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Doze teses sobre a ordem nova e uma última questão

Régis Debray

Se o homem às vezes não fechasse deliberadamente os

olhos acabaria por não ver o que merece ser olhado.

René Char, Feuillets d’Hipnos

Toda a cultura se define pelo que decide ter por real. Há cerca de um

século que chamamos “ideologia” a esse consenso que cimenta cada grupo

organizado. Nem reflexivo nem consciente, tem pouco a ver com as ideias. É

uma “visão do mundo”, e cada uma leva consigo o seu sistema de crenças.

Em que acreditar? Cada mediasfera produz os seus critérios de

acreditação do real, e por conseguinte de descrédito do não-real. Permanente é

a questão de confiança: “em que confiar?”; as respostas variam segundo o

estado dos saberes e das máquinas. Platão respondia pela logosfera:

“Sobretudo não no que é óbvio, e apenas nas Ideias inteligíveis”, Mito da

Caverna”. Descartes pela grafosfera: “Nos objectos visíveis, mas com a

condição de construí-los com ordem e proporção e de formular bem as suas

equações”, Discurso do Método. A videosfera: “Sobretudo não nas Ideias e


pouco importa o método, a régua e o compasso, sempre que as vossas imagens

sejam boas”. Uma foto será mais “credível” que uma figura, e uma cassete de

vídeo mais do que um bom discurso. Em gostos e cores, em métodos e ideias,

cada um tem a sua opinião. Mas em frente ao aparelho de visualização calamo--

-nos. Visualizar é explicar. Em língua corrente, “eu vejo” substituiu o “eu

compreendo”. “Já está visto” significa que não há nada a acrescentar. Ontem:

“isso é verdade, li-o no jornal”. Hoje: “acredito, porque o vi na televisão” (disse a

vítima de um curandeiro televisivo). Já não é possível opôr um discurso a uma

imagem. Uma visibilidade não se refuta com argumentos. Substitui-se por outra.

O que é apresentado como “digno de ser visto” por cada idade do olhar

apresenta-se como incontestável. No regime do “ídolo”, correspondente às

teocracias, posso contestar as aparências visíveis, mas não que exista um “mais

além” do visível e que eu deva focalizar na sua direcção o meu olho espiritual.

No regime de “arte” que anuncia as ideocracias, posso dúvidar dos deuses e dos

ídolos mas não da verdade, e de que ela deva ser decifrada no grande livro do

mundo, transferindo os fenómenos visíveis às leis invisíveis. No regime visual,

ou videocracia, podemos ignorar os discursos de verdade e de salvação,

contestar os universais e os ideais mas não o valor das imagens. O seu

incontestável pressuposto é o lugar-comum de uma época. Governa tanto mais

os espíritos quanto não é reflectido enquanto tal. Cada regime de autoridade dá-

se como evidente. O que nos faz ver o mundo é também o que nos impede de o

ver, a nossa “ideologia”. Esta última, que nunca é tão virulenta como no

dispensar das ideias, ocupa o lugar de “a menina dos nossos olhos”. Em vez de
nos deixar estupefactos, transforma-nos em medusas, petrificamos em lugares-

comuns o que vemos.

As imagens, ao contrário das palavras, são acessíveis a todos, em todas

as línguas, sem competência e aprendizagem prévias. E a programação

informática une todos os andares da Torre de Babel, Pequim, Nova Iorque e a

Cidade do Cabo. Mas uma vez apagado o ecrã, resta-nos aceder aos olhares

interiores que regem cada universo visível. Este acesso só pode ser feito com a

linguagem e as traduções simbólicas. Mas a promoção universal dos ícones e

da sagração planetária do olho que disso se deduz não constituem um augúrio

tão bom como se crê para a comunicação mundial dos espíritos.

Todas as culturas podem ser definidas como mais ou menos

obscurantistas, porque não podemos projectar luz sobre o seu princípio de

visibilidade. Como ver o que nos cega? Mas todas cultivam a virtude intelectual

e física da clarividência, pois têm por ideal ver, através daquilo que aparece,

aquilo que é (ainda que possam negar essa faculdade aos nossos olhos de

carne). É mais fácil fazer dialogar as filosofias do que as luzes, as bocas do que

os olhos. Os espíritos podem falar-se, de um extremo ao outro da terra, pela

mediação de intérpretes e tradutores. Mas não há um dicionário do visível. “O

olho escuta”, mas não ouve o olho do outro.


