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AS CONTRIBUIÇÕES DE FOUCAULT PARA UMA RECONSIDERAÇÃO DO

DEBATE SOBRE O CONTEXTO E ESCRITOS DE ADAM SMITH

GUIZZO, D.C.¹

¹ Graduanda em Ciências Econômicas; bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Economia


(MEC/Sesu) e voluntária do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Paraná.

RESUMO – Em suas aulas referentes ao nascimento da biopolítica, Foucault destaca o papel


da economia política e do liberalismo como um conjunto de técnicas e práticas
governamentais que possibilitaram assegurar a autolimitação da nova razão governamental
nos séculos XVII e XVIII, auxiliando na emergência do biopoder. A genealogia foucaultiana
ainda menciona a relevância das ideias apresentadas por Adam Smith na limitação do poder
do Estado a partir da introdução de tópicos fundamentais no desenvolvimento do pensamento
econômico. O objetivo geral deste trabalho é explorar o potencial das reflexões de Foucault
para o estudo dos trabalhos de Smith no que diz respeito à introdução das ideias smithianas no
processo de autolimitação da razão governamental mencionado por Foucault, com destaque
para a metáfora da mão invisível, a figura do homo economicus e as funções que devem ser
atribuídas ao Estado. Há indícios de um alto poder de contribuição da argumentação
foucaultiana no que se refere aos escritos de Adam Smith, principalmente sobre a
potencialidade das ideias smithianas como propulsoras do processo de surgimento de uma
nova razão de Estado no século XVIII. A partir da defesa do interesse individual
proporcionada por meio da mão invisível, há promoção do bem coletivo sem a participação
efetiva da figura estatal, limitando-a a certas práticas como a administração da justiça e
equidade. Dessa forma, tem-se a criação de sujeitos do laissez-faire que, ao obedecerem ao
seu próprio interesse, geram a desqualificação do soberano político e limitam seu poder na
medida em que ele se torna um obstáculo à busca pelo interesse individual.

Palavras-chave: Adam Smith; liberalismo; Michel Foucault; genealogia da biopolítica;


governamentalidade.
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1. INTRODUÇÃO

Os escritos de Adam Smith (1723-1790) sobre as funções e deveres do Estado para


com a sociedade, bem como as relações existentes entre os sentimentos morais intrínsecos ao
homem e o interesse individual desempenham um papel central na ascensão e consolidação de
uma nova racionalidade governamental no século XVIII. Os estudos de Michel Foucault
(1926-1984) destacam a importância do pensamento smithiano na emergência do biopoder,
assumido como formas de poder exercidas sobre os indivíduos especificamente quando
pensados como seres vivos.
Este artigo analisará a argumentação foucaultiana sobre a governamentalidade e a
genealogia da biopolítica no que diz respeito a Adam Smith e suas contribuições pioneiras ao
pensamento econômico, como: a defesa dos interesses individuais; a mecânica da mão
invisível e as funções exercidas pela figura do Estado. A revisão bibliográfica das ideias
smithianas e do referencial foucaultiano tem por objetivo identificar a importância das
contribuições de Foucault para uma reflexão sobre a relevância dos escritos de Adam Smith
para o pensamento econômico, buscando, portanto, realizar uma contribuição original à teoria
econômica a partir da filosofia política.
Os estudos de Foucault sobre a governamentalidade estão inseridos na fase de
produção teórica do filósofo denominada ‘genealogia do poder’, em que há a busca pela
captura das micro-relações existentes entre o conhecimento, o poder e a verdade na tentativa
de analisar as condições, formas e possibilidades de exercício do poder, que culminarão na
emergência da biopolítica. Inserida neste cenário, a razão governamental associada à arte de
governar exerce um papel crucial na investigação foucaultiana na medida em que determina
como as práticas governamentais serão pensadas e conduzidas, tanto por seus condutores
como por aqueles que serão afetados por elas.
A estrutura deste trabalho está constituída da seguinte forma: introdução do referencial
crítico foucaultiano sobre sua genealogia do poder, focando especificamente seus estudos
sobre a biopolítica e a governamentalidade; apresentação das ideias formuladas por Adam
Smith no que diz respeito ao papel dos sentimentos morais na formulação do interesse
individual, o funcionamento da mecânica da mão invisível e as funções que deveriam ser
exercidas pelo Estado; investigação crítica sobre as contribuições de Foucault para uma
interpretação original dos escritos de Smith; e, finalmente, as considerações finais a serem
feitas sobre os principais fatos encontrados durante o processo de pesquisa.
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2. A GENEALOGIA FOUCAULTIANA

Esta seção tem por objetivo apresentar a fase de estudos foucaultianos denominada
‘genealogia do poder’. Em seguida, uma delimitação da produção teórica do filósofo acerca
da governamentalidade e da biopolítica se fará necessária.

