


Destacam-se entre os demais os talões lineares, puntiformes, e corticais. O
talão cortical também não apresenta preparação. A falta de preparação nos
mostra que o gume não está sendo totalmente delineado nesta etapa. O linear
e o puntiforme mostram que o gume não está sendo modificado nesta etapa.

5.7.3 Resíduos de Retoque

Os resíduos de retoque foram identificados, não só por apresentarem


pequenas dimensões, mas também pelas características específicas: como a
preparação de talão, e o ângulo formado entre o talão e face inferior. Outra
característica pertinente é o volume dessas lascas, afinal, o retoque modifica
pouco o volume do suporte do instrumento. Raramente altera do plano de corte
do instrumento.
75

Um negativos sem contrabulbo


50
Um negativo com contrabulbo
40 Dois negativos

30 Três Negativos
Quatro Negativos
20
Cinco ou mais negativos

10 Cortical
Ausente
0

Gráfico 14 - Lascas de Retoque - Quantidade de negativo na face externa

Não há um padrão de números de negativos anteriores a produção das


lascas, mas é notável que a tendência é ter mais de 2 negativos, o que
expressa que há várias sequências de retirada nesta etapa da produção.

Lisa-sem nervura
40

1 Nervura longitudinal
35
2 Nervuras Paralelas

30
Y

25 Y Invertido

mais de 3 negativos
20

Indeterminado
15
1 Nervura transversal

10
1Nervura Lateral
Longitudinal
5 Cortical

em "T"
0

Gráfico 15 - Lascas de Retoque - Orientação das Nervuras

E também não há padrão na organização destes negativos. Sendo que a


tendência é de lascas com mais de cinco negativos sem uma organização
clara.
76

100 Helicoidal
80 Côncavo
60 Convexo
40 Linear/Retilíneo
20
0

Gráfico 16 - Lascas de Retoque - Perfil das Lascas

É notável que o perfil das lascas agora tende a ser linear, o que mostra
que o PB deixado nos instrumentos tem uma forma plana.

Trapezoidal
50
45 Triangular
40
Triangular com vértice
35 para baixo
30 Quadrangular

25
Mais larga do que
20 comprida (2x)

15 Retangular

10 Irregular
5
Triangular desviada
0

Gráfico 17 - Lascas de Retoque - Morfologia das Lascas

Não apresenta um padrão morfológico muito claro nestas lascas. Mas é


notável a baixa expressividade de lascas trapezoidais e retangulares. E uma
maior expressividade das lascas triangulares com vértice para baixo.
77

Não há acidentes
70
Lasca refletida
60
Lasca com lingüeta
50
Transbordante
40
Ultrapassante
30
Bulbo duplo
20
Lábio
10
Lasca refletida com lingüeta
0

Gráfico 18 - Lascas de Retoque - Acidentes de Lascamento

É notável como o acidente refletido é ainda mais expresso nesta etapa.


Este fator pode estar relacionado à função e ao funcionamento do instrumento.
Nota-se também a presença de lascas produzidas por percussão macia (lábio).

Vírgula
70
Asa
60 Em "U"

50 Linear
Puntiforme
40 Diedro

30 Facetado
Esmagado
20
Triangular
10 Cortical
Liso
0

Gráfico 19 - Lascas de Retoque - Morfologia dos Talões

Alguns talões preparados (asa e vírgula) se destacam um pouco mais


nesta etapa, mas ainda são poucos se comparados ao linear, ao puntiforme ao
cortical e ao liso. Segue o mesmo padrão das lascas de façonnage, ou seja,
não é a retirada de uma única lasca de retoque que dá o delineamento do
gume, mas várias retiradas de retoque produzem o delineamento de um gume.
78

150
Talão preparado
100 Talão Simples

50

Gráfico 20 - Lascas de Retoque - Preparação de Talão

Em geral, as lascas de retoque com preparação no talão ultrapassam as


de talão simples. O talão preparado remete à retirada de uma lasca mais
planejada, de modo que os negativos deixados por estas lascas formam gumes
e PBs intencionalmente produzidos.

5.8 Os Instrumentos Líticos Lascados

Foram considerados na análise de cada artefato as suas dimensões


(comprimento, largura e espessura); a matéria prima da qual o artefato é
constituído (arenito, sílex, quartzo, quartzito, calcário, etc.), e sua proveniência
(seixo, bloco, plaqueta, cristal, etc.), para verificação dos aspectos qualitativos
de lascamento de cada rocha, além dos locais de possível coleta; a técnica de
obtenção dos suportes (lascamento unipolar, lascamento bipolar, núcleo
reaproveitado como suporte, suporte natural, etc.) e a estrutura dos suportes;
os negativos de debitagem, façonagem e retoque, considerando suas
características tecnológicas (morfologia, número de sequências, dimensão,
posição em relação às faces inferior e superior do suporte, localização em
relação aos bordos do suporte), e a organização destes no artefato através de
uma análise diacrítica; as UTFs transformativas, para reconhecimento da
função dos instrumentos; e as UTFs preensivas, para reconhecimento do
funcionamento de cada instrumento. O guia de análise do pode ser visto na
seção de anexos.
79

5.8.1 Reconhecendo as UTFs Transformativas

Como dito anteriormente, para cada UTF transformativa (UTFt) pode ser
reconhecido um instrumento, e o instrumento é definido pela ação – utilização e
incorporação do artefato pelo homem. Ao reconhecer o instrumento, buscamos
reconhecer a sua dinâmica, que se constitui pela função e o funcionamento.
Para tanto, durante a análise deve-se constatar a presenças de marcas
deixadas pela utilização (ranhuras, micro-estilhamentos, sulcos) no gume do
instrumento. Devem-se considerar também as características de produção da
UTF transformativa, como as sequências de façonagem e retoque presentes
em cada UTF através da análise diacrítica dos negativos. Contudo, devo
enfatizar, o instrumento não é definido pela produção.

A utilização também produz resíduos. Dos resíduos decorrentes da


utilização dos instrumentos, não se pode caracterizar. Tendem a ser de
dimensões pequenas, difíceis de serem encontradas durante uma escavação,
e quando são, podem ser facilmente confundidas com resíduos de retoque ou
estilhas. Contudo, as bases negativas destes deixadas nos instrumentos
servem como elemento diagnóstico que nos permite dizer se o instrumento foi
utilizado ou não.

Para tratar a função do instrumento deve-se considerar: os ângulos de


Plano de Bico e de Corte e o delineamento do gume. Os ângulos de PC e PB
definem, então, a ação do instrumento na medida em que um gume com
ângulo abrupto é mais apto para raspar do que cortar, enquanto que um gume
rasante é bem mais apto para corte do que raspagem. Já o delineamento do
gume (Figura 10) acaba por refletir na limitação da ação, ou seja, um gume
convexo de um instrumento de corte atinge uma área maior da matéria a ser
transformada do que um gume côncavo; e reflete também nos tipo de objetos
transformados pelo instrumento: por exemplo, um raspador de gume côncavo é
mais eficaz para descarne de um osso longo do que um gume linear, ou
convexo. Podemos então, através de uma análise macroscópica, refletir sobre
as possíveis ações de cada instrumento lítico pré-histórico (cortar, furar,
raspar). Contudo, apenas uma análise microscópica poderá nos levar à
80

identificação da matéria que foi transformada pelo instrumento, ou seja, a sua


função específica.

Figura 11 - Exemplos de delineamento de gume. 1-Retilíneo, 2-Convexo, 3-Côncavo, 4-Coche, 5-


Denticulado. Fonte: Inizan et. al (1995).

5.8.2 Reconhecendo as UTFs Preensivas

As UTF‟s preensivas não podem ser identificados por características


próprias que se apresentam em todos os instrumentos, diferente das UTF‟s
transformativas que sempre apresentam um plano de bico, um plano de corte
etc.. Para reconhecimento de cada UTF preensiva (UTFp) deve-se considerar:
a posição das retiradas que produziram a UTF transformativa correspondente
em relação às faces superior e inferior do suporte e a localização destas na
estrutura do artefato, uma vez que a UTF preensiva nunca se sobrepõe a UTF
transformativa correspondente. A estrutura do artefato, a ação do instrumento
e os gestos que o corpo humano pode realizar limitam as áreas que podem ser
classificadas como UTF preensiva e o funcionamento do artefato. Deve-se
considerar também que para cada instrumento, mais de um funcionamento
pode ser definido, podendo, em certas ocasiões, toda a estrutura do artefato
(salvo a zona transformativa) ser classificada como uma zona apta de
preensão. Um mesmo instrumento, portanto, pode ser incorporado de várias
formas.

Para melhor compreender o funcionamento do instrumento devem ser


considerados: a força que pode ser aplicada sobre a matéria e a precisão da
81

ação do instrumento; o ângulo de aplicação da força em relação da matéria


transformada com as faces superior e/ou inferior do suporte do instrumento; e
os movimentos que devem ser realizados para que o instrumento realmente
funcione.

Para análise do funcionamento dos raspadores, Rigaud (1977; apud


PIEL-DESRUISSEAUX, 1989) aponta dois modos principais de funcionamento:
corte positivo (Figura 6B), onde há um maior contato da face plana do
instrumento com a matéria; e corte negativo (Figura 6A), onde é a face
oposta, não-plana, do gume que tem maior contato com a matéria. A área com
maior contato irá apresentar as marcas da ação transformativa que servirão de
base para identificação do corte negativo e/ou positivo.

Figura 12 - A: Corte Negativo; B: Corte Positivo. Fonte: Piel-Desruisseaux (1989, pg. 96).

5.8.3 Descrição dos Artefatos e Seus Instrumentos

Todos os artefatos líticos lascados que constituem instrumentos,


descritos a seguir, são de quartzito, com exceção de duas peças constituídas
de sílex (Peças 63 e 470) e uma de calcedônia (Peça 1719). Estas duas não
apresentam córtex. Não foram encontradas fontes de sílex e ou calcedônia nas
proximidades do GO-CP-17.

A maioria das peças de quartzito apresenta córtex, sempre de seixos. A


descrição segue pela caracterização do suporte dos artefatos, da produção das
82

UTFs e da função e funcionamento de cada instrumento que compõe os


artefatos. As dimensões indicadas são baseadas pela posição da peça
indicada nos desenhos (Anexo II), assim como a localização e a posição de
qualquer elemento da peça.

O total de artefatos lascados analisados do sítio é de 102. A seguir estão


apresentadas as descrições de 53 artefatos que complementam os trabalhos
anteriores, totalizando uma coleção de artefatos lascados de 155 peças.

Peça: 31 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar, obtida por ângulo rasante. Apenas a parte
esquerda do talão está presente. O ponto de impacto em si foi retirado pelas
etapas de façonnage e debitagem. As dimensões da peça são 73mm de
comprimento, 53mm de largura, e 30mm de espessura. Presença de dorso nos
bordos distal proximal e esquerdo. A face superior da peça é cortical. A peça
apresenta uma seção modular.

Todos os dorsos foram produzidos nas etapas de debitagem. Há duas


sequências de façonnage para preparação do plano de corte das UTFs
transformativas no bordo esquerdo da peça, sendo suas retiradas longas,
porém com dimensões de largura maiores. Os retoques são todos diretos,
curtos e escalariformes.

A UTFt1, localizado na porção distal do bordo direito, tem um


delineamento do gume côncavo, com plano de corte e plano de bico côncavos
ambos com 75°.

A UTFt2, localizada na porção mesoproximal, tem um delineamento


denticulado irregular com plano de corte de 50° e plano de bico de 65°
côncavos.

Toda a dimensão da peça permite a preensão para atender a ação de


raspar, de modo que seja aplicada uma força contra a matéria em um ângulo
quase paralelo com funcionamento em corte negativo.
83

Peça: 32 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar. A face externa é 75% cortical com uma
convexidade natural. A porção distal, seguindo o eixo tecnológico, está
fraturada. As dimensões da peça são de 75mm de comprimento, 48mm de
largura e 25mm de espessura. Possui uma estrutura convexo-convexa.

O bordo direito forma um dorso preparado espesso e rasante. O bordo


oposto forma um gume abrupto, classificado como UTFt1. Esta UTF possui
retoques curtos e subparalelos. Possui plano de corte côncavo de 75° e plano
de bico plano de 90°. Além disso, o gume possui marcas de utilização
macroscópicas em ambas as faces, e está esgotado. Apesar do ângulo
abrupto, esta UTF permite atender a ação de cortar em movimentos de vai-e-
vem sobre a matéria. Além disso, esta UTF também permita a ação de raspar,
com ambas as superfícies, ou seja, dois funcionamentos - corte positivo e corte
negativo. A preensão desta peça pode ser feita de modo que os dedos
prendam a peça pelas faces superior e inferior, e a palma da mão sobre o
dorso oposto à UTFt.