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A pedra angular que sustenta o edifício das nossas crenças e das nossas

práticas não é a escolha intelectual da verdade, nem a escolha moral do valor. O

suporte destas operações, por assim dizer secundárias, que dizem respeito ao

conhecimento e à moral e os determinam, é o teorema óptico da existência, o

que é, é. E como os nossos princípios de visão são também de divisão, o

restante, tudo o que “não é digno de ser visto”, será considerado não-ser,

trompe-loeil ou falsa aparência. Aquilo que para nós é a própria realidade, os

budistas denominam com toda a naturalidade “o vazio”, “sunya”; o que é plena

realidade para o budista, para nós parece simplicidade e vaidade. A evidência

natural de uma civilização passa por ilusão noutra. Cada uma tem

peculiaridades. Essas peculiaridades justificam e reclamam “o diálogo das

culturas”. Mas o real converteu-se numa categoria tecno-cultural, e essa técnica

tornou-se mundial. De que vamos falar se a realidade é a mesma para todos? E

se chegarmos também a uma língua única, teremos ainda vontade de falar de

um extremo da terra ao outro?

A convenção transcendental dos olhares que define a cultura implícita de uma

sociedade não procede de um contrato social debatido livremente entre dois

sujeitos sem objectos nem passado, reunidos para deliberar na praça da aldeia.
Somos herdeiros inovadores, cercados por muitos mitos mas dotados também

de utensílios, e a nossa cultura é uma transacção regularmente negociada entre

a nossa herança mitológica e o nosso meio técnico (ele mesmo dependente do

estado de desenvolvimento científico). Nesse compromisso, a parte das

mediações tende a crescer, e não só as nossas evidências como também as

nossas insurreições são equipadas. O Maio de 68 dos estudantes, por exemplo,

como as revoluções do século XIX, foi “modelizado” pelo teatro à italiana, com

as suas bancadas, encenações, o ênfase nos gestos e a sonoridade do slogan,

o público nas ruas aclamando os actores, ou seja, a vanguarda que actua e fala.

Essa foi sem dúvida “a última sessão”, a última grande representação teatral da

nossa história (o estúdio televisivo impôs desde então o seu décor e a sua

dramaturgia ao nosso espaço público). Depois da tomada do Teatro Odéon

serão tomados de assalto os estúdios de televisão? Cada nova maquinaria de

transmissão colectiva reorganiza os nossos lugares-comuns, esses elementos

incomunicáveis que nos permitem comunicar. Como o sujeito cognitivo em si

mesmo, o sujeito crente é um sujeito técnico, porque antes de tudo é um homem

imaginário. Com um imaginário cada vez mais equipado, teremos cada vez mais

estética, a moral e a política das nossas próteses. Sem as técnicas do grande

plano, do zoom e das três dimensões teriamos conhecido a apoteose total do

fragmento, do “kit” e da atomização que caracteriza o nosso momento cultural?


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A mediologia terá alcançado a sua meta quando, ante toda a controvérsia

“de fundo” ou disputa “séria”, já não tema entrar directamente no debate

colocando sobre a mesa as questões chamadas de intendência que os “grandes

espíritos”, até hoje, listavam em rodapé. Não “o quê e porquê?” mas “por onde e

como?”. As máquinas são hoje como a política de antigamente. Podemos não

nos ocupar delas, mas são elas então que se ocupam de nós.

Que quer a minha máquina de visão e de escuta, e pensa ela a mesma

coisa que eu? Questão tanto mais incontornável quanto a nossa margem de

liberdade se reduz à medida que aumentam a interposição mediática, a

multiplicação das redes e a complexidade dos circuitos. Existiu sempre uma

tecnologia do fazer crer, desde a ágora grega e sem dúvida muito antes. Mas

hoje, a laringe colectiva governa a palavra pública. Hoje, a nossa realidade é

uma mediavisão do mundo, dispositivo que dispõe de nós, dotado de uma força

de arrasto planetária.

Desmaterialização dos suportes por registo electromagnético?

Desrealização da realidade exterior. Miniaturização dos aparelhos e dos

elementos constitutivos? Encolhimento das maiúsculas, redução dos discursos

lógicos em micro narrativas. Enquadramento das representações? Formatação

correspondente do representativo. Grande plano normal? Personalização

normalizada dos colectivos. Instantaneidade das transmissões hertzianas?