2.1 A GENEALOGIA DO PODER

Assume-se que a fase genealógica de Foucault corresponde àquelas obras dedicadas à


análise das formas de exercício do poder (CASTRO, 2009), em que seu objetivo é explicar o
aparecimento de saberes a partir de condições de possibilidades externas aos próprios saberes.
No entanto, como afirma Machado (2009, p. X), não existe em Foucault uma teoria geral do
poder, pois não há algo unitário e global chamado poder, mas sim formas e práticas díspares,
heterogêneas.
Sendo assim, a argumentação foucaultiana mostra que o poder apresenta
características que vão além das repressivas e punitivas:

Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função
repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social,
impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los
em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando
suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo
de suas capacidades. Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do
efeito de seu trabalho [...] e diminuição de sua capacidade de revolta, [...] isto é,
tornar os homens dóceis politicamente [...]. (MACHADO, 2009, p. XVI)

Nota-se que a origem do poder disciplinar estabelecido por Foucault está na explosão
demográfica do século XVIII, em que o Estado desempenha um papel centralizador e
exclusivo no exercício do poder, tendo como alvo o indivíduo. Sendo assim, a questão do
Estado se torna relevante na análise genealógica na medida em que a gênese do Estado e as
práticas governamentais têm a população, a economia e os dispositivos de segurança como
objetivo, princípio de saber e mecanismos básicos, respectivamente (MACHADO, 2009).
Para Foucault, o elemento da verdade é crucial para o poder na medida em que ele
estabelece os limites de direito do poder:

How does the discourse of truth or, quite simply, philosophy […] establish the limits
of power’s right? […] We are also subject to the truth in the sense that truth lays
down the law: it is the discourse of truth that decides, at least in part, it conveys and
propels effects of power. After all, we are judged, condemned, forced to perform
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tasks, and destined to live and die in certain ways by discourses that are true, and
which bring with them specific power-effects. (FOUCAULT, 2003, p. 24-25)

Nas sociedades ocidentais, a relação estabelecida entre poder, verdade e direito se dá


desde a Idade Média a partir da concentração do poder jurídico na figura do soberano, na
medida em que ele toma em seu poder os direitos fundamentais. Na visão de Foucault, isto
conduz a um problema central do direito, gerando os direitos legítimos da soberania e a
obrigação legal da obediência (FOUCAULT, 2003, p. 26).
Esta mecânica de poder estabelecida na Idade Média sofrerá mudanças substanciais a
partir dos séculos XVII e XVIII com a inserção de uma nova forma de poder:

Now, an important phenomenon occurred in the seventeenth and eighteenth


centuries: the appearance of a new mechanism of power which had very specific
procedures, completely new instruments, and very different equipment. It was, I
believe, absolutely incompatible with relations of sovereignty. […] it was a
mechanism of power that made it possible to extract time and labor, rather than
commodities and wealth, from bodies. […] It was a type of power that presupposed
a closely meshed grid of material coercions rather than the physical existence of a
sovereign, and it therefore defined a new economy of power based upon the
principle that there had to be an increase both in the subjugated forces and in the
force and efficacy of that which subjugated them. (FOUCAULT, 2003, p. 35)

Sendo assim, o novo instrumento que proporcionará a inserção de uma nova forma de
poder com mudanças significativas nas relações de soberania, tornando-as incompatíveis com
a nova realidade, é a emergência da economia política, fundamental para a constituição do
capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correspondente (FOUCAULT, 2003, p.
36).
Nesta dinâmica de estratégia do poder no Ocidente durante os séculos XVII e XVIII,
há ainda a emergência do biopoder, que se constitui pela entrada das características biológicas
fundamentais da espécie humana em uma estratégia política, ou seja, a estatização da vida
biologicamente considerada. (FOUCAULT, 2008b).
Portanto, considera-se que a produção teórica de Foucault correspondente às formas e
ao exercício do poder se baseia nas relações existentes entre o poder, a verdade e o direito,
que têm como personagens centrais o Estado e o soberano. Concomitantemente, a população e
os indivíduos que a compõem emergem como alvos do poder disciplinar exercido pelo
Estado, gerando uma nova dinâmica de poder a partir dos séculos XVII e XVIII. Ainda, neste
período é assumido que a emergência da economia política é responsável por gerar uma nova
forma de poder, redefinindo as relações de soberania estabelecidas na Idade Média.
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2.2 GOVERNAMENTALIDADE E BIOPOLÍTICA

A análise da governamentalidade está inserida de maneira pontual nos estudos


genealógicos de Foucault, e se refere ao objeto de estudo das maneiras de governar. Há, no
entanto, dois domínios de governamentalidade definidos pelo filósofo. De acordo com Castro
(2009, p. 190-191), são eles: 1) o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos,
análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer essa forma de exercício do poder
que tem por objetivo principal a população, a economia política e os dispositivos de
segurança; e 2) a tendência, a linha de forma que, por um lado, no Ocidente, conduziu à
preeminência desse tipo de poder que é o governo sobre todos os outros: a soberania e a
disciplina. O estudo da governamentalidade, portanto, implica na análise das formas de
racionalidade, de procedimentos técnicos e de formas de instrumentalização.
É assumido que o estudo da governamentalidade realizado por Foucault está
intimamente ligado à sua genealogia da biopolítica, se referindo à maneira pela qual, a partir
do século XVIII, buscou-se racionalizar os problemas colocados para a prática governamental
pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes enquanto população. Sendo assim, não
se pode dissociar o nascimento da biopolítica do marco de racionalidade política dentro do
surgimento do liberalismo (CASTRO, 2009).
Dessa forma, um dos campos da análise foucaultiana implica em definir o real papel
da população e da economia política na mudança da arte de governar e na emergência de uma
nova racionalidade governamental nos séculos XVII e XVIII. De acordo com Gordon (1991,
p. 03), Foucault usa o termo ‘racionalidade governamental’ quase que de forma
intercambiável com a ‘arte de governo’, devido ao fato de que o filósofo estava interessado no
governo como uma prática ou atividade, e as artes de governo representariam os modos de
saber em que as atividades consistiam e como elas seriam conduzidas; já a racionalidade
governamental significaria um modo ou sistema de pensamento sobre a natureza das práticas
governamentais.
Portanto, as subseções seguintes buscam realizar uma análise acurada dos estudos de
Foucault sobre as condições de formação da biopolítica, para, posteriormente, enfatizar a
governamentalidade dos séculos XVII e XVIII, em que a população e a economia política
desempenharam um papel essencial.
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2.2.1 A Formação da Biopolítica:

Uma análise das condições de formação da biopolítica exige uma investigação sobre
as relações de poder existentes entre o Estado, o soberano e a população a partir, por exemplo,
das transformações econômicas sofridas principalmente nos séculos XVI, XVII e XVIII
(FOUCAULT, 2008b).
A gênese dos procedimentos de governo dos homens está no poder pastoral, originário
do Oriente e posteriormente introduzido no Ocidente pelo cristianismo a partir do século III.
Este poder pastoral é assumido por Foucault como uma pré-arte de governar, em que o rei é
um pastor em relação aos homens, que são como seu rebanho. Dessa forma, o pastorado se
constitui como o embrião da governamentalidade presente no Estado Moderno (FOUCAULT,
2008b):

Em suma, o pastorado não coincide nem com uma política, nem com uma
pedagogia, nem com uma retórica. [...] É uma arte de governar os homens, e é por aí,
creio, que devemos procurar a origem, o ponto de formação, de cristalização, o
ponto embrionário dessa governamentalidade cuja entrada na política assinala, em
fins do século XVI, séculos XVII-XVIII, o limiar do Estado Moderno. O Estado
Moderno nasce, a meu ver, quando a governamentalidade se torna efetivamente uma
prática política calculada e refletida. A pastoral cristã parece-me ser o pano de fundo
desse processo [...]. (FOUCAULT, 2008b, p. 219)

Ainda, para Foucault, a partir do século XVI há uma crise de conduta do pastorado,
que acarretará no rompimento da relação do soberano com a divindade, modificando seu
exercício e acrescentando novas formas de poder que culminarão na razão de Estado
(FOUCAULT, 2008b):

Pede-se ao soberano que faça mais do que exercer a soberania, pede-se a ele, ao
fazer mais do que exercer sua pura e simples soberania, que faça algo diferente do
que faz Deus em relação à natureza, do que faz o pastor em relação às suas ovelhas,
do que faz o pai de família em relação aos seus filhos. Em suma, pede-se a ele um
suplemento em relação à soberania, é um suplemento em relação à soberania, é algo
diferente do pastorado, e esse algo que não tem modelo, que deve buscar seu
modelo, é a arte de governar [...]. [o soberano] faz da razão de Estado o tipo de
racionalidade que vai possibilitar manter e conversar o Estado a partir do momento
em que ele é fundado, em seu funcionamento cotidiano, em sua gestão de todos os
dias [...]. (FOUCAULT, 2008b, p. 317-318)

Dessa forma, caberá à população o papel de separar os níveis de ação econômico-


política individual e coletiva, modificando as relações de obediência existentes entre o
soberano e seus súditos. De fato, o que proporcionará o início dessa cesura povo/população
será a prática mercantilista estabelecida nos séculos XVI e XVII:
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Para os mercantilistas do século XVII, a população já não aparece simplesmente


como uma característica positiva que figurar nos emblemas de poder do soberano,
mas aparece no interior de uma dinâmica, ou melhor, não no interior, mas no
princípio mesmo de uma dinâmica – da dinâmica do poder do Estado e do soberano.
(FOUCAULT, 2008b, p. 90)

Sendo assim, de acordo com Foucault (2008, p. 90), será apenas no século XVIII, com
a introdução da doutrina fisiocrática, que o valor positivo da noção de população é
reconstituído, em que a noção mercantilista dá lugar às concepções fisiocráticas de população,
assumidas como um conjunto de súditos de direito em que as vontades do soberano são
submetidas apenas pelo intermédio das leis.
Portanto, nota-se que a formação da biopolítica fora condicionada pela mutação
existente entre o poder pastoral e o Estado Moderno, em que há o início da aplicação das
formas de poder diretamente sobre a população como indivíduos. Na subseção seguinte,
mostrar-se-á um retrato da governamentalidade liberal com a consolidação do biopoder a
partir de uma nova arte de governar entre governados e governantes nos séculos XVII e
XVIII.

2.2.2 A Governamentalidade Liberal

Os estudos de Foucault sobre a governamentalidade liberal buscam investigar a


emergência de uma nova razão governamental desde meados do século XVI ao final do
século XVIII, quando há a eclosão do problema do governo: como governar a si mesmo.
Neste sentido, a análise foucaultiana destaca a introdução da economia ao nível da gestão do
Estado, modificando as artes de governar até então consolidadas, como é o caso do pastorado
(FOUCAULT, 2008b).

