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Público • Sexta-feira 25 Fevereiro 2011 • 43

O 2011 dos povos a sul do Mediterrâneo tem mais semelhanças com o 1848 europeu do com o 1989 dos países do Leste

Gostava de estar mais entusiasmado com as revoluções árabes

N
ASMAA WAGUIH/REUTERS
o dia em que Mubarak fez a sua deses- ao contestar o relato linear dos directos televisivos
perada intervenção televisiva tentando –, Applebaum ajuda-nos a manter a visão de longo
evitar a demissão, estive horas preso à prazo. Pode não ser ainda altura de, por cada tirano
televisão. Assim como no dia seguinte, que cair de Tunes ao Cairo, de Damasco a Riade, do
quando a vigorosa rejeição da Praça Bahrein a Trípoli, fazer estalar a rolha das garrafas
Tahrir, no Cairo, o levou a desistir e a retirar-se do de champanhe – mas é, seguramente, a altura de
poder. Nesse dia, celebrei a sua queda ao jantar – as colocar no gelo.
José

E
um tirano a menos no mundo.
Manuel Porém, nunca me senti à vontade para escrever duardo Lourenço, num texto também
Fernandes sobre esta onda de “revoluções árabes”. Tal como aqui editado, acertava quando apelava
Pacheco Pereira aqui escrevia no passado sábado, a que não se esperasse que “estas inédi-
Extremo sentia que aquilo que me contavam os jornais e o tas revoluções islâmicas — diversas entre
ocidental que via nas televisões era um retrato incompleto, elas — obedeçam a uma espécie de mot
porventura uma narrativa naturalmente entusiasma- d’ordre ideológico como aquelas de que os europeus,
da de jornalistas eufóricos por estarem a testemu- e aqueles que os imitaram, foram exemplo”, pois
nhar mais uma revolução democrática, mas pouco os jovens “revoltam-se por motivos precisos, por
mais do que isso. Perturbou-me, em particular, o injustiças clamorosas, por tiranias tornadas insu-
que sucedeu à jornalista da CBS Lara Logan quando portáveis”. Porém, será que acerta quando nos diz
foi violentada nessa mesma Praça Tahrir por gente para aceitarmos sem estados de alma que “o Islão
que gritava “judia”, “judia”. não se converterá ao nosso modelo e é ilusão su-
Se, no Egipto, apesar desse episódio, a revolução ma pensar que o está fazendo”? Mais: será que tem
parecia ser conduzida por jovens da classe média razão quando augura a emergência de uma ordem
que genuinamente aspiravam a mais liberdade e pós-iluminista em que “os jovens revoltados da Tu-
mais democracia, e se a transição parece estar a nísia, do Egipto, da Líbia, do Bahrein, estão entran-
ser monitorizada por umas Forças Armadas que do”, um “novo mundo a que nós igualmente, por
compreendem o valor da paz e das relações com imperativos de outra herança, devíamos aspirar”?
os Estados Unidos, a verdade é que, ao olhar para Não me parece. Nem estou disponível para encaixar
o complexo mosaico do Médio Oriente, nada indica eventuais contratempos no caminho para socieda-
que tudo tenha de correr bem. Na Tunísia, onde tu- des abertas onde os indivíduos sejam respeitados
do começou, as primeiras manifestações surgiram por troca com a aceitação de outras “identidades”,
depois de uma subida abrupta dos preços de bens mesmo que inspiradas na melhor tradição de um
elementares. Os protestos na Argélia têm também Avicena ou de um Averrois.
uma componente popular muito forte, bem menos Pode não ser ainda altura não ser o Vaclav Havel do Egipto. Por outras palavras: se acredito na universalida-
elitista (chamemos-lhe assim) do que os da Praça Esses levantamentos tiveram um de dos direitos do homem, não posso aceitar uma
Tahrir. No Iemen, há uma forte componente sepa- de, por cada tirano que mesmo pano de fundo: a percep- “especificidade” que se traduza, a prazo, numa limi-
ratista nas manifestações. Na Líbia, não se pode ção, pelas populações dos países tação dos princípios da liberdade e da igualdade de
desprezar a componente tribal do levantamento
cair de Tunes ao Cairo, que então integravam o Pacto de direitos. Não julgo possível, por exemplo, diminuir
popular. E, no Bahrein, é fortíssima a componente de Damasco a Riade, Varsóvia, de que a União Soviética a vigilância relativamente ao estatuto das mulheres
religiosa, já que o monarca é sunita e a maioria da de Gorbatchov já não apoiava os nos regimes que saírem destas revoluções. Ou na
população é xiita. do Bahrein a Trípoli, seus detestados líderes. Nada de concretização do princípio da separação do Estado
A Internet e a Al-Jazira (talvez até mais esta…) fazer estalar a rolha das semelhante se passou desta vez – e das igrejas. Ou na capacidade de criar Estados
criaram a imagem de um só movimento pela liber- não foi por certo por a Europa e os onde o poder dos governos esteja limitado pela
dade que, mesmo inspirado pelo mais influente dos garrafas de champanhe Estados Unidos terem seguido, de lei, pelo direito de cada indivíduo poder aspirar
países árabes (o Egipto) e mesmo tendo pela frente forma atrapalhada e atabalhoada, à sua felicidade (desde que esse caminho não co-
regimes que variam entre o autocrático e o brutal-
– mas é, seguramente, a o sentir dos manifestantes e retira- lida com direitos alheios) e por sistemas de pesos
mente ditatorial, é suficientemente variado e ocorre altura de as colocar no gelo do o apoio a antigos aliados como e contrapesos.
em contextos suficientemente diferentes para que Mubarak que, de repente, o povo Daí que, na sua relação com os regimes que forem
duvidássemos estar a assistir a uma espécie “Abril árabe começou a descer às ruas. saindo destas revoluções, a Europa e os Estados
árabe” (a expressão é de Eduardo Lourenço) co- País a país, o que se passou foi, por isso, mais Unidos, para além das naturais preocupações com a
lectivo. As más experiências de algumas transições parecido com o que se passou na Europa de 1848, estabilidade numa região volátil e que detém recur-
democráticas na região – na Argélia, o voto secreto quando um vago sentimento revolucionário comum sos naturais indispensáveis ao nosso modo de vida,
e universal levou à vitória dos radicais islamitas da percorreu o continente e pareceu unificar o que se preocupem mais com a criação de uma cultura de
FIS, na Palestina à do Hamas – também nos levavam eram movimentos e reivindicações muito diferentes liberdade do que a rápida, ou mesmo precipitada,
a raciocinar com prudência. de húngaros, alemães ou franceses. Nessa época, convocação de processos eleitorais. Como Fareed
Um artigo recente de Anne Applebaum (a consa- a maior parte das revoluções acabou num impasse Zakaria já explicou em O Futuro da Liberdade, há
grada autora de Gulag: Uma História) ajudou-me, no ou na derrota, mas todas deixaram sementes que uma grande diferença entre ser-se eleito, ou mesmo
entanto, a arrumar ideias e a manter o entusiasmo germinariam mais tarde, pelo que, décadas depois, reeleito, e respeitar limites no exercício do poder e
inicial, mas cum grano salis. os sentimentos ora nacionalistas, ora republicanos, os direitos dos cidadãos. O prémio Nobel Amartya