Desaparecimento da profundidade do tempo. Decomposição da imagem em

píxeis? Desintegração pontilhista da informação. Montagem “cut” ou em

mosaico? Desarticulação lógica dos factos. A cultura do detalhe, do fragmento,

do pedaço, o enfraquecimento das antigas dialéticas da totalidade, a

substituição por toda a parte do global pelo fraccionário, que por vezes se

resume no “declínio das grandes narrativas”, deve muito à deslocação óptica

dos objectos, como à das obras de arte, pelos dispositivos de visão, a

montagem cinematográfica, o zoom televisivo, o tratamento informático, etc.

Cada um destes procedimentos conduz a uma conduta, e o conjunto dessas

condutas configura um tipo de Cidade. Não existe causalidade linear, é verdade,

existe sim “loop” geral.

O mais difícil é contar até três. O cristianismo necessitou de milhares de

anos para substituir uma cultura binária por uma cultura trenária (base teológica

da mediologia). Seria uma lástima que a linguagem binária das imagens de

amanhã, combinações de zero e de um, de sim e de não, encerrem

subrepticiamente as inteligências no sim/não. Já as sondagens, o zapping, a

alternativa imagem/não imagem, o ritual do duelo televisivo entre campeões

(dois, raramente três) e a segunda volta das eleições não deixam muito espaço

àqueles que não estão nem a favor nem contra, àqueles que não dizem nem

branco nem preto, mas um pouco dos dois, ou seja, nenhum deles. É mais que
provável que uma cultura extraespectiva (que projecta a inspecção para o

exterior) prejudicará os matizes, a complexidade, a mestiçagem, a inferência e a

suposição, aquisições frágeis, porque recentes, das civilizações da introspecção

e da interioridade emanentes da escrita.

A servidão é a inversão pelo homem do mediatizado em imediato. Ou do

que depende dele em alguma coisa independente e omnipotente. O sujeito

recebe como implacável e natural o que é artificial, construído pelos seus

próprios dispositivos. Toma por objecto perceber, passivamente, o que percebe

activamente. Ignora-se, então, como criador, origem das suas imagens (como

ontem de Deus ou da verdade). “Caem-lhe em cima” como o granizo ou a

tempestade quando é o seu próprio sistema de representação que as “lançou”.

Mecanismo clássico de alienação e de transformação de uma liberdade em mito.

Mas o que aqui se extraverte e se sublima, não é mais a ideia de Deus mas a

ideia da imagem divinizada e mitificada, já não é mais a consciência de um

sujeito mas uma máquina sóciotécnica.

A equação da era visual: o Visível = o Real = o Verdadeiro. Ontologia

fantasmática, da ordem do desejo inconsciente. Mas desejo doravante


suficientemente potente e bem equipado para alinhar os seus sintomas numa

verdadeira ordem nova.

Somos a primeira civilização que pode pensar estar autorizada pelos seus

aparelhos a acreditar nos seus olhos. A primeira a colocar um sinal de igualdade

entre a visibilidade, a realidade e a verdade. Todas as outras, e a nossa até

ontem, estimavam que a imagem impede de ver. Agora, a imagem vale como

prova. O representável dá-se como irrecusável. Mas como o mercado fixa cada

vez em maior medida a natureza e os limites das representações sensíveis,

mediatizadas como estão pelas indústrias, o sinal de igualdade transforma-se e

passa a ser: “Invendável = irreal, falso, não válido”. Só o solúvel é válido e só

tem valor o que tiver uma clientela. O alinhamento dos valores de verdade com

valores de informação indexa a primeira à oferta e à procura: será considerado

verdadeiro o que tem um mercado. Tradução: “o público é o nosso único juiz”.

Não é impossível que, depois do marketing da verdade e do bem, se instaure

um tráfico do real (como o dos orgãos humanos). A realidade sensível: função

do poder de compra? O olhar de amanhã será regido pelo “pay for view”?

Veremos a percepção encriptada, com descodificador para assinantes? Então

os ricos terão a exclusividade das sensações sofisticadas, e talvez, no fim, o

monopólio do mundo sensível. Como o valor supremo de uma cultura é também

o que faz sonhar os seus adeptos, já sonhamos agora, pouco ou muito, em

ganhar a lotaria.
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Quer esta deriva para o panmercantilismo se confirme ou não, permanece a

tentação, cada vez mais forte, de confundir “o ar” e “o espírito” do tempo. De

alinhar o direito sobre o facto, o dever ser sobre o estar lá, o longo sobre o curto.