E a arte do governo, tal como aparece em toda essa literatura, deve responder
essencialmente a esta pergunta: como introduzir a economia – isto é, a maneira de
administrar corretamente os indivíduos, os bens, as riquezas? [...] A introdução da
economia no seio do exercício político, é isso, a meu ver, que será a meta essencial
do governo. Assim o é no século XVI, é verdade, mas será ainda também no século
XVIII. [...] Governar um Estado será portanto aplicar a economia, uma economia no
nível de todo o Estado, isto é, [exercer] em relação aos habitantes, às riquezas, à
conduta de todos e de cada um uma forma de vigilância, de controle [...]. Essa noção
de governo econômico, que é, no fundo, uma tautologia, já que a arte de governar é,
precisamente, a arte de exercer na forma e segundo o modelo da economia.
(FOUCAULT, 2008b, p. 126-127)
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Fundamentalmente, o mercantilismo será o responsável pela sanção desta nova arte de


governar, representando a primeira racionalização do exercício do poder como prática de
governo. Porém Foucault (2008a, p.90-91) afirma que a arte de governo durante o
mercantilismo ainda era limitada devido ao elemento da população, em que os mercantilistas
o consideravam apenas como uma coleção de súditos do soberano, aos quais se podiam impor
leis e regulamentos que lhes diziam o que, onde e como deviam fazer.
O desbloqueio da arte de governar ocorrerá a partir de uma série de fatores, como a
expansão demográfica do século XVII – ligada à abundância monetária e ao aumento da
produção agrícola – e a introdução da fisiocracia, em que a população passa a ser abordada
como um “fenômeno da natureza”, e não mais como um grupo de súditos homogêneos
transparentes à ação do soberano. Este novo caráter destaca a população constituída por
indivíduos diferentes uns dos outros, com suas ações motivadas pelo desejo de os deixarem
agir e pela busca do interesse individual, gerando desta forma uma matriz da filosofia
utilitarista (FOUCAULT, 2008a).
Na argumentação foucaultiana, o instrumento intelectual fundamental que permitirá a
razão governamental de se autolimitar será, de fato, a economia política, que, em sua essência,
é uma reflexão sobre a organização, a distribuição e a limitação dos poderes da sociedade.
Segundo Foucault (2008a, p.24), “Com a economia política entramos, portanto, numa era cujo
princípio poderia ser o seguinte: um governo nunca sabe o bastante, que corre o risco de
sempre governar demais”. Ou seja:

A partir da nova razão governamental – e é esse o ponto de descolamento entre a


antiga e a nova, entre a razão de Estado e a razão do Estado mínimo –, a partir de
então o governo já não precisa intervir, já não age diretamente sobre as coisas e
sobre as pessoas, só pode agir, só está legitimado, fundado em direito e em razão
para intervir na medida em que o interesse, os interesses, os jogos de interesse se
tornam determinado indivíduo ou determinada coisa, determinado bem ou
determinada riqueza, ou determinado processo, de certo interesse para os indivíduos,
ou para o conjunto de indivíduos, ou para os interesses de determinado indivíduo
confrontados ao interesse de todos. (FOUCAULT, 2008a, p. 62).

Desta forma, o princípio que possibilitará a limitação da razão governamental é o


liberalismo, que se caracteriza essencialmente pela instauração de mecanismos que têm por
função não assegurar o crescimento do Estado em força, riqueza e poder, mas sim limitar o
exercício do poder de governar dentro de um jogo entre interesses individuais e coletivos,
utilidade social, benefício econômico e equilíbrio de mercado, ou seja, um jogo complexo
entre direitos fundamentais e independência dos governados (FOUCAULT, 2008a).
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Portanto, a partir da análise sobre a governamentalidade liberal foucaultiana,


considera-se que a emergência da nova razão governamental é impulsionada pela introdução
da economia política ao nível do Estado, e será um fator crucial para a consolidação da
biopolítica, em que o liberalismo, como afirma Foucault (2010, p. 318) “não é evidentemente
uma ideologia nem um ideal. É uma forma de governo e de ‘racionalidade’ governamental
extremamente complexa”.
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3. OS ESCRITOS DE ADAM SMITH

Esta seção visa introduzir as principais ideias formuladas por Adam Smith a respeito
da influência dos sentimentos morais na constituição do comportamento e das decisões
humanas. Nota-se que, de acordo com Deane (1980, p. 24), a influência fisiocrática sofrida
por Smith é percebida no conjunto de sua obra a partir da intenção em construir um sistema
filosófico interessado em estabelecer a natureza das leis subjacentes à ordem socioeconômica.
Ainda, segundo Bianchi (1988, p. 107-114) e Deane (1980, p. 30), o escopo da análise
smithiana é determinado de maneira positiva e normativa quando consideradas suas duas
obras fundamentais: Teoria dos Sentimentos Morais (2002), na qual Smith faz uma
reconstituição positiva dos fundamentos da natureza humana, em que o comportamento e as
atitudes são formulados a partir dos sentimentos morais, enfatizando o papel da razão e do
livre-arbítrio no comando da conduta; e A Riqueza das Nações (2003), em que analisa
empiricamente o lado econômico da sociedade e a propensão natural a negociar e a trocar dos
indivíduos quando inseridos em um sistema econômico.
Dessa forma, a matriz teórica de Smith possui três pontos essenciais a serem
destacados para o entendimento de suas reflexões: a defesa do interesse individual; a
mecânica da mão invisível e as funções e deveres exercidos pela figura estatal.