O
dos revolucionários de então acabariam por ser al- Sem costuma dizer que governar em democracia
u seja: “Esta revolução deve ser vista cançados em toda a Europa, se bem que nem sem- é, antes do mais, “governar pela discussão”, e não
no seu próprio contexto, pois cada uma pre (ou mesmo quase nunca) de forma pacífica ou vejo razão por que estes princípios “ocidentais” não
teve um impacto distinto. As revoluções mesmo aceitável nos dias de hoje. devam ser aplicados no Islão.
espalharam-se por todo o lado. Intera- Applebaum sublinha, por isso, que as diferenças O que vejo, ou temo, é outra coisa: que o Islão
giram. Mas o drama de cada uma delas entre os diferentes países árabes por onde passa este esteja tão impreparado para uma democracia cons-
desenvolveu-se separadamente. Cada uma teve os vento revolucionário podem ser, como na Europa titucional e liberal como estava a Europa continental
seus heróis e as suas crises. Cada uma exige a sua do século XIX, mais importantes do que as seme- em 1848. Aí, até posso compreender Vasco Pulido
própria narrativa”. lhanças. O que significa que podemos chegar a 2012 Valente. Onde me afasto dele é por pensar que, ape-
Esta descrição, retirada do texto de Applebaum, com um sabor amargo na boca, parecido com o que sar de tudo, em 1848 já se tinha percorrido um ca-
não retrata os actuais levantamentos no mundo sentiam os revolucionários europeus em 1849. “As minho pós-1789 (data da Revolução Francesa), pelo
árabe, mas as revoluções que, em 1848, varreram ditaduras podem ter regressado, a democracia pode que se o Islão ainda não estiver preparado, como
a Europa. Foi retirada de um livro que as descreve, não ter conseguido funcionar, os conflitos étnicos não parece estar, para o “nosso modelo”, no que ele
mas a similitude com a actual vaga de levantamentos podem ter degenerado em violência interétnica”, tem de universalista, isso não implica que me renda
no Médio Oriente pode ser mais do que ocasional. É alerta Applebaum, mas isso não impede que tenha à inevitabilidade de, nessa parte do mundo, nessas
que, e aqui já sigo Applebaum, estes levantamentos sido dado um passo e plantada uma semente que terras onde a cultura islâmica é dominante, não ser
são muito diferentes dos que conhecemos na Euro- mais tarde frutificará. possível, hoje ou mais tarde, respeitar certos direitos
pa de Leste em 1989 – e não apenas por ElBaradei Ao colocar a História em perspectiva – e também fundamentais dos seres humanos. Jornalista

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