MAIS RAZÕES DA ANTECIPAÇÃO DA APOSENTAÇÃO DO MÉDICO NUMA
ENTREVISTA NÃO PUBLICADA PELO JORNAL QUE A PEDIU
Em 16 de dezembro de 2010 foi produzida esta entrevista a pedido de um
Jornal de Castelo Branco – a Gazeta do Interior - mas não foi publicada. Porque tem informação que do ponto de vista do entrevistado ajuda a esclarecer as razões da antecipação da reforma do mesmo, faz-se a sua divulgação.
GI- Como foram os 18 anos à frente da unidade?
ALM - Dezoito anos é bastante tempo para a continuidade de um trabalho
que pela sua natureza é algo sobrecarregado e que foi pioneiro em Portugal. O caminho não foi sempre sereno, já que houve alguns obstáculos que, no seu tempo, puseram em risco a sobrevivência do projecto. O primeiro foi em 1999, quando a administração do Hospital pretendeu inserir a então ainda denominada Unidade de Tratamento da Dor Crónica D. Eva Nunes Corrëa no Serviço de Medicina Interna, o qual não estava preparado para assumir um trabalho deste tipo e levaria, portanto, ao seu encerramento prematuro. A imprensa da época registou as dificuldades. Felizmente, foi possível ultrapassar a pressão administrativa. Também na instalação do Centro Hospitalar Cova da Beira não foi totalmente pacífica a manutenção da identidade do serviço que de algum modo ficou de fora da organização hospitalar fundamental. Só em 2003, com a presidência do Prof. Miguel Castelo Branco, foi dado o mais significativo passo em frente, com a criação do Serviço de Medicina Paliativa, equiparado a qualquer outro Serviço do Centro Hospitalar. Mas note-se que, logo no início da administração seguinte, já EPE, na nova proposta do Organigrama hospitalar, o Serviço de Medicina Paliativa regressava a Unidade, perdendo assim autonomia. Estávamos pois perante uma “desvalorização” com a qual eu não concordei. Mas, tirando estes factos, o trabalho no seu conjunto foi muito gratificante. Sentir o poder da medicina utilizado concretamente para aliviar o sofrimento das pessoas confrontadas com as doenças incuráveis e o fim das suas vidas é um serviço de um alcance extraordinário e muito reconfortante para todos.
- Quais as razões desta saída?
- Vários acontecimentos, ao longo de mais de dois anos, que não tiveram
um significado claro, fizeram-me sentir que o meu lugar nos cuidados paliativos estava a prazo. Eu sou chefe de serviço hospitalar e também era o director do Serviço, desde Junho de 2003, quando foi criado a partir da Unidade da Dor. Mas, pelo menos nestes dois últimos anos, eu não fui tratado plenamente como tal. Por exemplo, as obras de renovação do Hospital do Fundão, para onde foram transferidos os cuidados paliativos, estranhamente, decorreram totalmente em segredo para o director de serviço, a quem nunca foi perguntado nada e nem sequer autorizado a visitá-las. Mas houve outros factos, como a não autorização de participar como conferencista especializado em Congressos da área dos Cuidados Paliativos, a exclusão da equipa da urgência interna em que colaborei durante mais de 10 anos, etc. Dei notícia pormenorizada destes factos ao governo, em 8 de Março de 2010, pensando poder evitar a minha saída, mas não tive qualquer resposta. (Esta carta foi entretanto publicada na íntegra no Jornal do Fundão). Ora, sendo eu um anestesista que “furou” o destino normal da especialidade, abrindo para esta área importantíssima da medicina, no Centro Hospitalar Cova da Beira, eu vi-me confrontado com um cenário que podia acontecer. Voltar a uma certa origem, mas que não era já a minha, ou seja ao bloco operatório, não o do Hospital do Fundão, onde fiz a minha carreira (cheguei ao topo da carreira médica hospitalar – chefe de serviço de Anestesiologia - em 1997), mas noutro Hospital. E isto aconteceria, provavelmente, com a conversão do Serviço de Medicina Paliativa numa unidade da Rede de Cuidados Continuados, no novo edifício, tal como está no protocolo celebrado com o Ministério da Saúde. Foi esta a minha interpretação e não fui esclarecido pela tutela de que não seria assim. A minha aposentação prematura teve como causa estes factos e o pesado silêncio que me rodeou. - Qual o ponto da situação do serviço em termos de camas, doentes que serve e abrangência geográfica?
- Não posso falar da actualidade, porque já não estou presente e mais
ainda porque se verificaram alterações com que não concordo. Desde logo, no espaço físico e na filosofia dos cuidados paliativos que não foi respeitada, levando à mistura de tipologias de doentes muito diversos, como são os próprios e os convalescentes, por exemplo. São doentes distintos, e a equipa deve ser exclusiva para cuidados paliativos. As duas valências estão se assim podemos dizer misturadas, com uma única sala de trabalho comum para todos os profissionais, e alguns profissionais da equipa a desenvolverem trabalho nas duas áreas. Outro problema tem a ver como são admitidos os doentes. Nós exigíamos sempre o contacto inicial do médico do doente, e na Rede de Cuidados Continuados promove-se a referenciação burocrática, através de uma plataforma electrónica, sem esse contacto médico, decisivo do nosso ponto de vista, para garantir a continuidade e a qualidade dos cuidados.
- Quais devem ser as próximas ambições do serviço?
- Este Serviço, do meu ponto de vista, deveria continuar com autonomia
igual a qualquer outro serviço hospitalar (a sua longa história deveria continuar a merecer esta categoria) e tornar-se um local de excelência na área dos cuidados paliativos para a formação dos futuros médicos da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI. Nos últimos dois anos, antes da minha saída, os alunos foram em pequenos grupos ao Serviço, no cumprimento de exigências curriculares. Esta era para mim a maior ambição, depois de tratarmos os doentes com qualidade.
- Sente-se satisfeito na hora da despedida?
- Sinto-me triste, porque não foi possível ultrapassar as dificuldades de
que falei e acabei por assistir a um esse pesado silêncio até à minha saída, apesar do apelo que fiz à tutela. Castelo Branco, 16 de dezembro de 2010