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Abstract Introdução
1 Centro de Atendimento This study aims to describe and identify factors Nos últimos 40 anos, investigações sobre o com-
à Saúde Escolar, Secretaria
associated with environmental quality and portamento humano e o desenvolvimento in-
Municipal de Saúde
e Bem-Estar. Pelotas, Brasil. characteristics of children exposed to environ- fantil através de estudos antropológicos, socio-
2 Departamento de Medicina mental risk factors in Pelotas, Rio Grande do lógicos e psicológicos têm tentado responder a
Social, Faculdade de
Sul, Brazil. This was a prospective, population- questões que se encontravam pendentes, esta-
Medicina, Universidade
Federal de Pelotas. based study, including 630 children from the belecendo uma forte dependência entre o am-
Pelotas, Brasil. 1993 birth cohort. During the year 1998, envi- biente da criança, sua saúde e seu desenvolvi-
3 Facultad de Psicología,
ronmental quality and other information were mento 1. A literatura atual tem demonstrado
Universidad de Belgrano.
Buenos Aires, Argentina. assessed using the Home Observation for the que os cuidados prestados às crianças são con-
4 Faculdade de Medicina,
Measurement of the Environment. Data were seqüências de muitos fatores, incluindo cultu-
Universidade Federal de
Pelotas. Pelotas, Brasil.
submitted to univariate analysis. The associa- ra, nível socioeconômico, estrutura familiar e
tion between the variables and the outcome was características próprias da criança 2.
Correspondência evaluated through prevalence ratios, 95% confi- Esse novo período é marcado pelo interesse
Maria de Fátima
Duarte Martins
dence intervals, and chi-square. Logistic regres- em estudos sobre a relação mãe-filho e sobre a
Rua Marechal de Deodoro, sion was performed according to a hierarchical influência do ambiente no desenvolvimento
588/1103, Pelotas, RS model. Some 97 children (15%) were living in das crianças. Autores como Belsky et al. 3 pas-
96020-220, Brasil.
neiam@hotmail.com negative environments. Eight risk factors were saram a considerar a organização do ambiente
associated with environmental quality: low físico e o entorno da criança como indicadores
monthly family income, low maternal school- para o ótimo desenvolvimento de sua saúde. A
ing, male gender, households with more than 7 psicologia passa a dar menos ênfase aos diag-
members, 4 or more siblings, tobacco use during nósticos das psicopatologias e a se preocupar
gestation, children sleeping in their parents’ bed mais com os aspectos preventivos, com os pro-
at age 4 years, and mothers with psychiatric dis- gramas de promoção de saúde e com a quali-
orders. dade de vida das pessoas. As investigações so-
bre o desenvolvimento infantil, assim como os
Environmental Quality; Risk Factors; Child De- estudos clínicos, passam a incluir a avaliação
velopment; Educational Status do ambiente 4.
A maneira pela qual os pais organizam o
ambiente físico e interagem com os filhos tem
influência sobre seu desenvolvimento. Desde
que apoiada sobre bases biológicas e psicológi- cidade 5.304 crianças. Essas crianças integraram
cas suficientes e favoráveis para um desenvol- um estudo de coorte e as diversas fases de seu
vimento normal, essa criança poderá contar desenvolvimento vêm sendo acompanhadas.
com um potencial de resiliência diante das ad- O estudo longitudinal teve uma coordena-
versidades físicas ou psicológicas. Se a criação ção central, tendo os outros projetos coordena-
não tiver ocorrido em um ambiente favorável, ção própria. Os sujeitos do estudo foram 634 cri-
é provável que a criança apresente bases para a anças e respectivas mães, contatadas no ano de
vulnerabilidade de seu desenvolvimento 5. 1997 para participar desse acompanhamento 10.