Há uma segunda UTF transformativa, localizada na extremidade


proximal. Ela é formada por um negativo plano, longo e largo, produzido pelo
impacto bipolar, na face cortical. Já na outra face, há apenas uma retirada larga
para o retoque. Possui plano de corte côncavo de 40 e plano de bico côncavo
de 50°. A UTFt2 atende a ação de cortar, aplicando a força num ângulo reto, de
modo que a face interna da lasca entre em maior contato com a matéria. A
preensão deste instrumento se dá pelo encaixe do polegar na área do Plano de
corte da UTFt1, enquanto que os dedos encaixam sobre o dorso do bordo
direito. A área ativa da UTFt2 ocupa todo o bordo.

Peça: 33 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar completamente cortical. A porção proximal


está fraturada, de forma que um dorso espesso se formou naturalmente. A face
84

inferior é côncava, enquanto a face superior é convexa. Seção plano-convexa.


Uma pequena porção do gume distal está fraturada, mas houve um processo
de formação de córtex, formando um dorso fino. Há três UTFs transformativas
na peça.

UTF1, localizada por todo o bordo direito da peça, é formada por


retoques milimétricos, em posição direta, que formam um gume sinuoso.
Apresenta PC convexo de 65° e PB convexo de 75°. Esta UTF é apta para
ações de cortar, com funcionamento de modo que a preensão seja feita com o
encaixe do dedo indicador no dorso distal, e haja oposição entre o polegar na
face inferior e os demais dedos na face superior, e a força seja aplicada em
movimentos de vai-e-vem.

UTF2, localizada por todo na porção mesodistal do bordo esquerdo, é


formada por retoques milimétricos, em posição inversa, que formam um
delineamento em coche. Apresenta PC côncavo de 45° e PB côncavo de 55°.
Esta UTF é apta para ações de raspar, com funcionamento em corte negativo
de modo que a preensão seja feita em oposição.

UTF3, localizada na porção mesoproximal, é um gume cortical


levemente convexo. Apresenta PC convexo de 50° e PB convexo de 60°. Esta
UTF é apta para ações de cortar, com funcionamento de modo que a preensão
seja feita com o encaixe do dedo indicador no dorso proximal, e haja oposição
entre o polegar na face superior e os demais dedos na face inferior, e a força
seja aplicada em movimentos de vai-e-vem.

Peça: 34 / Setor: NAW1

O suporte é um seixo não debitado. Apesar do grande número de


negativos que cobrem toda a face inferior da peça, que a tornam plana toda a
peça apresenta resquícios de córtex, que nos permite projetar o tamanho
original do seixo: de seção plano-plana. Ambas as superfícies são
semiconvexas. A peça apresenta dimensões de 81mm de comprimento, 49mm
de largura e 22mm de espessura.
85

O bordo direito, classificado pelo eixo morfológico, apresenta retiradas


alternantes, convergentes e não hierarquizadas, que formam uma cornija
sinuosa. Estas características são algumas das descritas por Boëda (1997)
para classificar os núcleos do tipo discoide. Contudo, a porção mesoproximal
apresenta uma fratura posterior a todas estas retiradas.

O bordo esquerdo apresenta um gume semiabrupto, formado por um


grande negativo plano, anterior a todas as retiradas do bordo direito, e uma
sequência de retoques invadentes na face superior. Este gume apresenta
micro-estilhamentos em ambas as faces, e tem um delineamento côncavo. Tais
características nos permitem classificar este gume como uma UTF
transformativa, a única da peça. Ela apresenta um plano de corte côncavo de
60° e plano de bico plano de 65°.

Esta UTF permite a ação de raspar, a partir de dois funcionamentos. O


primeiro, aplicando uma força num ângulo quase paralelo entre a face inferior e
a matéria, de modo que a preensão seja realizada com o encaixe do polegar na
fratura, e o dedo indicador na porção distal cortical. O segundo funcionamento
pode ser realizado de modo que a aplicação da força sobre a matéria seja num
ângulo semiabrupto entre a face superior e a matéria, realizando a preensão do
polegar na face inferior, e os outros dedos na face superior.

Peças: 35 e 102 / Setor: NAW1

Trata-se de um artefato fraturado, onde as duas peças analisadas


puderam ser remontadas7 mas porção proximal ainda apresenta uma fratura.
Contudo, com base na estrutura natural do seixo, é possível reconstituir
hipoteticamente todo o artefato original. Apresenta uma seção plano-plana. O
suporte não foi identificado.

A face inferior é plana e formada pelo córtex, que também forma um


dorso natural no bordo proximal. A face superior é plana formada por uma

7
Duas peças encontradas na mesma quadrícula.
86

grande retirada. Contudo, não foi possível reconhecer se esta retirada é um


negativo, ou a face interna de uma lasca unipolar. O bordo direito apresenta um
dorso espesso preparado. O artefato apresenta três UTFs transformativas onde
foram identificados funcionamentos em corte negativo de modo que a força é
aplicada em ângulos rasantes e semiabruptos.

UTF1, localizada na porção mesial do bordo esquerdo, em posição


inversa. Formada por apenas um sequência de façonnage e retoques em
escamas. O delineamento do gume é côncavo. Ângulo de PC de 70° e PB de
85°, ambos planos.

UTF2, localizada na porção esquerda do bordo distal, em posição direta.


Formada por uma retirada de façonnage longa quadrangular que forma o PC e
retoques curtos e paralelos. O delineamento do gume é denticulado. Ângulo de
PC de 60° e PB de 65°, ambos planos.

UTF3, localizada na porção direita do bordo distal, em posição direta.


Formada por duas sequências de façonnage, sendo que a segunda forma o
PC. Apresenta retoques em escamas. O delineamento do gume é denticulado,
exceto pela extremidade esquerda que possui uma retirada longa em coche
posterior aos demais retoques. Ângulo de PC de 70° e PB de 75°, ambos
planos.

Peça: 38 / Setor: NAW1 & Peça: 155 / Setor: NBW1

Trata-se de duas peças, encontradas em diferentes quadriculas que


remontam. Produto bipolar trifacial com dimensões de 78mm de comprimento,
56mm de largura e 35mm de espessura, de seção triangular. As extremidades
apresentam pequenos negativos produzidos pelo impacto bipolar. As duas
peças apresentam pátina diferenciada. A face cortical é convexa. A face
esquerda é côncava, enquanto a direita é plana.

A porção mesodistal do bordo cortical direito apresenta marcas de


percussão, incluindo um negativo anterior à produção bipolar do suporte. Existe
87

a possibilidade de que o seixo fosse utilizado como percutor antes da produção


do suporte, mas também pode ser resultante de tentativa de fratura bipolar.

A porção mesoproximal deste bordo apresenta a UTF1. Trata-se de um


gume convexo sem façonnage e retoque, que apresenta ângulos de PC
convexo de 70° e PB convexo de 75°.

A UTF2 está localizada na porção distal do bordo cortical esquerdo.


Trata-se de um gume convexo sem façonnage e retoque, que apresenta ângulo
de 70° para PC e PB, ambos convexo.

Ambas as UTFs transformativas são aptas para raspar, partindo de um


funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada pelo encaixe
dos dedos na face cortical, o polegar na face produzida onde está a UTFt
oposta, e a palma na terceira face. A aplicação da força é sempre em ângulos
abruptos.

Peça: 39 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar de seção modular, com presença de córtex.


O talão foi retirado para preparação de um pequeno dorso. O bordo esquerdo é
semiabrupto e cortical. A face inferior é plana, enquanto que a face superior é
convexa.

Há apenas uma UTF transformativa localizada no bordo direito, porém, a


porção proximal está fraturada. Não possui retoques nem façonnage. A face
superior apresenta um negativo de debitagem longa e espessa, enquanto a
face inferior possui apenas uma retirada larga, delimitando o plano de corte. A
linha do gume é sinuosa. O plano de corte plano apresenta um ângulo de 70° e
o plano de bico côncavo apresenta 80°. Há alguns micro-estilhamentos em
ambas as faces.

Estas características levam a crer que esta UTFt atendia a ação de


cortar. O encaixe do polegar na face superior, dos demais dedos na porção
distal e a palma da mão no bordo esquerdo, permitem uma ação de vai-e-vem
num ângulo reto com a matéria.
88

A porção distal apresenta duas sequências de retiradas diretas. Uma


retirada longa seguida de três retiradas subparalelas com contrabulbo
presente. Estes negativos formam um ângulo semiabrupto e um gume
côncavo, contudo não há sinais de utilização. Desse modo, não é possível
classificar esta porção da peça como UTF transformativa, podendo ser uma
zona preparada para preensão.

Peça: 42 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar com dimensões de 73mm de


comprimento, 39mm de largura e 26mm de espessura. Face inferior convexa e
superior convexa cortical. Seção modular.

Os bordos direito e esquerdo apresentam retiradas de façonnage para


preparação da zona preensiva. A UTFt está localizada na porção distal do
artefato, porém, encontra-se parcialmente fraturado, de forma que não é
possível identificar o delineamento do gume original. A UTF é formada por uma
sequência de façonnage, que criou o PC plano de 60°. Retoques curtos e
paralelos produziram o PB plano de 70°. Apto para ações de raspar. O
funcionamento é em corte negativo, e a preensão pode ser realizada de modo
que os bordos laterais e as superfícies servem para encaixe dos dedos e da
palma da mão. A força deve ser aplicada em ângulo abrupto.

Peça: 45 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca bipolar em forma de gomo de seção triangular, de


dimensões de 64mm de comprimento, 38mm de largura e 21mm de espessura.
A face inferior é plana, mas apresenta uma depressão na porção mesodistal. A
face superior é convexa, tendo toda a porção esquerda da peça cortical, além
da extremidade distal. O córtex na porção proximal forma um dorso espesso.

Há apenas uma UTFt localizada na porção proximal do bordo direito,


formada por retoques subparalelos que formam um gume denticulado suave.
Ângulos de PC convexo de 60° e PB plano de 70°. É apto pra ações de cortar
89

de forma que a preensão seja realizada pelo encaixe do dedo indicador no


dorso cortical proximal, e a oposição entre o dedo polegar na face superior e os
demais dedos na face inferior.

Peça: 46 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca com dimensões de 57mm de


comprimento, 52mm de largura e 20mm de espessura. A face superior é
completamente cortical. Seção plano-convexa. A porção direita da face inferior
apresenta uma fratura natural anterior à retirada do suporte e está tomada por
pátina formando um novo córtex. A porção proximal apresente uma negativo
que apagou parte dessa porção com pátina, mas este negativo é anterior à
fratura do suporte.

Apresenta uma UTFt localizada na porção distal do bordo esquerdo,


produzida por retoques curtos, paralelos e inversos. O gume é denticulado.
Apresenta PC de 35° e PB de 75°, sendo plano para ambos. É apto para ações
de raspar com funcionamento em corte negativo e preensão em oposição. A
aplicação da força é em ângulos abruptos.

Peça: 47 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar, com presença de pouco córtex. Todos os


bordos contêm retiradas posteriores à debitagem, com gumes abruptos e
semiabruptos, com exceção ao bordo proximal. A peça apresenta uma seção
trapezoidal quase simétrico.

Apresenta apenas dois negativos de debitagem, sendo estes


convergentes. Um na porção dista e outro na proximal, provavelmente para
preparação deste suporte.

O bordo proximal apresenta um negativo direto de lasca com acidente


em lingueta, seguido de uma retirada inversa, que provavelmente retirou o
talão.
90

O bordo distal apresenta duas sequências de façonnage. A primeira


trata-se de uma retirada única invadentes. A segunda sequência trata-se de
uma retirada única longa, que prepara o plano de corte. Em seguida há uma
sequência de retoques curtos e subparalelos que delineia um gume denticulado
suave. O plano de corte convexo de 75° e plano de bico plano de 90°. Esta
porção foi classificada como UTF1.

O bordo direito possui duas sequência de façonnage, sendo uma com


retiradas longas e invadentes, seguida de uma sequência de retiradas curtas
subparalelas. A porção distal apresenta uma pequena fratura, e a porção
mesoproximal apresenta um sequência de retoques curtos e paralelos. Este
gume foi classificado como UTF2, possuindo um gume com delineamento
convexo, plano de corte côncavo de 70° e plano de bico plano de 80°.

O bordo esquerdo apresenta façonnage sendo duas retiradas longas e


pouco espessas na face inferior, para preparação uma face plana. A face
superior apresenta mais duas sequências de façonnage, sendo uma sequência
de retiradas longas e invadentes, seguida de outra sequência de retiradas
longas e largas, preparando o plano de corte. A porção mesodistal apresenta
uma sequência de retoques curtos e subparalelos, formando um gume com
delineamento denticulado. Este gume foi classificado como UTF3, e apresenta
um plano de corte plana de 70° e um plano de bico plano de 75°.

Ainda foi constatada a presença de outra UTF, em forma de ponta,


localizada no canto direito distal da peça. Esta ponta é formada pelo gume da
UTF1, e pelo gume do bordo direito, próximo à fratura, ou seja, pelos negativos
de façonnage e retoque destes bordos. A face inferior apresenta micro-
denticulamento, assim como a face superior. Estas características, além das
marcas de uso, nos permitem classificar esta ponta como UTF4(¹), que
apresenta um plano de corte plana de 65°, e um plano de bico plano abastado
de 80°. A ponta permite a ação de furar, com uma aplicação de força em
ângulos abruptos e retos sobre a matéria, com toda a dimensão da peça apta
para preensão.

