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Emancipação, práxis e trabalho: notas sobre um

debate entre Adorno, Lukács e Habermas

Joelton Nascimento

RESUMO

Nas notas que compõem este trabalho se retomará duas críticas


ao pensamento do filósofo alemão Theodor W. Adorno:
primeiramente, a de Georg Lukács, e posteriormente, a de Jürgen
Habermas. Estas críticas serão reavaliadas neste artigo. Esta
reavaliação não tem o intuito de providenciar uma contra-crítica
adorniana tardia a estas, mas, antes, de contribuir para a reflexão
contemporânea sobre dois temas relacionados a estas críticas, se
as tomarmos a partir de dois pontos: a questão da emancipação e
a da práxis. Ao final se defenderá que o pensamento de Adorno
pode ser interpretado como uma precursora posição crítica em
face do tema do mercado, do trabalho e do Estado como centros
da sociabilidade contemporânea, temas estes que se encontram no
cerne da discussão atualizada sobre a emancipação e sobre a
práxis.

Palavras-chave: Emancipação, práxis, trabalho, Adorno, Lukács,


Habermas.

Quando a questão que surge é a relação entre o pensamento


filosófico, a teoria, e a emancipação social, realizada na vida
prática, Theodor Adorno é comumente acusado de maneiras
aparentemente contraditórias. Por um lado, ele é acusado de
renunciar às conseqüências práticas da crítica radical, e, por
conseguinte, acusado de ao compreender as agudas e emergentes
contradições das sociedades industriais avançadas, dar um passo
atrás em direção à contemplação teórica distanciada, nesta se
refugiando. Grosso modo, esta é a acusação que lhe dirige o velho
Georg Lukács. Para tanto, se referindo a Adorno, Lukács
desenvolve uma interessante metáfora. Segundo ele, Adorno e
muitos intelectuais na segunda metade do século XX eram sagazes
o bastante para perceberem as emergências e as profundas
contradições da sociedade capitalista avançada, mas, todavia, não
seguiam para além desta mera constatação. Para Lukács, Adorno
se satisfazia ao se sentar confortavelmente em sua cadeira em um
Grande Hotel Abismo e ao observar passivamente a paisagem
catastrófica. Cercado dos luxos propiciados pela sociedade
burguesa, sobretudo a grande arte moderna – ainda que diante
do colapso – estes intelectuais se confortavam neste Grande Hotel,
despreocupados com qualquer transformação desta circunstância
abismal. Por outro lado, Adorno também fora acusado, desta vez
por Jürgen Habermas, ex-aluno seu, de ter confiado demais na
capacidade da razão humana de criar uma existência social fora
da opacidade de certas relações de dominação e da racionalidade
instrumental destituída de fins, e de ter almejado, ao fim e ao
cabo, uma relação não plenamente dominadora entre os homens
com eles mesmos e com a natureza.
Vemos, portanto, que Lukács acusava o pensamento de
Adorno de certo “déficit” prático. Sem a militância em partidos
comunistas nem junto às massas proletárias, uma crítica radical
da sociedade capitalista é plenamente impotente e neste sentido,
no fundo, não-crítica. Já Habermas criticou reiteradamente
Adorno pelo excesso. Abraçando ainda o paradigma da produção
material e de uma filosofia da consciência que o fundamenta,
Adorno, segundo o Habermas do Discurso Filosófico da
Modernidade, excedia naquilo que segundo ele, seria o círculo
restrito de qualquer projeto viável de emancipação social: a
intersubjetividade existente na razão comunicativa e na
linguagem humana. Para Habermas, as esferas tecnológicas,
jurídicas e econômicas da sociedade capitalista são sistemas
racionais em si e suas regulações somente podem ser realizadas
de fora pela decisão intersubjetiva livre, onde à linguagem seja
dada a possibilidade de se exercer mais livremente. Adorno, assim
como também Herbert Marcuse, em obras como Dialética do
Esclarecimento (1947) e Eros e Civilização (1955) cobravam uma
emancipação humana destas esferas, que segundo eles, seriam
usurpadoras das possibilidades de ação consciente e
transformadora, examinando a fundo o percurso destas na
história do pensamento ocidental.
Vamos acentuar aqui alguns tópicos que vão no sentido de
mostrar que ambas as críticas recebidas por Adorno, embora
tenham elevado valor e mereçam ser levadas em consideração em
qualquer debate sobre a questão da emancipação social, se é que
esta questão ainda merece ser debatida – a meu ver é a que mais
merece e talvez a única que mereça realmente – são ambas
parcialmente injustas no que se refere à obra deste pensador que,
segundo o que iremos esboçar aqui, tanto levou em conta, e talvez
centralmente, a questão da práxis na esteira da melhor tradição
crítica desde Marx, quanto, além disso, tinha plena razão em
associar a dominação da natureza e da razão que lhe é inerente à
emancipação social, ou seja, que ele tinha razão ao associar a
dominação da natureza à dominação do homem pelo homem. A
insistência de Adorno nesse último ponto se deve a sua crítica
radical das esferas de mediação social compostas pelo Estado e
mercado, como se verá a seguir.

