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A.P.

SINNETT

O BUDISMO ESOTÉRICO

PENSAMENTO

ÍNDICE

Prefácio à Edição Comentada ..................................................................................... 2


Prefácio da Edição Original ....................................................................................... 10
Ao Leitor .................................................................................................................... 17
1. INSTRUTORES ESOTÉRICOS ............................................................................ 19
COMENTÁRIOS .................................................................................................... 32
2. A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM ........................................................................... 37
COMENTÁRIOS .................................................................................................... 47
3. A CADEIA PLANETÁRIA ...................................................................................... 51
COMENTÁRIOS .................................................................................................... 64
4. OS PERÍODOS DO MUNDO ................................................................................ 67
5. O DEVACHAN....................................................................................................... 85
COMENTÁRIOS .................................................................................................. 105
6. KÂMA-LOKA ....................................................................................................... 106
COMENTÁRIOS .................................................................................................. 121
7. A ONDA DA MARÉ HUMANA ............................................................................. 134
COMENTÁRIOS .................................................................................................. 145
8. O PROGRESSO DA HUMANIDADE .................................................................. 149
COMENTÁRIOS .................................................................................................. 163
9. BUDA .................................................................................................................. 166
10. O NIRVANA....................................................................................................... 182
11. O UNIVERSO .................................................................................................... 191
12. REVISÃO DA DOUTRINA ................................................................................. 203
Prefácio à Edição Comentada

Este livro foi publicado pela primeira vez no começo de 1883. Desde então,

recebi numerosas informações referentes a muitos dos problemas de que trata. Mas

apraz-me dizer que, se os ensinamentos posteriores mostram o caráter incompleto

de minha concepção original da doutrina esotérica, de modo algum eles evidenciam

qualquer erro material. Na verdade, recebi do próprio Grande Adepto, de quem

obtive minha instrução, a certeza de que o livro, como se apresenta agora, é uma

exposição segura e digna de confiança do esquema da Natureza tal como os

iniciados da ciência oculta a entendem. Esta pode ser, em futuro próximo, ampliada

consideravelmente, se o interesse que estimula for suficiente para levar a uma

procura acentuada de ensinamentos desse tipo por qualquer um, mas nunca terá de

ser reformada ou justificada. Em vista dessa certeza, parece melhor que eu exponha

minhas conclusões últimas e as minhas informações complementares sob a forma

de comentários em cada um dos ramos do assunto, sem fundi-los no texto original,

onde, devido às circunstâncias, não me disponho a introduzir qualquer alteração.

Este é o plano adotado para a presente edição.

Querendo transmitir meu reconhecimento indireto da harmonia geral a ser

estabelecida entre esses ensinamentos e os reconhecidos dogmas filosóficos de

algumas outras grandes escolas de pensamento hindu, passo aqui a referir-me às

críticas a este livro, publicadas na revista indiana Theosophist, em junho de 1883,

por "Um hindu brâmane". Lamenta-se o autor que, ao interpretar a doutrina

esotérica, eu me tenha afastado desnecessariamente da nomenclatura sânscrita

aceita. Entretanto, sua objeção significa simplesmente que, em alguns casos, dei

nomes pouco familiares para idéias já incorporadas aos sagrados escritos hindus, e
que honrei demasiado o sistema religioso comumente conhecido por Budismo,

apresentando-o mais intimamente ligado à doutrina esotérica do que nenhum outro.

Diz o meu crítico brâmane: "A sabedoria popular da maior parte dos hindus até o dia

de hoje é mais ou menos influenciada pela doutrina esotérica ensinada no livro de

Mr. Sinnett, impropriamente denominado O budismo esotérico, enquanto que não

existe uma só aldeia ou vilarejo, em toda a índia, em que o povo não esteja mais ou

menos familiarizado com os sublimes princípios da filosofia Vedanta. ... Os efeitos do

karma no próximo nascimento, o gozo de seus frutos, bons ou maus, num estado

subjetivo ou espiritual de existência, anterior à reencarnação da mônada espiritual

neste ou nalgum outro mundo, o vagar das almas insaciadas ou dos cascões

humanos na Terra (Kâma-loka), os períodos malaicos e manvantáricos... não são

apenas inteligíveis, como também, para muitos hindus, são familiares sob nomes

diferentes dos usados pelo autor de O budismo esotérico”. É tanto melhor que assim

seja — permito-me contestar — sob o ângulo dos leitores ocidentais, para os quais

deve ser indiferente se a religião esotérica, hindu ou budista, está mais ou menos

próxima da ciência espiritual absolutamente verdadeira, que por certo não deveria

admitir nome algum que pareça fazê-la solidária, no mundo exterior, a uma fé mais

do que a outra. Na Europa, tudo o que podemos aspirar é chegar à clara

compreensão dos princípios essenciais daquela ciência; e se neste livro

encontramos definidos esses princípios, conforme os representantes ilustrados de

mais de uma das grandes crenças orientais, como à altura de verdades subjacentes

a todos os diversos sistemas, estaremos tanto mais propensos a crer que a presente

exposição da doutrina merece nossa atenção.

Com referência à crítica de que os ensinamentos, aqui reduzidos a uma forma

inteligível, estão incorretamente descritos pelo nome que este livro leva, não posso
fazer nada melhor do que citar a nota com que o redator de Theosophist replica a

seu colaborador brâmane. Essa nota diz: "Publicamos a carta anterior porque

expressa, em linguagem cortês e de modo hábil, as opiniões de grande número de

nossos irmãos hindus. Ao mesmo tempo, deve ser dito que o nome O budismo

esotérico foi dado à última publicação de Mr. Sinnett, não porque a doutrina nela

exposta pretenda estar especialmente identificada com qualquer forma particular de

fé, mas porque Budismo significa a doutrina dos Budas, dos Sábios, isto é, a

Religião da Sabedoria". De minha parte, necessito apenas aduzir que aceito e

admito plenamente essa explicação do assunto. Seria, na verdade, uma concepção

errônea do propósito a que este livro responde o fato de supor que se preocupa em

recomendar, ao gosto do diletante moderno, modos de pensamento religioso

próprios do Mundo Antigo. As formas externas e fantasias religiosas, em uma época,

podem ser mais puras e, em outra, mais corrompidas, mas inevitavelmente se

adaptam a seu tempo, e seria extravagância imaginar que se possam substituir

umas pelas outras. Esta declaração não é formulada na esperança de converter em

budistas os seguidores de qualquer outro sistema, porém com o fito de comunicar

aos pensadores que nos lêem, tanto no Oriente como no Ocidente, uma série de

idéias-guia, referentes às verdades efetivas da Natureza e aos fatos reais do

progresso do homem através da evolução, e que, tendo sido comunicadas ao autor

pêlos filósofos orientais, amolda-se assim com mais facilidade ao Oriente. Quanto ao

valor desses ensinamentos, talvez se apreciará melhor quando se perceber

claramente que seu caráter é mais científico do que controverto. Ai verdades

espirituais, se são verdades, podem evidentemente ser tratado com espírito no

menos científico do que as reações químicas. E nenhum sentimento religioso, de

qualquer espécie que seja, precisa ser perturbado pela importação, ao repertório
geral do conhecimento, de novos descobrimentos sobre a constituição e a natureza

do homem, no plano de suas mais altas atividades. Á religião verdadeira atinaria,

eventualmente, com um procedimento para assimilar muitos conhecimentos

recentes, do mesmo modo que sempre acaba por admitir maior expansão do

Conhecimento, no plano físico. À primeira vista, isso pode confundir noções

associadas a crenças religiosas — assim como, no início, a geologia complicou a

cronologia bíblica. Mas com o tempo os homens foram vendo que a essência das

afirmações bíblicas não reside no sentido literal das passagens cosmológicas do

Antigo Testamento, e os conceitos religiosos purificaram-se muito com o subsídio

que assim lhes pôde ser propiciado. Da mesma forma, quando os conhecimentos da

ciência positiva começarem a abranger uma compreensão das leis relativas ao

desenvolvimento espiritual do homem, alguns conceitos errôneos da Natureza,

durante muito tempo misturados com religião, poderão ser suplantados, mas apesar

de tudo se descobrirá que as idéias fundamentais da verdadeira religião foram mais

aclaradas e robustecidas, mediante aquele processo. À medida que tais

procedimentos continuam, em especial as dissensões internas do mundo religioso

serão fatalmente superadas. A luta entre seitas pode ser devida apenas à deficiência

da parte dos sectários rivais em compreender os fatos fundamentais. Quem sabe

chegará um dia em que as idéias fundamentais, nas quais a religião se apóia, sejam

compreendidas com a mesma certeza que compreendemos algumas leis físicas

elementares e que as discordâncias sobre elas sejam consideradas ridículas por

todas as pessoas instruídas; então, não haverá lugar para tantas acres divergências

no sentimento religioso. As circunstâncias externas ao pensamento religioso serão

diferentes ainda, em diferentes climas e entre raças diferentes, como diferem a


indumentária e o regime alimentar; mas tais diferenças não causarão antagonismo

intelectual.

A meu ver, os fatos fundamentais da natureza indicada são desenvolvidos na

exposição da ciência espiritual que obtivemos agora de nossos amigos orientais.

Para os pensadores religiosos, é completamente inútil afastar-se deles sob a

impressão de que esses argumentos favoreçam algum credo oriental, em detrimento

da crença mais generalizada do Ocidente. Se a ciência médica descobrisse um fato

novo sobre o corpo humano, se desvendasse algum princípio até agora oculto, em

que se baseasse o crescimento da pele, da carne e dos ossos, essa descoberta não

seria encarada como uma violação do domínio da religião. O domínio da religião

poderia considerar-se invadido, por exemplo, por uma descoberta que, por trás da

ação dos nervos, revelasse urna série mais delicada de atividades que os

manipulassem, do mesmo modo como eles manipulam os músculos? De qualquer

modo, malgrado tal descoberta pudesse ser um princípio para reconciliar ciência e

religião, nenhum homem que permita que suas faculdades superiores tomem parte

em seus pensamentos religiosos desprezaria como hostil à religião um fato positivo

plenamente demonstrado da Natureza. Sendo um fato, inevitavelmente se ajustaria

a todos os outros fatos, assim como a verdade religiosa. Isso acontece com a

grande massa de informações relativas à evolução espiritual do homem,

compreendida na presente exposição. Nosso melhor intento é perguntar, antes de

nos fixarmos no relato que dou a público. Não se enquadra, sob todos os seus

aspectos, com opiniões preconcebidas. E realmente nos insere numa série de fatos

naturais relacionados com o crescimento e com o desenvolvimento das mais altas

faculdades do homem. Se assim é, podemos sabiamente examinar os fatos,


primeiramente com espírito científico e, depois, deixar que eles exerçam seus efeitos

razoáveis e legítimos nas crenças colaterais.

À medida que a explanação prossegue, ramificando-se em muitas direções,

ver-se-á que a afirmação principal que agora se divulga é uma teoria antropológica

que completa e espiritualiza as noções correntes da evolução física. A teoria que

assinala o desenvolvimento do homem, por meio de sucessivos e graduais

aperfeiçoamentos das formas animais, de geração em geração, é uma teoria muito

desinteressante e pobre, se encarada como uma explicação que compreende a

criação inteira. Entretanto, devidamente entendida, facilita o acesso à compreensão

do processo concorrente superior que faz evoluir a alma do homem no reino

espiritual da existência. Á atual visão do assunto reconcilia o método evolucionista

com o anseio profundamente arraigado em cada entidade consciente, de

perpetuação da vida individual. As séries desarticuladas de formas progressivas

existentes na Terra não têm individualidade. À vida de cada uma é, por sua vez, uma

operação separada que não encontra na próxima e similar operação qualquer

compensação pêlos sofrimentos que a acompanham. Nenhuma justiça, nenhum

fruto de seus esforços. Todavia, pode-se argumentar, na suposição de nova e

independente criação de uma alma humana, cada vez que nova forma humana é

produzida por desenvolvimento fisiológico, que nos estados espirituais posteriores

desta alma a justiça será concedida. Mas, nesse caso, essa concepção está em

desacordo com a idéia fundamental da evolução que faz depender ou crê fazer

depender, em cada caso, a origem da alma das operações da matéria altamente

desenvolvida. Isso não deixa de ser discrepante com as analogias da Natureza,

mas, sem entrar neste assunto, basta por enquanto perceber que a teoria da

evolução espiritual, tal como ela aparece nos ensinamentos da ciência esotérica,
harmoniza-se em todo caso com essas analogias, ao passo que, ao mesmo tempo,

coincide com as exigências da justiça e satisfaz a demanda instintiva, pela

continuação da vida individual.

Esta teoria reconhece a evolução da alma como um processo que é

inteiramente contínuo em si mesmo, embora efetivado, em parte, por intermédio de

uma grande série de formas dissociadas que servem como instrumentos. Deixando

de lado, por agora, a metafísica profunda da teoria que revela a origem do princípio

da vida, a primeira causa original do cosmos, encontramos a alma como uma

entidade emergente do reino animal e passando às formas humanas primigênias,

sem estar ainda preparada naquele tempo para a mais elevada vida intelectual com

que estamos familiarizados, no estado presente da humanidade. Porém, devido às

sucessivas encarnações nas formas, cujo aprimoramento físico, sob a lei de Darwin,

está constantemente se ajustando para ser a sua morada a cada retomo à vida

objetiva, adquire gradualmente aquele raio de experiência em que a resultante é o

seu mais elevado desenvolvimento. Nos intervalos entre as suas encarnações

físicas, prolonga, desenvolve e por fim esgota ou transforma as experiências

pessoais de cada vida em desenvolvimento proporciona abstrato. Esta é a chave da

explicação verdadeira daquela dificuldade aparente que persegue a forma mais crua

da teoria da reencarnação, apresentada algumas vezes pela especulação

independente. Cada homem é inconsciente das vidas por que passou anteriormente,

por isso sustenta que as vidas subseqüentes não podem lhe proporcionar

compensação alguma para esta presente. Não se dá conta da enorme importância

do estado espiritual intermediário, no qual de modo algum esquece as aventuras e

emoções pessoais pelas quais passou e durante o qual refina estas em outros

tantos progressos cósmicos. Nas páginas que seguem, tenta-se elucidar este
mistério, profundamente interessante. O exame dos acontecimentos, pêlos quais

atualmente passamos, não é só' uma solução dos problemas da vida e da morte,

mas também de muitas das desconcertantes experiências que ocorrem na região

limítrofe entre estas duas condições — ou antes, entre a vida física e a espiritual —

que tanto prenderam a atenção e foram objeto de especulação nos últimos anos,

nos países mais civilizados.


Prefácio da Edição Original

Os ensinamentos compreendidos neste volume lançam luz sobre questões

relacionadas com a doutrina budista, que deixaram perplexos os escritores que se

ocuparam dessa religião, e oferecem, ao mundo, pela primeira vez, uma chave

prática para o significado de quase todo o antigo simbolismo religioso. Mais ainda,

uma vez propriamente entendida a doutrina esotérica, ver-se-á que ela possui

razões muito poderosas para que todos os pensadores sérios lhe dêem atenção.

Seus princípios não nos são apresentados como a invenção de algum fundador ou

profeta. Seu testemunho não se baseia em nenhuma escritura. Suas opiniões sobre

a Natureza foram desenvolvidas graças às pesquisas de uma série enorme de

perquiridores, qualificados para sua missão, pela posse de faculdades e percepções

espirituais de uma ordem mais elevada que as pertencentes à humanidade comum.

No decorrer dos tempos, o repertório de conhecimentos assim acumulados,

referentes às origens do mundo e do homem e aos destinos posteriores de nossa

raça — relativos também à natureza de outros mundos e a estados de existência

que diferem dos de nossa vida presente — comprovados e examinados em cada um

de seus aspectos, e constantemente sujeitos a completo exame, chegou a ser

encarado por seus defensores como sendo a verdade absoluta, no que diz respeito

às coisas espirituais, ao estado real dos fatos nas vastas regiões de atividade vital,

mais além desta existência terrena.

A filosofia européia, quer se refira à religião, quer à metafísica pura,

acostumou-se, durante tanto tempo, a um sentimento de insegurança nas

especulações além dos limites da experiência física, que os pensadores prudentes

dificilmente reconhecem como objeto razoável de investigação, a verdade absoluta

sobre as coisas espirituais. Na Ásia, porém, adquiriram-se outros hábitos de


pensamento. A doutrina secreta, que em extensão considerável tenho agora a

oportunidade de expor, é considerada não só por seus seguidores, como por grande

número dos que nunca esperaram conhecer dela outra coisa do que saber que

existe, como uma mina de conhecimentos inteiramente dignos de fé, da qual todas

as religiões e filosofias tiraram o que possuem de verdade e com os quais toda

religião deve coincidir, se pretende ser um modo de expressão da verdade.

De fato, isso é uma pretensão audaciosa, mas me aventuro a declarar que o

conteúdo deste livro é de suma importância para o mundo, porque creio que essa

pretensão pode ser justificada.

Não digo que dentro dos limites deste volume se possa provar a autenticidade

da doutrina esotérica. Essa prova não se apresenta por nenhum processo de

argumentação, mas apenas pelo desenvolvimento de per si das faculdades exigidas

à observação direta da Natureza, ao longo da senda indicada. Esta conclusão prima

fade pode se determinar pela importância que tenham para o indivíduo as opiniões

que se vão expor sobre a Natureza, e pelas razões que existem para confiar nos

poderes de observação daqueles que a comunicaram.

Pode-se supor, talvez, que a própria magnitude da presente pretensão em

benefício da doutrina esotérica suscite esta afirmação oriunda da região a que se

refere seu título — a da pesquisa relativa ao significado real e interno da religião

definida e específica chamada Budismo. O fato, contudo, é que o Budismo

Esotérico, embora de maneira alguma esteja divorciado das relações com o

Budismo Exotérico, não deve ser concebido como constituindo mero imperium in

imperio — uma escola central de cultura no vórtice do mundo budista. À medida que

o Budismo se retira dos recessos de sua fé, descobre-se que estes se misturam com

os recessos de outras crenças. As concepções cósmicas e o conhecimento da


Natureza nos quais repousa o Budismo, como também constituem o Budismo

Esotérico, são as mesmas do Bramanismo esotérico. E a doutrina esotérica é assim

considerada por todos os "iluminados" (no sentido budista) das crenças como a

verdade mais absoluta referente à Natureza, ao Homem, à origem do Universo e aos

destinos para os quais tendem os seus habitantes. Ao mesmo tempo, o Budismo

Exotérico permaneceu em união mais estreita com a doutrina esotérica do que

qualquer uma das outras religiões populares. A exposição da ciência interna estará

associada, portanto, de forma irresistível por si mesma, com as descrições familiares

dos ensinamentos budistas. Com certeza, conferindo a estes um significado vívido,

que no geral lhes parece faltar, mas por isso mesmo contribuindo para que a

doutrina esotérica seja estudada em seu aspecto budista: além disso, um aspecto

que foi tão fortemente impresso sobre ela, desde os tempos de Gautama Buda.

Embora a essência da doutrina seja bem mais remota, o colorido budista penetrou

por completo em sua substância. O que vou expor ao leitor é o Budismo Esotérico, e

para estudantes acidentais, que pela primeira vez o abordam, seria imprópria

qualquer outra denominação.

À exposição das doutrinas deve ser considerada pelo leitor em seu conjunto,

antes que possa compreender por que os iniciados na doutrina esotérica consideram

como de assombrosa grandeza a situação que envolve uma revelação atual do

esboço geral desta doutrina. Uma explicação desse sentimento pode ser vista surgir,

de imediato, da extrema sacralidade que está sempre incorporada aos antigos

guardiães das verdades íntimas e vitais da Natureza. Até hoje, esta santidade tem

prescrito sua ocultação absoluta do rebanho profano. E, no que este costume de

ocultação — tradição de muitos séculos — vai sendo na atualidade substituído pelo

novo costume que determina o aparecimento deste livro, o será com surpresa e
pesar por grande número de discípulos iniciados. Submeter à crítica, que pode às

vezes ser desairosa e irreverente, doutrinas que até agora foram tidas por tais

pessoas como de importância demasiado majestosa, para que se fale delas apenas

em circunstâncias de condizente solenidade, parecer-lhes-á uma terrível profanação

dos grandes mistérios. Considerando este livro do ponto de vista europeu, seria

pouco razoável esperar que se possa livrá-lo da dureza costumeira dispensada às

idéias novas. E as convicções especiais ou o fanatismo vulgar podem fazer com

que, algumas vezes, no caso presente, tal conduta se torne particularmente hostil.

Apesar de tudo isso e ainda que dar à luz tais conhecimentos seja coisa lógica de se

esperar de expositores europeus como eu, será encarado com grande pesar e

desgosto pelos seus mais antigos e regulares representantes. Com tristeza,

apelarão à sabedoria sancionada pelo tempo em que, no antigo e simbólico estilo,

se proibia aos iniciados jogar pérolas aos porcos.

Felizmente, conforme eu penso, não se permitiu que a regra funcionasse por

mais tempo em detrimento de todos aqueles que, apesar de estarem ainda muito

longe de ser iniciados, no sentido oculto da palavra, estão aptos, pela pura força da

cultura moderna, a apreciar essa concessão.

Parte das informações contidas nas páginas que se seguem foi,

primeiramente, divulgada de modo fragmentário no Theosophist, revista mensal

publicada em Madras, índia, pêlos diretores da Sociedade Teosófica. Como quase

todos os artigos foram assinados por mim, não vacilei em entremear trechos dos

mesmos, quando achei conveniente no presente volume. Desse modo, consegui

certa vantagem, mostrando como as separadas peças do mosaico, pela primeira vez

apresentadas a público, ajustam-se naturalmente em seus respectivos lugares no

pavimento já concluído.
A doutrina ou sistema agora revelado, em seus traços essenciais, foi tão

zelosamente guardado até hoje que nenhum gênero de pesquisas literárias, embora

houvessem esquadrinhado a índia inteira, pôde trazer à luz a menor partícula do

conteúdo aqui revelado. Foi, afinal, dada ao mundo pela livre vontade daqueles sob

cuja custódia haviam permanecido até hoje. Ninguém teria arrancado deles nem a

sua primeira letra. Somente após ler com atenção estas explicações é que a atitude

em geral, com respeito às suas atuais revelações ou à reticência anterior, pode ser

criticada ou mesmo compreendida. As opiniões sobre a Natureza, agora expostas,

são bastante estranhas para os pensadores europeus. O modo de agir dos

graduados na ciência esotérica, resultado de uma longa intimidade com essas

opiniões, deve ser considerado em relação com o alcance peculiar da própria

doutrina.

Quanto às circunstâncias sob as quais estas revelações foram pela primeira

vez apresentadas no Theosophist, agora completadas e aqui expostas, como

perceberão nossos leitores, basta dizer, no momento, que a Sociedade Teosófica,

por meio da qual e graças à minha relação com ela vieram às minhas mãos as

informações deste livro, deve sua existência a certas pessoas que se incluem entre

os defensores da ciência esotérica. O assunto que, por fim, é exibido em proveito

dos que estão aptos a recebê-lo, é apresentado ao mundo por intermédio da

Sociedade Teosófica desde sua fundação, e somente circunstâncias posteriores

indicaram-me como o agente através de quem esta comunicação poderia ser feita

de modo conveniente.

É preciso que se saiba que não me considero o único expositor da verdade

esotérica para o mundo exterior, durante esta crise. Estes ensinamentos constituem

a conseqüência, no tocante ao conhecimento filosófico, das relações estabelecidas


com o mundo exterior pelos guardiães da verdade esotérica por meu intermédio. E

apenas em virtude dos atos e intenções destes instrutores esotéricos que decidiram

atuar por meu intermédio é que possuo um determinado conhecimento. Mas, em

diferentes sentidos, alguns outros escritores empreenderam, parece, a exposição em

benefício do mundo — e, segundo creio, de conformidade com um vasto plano, do

qual este volume é uma parte — das mesmas verdades que, sob outros aspectos,

tenho a missão de revelar. É provável que a grande efervescência existente, hoje em

dia, nas especulações literárias a respeito de problemas que ultrapassam os limites

da ciência física, tenham provocado tal conduta por parte dos grandes guardiães da

verdade esotérica, em que meu livro é, por certo, mais uma manifestação. Já o ardor

agora demonstrado nas "Pesquisas Psíquicas" por homens ilustres e cultos à testa

da Sociedade que se dedica, em Londres, a tal propósito, segundo minhas

convicções íntimas — conhecendo, como conheço, algo relativo ao modo como as

aspirações espirituais do mundo estão sendo secretamente influenciadas por

aqueles cujos trabalhos ocorrem nesse departamento da Natureza — é fruto

evidente de esforços paralelos àqueles com os quais estou mais diretamente

preocupado.

Agora me resta negar, com relação ao estudo que se segue, qualquer

pretensão minha quanto à perfeição de linguagem. Uma familiaridade maior com o

vasto e complicado esquema da cosmogonia revelada sugerirá, sem dúvida,

aperfeiçoamentos na fraseologia empregada de minha exposição. Há dois anos,

nem eu nem outro europeu conhecíamos o alfabeto da ciência aqui exposta pela

primeira vez, sob uma forma científica — ou, pelo menos, tentada nesta direção —,

a ciência das Causas Espirituais e de seus Efeitos, da Consciência Suprafísica, da

Evolução Cósmica. Embora tais idéias comecem a se revelar ao mundo, sob um


disfarce mais ou menos embaraçoso de simbolismo místico, não se tentara até há

dois anos, por nenhum instrutor esotérico, expor a doutrina em sua clara pureza

abstrata. À medida em que progredia a minha própria instrução neste sentido,

inventei frases e sugeri palavras como equivalentes às idéias que se apresentavam

à minha mente. Não tenciono ficar convencido de que em todas as oportunidades

tenha inventado as melhores frases possíveis, nem que haja encontrado as palavras

mais nítidas e expressivas. Por exemplo, no início da obra, precisamos atribuir

nomes aos elementos ou atributos de que se compõe o ser humano completo.

