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IDENTIDADE CULTURAL
Resumo:
1. INTRODUÇÃO
Até meados do século XX, a história tradicionalmente explicava os fatos históricos
sob olhares meramente economicistas e/ou políticos, gerando assim, determinismos como
únicas vertentes possíveis de explicação. Com a Escola dos Annales3, os fatos históricos
passaram por “mutações”, surgindo novas abordagens e problematizações, tanto na dimensão
do documento, quanto no aporte epistemológico.
Dessa forma,
A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e
grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a
religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo
dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no
espaço (SERRA, 2008, p.32).
Nesse sentido, este artigo científico irá problematizar uma investigação histórico-
cultural pautada na emergência da Associação de Nordestinos de Blumenau 5 (ANB), como
uma organização que através da associação e trabalhos desenvolvidos na cidade, reúne os
nordestinos que promoveram deslocamentos migratórios na busca de uma região
industrializada, tentando encontrar novas e amplas perspectivas de participações econômicas
em suas vidas e, nesse novo espaço geográfico, buscam principalmente a manutenção do
reconhecimento identitário, como uma forma de não perderem suas raízes históricas e
culturais diante de uma nova identidade espacial-cultural tipicamente germânico-colonizadora
da região.
4
Para os sociólogos, cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um
sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família. Juntamente com estrutura social, população e
ecologia constituem um dos principais elementos de todos os sistemas sociais e é conceito fundamental na
definição da perspectiva sociológica. [...] a cultura não-material inclui símbolos de palavras à notação musical –
bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas e os sistemas
sociais das quais participam. As mais importantes dessas idéias são as atitudes, crenças, valores e normas
(JOHNSON, 1997, p. 63).
5
A Associação de Nordestinos de Blumenau foi fundada em dezembro de 2006, na Sociedade Ipiranga em
Blumenau. Hoje, a associação reúne em torno de 1500 associados e, através da Lei Municipal n° 7.192, autoria
da então vereadora Maria Emília de Souza, a ANB foi declarada como uma organização de utilidade pública.
3
Para Freyre6, o Nordeste é um espaço geográfico de onde nasceu o Brasil, lugar esse
que se constitui culturalmente e civilizatoriamente a partir da casa grande e da senzala,
separando-o dessa forma do Norte, como era conhecido até meados de 1910. Concordando
com as idéias de Freire, Albuquerque7 em sua obra, mostra como até meados de 1910, o
Nordeste ainda não existia. Não se pensava em “Nordeste”, nem muito menos eram
percebidos os “nordestinos”.
O Nordeste é nacionalmente conhecido como uma região que, ao longo dos séculos,
promove um processo migratório para as regiões mais industrializadas do país, na busca de
novas perspectivas de vida na dinâmica socioeconômica. Esses deslocamentos migratórios
acontecem em virtude da falta de emprego na região, da industrialização centrada na zona
litorânea, dos fatores climáticos, entre outros. Segundo o último censo demográfico do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a região Nordeste continua sendo a campeã
em fluxo migratório8: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 - um aumento de 7,6% em
relação ao período de 1986/1991. O principal destino dos migrantes é a região Sudeste, que
recebe 70,9% dos migrantes nordestinos.
6
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia
patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933.
7
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2 ed. Recife/São Paulo:
Massangana/Cortez, 1997.
8
IBGE. Disponível em: <www.ibge.org.br>. Acesso em: 05 fev 2010.
4
econômica ou até mesmo, uma estratégia inevitável de sobrevivência básica, garantindo uma
posição na estrutura social. Mesmo assim, a região Sudeste ainda é a maior região em receber
os migrantes nordestinos.
9
IBGE. Disponível em: < www.ibge.gov.br>. Acesso em: 05 fev. 2010.
10
Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 01, Família A a G.
5
Uma vez instalados nesse novo espaço geográfico, os migrantes criaram mecanismos
para não perderem as suas características culturais nordestinas. O mais contundente destes, a
fundação da ANB (Associação de Nordestinos de Blumenau, que integra pessoas oriundas
dos nove estados da região Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do
Norte, Maranhão, Sergipe, Piauí e Bahia), em dezembro de 2006, tendo como objetivos
principais, não interromper o processo cultural desses, mesmo estando distante de suas
regiões de origem, divulgar a cultura nordestina na cidade e, também, nesse espaço, promover
e legitimar encontros de reconhecimentos identitários. Desta forma, a ANB promove a
manutenção do regionalismo nordestino presente em suas vidas. Por outro lado, percebe-se
que essa manutenção vem aproximando os blumenauenses da cultura nordestina, levando-se a
crer que está em formação um processo de assimilação de culturas de diferentes origens13.