II

A acusação de Lukács a Adorno pode ser lida no Prefácio à


reedição de sua obra de juventude, a Teoria do Romance, em
1962:
“Uma parte considerável da direção
da intelligentsia alemã, incluindo Adorno,
passaram a fazer residência no „Grande
Hotel Abismo‟ que descrevi em conexão
com a minha crítica de Schopenhauer como
„um belo hotel, equipado com todo o
conforto, à beira de um abismo, de
vacuidade, de absurdidade. E a
contemplação diária do abismo entre
excelentes refeições ou entretenimentos
artísticos, pode apenas elevar o regozijo dos
sutis confortos oferecidos.‟ (Die Zerstorung
der Vernunft, Newvied, 1962, p. 219)”.1

A crítica de Lukács2 a Schopenhauer a que este se refere


neste fragmento consistia em demonstrar, grosso modo, que tanto
este quanto Nietzsche pertencem a um novo momento do
pensamento filosófico europeu. Este momento se caracterizaria,
segundo ele, pela renúncia a uma compreensão racional e
abrangente do desenvolvimento da sociedade burguesa. Em
ambas as filosofias, de Schopenhauer e de Nietzsche, o
pessimismo e o ceticismo prático advinham do recurso a uma
realidade supra-racional como a fundadora do real
desenvolvimento da história e da própria racionalidade. Segundo
Lukács, este é o cerne da filosofia burguesa em crise, em
decadência.
Para o filósofo húngaro, a filosofia burguesa no período que
ele chama de “clássico” se definia pelo seu racionalismo e sua
vocação universalizante. Este racionalismo e essa vocação

1
LUKÁCS, Georg. Theory of Novel. (Prefácio de 1962). Tradução: Anna
Bostock. Cambridge: MIT Press, 1971, p. 22.
2
As críticas de Lukács ao que ele chamou de “filosofia do imperialismo” podem
ser lidas em duas obras principais: LUKÁCS, Georg. Die Zerstörung der
Vernunft. Newvied: Hermann Luchterhand, 1973, 3 vols, e LUKÁCS, Georg.
Marxismo ou Existencialismo? Tradução: José Carlos Bruni. São Paulo:
Senzala, 1968.
universalizante correspondiam, no âmbito da práxis, à ascensão
da burguesia como classe universal, no sentido de que a ascensão
da burguesia e a consecução de seus interesses imediatos
coincidiam com os interesses universais de toda a sociedade. Era a
filosofia clássica a responsável pela crítica demolidora dos
arbítrios e das mistificações do período feudal e pré-capitalista. A
filosofia clássica, no sentido lukacsiano, é a de Voltaire a
Rousseau, de Spinoza a Locke, tendo seu último e maior
representante em Kant.
Quando a burguesia ascendente chega em uma nova etapa,
em que dá ensejo a uma nova classe que lhe é negação, o
proletariado, e quando seus interesses imediatos começam a se
separar dos interesses universais de toda a sociedade, a filosofia
burguesa, e justamente por insistir em ser burguesa, abandona
sua vocação racionalista e universalizante do período clássico. A
filosofia burguesa entra em crise e sua única saída, ainda segundo
Lukács, é o irracionalismo, o ceticismo prático. No caso específico
de Schopenhauer, a crise da filosofia burguesa se revela como
uma espécie de “ontologização”. Na impossibilidade de pensar de
modo racional a totalidade social, é o caos e o sem-sentido que
espreitam a filosofia burguesa em crise, na versão pessimista de
Schopenhauer. Ao invés de apontar uma origem deste caótico
non-sense no desenvolvimento histórico e, portanto, em uma base
transformável, Schopenhauer dá uma interpretação ontológica
deste caos e desta falta de sentido como sendo algo pertencente à
condição humana mesma e, portanto, inelutável. Daí o
pessimismo schopenhauriano. É precisamente por esta
“ontologização” do caos e do sem-sentido que Schopenhauer se
instala numa confortável contemplação destes. Não há nada a ser
feito, é da “condição humana” que estamos falando. Aqui está o
Grande Hotel Abismo.
Lukács, portanto, já havia criado a metáfora do Grande
Hotel Abismo muito antes de acusar Adorno de nele habitar. Mas
no caso de Adorno a acusação de Lukács tinha um sentido
bastante distinto. Adorno, diferente de Schopenhauer, era
consciente e crítico da sociedade burguesa e de seu
desenvolvimento. Para Lukács, todavia, esta crítica permanecia
voluntariamente submetida a uma impotência radical,
irracionalmente atada à conclusão de que não é possível
transformar praticamente o estágio atual do desenvolvimento
desta sociedade. Resta-lhe apenas, garante o filósofo húngaro,
contemplar o abismo de um lugar confortável e, entre um luxo
burguês e outro, regozijar-se até mesmo da observância do caos.
Este seria o sentido da metáfora do “Grande Hotel Abismo” no
fragmento citado.
Mas o que há de comum em Schopenhauer e Adorno a
ponto de estabelecermos a ambos a “mesma moradia”, como quer
Lúkacs? E se não há justiça na crítica lukacsiana, onde poderemos
encontrar uma defesa razoável de Adorno? Mais do que isso, e
seguindo de perto uma interpretação dialética: o que há de
verdadeiro na crítica de Lukács? E por último e mais importante:
como esta discussão pode nos ajudar a pensar na questão da
emancipação social?