"Elemento" seria um termo inadequado para se usar, devido à confusão que se

originaria de sua utilização com outros sentidos. Também sujeita a objeções foi a

palavra "princípio". Para um ouvido educado nas sutilezas das expressões

metafísicas, esse termo soará de um modo pouco satisfatório, em algumas de suas

presentes aplicações. É bem possível que, com o passar do tempo, a nomenclatura

ocidental da doutrina esotérica se desenvolva muito mais a partir do que eu construí

provisoriamente. A nomenclatura oriental é bem mais apurada. Mas o sânscrito

metafísico parece embaraçar penosamente o tradutor — embora a culpa, segundo

meus amigos indianos, não seja do sânscrito, mas da linguagem em que pretendem

expressar a idéia sânscrita na atualidade. Com a ajuda do grego, que nos é familiar,

às vezes recebe-se melhor a nova doutrina — ou, antes, a primitiva doutrina, tal

como ela foi revelada recentemente — do que no Oriente se presumiu fosse

possível.
Ao Leitor

Todos os que lerem hoje este livro devem lembrar-se de que ele foi publicado

pela primeira vez em 1883, e constitui o mais primitivo esboço da doutrina esotérica

já revelada ao público em geral, em linguagem simples. Desde que ele foi escrito, o

estudo da teosofia e a posterior ajuda obtida dos Mestres originais ampliaram muito

o nosso conhecimento, e de muitas maneiras os pontos de vista que somos capazes

de expressar a respeito da evolução humana e da vida suprafísica são muito mais

ricos de detalhes que naquele esboço primitivo, que é considerado agora como

incompleto, até certo ponto enganoso. Por exemplo, neste livro todos os

conhecimentos da vida no Plano Astral (ou Kâma-Ioka) estão inteiramente

desatualizados. Meu trabalho seguinte, O crescimento da alma, elucida o assunto de

alguma forma. Um livro ulterior, No próximo mundo, aborda também outros aspectos

das condições variadas em que a Terra está dividida, com a prevalência dos

subplanos do vasto invólucro suprafísico. Do mesmo modo, todos os relatos neste

texto sobre o "Devachan" supervalorizam a importância desse estado — na verdade,

apenas um dos aspectos da vida no plano do Manas — e não propriamente um

objetivo a ser visado por toda a humanidade. Resumindo, a teosofia, considerada

uma ciência espiritual, avançou e está progredindo tão magnificamente que os seus

livros mais antigos são interessantes principalmente como registros de suas origens

— um prognóstico incompleto da riqueza de conhecimentos, acumulada mais tarde

em nossas mãos. A primeira coleção dos Anais da Loja de Londres, publicada

durante os anos de 1884-1902, revelou grande parte do progresso obtido; a nova

coleção (em circulação), de 1913-1916, já incorporou os resultados desse discreto

trabalho posterior.
A Ética da Teosofia é demasiado clara e simples para necessitar de revisão

constante. Em seu aspecto intelectual, a Teosofia é uma ciência viva repleta de

possibilidades futuras infinitas. Assim como o químico moderno deve remontar a

épocas anteriores com interesse, não desprovido de humor, para a especulação

transata sobre o "flogisto" e o "ar sem flogístico", bem assim os teosofistas precisam,

qualquer que seja seu estado, espero, ter uma espécie de tolerância pêlos muitos

equívocos contidos em O budismo esotérico, lembrando que, apesar deles, o livro

teve a honra de inaugurar o grande movimento teosófico no plano físico do mundo

ocidental.

A.P.SINNETT

1918
1. INSTRUTORES ESOTÉRICOS

As informações contidas nas páginas a seguir não são uma coleção de

inferências deduzidas de estudos. Aos leitores, apresento conhecimentos obtidos

mais por generosidade que por esforços. Disso não decorre que seu valor seja

menor; ao contrário, aventuro-me a declarar que será incalculavelmente maior pela

facilidade com que os obtive, do que quaisquer resultados proporcionados pêlos

métodos ordinários de pesquisas, mesmo se eu tivesse possuído, em seu grau mais

elevado, o que não pretendo possuir de modo algum — a Ciência Oriental.

Todos os que se preocupam com a literatura indiana, e mais ainda, qualquer

pessoa que na índia tenha tratado de assuntos filosóficos com nativos cultos,

estarão cientes da convicção geral no Oriente de que há homens que sabem mais

sobre filosofia, na acepção mais elevada da palavra — a ciência, o verdadeiro

conhecimento das coisas espirituais —, do que se acha registrado em qualquer livro.

Na Europa, a noção de segredo aplicada à ciência repugna tanto ao instinto

dominante que a primeira tendência dos pensadores europeus é negar a existência

daquilo com que antipatizam. Mas as circunstâncias me deram a certeza cabal,

durante minha estada na índia, de que a convicção que acabo de mencionar está

perfeitamente bem fundamentada. Afinal, tive o privilégio de receber uma massa

considerável de instrução sobre a até hoje ciência secreta, a respeito da qual os

filósofos orientais meditaram em silêncio até agora. Essa instrução foi unicamente

comunicada a estudantes preparados para penetrar nas regiões do segredo, e

permanecendo seus instrutores muito tranqüilos com relação à dúvida em que têm

ficado os demais investigadores, acerca da existência ou não de algo de importância

a aprender deles.
Compartilhando em princípio essa grande antipatia pela antiga regra de

conduta oriental, no que diz respeito ao conhecimento, cheguei, no entanto, a

perceber que a antiga ciência oriental era efetivamente uma verdade Importante. E

escusável considerar as uvas como verdes quando estão totalmente fora de alcance,

mas seria loucura persistir nessa opinião se um amigo de estatura elevada pudesse

apanhar um cacho e as achasse doces.

Por razões que aparecerão no decurso desta obra, a massa considerável de

ensinamentos até hoje secretos, que ela contém, me foi comunicada não só fora das

condições normais, mas com a finalidade explícita de que, de minha parte, eu as

comunicasse sem reservas ao mundo.

Sem a luz da ciência oriental, até agora secreta, é impossível que apenas

pelo estudo de sua literatura publicada — em língua inglesa ou em sânscrito — até

mesmo os estudantes da melhor qualificação científica possam compreender as

doutrinas internas e o significado verdadeiro de qualquer religião oriental. Esta

assertiva não envolve repreensão alguma aos escritores eruditos e laboriosos de

grande gênio, que têm estudado as religiões orientais em geral, e o Budismo de

modo especial, em seus aspectos exteriores. O Budismo é sobretudo uma religião

que tem gozado de uma existência dual desde o início de sua introdução no mundo.

O significado real interno de suas doutrinas foi mantido apartado dos estudantes

não-inicia-dos, enquanto seus ensinamentos externos têm sido simplesmente

apresentados à multidão, como um código de lições morais e com uma literatura

simbólica e velada, que indicava a existência de conhecimentos anteriores.

Esta ciência secreta, na verdade, é muito anterior à passagem de Gautama

Buda pela vida terrena. A filosofia bramânica, em épocas anteriores a Buda,

compreendia a mesma doutrina que na atualidade pode ser chamada de Budismo


Esotérico. Com efeito, os seus contornos haviam-se apagado e as suas formas

científicas haviam sido parcialmente confundidas; mas a massa geral de

conhecimentos já estava em poder de uns poucos eleitos antes que Buda viesse a

participar dos mesmos. Buda, entretanto, empreendeu a tarefa de revisar e restaurar

a ciência esotérica do círculo interno de iniciados, bem como a moralidade do mundo

externo. As circunstâncias em que esta tarefa foi feita foram muito mal-entendidas;

uma verdadeira explicação não seria inteligível sem as elucidações, que deveriam

ser obtidas por um exame prévio da própria ciência esotérica.

Desde o tempo de Buda, até hoje, a ciência esotérica de que nos ocupamos

tem sido zelosamente guardada como uma preciosa herança, privativa tão-só dos

membros regularmente iniciados das associações misteriosamente organizadas.

Estes, no que diz respeito ao Budismo, são os Arhats a que se refere a literatura

budista. São os iniciados que trilham a "quarta senda da santidade", de que se fala

nos escritos budistas. Mr. Rhys Davids, referindo-se à multiplicidade de textos

originais e às autoridades sânscritas, diz: "Podem-se escrever páginas e páginas

com os louvores impregnados de um sentimento temeroso e de êxtase, de que são

pródigos os escritos budistas a este estado da mente, o fruto da quarta senda, o

estado de um Arhat, de um homem perfeito segundo a fé budista." E depois de fazer

uma série de citações oriundas de autoridades sânscritas, expressa: "Para aquele

que chegou ao fim da senda e passou além da tristeza; que se libertou por si mesmo

de tudo; que se desprendeu de todos os grilhões, não existe mais nem a paixão,

nem o desgosto... Para ele não há mais nascimentos... acha-se no gozo do Nirvana.

Seu antigo karma está esgotado, não foi produzido nenhum novo karma; seu

coração está livre de anseios por uma vida futura e, não gerando novos desejos,

eles, os sábios, se extinguiram tal o lume de uma vela." Estes e outros parágrafos
semelhantes conduzem, de qualquer modo, os leitores europeus a uma idéia

completamente falsa no que concerne ao tipo de pessoa que um Arhat é

efetivamente, à vida que leva enquanto está na Terra e à que espera no futuro. Mas

a elucidação destes pontos pode ser adiada no momento. Primeiramente se podem

expor outros parágrafos procedentes de tratados esotéricos, que demonstram o que

é que geralmente se supõe ser um Arhat.

Mr. Rhys Davids, falando de Jhana e Samadhi (a crença de que era possível,

por meio de intensa auto-absorção, atingir faculdades e poderes sobrenaturais) diz

ainda: "Tanto quanto é do meu conhecimento, não se registra nenhum caso de

alguém, seja um membro da ordem, ou um asceta brâmane, que tenha adquirido

estes poderes. Um Buda sempre os possui; se os Arhats, como tais, realizam os

milagres especiais em questão, e se dentre os mendicantes somente os Arhats ou

unicamente os Asekhas podem realizá-los, é coisa que não está clara na

atualidade." As fontes de informação que foram exploradas até agora sobre o

assunto esclarecem muito pouco. Mas limito-me a mostrar que a literatura budista é

abundante em alusões relativas à grandeza e aos poderes dos Arhats. Quanto a um

conhecimento mais íntimo a respeito deles, circunstâncias especiais nos devem

apresentar explicações cabíveis.

Mr. Arthur Lillie, em Buda e o budismo primitivo, nos relata: "Seis faculdades

sobrenaturais se requerem do asceta antes que ele possa pretender o grau de

Arhat. A elas se alude constantemente nos Sutras como as seis faculdades

sobrenaturais, em geral sem nenhuma outra especificação... O homem possui um

corpo constituído dos quatro elementos... neste corpo transitório está acorrentada a

sua inteligência, e, achando-se assim confuso, o asceta dirige a sua mente à criação

do Manas. Ele imagina a si mesmo, em pensamento, com outro corpo criado a partir
desse corpo material — um corpo com uma forma, com membros e órgãos. Com

relação ao corpo material, este corpo é o que a espada é para a bainha, ou como

uma serpente saindo de um cesto em que estivesse confinada. Então o asceta,

purificado e aperfeiçoado, começa a pôr em prática faculdades sobrenaturais.

Encontra-se apto a passar através de obstáculos materiais, como paredes,

muralhas, etc.; é capaz de lançar sua fantástica aparição em muitos lugares ao

mesmo tempo... pode abandonar este mundo e até alcançar o céu do próprio

Brahma... Adquire o poder de ouvir os sons do mundo invisível de forma tão nítida

quanto os do mundo fenomenal — ainda mais nitidamente na realidade. Também

pelo poder dos Manas, é capaz de ler os pensamentos mais secretos dos outros e

de dar conta de seus caracteres." E assim sucessivamente com os demais

exemplos. Mr. Lillie não adivinhou com exatidão a natureza da verdade existente

atrás desta versão popular dos fatos; porém, a rigor, não é necessário citar mais,

para demonstrar que os poderes dos Arhats e sua penetração nas coisas espirituais

são respeitados pelo inundo budista do modo mais profundo, por mais que os

próprios Arhats se tenham mostrado singularmente pouco dispostos a facilitar o

mundo com autobiografias ou relatos científicos dos "seis poderes sobrenaturais".

Algumas proposições da tradução recente feita por Mr. Hoey, da obra Buda:

sua vida, sua doutrina, sua ordem, do Dr. Oldenberg, podem-se inserir neste local,

após o que seguiremos adiante. Nela lemos: "A proverbial filosofia budista atribui,

em inúmeras passagens, a posse do Nirvana ao santo que ainda pisa a Terra: 'O

discípulo que se livrou da sensualidade e do desejo, rico em sabedoria, conseguiu

aqui na Terra livrar-se da morte; atingiu o repouso, o Nirvana, o estado eterno.

Aquele que escapou dos difíceis labirintos do Samsara, que cruzou e chegou à

costa, absorvido em si mesmo, sem tropeços e sem dúvidas, que se livrou por si
mesmo das coisas terrenas e alcançou o Nirvana, a esse eu chamo de um

verdadeiro brâmane.' Se o santo quer pôr fim ao seu estado de existência, pode

fazê-lo, mas muito continua nele, até que a Natureza tenha atingido sua meta; a

respeito disso, cabem aquelas palavras postas na boca do mais eminente dos

discípulos de Buda: 'Não desejo a morte; não desejo a vida; espero que chegue

minha hora, como um obreiro que aguarda o seu salário'."

A multiplicação de citações semelhantes equivaleria a repetir, em formas

variadas, os conceitos exotéricos sobre o Arhats. Como todos os fatos ou

pensamentos do Budismo, o Arhat tem dois aspectos: um sob o qual ele se

apresenta ao mundo em geral, e o outro no qual vive, move-se e existe. No que se

refere à apreciação popular, ele é um santo aguardando um galardão espiritual do

gênero que o vulgo pode entender — um produtor de maravilhas graças a agentes

sobrenaturais. Na verdade, ele é o guardião, por longo tempo provado, da filosofia

mais profunda e secreta da religião fundamental que Buda renovou e restaurou; um

investigador da ciência natural, situado no próprio cume do conhecimento humano,

não só no que diz respeito aos mistérios do espírito, mas também em tudo o que se

relaciona com a constituição material do mundo.

Arhat é uma designação budista. Na índia, onde os atributos da ordem de

Arhat não estão necessariamente associados com as profissões do Budismo, a

designação mais familiar é Mahâtmâ. A Índia está saturada de narrativas sobre os

Mahâtmâs. Os mais antigos Mahâtmâs são, geralmente, chamados Rishis. Mas os

termos são permutáveis, e ouvi aplicar o título de Rishis a homens que estão vivos

hoje. Todos os atributos dos Arhats, que se descrevem nos escritos budistas, são

mencionados com não menos reverência na literatura indiana que os atributos

Mahâtmâs; e este volume poderia facilmente encher-se com traduções de livros do


país, referindo fatos milagrosos verificados por aqueles a quem a história e a

tradição conhecem por tal nome.

Com efeito, os Arhats e os Mahâtmâs são os mesmos homens. Naquela

altura de exaltação espiritual, o conhecimento supremo da doutrina esotérica

harmoniza todas as distinções sectárias originais. Seja qual for o nome que se dê a

esses illuminati 1 , eles são os adeptos da ciência oculta, algumas vezes, na índia de

hoje, chamados Irmãos e depositários da ciência espiritual que lhes foi legada por

seus predecessores.

Seria em vão pesquisar a literatura antiga e moderna, em busca de qualquer

explicação sistemática de sua doutrina ou ciência. Boa parte dela está

obscuramente exposta nos escritos ocultos; mas muito poucos têm utilidade para os

leitores que empreendem a tarefa sem um prévio conhecimento adquirido

independentemente dos livros. Pelo fato de eu ter recebido instrução direta de um

entre eles, posso agora tentar um esboço dos ensinamentos dos Mahâtmâs, do

mesmo modo como adquiri o que sei relativo à organização a que pertence a maior

parte deles, bem como os maiores, da atualidade.

Em todo o mundo há ocultistas de diversos graus de eminência e, igualmente,

há fraternidades ocultas que têm muito em comum com a fraternidade dirigente

estabelecida no Tibete. Mas todas as minhas investigações sobre o assunto me

convenceram de que a Fraternidade Tibetana é incomparavelmente a mais elevada

dessas associações, e como tal é considerada por todas as demais — dignas, por

sua vez, de serem encaradas como "iluminadas", no sentido oculto da palavra. Na

verdade, existem na índia muitos místicos isolados, que receberam uma auto-

educação integral sem vinculação com as associações ocultas. Muitos destes dizem

1
No original em italiano. Vale dizer: os Iluminados. (N. T.)
que atingem mais altos pináculos da iluminação espiritual do que os Irmãos do

Tibete, ou do que qualquer outra pessoa na Terra. Porém, o exame dessas

pretensões, em todos os casos com que me deparei, creio que conduziria qualquer

leigo imparcial, por pouco qualificado que estivesse em seu desenvolvimento

pessoal para julgar sobre iluminação oculta, à conclusão de que são completamente

infundadas. Por exemplo, conheço um natural da índia, homem de educação

européia, que goza de alto prestígio no Governo, de boa posição social, de caráter

elevado e que é respeitado de modo invulgar pêlos europeus que com ele se

relacionam na vida oficial. Essa pessoa concede aos Irmãos do Tibete apenas um

segundo lugar no mundo da iluminação espiritual. Considera o primeiro lugar

ocupado por uma pessoa que já não está neste mundo — seu próprio mestre oculto

na vida —, que ele convictamente afirma ter sido uma encarnação do Ser Supremo.

Seus próprios (do meu amigo) sentidos internos foram despertados por esse Mestre,

de forma que as visões do estado extático, em que pode imergir silenciosamente à

vontade, são para ele a única região espiritual digna de interesse. Convencido de

que o Ser Supremo foi seu instrutor pessoal desde o início, e que continua ainda

sendo no estado subjetivo, ele é naturalmente inacessível a sugestões de que suas

impressões podem ser deturpadas em vista de seu desenvolvimento psicológico mal

dirigido. Por outro lado, os devotos de alta erudição, que eventualmente se podem

encontrar na índia, que erigem sua concepção de Natureza, do Universo e de Deus

sobre uma base completamente metafísica, e que desenvolveram seus sistemas

pela força pura do pensamento transcendental, tomarão algum reconhecido sistema

de filosofia como fundamento e irão amplificá-lo a um ponto que apenas um

metafísico oriental poderia sonhar. Conseguem discípulos que depositam neles uma

fé tácita e fundam a sua pequena escola, que floresce durante certo tempo dentro de
seus próprios limites. Porém, uma filosofia especulativa dessa espécie é antes uma

ocupação para a mente do que um conhecimento. Esses "Mestres", comparados aos

Adeptos organizados da mais alta fraternidade, são como botes a remo comparados

com os transatlânticos — meios úteis de locomoção em seu próprio lago ou rio, mas

nunca uma embarcação em que se possa confiar para uma grande viagem marítima

ao redor do mundo.

Descendo a um nível ainda mais baixo na escala, a índia está saturada de

ioguins e faquires, em todos os graus de autodesenvolvimento, desde o dos mais

sujos selvagens, muito pouco superiores aos ciganos ledores de sorte que acorrem

às nossas corridas de cavalo, até o de homens em cuja reclusão um estrangeiro

dificilmente penetraria, cujas anormais faculdades e poderes bastam ser vistos ou

experimentados para quebrar a incredulidade dos mais ardorosos representantes do

moderno ceticismo ocidental. Os pesquisadores superficiais confundem com

facilidade tais pessoas com os Grandes Adeptos, dos quais ouviram falar

vagamente.

Entretanto, no que diz respeito aos verdadeiros Adeptos, não me aventuro a

dizer nada sobre o que é a organização tibetana, quanto às suas mais altas

autoridades dirigentes. Esses próprios Mahâtmâs — sobre os quais os leitores que

pacientemente me seguirem até o fim poderão formar uma idéia mais ou menos

adequada — estão subordinados, em seus diversos graus, ao chefe de todos.

Tratemos, antes de tudo, das primeiras condições da instrução oculta, o que pode

ser entendido com mais facilidade.

O grau de elevação que constitui um homem — chamado no mundo exterior

Mahâtmâ ou "Irmão" — só é alcançado após prolongada e penosa provação e

ansiosas provas de uma severidade realmente terrível. Há pessoas que passaram


vinte, trinta ou mais anos de irrepreensível e árdua devoção, dedicadas à missão

que empreenderam na vida, mas apesar disso, ainda se acham nos primeiros graus

de seu chelado, contemplando as alturas do adeptado, que estão muito acima de

suas possibilidades. E em qualquer idade que um garoto ou um homem se dedique

à carreira do ocultismo, dedica-se, entenda-se bem, sem reservas de nenhum

gênero e por toda sua vida. A missão que leva a cabo é o desenvolvimento em si

mesmo de muitas faculdades e atributos, de cuja existência nem se suspeita devido

ao fato de serem completamente latentes na massa da humanidade, sendo negada

a possibilidade de seu desenvolvimento. Estas faculdades e atributos devem ser

desenvolvidos pelo próprio cheia, com muito pouca ajuda, se houver alguma, além

da orientação e direção de seu mestre. Diz um aforismo oculto: "O Adepto se torna

um adepto: ele não é convertido em um." Pode-se ilustrar isto com o que acontece

num exercício físico corriqueiro. Todo homem com o uso normal de seus membros é

capaz de nadar. Mas mergulhem aqueles que, segundo provérbio popular, não

podem nadar em águas profundas, e eles se afogarão. O simples procedimento de

mover os membros não é um mistério. Porém, a menos que o nadador, ao movê-los,

acredite que tais movimentos produzirão o resultado almejado, este não será obtido.

Nesse caso, ocupamo-nos com forças meramente mecânicas, mas o mesmo

princípio se aplica às forças mais sutis. A mera "confiança" conduz o neófito oculto

muito mais longe do que o vulgo geralmente imagina. Quantos leitores europeus

permaneceriam totalmente incrédulos se se relatassem a ele alguns resultados que

os cheias ocultistas, dos graus mais incipientes de sua instrução, têm de obter por

pura força da confiança e, apesar disso, ouvem amiúde na igreja as familiares

afirmações bíblicas de que o poder reside na fé, e permitem que as palavras passem

como o vento, sem deixar qualquer impressão.


O grande fim e propósito do Adeptado é realizar o desenvolvimento espiritual,

cuja natureza está velada e disfarçada nas frases comuns da linguagem exotérica.

Dizer que o Adepto procura unir sua alma com Deus, para poder, por esse meio,

entrar no Nirvana, é uma assertiva destituída de significação para o leitor comum, e

quanto mais examiná-la, baseado em livros e métodos elementares, tanto menos

plausível lhe será a compreensão da natureza do processo observado, ou do estado

desejado. Em primeiro lugar, é preciso conhecer o conceito esotérico de Natureza e

a origem e os destinos do Homem, o que se diferencia por completo dos conceitos

teológicos, antes que se torne inteligível uma explicação da meta que o Adepto

persegue. Enquanto isso, entretanto, é desejável, logo de início, abrir os olhos do

leitor para o falso conceito, que provavelmente possa ter formado, sobre os objetivos

do Adeptado.

O desenvolvimento dessas faculdades espirituais, cujo cultivo se relaciona

com os mais elevados objetivos da vida oculta, proporciona, à medida que progride,

um conhecimento casual, relativo às leis físicas ainda não compreendidas da

Natureza em geral. Esse conhecimento, e a arte prática de manipular certas forças

ocultas da Natureza, como conseqüência, confere a um Adepto, e até aos discípulos

de um Adepto, num estágio incipiente de sua instrução, poderes extraordinários,

cuja aplicação nos assuntos da vida diária gera, em algumas ocasiões, resultados

que parecem completamente milagrosos. Do aspecto habitual, a aquisição de um

poder de aparência milagrosa é uma conquista tão estupenda que as pessoas, às

vezes, se sentem inclinadas a imaginar que o desígnio do Adepto, ao procurar os

conhecimentos que obtém, não foi outro que ele próprio investir-se desses poderes

cobiçados. Isso seria tão racional como dizer de qualquer grande patriota da história
militar que o seu propósito, ao ser soldado, foi o de portar um vistoso uniforme e

aguçar a imaginação das amas-secas.

O método oriental para o cultivo do saber sempre diferiu diametralmente do

seguido no Ocidente, durante o desenvolvimento da ciência moderna. Enquanto a

Europa pesquisou a Natureza da forma a mais pública possível, sendo discutido

cada passo com a mais ampla liberdade e circulando de imediato cada recente fato

adquirido para o benefício de todos, a ciência asiática foi estudada em segredo e

suas conquistas zelosamente guardadas. Não é necessário que eu tente no

momento a crítica ou a defesa desses métodos. Mas, de qualquer modo, esses

métodos foram afrouxados até certo ponto em meu próprio caso, e como já afirmei,

tenho o pleno consentimento de meus instrutores para seguir minhas inclinações

como europeu, comunicando o que aprendi a todos os que desejarem recebê-lo.