Não reconduz a contracção da imagem e do seu referente, no universo

electrónico e amanhã numérico, à fusão deliberada do Verdadeiro, do Belo e do

Bom, sonhada pelos regimes totalitários de outrora? Ou seja, a extinção dos

possíveis e o congelamento do tempo, com redução das liberdades de desvio,

de oposição e de invenção. A Videocracia alcançaria então, pela direita, o triste

ponto a que havia chegado a Ideocracia, pela esquerda. A festa audiovisual

oferece dez mil vezes mais imagens e muito mais alegres que os ícones dos

membros do Politburo, no ex “socialismo real”, mas pouco mais imaginação

social, pois a imaginação é a função irrealizante da consciência, pela qual

podemos negar as coisas tal como estão. Mas a imagem registada redobra a

autoridade do acontecimento por um terrorismo da evidência.

Uma sociedade WYSIWYG (what you see is what you get) já não é uma

sociedade aberta. Ao reduzir o futuro ao presente visualizável e ao jogo dos

possíveis do acontecimento que faz lei – “está errado porque não tem nada para

mostrar” -, a videosfera será ao mesmo tempo a era menos messiânica e menos

dialética que a humanidade terá conhecido, se lhe dermos plenos poderes. Hoje
a luta pela imaginação passa pela luta contra “o tudo é imagem”. Não se salvará

o nosso direito ao infinito sem limitar os direitos do visual a autentificar, por si

mesmo, qualquer discurso. “Vendo menos, se imaginará mais” (Rosseau).

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A desaparição dos Invisíveis é um facto siderante, que infelizmente os

meios de re-produção do visível tornam invisível.

Resumindo. Na logosfera, que se segue à invenção da escrita, o que

“era” verdadeiramente estava ausente. A suspeita levava ao visível: assim

ocorria ontem nas culturas egipcia, grega, bizantina e medieval; e hoje com a

budista, hinduista e animista. Para dois monoteísmos em três, o Todo-Poderoso

não tem rosto nem corpo. Ele é a palavra. Querer dar-lhe uma imagem seria um

crime e uma loucura. Só para a terceira, o cristianismo, na sua versão católica

pelo menos, a imagem física do divino era negociável.

Com a grafosfera, que se constrói ligada à imprensa, o visível havia

recuperado a sua dignidade, mas como contigência que persegue ou regula uma

necessidade logicamente acessível pelo discurso ou a abstracção. Descartes: O

cego é o que está em melhores condições para fazer geometria”. Tinha-se então

por evidente que o mundo se explica pelo que nos oculta. Nessa esfera a

verdade, como disse Lévi-Strauss, “revela-se no cuidado que tem em dissimular-

se”.
Na videosfera, esta dissimulação testemunha o falso ou o inconsistente, e

a suspeita recai sobre o inobservável. O que não é visualizável não existe.

Evanescência dos seres de palavras, essas coisas que só existem ao serem

ditas, mitos em estado puro, fundamentos da antiga realidade: Nação, Classe,

Lei, República, Deveres, Progresso, Interesse geral, Universal, Longo termo,

Justiça, Estado, etc. Pilares “abstractos” (mas noutro tempo efectivos) dos

pseudo-concretos que nos rodeiam mas que não ”aparecem” em nenhum ecrã.

Paradoxalmente, quanto mais se desmaterializam os suportes de transmissão,

menos espaço existe para as imaterialidades na vida social. Será que os nossos

únicos imateriais autorizados seriam de ordem técnica? Todas as nossas

pessoas morais estão em crise. “França minha, vejo-te, ocupas o ar como a

jovem mulher que desejo...”; exemplo de evidência sensível ontem, retórica

literária hoje. Eu posso ver, numa foto de satélite, uma porção de terra, no

extremo oeste do pequeno cabo da Asia, convencionalmente chamada França.

Mas nunca poderia ver os milhares de anos de história que fizeram um país

dessa mancha ocre e verde sobre fundo negro: uma singularidade imaterial e

decisiva.

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Quando tudo é visto nada vale. A indiferença perante as diferenças

cresce com a redução do válido ao visível. A parecença como ideal contém nos

seus flancos um vírus devorador do parecido. Todos os ideais particulares se


alinham um depois do outro na porção da humanidade dotada da mais forte

visibilidade social. Daí se segue que a língua do mais rico se converte na de

todo o mundo, e a lei do mais forte na minha regra suprema. Uma videosfera

omnipresente teria o cinismo por virtude, o conformismo por força e por

horizonte um nihilismo consumado. Além disso o instinto de sobrevivência da

espécie e a simples busca do prazer, tanto nos indivíduos como nas nações

chegarão, cedo ou tarde, a limitar as prerogativas da imagem. Para eliminar a

asfixia e a angústia voltar-se-á a fazer entrar no jogo os invisíveis espaços

interiores, através da poesia, da proeza, da leitura, da escrita, da hipótese ou do

sonho.