Quanto à ação das outras UTFs, puderam ser classificadas com a ação de
raspar, de modo que a força seja aplicada em ângulos abruptos e
91

semiabruptos, onde a face superior da peça tenha maior contato com a


matéria. A preensão destas UTFs pode ser realizada com o polegar encaixado
na face inferior, e os demais dedos por toda a face superior.

Peça: 58 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar. Gumes abruptos preparados por todo o


contorno da peça, de modo que se tornem dorsos, exceto na extremidade
proximal; o talão encontra-se ausente. As porções corticais apresentam arestas
bem definidas. Suas dimensões são de 105mm de comprimento, 66mm de
largura e 56mm de espessura. Seção plano-convexo.

Não há negativos de debitagem. A face inferior da peça apresenta


apenas façonnage, sendo duas retiradas longas e pouco espessas para
produção de uma face inferior plana. Estas retiradas provavelmente eliminaram
o talão e o bulbo da lasca.

A extremidade distal contém duas sequências de façonnage para


preparação de uma are de preensão. A primeira sequência de lascas espessas
longas e largas subparalelas. E outra sequência de lascas longas, ainda com
contrabulbo presente, acabando por formar um dorso convexo.

O bordo direito contém uma sequência de façonnage de lascas mais


largas que compridas e subparalelas. E mais uma sequência de retoque com
retiradas curtas e paralelas diretas, formando um gume bem abrupto. Foram
identificadas três UTFs transformativas neste bordo:

A UTF 1, na porção distal, com delineamento denticulado, plano de corte


convexa de 80°, e plano e bico plano de 85°;

UTF 2 , na porção medial, com delineamento em coche, plano de corte


convexo de 85°, e plano de bico plano de 90°;

UTF 3, na porção proximal, com delineamento retilíneo, plano de corte


côncava de 70°, e plano de bico plano de 75°.
92

O bordo direito apresenta apenas uma retirada de façonnage na porção


distal, ainda com contrabulbo presente, para preparação de zona preensiva. A
porção mesodistal apresenta apenas uma UTF transformativa, denominada de
UTF 4. Ela é formada por retoques curtos, paralelos, com retiradas em forma
retangular (largas). O delineamento da UTF é Irregular, com plano de corte
côncavo de 80° e plano de bico plano de 85°.

A extremidade proximal não possui retiradas, sendo apenas um gume


cortical bem convexo com marcas de utilização. Estas características, além da
porção na face inferior preparada plana, nos permitiu identificar este gume
como a UTF 5 com plano de corte de 85°, e plano de bico de 90°.

Para todas as UTF‟s transformativas é possível a preensão da peça


entre o polegar e os demais dedos, utilizando os dorsos da peça, além do
encaixe da palma da mão nas porções cortiças da peça. Todas as UTF‟s são
aptas para a ações de raspar de modo que a força seja aplicada sobre a
matéria num ângulo rasante. Todas as UTF‟s transformativas apresentam as
marcas de uso na face superior da peça.

Peça: 63 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada de sílex, de proveniência


desconhecida. Apresenta dimensões de 33mm de comprimento, 52mm de
largura e 18mm de espessura. O talão apresenta cornija, resultante de
lascamento por pressão. Seção convexo-convexa.

A face inferior contém uma grande retirada de façonnage que retirou a


porção distal do suporte. Ela produziu uma área preensiva, e um PC para duas
UTFs.

É possível que este suporte se trate de uma lasca de reavivagem de


instrumento (façonnage) que foi reaproveitada como instrumento. O bordo
proximal apresenta duas sequencias de retoques paralelos, uma longa e uma
curta, interrompidos por uma grande retirada de preparação de talão. O talão
apresenta um ângulo bem rasante com a face interna.
93

A UTF anterior à retirada do suporte (UTFa) está mascarada. Mas ainda


é possível identificar o ângulo de 70° de PC e PB. É apto para ações de raspar
com funcionamento em corte negativo. Não é possível descrever a preensão
deste antigo instrumento, pois a estrutura do seu suporte não se faz mais
presente.

Três UTFs transformativas foram identificadas no suporte atual. Todas


com preensão em oposição e permitem precisão.

A UTF1 está localizada ao lado esquerdo da UTFa. Foi produzida por


retoques curtos, paralelos e inversos. Apresenta um gume com delineamento
denticulado e ângulos de PC plano de 35° e PB plano de 55°. Apto para ações
de cortar.

A UTF2 está localizada na extremidade esquerda do bordo distal, acima


da UTF1. Apresenta um PC de 40° e um PB produzido por uma onda bem
proeminente do negativo de façonnage formando um ângulo de 70°, ambos se
apresentam planos. Apto para raspar com funcionamento em corte negativo. A
aplicação da força deve ser em ângulos abruptos.

A UTF3 está localizada por todo o resto do bordo distal, produzida pela
retirada de façonnage. Seu delineamento é sinuoso e apresenta ângulo de 50°
para PC e PB, ambos planos. É apto para ações de cortar.

Peça: 75 / Setor: NAW1

Suporte sobre produto bipolar. A extremidade distal está ausente.


Apresenta dimensões de 41mm de comprimento, 36mm de largura e 15mm de
espessura. Seção plano-convexa. Todos os negativos estão tomados por
processo de formação de córtex, mascarando possíveis marcas de utilização.
Desde a porção mesial do bordo esquerdo, passando pelo bordo distal, até a
porção distal do bordo direito há uma sequência de retiradas alternantes que
começam longas e terminam curtas.
94

A face superior apresenta marcas de percussão. Não é possível dizer se


é resultante de uma tentativa de fratura bipolar, ou se se trata de uma UTFt de
percutor reaproveitado como matriz bipolar.

Algumas marcas ainda são visíveis na porção distal do bordo direito.


Esta UTFt foi produzida por retoques curtos e paralelos. Apresenta um ângulo
de PC de 45° e PB não identificado em função do esgotamento do gume da
formação de córtex, mas é possível afirmar que pela projeção que o PB não
poderia ser menor que 60°, ambos são planos. É apto para ações de raspar em
corte negativo, de forma que a preensão seja em oposição e a aplicação da
força seja em ângulos abruptos. Essa preensão permite precisão na ação.

Peça: 84 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada. Dimensões de 31mm de


comprimento, 60mm de largura e 10mm de espessura. Face inferior plana e
superior convexa com ondulações proeminentes. Seção retangular. O talão é
espesso e largo, assim como a porção distal refletida formam dorsos. A
extremidade direita está fraturada. O bordo esquerdo apresenta um gume com
uma UTFt.

A UTFt é formada por um retoque curto em coche em posição inversa.


Apto para raspar. Ângulos de PC plano de 45° e PB plano de 60°. Seu
funcionamento é em corte negativo em ângulo abrupto de aplicação de força.

Peça: 87 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca com dimensões de 38mm de


comprimento, 49mm de largura e 14mm de espessura. A face superior é
convexa e a inferior é plana. Seção retangular. A porção fragmentada forma um
dorso espesso.

Retoques inversos, curtos e paralelos formam a UTFt, localizada na


porção mesial do bordo direito. O gume é denticulado e apresenta ângulos de
95

PC de 50° e PB de 65°, ambos planos. É apto para ações de raspar com


funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada com oposição
de dedos, de forma que o dorso pode dar maior firmeza. A força aplicada deve
ser em ângulo abrupto e permite precisão.

Peça: 92 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca bipolar em forma de gomo. Face superior convexa e


inferior plana. Dimensões de 32mm de comprimento, 23mm de largura e 9mm
de espessura. Seção retangular.

Porção distal completamente cortical. Bordo esquerdo apresenta um


dorso. O bordo direito é formado por um gume semiabrupto, contendo a UTF1
na porção mesodistal. A porção proximal é abrupta e contém a UTF2. Ambas
as UTFs, aptas para ações de raspar, tiveram funcionamento em corte negativo
de modo que a força é aplica com precisão e em ângulos abruptos.

A UTF1 é formada por apenas um pequeno retoque em coche em


posição inversa. Ângulos de PC plano de 50° e PB côncavo de 70°.

Peça: 98 / Setor: NAW1

Trata-se de um seixo em forma de plaqueta com aproveitamento da


fratura. Todas as retiradas estão na fratura. Apresenta duas faces planas
corticais e dois dorsos laterais naturais com ângulos marcados. Seção modular.
Suas dimensões são de 64mm de comprimento, 32mm de largura, 22mm de
espessura.

Não há façonnage. Os retoques são todos diretos, curtos e subparalelos.


Foram definidas duas UTFs. Uma na porção esquerda do gume (UTF2), e
outra na porção mesial do gume (UTF1).

A UTF1 é um coche com plano de corte convexo de 80° e plano de bico


plano de 90°.
96

A UTF2 apresenta o gume denticulado suave com plano de corte


côncavo de 75° e plano de bico plano de 80°.

Ambas as UTF‟s permitem a ação de raspar, de modo que aplicação da


força contra a matéria seja num ângulo quase paralelo, no entanto, não há
micro estilhamento na face interna, o que pode ser justificado pela presença do
córtex. O dorso esquerdo permite a preensão do polegar, e o dorso oposto a
preensão dos outros dedos.

Peça: 99 / Setor: NAW1

Suporte sobre fragmento de lasca unipolar. Há um dorso proximal


formado pela fratura, dando continuidade ao dorso por todo o bordo direito. A
face inferior da peça é levemente côncava, enquanto que a superior é plana.
Seção trapezoidal. Suas dimensões são de 63mm de comprimento, 37mm de
largura, e 21mm de espessura.

Apenas um negativo de debitagem na face superior que teria contribuído


para retirada da lasca. O bordo direito da peça apresenta três sequências de
façonnage. A primeira sequência de retiradas invadentes e paralelas, duas
sequências de retiradas longas. Este bordo apresenta três UTF‟s, que atendem
sua função de modo que a força seja aplicada num ângulo rasante sobre a
matéria:

UTF1, na porção mesodistal, com retoques longos e paralelos formando


um gume denticulado suave, com plano de corte convexo de 65° e plano de
bico côncavo de 70°, atendendo a ação de cortar. Sua preensão é melhor
realizada com o polegar posicionado na concavidade da face inferior, o dedo
indicador no bordo proximal, e os demais dedos da face superior;

UTF2, na porção mês-proximal, com retoques curtos e escamosos e


gume denticulado, com plano de corte convexo de 65° e plano de bico côncavo
de 80°, atendendo a ação de raspar. Sua preensão é mais bem realizada com
o polegar encaixado na face superior da peça, e os demais dedos na face
inferior;
97

UTF3(¹), na extremidade distal, em forma de ponta, formada por


retoques curtos na porção esquerda, apresentando plano de corte convexo de
75° e plano de bico côncavo de 85°, atendendo a ação de furar. A preensão
pode ser realizada com todas as dimensões da peça. A ponta é quase
simétrica em forma de V. É importante ressaltar que a ponta, associada a UTF1
permite que um corte melhor delineado, e com menos gasto de energia.

Peça: 123 / Setor: NAW2

Trata-se de uma peça em suporte sobre lasca unipolar. Na porção


proximal há evidencias de ação térmica, podendo ser a causa da ausência do
talão, e a porção distal da peça encontra-se fraturada. Seção modular. A peça
possui dimensões de 72mm de comprimento, 60mm de largura, e 43mm de
espessura.

Os bordos direito e esquerdo têm presença parcial de córtex. A peça é


espessa e apresenta uma superfície inferior plana. Todos os bordos são
abruptos de tamanhos irregulares, conferindo à peça uma seção trapezoidal.

Na matriz foi identificado apenas um instrumento, não apresenta traços


de façonnage. A única UTF transformativa foi produzida por uma retirada única
em coche. A posição dessa retirada é direta e está localizada na porção
mesodistal do bordo direito da peça. O gume apresenta ângulos de 65° para o
Plano de Bico de forma côncava, e 65° para o Plano de Corte que possui uma
forma côncava.

Apesar das porções fraturadas da peça, é notável que a preensão do


instrumento é do tipo “força”, de forma que a zona preensiva é limitada pelas
porções corticais da peça. As características do gume – delineamento côncavo,
ângulo semiabrupto – permitem uma ação de raspagem, e nota-se que o gume
não apresenta sinais de intensa utilização. As fraturas da peça não permitem,
com precisão, a identificação de toda a zona preensiva.

Pelos sinais de utilização apresentados no negativo da coche, conclui-se que o


instrumento seguia um funcionamento de modo que a força seja aplicada num
98

ângulo abrupto entre a matéria e a face superior do instrumento, que há maior


contato.

Peça: 149 / Setor: NBW1

Suporte sobre produto bipolar. Apresenta 12,8 cm de comprimento, 6,3


cm de largura e 4,3 cm de espessura. Seção convexo-convexa.