Posteriormente se verá como a transgressão das regras elementares do estudo

ocultista, incorporada às concessões agora feitas, cai naturalmente no lugar

apropriado do esquema completo da filosofia oculta. O acesso a essa filosofia esteve

sempre, de certo modo, aberto a todos. Através do mundo, por vários meios, foi

vagamente difundida a idéia de que certos processos de estudo, que alguns homens

realmente seguiram, aqui e acolá, podiam conduzir à aquisição de um gênero de

conhecimento mais elevado do que o que é geralmente ensinado à humanidade nos

livros ou por meio de pregadores públicos religiosos. O Oriente, como já foi

assinalado, esteve sempre mais que vagamente impressionado por essa crença,

porém mesmo no Ocidente a massa inteira de literatura simbólica, referente à

astrologia, alquimia e ao misticismo em geral, fermentou na sociedade européia,

levando algumas poucas inteligências, singularmente receptivas e qualificadas, à

convicção de que detrás de toda essa falta de sentido, superficialmente


incompreensível, grandes verdades jazem ocultas. A essas pessoas, esse

excêntrico estudo revelou algumas vezes passagens ocultas que conduziam aos

maiores reinos imagináveis da iluminação. Porém, até agora, em todos esses casos,

de acordo com a lei dessas escolas, tão logo o neófito forçava passagem na região

do mistério, era-lhe imposto o segredo mais inviolável a tudo o que se relacionasse

com seu ingresso nessa região e com os seus progressos ulteriores. Na Ásia, do

mesmo modo, o cheia, ou discípulo de ocultismo, tão logo se converte em um cheia,

deixa de ser testemunha da realidade da ciência oculta. Fiquei espantado ao ver,

assim que comecei a tratar deste assunto, quão numerosos são os cheias. Mas é

impossível imaginar algum ato humano mais improvável do que a revelação não

autorizada, por parte de qualquer cheia, aos profanos, de sua qualificação como tal.

E assim é como a grande escola esotérica de filosofia conserva com sucesso o seu

segredo.

Num livro anterior, O mundo oculto, apresentei um completo e fiel relato das

circunstâncias sob as quais estive em contato com homens de dons elevados e

profundamente instruídos, de quem obtive as informações contidas neste volume.

Não preciso repetir a história. Agora tratarei do assunto sob novo ângulo. A

existência de Adeptos ocultistas e a importância de suas aquisições são

estabelecidas por intermédio de duas diferentes Unhas de argumento: em primeiro

lugar, considerando-se a evidência externa — o depoimento de testemunhas

qualificadas, a manifestação de pessoas relacionadas com Adeptos de faculdades

anormais que proporcionem algo mais que mera suposição da existência de

conhecimentos de anormal amplitude; em segundo lugar, pela apresentação de uma

parte considerável desses conhecimentos, suficiente para dar a segurança intrínseca


de seu próprio valor. Meu primeiro livro seguia o primeiro destes métodos. Agora,

enfrento um desafio maior, utilizando o segundo.

COMENTÁRIOS

Quanto mais avançamos no estudo do ocultismo, tanto mais exaltadas se

tomam, sob muitos aspectos, as nossas concepções sobre os Mahâtmâs. A

compreensão global da maneira como estas pessoas chegam, ao final de longo

tempo, a diferenciar-se da espécie humana não é algo que se obtém apenas com a

ajuda do esforço intelectual. Há aspectos na natureza do Adepto que se relacionam

com o extraordinário desenvolvimento dos princípios superiores do homem, que não

podem ser compreendidos pela aplicação dos inferiores. Mas enquanto os conceitos

incompletos, formados a princípio, por pouco não alcançam o nível verdadeiro dos

fatos, surge uma curiosa complicação do problema nesse caminho. A primeira idéia

que fazemos de um Adepto que conquistou o poder de penetrar os tremendos

segredos da natureza espiritual é formulada de acordo com os nossos conceitos de

um homem de ciência muito talentoso, em nosso próprio plano. Estamos aptos a

pensar que, uma vez Adepto, ele será sempre um Adepto — um ser humano muito

digno, que necessariamente deve usar, em todas as circunstâncias de sua vida, as

qualidades que lhe são pertinentes como um Mahâtmâ. Desse modo — como já

indicamos — não conseguiremos, certamente, por mais que nos esforcemos, fazer

justiça em nossos pensamentos aos seus atributos ás Mahâtmâ. Podemos com

bastante facilidade incorrer no extremo oposto ao pensarmos nele em seu aspecto

humano comum e, destarte, ficaremos perplexos, à medida que começarmos a nos

familiarizar com as características do mundo da ciência oculta. Precisamente porque


os mais elevados atributos do adeptado se relacionam com os princípios da natureza

humana, que transcendem inteiramente os limites da existência física, é que o

Adepto ou Mahâtmâ apenas pode ser um Adepto, na mais alta acepção do termo,

enquanto está, como diz a expressão, "fora do corpo" ou, de qualquer modo, num

estado anormal alcançado por sua própria vontade. Quando não tem por que entrar

em tal estado, nem sair completamente fora das limitações de sua prisão carnal,

parece-se muito mais com um homem comum, do que a experiência dos discípulos

sobre algum de seus aspectos poderia fazê-los supor.

Uma apreciação correta desse estado de coisas explica a contradição

aparente, com base na posição do discípulo de ocultismo diante de seus mestres

comparada com algumas das declarações que o próprio mestre faz freqüentemente.

Por exemplo, os Mahâtmâs asseveram que não são infalíveis, que eles são homens

como os demais, talvez com uma compreensão mais ampla da Natureza que o

comum da humanidade, mas, apesar de tudo, capazes de enganar-se tanto na

direção dos assuntos práticos com que podem estar relacionados, como na

apreciação dos atributos de outros homens, ou na apreciação da capacidade dos

candidatos para o desenvolvimento oculto. Mas como conciliarmos afirmações dessa

natureza com o princípio fundamental, existente no fundo de toda pesquisa do

ocultismo, que induz o neófito a confiar absolutamente e sem nenhuma reserva nos

ensinamentos e na orientação do mestre? A solução da dificuldade está no estado

de coisas, ao qual nos referimos anteriormente. Embora o Adepto possa ser um

homem capaz de enganar-se algumas vezes de modo surpreendente, quanto aos

assuntos mundanos, do mesmo modo que entre nós alguns dos maiores gênios

estão propensos a cometer erros em sua vida comum, que talvez não cometeria

jamais o vulgo de outro lado, assim que um Mahâtmâ se ocupa com os mais
elevados mistérios da ciência espiritual, ele o faz devido ao exercício de seus

atributos de Mahâtmâ, e, no que tange a estes, dificilmente é considerado capaz de

enganar-se.

Esta consideração permite-nos sentir que a confiança que merecem os

ensinamentos derivados dessa fonte, em que se inspira o presente volume, está

completamente fora do alcance dos pequenos incidentes que no progresso de nossa

experiência pareçam pedir a retificação dessa confiança entusiástica na sabedoria

suprema dos Adeptos, que geralmente evoca as primeiras abordagens ao estudo do

ocultismo.

Isso não quer dizer que esse entusiasmo ou reverência diminua por parte de

algum cheia ocultista, à proporção que cresça sua compreensão do mundo em que

penetra. O homem, que em um de seus aspectos é um Mahâtmâ, antes é conduzido

dentro dos limites do afetuoso respeito humano, do que privado de seus direitos à

reverência, pela consideração de que em sua vida comum não está acima do nível

comum dos sentimentos humanos, como algumas de suas nirvânicas experiências

nos levariam a crer.

Se temos sempre presente na mente que um Adepto só é verdadeiramente

um Adepto quando está exercendo as suas funções e que no exercício destas pode

elevar-se à relação espiritual com tudo aquilo que é, ao menos dentro dos limites de

nosso sistema solar, o que na prática significa para nós a onisciência, livrar-nos-

emos então de muitos de nossos erros gerados pelas dificuldades do assunto.

Pode-se relatar aqui algo atinente à intrincada natureza do Adepto, o que

seria difícil compreender sem fazer referência a alguns dos últimos capítulos deste

livro. Mas, como isto tem um significado tão importante para tudo quanto se refira à

compreensão do que é o Adeptado, será conveniente tratar dele de uma vez. A


natureza dúplice do Mahâtmâ é tão completa que algo de sua influência ou

sabedoria, nos planos mais elevados da Natureza, pode atingir os que estão em

singulares relações psíquicas com ele, sem que o Mahâtmâ-homem sequer perceba

no momento em que esse apelo lhe foi dirigido. Por essa via, estamos livres para

especular sobre a possibilidade de que a relação entre o Mahâtmâ espiritual e o

Mahâtmâ-homem algumas vezes pertença antes à Natureza do que às vezes se

menciona nos escritos esotéricos como um obscurecimento (overshadowing), em

vez de uma encarnação no amplo sentido da palavra.

Além disso, como outra complicação independente do assunto, devemos

apreciar o fato de que cada Mahâtmâ não é meramente um ego humano num estado

muito exaltado, mas pertence, por assim dizer, a algum departamento específico da

grande organização da Natureza. Cada Adepto deve pertencer a um ou a outro dos

sete grandes tipos do Adeptado. Mas embora possamos, quase com certeza, inferir

que existam correspondências entre esses vários tipos e os sete princípios do

homem, eu evitaria tentar a elucidação completa desta hipótese. Será suficiente

aplicar a idéia ao que conhecemos vagamente sobre a organização ocultista em

suas mais altas regiões. Há algum tempo, afirmou-se que nos escritos esotéricos

existem cinco grandes Chohans ou Mahâtmâs superiores, que presidem sobre toda

a fraternidade dos Adeptos. Quando foi escrito o capítulo precedente deste livro, eu

tinha a impressão de que um chefe supremo, situado num nível diferente, exercia

autoridade sobre esses cinco Chohans. Agora, parece-me que este personagem

deve antes ser considerado como um sexto Chohan, cabeça de um sexto tipo de

Mahâtmâ. Esta conjectura conduz, de uma vez, a outra inferência: deve existir um

sétimo Chohan para completar as correlações que assim discernimos. Mas como o

sétimo princípio na Natureza ou no homem é um conceito de ordem mais


inacessível, que escapa ao poder de qualquer inteligência e que seria descrito em

nebulosas frases ininteligíveis sobre metafísica, podemos portanto estar seguros de

que o sétimo Chohan está fora de toda compreensão dos intelectos não versados na

matéria. Mas ele, fora de dúvida, desempenha um papel naquilo que pode ser

chamado a mais elevada organização da Natureza espiritual, sendo que tal

personagem é, às vezes, visível para alguns dos outros Mahâtmâs. Mas a

especulação que lhe diz respeito é valiosa, principalmente para ratificar a idéia

segundo a qual os Mahâtmâs podem ser compreendidos em seu verdadeiro

aspecto, como fenômenos necessários da Natureza, sem os quais a evolução da

humanidade dificilmente seria imaginada como avançando, e não como homens

excepcionais que atingiram um estado de grande exaltação espiritual.


2. A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM

Um exame da Cosmogonia, tal como a compreende a ciência oculta, deve

preceder toda tentativa de explicação dos meios pêlos quais se chegou a obter o

conhecimento dessa mesma Cosmogonia. Os métodos de pesquisa esotérica são o

resultado de fatos naturais, que a ciência exotérica desconhece totalmente. Estes

fatos naturais relacionam-se ao desenvolvimento precoce de faculdades nos

Adeptos ocultos, que a humanidade em geral não desenvolveu ainda. Estas

faculdades, por sua vez, capacitam seus possuidores à exploração dos mistérios da

Natureza e à comprovação das doutrinas esotéricas, na manifestação vindoura de

seu sublime desígnio. O estudante prático de ocultismo pode desenvolver

primeiramente suas faculdades e aplicá-las depois à observação da Natureza. Mas,

para os leitores ocidentais, que só procuram a compreensão intelectual, deve

preceder a consideração dos sentidos internos utilizados pela pesquisa oculta, antes

de expor a teoria da Natureza. Por outro lado, o exame da Cosmogonia, tal como é

compreendida pela ciência oculta, só pode ser sistematizado cientificamente em

detrimento da inteligibilidade para os leitores europeus. Antes de mais nada,

devemos tentar entender o estado do Universo anterior ao início da evolução. Isso

não foi negligenciado de modo algum pêlos estudantes esotéricos, e, mais adiante,

no curso deste esboço, serão feitas algumas sugestões relativas à opinião que o

ocultismo sustenta sobre os processos primitivos, através dos quais a matéria

cósmica passa em seu percurso evolutivo. Mas uma ordenada exposição dos

processos mais primitivos da Natureza incluiria indicações à constituição espiritual

do homem, que não seria entendida sem alguma explicação preliminar.


A ciência esotérica reconhece sete princípios distintos na constituição do

homem. A classificação difere de um modo tão absoluto de tudo aquilo com que os

leitores europeus estão familiarizados que, naturalmente, me questionarão sobre as

bases em que o ocultismo se apóia para chegar a essa conclusão. Porém, devido às

peculiaridades inerentes ao assunto, que mais adiante serio compreendidas, devo

pedir para esta ciência oriental que dou a conhecer, certa atenção, por assim dizer,

de tipo oriental. Os sistemas oriental e europeu de transmitir conhecimento diferem

completamente em seus métodos. O método ocidental instiga e provoca, a cada

momento, o instinto da controvérsia do discípulo. Ele é animado a debater e a opor-

se à evidência. Proíbe-se-lhe aceitar qualquer afirmação científica tão-somente por

sua autoridade. Pari passu, à medida que adquire conhecimentos, deve aprender o

modo como eles são adquiridos e faz-lhe sentir que nenhum fato é digno de ser

conhecido, a menos que se conheça ao mesmo tempo a maneira de se demonstrá-

lo como tal. O método oriental dirige seus discípulos de uma forma bem diferente.

Está atento à necessidade de demonstrar seus ensinamentos como o Ocidente, mas

fornece provas de um gênero bem diferente. Dá poder ao estudante de pesquisar

por si mesmo a Natureza e de comprovar seus ensinamentos naquelas regiões em

que a filosofia ocidental só pode penetrar por intermédio da especulação e do

argumento. Jamais se dá ao trabalho de questionar sobre nada. Afirma: "O fato é

assim e assim; eis a chave dos conhecimentos; agora vai e observa por ti mesmo."

Assim ocorre que o ensinamento per se não é nada mais que ensinamento pela

autoridade. O ensinamento e a demonstração não vão de mãos dadas. Seguem-se

um ao outro na devida ordem. Outra conseqüência deste método é que a filosofia

oriental emprega o método que no Ocidente foi afastado, por boas razões, como

incompatível com nossa própria atitude de desenvolvimento intelectual: o sistema de


raciocinar do geral ao particular. Os objetivos que a ciência européia costuma ter em

mente não seriam resolvidos por esse plano, porém penso que qualquer pessoa que

se adiante na presente questão sentirá que esse sistema, de partir dos detalhes

para chegar às conclusões gerais, não se aplica ao assunto que ora discutimos. Não

se pode compreender pormenores neste ramo de conhecimentos, até que se

adquira um discernimento geral do esquema completo das coisas. Até o fato de

comunicar esta compreensão apenas por meio da linguagem é uma tarefa enorme e

nada fácil. Deter-se a cada momento da exposição, a fim de recolher toda evidência

capaz de provar cada afirmativa de per se, seria praticamente impossível. Tal

método acabaria com a paciência do leitor e o impediria de deduzir, como o faria de

um estudo sinóptico, esse conceito definido sobre o que a doutrina esotérica quer

ensinar e que me toca evocar.

Esta reflexão pode sugerir, de passagem, uma nova luz que guarda uma

íntima vinculação com o assunto presente dos sistemas de raciocínio platônico e

aristotélico. O sistema de Platão, descrito grosseiramente como raciocinando do

universal ao particular, é condenado pêlos hábitos modernos em prol do segundo e

exatamente sistema inverso. Mas Platão se restringia à tentativa de defender o seu

sistema. Todas as razões nos levam a crer que sua familiaridade com a ciência

esotérica é o que movia seu método e que as habituais restrições que sobre ele

pesavam, como ocultista iniciado, proibiam-no de dizer tudo o que poderia tê-lo

justificado. Ninguém que estude a ciência oculta, contida neste volume, e que logo

se direcione para Platão, ou para qualquer resumo inteligente de seu sistema,

deixará de encontrar correlações colhidas em cada passagem.

Os mais elevados princípios da série que forma o homem não estão

desenvolvidos na humanidade que conhecemos, mas um homem completo ou


perfeito poderia ser determinado nos elementos seguintes. Para facilitar a aplicação

destas explicações aos usuais escritos exotéricos budistas, são dados também os

nomes sânscritos desses princípios, assim como os termos adequados em nossa

linguagem 2 .

1 O Corpo: Rûpa

2 Vitalidade: Prana ou Jîva

3 Corpo Astral: Linga-sharîra

4 Alma Animal: Kâma-rüpa

5 Alma Humana: Manas

6 Alma Espiritual: Buddhi

7 Espírito: Âtma

Quando conceitos tão transcendentais, como alguns dos incluídos nesta

análise, são expostos de forma tabular, incorre-se, ao que parece, em certa

degradação contra a qual devemos estar sempre prevenidos, tratando de

compreender com clareza o que se pretende significar. De fato, seria impossível

mesmo para o mais hábil professor de ciência oculta exibir cada um desses

princípios, isolada e distintamente dos outros, como se procede com os elementos

físicos de um corpo composto, ao separá-los por meio da análise e conservá-los

independentes uns dos outros. Os elementos de um corpo físico estão todos no

mesmo plano de materialidade, mas os elementos do homem estão em planos muito

diferentes. Os gases mais sutis, capazes de entrar na composição química do corpo

humano, acham-se ainda, ao menos proporcionalmente, quase no nível mais


2
A nomenclatura aqui adotada difere ligeiramente da que apareceu na Theosophist, quando alguns fragmentos
dos presentes ensinamentos foram expostos pela primeira vez. Depois se verá que os nomes, atualmente
preferidos, incluem um conceito mais completo de todo o sistema e evitam algumas dificuldades a que nos
nomes primitivos davam origem. Não se deve estranhar que as primeiras exposições da ciência esotérica fossem
imperfeitas, pois eram uma conseqüência natural das dificuldades com que os expositores ingleses lidavam. Mas
não há que confessar, nem deplorar erro algum substancial. As conotações dos nomes atuais são mais precisas do
que as escolhidas de início; porém, as explicações dadas originariamente, quanto a seu alcance, estavam em
completa harmonia com as que se desenvolvem na atualidade.
material de todos os elementos. O segundo princípio, por sua associação com a

matéria grosseira, transforma-a, do que de costume chamamos matéria inorgânica

(o que com mais propriedade seria chamá-la inerte), em matéria viva, sendo algo

bem diverso da matéria mais inferior que conhecemos. Constitui, portanto, o

segundo princípio algo que possamos chamar verdadeiramente de matéria? A

questão nos conduz, assim, ao princípio desta indagação, ao centro da sutil

discussão metafísica sobre se a força e a matéria são diferentes ou idênticas. Basta,

no momento, assentar que a ciência oculta as considera idênticas e que não

observa nenhum princípio da Natureza como totalmente imaterial. Desse modo,

embora nenhum conceito do Universo, do destino do homem ou da Natureza em

geral seja mais espiritual do que os da ciência oculta, esta ciência está

completamente livre do erro lógico de atribuir resultados materiais às causas

imateriais. A doutrina esotérica é, portanto, na realidade, o elo que falta entre o

materialismo e a espiritualidade.

A chave do mistério que isso envolve encontra-se no fato, diretamente

reconhecível pêlos ocultistas versados, de que a matéria existe sob outros estados

além dos que podem ser reconhecidos pêlos cinco sentidos.

O segundo princípio do Homem, a Vitalidade, consiste, portanto, na matéria

em seu aspecto como força. Sua afinidade com o estado mais grosseiro da matéria

é tão grande que não pode ser separada de qualquer partícula ou massa da mesma,

salvo por instantânea translação para alguma outra massa ou partícula. Quando o

corpo do homem morre, por abandono de seus princípios superiores que o haviam

convertido numa realidade viva, o segundo, ou seja, o princípio da vida, não

constituindo mais uma unidade por si mesma, é ainda inerente, contudo, às

partículas do corpo enquanto este se decompõe, unindo-se a outros organismos aos


quais dá origem o mesmo processo de decomposição. Enterre-se o corpo na terra e

seu Jîva se unirá por si à vegetação que brota na superfície, ou às formas animais

inferiores que se desenvolvem de sua substância. Queime-se o corpo, e o

indestrutível Jîva voa não menos instantaneamente ao mesmo planeta donde foi

originalmente tomado, entrando em alguma nova combinação determinada por suas

afinidades.

O terceiro princípio, o Corpo Astral ou Linga-sharîra, é um duplo etéreo do

corpo físico, seu desenho original. Ele é quem guia o Jîva em seu trabalho sobre as

partículas físicas e é a origem para que este construa a forma que aquelas

assumem. Vitalizado pêlos princípios mais elevados, sua unidade é conservada

apenas pela união de todo o grupo. Na ocasião da morte, desencarna-se por um

breve período, e sob condições anormais é transitoriamente visível para algumas

pessoas. Sob tais condições, é tomado naturalmente pelo espectro da pessoa

morta. As aparições espectrais podem, às vezes, ter outras causas, mas o terceiro

princípio, quando isso se apresenta como um fenômeno visível, é mera agregação

de moléculas num estado particular, destituído de toda espécie de vida ou

consciência. Já não é um Ser, como não o é qualquer nuvem suspensa que no

espaço casualmente tome a semelhança de algum animal. Em termos gerais, o

Linga-sharîra jamais abandona o corpo, exceto à morte, nem mesmo neste caso

migra muito longe dele. Quando é visto, o que só pode ocorrer raramente, será

unicamente percebido perto do lugar onde o corpo físico ainda permanece. Em

alguns casos muito peculiares de mediunidade espírita, pode, durante um breve

tempo, sair do corpo físico e ser visível perto deste, mas o médium, nesse caso,

permanece todo o tempo em perigo iminente de vida. Perturbem-se

inconscientemente as condições nas quais o Linga-sharîra se libertou e sua volta


pode ser impedida. Então, o segundo princípio logo deixaria de animar o corpo físico

como uma unidade e se seguiria a morte.

Durante os dois últimos anos, enquanto indícios e fragmentos de ciência

oculta se difundiram pelo mundo, a expressão "Corpo Astral" vem sendo aplicada a

certa semelhança da forma humana plenamente habitada por seus mais elevados

princípios, podendo projetar-se a qualquer distância do corpo físico, lançada

conscientemente e com intenção precisa por um Adepto vivo, ou sem

intencionalidade, por meio da aplicação acidental de certas forças mentais a seus

princípios desprendidos por alguma pessoa no momento da morte. Para uso comum,

não há inconveniente prático no uso da expressão "Corpo Astral" para a aparência

assim projetada. De fato, qualquer expressão mais estritamente rigorosa, como se

vê, seria embaraçosa e devemos empregar a expressão em ambos os significados.

Não é preciso criar-se nenhuma confusão. Porém, estritamente falando, o Linga-

sharîra ou terceiro princípio é o corpo astral, e não pode ser lançado para fora como

veículo dos princípios superiores.

Os três princípios inferiores, como se vê, pertencem à Terra. Perecíveis por

natureza, como entidade isolada, embora sejam indestrutíveis com relação às suas

moléculas e em absoluto dissociados do homem em sua morte.

O quarto princípio é o primeiro dos que pertencem à natureza superior do

homem. A denominação sânscrita Kâma-rûpa é com freqüência traduzida por "Corpo

de Desejo", o que parece antes uma expressão confusa e pouco exata. Talvez

"Veículo da Vontade" seria uma tradução mais aproximada, se relacionando melhor

ao significado do que às palavras. Porém, o nome adotado anteriormente, "Alma

Animal" é o que sugere uma idéia mais exata.


Na Theosophist de outubro de 1881, quando se divulgaram as primeiras

indicações sobre a constituição setenária do homem, o quinto princípio era chamado

"alma animal", para distingui-lo do sexto, "alma espiritual". Embora essa

nomenclatura fosse suficiente para fixar a distinção exigida, degradava-se o quinto

princípio, que é essencialmente o princípio humano. Apesar de a humanidade ser

animal em sua natureza, se ela for comparada com o espírito, em todos os outros

aspectos acha-se acima da criação propriamente animal. Introduzindo um novo

nome para o quinto princípio, fazemos retroceder a denominação "alma animal" a

seu lugar devido. Esta classificação não se opõe, entretanto, à apreciação do modo

como o quarto princípio constitui o centro da vontade ou do desejo a que o nome

sânscrito se refere. O Kâma-rûpa é a alma animal, o princípio mais desenvolvido da

criação bruta, suscetível de evoluir e converter-se em algo mais elevado, por sua

união com o crescente quinto princípio no homem. Mas, de todo modo, a alma

animal, da qual nenhum homem prescinde, é o centro de todos os desejos animais e

uma potente força no corpo humano, atuando, por assim dizer, tanto para cima como

para baixo, e capaz de influenciar o quinto princípio, para fins práticos, bem como

ser influenciada por ele, para o seu domínio e aperfeiçoamento. O quinto princípio, a

"alma humana" ou Manas (como é descrito em sânscrito por um de seus aspectos),

é a sede da razão e da memória. Uma parte deste princípio, animada pelo quarto, é

o que em realidade se projeta a lugares distantes por um Adepto, quando faz sua

aparição no que se chama comumente seu corpo astral.

O quinto princípio, ou "alma humana", não está ainda plenamente

desenvolvido na maior parte da humanidade. Este fato, sobre o desenvolvimento

imperfeito dos princípios superiores, é muito importante. Não podemos conceber

com exatidão o lugar atual do homem na Natureza, se cometemos o erro de encará-


lo como um ser já completamente aperfeiçoado. E esse erro seria fatal para qualquer

previsão razoável relativa ao futuro que o aguarda — fatal também para qualquer

apreciação do verdadeiro caráter do futuro, que a doutrina esotérica nos explica e

que efetivamente o espera.