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As novas imagens numéricas produzem um saber e um poder mais do

que invejáveis. Depois do telescópio, o microscópio e as radiografias, os

tratamentos informáticos aumentam consideravelmente o nosso domínio das

distâncias, dos orgãos e das suas doenças, das nossas construções por planos

e desenhos e das nossas próprias hipóteses intelectuais, permitindo uma

tradução visual de modelos teóricos abstractos. As novas próteses de visão, ao

desmultiplicarem a nossa informação, aumentam as nossas faculdades de

intervenção sobre o ambiente e a nossa superfície de contacto com o universo.

Dotados agora de uma visão omniscópica, podemos também explorar o que

está fora do nosso alcance sem ter de ir lá e programar o futuro antes que se
produza. O microscópio desce até 1/10.000 milímetros. E o macroscópio ganhou

outros tantos factores através dos satélites de observação.

Raios X, infravermelhos, raios gama já nos tinham levado para além do

comprimento de onda do visível. A optrónica e as suas câmaras térmicas

permitem a um condutor de um carro de combate, a um piloto de avião, a um

soldado com uma bazooka, ver à noite, sem ser visto. A ecografia, por ultrasons,

permite visualizar em três dimensões um crânio ou uma bacia. A visão, no

diagnóstico médico, substitui a audição e o tacto. A imagem por ressonância

magnética (IRM) permite entrar nos tecidos, nas células, nos neurónios. A

reflectografia com infravermelhos, com câmara Vidicon, penetra sob os materiais

mais densos. A imagem neutrónica detecta através das vedações metálicas, e a

imagem numérica permite o controle automático de robots. Spot-Image, numa

órbita de oitocentos quilómetros de altitude, por tratamento pancromático ou

multiespectral das suas imagens de alta resolução, teledetecta em três

dimensões as cheias dos rios, o avanço das dunas ou dos glaciares, a estrutura

geológica dos solos, os sedimentos terrosos das vias fluviais. A câmara

submarina destapou os oceanos. E Changeux assegura-nos que já não é

utópico, com as câmaras de positrões, “considerar que um dia a imagem de um

objecto mental apareça num ecrã”.1 A Missão Michel Serres, reinventando a

sociedade pedagógica pela tele-educação, criou os meios informáticos

necessários para tornar visível a distribuição dos conhecimentos no seio de uma

comunidade: o cérebro de um colectivo no ecrã de um Minitel. Estes admiráveis

progressos técnicos não têm contrapartida? There is nothing such as a free


1
L’Homme Neuronal, Paris, Fayard, 1983, p. 168.
meal. O custo destes benefícios de operacionalidade, para fora, residiria numa

certa cegueira simbólica, dentro. De algumas décadas a esta parte, a extensão

dos espaços observáveis parece ter-se saldado numa amputação dos territórios

da utopia. Quando o espectro da radiação electromagnética se reduzia à luz

visível pela retina, o invisível tinha infinitamente mais realidade. Liberdade,

igualdade, fraternidade, por exemplo (que poderia simbolizar um sistema de

ideogramas mas que um microscópio electrónico nunca nos permitiria ver em

directo).

***

Uma simples pergunta ao próximo milénio: como ver perfeitamente ao

redor de si sem admitir, ao lado, abaixo, ou acima, “coisas invisíveis”? Não

necessáriamente anjos ou corpos astrais. Realidades ideais, mitos ou conceitos,

generalidades ou universalidades, imaterialidades ou símbolos que nunca teriam

traduções visuais possíveis, ainda que fossem apenas virtuais, num cyberspace.

Como pode existir um aqui sem um ali, um agora sem um outrora e um amanhã,

um sempre sem um nunca...?

***

Ao mediólogo é proibido ter moral. Daí os pontos de reticências. Nos

limites de uma investigação objectiva, ele deveria descrever e tentar explicar. O

seu desejo de agora em diante, saindo da sua disciplina, seria tomar o partido

do invisível.
Tradução: André Camecelha (estudante de Ciências da Comunicação, FCSH – UNL, 2009)

Revisão: Maria Teresa Cruz

Edição original

DEBRAY, Régis, «Douze thèses sur l’ordre nouveau et une ultime question», in Vie et mort de

l´image, Paris, Gallimard, 1992, pp. 491-506.

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