O suporte da peça apresenta uma estrutura composta por duas faces


convexas assimetricamente, uma delas caracterizada pela forma natural do
seixo e outra pela face produzida, local onde a convexidade é menor. O
instrumento vem de uma debitagem bipolar, caracterizando numa espessa
lasca, na forma de calota, na parte proximal há evidencias claras de marcas de
percussão. Pelas evidencias de córtex presentes na superfície externa,
observamos que se tratava de um seixo anguloso de dimensões em torno de
13 cm de comprimento.

Pela análise de produção do instrumento, constatamos que praticamente


toda a parte externa da peça está tomada por córtex, há apenas um grande
negativo, de ângulo rasante, mas que pela análise de patina, constatamos ser
uma retirada recente, portanto, não faz parte da estrutura original do artefato.
Quanto à face interna, ela está praticamente toda tomada por negativos de
retiradas de façonnage e de retoques, todos provenientes de procedimentos
unipolares. Ressalta-se que há poucas evidencias de áreas “antigas”,
relacionadas à face interna da lasca.

Quanto aos negativos de façonnage, observamos duas sequências,


presente em praticamente toda a peça: a primeira com o objetivo de formatar a
estrutura. Trata-se de retiradas invasivas. A outra sequência está relacionada à
organização do plano de corte. A forma destes negativos não segue um
padrão, sendo quadradas ou mais largas do que compridas.

Quanto aos negativos de retoques não estão dispersos por todas as


áreas das peças, observamos áreas com uma sequência e, em outras com
duas. Os retoques são diretos e, tomando por referencia o eixo tecnológico,
localizados na porção distal, porção direita e esquerda da peça. A extensão
99

dos retoques é curta e há casos de negativos longos, formando retoques


subparalelos.

Os retoques formaram quatro áreas ativas, denominadas de UTF1,


UTF2, UTF3 e UTF4, que apresentam as seguintes características, temos,
portanto, uma matriz com quatro instrumentos:

UTF1, localizada na porção mesial do bordo direito. Possui um gume


retilíneo, com plano de corte com ângulo de 95º e forma plana; plano de bico
com ângulo de 85º e forma convexa.

UTF2, localizada no bordo proximal. O delineamento do gume é em


coche, com plano de corte com ângulo de 75º e plano de bico de 80°, sendo
ambos planos.

UTF3, localizada na porção mesial do bordo esquerdo. Possui um gume


com delineamento denticulado suave, com plano de corte de 80° e plano de
bico de 85°, ambos planos.

UTF4, localizada na porção mesoproximal do bordo esquerdo. Possui


um delineamento de gume côncavo, plano de corte 75° e plano de bico de 85°,
ambos planos.

De um modo geral, as áreas preensivas variaram de acordo com a


localização das UTFs. É importante ressaltar que, assim como já observado
por Viana em instrumentos do Vale do Rio Manso e de outros sítios de
Palestina de Goiás (VIANA, no prelo; BORGES, 2009; GUILHARDI, et al, 2009;
OLIVEIRA et al., 2010) há uma interação sinérgica entre as zonas
confeccionadas e as naturais, dada em especial pela convexidade natural do
seixo, que teria garantido uma boa preensão da mão e, assim, o bom
funcionamento do instrumento.

Sobre o funcionamento da UTF1, considerando os micros estilhaços do


bordo, o fio “arredondado” e o ângulo acima de 90º, entendemos que este
instrumento foi intensamente utilizado, até torna-se inapto à sua ação (gume
esgotado). A forma da linha do gume é retilínea, o que nos faz pensar
primeiramente que sua ação seria de corte, com funcionamento em sentido de
100

vai-e-vem, no entanto, ao analisarmos melhor observamos que a linha do gume


não é continua, ou seja, ocupa somente uma parte do bordo, além da presença
do “desnível” nas duas extremidades da linha do gume marcada por retoques,
o que limita a área desta UTF.

Sobre o funcionamento da UTF2, localizada na parte distal da peça e


caracterizada por um grande coche que toma praticamente toda a extensão da
porção distal. O interior do coche está bem delimitado (em forma de “u”) e com
evidencias de estilhamento, o que nos faz pensar que a utilização tenha se
dado principalmente neste local. Considerando o ângulo do PB e PC, a forma
da linha do gume em “U” fechado, sugere-se que o instrumento tenha sido
utilizado para raspar, utilizando o instrumento em posição rasante, com a face
interna (trabalhada) em contato com a matéria – corte negativo.

Sobre o funcionamento da UTF3, esta é apta para raspar, de modo que


a força seja aplicada num ângulo semiabrupto entre a matéria e a face interna
da peça – corte negativo. O gume apresenta-se microfragmentado e com uma
mancha negra, vestígio de ação térmica localizada. Para esta ação a preensão
da peça pode ocorrer de modo que o polegar e a palma da mão se encaixem
na face-cortical enquanto que os dedos se encaixam na outra face.

Sobre o funcionamento da UTF4, esta é apta para raspar, e seu gume


delineado em coche fechado delimita uma área convexa da matéria em
contato. A preensão segue a mesma da UTF3.

Peça: 152 / Setor: NBW1

Suporte não debitado, quase que completamente cortical. Trata-se de


um seixo alongado com seção modular. As duas superfícies são naturalmente
planas, sendo que a inferior apresenta uma depressão na região mesial. Suas
dimensões são de 119mm de comprimento, 72mm de largura, e 34mm de
espessura.

Os bordos direitos, esquerdo e proximal apresentam dorsos preparados


por etapas de façonnage. Uma retirada única larga e refletida preparou o PB e
101

PC da única UTF transformativa, localizada no bordo distal do artefato. Esta


UTF apresenta um PC convexo de 75° e PB plano de 85° e um gume com
delineamento em coche que permite a ação de raspar. Foi identificado o
funcionamento em corte negativo deste instrumento, com aplicação da força
em ângulo abrupto.

Peça: 154 / Setor: NBW1

Suporte sobre seixo não debitado de seção trapezoidal. Seção modular.


Apresenta duas superfícies corticais planas. Apresenta dorsos formados por
grandes retiradas nos bordos distal, próxima e direito, sendo que neste último
ainda há pequenas retiradas de façonnage para produção da zona preensiva.
Dimensões de 70mm de comprimento, 74mm de largura e 35mm de
espessura.

O bordo esquerdo apresenta três UTFs transformativas, produzida por


duas sequências de façonnage na face superior e uma sequencia na face
inferior que formas os PCs:

UTF1, localizada na porção distal, apresenta um gume convexo com


retoques subparalelos e alternantes, PC plano de 45º e PB indeterminado de
60°, ambos planos, com gume muito gasto. Esta UTF permite a ação de cortar,
num funcionamento de modo que toda estrutura do artefato pode servir como
zona preensiva.

UTF2, localizada na porção mesial, apresenta um gume côncavo, que


limita a área de ação, com retoques subparalelos e alternantes, PC plano de
60º e PB indeterminado de 75°, ambos planos, com gume muito gasto. Esta
UTF permite a ação de cortar, num funcionamento de modo que toda estrutura
do artefato pode servir como zona preensiva. A face inferior apresenta um
degrau que delimita a área de contato do instrumento com outra matéria
durante a ação.

UTF3, localizada na porção próxima, apresenta um gume retilíneo sem


retoques, PC plano de 75º e PB plano de 75°, ambos planos, com gume pouco
102

gasto. Esta UTF permite a ação de raspar, num funcionamento em corte


negativo de modo que o polegar se encaixe na face inferior do artefato, o
indicador se encaixe no dorso proximal, a palma da mão do dorso direito, e os
demais dedos na face superior.

Peça: 176 / Setor: NBW2

Suporte não debitado, quase que completamente cortical. Trata-se de


um seixo alongado. Apresenta seção modular, e duas superfícies naturais
opostas planas (inferior e superior). Suas dimensões são de 90mm de
comprimento, 44mm de largura, 31mm de espessura.

Os negativos sofreram processo erosivo e estão pouco perceptíveis. O


bordo direito é um dorso cortical natural, e dorso esquerdo sofreu duas
sequências de façonnage, uma oposta a outra, para preparação da zona
preensiva. Há apenas uma retirada de façonnage para preparação do plano de
corte, espessa, refletida, longa e larga. A UTFt apresenta um retoque direto
curto. O gume é retilíneo com uma ponta e está gasto, quase plano ocupando
todo o bordo. Apresenta PC convexo de 70° e PB plano de 75°.

O bordo esquerdo apresenta um negativo profundo que permite que o


polegar direito se encaixe perfeitamente. O dorso oposto apresenta uma
convexidade natural que permite o encaixe do dedo indicador. De tal modo a
preensão permite uma ação de força sobre a matéria num ângulo quase
paralelo à matéria exercendo a ação de raspar.

Peça: 183 / Setor: NBW2

Suporte sobre fragmento de seixo alongado seção piramidal. A


fragmentação é natural, e apresenta uma superfície absolutamente plana. A
extremidade oposta desta fratura apresenta negativos desorganizados,
resultantes, provavelmente de fratura natural. Apresenta uma seção
semicircular. Suas dimensões são de 68mm de comprimento, 42mm de
largura, e 57mm de espessura.
103

Não há negativos de façonnage, havendo apenas uma retirada


clactoniense para formar um gume em coche bem fechada, o que remete a
ideia de transformação de matéria de área restrita, localizado em um dos
bordos da fratura plana, inferior do seixo, em direção à porção cortical. Este
gume foi classificado como sendo a UTF transformativa, apresentando PC
plano de 75° e PB plano de 80°.

Toda a dimensão da peça é apta a preensão da peça, atendendo uma


ação de raspar. Para isso a força deve ser aplicada num ângulo semiabrupto
entre a matéria e a superfície retocada, que apresenta todas as marcas de uso.

Peça: 203 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar com caraterísticas de lasca de façonnage,


com dimensões de 31mm de comprimento, 36mm de largura e 10mm de
espessura. Apresenta córtex na porção distal da superfície superior. Esta face
é convexa, e a face inferior é plana. Seção plano-convexo. O talão espesso
forma um dorso que continua no bordo esquerdo. A peça apresenta duas UTFs
transformativas, ambas aptas para ações de raspar com funcionamento em
corte negativo, e preensão em oposição e encaixe dos dedos nos dorsos.

UTF1, localizada na porção distal do bordo esquerdo, produzida por


retoques curtos e subparalelos. Delineamento do gume em coche. Apresenta
ângulos de PC de 55° e PB de 65°. A força deve ser aplicada em ângulos
abruptos.

UTF2, localizada na porção esquerda do bordo distal, produzida por uma


coche única. Apresenta ângulos de PC de 50° e PB de 55°. A força deve ser
aplicada em ângulos semiabruptos.

Peça: 252 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção plano-plana com dimensões de


38mm de comprimento, 27mm de largura e 08mm de espessura. Face superior
104

e inferior convexas. Apresenta uma pequena quantidade de córtex na porção


distal. O talão é espesso e forma um dorso.

A UTFt está localizada na porção mesodistal do bordo direito. Produzida


por uma retirada clactoniense invadente. Apresenta ângulo de 30° para PC e
PB planos. Apto para ações de corte com funcionamento em vai-e-vem. A
aplicação da força pode realizada com precisão. O delineamento em coche
limita a porção de matéria a ser transformada. A preensão pode ser realizada
em oposição, além do dorso do talão que pode servir para encaixe do dedo.

Peça: 434 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar sem presença de córtex. Talão pouco


espesso, porém com porção distal ultrapassante espessa. Há um gume no
bordo direito, enquanto o bordo esquerdo está fraturado. Suas dimensões são
de 58mm de comprimento, 73mm de largura, e 33mm espessura. A lasca tem
um aspecto desviado e uma seção convexo-convexa.

Os negativos de debitagem na face superior estão todos orientados para


a porção distal. São retiradas longas. Há apenas uma retirada longa e pouco
espessa de retoque que cria o PC e PB. Não há façonnage.

A UTF constitui uma retirada longa no bordo direito, inversa, e côncava.


Possui um plano de corte de 40° e plano de bico de 50°, ambos planos.

A porção ultrapassada permite a preensão do dedo indicador, enquanto


que as faces interna e externa permite a preensão do polegar e dos outros
dedos, respectivamente. Essa preensão permite que seja aplicada uma ação
de força num ângulo reto com a matéria, de modo a cortar esta. O gume
apresenta-se bem afiado, e poucas marcas e utilização.

Na porção distal deste bordo há uma ponta. É importante ressaltar a


presença da ponta associada a esta UTF, mesmo que a ponta não tenha sido
classificada como uma UTF, ela pode ser classificada como zona ativa da UTF
de corte, uma vez que a presença de uma ponta facilita a delineação do corte
de uma matéria.
105

Peça: 442 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção triangular. Apresenta uma face


inferior plana, e superior convexa. Talão pequeno, porém espesso. As
dimensões do suporte são: 33mm comprimento, 28mm de largura 13mm de
espessura.

Apresenta apenas uma sequência de façonnage que forma todos os


PCs, começando no bordo direito, contornando toda a porção distal e finaliza
na porção proximal do bordo direito. Este artefato apresenta 6 UTFs
transformativas aptas para atividade de raspar, formadas por retoques
paralelos e subparalelos, de modo que o funcionamento em corte negativo, e
aplicação de força que podem variar entre ângulos rasantes e semiabruptos.
Todos os instrumentos permitem uma ação de precisão, com preensão em
forma de pinça.