Uma vez que o quinto princípio não está plenamente desenvolvido, fica

subentendido que o sexto princípio ainda está em estado embrionário. Essa idéia foi

indicada de variadas maneiras em recentes previsões da grande doutrina. Algumas

vezes, foi dito que não possuíamos, a rigor, nenhum sexto princípio, porém que

simplesmente temos o seu germe. Também foi dito que o sexto princípio não está

em nós, mas adeja sobre nós. É algo para onde se devem dirigir as mais altas

aspirações de nossa natureza. Mas também foi dito: Todas as coisas, não apenas o

homem, cada animal, planta e mineral, tem os seus sete princípios, e o mais elevado

princípio de todos — o sétimo — vitaliza aquele fio contínuo de vida que passa

através de toda a evolução, unindo em sucessão definida as quase inumeráveis

encarnações daquela vida que forma uma série completa. Devemos assimilar todos

esses diferentes conceitos e uni-los uns com os outros, ou extrair a sua essência,

para aprender a doutrina do sexto princípio. Seguindo a ordem de idéias que agora

mesmo nos sugere a aplicação do termo "alma animal" ao quarto princípio, e "alma

humana" ao quinto, pode o sexto ser denominado a "alma espiritual" do homem, e o

sétimo, por conseguinte, o próprio espírito.

Sob outro aspecto da idéia, o sexto princípio pode ser chamado o veículo do

sétimo, e o quarto, o veículo do quinto. Contudo, outra forma de focalizar o problema

nos ensina a considerar cada um dos princípios superiores, a contar do quarto para

cima, como um veículo do que na Filosofia Budista se chama de Vida Una ou

Espírito. Segundo este modo de abordar o assunto, a Vida Una é aquilo que se
aperfeiçoa, ao habitar os diferentes veículos. No animal, a Vida Una está

concentrada no Kâma-rûpa. No homem, começa do mesmo modo a penetrar o

quinto princípio. No homem aperfeiçoado penetra o sexto, e quando penetra o

sétimo princípio o homem deixa de ser homem, atingindo uma condição de

existência completamente superior.

Este último modo de situar a questão é especialmente valioso, por prevenir-

nos contra a noção de que os quatro princípios superiores são como um feixe de

varas, atadas juntas, mas possuindo cada uma a sua individualidade, no caso de se

desatarem. Nem a "alma animal" sozinha nem a "alma espiritual" sozinha têm

qualquer individualidade. Por outro lado, o quinto princípio não poderia separar-se

dos outros, em tal grau que conservasse sua individualidade, ao passo que os

outros dois princípios ficassem inconscientes. Foi dito que mesmo os princípios mais

sutis são materiais e moleculares em sua constituição, embora compostos por uma

ordem de matéria muito mais elevada do que podem captar os sentidos físicos.

Portanto, são dissociáveis, e o mesmo sexto princípio pode ser imaginado como

divorciando-se de seu vizinho inferior. Neste estado de separação, porém, e no grau

atual de desenvolvimento da humanidade, poderia em semelhante circunstância

simplesmente reencarnar-se e desenvolver um novo quinto princípio, por contato

com um organismo humano. Neste caso, o quinto princípio se apoiaria no quarto,

sendo proporcionalmente degradado. Apesar de tudo, este quinto princípio, que não

pode permanecer só, é o que constitui a personalidade do homem e a sua essência,

em união com o sexto, a sua contínua individualidade através das vidas sucessivas.

As circunstâncias e as atrações, sob cuja influência os princípios se dividem,

e o modo como a consciência do homem atua sobre eles, serão objeto de discussão

mais adiante. Entrementes, compreenderemos melhor o aspecto geral da questão


ocupando-nos de início dos processos de evolução por meio dos quais se

desenvolvem os princípios do homem.

COMENTÁRIOS

Alguma objeção foi levantada ao método de como a Doutrina Esotérica é

apresentada ao leitor, neste livro, com o fundamento de que é materialista. Duvido

eu que, por qualquer outro procedimento, as idéias de que trato pudessem ser

postas ao alcance da inteligência, sendo fácil, uma vez entendidas, traduzi-las nos

termos próprios de seu idealismo. Os princípios superiores poderão ser

considerados melhor como outros tantos estados diferentes do Ego, quando os

atributos destes estados forem considerados separadamente como princípios

submetidos à evolução. Mas vale frisar algo sobre o aspecto da constituição humana

que apresenta a consciência da entidade, emigrando sucessivamente através dos

distintos graus de desenvolvimento que os diferentes princípios significam.

Quanto à evolução mais elevada, da qual temos de ocupar-nos agora — a do

Mahâtmâ perfeito —, declarou-se algumas vezes, nos ensinamentos ocultos, que a

consciência do Ego adquiria o poder de viver integralmente no sexto princípio. Seria,

porém, uma maneira errônea, além de crassa, de considerar o assunto, supor que o

Mahâtmâ tenha descartado por completo, como inúteis, os invólucros do quarto e do

quinto princípios, nos quais sua consciência pode haver morado durante os

anteriores estados de sua evolução. A entidade que era antes o quarto ou quinto

princípio, chegou agora a ser diferente em seus atributos e a ficar divorciada por

completo de certas tendências ou disposições, e é, portanto, um sexto princípio. A

mudança pode ser descrita, em termos mais gerais, como uma emancipação da

natureza do Adepto da servidão de seu eu inferior aos desejos da vida terrena


comum — e mesmo das limitações dos afetos. Porque o Ego, que está

completamente consciente em seu sexto princípio, realizou sua unidade com os

verdadeiros Egos de toda humanidade, no plano superior, e não pode mais ser

atraído pêlos laços de simpatia mais para uns do que para outros. Atingiu aquele

amor pela humanidade como um todo, que transcende o amor de Mâyâ ou ilusão,

que constitui a criatura humana e é a causa do sentimento de separação do ser

limitado nos planos inferiores da evolução. Não é que tenha perdido seus quarto e

quinto princípios — mas estes alcançaram o Mahatmado. Do mesmo modo como a

alma animal do reino inferior, ao alcançar a humanidade, floresce no quinto estado.

Aquela consideração nos ajuda a entender com maior exatidão a passagem dos

seres humanos comuns através de longas séries de encarnações no plano humano.

Tendo penetrado diretamente naquele plano de existência, a consciência do homem

primitivo vai gradualmente adquirindo os atributos do quinto princípio. Mas o Ego, a

princípio, permanece , um centro de atividade mental trabalhando principalmente

com impulsos e desejos pertencentes ao quarto estágio da evolução. Lampejos da

razão humana superior iluminam-no com intermitência no início, mas, por graus, o

homem mais intelectual atinge a plena posse daquela. Os impulsos da razão

humana afirmam-se cada vez mais vigorosamente. A mente fortalecida converte-se

em força predominante na vida. A consciência é transferida ao quinto princípio,

oscilando, entretanto, durante muito tempo, entre as tendências da natureza inferior

e as da superior, ou seja: durante vários períodos evolutivos e várias centenas de

vidas — e assim purificando e exaltando o Ego. Durante esse tempo, o Ego constitui

assim uma unidade, tomado deste ponto de vista, enquanto o sexto princípio é

apenas uma potencialidade de desenvolvimento posterior. No tocante ao sétimo

princípio, este é o verdadeiro Incognoscível, a causa suprema reguladora de todas


as coisas, o mesmo em todos os homens, o mesmo tanto para a humanidade., como

para o reino animal, o mesmo para todos os planos de existência: físico, astral,

devachânico ou nirvânico. Nenhum homem adquiriu um sétimo princípio, na

concepção superior do assunto: todos nós somos encobertos, do mesmo

incompreensível modo, pelo sétimo princípio do cosmos.

Como se harmoniza esta forma de encarar o assunto com a asserção feita no

capítulo anterior de que, em certo sentido, os princípios são dissociáveis e que até

pode imaginar-se o sexto como se divorciando de seu próximo e inferior vizinho e

desenvolvendo, por reencamação, um novo quinto princípio por meio do contato

com um organismo humano? Não existe qualquer incompatibilidade no espírito de

ambas as opiniões. O sétimo princípio é uno e indivisível em toda a Natureza; mas,

por intermédio dele, existe uma misteriosa persistência de certos impulsos de vida,

os quais constituem assim fios em que sucessivas existências podem estar

engastadas. Tal impulso de vida não expira, nem mesmo no caso hipoteticamente

extraordinário em que um Ego, por ele projetado e desenvolvido, até certo ponto, se

desprenda dele totalmente e como um todo completo. Não irei expressar

precisamente o que ocorre em caso semelhante, mas as subseqüentes encarnações

do espírito ao longo daquela linha de impulso se devem, é claro, à seqüência

original. E, destarte, dado o modo materialista de abordar a idéia, pode-se dizer,

aproximando-nos da precisão tanto quanto nos permita a linguagem, que o sexto

princípio da entidade caída separa-se do quinto original e se reencarna por sua

própria conta.

Mas não é necessário que nos ocupemos demasiadamente desses processos

anormais. A evolução normal é o problema que temos de resolver primeiro. A

consideração dos sete princípios como tais é, a meu ver, o método mais instrutivo
para abordar o problema. E convém considerar sempre que o Ego é uma unidade

que progride através de várias esferas ou estados de existência, sofrendo

mudanças, crescimentos e purificações durante o curso de sua evolução — ou seja,

uma consciência que reside neste, naquele ou em outro dos atributos potenciais de

uma entidade humana.


3. A CADEIA PLANETÁRIA

A ciência esotérica, apesar de ser o sistema mais espiritual que se possa

imaginar, nos apresenta, ao atuar em toda a Natureza, o sistema de evolução mais

completo que a inteligência humana possa conceber. A teoria darwiniana da

evolução é simplesmente o descobrimento independente de uma parte —

infelizmente só de uma pequena parte — de uma vasta verdade natural. Porém, os

ocultistas sabem explicar a evolução sem degradar os mais elevados princípios do

homem. A doutrina esotérica não tem nenhuma obrigação de manter a sua ciência e

religião em compartimentos estanques. Sua teoria da física e sua teoria da

espiritualidade não são irreconciliáveis; estão intimamente vinculadas e dependem

uma da outra. E o primeiro grande fato que a ciência oculta nos exibe, com relação à

origem do homem neste globo, vem em auxílio da imaginação para alguns sérios

problemas da noção científica familiar de evolução. A evolução do homem não

consiste num processo que apenas acontece neste planeta. É um resultado para o

que contribuem muitos mundos em condições diferentes de desenvolvimento

material e espiritual. Se esta asserção fosse exposta apenas como uma conjectura,

é certo que forçosamente se recomendaria por si mesma às inteligências racionais.

Pois existe uma irracionalidade manifesta na noção banal de que a existência do

homem está dividida num começo material, que dura sessenta ou setenta anos, e

num resto espiritual de eterna duração. O irracional converte-se em absurdo quando

se pretende que os atos dos sessenta ou setenta anos — as confusas e frívolas

ações da ignorante vida humana — sejam consentidos pela perfeita justiça de uma

sapientíssima Providência, para definir as condições daquela vida póstuma de

duração infinita. Não é menos disparatado imaginar que, excetuada a questão de


justiça, a vida do além deva estar isenta da lei da mudança, do progresso e do

aperfeiçoamento, que todas as analogias da Natureza indicam como funcionando

provavelmente em todas as variadas existências do Universo. Mas abandone-se de

uma vez por todas a idéia de uma vida do além uniforme, invariável e não

progressiva — admita-se por um instante o conceito de mudança e progresso

naquela vida — e conceba-se a idéia de uma variedade dificilmente compatível com

qualquer outra hipótese senão a do progresso através de mundos sucessivos. Como

afirmamos antes, não é isto, de modo algum, uma hipótese para a ciência oculta,

mas um fato determinado e comprovado (por ocultistas) fora de qualquer dúvida ou

contradição.

A vida e os processos evolucionários deste planeta — numa palavra, tudo o

que faz dele algo mais que uma massa inerte de matéria caótica — estão

encadeados com a vida e os processos evolucionários de vários outros planetas.

Mas não vá supor-se a inexistência de finalidade no que se refere ao esquema desta

união planetária a que pertencemos. A imaginação humana, uma vez posta em

liberdade, às vezes arremessa-se bem longe. Aceite-se plenamente como provável

ou verdadeira esta noção de que a Terra constitui meramente um elo na grande

cadeia de mundos, e poderia originar a idéia de que a totalidade dos céus estrelados

é a herança da família humana. Tal idéia implicaria um erro grave. Um só globo não

oferece lugar à Natureza para os processos mediante os quais o gênero humano foi

evocado do caos. Estes processos exigem apenas um número limitado e definido de

globos. Separados como estão no tocante à grosseira matéria física de que são

formados, os globos se acham estreita e intimamente unidos por meio de sutis

correntes e forças, cuja existência não requer muito esforço racional para ser

admitida, desde o momento em que a existência de alguma conexão — de força ou


meios etéreos — que une todos os corpos celestes visíveis, prova-se pelo mero fato

de que são visíveis. Por intermédio dessas correntes sutis é como os elementos de

vida passam de um mundo a outro.

Entretanto, o fato é, ao mesmo tempo, suscetível de má interpretação

decorrente de opiniões preconcebidas. Alguns leitores imaginarão que queremos

afirmar que, após a morte, a alma será arrastada pelas correntes daquele mundo

com o qual as suas afinidades se relacionam. O processo real é mais metódico. O

sistema de mundos é um circuito em torno do qual todas as entidades espirituais

individuais devem passar igualmente, e esta passagem constitui a Evolução do

Homem. Deve-se entender, portanto, que essa evolução é um processo ainda em

atividade e que de modo algum ele está completo. Os escritos darwinianos

ensinaram o mundo moderno a encarar o macaco como um antecessor, mas a

simples vaidade da especulação ocidental raras vezes permitiu que os

evolucionistas europeus dessem uma rápida olhada noutra direção, reconhecendo a

probabilidade de que para os nossos remotos descendentes podemos ser o que

aquele tão mal-recebido progenitor é para nós. Apesar disso, os dois fatos citados

apenas apóiam-se um no outro. A evolução superior será consumada por nosso

progresso através dos mundos sucessivos do sistema, e em formas mais elevadas

voltaremos a esta Terra de vez em quando. Mas as linhas de pensamento, por

intermédio das quais contemplamos essa perspectiva futura, são de uma extensão

quase inconcebível.

Poder-se-á supor, facilmente, que os mundos que compõem a cadeia à qual

pertence esta Terra não estão todos preparados para uma existência material

exatamente ou mesmo aproximadamente semelhante à nossa Não teria sentido

numa cadeia organizada de mundos, que todos fossem parecidos e que todos
pudessem ser amalgamados num só. Na verdade, os mundos com os quais estamos

relacionados diferem uns dos outros, não só em suas condições externas, mas

também naquela característica suprema da proporção em que o espírito e a matéria

combinam-se em sua constituição. Nosso próprio mundo geralmente apresenta-se-

nos em condições de equilíbrio entre o espírito e a matéria. Não se deve presumir

que ocupe um lugar alto na escala de perfeição. Ao contrário, permanece num nível

muito inferior nessa escala. Os mundos mais elevados na escala são aqueles em

que o espírito amplamente predomina. Existe um outro mundo, por assim dizer,

atado à cadeia em vez de formar uma parte dela, em que a matéria se manifesta até

mesmo mais decisivamente que na Terra; mas disso podemos falar mais adiante.

Que os mundos superiores, que o homem possa habitar em sua evolução

progressiva, tomem-se gradualmente mais e mais espirituais em sua formação —

por estar neles a vida mais e mais nitidamente separada das grosseiras

necessidades materiais — parecerá à primeira vista bastante razoável. Mas também

à primeira vista se pode imaginar que todos os que inversamente forem

denominados mundos inferiores, mas que a rigor denominam-se mundos

precedentes, devem ser menos espirituais, mais materiais do que esta Terra. O fato

é bem o oposto, e assim deve ser, visto tratar-se de uma cadeia de mundos sem fim,

isto é, uma cadeia em torno da qual percorre o processo evolucionário. Se este

processo somente tivesse uma jornada ao longo de um caminho que jamais

retornasse sobre si mesmo, poderíamos considerá-lo, deste ponto de vista, como

atuando da matéria quase absoluta até o quase absoluto espírito; mas a Natureza

atua sempre em curvas completas e viaja sempre por caminhos que retornam sobre

si mesmos. Os anteriores bem como os posteriores mundos desenvolvidos — pois a

própria cadeia foi crescendo por graus —, tanto os mais atrasados como os mais
adiantados são os mais imateriais, os mais etéreos de toda a série; e isto, estando

bem de acordo com o modo próprio de ser das coisas, pode ser comprovado,

refletindo-se que aquele mundo, estando numa situação mais avançada de todos,

não é nenhuma região de finalidade, mas o primeiro patamar para atingir o que está

mais atrás de todos, da mesma forma como o mês de dezembro nos conduz

novamente ao de janeiro. Não se trata de que a mônada individual caia, como por

uma catástrofe, do ápice de desenvolvimento ao estado do qual lentamente

ascendeu há milhões de anos. Desde esse mundo, por motivos que logo

apresentaremos, que deve ser considerado como o mais alto no arco ascendente do

círculo até aquele que deve ser considerado como o primeiro no arco descendente

— ou seja, o mais baixo na ordem do desenvolvimento —, não existe descida

alguma, mas sempre ascensão e progresso. Pois a mônada ou entidade espiritual,

que percorreu seu caminho ao redor de todo o ciclo da evolução, tomando-a em

qualquer das muitas etapas de desenvolvimento em que as existências são

agrupadas, começa seu próximo ciclo no grau superior que segue, e deste modo

está ainda realizando progresso à medida que passa do mundo Z outra vez ao

mundo A. Muitas vezes percorre o círculo deste modo em torno do sistema, mas sua

passagem ao redor dele não se deve julgar que seja tal qual uma revolução circular

numa órbita. Na escala da perfeição espiritual, está constantemente ascendendo.

Então, se comparamos o sistema de mundos a um sistema de torres situadas numa

planície — cada uma delas de muitos andares e simbolizando a escala de perfeição

—, vemos que a mônada espiritual representa um progresso em espiral em redor da

série, passando por cada uma das torres, cada vez que em sua volta chega a cada

uma delas e a um nível mais elevado que antes.


Por falta de compreensão desta idéia, a especulação relativa à evolução física

é amiúde sustada por obstáculos intransponíveis. Estão-se buscando os elos

perdidos num mundo em que jamais serão encontrados, porque, tendo apenas um

objetivo temporal, eles desapareceram. O homem, diz o darwiniano, foi certa vez um

macaco. Muito certo. Mas o macaco conhecido pelo darwiniano jamais se converterá

num homem — isto é, z. forma não mudará de geração em geração até que a cauda

desapareça e os pés se convertam em mãos, e assim por diante. A ciência comum

confessa que, embora as mudanças de forma sejam percebidas no progresso dentro

dos limites das espécies, as mudanças, de espécie para espécie, podem somente

ser inferidas; para explicá-las, pressupõem-se grandes intervalos de tempo e a

extinção das formas intermediárias. Ocorreu, sem dúvida, uma extinção das formas

intermediárias ou primitivas de todas as espécies (na acepção mais ampla da

palavra) — isto é, das correspondentes aos reinos mineral, vegetal, animal, humano,

etc. — mas a ciência comum meramente conjectura que tal fato ocorra, sem

compreender as condições que o tomaram inevitável e que proibiam a renovada

geração das formas intermediárias.

É o caráter espiralado do progresso realizado pelos impulsos vitais que

desenvolvem os vários reinos da Natureza o responsável pelos claros que se

observam agora nas formas animadas que povoam a Terra. A rosca de um parafuso,

que na realidade é um plano inclinado uniforme, se parece com uma sucessão de

degraus se for examinada apenas ao longo de uma linha paralela ao seu eixo. As

mônadas espirituais que percorrem em volta do sistema ao nível animal passam a

outros mundos, enquanto exerceram aqui sua volta de encarnação animal. Quando

de novo retornam, já estio prontas para uma encarnação humana e então não é

necessário o desenvolvimento ascendente das formas animais em formas humanas


— estas já estão esperando por seus moradores espirituais. Mas se voltarmos

bastante para trás, chegaremos a um período em que não existiam na Terra formas

humanas já desenvolvidas. Quando as mônadas espirituais, percorrendo o nível

humano mais baixo ou primitivo, começavam a circular desse modo, seu impulso

para a frente, num mundo que não continha senão formas animais, provocou o

melhoramento das mais elevadas dessas formas na forma exigida — o elo perdido

de que tanto se fala.

Focalizando essa questão sob determinado aspecto, pode-se objetar que esta

explicação é idêntica ao pressuposto evolucionismo darwiniano, com relação ao

desenvolvimento e extinção dos elos perdidos. Afinal de contas, um materialista

pode argumentar que "não nos interessa expressar uma opinião sobre a origem da

tendência nas espécies a desenvolver formas mais elevadas. Dizemos que elas

desenvolvem estas formas mais elevadas por meio de elos intermediários que se

extinguem, e vós dizeis exatamente o mesmo". Mas existe entre ambas as idéias

uma diferença para quem possa compreender distinções sutis. Ao processo natural

de evolução relacionado à influência de circunstâncias locais e à seleção sexual,

não se deve atribuir a produção de formas intermediárias, e este é o motivo pelo

qual se toma inevitável que as formas intermediárias sejam de natureza transitória e

se extingam. Do contrário, veríamos o mundo repleto de elos perdidos de todas as

espécies, aproximando-se ávida animal do gênero humano, por graus claramente

visíveis e misturando-se as formas humanas com as dos animais em indistinguível

confusão. O impulso à nova evolução de formas superiores é dado, efetivamente,

como já indicamos, por ondas de mônadas espirituais que chegam por ciclos num

estado apropriado para poder habitar nas novas formas. Estes impulsos de vida

superiores rompem a crisálida da forma mais antiga no planeta que invadem,


surgindo uma eflorescência de algo mais elevado. As formas que nada mais fizeram

do que se repetir por milhares de anos recomeçam o seu crescimento. Com rapidez

relativa, se elevam através das formas intermediárias às formas superiores, e, então,

como estas, por sua vez, multiplicam-se com o vigor e a rapidez de todos os novos

crescimentos, proporcionam habitações de carne para as entidades espirituais que

vão atingindo aquele estado ou plano de existência, enquanto que para as formas

intermediárias já não existem mais moradores que as exijam. Assim,

inevitavelmente, elas se extinguem.

Desse modo consuma-se a evolução, no que se refere a seu impulso

essencial, por meio de um progresso em espiral através dos mundos. Na exposição

desta idéia, antecipamos em parte o enunciado de outro fato relevante, como auxílio

para corrigir opiniões sobre o sistema do mundo a que pertencemos. Trata-se do

fato de que a maré de vida — a onda de existência, o impulso espiritual, chame-se

como quiser — passa de planeta a planeta por vagas ou golfadas, e não como uma

corrente contínua. No intuito de ilustrar no momento essa idéia, o processo é

comparável à operação de encher uma série de orifícios ou de tubos fincados no

chão, como são vistos algumas vezes na boca de nascentes pouco férteis, os quais

são unidos uns aos outros por meio de pequenos canais superficiais. À medida que

brota a corrente do manancial é, no início, inteiramente recolhida pelo primeiro

orifício, ou tubo A, e apenas quando este está completamente cheio, a corrente

contínua de água que brota da fonte, ao extravasar, passa a encher o tubo B. Este,

ficando cheio, transborda pelo canal em direção ao tubo C. E assim sucessivamente.

Pois bem, embora uma analogia tão tosca como esta certamente não nos leve muito

longe, esclarece, no entanto, a evolução da vida numa cadeia de mundos como a

que pertencemos. E esclarece até mesmo a evolução dos próprios mundos.


Porquanto, o processo que ocorre não implica a preexistência de uma cadeia de

globos que a Natureza se encarrega de encher com vida, mas sim num processo em

que a evolução de cada um dos globos é o resultado de evoluções prévias e a

conseqüência de certos impulsos provenientes de seu predecessor na

superabundância de seu desenvolvimento. Agora vamos estudar a característica do

processo a ser descrito, mas para isso devemos imaginar que recuamos no tempo, a

um período anterior no desenvolvimento de nosso sistema, muito anterior ao que

trata nosso assunto na atualidade, ou seja: a evolução do homem. É evidente que

tão logo comecemos a falar de princípios de mundos, nos ocupemos de fenômenos

que têm muito pouco a ver com a vida, tal como a entendemos, e, portanto, pode-se

supor que eles nada têm a ver com os impulsos da vida. Mas voltemos por etapas.