Existe na literatura uma constante associa- Nesse ano, um novo projeto foi realizado
ção entre a qualidade do ambiente e o desen- com o objetivo de avaliar a qualidade do entor-
volvimento psicológico das crianças, e a impor- no das crianças. Foram encontradas 1.273 cri-
tância de fatores de risco biológicos e sociais anças que fazem parte da coorte de 1993 e, por
para o desenvolvimento infantil. Baixo peso ao meio de uma seleção sistemática – uma crian-
nascer, desnutrição, baixa renda familiar, baixa ça sim, outra não, segundo uma ordem crono-
escolaridade dos pais, pais adolescentes, mães lógica –, metade dessa submostra (n = 634) foi
solteiras, ausência do pai, depressão materna, recrutada para participar do novo estudo. As
problemas psiquiátricos dos pais, famílias mui- crianças apresentavam idade média de 4 anos
to numerosas são alguns fatores de risco que se e 5 meses (dp = 3,60).
relacionam com a qualidade do ambiente e o Para essa investigação, foram usados três
desenvolvimento psicológico infantil 5,6,7. questionários: (1) o questionário perinatal (1993)
Apesar da importância do tema, foram en- foi aplicado à mãe no hospital, com o objetivo
contrados poucos estudos dedicados à avalia- de examinar sua história reprodutiva, fatores
ção da qualidade do ambiente familiar com cri- demográficos e sócio-econômicos; (2) o ques-
anças brasileiras 8. O presente estudo procurou tionário dos 4 anos (1998), primeira visita, foi
identificar fatores de risco que possam estar aplicado com o objetivo de convidar a criança
associados à qualidade do ambiente e a algu- para participar do novo estudo e, após consen-
mas características das crianças expostas, e des- timento familiar, coletar informações sobre co-
sa forma contribuir como um aporte ao estudo leito e a cor da criança; (3) o questionário dos 4
do desenvolvimento infantil no que diz respei- anos (1998), segunda visita, foi respondido pe-
to a grupos vulneráveis, priorizando as ações la mãe e buscou dados sobre a configuração fa-
protetoras de saúde. miliar. Durante a segunda visita foram aplica-
Identificadas as variáveis associadas a am- dos o Home Observation for the Measurement
bientes negativos, é possível programar ações of the Environment (HOME) e o Self-Reported
orientadas para os principais problemas de Questionnaire of Minor Psychiatric Disorders
saúde de uma população específica, visando (SRQ-20). Em todas as fases foram aplicados
transferir os resultados para programas de saú- questionários padronizados, pré-codificados e
de coletiva, privilegiando a proteção e promo- previamente testados.
ção da saúde, a fim de evitar o crescimento exa- Para avaliar a qualidade e a quantidade dos
gerado das instituições e dos serviços, com uma estímulos oferecidos pelo ambiente tomado co-
demanda crescente e descontrolada que en- mo variável dependente, utilizou-se o HOME
grossa a taxa de morbidade da sociedade brasi- 11,12. O HOME é um instrumento concebido pa-
destas, 14 (2,30%) não completaram nem um Na análise de regressão logística, foram se-
ano. Em relação ao comportamento materno lecionadas todas as variáveis que estiveram as-
durante a gravidez, 31% referiram não usar ta- sociadas à ocorrência de ambientes negativos
baco e 4,90% ingeriram bebida alcoólica. Qua- com p < 0,20. Para esta análise foi utilizado um
se 90% das mulheres viviam com o marido ou modelo hierárquico (Figura 1). Para cada nível
companheiro. foram introduzidas todas as variáveis selecio-
Os pais tinham em média 34 anos de idade nadas e, independentemente da modificação
(dp = 7,60) e aproximadamente 7% tinham 20 de seus valores, sempre foram mantidas no
anos ou menos. Cerca de 4% dos pais eram anal- modelo as variáveis que entraram em um nível
fabetos, e a escolaridade média foi de sete anos hierárquico superior. Após as análises, perma-
(dp = 3,70). Aproximadamente 10% das crianças neceram associados a renda familiar mensal:
possuíam quatro ou mais irmãos. Cerca de 28% escolaridade materna, sexo das crianças, nú-
dormiam na cama dos pais aos 4 anos de idade. mero de irmãos, famílias com mais de sete pes-
Os transtornos psiquiátricos menores corres- soas, uso de tabaco na gestação, coleito aos 4
pondentes a estresse psicológico foram encon- anos e presença de distúrbios psiquiátricos me-
trados em um quarto das mulheres do estudo. nores ( Tabela 2). Essas oito variáveis foram
Em relação às variáveis sócio-econômicas e consideradas fatores de risco associados à qua-
familiares, verificou-se que a qualidade do am- lidade do ambiente.