UTF1, localizada no bordo esquerdo na porção mesoproximal, com


delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 50° e PB côncavo
de 60°.

UTF2, localizada no bordo esquerdo na porção distal, com delineamento


do gume convexo. Apresenta PC convexo de 55° e PB convexo de 70°.

UTF3, localizada no bordo distal na porção esquerda do suporte, com


delineamento do gume côncavo. Apresenta PC plano de 40° e PB côncavo de
80°.

UTF4, localizada no bordo distal na porção direita do suporte, com


delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 45° e PB côncavo
de 65°.

UTF5, localizada no bordo direito na porção mesodistal, com


delineamento do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 60° e PB côncavo
de 70°.
106

UTF6, localizada no bordo direito na porção proximal, com delineamento


do gume em coche. Apresenta PC côncavo de 65° e PB côncavo de 70°.

Peça: 446 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre fragmento de lasca, com dimensões de 33mm de


comprimento, 31mm de largura e 15mm de espessura, de seção trapezoidal.
Apresenta córtex na porção direita da peça. A face inferior é côncava, e a
superior é convexa.

Apresenta uma única UTF transformativa no bordo distal. O gume não


foi produzido por façonnage nem retoque. Apresenta ângulo de 50° para PC e
PB. Apto para ações de raspar com funcionamento em corte negativo. A
preensão pode ser realizada em oposição e força aplicada em ângulo abrupto,
permitindo precisão.

Peça: 448 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar trapezoidal com dimensões de 43mm de


comprimento, 24mm de largura e 25mm de espessura. A face superior é
convexa e apresenta uma orientação de nervuras em forma de X. A porção
proximal é cortical, e os 3 negativos estão em processo de formação de córtex.
A face inferior é levemente convexa. O negativo da porção direita da face
superior forma um dorso abrupto e plano.

A UTFt está localizada na porção mesodistal do bordo direito. Foi


produzida por uma coche curta em posição inversa. Apresenta ângulo de PC
plano de 70° e PB côncavo de 85°. É apto para ações de raspar com
funcionamento em corte negativo. Toda a estrutura da peça serve para
preensão. A aplicação da força pode ser em ângulos rasantes e semiabruptos.

Peça: 456 / Setor: NAW1.C


107

Suporte não identificado com pouca presença de negativos debitagem


anterior, com muita presença de córtex na superfície superior, sendo esta
naturalmente plana. Seção plano-plana. Suas dimensões são de 46mm de
comprimento, 44mm de largura e 16mm de espessura. A face não cortical é
convexa, e a peça tem uma morfologia quadrangular, sendo que três bordos da
peça apresentam pequeno dorso, com exceção das porções onde se
apresentam as UTFs transformativas. Esta peça apresenta dois instrumentos:

A UTFt1, localizada no bordo direito do eixo morfológico apresenta


retoques curtos, e alternantes, com morfologia escamosa. A linha do gume é
côncava e apresenta um plano de corte convexo de 40° e plano de bico
côncavo de 70°. Essa variação dos ângulos pode ser explicada pelo grande
desgaste do gume, sinal de intensa utilização. Esta UTF é apta para a ação de
corte, em movimentos de vai-e-vem. O plano de corte da face cortical é
refletido, limitando a área de contato com a matéria. O plano de corte na face
inferior é formado pelos negativos da façonnage. Toda a dimensão da peça é
apta para preensão de precisão.

A UTFt2, localizada no canto superior esquerdo da peça. Trata-se de


uma retirada clactoniense, produzindo um delineamento côncavo do gume. Seu
plano de corte é convexo e de 55° e o plano de bico é côncavo e de 60°. Esta
UTF permite a ação de raspar pequenas áreas de matérias convexas, de modo
que a força seja aplicada num ângulo semiabrupto, sendo que o maior contato
com a matéria esteja na face não-cortical da peça. Toda a dimensão da peça
pode ser utilizada para preensão.

Peça: 461 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar de seção convexa-convexa. Não apresenta


córtex. Suas dimensões são de 34mm de comprimento, 50mm de largura e
17mm de espessura. Há marcas de ação de fogo por toda a peça. Ainda há
uma pequena fratura entre as duas UTFs transformativas.

O talão forma um dorso, e está localizado oposto às zonas


transformativas. A lasca apresenta uma forma desviada para a esquerda e
108

apresenta uma seção convexo-convexa. As marcas de ação de fogo dificultam


a identificação dos negativos. A peça apresenta duas UTFs transformativas,
ambas na porção distal com retoques inversos e curtos disposto em forma
subparalela. Ambas as UTFs permitem uma precisão de preensão precisão, de
forma que os gumes são aptos para uma ação de cortar em gesto de vai-e-vem
sobre matérias. Os micro-estilhamentos nas duas faces do instrumento nos
permitem classificar este funcionamento.

A UTFt1 apresenta linha do gume côncava com planos de corte e bico


de 65° planos. A preensão neste caso pode ser realizada de modo que o
polegar se posicione na face inferior, o dedo médio na face superior, e o dedo
indicador no talão da peça.

A UTFt2 apresenta linha do gume convexa com plano de corte de 45° e


plano de bico de 55° planos.

Para a preensão dos instrumentos, caracterizado pela UTF2, o polegar


prende na face superior e o dedo médio prende a peça na superfície inferior,
enquanto que o dedo indicador se posiciona na porção refletida do negativo
presente na face superior no bordo direito.

Peça: 470 / Setor: NAW1.C

Suporte não identificado, proveniente de seixo de sílex. A face inferior


esta coberta por negativos, e a porção proximal está fragmentada. Seção
convexo-convexa. Apresenta dimensões de 13mm de comprimento, 16mm de
largura e 06mm de espessura. Apresenta uma superfície convexa cortical e
outra convexa preparada.

Apresenta duas sequências de façonnage, sendo uma de retiradas


invadentes e convergentes, e outra de retiradas curtas que formam pequenos
dorsos. Há apenas uma UTF no bordo esquerdo formada por uma retirada
clactoniense que apresenta PC de 60° e PB de 75°. Apto para ações de raspar.
109

O funcionamento deste instrumento segue o corte negativo, e a


preensão deve ser feita em oposição. A aplicação da força em ângulos
abruptos e permite precisão.

Peça: 527 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de lasca, sem córtex, com dimensões de 55m


de comprimento, 25mm de largura e 13mm de espessura. Face superior plana
e face superior convexa. Seção plano-convexa. Foram identificada duas
UTFs transformativas na extremidade distal do fragmento.

UTF1, na porção esquerda. Produzida por retoques curtos e


subparalelos que formam um delineamento em coche. Apresenta ângulos de
PC de 70° e PB de 75°, ambos plano. Apto para ações de raspar.
Funcionamento em corte negativo, e preensão em oposição. A aplicação da
força pode ser feita em ângulos abruptos e com precisão.

UTF2(¹), trata-se de uma ponta formada pelo PC da UTF1 e pelo plano


do negativo da porção direita da peça. Apresenta ângulos de PC de 50° e PB
de 60°. A preensão é em oposição e a aplicação da força pode ser feita em
ângulos que variam do reto ao semiabrupto.

Peça: 545 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 31mm de comprimento,


20mm de largura e 11mm de espessura. Presença de pouco córtex no bordo
esquerdo. Seção plano-convexo. Face superior convexa e inferior levemente
convexa. Talão espesso.

Há apenas uma UTFt na porção direita do bordo distal, produzida por uma
única retirada de retoque. O gume possui delineamento côncavo. Apresenta
ângulos de PC de 65° e PB de 70°, ambos convexos. É apto para ações
raspar, com funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser realizada
em oposição, com aplicação da força em ângulo abrupto.
110

Peça: 553 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de seixo, de dimensões de 34mm de


comprimento, 33mm de largura e 20mm de espessura. Seção piramidal. A face
superior é convexa, enquanto que a inferior é cortical e plana. A porção
proximal apresenta uma fratura espessa, que forma um dorso. Os bordos distal
e direito formam dorsos corticais espessos. O bordo esquerdo apresenta um
gume produzido para UTFt.

A UTF é formada por apenas uma retirada longa e invadente em coche e


em posição direta. PB côncavo de 55º e PC plano de 50°. Apto pra ações de
raspar, seu funcionamento é em corte negativo, com aplicação da força em
ângulos rasantes.

Peça: 560 / Setor: NAW1

Suporte sobre lasca unipolar de seção trapezoidal. Não contém córtex.


Dimensões de 42mm de comprimento, 46mm de largura e 13mm de
espessura. Face inferior plana e face superior convexa, contendo um negativo
profundo de lasca refletida. A porção distal forma um dorso que continua por
todo o bordo esquerdo. Há duas UTFs transformativas nesta peça.

UTF1, localizada no bordo distal, é formada por um negativo anterior à


retirada do suporte. O gume é côncavo e apresenta ângulo de 50° para PC e
PB côncavos. É apto para ações de raspar de modo que seu funcionamento é
em corte negativo. A preensão pode ser realizada de modo que um dedo se
encaixe no dorso, e os demais estejam em oposição.

A UTF2, localizada em todo o bordo direito, é formada por dois negativos


anteriores à retirada do suporte. O gume é convexo e apresenta ângulos de PC
de 50° e PB de 55° côncavos. É apto para ações de cortar de modo que seu
funcionamento seja em movimentos de vai-e-vem. A preensão pode ser
realizada de modo que um dedo se encaixe no dorso, e os demais estejam em
oposição.
111

Peça: 566 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre fragmento de lasca. Seção plano-plano. Faces superior e


inferior planas. Bordos proximais e distal abruptos, formando dorsos. Face
inferior e dorsos com processo de formação de córtex. O bordo esquerdo
possui córtex na face superior, e um gume. Na porção proximal há uma
pequena sequência de façonnage para produção de zona preensiva. Este
gume compõe a UTFt, de ângulo de 50° para PC e PB.

A UTFt é apta para ações de raspar em corte negativo, com pensão em


oposição dos dedos e o encaixe de dedos nos negativos de façonnage e no
dorso. A força é aplicada em ângulo abrupto, permitindo precisão.

Peça: 590 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões de 54mm de


comprimento, 34mm de largura e 12mm de espessura. A face superior é
convexa, e tomada por corte na porção direita e distal. A face inferior é plana.
Seção triangular.

Apresenta apenas uma UTFt formada pelo gume convexo do bordo


direito. Não retoque e nem façonnage. Tem ângulo de 45° para PC e PB,
ambos plano. Apto para corte, funcionando em movimentos de vai-e-vem. E
preensão em oposição.

Peça: 624 / Setor: NAW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões de 29mm de


comprimento, 36mm de largura e 19mm de espessura. Talão esmagado com
resquícios de córtex de seixo. Face superior e inferior convexas. Seção
piramidal. A nervura que separa a porção distal e proximal apresenta negativos
alternantes de façonnage para produção de zona preensiva.
112

A UTFt está localizada no bordo distal, e não possui façonnage e nem


retoque. Apresenta ângulo de 40° para PC e PB convexos. Apto para corte com
funcionamento em vai-e-vem. A preensão pode ser feita de modo que um dedo
se encaixe no dorso produzido por façonnage do bordo direito, ou no dorso do
bordo esquerdo, enquanto o polegar entra em oposição com os demais dedos.
Permite precisão.

Peça: 1028 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar com seção plano-plana, sem presença de


córtex. A peça apresenta rugosidade e marcas de ação de fogo. A face inferior
apresenta-se irregular, enquanto que a face superior apresenta-se plana. O
talão forma um dorso, e a porção distal é refletida. As dimensões do suporte
são de 54 mm de comprimento, 73mm de largura, e 24mm de espessura.

Os negativos de debitagem estão presentes na face superior e no bordo


direito da peça. Há apenas uma retirada de façonnage, para preparação do
plano de corte da UTF1 transformativa, no bordo direito da peça. Esta UTF
apresenta duas sequências de retoques diretos, curtos e subparalelos, dando
um delineamento microdenticulado ao gume, apresentado plano de corte plano
de 70°, e plano de bico plano de 80°. Esta UTF é apta para atender a ação de
raspar, de modo que a força seja aplicada num ângulo abrupto em relação a
uma matéria convexa. Para utilização da UTF1 a preensão é mais eficaz de
forma em que a palma se encaixe no talão da peça, o polegar na face inferior,
e os dedos indicadores no plano de corte.

A UTF2 está localizada na extremidade distal do bordo direito. Ela é


formada por uma retirada curta, única, que acompanha a aresta de reflexão da
face inferior da lasca. Seu plano de corte é de 60° e o plano de bico de 70°,
ambos planos. A preensão desta peça é melhor realizada quando se pressiona
o polegar na face superior do suporte, e os demais dedos se encaixam desde o
talão, e na face inferior até a porção refletida. A UTF2 é apta para cortar, uma
vez que o gume tem uma forma em bisel. Seu funcionamento segue de modo
que a força seja aplicada num ângulo reto contra a matéria.
113

Peça: 1066 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar de seção trapezoidal de dimensões de


23mm de comprimento, 27mm de largura, 21mm de espessura. Talão
puntiforme, face inferior plana (levemente convexa), e superior convexa. O
bordo direito apresenta um dorso preparado, enquanto que o bordo esquerdo
apresenta um dorso cortical.