Atrás do resultado humano do impulso de vida existe o resultado das meras formas

animais, como qualquer um compreende. Atrás desta, permanecem as formas

meramente vegetais — pois algumas delas antecederam indubitavelmente a

aparição da primitiva vida animal no planeta. Além disso, antes das organizações

vegetais, existiam as minerais — visto que até um mineral é produto da Natureza,

evolução de algo existente atrás dela, como deve ser toda a manifestação

imaginável da Natureza — até que, na imensa série das manifestações, a

inteligência chega, retrocedendo, ao Imanifesto princípio de todas as coisas. Não

nos ocupamos agora da metafísica pura dessa espécie. Basta-nos demonstrar que é

tão razoável para nós — se de alguma forma queremos falar desses assuntos —

conceber um impulso de vida gerando formas minerais, como considerar que, mercê

de impulso idêntico, uma raça de macacos eleva-se a uma raça de homens

rudimentares. A ciência oculta remonta muito mais atrás, em sua inexaurível análise

da evolução, do que ao período em que os minerais começaram a aparecer. No


processo de desenvolver mundos do seio ígneo das nebulosas, a Natureza começa

com algo mais primitivo que os minerais — começa com as forças elementares que

são subjacentes aos fenômenos da Natureza, tais como os sentidos do homem os

percebe. Mas pode-se prescindir, no momento, desta parte do assunto. Tomemos o

processo no período em que o primeiro mundo da série — vamos denominá-lo globo

A — é somente uma massa informe de formas minerais. Pois bem, recorde-se que o

globo A foi descrito como muito mais etéreo, mais dominado pelo espírito, mais livre

de matéria do que o globo em que habitamos na atualidade. Assim, devemos fazer

grande concessão quanto a esse estado de coisas, quando pedimos ao leitor que o

imagine, no seu princípio, como mera massa informe de formas minerais. As formas

minerais podem ser minerais no sentido de não pertencerem as formas superiores

do organismo vegetal e podem ser, ainda, muito imateriais, quanto ao que

consideramos como matérias, muito etéreas, constituídas por uma fina ou sutil

qualidade da matéria em que o outro pólo ou característica da Natureza, o espírito,

amplamente predomina. Os minerais, que tentamos descrever, são, por assim dizer,

os espectros dos minerais. Não são os perfeitos, belos e duros cristais apresentados

pêlos gabinetes mineralógicos deste mundo.

Nestas espirais inferiores da evolução, de que agora nos ocupamos, do

mesmo modo que nas superiores, existe o progresso de um mundo a outro, e este é

o grande ponto a que visamos. Discorrendo para baixo, por assim dizer, existe o

progresso em acabamento, materialidade e consistência, depois, novamente o

progresso também para cima na espiritualidade, combinado com a perfeição que a

matéria ou a materialidade atingiu na descida. Ver-se-á que o processo de evolução

relacionado com o homem, em seus estados superiores, prossegue exatamente pelo

mesmo procedimento. Na verdade, há de se verificar que, em todos esses estudos,


um processo da Natureza tipifica o outro, que o grande é a repetição do pequeno em

maior escala.

Torna-se evidente, pelo que antes afirmamos, e a fim de que sejam

explicados os progressos dos organismos do globo A, que o reino mineral não

desenvolverá o reino vegetal no globo A até que receba um impulso de fora, do

mesmo modo que a Terra não pôde desenvolver o Homem do macaco até que

recebeu o impulso de fora. Mas não seria agora conveniente retroceder à

consideração dos impulsos que funcionam no globo A, no início da construção do

sistema.

Remontamo-nos bem atrás, a fim de poder avançar com mais facilidade,

desde um remotíssimo período mais longínquo do que aquele do qual agora

retrocedemos. Recuar mais modificaria por completo o caráter desta exposição.

Devemos deter-nos em alguma parte. Por enquanto, o melhor será admitir como

certos os impulsos de vida atrás do globo A. Detendo-nos neste ponto, vamos

examinar, de modo bem sucinto, o enorme período existente entre a época mineral

do globo A e a época do homem, voltando assim ao problema principal que temos

diante de nós. O que já foi dito facilita a abordagem da evolução interposta. O pleno

desenvolvimento da época mineral do globo A prepara terreno para o

desenvolvimento vegetal. Tão logo este se inicia, o impulso da vida mineral inunda o

globo B. Quando o desenvolvimento vegetal no globo A é completo e inicia-se o

desenvolvimento animal, então o impulso de vida vegetal inunda o globo B e o

impulso mineral passa ao globo C. Finalmente chega o impulso da vida humana ao

globo A.

Nesta altura, é preciso precaver-nos contra um erro em que podemos

incorrer. Tal como foi descrito aproximadamente, o processo comunica a idéia de


que, quando o impulso humano começou no globo A, o impulso mineral está

começando no globo D, e que além dele existia o caos. Isso está longe da verdade,

por duas razões. Em primeiro lugar, como já se disse, existem processos de

evolução que antecedem a evolução mineral, e assim ocorre que uma onda de

evolução, na verdade várias ondas de evolução, precedem à onda mineral em seus

progressos em volta das esferas. Além disso, existe um fato, que devemos expor,

por ter essa influência no curso dos acontecimentos, e que, uma vez entendido, nos

revela que o impulso de vida passou várias vezes completamente ao redor de toda a

cadeia de mundos, antes de principiar o impulso humano no globo A. Este fato é o

seguinte: cada um dos reinos da evolução, o vegetal, o animal e assim por diante,

está dividido em várias camadas dispostas em espiral. As mônadas espirituais — ou

seja, os átomos individuais daquele imenso impulso de vida, de que tanto se falou —

que não completam plenamente a sua existência mineral no globo A, completam-na

depois no globo B, e assim por diante. Elas passam várias vezes ao redor do círculo

completo como minerais. Depois, várias vezes como vegetais e várias vezes como

animais. De propósito nos abstemos, por enquanto, de entrar em números, porque

convém apresentar primeiramente o esboço do esquema em termos gerais. Mas,

cifras relativas a esses processos já foram divulgadas ao mundo pêlos Adeptos do

ocultismo. Por enquanto, para nós, o esboço deverá ser suficiente.

Temos agora o homem rudimentar, iniciando a sua existência no globo A,

naquele mundo em que todas as coisas são como que espectros correspondentes

às coisas deste mundo. Ele começa a sua longa descida na matéria. O impulso de

vida de cada "Ronda" transborda, formando-se as raças de homens em graus

diferentes de perfeição em todos os planetas, cada um por sua vez. Mas as Rondas

são mais complicadas em seu modo de ser do que esta explicação poderia mostrar,
se nos detivéssemos aqui. O processo para cada mônada espiritual não é

meramente uma passagem de planeta a planeta. Dentro dos limites de cada planeta,

cada vez que chega a ele, ocorre um complicado processo de evolução. Encarna-se

muitas vezes nas raças sucessivas de homens antes de ir para a frente e, mesmo,

está sujeita a muitas encarnações em cada uma das grandes raças. Ao se avançar

mais, há de se ver que este fato lança um facho de luz sobre o estado atual do

gênero humano, tal como o conhecemos, explicando as imensas diferenças de

inteligência, de moralidade e mesmo de bem-estar, em seu sentido mais elevado,

tudo o que aparece em geral tão dolorosamente misterioso.

O que tem um começo definido, em geral, também tem um fim. Assim como

mostramos que o processo evolucionário, antes descrito, começa quando certos

impulsos atuam pela primeira vez, da mesma forma infere-se que tendem para um

fim, para um objeto final. Assim é, embora esta meta esteja ainda longínqua. O

homem, tal como o conhecemos nesta Terra, está apenas a meio caminho do

processo evolucionário a que deve seu desenvolvimento atual. Ele será muito maior,

antes que o destino de nosso sistema se tenha cumprido, do que o é agora, assim

como na atualidade ele é muito maior do que o chamado elo perdido. Esse

aperfeiçoamento ocorrerá nesta Terra mesmo, enquanto nos outros mundos da série

ascendente existem ainda outros ápices de perfeição para serem escalados.

Imaginar a espécie de vida que terá o homem, por último, antes de atingir o zênite

do grande ciclo, está completamente fora do alcance de faculdades não

acostumadas ao discernimento dos mistérios ocultos. Mas já há bastante o que fazer

com os pormenores do esboço que agora apresentamos ao leitor, antes de

tentarmos prever as vidas para as quais a evolução se dirige nos imensos abismos

do futuro.
COMENTÁRIOS

Há uma expressão no capítulo anterior que não se coaduna com algumas

noções mais completas que pude adquirir sobre o assunto, depois de haver escrito

este livro. Afirma-se que "as mônadas espirituais — os átomos individuais daquele

imenso impulso de vida, sobre o qual tanto se tem falado —, que não completam

inteiramente sua existência mineral no globo A, completam-na depois no globo B, e

assim por diante. Elas passam várias vezes ao redor de todo o círculo como

minerais; depois, várias outras vezes em torno do mesmo, como vegetais, etc."

Agora compreendo que me foi permitido empregar esta forma de expressão no

primeiro caso, porque o principal propósito era elucidar o modo como a entidade

humana se desenvolvia gradualmente, devido aos processos da Natureza, agindo a

princípio nos reinos inferiores. Mas, na verdade, uma vez que se chega a um grau

de investigação mais amplo, torna-se claro que o vasto processo (cujo coroamento é

a evolução da humanidade e de tudo o que conduz a ela, isto é, a descida do

espírito na matéria) não produz uma diferenciação de individualidades até um

período muito posterior ao que se observa no parágrafo antes citado. Nos mundos

minerais em que as formas superiores da planta e da vida animal não foram

estabelecidas ainda, não existe nada que se pareça a uma mônada individual e

espiritual, a menos que seja, na verdade, por meio de alguma unidade inconcebível

— inconcebível, mas sujeita a ser tratada como outra teoria qualquer nos impulsos

de vida destinados a originar as cadeias ulteriores de existência de uma organização

elevada. Assim como, em nota anterior, pressupusemos a unidade desse impulso de

vida, no caso de um Ego humano pervertido, lançado como entidade completa fora

da corrente da evolução em que havia entrado, podemos igualmente supor a mesma

unidade como existente nos primeiros albores da cadeia planetária. Mas isto não
passa de uma hipótese que nos dá certa garantia, reservando-nos o direito de

indagar depois alguns mistérios, dos quais não necessitamos tratar no momento.

Para apreciar de modo geral o assunto, é melhor considerar a primeira infusão do

espírito na matéria, como provocadora de uma manifestação homogênea. As formas

específicas do reino mineral, os cristais e as rochas diferenciados são bolhas

daquela massa fervente, assumindo parcialmente formas individualizadas por certo

tempo e confundindo-se outra vez com a substância geral do crescente cosmos, não

se tratando ainda de verdadeiras individualidades. Nem sequer no reino vegetal

começa a individualidade. O reino vegetal estabelece a matéria orgânica em

manifestação física e prepara o caminho para a evolução superior do reino animal.

Neste, pela primeira vez, mas unicamente em suas regiões superiores, é evocada a

verdadeira individualidade. Portanto, até que contemplemos na imaginação a

passagem do grande impulso de vida ao redor da cadeia planetária, no nível da

encarnação animal, até aí não seria estritamente justificável falar das mônadas

espirituais que se movem em volta do círculo, como uma pluralidade a que o

pronome "elas" pudesse ser aplicado com propriedade.

É evidente que os Adeptos, autores da doutrina exposta neste volume, não

revelaram o tema da cadeia planetária com a intenção de encorajar nenhum estudo

íntimo da evolução na mesma grande escala em que aqui aparece exposta. Em tudo

o que se refere à humanidade, o período em que a Terra estará ocupada por nossa

raça é mais do que suficiente para absorver nossa energia especulativa. A

magnitude do processo evolucionário, que se verifica durante esse período, é mais

do que suficiente para pôr à prova as faculdades da imaginação comum. No entanto,

é sumamente vantajoso para os estudantes da doutrina oculta, para que

compreendam de uma vez a pluralidade de mundos em nosso sistema — suas


íntimas relações entre si e a interdependência mútua — antes de concentrar a

atenção na evolução deste único planeta. Pois em muitos aspectos a evolução de

um único planeta segue uma rotina análoga à rotina que afeta toda a série de

planetas a que pertence. Os antigos escritos sobre a ciência oculta, de linguagem

obscura, referem-se algumas vezes aos estados sucessivos do mundo como se

indicassem mundos sucessivos, e vice-versa, causando confusões para o leitor que,

conforme a tendência a que se incline, adere a determinadas interpretações de

linguagem nebulosa. A obscuridade desaparece, porém, quando compreendemos

que, nos fatos atuais da Natureza, temos de reconhecer ambos os procedimentos de

mudança. Enquanto habitado pela humanidade, cada planeta passa por uma

metamorfose de caráter altamente importante e transcendente, cujo efeito em cada

um dos casos pode ser encarado quase como equivalente à reconstituição do

mundo. Mas não é menos certo que, se a série completa dessas mudanças for

tratada como uma unidade, esta pertencerá, como tal, a uma série de mudanças

mais elevada. Os vários mundos da cadeia são realidades objetivas e não símbolos

de mudança em um mundo único e variável. Outras observações sobre este ponto

principal estarão com mais propriedade no lugar que lhes corresponde no final de

um dos próximos capítulos.


4. OS PERÍODOS DO MUNDO

Num primeiro relance pela doutrina oculta, observa-se uma ilustração notável

das uniformidades da Natureza, quanto ao desenvolvimento do homem na Terra. O

contorno do plano é tal qual o contorno do plano mais compreensível de toda a

cadeia de mundos. Os pormenores internos deste mundo, por suas unidades de

construção, equivalem aos pormenores internos do organismo maior, de que este

mundo é apenas uma unidade. Isto significa que o desenvolvimento da humanidade

nesta Terra se efetua por meio de ondas sucessivas de desenvolvimento, que

correspondem aos sucessivos mundos da grande cadeia planetária. A grande maré

da vida humana — segundo o que já foi descrito — percorre em volta do círculo

inteiro de mundos em ondas sucessivas. Achamos conveniente denominar Rondas

os primeiros crescimentos da humanidade. Não devemos esquecer que as unidades

individuais constitutivas de cada Ronda por turno são sempre as mesmas, no que se

refere a seus princípios superiores. Assim, as individualidades na Terra durante a

Ronda número um voltam outra vez a ela, depois de completarem suas jornadas ao

redor de toda a série de mundos, constituindo a Ronda número dois, e assim

sucessivamente. Mas o ponto a que se deve dar atenção especial é que a unidade

individual, chegando a um dado planeta da série, no decorrer de qualquer das

Rondas, não entra em contacto simplesmente com o planeta, passando ao próximo.

Pois, antes de passar a outro planeta, tem de viver por toda uma série de raças

neste planeta. Este fato sugere o esboço da construção que logo há de se

desenvolver na mente do leitor, exibindo aquela semelhança de contorno por parte

de um mundo, ao ser comparado com a série inteira, para a que já se chamou a

atenção. Assim como o esquema completo da Natureza a que pertencemos se


desenvolve por meio de uma série de Rondas que passam através de todos os

mundos, assim também o desenvolvimento da humanidade, em cada um dos

mundos, resulta de uma série de raças desenvolvidas por turno, dentro dos limites

de cada mundo.

Já é tempo de esclarecer de que modo funciona esta lei, ocupando-nos dos

números que efetivamente representam um papel na evolução de nossa doutrina.

Seria apressado iniciar por eles nossa explicação, mas uma vez bem entendida a

idéia de um sistema de mundos em cadeia e a idéia da evolução da vida em cada

um desses mundos, por meio de uma série de renascimentos, o exame posterior das

leis em funcionamento será, em grande parte, facilitado pela referência ao número

de mundos e raças necessários para realizar toda a finalidade do sistema. Mas se

deve ter presente que a duração inteira do sistema é certamente limitada no tempo,

como o é a vida de um homem. Provavelmente não limitada a determinado número

de anos, fixado irrevogavelmente desde o início, mas tudo o que tem um princípio se

encaminha para um fim. A vida do homem, prescindindo de todos os acidentes, é um

período findável e a vida do sistema mundial conduz a uma consumação final. Os

vastos períodos de tempo, com relação à vida de um sistema mundial, em geral

ofuscam a imaginação; mas apesar de tudo são mensuráveis e divisíveis em

subperíodos de vários tipos e estes têm um número definido.

Por um instinto profético, Shakespeare tomou o número 7 como o que

convinha à sua fantástica classificação das idades do homem, o que constitui uma

questão sobre a qual não precisamos nos preocupar. O certo, porém, é que não

poderia haver feito uma escolha mais feliz. A evolução das raças humanas pode ser

delineada em períodos de sete em sete, e o número preciso de mundos objetivos

que constituem o nosso sistema, e dos quais a Terra é um deles, é também de sete.
Tenha-se em mente que os sábios oculistas conhecem isso como um fato, assim

como os físicos admitem como um fato que o espectro consta de sete cores e a

escala musical de sete tons. Existem sete reinos na Natureza, e não três como a

ciência moderna os classificou incorretamente. O homem pertence a um reino

nitidamente separado do dos animais, incluindo seres de grau mais alto de

organização que aquele com que a humanidade nos familiarizou até agora. Abaixo

do reino mineral existem outros três, sobre os quais a ciência ocidental nada

conhece; mas esta parte do assunto pode, no momento, ser deixada de lado, pois

apenas a mencionamos para demonstrar a operação regular da lei setenária da

Natureza.

O homem — voltando ao reino que mais nos interessa — evolui numa série

de Rondas (progressões em volta da série de mundos) e sete delas têm de se

efetuar antes que os destinos de nosso sistema se cumpram. A Ronda em que nos

encontramos na atualidade é a quarta. Existem considerações do mais alto interesse

relacionadas com conhecimentos exatos sobre estes pontos, porque cada Ronda

está especificamente destinada ao predomínio de um dos sete princípios do homem,

e na ordem regular de sua gradação ascendente.

Uma unidade individual, que chega a um planeta pela primeira vez no curso

de uma Ronda, tem de evoluir pelas sete raças daquele planeta antes de passar ao

próximo, e cada uma destas raças habita a Terra durante longo tempo. Nossas

antiquadas especulações a respeito do tempo e da eternidade, sugeridas pelos

vagos sistemas religiosos do Ocidente, nos levaram a adotar uma curiosa atitude de

pensamento, com relação aos problemas relativos à duração desses períodos.

Falamos da eternidade de modo volúvel e, dirigindo-nos ao outro extremo da escala,

não nos impressionam os milhares de anos, mas assim que os anos são numerados
com exatidão em grupos correspondentes a conceitos determinados, os ilógicos

teólogos ocidentais tendem a reputar como disparates essas numerações. Pois bem,

nós que vivemos atualmente nesta Terra — ou seja, o grosso da humanidade, pois

há casos excepcionais que abordaremos mais tarde — estamos na quinta raça de

nossa presente quarta Ronda. Entretanto, a evolução dessa quinta raça começou há

milhões de anos. Animar-se-ia o leitor, considerando o fato de que a cosmogonia

atual não reconhece a sua atuação na eternidade, a ocupar-se com as estimativas

que se referem a milhões de anos, dispondo-se até mesmo a contá-los como se

fossem números dignos de consideração?

Cada uma das sete raças que compõem uma Ronda — ou seja, que evoluem

sucessivamente na Terra durante sua ocupação pela grande vaga da humanidade

que passa em torno da cadeia planetária — está sujeita a subdivisões. Não fosse

assim, as existências ativas de cada unidade humana seriam na verdade poucas e

distantes entre si. Nos limites de cada raça há sete sub-raças, e nos limites de cada

subdivisão há outras sete raças ramais. Por todas estas raças, em termos

aproximados, cada unidade humana deve passar durante a sua permanência na

Terra, cada vez que chega a ela numa Ronda de progresso através do sistema

planetário. Pensando bem, essa necessidade não deveria abalar a mente tanto

quanto uma hipótese que estipulasse um número menor de encarnações. Pois, por

muitas que sejam as vidas pelas quais cada unidade individual deva passar na Terra

em cada Ronda, sejam em maior ou menor número, não pode passar adiante

enquanto não chegar o tempo em que a onda circulante avançar para outras

regiões. Mesmo pelo cálculo já exposto, ver-se-á que o tempo gasto por cada

unidade individual na vida física representa uma pequena fração do tempo total

decorrido entre sua chegada à Terra e sua partida para o planeta próximo. A maior
parte do tempo — tal como contamos sua duração — portanto, obviamente

transcorre nas condições subjetivas de existência que pertencem ao "Mundos dos

Efeitos", ou à Terra espiritual ligada à Terra física, onde se passa a nossa existência

objetiva.

A natureza da existência na Terra espiritual deve ser considerada pari passu

com a natureza da vida passada na Terra física, se relacionando com a enumeração

anterior de encarnações da raça. Não devemos esquecer jamais que, entre cada

existência física, a unidade individual passa por um período de existência no

correspondente mundo espiritual. E como as condições dessa existência são

definidas pelo uso que se fez das oportunidades de que se dispunha na existência

física precedente, com freqüência se indica a Terra espiritual nos escritos ocultos

como o mundo dos efeitos, e a própria Terra como o correspondente mundo de

causas.

O que naturalmente passa ao mundo dos efeitos, após uma encarnação no

mundo das causas, é a unidade individual ou a mônada espiritual; mas a

personalidade que acaba de dissolver-se a acompanha na proporção que

corresponde aos méritos dessa personalidade — ou seja, de acordo com o uso que

esta tenha feito de suas oportunidades na vida. O período que tem de passar no

mundo dos efeitos — muito mais longo em cada caso do que a vida que lhe abriu

caminho para a existência naquele — corresponde ao "além-mundo", ou seja, o céu

da teologia comum. Os estreitos horizontes dos conceitos religiosos vulgares

compreendem somente uma vida espiritual e suas conseqüências na vida futura. A

teologia supõe que a entidade em questão tem seu princípio nesta vida física e que

a vida espiritual seguinte jamais cessará. Esse par de existências, revelado pêlos

elementos da ciência oculta que agora estamos expondo, constitui apenas uma
parte da experiência da entidade durante a sua conexão com uma raça ramal, uma

das sete pertencentes a uma raça subdivisionária, por sua vez, uma das sete que

compõem uma raça principal, esta, uma das sete ocupantes da Terra através de -

uma das sete ondas circulantes de seres humanos, as quais devem, cada uma de

per si, habitá-la, antes que sejam concluídas as suas missões na Natureza — essa

microscópica molécula da estrutura total é o que a teologia comum trata como se

fosse mais que o todo, pois supõe que isso abrange a eternidade.

Neste ponto devemos prevenir o leitor contra uma conclusão a que poderiam

induzi-lo as explicações anteriores — embora exatas para os períodos que abarcam,

não abrangem, entretanto, a totalidade do esquema. Ele não obterá o número exato

de vidas que uma entidade individual tem de passar na Terra durante sua

permanência ali numa Ronda, se simplesmente eleva o número sete à sua terceira

potência. Se em cada uma das raças ramais ocorresse unicamente uma existência,

o número total seria, obviamente, 343; porém, cada vida desce à objetividade duas

vezes, pelo menos, no mesmo ramo — em outras palavras: cada mônada encarna

duas vezes em cada raça ramal. Por outro lado, existe uma curiosa lei cíclica que

atua para aumentar o número total de encarnações além de 686. Cada uma das

sub-raças possui em seu ápice certa vitalidade extra, que a leva a fazer com que

brote uma raça ramal adicional naquele ponto de seu progresso, pelo que

desenvolve um ramo novo no fim da sub-raça, por assim dizer, em seus derradeiros

momentos. Através de todas essas raças passa a onda inteira da vida humana. O

resultado é que o número normal de encarnações, para cada mônada, é de quase

800. Este número varia dentro de limites relativamente estreitos, mas as

significações desse fato serão consideradas mais adiante.


A lei metódica que conduz a todas e a cada uma das entidades humanas,

através do vasto processo evolucionário assim esboçado, não é compatível, de

forma alguma, com a possibilidade de cair em destinos anômalos ou na derradeira

aniquilação que ameaça as entidades pessoais de gente que cultivou afinidades

muito ignóbeis. A distribuição dos sete princípios à morte demonstra isto de modo

bastante claro, mas, considerada à luz destas explicações posteriores sobre a

evolução, podemos, com mais facilidade, compreender a situação. A entidade

permanente é a que vive através da série inteira de vidas, não só das raças,

pertencentes à atual onda circulante na Terra, mas também através de todas as

outras ondas circulantes e em todos os outros mundos. Expressando em termos

gerais, no tempo oportuno, embora num futuro inconcebivelmente distante, se for

medido em anos, ela poderá recuperar a recordação de todas essas vidas, que lhe

parecerão dias do passado. Mas a escória astral, expelida a cada entrada no mundo

dos efeitos, tem existência própria mais ou menos independente, separada por

completo da entidade espiritual da qual recentemente se desligou.

A história natural dessa escória astral é um problema de grande interesse e

importância, mas o prosseguimento metódico de todo assunto exige de nós, à

primeira vista, que se compreenda o destino do Ego espiritual mais durável e

elevado, e antes ainda de empreendermos esta investigação, cabe analisarmos

melhor o desenvolvimento das raças objetivas.

Ainda que se interesse por assuntos que geralmente são considerados como

pertinentes à religião, a ciência esotérica não seria um sistema tão completo e

fidedigno, tal como é, se não conseguisse harmonizar com suas doutrinas todos os

fatos da vida terrena. Muito pouco capaz teria sido ela de pesquisar e certificar-se do

modo como a raça humana se desenvolveu através de evos de tempo e de séries de


planetas, se não estivesse estado em condições de comprovar também, sempre que

a indagação menor está contida na maior, o modo como a onda de humanidade, de

que tratamos agora, se desenvolveu nesta Terra. As faculdades, em suma, que

permitem aos Adeptos lerem os mistérios dos outros mundos e dos outros estados

de existência, não são, de forma alguma, inferiores à tarefa de sondar o passado da

corrente de vida deste globo. Disto decorre que, enquanto a rápida lembrança de

uns poucos milhares de anos é tudo o que abrange nossa chamada história

universal, a história da Terra, que constitui uma divisão da ciência esotérica,

compreende os eventos da quarta raça, que precedeu a nossa, e todos os da

terceira raça, que precedeu àquela. Na verdade, pode-se remontar ainda mais, mas

nem a segunda nem a primeira raça desenvolveram nada que se possa denominar

civilização, e, portanto, há menos que dizer delas do que sobre as que as

sucederam. A terceira e a quarta é que desenvolveram, por estranho que pareça a

alguns de nossos leitores, a noção de civilização na Terra, há vários milhões de

anos.