biente estava associada com a renda mensal. À
medida que diminuíam os níveis de renda, au-
mentava o percentual de ambientes negativos Discussão
(teste de tendência linear < 0,01). Observou-se
que as residências com sete ou mais pessoas Muitas características da criança e da família,
também apresentavam maior probabilidade de bem como o contexto social, podem expor a
serem classificadas como negativas (Tabela 1). criança a sérios problemas no futuro. Os estu-
Quanto às variáveis maternas, os dados re- dos mais recentes sobre o desenvolvimento in-
velaram uma associação significativa para es- fantil enfatizam a importância de se examinar
colaridade materna e qualidade do ambiente. o contexto em que este ocorre e em especial o
Constatou-se que, quanto menor a categoria de efeito da presença simultânea de múltiplos fa-
escolaridade, maior a probabilidade de ambien-
tes negativos (teste de tendência linear < 0,01).
Da mesma forma, as mães que apresentavam
distúrbios psiquiátricos menores contribuíam Figura 1
para a prevalência de ambientes negativos. Foi
encontrada uma associação quanto ao uso de Modelo análise hierarquizado.
tabaco na gestação e ambientes negativos. Em
relação à distribuição por idade, consumo de
álcool e presença de marido ou companheiro Renda familiar, idade da mãe, escolaridade materna,
Nível 1
não foram encontradas diferenças significati- cor e sexo da criança
vas (Tabela 1).
Entre as variáveis paternas, foram encon-
tradas diferenças estatisticamente significati-
vas para escolaridade. A prevalência de am- Número de pessoas no domicílio, situação marital, uso de tabaco na
Nível 2
bientes negativos aumentava à medida que di- gestação, consumo de álcool na gestação, número de irmãos, coleito
minuíam as categorias de escolaridade (teste
de tendência linear < 0,01). Não foi encontrada
associação entre a idade paterna e a qualidade
do ambiente (Tabela 1).
Nível 3 Transtornos psiquiátricos menores na mãe
Nas variáveis relacionadas com as caracte-
rísticas das crianças, foram encontradas dife-
renças estatisticamente significativas quanto
ao sexo: 11,60% das meninas contra 19,20%
dos meninos viviam em ambientes negativos
Ambientes positivos
(p < 0,01). Os ambientes negativos estavam as-
sociados a quatro ou mais irmãos e à prática de
dormir com os pais. Não foram encontradas di-
ferenças estatisticamente significativas em re-
lação à cor da pele (Tabela 1).
Tabela 1
Número de pessoas
Menos de 7 587 508 86,50 1,00 –
7 ou + 43 25 58,10 3,11 2,07-4,68
Consumo de álcool
Não 599 507 84,60 1,00 –
Sim 31 26 83,90 1,05 0,46-2,40
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Cor da pele
Branca 478 417 87,20 1,00 –
Não branca 148 112 75,70 1,91 1,32-2,75
Número de irmãos
<4 571 503 88,10 1,00 –
≥4 60 31 51,70 4,06 2,88-5,72
tores de risco, tanto biológicos como ambien- tam a mesma amplitude de práticas de criação
tais. Estudos constataram que a variável de de filhos e atitudes encontradas nos grupos so-
maior impacto sobre o desenvolvimento infan- cioeconômicos médios. Acima de uma boa ren-
til é a estimulação do ambiente 5,8. Portanto, da familiar, uma relação positiva entre pais e fi-
avaliar a estimulação disponível para a criança lhos, construída sobre uma base de amor, pode
dentro de uma determinada família, pode for- aumentar a competência social da criança e
necer elementos importantes para as políticas sua disposição para explorar e se arriscar.
de saúde e educação a serem programadas pe- As mães com maior escolaridade alcança-
los organismos públicos. ram menores percentuais de ambientes nega-
Este estudo constatou que as famílias de tivos. Pode-se supor que as mães com escolari-
baixo ingresso estão mais expostas a ambien- dade tiveram mais acesso a informações sobre
tes negativos. A renda familiar é determinante desenvolvimento infantil e que desta forma in-
para a qualidade de vida das famílias quanto teragem melhor com seus filhos, respondem
ao acesso a saúde, educação, alimentação e ha- adequadamente às suas solicitações e podem
bitação, entre outros. As dificuldades constan- prover melhores condições físicas e emocio-
tes associadas à pobreza prejudicam o bem-es- nais para o desenvolvimento de seu filho. Em-
tar psicológico dos pais e o ambiente interpes- bora os resultados do estudo tenham encontra-
soal na casa, e é possível afirmar que a boa do uma forte associação entre a escolaridade
qualidade da criação dos filhos requer gastos materna e a qualidade do ambiente, mais do
consideráveis em investimentos por parte da que o grau de instrução materno, o comporta-
família que favoreçam o seu desenvolvimento. mento afetivo, a estabilidade no relacionamen-
Embora o resultado encontrado seja consisten- to e um bom nível de cuidados com a criança
te com outros estudos, de acordo com Bee 16, são fatores de proteção e enriquecimento para
mesmo reconhecendo que há variáveis com- o desenvolvimento infantil.