Há apenas uma UTF transformativa na peça, localizada na porção esquerda do


bordo distal formado por retoques escalariformes longos e curtos, que formam
um gume denticulado. Apresenta ângulo de 50° para PC plano e PB convexo.
É apto para ações de raspar, com funcionamento em corte negativo. A
preensão pode ser feita pelo encaixo dos dedos nos dorsos e na face inferior.

Peça: 1102 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar proveniente de etapa de façonnage


produzida por percussão macia. Apresenta dimensões de 34mm de
comprimento, 26mm de largura e 08mm de espessura. Talão diminuto e
cortical. Face superior convexa tomada por negativos longos e paralelos. Face
inferior convexa. Seção convexa-convexa.

Há uma UTFt localizada na porção proximal do bordo esquerdo, formada


por uma pequena retirada de retoque. O gume é retilíneo e apresenta ângulo
de PC e PB de 45°, ambos planos. Apto para corte com funcionamento em vai-
e-vem. Preensão em oposição. Permite precisão.

Peça: 1377 / Setor: NAW1.B

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada. Suas dimensões são de


71mm de comprimento, 77 mm de largura, e 27 mm de espessura.
114

Apresenta dorsos na lateral direita e gumes retocados nas porções


distais e proximais. A maior espessura está no talão que dá continuidade no
dorso direito até a porção distal. Apresenta superfícies inferior e superior
planas. Sua seção possui uma forma trapezoidal.

Os negativos dos dorsos e a superfície superior puderam ser


classificados como resultantes da etapa de debitagem da peça. A porção distal
apresenta façonnage para preparação do plano de corte em ambas as
superfícies. O mesmo ocorre na porção proximal.

A peça apresenta dois instrumentos:

UTF1: A confecção da UTF distal foi realizada a partir de dois negativos


de façonnage em uma face superior, com o objetivo de criar os planos de corte;
os retoques são subparalelos, formando um gume sinuoso. O plano de corte
côncavo apresenta 70°, enquanto que o Plano de Bico côncavo apresenta 75°.

O dorso do bordo direito permite uma boa preensão, de modo que o


dedo indicador prenda a porção distal do bordo direito, o polegar na face
superior o demais dedos na porção inferior, e a palma na porção meso-
proximal do bordo direito. Tendo em vista o ângulo dos planos de corte e de
bico, suas formas, este instrumento teria sido utilizado para atividades de
raspagem. Micro estilhames na superficie inferior e posterior indicam que a
amas as superfícies eram aptas para ação.

UTF2: A UTF proximal apresenta retoques alternantes formando um


gume sinuoso. O plano de corte convexo apresenta 55°, enquanto que o plano
de bico convexo apresenta 70°.

Os dorsos laterais servem para preensão da peça para utilizá-la em


movimentos de vai e vem, como uma faca. Os micro-estilhamentos em ambas
as faces do gume contribuem para esta hipótese

Peça: 1663 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar proveniente de etapa de façonnage, sem


córtex. Apresenta dimensões de 47mm de comprimento, 30mm de largura e
115

12mm de espessura. A face inferior da peça é côncava, e a superior é convexa,


apresentando uma seção triangular.

Foi identificada uma única UTFt no bordo esquerdo da peça, que contém
apenas algumas marcas de utilização na face inferior, sem retoque ou
façonnage. O gume é retilíneo apresenta um ângulo de PC de 50°. O plano de
bico está demasiadamente irregular, em função do gume esgotado. É apto para
raspar com funcionamento em corte negativo e preensão em oposição de
dedos. A aplicação de força pode variar em ângulos rasantes e semiabruptos, e
pode ser realizada com precisão.

Peça: 1705 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre fragmento de lasca, com dimensões de 40mm de


comprimento, 23mm de largura, 21mm de espessura. A fratura forma um dorso
proximal. O bordo esquerdo é abrupto, servindo também como dorso. A peça
apresenta três UTFs transformativas, todas no bordo distal. Seçao trapezoidal

UTF1, localizado na porção esquerda, formada por uma única retirada


de retoque. O gume é côncavo e apresenta ângulos de PC de 60° e PB de 70°,
ambos planos. Apto para ações de raspar, com funcionamento em corte
positivo e corte negativo. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da
UTF, e a força pode ser aplicada em ângulos rasantes para o corte positivo, e
ângulos abruptos para corte negativo.

UTF2, localizado na porção direita, formada por retoques curtos e


paralelos. O gume é côncavo e apresenta ângulos de PC de 35° e PB de 40°,
ambos convexos. Apto para ações de raspar, com funcionamento em corte
negativo. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da UTF, e força pode
ser aplicada em ângulos abruptos e semiabruptos.

UTF3(¹‟²), localizado na porção direita, formada pelos planos das UTFs 1


e 2. Trata-se de uma ponta com PC plano de 45° e PB convexo de 55°. Apto
para ações de furar. Toda a estrutura da peça é apta para preensão da UTF, e
força pode ser aplicada em ângulos semiabruptos à reto.
116

Peça: 1719 / Setor: NAW1.C

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada de calcedônia com dimensões


de 24mm de comprimento, 33mm de largura e 11mm de espessura. Não
contém córtex. A porção ultrapassada forma um dorso espesso. Os demais
bordos da peça estão tomados por gumes. Ambas as superfícies são
convexas. Apenas duas UTFs transformativas foram identificadas. Ambas
aptas para ações de raspar com preensão em oposição, e que possibilitam
precisão. Seção convexa-convexa.

UTF1, localizada na porção proximal do bordo direito. Trata-se de uma


coche formada por uma pequena retirada clactoniense direta e possui ângulos
de 70° para PC e PB ambos côncavos . O funcionamento é em corte negativo,
com aplicação de força em ângulos abruptos.

UTF2, localizada na porção mesial do bordo direito. Trata-se de uma


coche formada por uma retirada clactoniense longa inversa e possui ângulos
de 70° para PC e PB, ambos côncavos. O funcionamento é em corte negativo,
com aplicação de força em ângulos semiabruptos.

Peça: 2419 / Setor: NBW1.A

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 22mm de comprimento,


31mm de largura e 08mm de espessura. Características de lasca de
façonnage: talão preparado e rasante. Face superior convexa, e inferior plana.
Seção plano-convexa. Foi constatada uma UTFt no gume do bordo esquerdo,
formada por uma pequena coche. Apresenta ângulos de PC de 35° e PB de 75,
ambos planos. Apto para raspar, seu funcionamento é em corte negativo, com
preensão em oposição e aplicação da força em ângulo abrupto, permitindo
precisão. O gume está muito gasto.

Peça: 2427 / Setor: NBW1.A


117

Suporte sobre lasca unipolar de façonnage, com dimensões de 27mm de


comprimento, 41mm de largura e 09 espessura. O talão é espesso formando
um dorso que dá continuidade no bordo esquerdo. Há presença de pouco
córtex na extremidade esquerda do bordo distal. Seção trapezoidal.

Um negativo anterior à retirada deste suporte, localizada no bordo direito


da peça, serviu de base p/ o PC e PB ângulo de 45° do PC e do PB da UTF
transformativa, sendo que ambos são planos. O gume é levemente côncavo e
é apto para ação de raspar em corte negativo com preensão em oposição, de
modo que o ângulo de aplicação de força seja semiabrupto e permita precisão.

Peça: 2543 / Setor: NBW1.A

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada com dimensões 25mm de


comprimento, 37mm de largura 23mm de espessura. O talão é puntiforme e o
bordo esquerdo forma um dorso cortical, e o bordo direito apresenta um
negativo que forma um dorso. Seção triangular.

A UTFt esta localizada no bordo distal, formada por um gume convexo.


O córtex forma um ângulo de 50° para PC e PB, ambos convexos. É apto para
ações de cortar com funcionamento em vai-e-vem. Preensão em oposição e
encaixe de dedo em um dos dorsos para maior firmeza, possibilitando precisão.

Peça: 2758 / Setor: NAW1.C

Não é possível verificar o suporte. Dimensões de 57mm de


comprimento, 28mm de largura e 41mm de espessura. Face inferior é plana. A
porção distal apresenta um córtex que vai até a porção mesial da face superior,
formando um dorso. O bordo direito forma um grande e espesso dorso. A
extremidade proximal apresenta mais um dorso. Seção modular.

O córtex na porção distal serviu como plano de percussão para uma


etapa de façonnage que preparou uma zona de preensão. O bordo direito está
118

tomado por retoques curtos e subparalelos que produziram duas UTFs


transformativas.

UTF1, localizada na porção mesoproximal, tem um gume com


delineamento convexo e possui ângulos de PC de 50° e PB de 55°, ambos
planos. É apto para ações de cortar em movimentos de vai-e-vem. A preensão
pode ser realizada de modo, o dedo indicador encaixe no dorso proximal, e a
oposição de dedos e polegar de modo que um destes se encaixe na face
inferior da peça, e o outro se encaixe no negativo direito da face superior que
forma o PC. A palma encaixa no dorso esquerdo.

UTF2, localizada na porção mesodistal, tem um gume com delineamento


convexo e possui ângulo de PC e PB de 70°, ambos planos. A porção proximal
desta UTF está esgotada, com muito estilhamento. Apto para ações de raspar
com funcionamento em corte negativo. A preensão pode ser feita com toda a
estrutura da peça. A aplicação da força é em ângulo abrupto.

Peça: 2759 / Setor: NAW1.D

Suporte sobre lasca unipolar ultrapassada completamente cortical com


dimensões de 33mm de comprimento, 61mm de largura e 13mm de espessura.
O córtex no bordo direito forma um dorso. A face superior é convexa, e a face
interna apresenta uma leve convexidade. Seção triangular. O talão é cortical,
porém com bulbo expressivo. Possível lasca clactoniense reaproveitada.

Apresenta uma única UTFt localizada no gume distal da lasca.


Apresenta ângulo de 50° para PC e PB, ambos planos. Apto para ações de
cortar. O funcionamento pode ser através de movimentos de vai-e-vem. A
preensão pode ser realizada em oposição, e dorso direito pode fornecer uma
melhor preensão.

Peça: 2776-A / Setor: N_W_


119

Suporte sobre lasca unipolar com dimensões de 28mm de comprimento,


35mm de largura e 24mm de espessura. Apresenta características de lasca de
façonnage, inclusive uma cornija entre o talão e a face inferior da lasca,
resultante de lascamento por pressão. O talão forma um dorso espesso, assim
como o bordo esquerdo. Seção convexo-convexa.

Possui uma UTFt no gume distal, formada por retoques subparalelos e


alternantes formando um delineamento retilíneo. Apresenta ângulos de PC de
55° e PB de 50°, ambos planos. Apto para ações de cortar, com funcionamento
em movimentos de vai-e-vem. A preensão pode ser feita por oposição,
podendo utilizar dos dorsos para uma preensão mais eficaz. A aplicação da
força pode ser realizada com precisão.

Vejamos como se apresentam, de forma geral, algumas das


características apontadas por cada artefato: quais os tipos de seção que
caracterizam os artefatos, quantos instrumentos de cada tipo estão presentes
no sítio, quais artefatos permitem ações de precisão, e o suporte de cada
artefato.