3.1 A DEFESA DO AUTO-INTERESSE E DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS

O interesse individual é um fator relevante na análise smithiana na medida em que os


filósofos éticos do século XVIII, inclusive o autor, o tomam como essencial na constituição
do homem, em que a busca pelo interesse e a liberdade são intrínsecos à natureza humana,
podendo ser compatíveis com a benevolência ou com condutas pautadas pelo desejo de
favorecer outras pessoas. (BIANCHI, 1988).
Na Teoria dos Sentimentos Morais, Smith assume que a perfeição humana está na
capacidade dos indivíduos de restringirem seus sentimentos egoístas e serem solidários com o
próximo:

E daí resulta que sentir muito pelos outros e pouco por nós mesmos, restringir
nossos afetos egoístas e cultivar os benevolentes, constitui a perfeição da natureza
humana; e somente assim se pode produzir entre os homens a harmonia de
sentimentos e paixões em que consiste toda a sua graça e propriedade. (SMITH,
2002, p. 26)
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Entretanto, Smith também afirma que é natural do homem estar interessado mais
frequentemente no que diz respeito a si do que aos outros indivíduos, ainda que não assuma
esta posição:

Sem dúvida, todo homem é por natureza primeiro e principalmente recomendado a


seus próprios cuidados, e como é mais adequado para cuidar de si mesmo do que
qualquer outra pessoa, é adequado e correto que faça assim. Portanto, todo homem
está muito mais profundamente interessado no que diz respeito imediatamente a si,
do que no que diz respeito a outro homem qualquer. [...] Ainda que seja verdadeiro,
portanto, que todo indivíduo, em seu próprio respeito, naturalmente prefere a si
mesmo a todos os outros homens, ninguém ousa olhar os outros de frente e declarar
que age segundo esse princípio. (SMITH, 2002, p.102-103)

Já quando aborda o âmbito econômico na A Riqueza das Nações, Adam Smith assume
uma postura semelhante à tomada na Teoria dos Sentimentos Morais; porém, acrescenta a
cooperação entre os homens como fator determinante da conquista dos desejos, sendo que a
base do pensamento dominante é a troca mútua de interesses individuais:

Mas o homem quase sempre precisa da ajuda de seus semelhantes, e seria vão
esperar obtê-la somente da benevolência. Terá maiores chances de conseguir o que
quer se puder interessar o amor-próprio deles a seu favor e convencê-los de que
terão vantagem em fazer o que deles pretende. Todos os que oferecem a outro
qualquer espécie de trato propõem-se a fazer isso. Dê-me aquilo que eu desejo, e
terás isto que desejas, é o significado de todas as propostas desse gênero e é dessa
maneira que nós obtemos uns dos outros a grande maioria dos favores e serviços de
que necessitamos. (SMITH, 2003, p. 19).

O que se nota a partir das considerações smithianas acerca do interesse individual é a


maneira com que o economista aborda tanto o âmbito econômico como o moral intrínseco ao
homem. Pode-se afirmar que, diferentemente das concepções morais sobre a natureza e
prática do interesse individual, o lado econômico destaca os requisitos mínimos para o
funcionamento dos mercados de maneira impessoal, em que as simples trocas entre
compradores e vendedores não necessariamente requer relações e laços sociais profundos
(WHITE, 2009).
Dessa forma pode-se afirmar que, de acordo com White (2009, p. 56), Smith
argumenta que, mesmo que os indivíduos participantes de um mercado sejam motivados
apenas pelo auto-interesse, este mercado poderá funcionar de maneira harmoniosa; entretanto,
isso não significa que esta deveria ser a única base para o funcionamento dos mercados, pois
as ações benevolentes podem interferir na operacionalidade dos mercados.
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3.2 A MECÂNICA DA MÃO INVISÍVEL

O escopo da investigação smithiana sobre as relações existentes entre o


comportamento humano, a busca pelo interesse individual e seus efeitos sociais recaem na
metáfora da mão invisível, que corresponde ao mecanismo em que o desejo da realização dos
interesses individuais irá convergir, de maneira natural, para a promoção do bem coletivo,
conduzindo isoladamente os indivíduos a promoverem um fim que, a princípio, não era o
intencional.
Inicialmente, na Teoria dos Sentimentos Morais, Smith já menciona o famoso
mecanismo a partir de seu efeito distributivo e seus benefícios sociais, quando afirma que,
apesar de os ricos serem dotados de um egoísmo natural e de um senso de consumo maior do
que os pobres, são conduzidos a dividir o produto de suas melhorias com os pobres,
promovendo o interesse da sociedade (SMITH, 2002). Ainda, segundo o autor (Smith, 2002,
p. 227), além da tendência natural do homem de buscar o auto-interesse, existe também uma
influência moral intrínseca do indivíduo a promover a felicidade de seu semelhante, de forma
que toda a sociedade pode desfrutar destes benefícios proporcionados pela mão invisível.
A argumentação promovida por Smith sobre o cotidiano econômico em A Riqueza das
Nações segue a mesma direção pautada em sua obra anterior; contudo, Adam Smith
acrescenta, ainda, um fator relevante na metáfora da mão invisível: as ações tomadas com a
intenção de se promover o bem coletivo não obtêm o mesmo sucesso quando comparadas às
ações egoístas, pensamento este ratificado a seguir:

[...] assim como todo indivíduo se esforça para o mais possível para investir seu
capital na manutenção da atividade interna e com isso dirigir essa atividade de modo
que sua produção tenha o máximo valor, todo indivíduo necessariamente também se
empenha para tornar o rendimento anual da sociedade o maior possível. É verdade
que em geral não tem a intenção de promover o interesse público, nem sabe quanto o
está promovendo. Ao preferir sustentar a atividade interna em detrimento da
atividade estrangeira, ele tem em vista somente a própria segurança; ao dirigir essa
atividade de modo que sua produção tenha o maior valor possível, não pensa senão
no próprio ganho, e neste, como em muitos outros casos, é levado por uma mão
invisível a promover um fim que não era, em absoluto, sua intenção promover. [...]
Ao buscar seu interesse particular, não raro promove o interesse da sociedade de
modo mais eficaz do que faria se realmente se prestasse a promovê-lo. (SMITH,
2003, p. 567)

Assume-se, portanto, que, diferentemente das concepções smithianas acerca do


interesse individual, em que a abordagem moral difere da abordagem econômica, neste caso
há uma convergência de interesses e benefícios quando levados pela mecânica da mão
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invisível. Ao apresentar essa metáfora, Smith determina a harmonia presente na relação entre
interesses individuais e coletivos, mesmo que não sejam efetuados visando o bem público,
definindo parte da ideologia liberal clássica presente no século XVIII.

3.3 AS FUNÇÕES E DEVERES DO ESTADO

De acordo com Jeffrey Young em seu artigo intitulado Unintended Order and
Intervention: Adam Smith’s Theory of the Role of the State (2005, p.114-116), Smith
apresenta um modelo geral do Estado que busca a harmonia entre a liberdade natural, a
manutenção da justiça comum e a defesa dos interesses individuais a partir das normas da
filosofia moral. Para o autor, é notável que, nas obras Teoria dos Sentimentos Morais e A
Riqueza das Nações, Smith defenda tanto as virtudes naturais e a liberdade dos indivíduos
para com as decisões de suas ações como, ao mesmo tempo, elabora uma lista de intervenções
designadas à figura governamental.
O modelo geral smithiano é proporcionado pela Ordem Não Intencional, em que as
ações inter pessoais dos indivíduos baseadas na ideia da virtude da justiça gerarão, assim, uma
justiça comum e uma equidade distributiva, revertendo em benefícios para a utilidade pública.
Sendo assim, a não intenção dos indivíduos de proporcionarem boas ações à sociedade será
revertida em benefícios, desde que as regras da justiça natural sejam seguidas como uma
condição necessária. Assim, justiça seria conduzida pela mão invisível, e a intervenção do
soberano seria requerida somente quando a justiça é ausente para moldar a utilidade como um
resultado não intencional (YOUNG, 2005).
Neste sentido, a defesa da intervenção por Smith somente será plausível quando a
mecânica da mão invisível apresentar falhas em termos de produzir resultados úteis à
sociedade a partir da justiça, e será de responsabilidade do soberano produzir estes resultados.
Dessa forma, as funções do soberano se resumem a:

De acordo com o sistema da liberdade natural, o soberano tem apenas três deveres a
cumprir; decerto, três deveres de grande importância, mas claros e compreensíveis
ao bom senso: primeiro, o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão
de outras sociedades independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do
possível, todo membro da sociedade da injustiça e opressão de qualquer outro
membro ou, antes, o dever de instituir uma rigorosa administração da justiça;
terceiro, o dever de erigir e manter certas obras públicas e certas instituições
públicas que jamais algum indivíduo ou um pequeno número de indivíduos terão
interesse em erigir e manter [...]. (SMITH, 2003, p. 873-874)
14