III

Para sermos precisos, a crítica de Lukács a Adorno, que se


remete ao Grande Hotel Abismo, como lembra Martin Jay “dá
voz”3 às críticas que toda a tradição do marxismo operário
nutriam em relação ao filósofo frankfurtiano e aos teóricos
críticos em geral. In summa summarum, a crítica consistia em
perguntar: “como pode um crítico radical da sociedade capitalista
não pertencer nem aos quadros de um partido comunista ou
social-democrata, nem dirigir seu pensamento e sua atenção
teórica às classes trabalhadoras, que constituem a negação

3
“In 1962 Lukács voiced his and others marxist’s disdain for Frankfurt School
by dubbing in the “Grand Hotel Abgrund (abyss)”.” JAY, Martin. The Dialetical
Imagination. Berkeley/LosAngeles: University of California Press, 1996, p. 296.
concreta desta mesma sociedade?”. Esse era o raciocínio que
qualquer marxista tradicional fazia e Lukács, neste particular,
não era muito diferente. Encontraremos algum tempo mais tarde
o mesmo raciocínio em Perry Anderson, em seu livro
Considerações sobre o Marxismo Ocidental (1976), desta vez
dirigido a toda a tradição do marxismo europeu, sobretudo o
alemão, o francês e o italiano. Este marxismo se tornou um
marxismo meramente filosófico, catedrático – dizia ele – em clara
afronta ao movimento do próprio Marx que foi da filosofia em
direção à economia política. Os “marxistas ocidentais” refluíram
para a filosofia e para a teoria, abandonando a economia e as
questões operárias.4
Não seria suficiente como uma resposta a estas críticas
simplesmente apontarmos os diversos estudos de Adorno, tanto
filosóficos como científicos, tanto teóricos quanto empíricos, sob
diversos temas que eram urgentes para a emancipação social das
classes trabalhadoras, como os estudos sobre o preconceito e a
personalidade autoritária, a indústria cultural, a sociedade de
massas, etc. Mesmo o mérito destes importantes trabalhos não
justificaria uma recusa – como entendem seus acusadores – à
prática transformadora das estruturas de dominação da sociedade
capitalista avançada. “Aqui está Rhodes, salta aqui!” dizia Marx
parafraseando Hegel: a melhor cognição de uma estrutura de
dominação é a sua transformação e não sua contemplação
passiva, e esse era um mote assumido pela teoria crítica de Max
Horkheimer e de Adorno desde os anos 30.
Mas Adorno dará sua contribuição mais importante a esta
discussão precisamente quando a prática política lhe exigiu a
duras penas. Durante o conturbado final dos anos 60, alguns
anos após o prefácio de 1962 de Lukács, Adorno escreveu os
Epilegômenos Dialéticos (1969). Providencialmente, após ter sido
duramente criticado pelos estudantes alemães como um falso

