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FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
Isabel Allende, 56 milhões de livros vendidos pelo mundo, sabe bem o que é ser pop.
Informada de que os ingressos para a sua mesa na Flip, na próxima quinta, em Paraty, se
esgotaram em poucos minutos, a escritora chilena diz que é algo que lhe "ocorre com
certa frequência em outros países".
Em entrevista à Folha, ela também rejeita a humildade quando provocada a comentar a
motivação do convite a um evento que não costuma mirar autores best-sellers, mas mais
aqueles com boa reputação na crítica.
"Perdoe-me a falta de modéstia, mas devo mencionar que tenho mais de 50 prêmios em
mais de 16 países e 13 doutorados honoris causa pela qualidade dos meus livros, não
pelo número de exemplares vendidos", afirma a autora, que faz 68 anos na segunda-
feira. "Há uma tendência de considerar que, quando um livro tem êxito de vendas,
necessariamente a qualidade é inferior. Isso é subestimar os leitores, não acha?"
Na quarta-feira, em Paraty, Allende lança no Brasil o seu 18º livro, "A Ilha sob o Mar",
romance sobre uma escrava ambientado no Caribe do século 18. Às 17h15 do dia
seguinte, é a atração única da mesa "Veias Abertas", com mediação de Humberto
Werneck. Sobre o convite a uma best-seller, pouco usual na Flip, o diretor de
programação Flávio Moura disse: "É uma figura interessante. Sua trajetória está colada
à da América Latina, ela formou leitores. E tem uma coisa magnética com o público".
Na entrevista, por e-mail, Allende -que não conhece a obra do homenageado da Flip,
Gilberto Freyre- aborda os efeitos positivos da escravidão, fala do marido escritor e
comenta o esgotamento do realismo mágico.
Folha - Os ingressos para a sua palestra se esgotaram em dez minutos. O que acha
disso e a que atribui a sua popularidade no Brasil?
Isabel Allende - Fico alegre e lisonjeada que o público queira assistir à palestra e espero
não decepcioná-lo. Não sei que capacidade tem a sala [850 lugares], mas isso de
esgotarem rapidamente me ocorre com certa frequência em outros países, onde meus
livros são populares. Os leitores têm curiosidade de escutar os autores que leem. É
difícil explicar a popularidade de um livro. Suponho que as pessoas gostem de minha
maneira de contar uma história e se identifiquem com os personagens. Escrevo sobre
relações e emoções humanas, que são mais ou menos universais.
A Flip é um festival que prioriza autores com boa avaliação da crítica em detrimento
de best-sellers. Você é uma autora de grande sucesso popular, mas sem acolhida
similar entre os críticos. Considera que sua participação é uma deferência à sua
qualidade literária ou mais a um desejo dos organizadores de popularizar o evento?
Existe crítica boa, mediana e negativa dos meus livros, como ocorre a qualquer pessoa
que faz algo público, especialmente no caso da literatura, em que a avaliação das obras
é subjetiva. Não se pode agradar a todos. A qualidade dos meus livros não se discute
nas universidades e escolas onde são estudados. Perdoe-me a falta de modéstia, mas
devo mencionar que tenho mais de 50 prêmios em mais de 16 países e 13 doutorados
honoris causa pela qualidade dos meus livros, não pelo número de exemplares vendidos.
Há uma tendência de considerar que, quando um livro tem êxito de vendas,
necessariamente a qualidade é inferior. Isso é subestimar os leitores, não acha?
Seu novo livro trata da escravidão, um tema central na obra de Gilberto Freyre, o
homenageado da Flip neste ano. Você conhece o trabalho dele? O que poderia falar
sobre os aspectos positivos da escravidão para a miscigenação no Brasil -um dos
pontos polêmicos da obra de Freyre?
Infelizmente não conheço a obra de Gilberto Freyre. A contribuição racial que a
escravidão produziu é muito positiva, no sentido em que as raças se fortaleceram e
melhoraram ao se mesclarem, mas isso não justifica a escravidão. Os africanos que
sobreviveram ao tráfico de escravos e às brutais condições de vida eram mais fortes,
adaptáveis e inteligentes e, ao se mesclarem [com outras raças], contribuíram com genes
muito bons. Também agregaram fatores culturais e espirituais. Mas não nos enganemos:
negros e brancos ainda não têm as mesmas oportunidades. Nos EUA, onde vivo, há uma
maioria esmagadora de negros nos presídios, em geral são os mais pobres da sociedade,
suas vidas são mais difíceis do que as dos brancos. Há igualdade perante a lei, não na
realidade. O presidente Obama é uma exceção.
Você nasceu no Peru, tem nacionalidade chilena, viveu em vários países e mora nos
Estados Unidos há 22 anos. Qual é a sua pátria?
Minha pátria está em meus livros e na minha família.
O realismo mágico está morto? Ainda há espaço para este estilo na literatura
contemporânea? Por quê?
Talvez tenha se abusado do realismo mágico nos anos 1980. Os escritores e os leitores
se cansaram de algo que se tornou um truque literário sem sentido. No entanto, acredito
que na vida e na literatura há muito espaço para o mistério, o inexplicável. Eu não tenho
medo de usar o realismo mágico quando enriquece uma história.
A ILHA SOB O MAR