Apesar de aparentarem excessivamente restritas, Young (2005, p. 114) destaca a


amplitude destes deveres quando aliadas às normas de justiça e utilidade pública, as principais
questões defendidas por Smith na ordem não intencional e nas intervenções. Defesa e justiça
apóiam a norma de justiça comum, enquanto a utilidade pública é justificada pelo fato de as
obras e investimentos não surgirem espontaneamente sem o encorajamento do governo com o
argumento do benefício público.
Nota-se, portanto, que a teoria smithiana do papel do Estado possui uma relevância e
amplitude muito maiores do que as breves e limitadas interpretações foram capazes de captar.
Como afirma Young (2005, p. 116), Smith designou uma série de tarefas e um amplo
envolvimento do Estado sobre a economia, mas muitas delas não foram decodificadas e
permaneceram limitadas a apenas as três funções básicas do soberano.
A teoria ainda incorpora não apenas as intervenções e funções do Estado, mas as
normas da filosofia moral que devem interagir com as políticas que visam o benefício dos
indivíduos, como é o caso da justiça comum, da equidade distributiva e da utilidade pública.
Dessa forma, o foco central da análise de Smith é o papel da justiça, abordado de forma
constante pelo autor na Teoria dos Sentimentos Morais. Ela se torna necessária e suficiente
para garantir a equidade e a utilidade na medida em que é gerada por ações não intencionais, e
em casos de impossibilidade, é dever do Estado se utilizar de intervenções para garantir
benefícios à sociedade.
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4. UMA ANÁLISE FOUCAULTIANA SOBRE A MATRIZ TEÓRICA DE SMITH

Serão apresentadas nesta seção as principais contribuições investigativas de Michel


Foucault para com os argumentos e ideias defendidos por Adam Smith a partir dos estudos do
filósofo sobre a governamentalidade e a biopolítica, enfatizando, principalmente, o problema
da população e a emergência da nova razão governamental defendida por Foucault.

4.1 O PROBLEMA DA POPULAÇÃO E AS FUNÇÕES DO ESTADO EM SMITH

A defesa da liberdade assumida por Smith é seu ponto de partida para a determinação
das funções e atividades do governo (YOUNG, 2005). Apesar de existirem alguns pontos
considerados paradoxais entre as obras Teoria dos Sentimentos Morais e Riqueza das Nações,
é fato que a base de ambas recorre à filosofia moral, e Smith concede um papel privilegiado à
razão e ao livre-arbítrio do homem (BIANCHI, 1988).
Dessa forma, a ideia de ordem não intencional desenvolvida por Smith deriva das
paixões inerentes à natureza humana, originando o senso de justiça que é responsável por
estabelecer a ordem social e o bem comum (YOUNG, 2005).
Uma vez que a justiça é assumida como condição necessária e suficiente para a
utilidade pública, em que seus sentimentos naturais (auto-interesse; propensão às trocas;
virtude da prudência; desejo de admiração) influenciam diretamente os padrões de vida da
sociedade, pode-se assumir que a concepção foucaultiana sobre o problema da população
justifica a argumentação de Smith sobre os resultados da ordem não intencional a partir das
decisões individuais.
Foucault (2008b, p. 89-90) assume que há uma reconstituição do valor positivo da
noção de população, em que se abandona a noção mercantilista de súditos submetidos
voluntariamente às leis e regulamentos do soberano, dando lugar às concepções fisiocráticas e
liberais de população como uma coleção de indivíduos de direito, em que as vontades do
soberano são submetidas apenas pelo intermédio das leis.
A partir do século XVII, o problema da população surge no interior das técnicas e
procedimentos do governo, deixando de ser concebida como uma população obediente,
animada por um zelo, por um gosto do trabalho e por uma atividade que permitia que o
soberano fosse efetivamente poderoso, obedecido e rico (FOUCAULT, 2008b).
Ainda no século XVII, como Foucault assume (2008b, p. 87-90), há uma nova
economia de poder, em que o mercantilismo insere a população no princípio da dinâmica do
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poder do Estado-soberano. A consolidação da problemática da população se dará no século


XVIII com a adoção da fisiocracia, em que a população deixa de ser a simples soma dos
indivíduos que habita o território:

[...] Essa população é evidentemente feita de indivíduos, de indivíduos perfeitamente


diferentes uns dos outros, cujo comportamento, pelo menos dentro de certos limites,
não se pode prever exatamente. Apesar disso existe, de acordo com os primeiros
teóricos da população no século XVIII, pelo menos uma invariante que faz que a
população tomada em seu conjunto tenha um motor de ação, e só um. Esse motor de
ação é o desejo [...] aquilo por que todos os indivíduos vão agir. (FOUCAULT,
2008b, p. 95).

A conclusão proporcionada por Foucault (2008b, p. 95-96) remete ao fato de que o


desejo individual, característica intrínseca ao novo padrão individualista que se constituirá a
população, será a força-motriz das ações desta população, que, ao proporcionarem a busca
pelo seu próprio interesse, limitam os poderes do soberano e do Estado, deixando de
executarem o papel de súditos.
Portanto, tem-se que o contexto smithiano de defesa das liberdades naturais e do livre-
arbítrio vai ao encontro da problemática da população apresentada por Foucault, em que, com
a fisiocracia, o desejo e o amor próprio passam a ser os principais motores de uma sociedade
que não é mais assumida como homogênea e submissa às vontades do soberano, mas que é
inserida diretamente na dinâmica do poder do Estado-soberano, sendo governada dentro de
novos limites.