4
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Tradução:
Marcelo Levy. São Paulo: Brasiliense, 1996.
teórico crítico que havia voltado as costas às práxis, um destes
Epilegômenos Adorno nomeou de Notas Marginais Sobre Teoria e
Práxis5.
Em primeiro lugar, Adorno lembra e reafirma a força
prática da teoria. Pensar é já agir, na medida em que este
pensamento, para além da mera técnica ou da mera submissão
não autônoma a um “pragmatismo” qualquer, pode conduzir a
uma compreensão mais alargada dos conjuntos de coerções às
quais os indivíduos são submetidos num certo momento histórico.
Embora reitere a primazia do objeto na práxis, Adorno defende
dialeticamente que a práxis não se resume a um mero lançar-se
cego à “objetividade heterônoma”6. A práxis deve ser a realização
do melhor conhecimento socialmente alcançado, e isto requer o
esforço teórico. Uma ação que não tenha isso em vista é uma
atividade cega, uma falsa práxis e, conforme assinala Adorno,
“Falsa práxis não é práxis”7.
Embora seja preciso reconhecer que a maioria das Notas
Marginais sejam dirigida aos estudantes amotinados, notamos
que estas terminam por revelar uma divergência mais profunda
entre as concepções de práxis e emancipação entre Adorno e
Lukács. Para Adorno, a divisão e a relação entre teoria e práxis se
desenvolveu historicamente, e esse desenvolvimento se deu em
estreita relação com o trabalho. “A práxis nasceu do trabalho”8,
escreveu ele. Deste modo, tanto quanto a hipertrofia da teoria
revela uma miopia grave, também o inverso é verdadeiro, a
hipertrofia da práxis revela uma perda do real sentido histórico.
Além disso, e o que aqui se quer enfatizar primordialmente, é
que:

5
ADORNO, Theodor. Notas marginais sobre teoria e práxis IN Palavras e
Sinais – Modelos Críticos 2. Tradução: Maria Helena Ruschel. Petrópolis:
Vozes, 1995.
6
Idem, ibidem, p.211.
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem, p.206.
“O fato de se originar do trabalho
pesa muito sobre toda práxis. Até hoje,
acompanha-a o momento de não-liberdade
que arrastou consigo: que um dia foi
preciso agir contra o princípio de prazer a
fim de conservar a própria existência;
embora o trabalho, reduzido a um mínimo,
entretanto não mais precisasse continuar
acoplado à renúncia.”9

Nesta altura, estaríamos situados em um ponto vantajoso


para compreender a divergência a que nos referimos. A questão
da práxis, e da suposta ausência desta, termina por nos remeter à
questão da centralidade do trabalho como base da emancipação
social. E, além disso, a centralidade de uma classe trabalhadora
como sujeito coletivo privilegiado para a emancipação social. Se
se permanece, como o faz o marxismo tradicional, na
centralidade do trabalho e conseqüentemente da classe
trabalhadora, veríamos que a práxis seria sobretudo aquela ligada
a tal centralidade. Ora, assim, aquele que se afasta desta
centralidade, se afasta da “práxis revolucionária”, a práxis por
excelência, e, por conseguinte, não é capaz de compreender as
contradições sociais na perspectiva de sua transformação. Daí a
acusação de Lukács segundo a qual Adorno “renuncia” à práxis.
Mas a práxis que Lukács julga que Adorno “renuncia” é aquela
ligada à centralidade da classe trabalhadora. Mas ao voltarmos a
Adorno vemos que este era plenamente consciente do que
propunha “renunciar”. Adorno repetia por diversas vezes que o
proletariado industrial, a principal classe trabalhadora da
sociedade capitalista, havia sido integrado subjetivamente à
“sociedade administrada”, e que, portanto, não se poderia esperar