11
Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 02, Família H a N.
12
Idem, Ibidem.
13
Exemplificando um desses momentos, temos o dia 02 de setembro de 2008, dia esse que Blumenau
comemorou o aniversário de 158 anos de fundação. Tradicionalmente existe o desfile festivo na rua XV de
novembro, com alas estilizadas, trajes típicos, clubes de caça e tiro, escolas públicas e elementos do folclore
blumenauense. De repente o público foi surpreendido com a vinda de uma nova “ala” no desfile: a da
Associação dos Nordestinos de Blumenau, trazendo em sua “comissão de frente”, um casal trajado de “Lampião
e Maria Bonita”, ícones tradicionais da cultura nordestina. Depois, apareceu mamulengos, tocadores de viola,
dança do frevo, bandeiras dos estados nordestinos. Foi a primeira vez que uma cultura “estranha” fez parte de
6
Para Hall (1997, p. 12), “a identidade [...] costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza
tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e predizíveis”. Dessa maneira, pode-se entender,
hipoteticamente, que as representações culturais desenvolvidas pela ANB representam assim,
uma resistência a globalização cultural, já que houve um deslocamento espacial da “cultura
original” e a mesma se afirma numa cidade que expressa fortemente os valores culturais
trazidos pelos primeiros imigrantes alemães. Desta forma,
um desfile alegórico tipicamente blumenauense. Nesta ocasião, poderíamos citar um dos poemas de Gilberto
Freire que se adequaria muito bem na situação citada: “Eu ouço as vozes, eu vejo as cores, eu sinto os passos de
um outro Brasil que vem aí. (FREIRE apud ALBUQUERQUE JR, 2001, p. 13).
14
JAMESON, Frederico. Globalização e estratégia política. 2001.
7
Assim, diante dessa nova realidade cultural, a Associação dos Nordestinos passou a
divulgar a nordestinidade dos migrantes, nesse espaço geográfico, idealizando para terem
reconhecida a sua própria existência na cidade de Blumenau. Para tanto, como já comentado
anteriormente, foi necessário criar mecanismos para divulgar a cultura nordestino nesse novo
meio urbano. Desse ponto de vista,
“Os meios urbanos podem ser fatores de encadeamento ou reforço dos processos
identitários. A cidade multiplica os encontros de indivíduos que trazem consigo seus
pertencimentos étnicos, suas origens regionais ou suas redes de relações familiares
ou extra-familiares. Na cidade, mais que em outra parte, desenvolvem-se, na prática,
os relacionamentos entre identidades, e na teoria, a dimensão relacional da
identidade” (AGIER, 2001, p. 18).
• São João Fest (2007 a 2009) – Festa junina tipicamente nordestina, apresentada
no espaço cultural “Vila Germânica”;
• Feijoada Nordestina (2008) – Feijoada regada de muito forró na Associação da
Prefeitura de Blumenau;
• Desfile alegórico (2008/2009) – A Associação dos Nordestinos de Blumenau
contou com uma ala carregada de ícones e tradição nordestina no desfile de
aniversário de Blumenau no dia 02 de novembro;
• Carnaval (2008/2009) – Comemoração regada a muito axé, frevo, etc.
• Exposição de Literatura de Cordel16 (2009):
• Rua XV de Novembro (julho);
• Feijoada Vermelha (agosto);
• Conferência Municipal de Cultura (setembro);
• 1º Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento (outubro);
15
Com a declaração da ANB como uma organização de utilidade pública, ela possui um Estatuto próprio,
registrada em cartório em 29 de janeiro de 2007, que rege a Associação.