Onde estão os seus vestígios? — perguntarão. Como pode uma civilização,

com que a Europa dotou presentemente a humanidade, desaparecer tão

completamente a ponto de chegar a ser ignorada a sua anterior existência por

alguns habitantes futuros da Terra? Como podemos, pois, conceber a idéia de que

alguma civilização semelhante tenha desaparecido, sem nos deixar quaisquer

registros?

A resposta está na rotina regular da vida planetária, que marcha pari passu

com a vida de seus habitantes. Os períodos das grandes raças raízes são divididos

uns de outros por grandes convulsões da Natureza e por grandes modificações

geológicas. A Europa não existia como continente nos tempos de florescimento da


quarta raça. O continente em que a quarta raça viveu não existia quando floresceu a

terceira, e nenhum dos continentes que foram os grandes vórtices das civilizações

daquelas raças existe na atualidade. Sete grandes cataclismos continentais

sobrevêm durante a ocupação da Terra pela onda da vida humana, num período de

Ronda. Cada raça é eliminada, desse modo, no tempo predeterminado, ficando

alguns remanescentes em outras partes do mundo, que não pertencem à região

própria de sua raça; mas esses, de forma invariável nesses casos, mostram uma

tendência a degenerar e a reincidir na barbárie com maior ou menor rapidez.

A região própria da quarta raça, predecessora direta da nossa, era aquele

continente do qual alguma reminiscência foi conservada, até mesmo na literatura

exotérica — a desaparecida Atlântida. Mas a grande ilha, de cuja destruição fala

Platão, foi efetivamente o último remanescente daquele continente. Foi dito que: "No

período Eocênico, na sua primeira parte, o grande ciclo dos homens da quarta raça,

os atlantes, já havia atingido o seu ponto mais elevado, e o grande continente, o pai

de quase todos os continentes atuais, apresentava os primeiros sintomas de

depressão — processo que durou até há 11.446 anos, quando a sua última ilha, que

pode ser propriamente chamada Poseidonis, tradução de seu nome indígena,

submergiu com um estrondo.

"A Lemúria" (um continente mais antigo que se estendia para o Sul, através

do que é hoje o Oceano Índico, mas ligado com a Atlântida, pois então a África não

existia) "não deve ser mais confundida com a Atlântida, do que a Europa com a

América. Ambos os continentes afundaram e foram cobertos pelas águas, com as

suas elevadas civilizações e deuses. Porém, entre ambas as catástrofes, decorreu

um período de cerca de 700.000 anos, havendo florescido a Lemúria e acabado seu

curso de vida, exatamente naquele decurso de tempo anterior ao período inicial da


época Eocênica, visto que a sua raça era a terceira. Contemplai as relíquias daquela

que foi antigamente uma grande nação, em alguns dos aborígines de cabeça chata

de vossa Austrália."

Certo escritor cometeu um equívoco ao escrever recentemente sobre a

Atlântida, povoando a índia e o Egito com colônias daquele continente. Sobre isso

trataremos em breve.

"Por que os vossos geólogos não levarão em conta" — pergunta meu

venerado Mahâtmâ instrutor — "que, sob os continentes explorados e sondados por

eles, em cujas entranhas encontraram a época Eocênica, forçando-a a entregar seus

segredos, permanecem profundamente submergidos nos insondáveis, ou antes, nos

insondados leitos do oceano, outros e mais antigos continentes cujas camadas não

foram jamais exploradas geologicamente, e que podem algum dia demolir

inteiramente as suas atuais teorias? Por que não admitir que os nossos atuais

continentes já permaneceram várias vezes submersos, como a Lemúria e a

Atlântida, e que tiveram os seus tempos de reaparecer de novo e de sustentar novos

grupos de humanidade e de civilização; e que no primeiro grande sublevantamento

geológico e próximo cataclismo, na série dos cataclismos periódicos ocorrentes

desde o princípio até o fim de cada Ronda, nossos já autopsiados continentes

submergirão, aflorando novamente à superfície as Lemúrias e as Atlântidas?"

"Certamente, a quarta raça teve os seus períodos de mais alta civilização." (A

carta que estou agora citando foi escrita em resposta a uma série de perguntas que

eu formulei.) "As civilizações grega, romana e mesmo a egípcia nada são em

comparação com as civilizações que começaram com a terceira raça. As da

segunda raça não eram selvagens, mas não podiam ser denominadas civilizadas."
"Os gregos e romanos eram pequenas sub-raças e os egípcios uma parte de

nosso próprio tronco caucásio. Considerai estes últimos e a índia: tendo atingido a

civilização mais elevada e, o que é mais, a ciência, decaíram. O Egito, como sub-

raça diferenciada, desapareceu por completo (seus coptas são apenas um

remanescente híbrido). A índia, como um dos primeiros e mais poderosos brotos da

raça mãe e composta de certo número de sub-raças, permanece ainda hoje lutando

para conquistar de novo, " algum dia, o seu lugar na história. A história só possui uns

poucos desgarrados e nebulosos vislumbres do Egito de há 12.000 anos, época em

que, tendo alcançado o ápice de seu ciclo milhares de anos antes, começou a sua

decadência."

"Os caldeus haviam chegado ao apogeu de sua fama oculta antes do que

chamais a Idade do Bronze. Nós sustentamos que existiram civilizações muito

maiores que as vossas, que se erigiram e decaíram — contudo, que garantia podeis

mostrar ao mundo de que afirmamos a verdade? Não basta dizer, como o fazem

alguns de vossos modernos escritores, que existiu uma civilização extinta antes que

Roma e Atenas fossem fundadas. Asseveramos que existiu uma série de

civilizações, tanto antes como depois do período glacial, que ocuparam diversos

pontos do globo, alcançaram o cume da glória e morreram. Todo vestígio e

lembranças das civilizações assíria e fenícia tinham sido perdidos, até que há

poucos anos começaram a ser feitas descobertas. E agora elas abrem uma nova

página na história, embora não uma das mais primitivas da história da humanidade.

Entretanto, a que épocas tão afastadas remontam essas civilizações em

comparação com as mais antigas conhecidas, ainda àquelas, a história se mostra

relutante em aceitar. A arqueologia tem demonstrado suficientemente que a

memória do homem remonta no passado a idades mais recuadas que as que a


história tem desejado admitir e os anais sagrados de nações, antigamente

poderosas, conservados por seus herdeiros, são ainda mais dignos de crédito.

Falamos de civilizações do período pré-glacial, e a pretensão parece absurda, não

só à inteligência comum e profana, mas até à opinião do geólogo de alta erudição. O

que dizer, então, de nossa afirmativa de que os chineses — refiro-me aos do interior,

aos verdadeiros chineses, não à mistura híbrida entre a quarta e a quinta raças,

que na atualidade ocupa o trono 3 — cujos aborígines pertencem em sua não

mesclada nacionalidade integralmente ao último e mais elevado ramo da quarta

raça, chegaram a seu mais alto grau de civilização quando a quinta raça apenas

aparecia na Ásia? Quando foi isto? Fazei a conta. O grupo de ilhas descoberto por

Nordenskiold, com Vega, foi encontrado coberto de fósseis de cavalos, ovelhas,

bois, etc., entre gigantescas ossadas de elefantes, mamutes, rinocerontes e de

outros monstros pertencentes a períodos em que o homem, segundo vossa ciência,

ainda não havia feito a sua aparição na Terra. A que se deve o achado de cavalos e

carneiros na companhia dos enormes antediluvianos?"

"A região agora desaparecida no inverno eterno, inabitada pelo homem — o

mais débil dos animais — logo se comprovará que não só teve um clima tropical,

coisa que vossa ciência sabe e não refuta, mas também que igualmente foi a sede

de uma das mais antigas civilizações da quarta raça, cujos mais importantes

vestígios encontramos agora no chinês degenerado, cujos restos mais ínfimos estão

misturados, sem esperança de serem diferenciados (pelos cientistas profanos) dos

restos da terceira raça. Disse-vos antes que o mais elevado povo (espiritualmente)

existente hoje na Terra pertence à primeira sub-raça da quinta raça raiz e é

constituído por arianos asiáticos; e que a raça mais elevada (no intelecto físico) é a

3
Refere-se à Dinastia dos Ch'ing (1644-1912), quando o trono chinês foi ocupado pelos mandchus. (N. T.)
última sub-raça da quinta — ou seja: vós mesmos, os conquistadores brancos. A

maior parte da humanidade pertence à sétima sub-raça da quarta raça raiz — as

mencionadas anteriormente: os chineses, seus ramos e brotos (malaios, mongóis,

tibetanos, javaneses, etc.) — com restos de outras sub-raças da quarta e da sétima

sub-raça da terceira raça. Todas essas decaídas e degradadas formas da

humanidade são a descendência por Unha direta de nações altamente civilizadas,

das quais nem nomes nem reminiscências sobreviveram, exceto em Evros como

Populvuh, o livro sagrado dos guatemaltecos e alguns outros desconhecidos à

ciência."

Eu me perguntara se havia meio de explicar o que parece ser o impulso

curioso do progresso humano nos últimos dois mil anos, se comparado com o

estado de relativa estagnação do povo da quarta raça desde o início do progresso

moderno. Essa pergunta foi a que despertou as explicações antes citadas e também

as seguintes observações relativas ao recente "impulso do progresso humano".

"É o final de um ciclo muito importante. Cada Ronda, cada raça, assim como

cada sub-raça, tem os seus grandes e os seus pequenos ciclos em cada um dos

planetas pêlos quais a humanidade passa. Nossa humanidade da quarta Ronda tem

o seu grande ciclo, o mesmo acontecendo com as suas raças e sub-raças. O

'curioso ímpeto' deve-se ao duplo efeito do primeiro — o princípio de seu curso

descendente — e do último (o pequeno ciclo de vossa sub-raça) arremessando-se

para seu ápice. Lembrai-vos de que pertenceis à quinta raça; entretanto, sois tão-só

uma sub-raça ocidental. Apesar de vossos esforços, o que chamais de civilização

está restrito unicamente à última e a seus descendentes na América. Ao irradiar em

torno de si, pode parecer que a sua luz enganosa lance os seus raios a maior
distância do que em verdade o faz. Não existe ímpeto algum na China, e do Japão

fazeis apenas uma caricatura."

"Um estudante de ocultismo não deve falar do estado estagnado do povo da

quarta raça, visto que a história quase nada sabe sobre esse estado, 'até o início do

progresso moderno' de outras nações, a não ser as ocidentais. O que sabeis da

América, por exemplo, antes da invasão daquela região pêlos espanhóis? Menos de

dois séculos antes da chegada de Cortês, ocorreu ali um grande ímpeto para o

progresso entre as sub-raças do Peru e do México, como ocorre na atualidade na

Europa e nos Estados Unidos. Sua sub-raça terminou com o aniquilamento quase

completo, por causas produzidas por si mesma. Podemos falar tão-só do estado

'estagnado' em que, de acordo com a lei de desenvolvimento, crescimento e

maturidade caem cada raça e sub-raça durante os períodos de transição. Deste

último estado é o que vossa história universal tem conhecimento enquanto

permanece soberbamente ignorante do estado em que até mesmo a índia se achava

há uns dez séculos. Vossas sub-raças agora se, precipitam para o ápice de seus

ciclos respectivos, e vossa história não remonta além dos períodos de decadência

de outras poucas sub-raças, pertencentes em sua maior parte à anterior quarta

raça."

Eu também me perguntara a que época pertencera a Atlântida e se o

cataclismo pelo qual foi destruída sobreveio num ponto determinado do progresso

da evolução, correspondente ao desenvolvimento das raças e ao obscurecimento

dos planetas. A resposta foi:

"Na era Miocênica. Tudo ocorre em seu tempo e lugar devidos, na evolução

das Rondas. De outra forma seria impossível, para o melhor dos videntes, calcular a

hora exata e o ano em que tais cataclismos, grandes e pequenos, têm de ocorrer.
Tudo o que um Adepto poderia fazer seria prognosticar o tempo aproximado,

enquanto o que efetivamente sucede é que os acontecimentos que resultam em

grandes mudanças geológicas podem ser prognosticados com certeza tão

matemática, como os eclipses e outras revoluções no espaço. A submersão da

Atlântida (o grupo de continentes e ilhas) começou durante a era Miocênica — do

mesmo modo como alguns de vossos continentes, observa-se agora, estão

afundando gradualmente — tendo seu ponto culminante com o desaparecimento

final do continente maior, evento coincidente com a elevação dos Alpes, terminando

com o desaparecimento das belas ilhas mencionadas por Platão. Os sacerdotes

egípcios de Saís contaram a Sólon que a Atlântida (ou seja, a única grande ilha

restante) perecera há 9.000 anos. Este não era um dado imaginário, visto que eles

haviam conservado os seus anais com grande zelo por milênios. Mas nesse caso,

como disse, eles se referiam a Poseidonis, não querendo revelar nem mesmo ao

grande legislador grego a sua cronologia mais secreta. Como não existem quaisquer

razões geológicas para duvidar disso, senão antes há massa de evidências em prol

da tradição, a ciência aceitou, por fim, a existência do grande continente e

arquipélago, e assim deu fundamento de verdade ao que se pensava ser mais uma

'fábula'."

"A proximidade de cada novo obscurecimento é sempre marcada por

cataclismos de fogo ou de água. E cada raça raiz é cortada, por assim dizer, ou por

fogo, ou por água. Assim, tendo chegado ao ápice de seu desenvolvimento e glória

da quarta raça, os atlantes foram destruídos pela água. Encontrareis agora somente

os seus degenerados restos cujas sub--raças, entretanto, tiveram cada uma seus

dias gloriosos e a sua relativa grandeza. O que eles são agora, vós o sereis algum

dia, pois a lei dos ciclos é una e imutável. Quando a vossa raça, a quinta, tiver
chegado ao zênite de sua intelectualidade física e desenvolvido a sua mais alta

civilização (lembrai da diferença que estabelecemos entre a civilização material e a

espiritual), incapaz de elevar-se mais em seu próprio ciclo, seu progresso para o mal

absoluto será detido (como o de seus antecessores, os lemurianos e os atlantes, os

homens das terceira e quarta raças foram-no em seu progresso) por uma dessas

mudanças cataclísmicas, sua grande civilização será destruída e todas as sub-raças

da raça irão declinando em seus respectivos ciclos, após um breve período de glória

e conhecimento. Contemplai os restos dos atlantes, os antigos gregos e romanos (os

modernos pertencem à quinta raça). Contemplai quão grandes, quão rápidos e

passageiros foram os seus dias de fama e de glória. No entanto, eram apenas sub-

raças dos sete brotos da raça raiz 4 . A nenhuma raça-mãe, como tampouco a suas

sub-raças e brotos, lhe é permitido, por uma lei soberana, infringir as prerrogativas

da raça ou sub-raça que a seguirá. E menos ainda é permitido usurpar os

conhecimentos e poderes em reserva para sua sucessora."

O "progresso para o mal absoluto", detido pêlos cataclismos de cada raça por

seu turno, começa com a aquisição, por meio da pesquisa intelectual comum e do

avanço científico, daqueles poderes sobre a Natureza, que atualmente se

desenvolvem no Adeptado, pelo prematuro desenvolvimento de faculdades mais

elevadas do que as que comumente empregamos. Falei rapidamente desses

poderes, em capítulo anterior, quando tentava descrever os nossos instrutores

esotéricos. Descrevê-los minuciosamente conduzir-me-ia a uma longa digressão

sobre os fenômenos ocultos. Basta dizer que são de tal natureza que

necessariamente seriam perigosos à sociedade em geral e provocariam toda

espécie de crimes, que depois desafiariam completamente toda a averiguação, se

4
Ramos das sub-raças, segundo a nomenclatura que adotei previamente
fossem apropriados por pessoas capazes de considerá-los de qualquer outra forma,

em vez de como uma verdade profundamente sagrada. Ora, alguns desses poderes

são simplesmente a aplicação prática de forças obscuras da Natureza, suscetíveis

de descoberta durante o curso do progresso científico comum. Tais progressos

haviam sido realizados pelos atlantes. Os profanos de ciência daquela raça haviam

aprendido os segredos da desintegração e da reintegração da matéria cuja

possibilidade só hoje é admitida por alguns espíritas devido aos fenômenos que têm

presenciado, e o domínio sobre os elementais, mediante o qual aquele e outros

fenômenos mais portentosos podem se produzir. Esses poderes, em mãos de

pessoas desejosas de usá-los apenas para fins egoístas e inescrupulosos, não só

seriam causa de desgraças sociais, mas também induziriam essas pessoas a usá-

los visando àquela malévola exaltação espiritual, o que traria um resultado mais

terrível do que os sofrimentos e as provações deste mundo. Conseqüentemente

ocorre que, quando a inteligência física, não acompanhada de uma moralidade

elevada, se lança à região própria do progresso espiritual, a lei natural provê a sua

violenta repressão. A contingência será melhor entendida quando nos ocuparmos

dos destinos gerais para os quais tende a humanidade.

Desse modo, afirma-se plenamente o princípio pelo qual as várias raças de

homens, à medida que se desenvolvem, são coletivamente governadas pela lei

cíclica, por mais que exercitem o livre-arbítrio que irretorquivelmente possuem. Para

a gente que jamais considerou os assuntos humanos a não ser sob o aspecto do

brevíssimo período que a história conhece, o curso dos acontecimentos não

apresentará, talvez, como regra geral, qualquer caráter cíclico, porém muito mais um

progresso ininterrupto, acelerado algumas vezes por grandes homens e

circunstâncias venturosas, outras vezes retardado pela guerra, pela intolerância ou


por intervalos de esterilidade intelectual, mas avançando continuamente para diante

em seu longo percurso, quer com uma, quer com outra velocidade. Como a opinião

esotérica sobre o assunto, fortalecida por um amplo raio de observação em que

opera a ciência oculta, possui tendência inteiramente oposta, parece-nos que vale

concluir estas explicações com um trecho de um autor eminente, bem alheio ao

mundo oculto, que entretanto se pronuncia decididamente a favor da teoria dos

ciclos, como resultante da íntima observação dos simples registros históricos. Em

sua História do desenvolvimento intelectual da Europa, o Dr. J.W. Draper escreve o

que segue:

"Somos, como freqüentemente dizemos, filhos das circunstâncias. Há nesta

expressão uma filosofia mais elevada do que parece à primeira vista... Do ponto de

vista mais exato, devemos, pois, considerar o curso desses acontecimentos

reconhecendo o princípio de que os assuntos dos homens avançam de modo

determinado, dilatando-se ou desenvolvendo-se. Daqui vemos que as coisas sobre

as quais falamos como se fossem matéria de escolha, eram, na verdade, impostas a

seus aparentes autores pela necessidade dos tempos. Porém, realmente, devem ser

consideradas como apresentação de uma certa fase de vida que as nações, em seu

curso, assumem logo ou mais tarde. No plano individual, sabemos que a moderação

sóbria na ação, a postura grave de conduta, pertence ao período de maturidade na

vida, que é uma modificação da licenciosa obstinação da juventude e que pode ser

provocada ou introduzida por muitos incidentes causais; seja, talvez, por desolações

domésticas, seja por perda da fortuna, ou ainda por falta de saúde. Não cometemos

o erro de atribuir a mudança de caráter a essas experiências; mas nunca nos

podemos enganar a ponto de supor que essa mudança teria deixado de existir se

esses incidentes não ocorressem. De permeio a todas essas vicissitudes circula um


irresistível destino... Existem analogias entre a vida de uma nação e a de um

indivíduo, o qual, embora de certo modo seja o autor de sua própria sorte, para a

felicidade ou para desgraça, onde quer que ele vá, ao sabor de suas inclinações,

quer faça ou se abstenha disto ou daquilo, segundo prefira, está contudo agrilhoado

a um destino inexorável - um destino que involuntariamente o trouxe ao mundo, no

que diz respeito à sua vontade, que o compele para diante através de um curso

definido cujos graus são absolutamente invariáveis, a saber: infância, meninice,

juventude, maturidade, velhice, com as suas ações e paixões características; e que

o faz desaparecer de cena no tempo devido, na maior parte dos casos contra a sua

vontade. O mesmo acontece com as nações. O voluntário é unicamente a aparência

exterior, cobrindo, embora dificilmente ocultando o que está predeterminado. Sobre

os acontecimentos da vida podemos ter certo controle, mas nenhum, seja qual for,

sobre a lei de seus progressos. Existe uma geometria que aplica às nações uma

equação de sua curva de avanço. A essa nenhum mortal pode tocar."

5. O DEVACHAN

Não seria possível considerar os estados em que os princípios humanos

revertem por ocasião da morte, sem indicar primeiramente a estrutura geral do plano

completo desenvolvido durante o curso da evolução do homem. Esta parte de minha

tarefa, contudo, já foi concluída. Passemos então a refletir sobre os destinos naturais

de cada Ego humano no intervalo decorrente entre o término de uma vida objetiva e

o começo de outra. Nos princípios desta última, o karma da vida objetiva anterior

determina o estado de vida em que o indivíduo nascerá. Esta doutrina do karma é

um dos traços mais interessantes da filosofia budista. Com relação a ela, em tempo
algum houve segredo, ainda que por falta de compreensão adequada dos elementos

de caráter estritamente esotérico ela possa ter sido algumas vezes mal-

compreendida.

Karma é uma expressão genérica aplicada ao complexo grupo de afinidades

para o bem e para o mal, geradas por um ser humano durante a sua vida e cujo

caráter é inerente a seu quinto princípio, através de todo o intervalo que decorre

entre a sua morte numa vida objetiva e o seu nascimento na próxima. Como já foi

exposto, a doutrina parece estabelecer a noção de uma autoridade espiritual

superior que resume as ações da vida do homem ao seu término, considerando suas

boas e más ações e pronunciando a sua sentença, segundo o aspecto completo do

caso. Mas compreensão de como os princípios humanos se dividem, na morte,

fornecerá uma chave à interlecção do modo como o karma atua, e também à grande

questão do imediato estado espiritual do homem apôs a morte, à qual convém

dedicar-nos desde já.

Na morte, os três princípios inferiores — o corpo, a sua vitalidade meramente

física e a sua correspondente parte astral — são finalmente abandonados pelo que

constitui efetivamente o próprio Homem. E os quatro princípios superiores evadem-

se para o mundo imediatamente acima do nosso, ou seja, acima, no que se refere à

espiritualidade — não que se situe em cima, mas nele e fora dele, no que diz

respeito à localização real — que é o plano astral, ou Kâma-loka, conforme uma

expressão sânscrita muito familiar. Nele ocorre uma divisão entre as duas díadas

que incluem os quatro princípios superiores. As explicações já dadas anteriormente,

com relação ao estado imperfeito de desenvolvimento em que se acham os

princípios superiores do homem, evidenciarão que este modo de considerar o

processo, como se fosse uma separação mecânica dos princípios, é um modo


primário de tratar o assunto. O leitor deve modificar as idéias em sua mente, à luz do

que já foi dito. Ele pode ser descrito de outra forma, tomando-o como uma prova da

extensão atingida pelo quinto princípio. Encarado à luz da primeira idéia, devemos,

entretanto, conceber, por um lado, o sexto e o sétimo princípios, atraindo o quinto, a

alma humana, numa direção, enquanto o quarto, por outro lado, o atrai para a Terra.

Ora, o quinto princípio é uma entidade muito complexa, dissociável em elementos

superiores e inferiores. Na luta que se trava entre esses princípios, recentemente

seus associados, suas porções espirituais superiores, mais puras e mais elevadas,

aderem ao sexto, enquanto os seus instintos, os seus impulsos e as suas

reminiscências aderem ao quarto. Assim, o quinto princípio, em certa medida, divide-

se em dois. O resto inferior, associado ao quarto, flutua pela atmosfera da Terra,

enquanto os melhores elementos, aqueles, entenda-se bem, que realmente

constituem o Ego da última personalidade terrena, a sua individualidade, a sua

consciência, seguem o sexto e o sétimo a um estado espiritual cuja natureza vamos

examinar.

Rejeitando o nome popular usado para este estado espiritual por envolver

idéias sumamente errôneas, permita-se-nos conservar a designação oriental

daquela região ou estado, ao qual os princípios superiores dos seres humanos

passam por ocasião da morte. Sendo isso bem conveniente, pois, se o Devachan da

filosofia budista corresponde em alguns dos seus aspectos à moderna idéia

européia do céu, difere desta em outros aspectos que são sem dúvida mais

importantes.

Em primeiro lugar, o que sobrevive no Devachan não é simplesmente a

mônada individual, que sobrevive através de todas as mudanças do esquema

evolucionário completo e passa de um corpo a outro, de planeta a planeta e assim


por diante — na verdade, aquilo que sobrevive, embora com algumas restrições que

revelaremos em seguida, é ainda a mesma personalidade autoconsciente do homem

na parte que corresponde aos seus sentimentos mais elevados, às suas aspirações,

a seus afetos e até mesmo às suas preferências durante a sua vida na Terra. Talvez

fosse melhor dizer que o que sobrevive é a essência da última personalidade

autoconsciente.

Entrementes será útil ao leitor saber o que o Coronel H. S. Olcott menciona

em seu Catecismo budista (14º milheiro) sobre a diferença intrínseca entre

"individualidade" e "personalidade". Uma vez que escreveu, não só com a aprovação

do Sumo-Sacerdote de Sripada e Galle, Sumangala, mas também sob a instrução

direta do seu Guru Adepto, suas palavras são importantes para o estudante de

ocultismo. Eis o que ele diz em seu apêndice:

"Depois de haver refletido, substituí 'personalidade' por 'individualidade',

assim como constava na primeira edição. As sucessivas aparições em uma ou

muitas terras ou 'descida à geração' da parte tanhaica 5 e coerente (Skandhas) de

determinado ser são uma sucessão de personalidades. Em cada nascimento, a

personalidade difere da do nascimento anterior e da do próximo nascimento. Karma,

o deus ex machina, disfarça-se (ou, devemos dizer, reflete-se?) agora na

personalidade de um sábio, outra vez na de um artesão e assim sucessivamente, ao

longo da série de nascimentos. Mas embora as personalidades continuamente

mudem, o único fio de vida no qual se engastam aquelas sucessivamente, como as

contas de um rosário, não sofre interrupções."