9
Idem, Ibidem. Seria pertinente lembrar nesta altura, já que o próprio Adorno
não o faz, na importância da re-interpretação de Freud realizada por Marcuse
para a crítica do trabalho e da renúncia ao princípio do prazer a ele associado.
mais que a transformação desta sociedade se desse a partir apenas
de uma ação desta classe como tal. A partir deste “diagnóstico”
por assim dizer, Adorno se ocupará de um aprofundamento de
uma reflexão sobre a práxis em que esta apareça como
superadora da estreiteza da práxis viciada vigente nesta sociedade
dominada pela “falsa práxis”. Na Teoria Estética (1970) ele dirá:

“A arte não é unicamente o


substitutivo de uma práxis melhor do que a
até agora dominante, mas também crítica
da práxis enquanto dominação da
autoconservação brutal no interior do
estado de coisas vigente e por amor dele.
Censura as mentiras da produção por ela
mesma, opta por um estado da práxis
situado para além do anátema do
trabalho.”10

Contudo, até que ponto uma teoria estética pode ainda ser o
suficiente para que nós compreendamos o desenvolvimento do
negativo na sociedade do trabalho e da mercadoria é uma questão
de vital importância e que permanece aberta. Mas que o se
percebe aqui é que quando a questão da práxis vem à tona,
Adorno sempre volta a fazer uma crítica radical do trabalho, uma
crítica que, todavia, não encontrará um maior aprofundamento
em todo seu pensamento.
Eu poderia dizer que esta é a forma histórico-política da
divergência entre Adorno e Lukács. No domínio da teoria,
Adorno, por um lado, antecipou as reflexões críticas que somente
aparecerão nas últimas décadas acerca de uma crítica radical do

10
ADORNO, Theodor. Teoria Estética. Tradução: Artur Morão.Lisboa: Edições
70, [s.d.], p. 23.
trabalho11, pelo viés enviesado de sua estética negativa, enquanto
que a grande obra inacabada de Lukács, a Ontologia do Ser
Social12 (1971) aposta todas as fichas no trabalho como
“fenômeno originário” (Ürphanomen) constituinte de toda
sociabilidade e, portanto, como portador da chave para a
emancipação das relações de dominação e exploração da
sociedade capitalista. A divergência quanto à práxis, termina na
divergência quanto ao conceito e quanto à realidade do trabalho
e de sua função na emancipação social.
É uma divergência tanto teórica quanto prática. Cumpre a
nós pensarmos sobre a crítica que a história tem feito desta
divergência. Voltando ao Grande Hotel Abismo, o que notamos é
que Lukács interpreta como ausência de práxis – ou renúncia a
uma práxis possível – o distanciamento de Adorno dos
movimentos operários. Mas na verdade essa acusação não deixa
ver nas entrelinhas que a concepção de “práxis” ali está
alicerçada nessa “ontologia do trabalho” (Kurz).

IV

No amplo quadro de referências traçado no Discurso


Filosófico da Modernidade Jürgen Habermas crítica as duas
vertentes aqui referidas, a de Lukács em suas diferentes fases, e a
de Adorno.
Critica primeiramente o que ele chama de “continuação do
projeto hegeliano pela filosofia da práxis”13. A continuação se
daria a partir do prosseguimento de uma filosofia da consciência
que, em sua versão materialista, via a emancipação como um
auto-reconhecimento superador das limitações funcionais e
sistemáticas do mundo burguês. Neste contexto, a emancipação
11
Refiro-me ao Manifesto contra o trabalho do grupo Krisis (São Paulo:
Conrad, 2003) e a reflexão coletiva que a seguiu.
12
LUKÁCS, Georg. Ontologia del Ser Social – El Trabajo. Tradução: Miguel
Vedda. Buenos Aires: Herramienta, 2000.
13
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Tradução:
Luiz Sérgio Repa e Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 85.
se ligaria de algum modo à concepção hegeliana de totalidade
ética que, ao contrário do que julgava Hegel não estaria
“realizada” na monarquia constitucional e na economia política,
mas estas eram, na verdade, os signos dos dilaceramentos e das
cisões que impediam que a emancipação de fato pudesse se
realizar, tornando a vida pública e o trabalho alienados de seus
sujeitos. Para Habermas, entretanto, “os fundamentos normativos
da filosofia da práxis, sobretudo a capacidade do conceito de
práxis para as tarefas de uma teoria crítica da sociedade, nunca
foram satisfatoriamente esclarecidas”14 pois, para ele, a filosofia
da práxis, presa à elaborações oriundas da filosofia da
consciência e ao paradigma da produção como advindas do
horizonte “sempre recuperável” do sujeito e da produção
artesanal só consegue colocar o problema da emancipação nas
bases de uma “desdiferenciação das relações supercomplexas da
vida”15. Ou seja, os problemas insuperáveis que Habermas
encontrou na filosofia da consciência se transferiam de todo para
a filosofia da práxis.
Já a respeito da crítica adorniana que se somava a Nietzsche
em seus ataques à razão ocidental – deixada intacta pela filosofia
da práxis tradicional – Habermas garante que:

Pela via de sua Dialética Negativa,


Adorno procura contornar o que não pode
expor discursivamente; e com sua Teoria
Estética sela a cessão da competência
cognitiva para a arte. A experiência estética
nascida da arte romântica e que o jovem
Marx contrabandeara no conceito de
práxis, é radicalizada na arte de vanguarda;
no entanto, esta é designada agora por
Adorno como única testemunha contra uma

14
HABERMAS, Jürgen. op. cit., p. 95.
15
Idem, Ibidem.
práxis que sepultou sob seus destroços tudo
aquilo que uma vez foi intencionado com a
razão”16 (Grifos do autor)

Embora esteja num quadro de referências teóricas diverso


do de Lukács, e inclusive como crítico deste, notamos a
semelhança na tonalidade desta crítica endereçada a Adorno com
aquela de Lukács exposta acima. A arte também aparece aqui
como “refúgio”, como uma espécie de fuga da impossibilidade de
uma formulação racional do problema da emancipação e da
práxis. Se, para Lukács, Adorno não encara a práxis como tal,
para Habermas, ele não encara a “racionalidade discursiva”
como tal.
A mímesis como resistência à práxis “marcada pelo
trabalho” como vimos, é lida por Habermas como mero “oposto
da razão” quando na verdade, Adorno as lia numa relação
dialética17. Seria esta mesma razão que, para Adorno, segundo
Habermas, estaria “talhada unicamente para relações sujeito-
objeto”. Grosso modo, Adorno levaria ainda a filosofia da
consciência até as raias da extrema aporia, no mais inelutável
beco-sem-saída. Aquilo que poderia ser concebido como uma
crítica do produtivismo e do trabalho abstrato, ou ao menos uma
intuição inicial desta crítica, é tomado por Habermas como o
levar ao extremo do pensamento alicerçado no horizonte do
sujeito. Nas últimas lições do Discurso depois de criticar Adorno,
Heidegger, Derrida, Foucault e outros pela mesma razão,
Habermas oferece o que ele chama de razão e agir comunicativos
como alternativas às malhas, segundo ele, aporéticas, da razão
“centrada no sujeito”.

16
Idem, Ibidem, p. 97.
17
Sobre a relação entre razão e mímesis em Adorno, Cf. TIBURI, Marcia.
Crítica da Razão e Mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1995.
V

Para provar que Adorno tanto quanto todos os filósofos da


práxis “exageravam” em suas críticas da razão e dos sistemas
racionais como estruturas cegas ou classistas de poder e
dominação, Habermas precisou se dar ao trabalho espinhoso e
difícil de apostar na racionalidade intrínseca, “em si”, dos
sistemas de mediações sociais modernos, que dão sentido à
“supercomplexidade” das sociedades contemporâneas. Segundo
ele: “Nem sequer se coloca [a filosofia da práxis em geral, JN] a
questão de saber se os subsistemas regidos pelos media
apresentam propriedades com valor funcional independente da
estrutura de classes.”18 (2002:95)
Os media, ou seja, o dinheiro e o poder, não aparecem mais
para Habermas como estruturas que implicam necessariamente
em submissão e em “assimetrias” sistemáticas. Elas já alcançam,
no seu ponto de vista, um “valor funcional” cuja racionalidade
pode ser colocada, ao menos em certo sentido, fora de questão.
Ou seja, e é preciso acentuar isso mais de uma vez, o mercado e o
Estado têm valores funcionais e racionais que nem a filosofia da
práxis tradicional e nem a dialética do esclarecimento foram
capazes de pôr em seus horizontes teóricos.
No caso de Adorno em particular, aquilo que poderia ser
uma crítica radical da filosofia da práxis tradicional e sua fé
produtivista na forma trabalho, e que no paradigma da arte como
“práxis melhor” já aparece como ponto de ancoragem, é lido por
Habermas apenas como aporia insolúvel. A zona do não-idêntico,
explorada por Adorno, precisamente por onde poderia transitar
uma crítica mais elaborada do que aquela do produtivismo e da
filosofia da consciência, é tomada por paradoxal por Habermas19.
Em última análise, Habermas toma como pressuposto que as
instituições positivas nas quais se apóia a modernidade