16
Poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças -, tal como é cultivada no Brasil até hoje
(vésperas do Terceiro Milênio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas
volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um
cordel ou barbante, para facilitar sua exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão
rudimentar, se registravam fatos históricos, poesia, cenas de teatro, anedotas ou novelas tradicionais, textos que
eram memorizados e cantados pelos cegos que os vendiam. Difundidos por toda a Europa, essa forma popular
de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores
espanhóis e portugueses, na medida em que se instalavam nas terras por eles conquistadas. [...] Foi no Nordeste
do Brasil que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de
comunicação, tornando-se uma das características diferenciadora dos costumes dessa imensa região em relação
às demais regiões brasileiras. Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que,
no Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da
maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação
social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento da manifestações messiânicas,
o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômico
e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de
grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. Não
foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento
difundidor dos fatos ocorridos, servindo como que de jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava:
façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, estragos da seca, efeitos das cheias, tanta coisa mais.
E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: <www.fcsh.unl.pt/edtl>. Acesso em: 18 mar. 2010.
8
• A ANB ainda conta com o “time de futebol dos nordestinos” e com o grupo
musical “forrobodó”, proporcionando entretenimento a todos os membros da
associação.
Como projetos para o ano de 2010 a Associação dos Nordestinos de Blumenau visa
ampliar ainda mais a divulgação das raízes nordestinas em Blumenau. Além da pretensão em
desenvolver curso básico de informática, alfabetização de adultos e oficinas de teatro,
capoeira e artesanato, a ANB estará veiculando numa rádio local o programa “Raízes
Nordestinas”, trazendo aos ouvintes informações a respeito dos costumes, culinária, músicas e
variedades do povo nordestino. “Os Cabras de Lampião”, outro projeto que está sendo
desenvolvido, conta com a capacitação de vinte jovens em danças regionais nordestinas
(xaxado, frevo, maracatu e boi-bumbá), sendo que algumas apresentações já foram realizadas
e, o intuito maior deste, é divulgar essa cultura nas escolas públicas e particulares de
Blumenau.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além de trazer uma pesquisa inédita, esta investigação também possibilitou fazer um
histórico da origem dos nordestinos na cidade, bem como a compreensão da dinâmica
migratória realizada por eles. A mesma revelou a necessidade desses migrantes de se
manterem unidos pelo laço cultural e, principalmente, reafirmar suas identidades construídas
culturalmente através das atividades desenvolvidas pela Associação dos Nordestinos de
Blumenau.
Dessa forma, a reafirmação identitária é visualizada ou externada simbolicamente
nessa Associação, porém, além de se reconhecerem nesse espaço simbólico, houve a
necessidade de gerar mecanismos para garantir a manutenção cultural dos mesmos e
promover a cultura nordestina na cidade de Blumenau, através dos seus mais variados
projetos que estão sendo desenvolvidos. Assim, foi possível fazer um mapeamento das
atividades desenvolvidas por esses nordestinos desde a fundação da Associação em 2006, até
os dias atuais, possibilitando a inserção destes personagens na historiografia local, tornando-
se, desta maneira, mais uma fonte para a produção do conhecimento histórico.
A pesquisa desenvolvida é resultado evidenciado de um ano de estudo sobre a
Associação dos Nordestinos de Blumenau, dando uma guinada subjetiva na história regional e
trazendo como resultado principal a necessidade de um determinado grupo de migrantes
manterem vivo esse conjunto de relações sociais e culturais em suas vidas, quer seja
simbolicamente compartilhado, estabelecendo a comunhão de valores culturais diferentes,
quer seja em forma de reconhecimento e auto-afirmação identitária entre os seus membros.
Por fim, com os pressupostos da Escola dos Annales, esta pesquisa trouxe relevância
para o saber acadêmico regional, já que foi problematizada uma investigação histórico-
cultural pautada nos nordestinos que migraram para a cidade de Blumenau, na busca de novas
perspectivas de vida, dentro da dinâmica econômica. Estes migrantes tornaram-se “micro-
organismos culturais” em uma cidade de valores tipicamente germânicos e sabiamente
resistiram, e continuam resistindo, a “globalização cultural” nesse novo espaço geográfico em
que estão inseridos.
9
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2 ed.
Recife/São Paulo: Massangana/Cortez, 1997.
CASTRO Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.).
Domínios da História: ensaios sobre teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de
economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933.
JANUZZI, Paulo de Matino. Cinqüenta anos de mobilidade social e migração no Brasil. In:
________ Migração e Mobilidade Social: migrantes no mercado de trabalho paulista.
Campinas: Autores Associados, 2000.