"Permanece sempre sendo aquela mesma linha ou fio particular, e jamais

nenhuma outra. Portanto, é individual, uma ondulação vital individual que se iniciou

5
De Tanhâ, ou seja: Desejo insaciável. (W. T.)
no Nirvana, ou seja, a região subjetiva da Natureza (assim como a ondulação

luminosa ou calorífica através do éter se iniciou em sua fonte dinâmica); transcorre

através da região objetiva da Natureza, sob o impulso do karma e da direção criativa

de Tanhâ, tendendo, através de muitas mudanças cíclicas, a voltar de novo ao

Nirvana. Mr. Rhys Davids chama o que passa de personalidade à personalidade ao

longo da cadeia individual, de 'caráter' ou 'modo de ser'. Desde que o 'caráter' não é

uma abstração puramente metafísica, mas a soma das qualidades mentais e

tendências morais de alguém, não ajudaria isso a resolver o que Mr. Rhys Davids

denomina 'o desesperado expediente do mistério', se considerarmos a ondulação da

vida como individualidade e a cada uma de suas séries de manifestações natais

como uma personalidade separada?"

"A negação da 'alma' por Buda (veja-se Sanyutto Nikaya, o Sutta-pitaka) 6

assinala a crença dominante e enganosa numa personalidade independente e

transmissível; uma entidade que passasse inalterada de nascimento a nascimento,

ou passasse a lugar ou estado em que, como entidade perfeita, gozasse ou sofresse

eternamente. O que ele evidencia é que a consciência de 'eu sou eu' é, quanto à

permanência, logicamente impossível, uma vez que seus elementos constitutivos

mudam de forma constante e que o 'eu' de um nascimento diferencia-se do 'eu' de

cada um dos outros nascimentos. Mas tudo quanto encontrei no Budismo concorda

com a teoria de uma evolução gradual do homem perfeito — isto é, um Buda através

de inúmeras experiências natais. Na consciência de uma pessoa, que ao término de

uma dada cadeia de existências chega ao estado de Buda, conseguindo atingir o

quarto grau de Dhyana ou místico desenvolvimento, de qualquer um de seus

nascimentos anteriores ao último, as cenas de todos os nascimentos da série são

6
Segundo o cânone páli, há o Trípitaka, que compreende três partes: o Vinaiapitaka, coleção de regras
monásticas, o Suttapitaka, coleção de Sutiãs ou sermões atribuídos a Buda, e o Abidamapitaka, coleção de
comentários filosóficos. (M T.)
perceptíveis. No Yatakattahavannana, tio bem traduzido por Mr. Rhys Davids,

apresenta-se continuamente uma expressão que, a meu ver, antes confirma essa

mesma ideia, a saber: 'Então o bem-aventurado tomou manifesto um fato oculto pela

mudança de nascimento' ou 'aquilo que tinha sido escondido por, etc.' O primitivo

Budismo, portanto, defende claramente a permanência de registros no Akâsa e a

capacidade potencial do homem para os ler, quando em sua evolução atingiu o grau

da verdadeira iluminação individual."

Os sentimentos e gostos puramente sensuais da personalidade passada

desagregam-se no Devachan, mas daí não decorre que nada se preserve naquele

estado, a não ser sentimentos e pensamentos que se refiram diretamente à religião

ou à filosofia espiritual. Ao contrário, todas as fases superiores, mesmo as da

emoção sensual, encontram sua adequada esfera de desenvolvimento no

Devachan. Para sugerir uma série completa de idéias através de um só exemplo,

diremos que uma alma no Devachan, caso seja a alma de um homem apaixonado

pela música, permanecerá extasiada, sem interrupção, pelas sensações que a

música produz. A pessoa cuja mais elevada felicidade na Terra ficou concentrada no

exercício das afeições, não escapará nem um pouco, no Devachan, àqueles a quem

ele ou ela amou. Entretanto, ao mesmo tempo se pode perguntar: e se alguns

desses não estão num estado apropriado para o Devachan, o que ocorre? A

resposta é: pouco importa. Porque para a pessoa que os amou eles estarão ali. Não

é preciso dizer muito mais para fornecer a chave da questão. O Devachan é um

estado subjetivo. Parecerá tão real quanto nos parecem as mesas e cadeiras que

estão em volta de nós. Tenha-se presente que, acima de tudo, para a profunda

filosofia do ocultismo, as mesas, as cadeiras e todas as paisagens objetivas do

mundo nada têm de reais e são meras ilusões transitórias dos sentidos. Tão reais
como as realidades deste mundo para nós, e até mais, serão as realidades do

Devachan para aqueles que atingem tal estado.

Disto se deduz que o isolamento subjetivo do Devachan, tal como talvez se

conceba à primeira vista, não é, de modo algum, um isolamento real, no sentido em

que se entende a palavra no plano físico da existência, mas é a companhia de todas

aquelas coisas pelas quais uma alma verdadeira anseia, sejam pessoas, coisas ou

sabedoria. Um paciente exame do lugar que o Devachan ocupa na Natureza

demonstrará que este isolamento subjetivo de cada unidade humana constitui o

único estado que torna possível o conceito de uma feliz existência espiritual, para a

humanidade em geral, após a morte. O Devachan é um estado tão puro e tão

absolutamente feliz para todos os que o alcançam quanto o Avitchi é o seu contrário.

Não existe desigualdade ou injustiça no sistema. O Devachan não é o mesmo para o

bom, como para o indiferente, mas não é uma vida de responsabilidade e, portanto,

não existe nele logicamente lugar algum para o sofrimento; do mesmo modo que no

Avitchi não há lugar para o gozo ou arrependimento. Ê uma vida de efeitos, não de

causas. Uma vida em que nos é pago o que ganhamos, sem que tenhamos de

trabalhar para isso. Portanto, é impossível, durante essa vida, ter conhecimento do

que se passa sobre a Terra, porque tal conhecimento não possibilitaria a verdadeira

felicidade no estado de pós-morte. Um céu convertido em torre de vigia, de onde os

seus ocupantes observassem as misérias da Terra, seria, na verdade, um lugar de

agudos sofrimentos mentais para seus habitantes, dotados dos sentimentos mais

simpáticos, altruístas e caritativos. Se em nossa imaginação investimo-lhes com um

grau de simpatia tão limitado que, além das pessoas de sua afeição que tivessem

ficado, não lhes importasse o espetáculo do sofrimento alheio, ainda assim teriam de

passar por um período de espera muito desafortunado, antes que os sobreviventes


alcançassem o fim de uma existência, com freqüência longa e árdua. Esta hipótese

se agravaria ainda mais, fazendo com que os céus fossem muito penosos para os

ocupantes mais generosos e compassivos, que continuariam desse modo se

afligindo na presença da atormentada raça humana, mesmo depois que seus

aparentados pessoais estivessem livres pelo transcurso do tempo. A única forma de

fugir a este dilema está na suposição de que os céus não estão ainda abertos para o

seu caso, por assim dizer, e que todos os mortais, desde Adão até hoje, jazem num

sono estático semelhante à morte, esperando pela Ressurreição ao fim do mundo.

Também esta hipótese tem seus empecilhos, mas na atualidade tratamos da

harmonia científica do Budismo Esotérico, e não das teorias de outras doutrinas.

Os leitores, contudo, admitindo que a observação da vida terrena, feita dos

céus, tomaria impossível a felicidade neles, podem duvidar mesmo que a verdadeira

felicidade seja possível naquele estado, ao qual objetam o monótono isolamento

descrito anteriormente. Mas a objeção teria procedência meramente do ponto de

vista de uma imaginação que não foge do que a circunda no presente. Comecemos

com o que se relaciona à monotonia. Ninguém se lastimará de ter experimentado

monotonia durante o minuto, momento, meia hora ou seja o tempo que for, em que

gozou a maior felicidade que teve durante sua vida. A maior parte das pessoas teve,

de algum modo, momentos felizes, capazes de servir ao objetivo desta comparação.

Seja-nos permitido imaginar um minuto ou momento, assaz curto, para dar motivo à

menor suspeita de monotonia, e imaginar o prolongamento imenso de suas

sensações, sem quaisquer fatos externos que marcassem o decurso do tempo.

Nesse estado de coisas, não há lugar para o conceito de enfastiamento. A

inalterável e imutável sensação de intensa felicidade segue seu curso, não para

sempre, visto que as causas que a produziram não são infinitas em si mesmas, mas,
sim, durante períodos muito longos de tempo, até que o impulso ativo se tenha

esgotado por si mesmo.

Nem tampouco se deve supor que para as almas no Devachan não exista,

por assim dizer, mudança nenhuma de ocupação, e que qualquer momento único de

sensação terrena é escolhido para uma perpetuação exclusiva. Eis aqui o que

escreve um instrutor da mais elevada autoridade a respeito deste assunto:

"Existem dois campos de manifestações casuais — o objetivo e o subjetivo.

As energias mais grosseiras, ou seja, as que operam no estado mais denso da

matéria, manifestam-se objetivamente em cada próxima vida física, constituindo o

seu aparecimento, a nova personalidade de cada nascimento que se conduz dentro

do grande ciclo da individualidade em evolução. Apenas as atividades morais e

espirituais são as que encontram a sua esfera de efeitos no Devachan. E não

existindo limites nem para o pensamento, nem para a imaginação, como se pode

questionar, sequer por um momento, que no estado do Devachan exista algo

semelhante à monotonia? Poucos são os homens cujas vidas tenham sido tão

inteiramente destituídas de sentimentos, amor, ou de uma predileção mais ou menos

intensa por determinados pensamentos que sejam inaptos para atingir um período

regular de experiência devachânica, após sua vida terrena. Assim, por exemplo,

enquanto os vícios, as atrações físicas e sensuais de um grande filósofo, porém mau

amigo e homem egoísta, podem acabar no nascimento de uma nova inteligência

ainda maior, mas, ao mesmo tempo, no de um homem dos mais miseráveis, que

recolhe os efeitos kármicos de todas as causas produzidas pelo 'antigo' ser e que

resulta inevitável devido às inclinações dominantes daquele ser no nascimento

precedente, o período intermediário entre seus dois nascimentos físicos não pode

ser, dadas as excelentemente bem-ajustadas leis da Natureza, senão um hiatus de


inconsciência. Não pode existir um vazio tão sombrio como o que a teologia

protestante cristã bondosamente promete, ou antes implica para as 'almas que já

foram embora', as quais, entre a morte e a 'ressurreição' devem flutuar no espaço,

em catalepsia mental, aguardando o 'Dia do Juízo'.

Sendo as causas produzidas por energia espiritual e mental muito maiores e

mais importantes do que as criadas pêlos impulsos físicos, seus efeitos têm de ser,

por graça ou por desgraça, proporcionalmente grandes. Não oferecendo as vidas,

nesta ou em outras terras, campo adequado para tais efeitos, e tendo cada lavrador

direito a sua própria colheita, têm de ampliar suas funções, quer no Devachan, quer

no Avitchi 7 . Bacon, por exemplo, a quem um poeta chamou: 'O mais brilhante, o

mais sábio, o mais mesquinho dos homens', pode reaparecer em sua próxima

encarnação como um ávido avaro, de extraordinárias faculdades intelectuais. Mas,

por mais fortes que estas últimas qualidades sejam, não encontrarão campo próprio

em que aquela linha particular de pensamento (que foi o objetivo da vida prévia do

fundador da filosofia moderna) possa alcançar tudo que lhe é devido. Seria apenas o

astuto advogado, o corrompido Procurador-Geral, o amigo ingrato e o desonesto

Ministro da Justiça, que poderia encontrar, conduzido por seu karma, um novo

terreno apropriado no corpo do prestamista e reaparecer como um novo Shylock 8 .

Mas aonde iria Bacon, o pensador incomparável, para quem a pesquisa filosófica

sobre os mais profundos problemas da Natureza foi o seu 'primeiro, último e único

amor', aonde iria este 'gigante intelectual de sua raça', uma vez despojado de sua

natureza mais inferior? Têm de desvanecer-se e desaparecer todos os efeitos

daquela magnífica inteligência? Por certo que não. Assim é que suas qualidades

morais e espirituais têm de achar também um campo, em que suas energias possam

7
Os estados inferiores do Devachan se interpenetram com os do Avitchi
8
Personagem literária de Shakespeare, que representa um avarento, na comédia O Mercador de Veneza.
expandir-se. O Devachan é este campo. Daqui se infere que todos os grandes

planos de reformas morais, de pesquisas intelectuais acerca dos princípios abstratos

da Natureza — todas as divinas e espirituais abstrações que encheram a parte mais

brilhante de sua vida devem frutificar-se no Devachan. É a abstraía entidade

conhecida no nascimento precedente como Francis Bacon, e que pode ser

conhecida em sua reencarnação seguinte como um desprezado usurário — criação

do próprio Bacon, seu Frankenstein, o filho de seu karma — ocupar-se-á, enquanto

neste mundo interno, também sua obra própria, em gozar dos efeitos das grandes

causas benéficas e espirituais, semeadas em vida. Viveria uma existência pura e

espiritualmente consciente — um sonho de vívida realidade — até que, estando seu

karma satisfeito naquela direção e atingindo a ondulação de força a borda de sua

área subcíclica, o ser deve atuar em sua seguinte esfera de causa, seja neste

mesmo mundo ou em outro, segundo o grau de seu progresso... Portanto, há uma

'mudança de ocupação', uma mudança contínua no Devachan. Porque aquela vida-

sonho é apenas o gozo, a época da colheita daquelas sementes-germes psíquicas

caídas da árvore da existência física em nossos momentos de sonhos e de

esperança — vislumbres imaginários de bem-aventurança e de felicidade, sufocados

num terreno social ingrato, florescendo na enrubescida aurora do Devachan, e

amadurecendo sob seu frutificante céu. Se o homem tivesse tido um único momento

de experiência ideal, nem mesmo então poderia ocorrer, como erroneamente se

supôs, o prolongamento indefinido daquele 'único momento'. Aquela nota única,

arrancada da lira da vida, constituiria a tônica do estado subjetivo do ser e produziria

inúmeros e harmônicos tons e semitons de fantasmagoria psíquica. Ali, todas as

esperanças, aspirações e sonhos não-realizados se tomam efetivos completamente

e os sonhos da existência objetiva convertem-se nas realidades da existência


subjetiva. E ali, atrás da cortina de Mâyâ, suas enganadoras e vaporosas aparências

são percebidas pelo Iniciado, que aprendeu o grande segredo de como penetrar tão

profundamente nos Arcanos do Ser..."

Assim como a existência física possui a sua intensidade cumulativa da

infância à virilidade diminuindo sua energia desta à velhice e à morte, do mesmo

modo o sonho de vida no Devachan transcorre de modo análogo. Ocorre o primeiro

período de vida psíquica, segue depois o aparecimento da virilidade, a perda gradual

da força, passando a uma letargia consciente, à semi-inconsciência, ao

esquecimento e não morte — mas ao nascimento! — nascimento em outra

personalidade e a ressunção da atividade que diariamente origina novas séries de

causas, que devem encontrar seus efeitos em outra vida devachânica.

"Não é, pois, realidade; é meramente um sonho" — instarão os opositores; "a

alma assim embebida em ilusória sensação de gozo, sem realidade nenhuma

naquele tempo, é enganada pela Natureza e deve sofrer um terrível choque quando

despertar de seu erro". Mas, dada a natureza das coisas, jamais desperta ou pode

despertar. O despertar do Devachan é seu próximo nascimento à vida objetiva e o

gole do Leteu 9 já foi tomado. No que diz respeito ao isolamento de cada alma, nem

tampouco existe ali consciência alguma de isolamento, seja o que for; nem é

possível ali separar-se de seus associados escolhidos. Estes associados não são da

natureza de companheiros que podem desejar ir-se embora, de amigos que podem

separar-se, do amigo que os ama, mesmo que este não queira separar-se deles. O

amor, a força criadora, colocou a sua imagem viva diante da alma pessoal que

anseia por sua presença e aquela imagem jamais fugirá.

Neste aspecto da questão, de novo me valho das palavras de meu instrutor:

9
* Leteu: relativo ao Letes, o rio do Olvido, à entrada do Hades, ou os Infernos, segundo a mitologia grega. (N.
T.)
"Os que fazem objeções dessa espécie simplesmente pressupõem uma

incongruência, pois outra coisa não é aplicar ao Devachan um tipo de relações que

unicamente podem subsistir entre as entidades da existência física! Duas almas

irmãs, ambas desencarnadas, expressarão cada uma suas próprias sensações

devachânicas, fazendo participar a outra de sua felicidade subjetiva. Naturalmente

será isso tão real para elas como se ambas estivessem ainda nesta Terra. Contudo,

cada uma está dissociada da outra, no que se refere à associação pessoal ou

corpórea. Enquanto esta última é a única de sua espécie que é reconhecida por

nossa experiência terrena como relação efetiva, para o habitante do Devachan não

só seria algo de ilusório, mas não teria para ele existência alguma em nenhum

sentido, nem sequer como uma ilusão. Um corpo físico e mesmo um Mâyâvi-rûpa

permaneceriam para os seus sentidos espirituais tão invisíveis como o é ele mesmo

para os sentidos físicos daqueles que mais o amaram na Terra. Assim é que,

embora um dos participantes' estivesse vivo e inteiramente inconsciente desse

relacionamento durante seu estado de vigília, entretanto, todo trato com ele seria,

para o habitante do Devachan, uma realidade absoluta. E que outra associação

efetiva pode existir ali, senão a meramente idealista, como já foi descrita, entre duas

entidades subjetivas, que nem sequer são tão materiais como aquele etéreo corpo--

fantasma, o Mâyâvi-rûpal Fazer objeção a isso, baseando-se em que alguém é

assim 'enganado pela Natureza' e chamá-lo 'uma enganosa sensação de gozo que

não tem realidade alguma', é mostrar-se por completo incapaz de compreender os

estados de vida e do ser fora de nossa existência material. Pois, como se pode fazer

a mesma distinção no Devachan — ou seja, fora dos estados da vida terrena —

entre o que chamamos uma realidade e uma contrafação fictícia ou artificial da

mesma, neste nosso mundo? O mesmo princípio não pode ser aplicado a dois
estados diferentes. É concebível que o que chamamos uma realidade, em nosso

estado físico encarnado, possa existir, sob as mesmas condições,'como uma

realidade para uma entidade desencarnada? Na Terra, o homem é dual - no sentido

de ser um ente composto de matéria e de espírito —, donde a distinção natural feita

por sua mente, o analisador de suas sensações físicas e percepções espirituais,

entre uma realidade e uma ficção. Ainda assim, mesmo nesta vida, os dois grupos

de faculdades equilibram-se constantemente, e cada grupo, quando prevalece,

considera como ficção ou ilusão o que o outro acredita ser o mais real. Mas no

Devachan, o nosso Ego deixa de ser dualista, no sentido acima, e se converte em

entidade mental e espiritual. Aquilo que durante a vida era uma ficção, um sonho e

que só existia na região da 'fantasia', converte-se, sob as novas condições de

existência, na única realidade possível. Assim, pressupormos a possibilidade de

qualquer outra realidade para um habitante do Devachan é sustentar um absurdo,

uma falácia monstruosa, uma idéia antifilosófica no máximo grau. O real é aquilo que

é efetivado ou que é exercido de facto: 'A realidade de uma coisa é demonstrada por

sua efetividade'. E como no estado devachânico não têm existência possível o

imaginário e o artificial, a conseqüência lógica é que tudo o que nele existe é efetivo

e real. Além disso, quer porque o sexto princípio encubra os cinco inferiores durante

a vida da personalidade, quer porque se ache inteiramente separado dos princípios

mais grosseiros devido à dissolução do corpo, de todo modo, o sexto princípio — ou

seja, a nossa 'Alma Espiritual' — carece de substância, é sempre Arûpa, e tampouco

permanece confinado em um único lugar, com um limitado horizonte de percepções

em volta de si. Portanto, quer ele esteja dentro ou fora de seu corpo mortal, sempre

é distinto dele e está livre de suas limitações. E se nós chamamos as suas

experiências devachânicas 'um engano da Natureza', então não devemos permitir-


nos jamais chamar de 'realidade' a nenhum dos sentimentos puramente abstratos

que pertencem por completo à nossa alma superior e que ela reflete e assimila —

como, por exemplo, um conceito ideal do belo, a profunda filantropia, o amor, etc.,

bem como qualquer outra sensação puramente espiritual que, durante a vida de

prazer ou dor imensos, enche o nosso ser interno."

Devemos lembrar que, pela mesma natureza do sistema descrito, existem

infinitas variedades de bem-estar no Devachan, correspondentes às infinitas

variedades de mérito no gênero humano. Se "o outro mundo" fosse efetivamente o

céu objetivo que a teologia comum predica, haveria ali injustiça e arbitrariedade sem

fim além de ineficiência no seu funcionamento. Para começar, os indivíduos teriam

de ser admitidos ou excluídos e as diferenças de favorecimento, manifestadas aos

diferentes hóspedes na mansão da graça por excelência, não seriam suficientes

para compensar as diferenças de mérito nesta vida. Mas o céu verdadeiro de nossa

Terra concilia-se por si, com infalível exatidão, às necessidades e aos méritos de

todos os que chegam. O céu de cada pessoa, que alcança o céu que realmente

existe, ajusta-se exatamente à sua capacidade para dele gozar, não só quanto à

duração do estado bem-aventurado, que é determinado pelas causas produzidas

durante a vida objetiva, mas também quanto à intensidade e amplitude das emoções

constitutivas desse estado de bem-aventurança. É a criação de suas próprias

aspirações e faculdades. Seria impossível para os não-iniciados compreender algo

além disso. Mas esta indicação de seu caráter basta para mostrar quão

perfeitamente se adapta ao lugar que lhe está destinado no esquema da evolução.

Retomo as minhas citações: "O Devachan é, naturalmente, um estado, não

uma localização, o mesmo ocorrendo com o Avitchi, sua antítese (o qual rogo não

confundir com o inferno). A Filosofia Esotérica Budista tem três lokas (denominadas
assim) principais, a saber: 1º) Kâma-loka; 2º) Rãpa-loka; e 3º) Arûpa-laka; ou seja,

em sua tradução e significado literais: 1º) o mundo de desejos ou paixões, de anelos

terrenos insatisfeitos - a mansão dos " ‘Cascões’ e das Vítimas, dos Elementais e

dos Suicidas; 2º) o mundo das formas, ou seja, de sombras mais espirituais,

possuindo forma e objetividade, mas nenhuma substância; e 3º) o mundo informe,

ou antes o mundo de nenhuma forma, o incorpóreo, desde o momento em que seus

habitantes não têm para nós, mortais, nem corpo, nem forma, nem cor, no sentido

que atribuímos a estas palavras. Estas são as três esferas da espiritualidade

ascendente, em que os vários grupos de entidades subjetivas e semi-subjetivas

encontram as suas atrações. Todas, exceto os suicidas e as vítimas de mortes

violentas e prematuras, vão, conforme as suas atrações e poderes, para o estado ao

Devachan ou ao Avitchi, estados estes que compõem as inúmeras subdivisões dos

lokas Rapa e Arûpa — vale dizer, esses estados não só variam em grau ou em

aspecto para a entidade, quanto a sua forma, cor, etc., mas também existe uma

escala infinita de semelhantes estados, em sua progressiva espiritualidade e

intensidade de sentimento, dos mais ínfimos no Rapa, até os mais elevados e

exaltados, no Arûpa-loka. O estudante deve considerar que personalidade é

sinônimo de limitação e que quanto mais egoísta, quanto mais estreitas sejam as

idéias da pessoa, tanto mais intimamente esta aderirá às esferas inferiores de

existência, tanto mais tempo se demorará no plano das egoístas relações sociais."

Sendo o Devachan um estado de gozo meramente subjetivo, cuja duração e

intensidade são determinadas pelo mérito e espiritualidade da passada vida terrena,

não pode apresentar-se nele ocasião alguma para a retribuição das más ações. Mas

não é que a Natureza se satisfaça em perdoar os pecados, de modo livre e fácil, ou

condenar de uma só vez os pecadores, tal como um senhor preguiçoso, mais


indolente do que bondoso faz para governar com justiça a sua casa. O karma do

mal, seja grande ou pequeno, atua com bastante certeza, no tempo devido, como o

karma do bem. Mas o lugar de sua ação não é o Devachan, e sim um novo

renascimento ou Avitchi — estado que se atinge somente em casos excepcionais e

por excepcionais naturezas. Noutras palavras, enquanto o pecador vulgar colherá os

frutos de suas ações nocivas numa reencamação seguinte, o criminoso excepcional,

o aristocrata do pecado, terá como perspectiva o Avitchi, ou seja, o estado de

infortúnio espiritual subjetivo, que é o inverso do Devachan.

"Avitchi é um estado da maior maldade ideal espiritual, algo semelhante ao

estado de Lúcifer, tio magnificamente descrito por Milton. Portanto, não são muitos

os que chegam a ele, como o perceberá o leitor sério. E se se fizer a objeção de

que, desde que há o Devachan para quase todos — os bons, os maus e os

indiferentes —, frustram-se os fins de harmonia e de equilíbrio, e a lei da retribuição,

de justiça imparcial e implacável dificilmente se aplica e satisfaz com tal escassez

relativa, para não dizer ausência de sua antítese, então a resposta demonstrará que

não ocorre assim. 'O Mal é o negro filho da Terra (matéria) e o Bem — a bela filha

dos Céus' (ou Espírito), diz o filósofo chinês. Donde, a Terra é o lugar de castigo

para a maior parte de nossos pecados — seu lugar de nascimento e de efetivação.