Tabela 1 - Algumas Características Relevantes sobre os Artefatos Lascados

Peça Seção Instrumentos Instrumentos Instrumentos Permite Suporte


Raspadores de Furo de Corte precisão
31 Modular 2 - - Precisão Lasca
unipolar
32 convexo- 1 - 2 - Produto
bipolar
convexa

33 plano- 1 - 2 - Lasca
convexa unipolar
34 plano-plana 1 - - - Seixo
35 e plano-plana - Não
102 identificado
38 Trifacial 2 - - - Produto
e155 bipolar
39 Modular - - 1 - Lasca
unipolar
42 Modular 1 - - - Produto
bipolar
45 Triangular - - 1 - Produto
bipolar
46 Plano 1 - - - Fragmento
Convexa de lasca
120

47 Trapezoidal 3 1 - - lasca
unipolar
58 plano- 5 - - - lasca
convexa unipolar
63 convexo- 2 - 2 - lasca
convexa unipolar
75 plano- 1 - - Precisão produto
convexa bipolar
84 Retangular 1 - - - lasca
unipolar
87 Retangular 1 - - Precisão fragmento
de lasca
92 Retangular 2 - - Precisão lasca bipolar
98 Modular 2 - - - Seixo
99 Trapezoidal 1 1 1 - lasca
unipolar
123 Trapezoidal 1 - - - lasca
unipolar
149 convexo- 4 - - - Produto
convexa bipolar
152 modular 1 - - - Seixo
154 Trapezoidal 1 - 2 - Seixo
176 Modular 1 - Seixo
183 Piramidal 1 - - - Seixo
203 plano- 2 - - - lasca
convexa unipolar
252 plano-plana - - 1 - lasca
unipolar
434 convexo- 1 - lasca
convexa unipolar
442 Triangular 6 - - - Lasca
unipolar
446 Trapezoidal 1 - - Precisão Fragmento
de lasca
448 Trapezoidal 1 - - - Lasca
unipolar
456 Plano- 1 1 - Lasca
plana Unipolar
461 Convexo- - 2 Precisão Lasca
convexa unipolar
470 convexo- 1 - - Precisão Não
convexa Identificados
527 plano- - fragmento
convexa de lasca
545 plano- 1 - - - Lasca
convexa unipolar
553 Piramidal 1 - - - fragmento
de seixo
560 seção 1 1 - lasca
trapezoidal unipolar
566 plano-plana 1 - - Precisão fragmento
de lasca
590 Triangular - 1 - lasca
unipolar
624 Piramidal - 1 Precisão lasca
unipolar
1028 plano-plana 1 1 - lasca
unipolar
1066 Trapezoidal 1 - lasca
unipolar
1102 convexo- - 1 Precisão lasca
convexa unipolar
1377 trapezoidal 2 - - - lasca
unipolar
1663 Triangular 1 - - Precisão lasca
121

unipolar
1705 Trapezoidal 2 1 - fragmento
de lasca
1719 convexo- 2 - - - lasca
convexa unipolar
2419 plano- 1 - - Precisão lasca
convexa unipolar
2427 Trapezoidal 1 - - Precisão lasca
unipolar
2543 Seção - - 1 Precisão lasca
triangular unipolar
2758 modular 1 - 1 - Não
identificado
2759 triangular - 1 - lasca
unipolar
2776 convexo- - 1 Precisão lasca
convexa unipolar

O material analisado contém 63 instrumentos raspadores, 3


instrumentos para ações de furo; e 25 instrumentos para ações de cortar.

Das 53 peças analisadas, apenas 15 apresentam uma estrutura que


permite ações de precisão. Além disso, 6 peças têm um suporte sobre seixo, 7
têm suporte sobre produto bipolar de concepção “B”, 30 suportes sobre lasca
unipolar de concepção “C” de debitagem, 6 sobre fragmentos de lasca e 4 não
puderam ser identificados.

5.8.4 Os Fragmentos de Instrumento Lítico Lascado

Os fragmentos de instrumento são identificados pela presença de zonas


utilizadas - UTFs transformativas. Em muitos casos é possível identificar
possíveis ações realizadas pelo instrumento, contudo, torna-se limitante
caracterizar o funcionamento do instrumento, inclusive pelas fraturas
localizadas sobre as UTFs transformativas, as quais podem até ser causadas
pela utilização. Estes foram quantificados em 14 peças. Ainda estão em fase
de análise.

5.9 Os Instrumentos Líticos Não Lascados

Não foram encontrados instrumentos produzidos por polimento, como os


típicos machados polidos de grupos ceramistas. Basicamente, esta categoria é
122

composta pelos percutores e bigornas. As bigornas se caracterizam por serem


instrumentos passivos, pois, apesar de a bigorna não realizar uma ação, a
ação é realizada sobre ele.

Trata-se de seixos com características naturais aptas para serem


apropriados para atender a ação de percutir. As UTFs transformativas destes
são identificadas pelas marcas de golpe, esmagamento e picoteamento. Segue
as descrições dos sete percutores analisados, como dados complementares
aos 10 percutores já analisados por Borges (2009):

Peça: 97 / Setor: NAW1

Trata-se de um seixo alongado com superfícies convexas e ângulos


naturais que proporcionam uma boa preensão. As extremidades apresentam
marcas de percussão e marcas de fratura interna que partem de pontos
identificados como UTFs transformativas. Apresenta dimensões de 90mm de
comprimento, 47mm de largura e 40mm de espessura, além de uma massa de
275g.

A UTF1 esta localizada na extremidade distal esquerda, apta como


percutor. Apresenta um pouco de desgaste.

A UTF2 está localizada na extremidade proximal esquerda, mais


próximo da superfície inferior, apto para percussão. Apresenta um intenso
desgaste e pequenas fraturas.

A UTF3 está localizada no centro da superfície superior. Trata-se de


uma depressão formada por pequenos sulcos em seu interior. Apto para ser
utilizado como bigorna. Toda esta superfície apresenta uma coloração
avermelhada diferente de todo o resto do córtex (amarelado).

Já sabendo da existência de pinturas rupestres de cor vermelha no


abrigo, esta mesma cor no seixo pode indicar a utilização desta superfície
como instrumento ativo (possível UTF4) para ação transformativa em matéria-
prima de pigmentação para pinturas, como por exemplo, o maceramento de
hematita.
123

Peça: 117 / Setor: NAW2

Trata-se de um seixo alongado de quartzito. Apresenta superfícies


convexas e ângulos naturais que tornam apta a preensão. Suas dimensões
são 97mm de comprimento, 55mm de largura e 38mm de espessura, além de
uma massa de 305g.

A UTF1 está localizada na extremidade proximal direita. Apresenta uma


série de pequenas fraturas e picoteamento. Apto para percussão.

A UTF2 está localizada no bordo esquerdo na porção mesodistal. É


formada pela convexidade natural do seixo, e apresenta um picoteamento
intenso. Apto para percussão.

A UTF3 está localizada no bordo direito na porção proximal. É formada


pela convexidade natural do seixo, e apresenta um picoteamento pouco
intenso. Apto para percussão.

A extremidade distal apresenta sinais de intensa percussão, contudo,


não é possível dizer se se trata de uma terceira UTFt, utilizada para percussão.
A face inferior apresenta uma sequência de longas retiradas que partem deste
mesmo ponto, podendo indicar a apropriação deste seixo como matriz bipolar
posteriormente descartada, ou retomada como percutor (UTFs 1, 2 e 3).

Peça: 1411 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um seixo arredondado com dimensões de 53mm de


comprimento, 43mm de largura e 28mm de espessura, além de uma massa de
100g.

Apresenta um córtex rugoso que se confunde com marcas de


picoteamento. Apresenta uma depressão formada por pequenos sulcos
irregulares na face superior. Este zona foi identificada com UTFt, sendo apto
como bigorna.
124

Toda a face superior apresenta pequenas marcas de picoteamento bem


dispersas, mas não é possível delimitar com exatidão possíveis UTFs
transformativas, e nem sua classificação como bigorna ou percutor.

Peça: 1419 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um seixo fraturado com seção triangular – três superfícies


planas. Apresenta dimensões de 25mm de comprimento, 25mm de largura e
15mm de espessura, além de uma massa de 15g. A fratura está tomada por
córtex.

A extremidade distal apresenta sinais de picoteamento. Trata-se da


UTFt, apta para percussão.

Peça: 1554/ Setor: NAW1.D

Trata de um seixo arredondado com dimensões de 29mm de


comprimento, 28mm de largura e 15mm de espessura, além de massa de 15g.

A porção distal apresenta uma fratura expressiva, além de marcas de


picoteamento. Esta porção representa a UTFt do artefato, apta para percussão
de precisão.

Peça: 2415 / Setor: NBW1.A

Trata-se de um seixo de morfologia trapezoidal com dimensões de


63mm de comprimento, 59mm de largura e 30mm de espessura, além de uma
massa de 165g. Apresenta duas superfícies (inferior e superior) planas. A
porção distal apresenta um dorso natural.

Apresenta uma UTFt localizada na porção proximal, formada pela


convexidade natural do seixo, apta para percussão. Apresenta marcas leves de
utilização. A preensão pode ser realizada com mais eficácia de modo que os
125

dedos e a palma se encaixem nas superfícies planas e nos dorso distal e


laterais.

Peça: 2511 / Setor: NBW1.A

Trata-se de um seixo alongado de quartzo com faces inferior e superior


planas. Apresenta dimensões de 42mm de comprimento,27mm de largura
e18mm de espessura, além de uma massa de 25g. Há um dorso cortical no
bordo esquerdo do suporte.

A UTFt está localizada na extremidade distal esquerda, identificada por


algumas marcas de picoteamento, sendo apto para ações de percussão.

A presença de instrumentos associados a ações de percussão, que


podem atender à função de lascamento de rochas, reforça a hipótese de este
sítio ter sido apropriado como oficina lítica.

Além dos percutores e bigornas, foi encontrado também um artefato


produzido por alisamento, e eis que surgem dúvidas sobre este:

Peça: 1566 / Setor: NAW1.D

Trata-se de um tipo de artefato único e inédito no sítio. Dimensões de


43mm de comprimento, 13mm de largura e 8mm de espessura. Não apresenta
nenhum negativo. Trata-se de um artefato produzido por alisamento. Apresenta
linhas de sulcos paralelas resultantes da produção. Possui uma face plana e
uma face divida em quatro partes planas. As extremidades possuem fratura
com processos de formação de córtex.

Não é possível identificar sua função. Assemelha-se aos pequenos


bastões/espátulas utilizados para pintura pré-histórica. Não foram identificadas
marcas deste tipo de utilização. Pode ser apto para alisar cerâmica, ou talvez
um artefato de representação simbólica (talvez um tembetá?).
126

5.10 Refugo

Na categoria “refugo” estão as lascas de configuração de núcleo e os


resíduos que não puderam ser classificados nas outras categorias (façonnage,
retoque, suporte, núcleo, instrumento). Como veremos no decorrer da análise,
os instrumentos em geral são pouco modificados, tendo grande aproveitamento
das estruturas naturais dos seixos locais. Como os suportes naturais a serem
configuradas não têm um padrão estrutural, as lascas de configuração de
núcleo, que tendem a apresentar poucos negativos em sua face externa não
possuem outras características próprias desta etapa. Por esta razão os
resíduos provenientes da configuração do núcleo deste sítio - que não
possuem um padrão estrutural e tecnológico, caracterizadas por serem
bastante ou completamente corticais, conter presença de intrusões, estrutura
não apta para a utilização como suporte de instrumento, entre outros – não
pudera ser claramente identificados, entrando na categoria de refugo. Os
gráficos a seguir mostram a baixa padronização de cada característica
analisada.

500
Lascas de Refugo Inteiras
400
Fraturadas em Siret
300

200 Fragmentos de lasca /


Lascas Fragmentadas
100

Gráfico 21 - Refugo - Estado de preservação

A maioria das lascas encontram-se sem fratura, e a análise do refugo


seguiu a partir das lascas sem fragmentação.
127

Um negativos sem contrabulbo


80
Um negativo com contrabulbo
70
Dois negativos
60
Três Negativos
50 Quatro Negativos
40 Cinco ou mais negativos

30 Cortical

20 Indeterminável ("cassons")
Ausente
10
Preparação do Talão
0

Gráfico 22 - Lascas de Refugo - Quantidade de negativos na face externa

Não há um padrão claro nos negativos presentes na face externa destas


lascas, e mesmo fica difícil de falar em alguma tendência.

Lisa-sem nervura
80

1 Nervura longitudinal
70
2 Nervuras Paralelas

60
Y

50 Y Invertido

mais de 3 negativos
40

Indeterminado
30
1 Nervura transversal

20
1Nervura Lateral
Longitudinal
10 Cortical

em "T"
0

Gráfico 23 - Lascas de Refugo - Orientação das Nervuras


128

E com relação à orientação das nervuras, não tendem a ter alguma


organização clara.

200
Helicoidal
150 Côncavo

100 Convexo
Linear/Retilíneo
50

Gráfico 24 - Lascas de Refugo - Perfil das Lascas

No geral, as lascas, de todas as etapas, tem uma baixa expressividade


de lascas convexas.
129

Trapezoidal

90
Triangular

80 Triangular com
vértice para baixo
Quadrangular
70

Subcircular
60
Mais larga do que
comprida (2x)
50
Retangular

40 Laminar

Arredondada
30

Mais de 4 lados
20
Irregular

10
Triangular desviada

0 Retangular 2 (maior
comprimento
horizontal)
Ápice

Gráfico 25 - Lascas de Refugo - Morfologia das Lascas

Quanto à morfologia, há uma maior tendência de lascas quadriculares,


subcirculares, retangulares, triangulares desviadas, e lascas mais largas que
compridas.
130

250 Não há acidentes

Lasca refletida

Lasca com lingüeta

200 Transbordante

Ultrapassante

Bulbo duplo

150 Bulbo cônico

Lábio

Lasca refletida com lingüeta

100 Transbordante e
ultrapassante
Lasca refletida e
transbordante
Lasca refletida com bulbo
duplo
50 Lasca com Linguëta e
ultrapassante
Lasca transbordante com
lingüeta
Lascamento Bulbar e lasca
refletida
0

Gráfico 26 - Lascas de Refugo - Acidentes de Lascamento

Quanto aos acidentes de lascamento, há uma maior tendência de lascas


sem acidentes.
131

200 Meia lua


Vírgula
180
Asa
160
Em "U"
140 Linear

120 Puntiforme
Diedro
100
Facetado
80
Esmagado
60 Triangular
40 Cortical
Liso
20
Fragmentado
0

Gráfico 27 - Lascas de Refugo - Morfologia dos Talões

Com relação ao tipo de talão liso, é um talão sem nenhum tipo de


preparação. A preparação costuma ocorrer nas etapas de façonnage e retoque,
onde as sequências de retiradas são mais precisas e deve haver um maior
controle sobre as características de cada lasca a ser produzida que refletem
em PC e PB bem planejados.
132

6. A PRÉ-HISTÓRIA ESCRITA EM PEDRAS: VESTÍGIOS


COGNITIVOS NO GO-CP-17

Após esta extensa apresentação dos dados produzidos pelas análises


realizadas sobre o material lítico da oficina GO-CP-17, quais são as últimas
interpretações que poderíamos fazer? Não podemos deixar de lembrar quais
objetivos trouxeram este trabalho até este ponto. Lembremo-nos do triângulo
cognitivo – o homem composto pela mente, pelo corpo, e pela cultura – e os
processos cognitivos que subjazem toda a relação do homem com a
materialidade, que acabam por dar significações e ações de apropriação.