18
HABERMAS, Jürgen, op. cit., p. 95.
19
Idem, Ibidem, p. 184.
capitalista, a saber, o Estado e o mercado, têm valor funcional, ou
possuem um tipo de racionalidade que pode ainda ser posta em
base racionais intersubjetivas, comunicativas. Já para Adorno e
para a crítica sombria e negra (para usar termos habermasianos)
da modernidade capitalista, a práxis dominada por tais esferas
mediadoras da sociabilidade é uma “falsa práxis” e que não há
possibilidade de emancipação mediada fundamentalmente por
estas. Se Adorno paga suas conclusões com um “retiro” ou uma
“fuga” para a arte, esta não vem de uma impotência teórica,
cognitiva ou mesmo individual, antes se trata de um consciente e
amplamente sustentado diagnóstico de época, diagnóstico de um
“contexto geral de ofuscamento”.
Se há algo a ser reconstruído com o auxílio do pensamento
é justamente a crítica radical destes mediadores que moldam e
dão sentido ao desenvolvimento da modernidade capitalista e que
impedem de antemão e sempre, que uma comunicação
intersubjetiva mínima, livre de empecilhos estruturais se
estabeleça. Dando por assente sem mais os valores funcionais
destes meios socializadores, o mercado e o Estado, Habermas pode
até teorizar mais popularmente e mais atualizadamente sobre
questões contemporâneas hoje tão ao gosto de uma administração
global de crise, mas ao preço de um retorno injustificado ao
formalismo das antinomias tão comuns ao pensamento burguês,
no caso de Habermas, entre “sistemas” e “mundo da vida”.

VI

Aquilo que Habermas critica acertadamente na filosofia da


práxis compreendida tradicionalmente e no paradigma da
produção recebe uma reformulação crítica precisa no
pensamento de Adorno. Na sua concepção de mímesis Adorno
ensaia extensamente sobre uma superação do trabalho como
elemento condensador da práxis humana. Mas Habermas não
interpreta isto como uma crítica, mas como um prolongamento
da filosofia da consciência até seu esgotamento derradeiro.
A nosso ver, no ensaio adorniano de pensar na direção do
“não-idêntico” e na conseqüente superação da práxis alicerçada
no trabalho se antecipa e dá-se uma fundamentação para a
crítica radical do valor e do trabalho. Esta crítica se desenvolve
em diversas frentes atualmente sempre direcionadas para a
crítica categorial da sociedade produtora de mercadorias e do
fetichismo que, para além de uma crítica somente estética e
baseando-se somente nas forças miméticas, é uma exposição clara
acerca dos limites categoriais do mercado e do Estado e da
conseqüente “administração global de crises”, que é o
fundamento das políticas de exceção tão presentes na
contemporaneidade. Habermas quer salvar uma “perfomance”
racional da modernidade ao custo da gigantesca irracionalidade
dos meios socializadores desta modernidade.
No limite, portanto, as áridas e complexas discussões acerca
da práxis, da filosofia da consciência, da arte, do não-idêntico,
etc. que aqui se fez apenas uma lacunosa e breve referência,
terminam na discussão atual e urgente do Estado e do mercado
capitalistas como meios socializadores e suas reais possibilidades
emancipatórias.

Não-publicado, escrito
em Dezembro de
2006
ABSTRACT

In the notes of this paper will be regarded two critiques of the


Theodor W. Adorno‟s thought: first, of Georg Lukács, and
subsequently, of the Jürgen Habermas. These criticisms will be
reviewed in this paper. This reassessment has no intention of
providing a adornian late counter-criticism, but rather to
contribute to the contemporary debate on two issues related to
these criticisms, if the take from two points: the question of
emancipation and the praxis. At the end, will be argued that the
thought of Adorno can be interpreted as a precursor critical
stance of the theme of the market, labour and the state as centers
of contemporary sociability, these themes are central to the
current debate on the emancipation and on praxis.

Key-words: Emancipation, praxis, labour, Adorno, Lukács,


Habermas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Theodor. Palavras e Sinais – Modelos Críticos 2.


Tradução: Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 1995.
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