portamentais relacionadas com o status so- Não se encontrou associação entre a idade
cioeconômico, não se pode legitimamente in- da mãe no momento do nascimento e a quali-
ferir o potencial estimulador do ambiente fa- dade do ambiente. Constatou-se, porém, que
miliar a partir apenas do conhecimento da as mães com idade entre 30 e 35 anos (não ado-
classe social. Ainda de acordo com o autor, os lescentes) apresentaram menor número de
grupos socioeconômicos inferiores apresen- ambientes negativos. Para Dubow & Luster 17,
peita de transtornos psiquiátricos, de acordo a dade do ambiente negativa. De acordo com Lo-
avaliação do SRQ-20, apresentaram ambientes zoff & Davis 26, essas crianças tornam-se mais
positivos. A hipótese de que a saúde mental da vulneráveis a problemas emocionais e compor-
mãe influencia o desenvolvimento infantil tem tamentais, e apresentam maus resultados nas
orientado um número significativos de estudos atividades que exigem concentração e atenção.
6,23,24 . As doenças mentais maternas que de- Os resultados acima permitiram identificar
monstraram afetar a conduta das crianças são padrões de comportamento por meio do co-
a esquizofrenia e a depressão. Mães depressi- nhecimento do contexto social e econômico de
vas têm dificuldade de interagir com seu bebê, uma determinada população, através dos quais
são mais negativas e apresentam maior dificul- é possível delinear estratégias para enfrentar
dade de interação social, colocando a criança esses problemas.
em risco de desenvolver problemas afetivos. É importante ressaltar que os programas
O presente estudo analisou algumas carac- vinculados a saúde infantil devem estar volta-
terísticas das crianças que convivem em am- dos para o ambiente da criança, pois é nele que
bientes negativos. Como em outros estudos, en- ela se estrutura como um ser individual e so-
controu-se uma prevalência de meninos nes- cial, capaz de interagir com outros níveis de
ses ambientes. O estudo de Bastos & Almeida amplitude e de construir espaços entre os seto-
Filho 8, realizado no Brasil, revelou que o sexo res sociais envolvidos no processo de constru-
masculino estaria mais exposto a riscos. As me- ção de uma vida saudável. Segundo Winnicott
ninas apresentavam maior vulnerabilidade di- 27, “tudo começa em casa”. A família é o primei-
Resumo
Descrever e identificar fatores que possam estar asso- guindo modelo hierarquizado. Constatou-se que 97
ciados à qualidade do ambiente e características das crianças (15%) viviam em ambiente negativo. Encon-
crianças expostas, em Pelotas, Rio Grande do Sul, Bra- traram-se oito fatores de risco associados à qualidade
sil. Trata-se de um estudo prospectivo de caráter po- do ambiente: baixa renda familiar mensal, baixa es-
pulacional, incluindo 630 crianças da coorte de nasci- colaridade materna, sexo masculino, casas com mais
mentos de 1993. No ano de 1998 avaliou-se, entre ou- de sete residentes, número de irmãos maior ou igual a
tras informações, a qualidade do ambiente, medida quatro, uso de tabaco na gestação, crianças que dor-
através do Home Observation for the Measurement mem na cama dos pais aos 4 anos e mães com presen-
of the Environment. Os dados foram analisados por ça de transtornos psiquiátricos.
meio de análise univariada. A associação entre as va-
riáveis e o desfecho foi avaliada por meio das razões Qualidade do Ambiente; Fatores de Risco; Desenvolvi-
de prevalência, dos intervalos de confiança em 95% e mento Infantil; Escolaridade
do qui-quadrado. Realizou-se a regressão logística se-
Colaboradores Agradecimentos
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