6.1 Oficina GO-CP-17: Potencialidade para Escrever uma Pré-História da


Tecnologia

Vejamos, então, como vem se caracterizando a indústria lítica presente


no sítio, primeiro analisando os dados de cada etapa, e em seguida, fazendo
uma comparação entre eles.

6.1.1 Os Dados da Debitagem

Os núcleos sempre apresentam concepções de debitagem “B” e “C”.


Tratando-se de uma oficina localizada sobre a fonte de matéria-prima, pode-se
pensar num primeiro momento que métodos mais complexos não são
aplicados por não haver uma necessidade de economia de matéria-prima, uma
vez que está é abundante no sítio. Mas também não se pode deixar de lado
que a não-aplicabilidade destes métodos pode ser devido à fatores culturais
internos, desconhecimento técnico deste grupo, ou métodos mais complexos
podem ter sido aplicados na produção realizada em outros sítios da região.

As lascas suportes tendem a ter dorsos formados por porções


transbordantes e/ou ultrapassadas. O núcleo descrito neste trabalho remete,
também, à ideia que os suportes produzidos pela debitagem deste
apresentariam estes “acidentes”. A concepção de debitagem destes suportes
133

continua sendo os mesmos, porém, é notável que há uma certa preocupação


em obter estes dorsos, de modo que estes dorsos são definidos já na
debitagem.

6.1.2 Resíduos de Produção de Instrumento

As tendências apresentadas pelos resíduos de façonnage nos


demonstra que os suportes estão sofrendo muitas sequências de retirada
nestas etapas. Além disso, parecem estar dando, em geral, PCs convexos e
planos para os instrumentos. Por fim, parecem deixar uma grande recorrência
de refletidos, e pouca modificação no delineamento do gume dos instrumentos.

Já com relação aos resíduos de retoque, estes demonstram que os


suportes estão sofrendo, também, muitas sequências de retoque. Parecem
estar deixando nos instrumentos, na maioria dos casos PBs de forma plana. Há
aqui um aumento na recorrência de refletidos e pouca modificação no
delineamento.

Em geral, os instrumentos produzidos teriam uma mudança


relativamente grande em seu volume, com gumes delineados por uma grande
série de retoques, com PCs planos ou convexos e PBs planos. Os PCs e os
PBs parecem muitas vezes ser delimitados por porções refletidas, o que
também pode sugerir a delimitação do contato entre a superfície do
instrumento com a matéria que está sendo transformada.

6.1.3 Instrumentos

Sobre os artefatos lascados encontrados no sítio, há uma relevante


representatividade de instrumentos com poucas (ou nenhuma) sequências de
façonnage e retoque. Dos artefatos com instrumentos produzidos (mais
elaborados) é notável a presença dos PCs e PBs delimitados por porções
refletidas. Os suportes produzidos por debitagem seguem as mesmas
concepções “B” e “C”.
134

Parece haver um maior aproveitamento das estruturas originais dos


suportes. O GO-CP-17 apresenta instrumentos que atendem necessidades
funcionais tais como, percutir, furar, cortar e, principalmente raspar. É notável
que o número de UTFs aptas para ações de raspar supera, e muito, os demais
tipos de instrumentos.

6.1.4 Comparação dos Dados Apresentados

Há uma incompatibilidade de alguns dados produzidos pelos resíduos e


pelos instrumentos. Enquanto os resíduos apontam para um grande número de
sequências de retoque e façonnage, poucos são os instrumentos encontrados
no sítio que apresentam várias sequências de retoque façonnage. Assim como
são poucos os instrumento associados à ações de furo e raspar encontrados
no sítio.

Baseado nestes dados, e levando em consideração que estamos


tratando de uma oficina de instrumentos, surgem alguns questionamentos.

Se existem peças mais trabalhadas sendo produzidas na oficina, onde


estão todas elas? Será que estes artefatos produzidos por várias etapas estão
sendo utilizados e descartados fora da oficina?

E dentro da oficina, porque há mais raspadores do que outros


instrumentos? Estariam os outros tipos de instrumento sendo utilizados e
descartados fora da oficina?

É possível que fora da oficina tivessem sido utilizados e descartados


instrumentos de corte e de furo, os quais exigem mais etapas de produção que
os raspadores, uma vez que estes tendem a ter um grande aproveitamento da
estrutura natural dos suportes.

Se pensarmos nas atividades que ocorrem fora da habitação do sítio


arqueológico, como caça e coleta de alimentos, estes poderiam exigir mais
instrumentos de corte e de furo, seja para abater a caça, mutilar o animal
abatido para que não seja necessário levar todo o animal de volta ao sítio, de
135

forma que haja um gasto de energia menor. Dentro do sítio arqueológico,


podem estar ocorrendo atividades de preparação de alimento, como o
descarne dos ossos de animais, ou até mesmo a produção de artefatos de
matéria-prima vegetal, que exigem mais raspadores.

Será, então, que o sítio arqueológico foi apropriado não apenas como
um local de produção de instrumentos líticos, mas também de outras atividades
essenciais ao homem? Os dados, até o momento, não nos permite afirmar
responder essa questão.

6.1.5 Como Esta Indústria Lítica se Insere no Contexto do Centro-


Oeste Brasileiro?

Ficamos então com esta questão pertinente. Como poderíamos inserir


ela no contexto apresentado no contexto pré-histórico das indústrias líticas do
centro-oeste brasileiro: Com relação ao panorama geral, estes instrumentos
atendem às mesmas necessidades funcionais? Uma análise comparativa com
outras indústrias poderia ser um meio mais eficaz de inserir esta indústria no
contexto geral, desde que as outras tenham sido, ou sejam posteriormente,
analisadas por uma abordagem que leve em consideração as escolhas
técnicas apresentadas em cada coleção arqueológica, que trate de reconstruir
as cadeias-operatórias.

Se formos inserir este sítio numa Tradição Arqueológica pré-definida,


como já feito por Schmitz (1986), deveríamos considerar que apenas um grupo
cultural habitou este sítio. E sabemos da dificuldade em retratar o número de
ocupações deste sítio. Sabemos da existência de “fósseis-guias” da
denominada Tradição Itaparica, como já foi descrito por Borges (2009),
encontrados neste sítio. Com base nisso Schmitz inseriu esta cultura na
Tradição Itaparica, na qual foi entendida como a tradição que ocupou diversos
sítios brasileiros no Holoceno antigo. Mas também sabemos que a ocupação
da região do Córrego do Ouro começa no Holoceno médio. Seria então uma
mesma sociedade que migrou para a região em função do ótimo climático? Ou
em função de outras necessidades? Estas hipóteses não podem ser
136

descartadas, contudo, baseado apenas na presença de alguns poucos


artefatos morfologicamente semelhantes, sublinho, não servem de base para
construir uma hipótese geral sobre a ocupação do centro-oeste brasileiro pré-
histórico.

6.2 A Cognição em Atividade no GO-CP-17

Ao tratarmos o homem a partir do triângulo cognitivo, podemos começar


a entender cada vértice do triângulo do grupo que ali deixou vestígios (líticos)
de sua presença: A mente, responsável pelos esquemas mentais, pela
preconcepção de cadeias operatórias para os artefatos líticos; o corpo, que
aplica técnicas (corporais), gesto e movimento, incorporação de artefatos para
a utilização de instrumentos e produção dos mesmos; e a cultura, onde está
baseada a tradição de uma sociedade e o conhecimento aplicado na cultura
material.

Sobre os processos da relação do homem com o sítio e sua cultura


material, sabemos que estes culminaram na apropriação deste ponto da
paisagem e dos objetos ali contidos, de forma que o local se tornou um sítio
arqueológico, e muitos dos objetos ali presentes tornaram-se artefatos e
objetos técnicos.
137

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espero ter demonstrado que a abordagem tecnológica, apesar das


recorrentes críticas feitas com relação à minuciosa descrição e atenção ao
material lítico que por vezes deixa de lado o homem por trás desta cultura
material, é válida. Aliás, não apenas válida, mas necessária para se buscar
compreender mais a fundo todos os aspectos relacionados às escolhas
técnicas realizadas por uma sociedade. E se ainda assim o que liga a
tecnologia ao homem, através desta abordagem, continua sendo uma corda
bamba, a abordagem cognitiva aplicada aos estudos de cultura material vêm
para tentar construir uma ponte, mostrando que todos os processos que
ocorrem na relação do homem com a materialidade são carregados de
conhecimentos individualmente e socialmente construídos. A tecnologia não
foge a essa regra.

Espero também ter deixado claro às definições construídas e utilizadas


para alguns dos termos utilizados, dando uma atenção especial à tecnologia
lítica, que por muitas vezes gosta de chamar cada peça com zonas ativas de
um instrumento. Partindo da ideia de que cada zona transformativa no artefato
constitui pelo menos um instrumento, e que podem existir vários instrumentos
num mesmo artefato, parece contraditório continuar chamando cada peça
analisada de um(!) instrumento. Um artefato pode ter mais de um instrumento
na sua estrutura – um artefato pode ser vários instrumentos.

Com relação aos dados apresentados, espera-se que estes sirvam de


contribuição para a continuação de análise da indústria lítica local e até mesmo
possíveis interpretações que levem em conta a criação de tipologias, diferentes
do verdadeiro objetivo deste trabalho. A criação destas tipologias, baseado na
estrutura apresentada por cada artefato, na seção de cada instrumento (e
espero ter deixado claro aqui que artefato e instrumento não são a mesma
coisa), na produção de cada UTFt, e nas possíveis ações atendidas por cada
instrumento pode servir como um viés eficaz para reconhecer possíveis
padrões tecnológicos.

Apesar da abordagem tecnológica aplicada à arqueologia beber da fonte


proporcionada pela cognição, esta nem sempre é discutida mais a fundo, de
138

modo que as referências à cognição são feitas de forma breve e superficial,


demonstrando uma maior preocupação em discutir logo o objeto técnico
produzido. Em outras ocasiões, a cognição remete a ideia de estar ligada
somente à mente, mesmo que o objetivo não seja expressar esta ideia. Este é
um ponto que justifica a importância de discussões teóricas sobre a cognição
mais a fundo na arqueologia, e a importância de trabalhos que busquem mais a
fundo estes aspectos da cultura material aplicando a abordagem cognitiva.

Ainda assim não se pode dizer que a abordagem cognitiva é inédita na


arqueologia brasileira, pois não só na tecnologia, mas também em outras
disciplinas específicas da arqueologia, a cognição é, senão discutida, pelo
menos citada. Contudo, aponto o fato de que a cognição, enquanto uma
disciplina específica da arqueologia, ainda não vem sendo trabalhada.

Onde estão os arqueólogos cognitivos do Brasil? Se neste país o


arqueólogo ainda é uma espécie rara, o arqueólogo cognitivo é uma
subespécie que ainda não está adaptada ao nosso habitat.

Neste sentido pode-se afirmar que a Arqueologia Cognitiva no Brasil,


enquanto disciplina específica, ainda precisa ser estruturada. Espero que este
trabalho possa servir como um pequeno incentivo para a produção de trabalhos
de arqueologia cognitiva na arqueologia brasileira.
139

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dezembro de 2010.
148

ANEXOS
149

ANEXO I

Roteiro Geral De Análise Dos Instrumentos Líticos Lascados

Sítio Arqueológico:

N. Catálogo:

Setor de Localização:

1. Dimensões (mm)

Comprimento

Largura

Espessura

2. Matéria-Prima

Quartzo, Quartzito, Sílex, Calcedônia, Arenito, etc

3. Proveniência

Seixo, Bloco, Plaqueta, Cristal

4. Suporte do Artefato

Lasca Unipolar, Produto Bipolar, Núcleo, Suporte Natural

5. Descrição da Estrutura do Suporte

6. Análise dos Negativos de Debitagem, Façonnage e Retoque


150

Morfologia, Número de Sequencias, Dimensão, Posição, Localização,


Delineamento do Gume.

7. Análise das UTFs Transformativas

Caracterização do Plano de Corte e do Plano de Bico (Ângulo e Forma)

Preensão

Funcionamento

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