4.2 A NOVA RAZÃO GOVERNAMENTAL E A DEFESA DO AUTO-INTERESSE

As leis morais de conduta que regem o pensamento smithiano em suas obras consideram
o caráter altruísta dos indivíduos, principalmente no que tange à solidariedade com o próximo.
Entretanto, as bases da filosofia liberal do século XVIII destacam a personificação
individualista do sujeito smithiano, em que a defesa do auto-interesse é algo natural e
intrínseco ao homem.
A filosofia foucaultiana assume que a ascensão do liberalismo como prática
governamental dá origem ao governo frugal, que instaura mecanismos que limitam o interior
do exercício do poder de governar. A questão da frugalidade, para Foucault (2008a, p. 41-44),
está inserida na própria questão do liberalismo, em que a teoria econômica se torna um
mecanismo de formação da verdade a partir do momento em que o mercado se torna um
princípio fundamental adotado pela fisiocracia. Sendo assim, o processo de autolimitação da
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razão governamental será fomentado pelo princípio da utilidade, em que a razão de Estado
deverá obedecer ao jogo de interesses individuais e coletivos entre o governo e os governados
(FOUCAULT, 2008a).
O que, de fato, pode proporcionar esse processo é a ascensão do liberalismo como
prática governamental, em que o princípio da liberdade de mercado será transmutado para o
âmbito do governo. Na medida em que as práticas liberais são absorvidas pelo Estado, nota-se
que há uma mutação na conduta do Estado para com a população, possibilitando a geração de
sujeitos de interesse a partir da frugalidade do governo (FOUCAULT, 2008a).
Dessa forma, a partir do momento em que a mão invisível de Smith reitera a defesa do
auto-interesse, em que, na esfera econômica, os homens têm uma propensão natural a
negociar e a trocar e o fazem a partir de trocas de interesses mútuos, há o surgimento da figura
do homo economicus, que, de acordo com Foucault (2008a, p. 398), tem o poder de destituir e
desafiar o soberano por sua incapacidade de dominação da esfera econômica, gerando sujeitos
do laissez-faire.
Portanto, as ideias smithianas representam uma crítica ao pensamento paradoxal até
então dominante de uma combinação entre liberdade econômica total e despotismo absoluto, -
encontrados no mercantilismo e, em parte, na fisiocracia - em que as críticas de Smith abrem
as portas para a nova razão de Estado no século XVIII.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A genealogia foucaultiana busca investigar as formas de exercício e aplicação dos


poderes, com atenção especial para a nova razão governamental emergente nos séculos XVII
e XVIII, em que o Estado passa a controlar e aplicar o poder disciplinar sobre a população,
cuja concepção adquire um novo aspecto. O papel da economia política na emergência do
biopoder é tratado por Foucault em seus estudos sobre a governamentalidade, nos quais a
fisiocracia e, posteriormente, o liberalismo, são responsáveis pela recondução das ações de
um Estado que já não detém o poder direto sobre a vida dos indivíduos.
Ao promover uma análise da obra smithiana caracterizada como a grande
representante da filosofia liberal em ascensão no século XVIII, Foucault apresenta uma
contribuição inédita à utilidade dos escritos de Smith para a filosofia política, revelando sua
importância na ascensão da nova racionalidade sobre como governar a si e os outros, em que
o liberalismo se torna essencial para o nascimento da biopolítica.
Sua análise genealógica enfatiza o caráter inovador das ideias de Smith no que diz
respeito à introdução de novas práticas governamentais, remodelando o papel do Estado e
suas funções e deveres para com uma população concebida de maneira distinta à assumida
pelos mercantilistas. Essa população adquire um novo perfil a partir da introdução da
fisiocracia, em que se torna constituída por um conjunto de indivíduos diferentes uns dos
outros, e não mais como um grupo de súditos homogêneos transparentes à ação do soberano.
Será, dessa forma, que o liberalismo consolidará seu processo de limitação do poder do
Estado a partir do sujeito smithiano do laissez-faire, que se torna um obstáculo para as
atitudes do soberano na medida em que o destitui.
Portanto, a interpretação foucaultiana fornece um novo olhar à filosofia liberal do século
XVIII, na qual a releitura dos escritos de Smith constitui um novo patamar dentro do
pensamento econômico ao não apenas apresentar novos conceitos filosóficos e políticos, mas
ao destacar o pensamento smithiano como essencial para a recondução pelos soberanos do
Estado, consolidando o biopoder.
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REFERÊNCIAS

BIANCHI, A.M. A Pré-História da Economia: De Maquiavel a Adam Smith. São Paulo:


Hucitec, 1988.

CASTRO, E. Vocabulário de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

DEANE, P. A Evolução das Ideias Econômicas. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

GORDON, C. Governmental Rationality: An Introduction. In: BURCHELL, G; GORDON,


C.; MILLER, P. The Foucault Effect: Studies in Governamentality. Chicago: Chicago Press,
1991.

FOUCAULT, M. Society Must Be Defended. New York: Picador, 2003.

______. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.

______. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.

MACHADO, R. Introdução: Por uma Genealogia do Poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica


do Poder. São Paulo: Graal, 2009. p. VII-XXIII.

SMITH, A. A Riqueza das Nações. São Paulo: Martins Fontes, 2003. v. 1, v. 2.

______. Teoria dos Sentimentos Morais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

YOUNG, J. Unintended Order and Intervention: Adam Smith’s Theory of the Role of the
State. History of Political Economy, Durham, v. 37, 2005. 29p.

WHITE, M. Adam Smith and Immanuel Kant: On Markets, Duties, and Moral Sentiments.
Forum for Social Economics, New York, v. 39, 2009, 294p.
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