Na Terra existe mais mal aparente e relativo do que verdadeiro, e não é dado às hoi-

polloi 10 alcançarem todos os dias a fatal grandeza e eminência de um 'Satã’."

Em geral, o renascimento na existência objetiva é o acontecimento que

pacientemente aguarda o karma do mal, quando, então, de modo irresistível se

afirma. Isto não quer dizer que o karma do bem se esgota no Devachan deixando

que a infeliz mônada desenvolva uma nova consciência, sem outro material que as

10
Termo que significa as massas, a turba. (N. T.)
más ações de sua última personalidade. O renascimento será qualificado tanto por

mérito como por demérito da vida prévia, porém a existência devachânica é um sono

róseo, uma noite pacífica, com sonhos mais vívidos que o dia, e imperecedoura por

muitos séculos.

Ver-se-á que o estado devachânico é apenas um dos estados de existência,

que constitui todo o complemento espiritual de nossa vida terrena. Os observadores

de fenômenos espíritas não teriam ficado perplexos, como lhes aconteceu, se não

existisse outro estado além do Devachan. Pois uma vez estando um espírito no

Devachan, há muito poucas ocasiões de comunicação entre um espírito, por

completo absorto então em suas próprias sensações e praticamente esquecido da

Terra que abandonou, e de seus amigos ainda vivos. Estes amigos, quer tenham

partido antes, quer permaneçam na Terra, se os laços de afeto eram bastante fortes,

permanecerão com o espírito feliz e, para todos os efeitos, tão felizes, bem-

aventura-dos e inocentes como o próprio sonhador desencarnado. É possível,

entretanto, para as pessoas, ainda viventes, ter visões ao Devachan, embora tais

visões sejam raras e somente percebidas por uma das partes, pois as entidades no

Devachan, capazes de ser vistas por um clarividente terrestre, estão por completo

inconscientes dessa observação. O espírito do clarividente sobe ao estado do

Devachan durante tão raras visões e está sujeito, assim, às vívidas ilusões daquela

existência. Acha-se sob a impressão de que os espíritos com os quais trava relações

devachânicas de simpatia vieram visitar a Terra e a ele próprio, enquanto que o que

realmente ocorreu é a operação inversa: o espírito do clarividente foi elevado até

aqueles, ao Devachan. Assim, muitas das comunicações espirituais subjetivas — a

maior parte delas, sempre que os sensitivos são inteligências puras — são reais,

apesar de ser da maior dificuldade para o médium não-iniciado fixar em sua mente,
numa imagem verdadeira e exata, o que vê e ouve. Da mesma forma, alguns dos

fenômenos chamados psicográficos (embora mais raros) são também reais. O

espírito do sensitivo, sendo possuído, por assim dizer, pela aura do espírito no

Devachan, converte-se durante alguns minutos naquela personalidade morta e

escreve, com sua última caligrafia, em seu estilo e com seus pensamentos, tal como

eram durante sua vida. Os dois espíritos fundem-se em um só, e a predominância de

um sobre o outro durante tal fenômeno determina a predominância da personalidade

nas características exibidas. Assim é que, acidentalmente, observa-se que o que é

chamado rapport 11 é, no final de tudo, uma identidade de vibração molecular entre a

porção astral do médium encarnado e a porção astral da personalidade

desencarnada.

Como já foi assinalado, e como o senso comum deve tê-lo demonstrado,

existe no Devachan grande variedade de estados e cada personalidade se encontra

ali no lugar apropriado. Dali, portanto, emerge ao mundo das causas, ou seja, esta

Terra ou outra, conforme seja o caso, quando chega o tempo de seu renascimento.

Unido à sobrevivência das afinidades, abrangidas na definição de karma, afinidades

para o bem e para o mal, geradas na vida anterior, ver-se-á que este processo

acarreta uma explicação do problema que foi sempre encarado como ininteligível: as

desigualdades da vida. As condições sob as quais entramos na nova vida são

conseqüências do uso que tivermos feito de nossas últimas circunstâncias. Aquelas

que, sejam quais forem, não impedem o desenvolvimento do novo karma, visto que

este será gerado pelo uso que façamos delas, desta vez. Nem tampouco cabe supor

que todos os fatos correntes da vida, alegres ou tristes, sejam o fruto do antigo

karma. Muitos são conseqüências imediatas de atos da vida à qual pertencem — por

11
Em francês no original. Ou seja: relação íntima, conformidade, harmonia.
assim dizer, transações à vista com a Natureza, dos quais é rigorosamente

necessário fazer-se todos os registros desta nos livros. Mas as grandes

desigualdades da vida, quanto ao modo de os diferentes seres humanos entrarem

nela, são uma conseqüência manifesta do antigo karma, cujas variedades infinitas

conservaram sempre uma constante provisão de situações para todas as múltiplas

variedades da condição humana.

Não se deve supor que o verdadeiro Ego deslize instantaneamente, depois da

morte, da vida da Terra e suas complicações para o estado devachânico. Quando a

divisão ou purificação do quinto princípio ocorre no Kâma-loka, pelas contrapostas

atrações do quarto e do quinto princípios, o verdadeiro Ego passa para um período

de gestação inconsciente. Já afirmei como a vida devachânica é um processo de

crescimento, maturidade e decadência. Porém, suas analogias com a Terra

certamente são ainda mais estreitas. Existe um estado espiritual pré-natal, à entrada

da vida espiritual, do mesmo modo que existe um estado semelhante e igualmente

inconsciente, ao ingressar na vida objetiva. Este período, em diferentes casos, varia

a sua duração — de poucos momentos a imensos períodos de anos. Quando um

homem morre, sua alma ou quinto princípio se torna inconsciente e perde toda

lembrança das coisas, quer internas, quer externas. Seja que sua permanência em

Kâma-loka dure uns poucos momentos, horas, dias, semanas, meses ou anos, seja

que morra de morte natural ou violenta, quer esta ocorra na juventude ou na velhice,

e seja que o Ego tenha sido bom, mau ou indiferente, sua consciência o abandona

rapidamente como a chama de um pavio, quando é soprada. Quando a vida se retira

da última partícula da matéria do cérebro, suas faculdades perceptivas ficam extintas

e seus poderes espirituais de conhecimento e de volição ficam durante algum tempo

tão apagados como os outros. Seu Mâyãvi-rûpa pode ser lançado na objetividade,
como no caso de aparições depois da morte. Mas, a menos que seja projetado por

um desejo consciente ou intenso de ver ou de aparecer a alguém, lançando-se

através do cérebro moribundo, a aparição será simplesmente automática. A

revitalização da consciência em Kâma-loka é, pelo que já se disse, um fenômeno

que depende da característica dos princípios, passando inconscientemente, no

momento, fora do corpo moribundo. Pode chegar a ser regularmente completa, sob

circunstâncias de nenhuma forma desejáveis, ou pode ser obliterada por uma rápida

passagem ao estado de gestação conducente ao Devachan. Este estado de

gestação demora muito, em proporção à força espiritual do Ego, e o Devachan

ocupa o restante do período entre a morte e o próximo renascimento físico.

Naturalmente, o período completo é de duração muito variável, conforme difiram as

pessoas. Diz-se que o período entre os renascimentos é quase impossível de ser

menor que mil e quinhentos anos, enquanto que a permanência no Devachan, que é

a recompensa de um karma muito rico, diz-se que algumas vezes se estende por

enormes períodos.

COMENTÁRIOS

Quanto às observações a fazer sobre a doutrina compreendida no capítulo

anterior, será mais conveniente transferi-las para o final do próximo e apresentá-las

com as pertinentes aos estados de Kâma-loka.


6. KÂMA-LOKA

O que antes foi exposto do destino dos princípios humanos superiores depois

da morte facilita o caminho para compreender as circunstâncias em que a escória

desses princípios se encontra, depois que o verdadeiro Ego passou bem pelo estado

devachânico, ou por aquele período inconsciente de sua preparação e que

corresponde à gestação física. A esfera em que semelhante escória permanece

durante certo tempo é conhecida, na ciência oculta, por Kâma-loka, a região do

desejo, não a região em que o desejo se desenvolve num grau anormal de

intensidade, comparativamente ao desejo tal como o associamos na vida terrena,

mas a esfera em que essa sensação do desejo, que é uma parte da vida terrena,

pode sobreviver.

Pelo que foi dito sobre o Devachan, é claro que grande parte das

reminiscências que se acumulam em redor do Ego humano durante a vida são

incompatíveis, por sua natureza, com a pura existência subjetiva por que passa o

Ego verdadeiro, perdurável e espiritual. Nem por isso se extinguem ou se aniquilam

necessariamente essas reminiscências. Permanecem inerentes acertas moléculas


pertencentes aos princípios sutis (embora não nos mais sutis) que abandonam o

corpo por ocasião da morte. Do mesmo modo como a dissolução separa do corpo o

que comumente se chama alma, assim também provoca uma separação posterior

entre os elementos constitutivos dessa alma. Aquela parte do quinto princípio, ou

alma humana, que por sua natureza é assimilável ao sexto princípio — alma

espiritual —, ou gravita em direção a ele, ou passa, juntamente com o germe desta

alma divina, à região superior ou estado devachânico, em que se separa, quase

completamente, das atrações da Terra, ou por completo, de tudo quanto se

relaciona a seu próprio curso espiritual, por mais que ainda mantenha certas

afinidades com as aspirações espirituais que emanam da Terra ou que possa

algumas vezes atraí-las para si. Já a alma animal ou o quarto princípio (o elemento

da vontade e do desejo, no que se associa à existência objetiva) não exerce

nenhuma atração para o superior, e não passa além da Terra mais do que o fazem

as partículas do corpo entregues à sepultura. Todavia, este quarto princípio não

pode ser confinado no sepulcro. Em sua natureza ou afinidades não é espiritual,

mas tampouco é físico, sendo apenas físico em suas afinidades. Assim, permanece

dentro da atração local e física efetivas da Terra — ou seja, na atmosfera desta - ou

em Kâma-loka, uma vez que não são os gases atmosféricos os que se relacionam

nesta passagem do problema que examinamos.

Ainda com relação ao quarto princípio, uma grande parte dele (no que toca à

maioria da humanidade, infelizmente, embora uma parte muito variável em

proporção relativa) sem dúvida ali permanece. Existindo, ali, muitos atributos do

comum e complexo ser humano, muitos sentimentos ardentes, desejos e atos,

torrentes de reminiscências, os quais, ainda que não estejam relacionados com uma

vida tão ardente, talvez como os que se relacionem com as aspirações mais
elevadas, pertencem, contudo, essencialmente, à vida física e demoram a morrer.

Ficam atrás, associados ao quarto princípio, que é todo de natureza perecível, e

dispersam-se, desvanecem-se ou são absorvidos pêlos princípios universais

respectivos a que pertencem, da mesma forma que o corpo é absorvido pela Terra,

no decorrer do tempo, rápida ou lentamente, em proporção à tenacidade de sua

substância. Mas onde, entrementes, permanece a consciência do indivíduo que

morreu ou se dissolveu? Com certeza no Devachan Mas à mente não treinada na

ciência oculta apresenta-se para isto certa dificuldade, pois uma aparência de

consciência permanece inerente à parte astral — isto é, o quarto princípio com uma

parte do quinto — que fica atrás no Kâma-loka. Levanta-se a objeção de que a

consciência individual não pode existir em dois lugares ao mesmo tempo. Mas,

acima de tudo, isto pode acontecer até certo ponto, como logo se perceberá, sendo

um erro falar de consciência, tal como a entendemos na vida, unida à crosta ou

escória astral. Pode despertar nessa crosta certa manifestação espúria de

consciência, desprovida de qualquer conexão com a consciência real, que entretanto

cresce em força e em vitalidade na esfera espiritual. Não tem o cascão o poder de

adquirir e assimilar novas idéias e de iniciar cursos de ação com base nessas novas

idéias. Porém, existe no cascão uma sobrevivência dos impulsos volitivos que lhe

foram comunicados durante a sua vida. O quarto princípio é o instrumento da

volição, embora não da volição mesma, e os impulsos que lhe foram comunicados

durante a vida pêlos princípios superiores podem seguir seu curso e produzir

resultados quase indiscerníveis, para os observadores pouco atentos, daqueles que

ocorreriam se os quatro princípios mais elevados estivessem de fato todos unidos,

tal qual em vida.


O quarto princípio é, durante a vida, o veículo daquela consciência

essencialmente mortal, que não se harmoniza com um estado de existência

permanente; mas a consciência, mesmo dos princípios inferiores durante a vida, é

uma coisa muito diferente da consciência vaporosa, volátil e incerta, que continua

inerente neles, quando aquilo que na realidade é a vida, que os cobre, ou seja, sua

vitalização pela infusão do espírito, extinguiu-se em tudo o que a eles se refere. Não

pode a linguagem tornar inteligível de uma só vez todos os aspectos de uma idéia

que apresente muitos aspectos, como tampouco pode um desenho revelar todos os

lados de um objeto sólido. À primeira vista, os desenhos diferentes de um mesmo

objeto, tomados de diversos pontos de vista, podem parecer tão dessemelhantes

que não sejam reconhecidos como o mesmo. Entretanto, quando a inteligência

chegar a percebê-los em conjunto, verá que as suas diversidades formam um todo

harmônico. Assim acontece a estes sutis atributos dos princípios invisíveis do

homem. Nenhum tratado pode fazer mais do que discutir seus diferentes aspectos

de modo separado. Os diversos pontos de vista expostos devem fundir-se na mente

do leitor antes que a concepção completa corresponda às realidades da Natureza.

O quarto princípio é, na vida, a sede da vontade e do desejo, mas não é a

própria vontade. Deve estar ativamente unido ao espírito obscurecedor, ou a "Vida

Una", para ser assim o agente daquela muito elevada função da vida — a vontade

em sua potência sublime. Como já foi dito, os nomes sânscritos dos princípios

superiores envolvem a conotação da idéia de que são veículos da Vida Una. Não

que a Vida Una seja um princípio molecular dissociável: é a união de todos, a

influência do espírito; mas, na verdade, a idéia é demasiado sutil para a linguagem,

e talvez para a própria inteligência. De qualquer maneira, a sua manifestação no

caso atual é bastante evidente. Qualquer que tenha sido a vontade do quarto
princípio quando vivente, este não é capaz, quando morto, de vontade ativa. Mas

então, sob certas condições anormais, pode parcialmente recuperar a vida durante

certo tempo, ate fato é o que explica muitos, embora nem todos, os fenômenos da

mediunidade espírita. O "elemental" (como tem sido geralmente chamado o cascão

astral em escritos ocultos anteriores) é suscetível — deve-se lembrar — de ser

galvanizado durante certo tempo pela corrente mediúnica, passando a um estado de

consciência e vida. Disso se pode formar uma idéia pelo primeiro estado em que se

encontra uma pessoa, que levada a um recinto estranho, em estado de

inconsciência durante uma enfermidade, acorda fraca, com sua inteligência confusa,

fitando ao redor de si com um sentimento de desnorteamento, recebendo

impressões, ouvindo palavras que lhe são dirigidas e respondendo vagamente. Este

estado de inconsciência não está associado a noções do passado ou do futuro. É

uma consciência automática como a derivada do médium. Deve-se considerar que

um médium é uma pessoa cujos princípios estão frouxamente unidos e são

suscetíveis de ser apropriados por outros seres, ou por princípios flutuantes que

sintam atração por algum deles ou por alguma parte deles. Pois bem, o que

acontece no caso de um cascão ser desentranhado nas proximidades de uma

pessoa assim constituída? Suponhamos que a pessoa que abandonou o cascão

tenha morrido com algum poderoso desejo insatisfeito, não necessariamente de

natureza pecaminosa, mas totalmente relacionado com a vida terrena, um desejo,

por exemplo, de comunicar algum fato a uma pessoa ainda viva. Sem dúvida, o

cascão não vaga pelo Kâma-loka com um propósito firme, inteligente e consciente

de comunicar aquele fato, porém, entre outros, o impulso volitivo de fazê-lo foi

infundido no quarto princípio e enquanto as moléculas desse princípio

permanecerem associadas (o que pode acontecer por muitos anos), apenas


necessitam ser parcialmente galvanizadas de novo à vida, para se converterem em

ativas na direção do impulso original. Esse cascão entra em contato com um

médium (na realidade não tão diferente da pessoa que morreu a fim de que se tome

possível um rapport dificílimo), e algo do quinto princípio desse médium se associa

com o quarto princípio desgarrado e coloca em ação o impulso original. Do médium

é então emprestada tanta consciência e tanta inteligência quanto for necessário para

manter o quarto princípio usando os meios de comunicação que estiverem à mão —

uma lousa e um lápis, ou uma mesa para dar batidas — e, nesse caso, a mensagem

dada, por assim dizer, pode ser aquela que a pessoa morta originalmente ordenara

que o seu quarto princípio revelasse, ordem que o cascão até agora não tivera

oportunidade de cumprir. Pode-se objetar que a produção de escritos numa lousa

fechada, ou de golpes numa mesa, sem que se usem os nós dos dedos ou um

bastão, é por si mesma um fato maravilhoso da Natureza, que demonstra, por parte

da inteligência comunicadora, o conhecimento de poderes da Natureza sobre os

quais nada sabemos em nossa vida física. Mas o cascão está no mundo astral, no

reino desses poderes, e a manifestação de tais fenômenos é seu modo natural de

conduzir-se. Não tem mais consciência da produção de um resultado maravilhoso,

pelo uso de novos poderes adquiridos numa esfera mais elevada de existência, do

que a que possuímos das forças, por meio das quais na vida o impulso volitivo é

comunicável aos nervos e aos músculos. Ainda se pode objetar que a "inteligência

que comunica" numa sessão espírita executa constantemente fatos notáveis,

apenas por interesse próprio, para exibir o poder que possui sobre as forças

naturais. O leitor há de lembrar-se de que a ciência oculta, contudo, está muito longe

de afirmar que todos os fenômenos do espiritismo são atribuíveis a uma só classe de

agentes. Até aqui, neste estudo, bem pouco foi dito sobre os dementais, esses seres
semi-inteligentes da luz astral, que pertencem a um reino da Natureza inteiramente

diferente do nosso. Nem é possível, na atualidade, estender-nos sobre seus

atributos, pela simples e óbvia razão de que o conhecimento relativo aos elementais,

os conhecimentos minuciosos sobre esse assunto, com relação ao modo como

agem, são retidos de forma escrupulosa e secreta pêlos Adeptos do ocultismo.

Possuir tal conhecimento equivale à posse do poder, e todo motivo do grande

segredo de que a ciência oculta está encoberta volta-se para o perigo existente de

conferir poderes a pessoas que não deram, antes de tudo, submetendo-se à

instrução dos iniciados, garantias morais de serem dignas deles. Por intermédio do

domínio dos elementais é que alguns dos maiores feitos físicos do adeptado são

realizados, assim como os mais importantes fenômenos físicos da sessão espírita

são produzidos por atos espontâneos dos elementais que assim atuam. O mesmo

ocorre com quase todos os ioguins e faquires da índia das classes mais inferiores,

que possuem o poder de produzir fenomenais resultados. Por alguns meios, talvez

graças a fragmento herdado do ensinamento oculto, encontraram-se de posse de

uma partícula de ciência oculta. Para produzir o fenômeno, não é preciso entender a

ação das forças que eles utilizam, assim como um criado indiano de uma companhia

telegráfica, a quem se ensinou a misturar os ingredientes do líquido empregado na

bateria galvânica, não precisa entender a teoria da eletricidade. Pode executar a

única operação que lhe ensinaram, o mesmo acontecendo como ioguim inferior, que

aprendeu a influenciar certos elementais e pode fazer certas maravilhas.

Voltemos a tratar dos cascões ex-humanos no Kâma-loka. A respeito, pode-

se objetar que a sua conduta durante as sessões espíritas não fica bem explicada

pela teoria de que tinham alguma mensagem do seu último dono a comunicar. E

valendo-se da mediunidade presente para transmiti-la. À parte os fenômenos que


classificamos como extravagâncias de elementais, encontramos algumas vezes uma

continuidade de inteligência, por parte do dementai ou cascão, que indica muito mais

que a mera sobrevivência de impulsos procedentes da vida anterior. Isto é muito

exato. Mas, com porções do quinto princípio do médium, que lhe tenham sido

transmitidas, o quarto princípio volta a ser um instrumento nas mãos de um mestre.

Com um médium em estado de transe, de forma que as energias de seu quinto

princípio possam ser transmitidas em grande parte ao cascão errante, redunda que a

consciência desperta nesse cascão, naquele dado momento. Porém, qual é, nisto

tudo, a conseqüente natureza dessa consciência? Nada mais, na verdade, do que

uma luz refletida. A memória é uma coisa, as faculdades perceptivas são outra

inteiramente distinta. Um louco pode lembrar claramente algumas porções de sua

vida passada. Apesar disso, é incapaz de perceber qualquer coisa em seu aspecto

verdadeiro, pois a mais elevada parte de seu Afanas e Buddhi, o quinto e o sexto

princípios, estão paralisados nele ou o abandonaram. Se um animal — um cão, por

exemplo — pudesse se explicar por si mesmo, provaria que sua memória, com

relação à sua personalidade canina, é tão grande quanto a de seu dono. Entretanto,

a sua memória e o seu instinto não podem ser chamados de faculdades perceptivas.

Uma vez que um cascão está na aura do médium, ele pode perceber,

suficientemente claro, o que lhe permitem os princípios transmitidos pelo médium e

pêlos órgãos em simpatia magnética com ele. Mas isto não o conduzirá além do

grau das faculdades perceptivas do médium, ou de alguns outros presentes à

sessão. Daí as respostas, freqüentemente racionais e algumas vezes muito

inteligentes, que pode dar, e daí, também, seu invariável e completo esquecimento

de todas as coisas desconhecidas àquele médium ou círculo, ou que não se

encontram nas reminiscências inferiores de sua personalidade passada, galvanizada


de novo pelas influências sob as quais está colocada. O cascão de um homem, em

alto grau inteligente e instruído, mas destituído de espiritualidade, que tenha morrido

de morte natural, durará mais tempo do que o pertencente a temperamentos mais

fracos, e (com a ajuda da sombra de sua própria memória) pode pronunciar, por

intermédio de médiuns, orações não desprezíveis. Mas jamais se notará que estas

se relacionem com algo que não sejam os assuntos que o tenham interessado

seriamente durante sua vida, nem uma palavra virá dele que indique um avanço

efetivo de conhecimentos.

Vê-se com facilidade que um cascão astral, atraído para uma corrente

mediúnica e entrando em relacionamento com o quinto princípio do médium, não

assegura de modo algum que ele esteja animado por uma consciência (mesmo

sendo pouco o que valham tais consciências) idêntica à da personalidade morta, de

cujos princípios superiores foi desprendida, pois, com a mesma faculdade, pode

refletir alguma personalidade inteiramente diferente, capaz de ser sugestionada pela

mente do médium. Esta personalidade pode talvez permanecer e responder por

algum tempo. Se alguma nova corrente de pensamento, lançada pelas mentes das

pessoas presentes, encontrar eco nas efêmeras impressões do dementai, seu

sentimento de identidade começará a vacilar por um curto tempo, entre duas ou três

conjecturas, acabando por desaparecer por completo. O cascão volta assim a seu

sono na luz astral, sendo, em poucos instantes, inconscientemente arrastado ao

outro extremo da Terra.

Além do elemental comum — o cascão da espécie recém-descrita — o Kâma-

loka é também a morada de outra classe de entidades astrais, que devemos lembrar

se desejarmos compreender as diversas condições em que as criaturas humanas

passam desta vida para outras. Até agora examinamos o curso normal dos
acontecimentos, quando a pessoa morre de modo natural. Mas uma morte anormal

levará a conseqüências anormais. Assim, no caso de pessoas que se suicidaram, os

resultados decorrentes diferirão por completo dos que provêm de morte natural. Se

se meditar a respeito desses casos, constatar-se-á que, de fato, num mundo

governado por regras e tribunais, por afinidades que produzem seus efeitos

regulares desse modo deliberado que a Natureza favorece, o caso de uma pessoa

que morre de morte súbita, quando todos os seus princípios estão firmemente

unidos e aptos a manter-se assim durante vinte, quarenta ou sessenta anos, ou, o

que seja, o resto natural de sua vida, deve certamente diferir em algo do de uma

pessoa que se acha pelo processo natural em decadência, quando a máquina vital

pára, facilmente dissociável em seus vários princípios, cada um dos quais estando

pronto para seguir seu próprio destino. Á Natureza, sempre fecunda em analogias,

apresenta-nos em seguida o exemplo em dois frutos: um maduro e outro verde. Do

interior do primeiro, seu caroço sairá tão limpo e facilmente quanto a mão de uma

luva, ao passo que do fruto verde somente o caroço é extraído com dificuldade,

ficando a polpa semi-aderida à sua superfície. Pois bem, no caso de uma morte

súbita, acidental ou por suicídio, o caroço tem de ser arrancado do fruto verde. Não

é a questão da culpa moral que pesa aqui sobre o ato do suicídio. É bem provável

que, na maior parte dos casos, a culpa moral lhe seja inerente, mas essa é uma

questão do karma que seguirá a pessoa a que se refere, até seu próximo

renascimento, como qualquer outro karma, e não tem nada a ver com a dificuldade

imediata, que essa pessoa possa encontrar em chegar à morte completa. Esta

dificuldade é evidentemente a mesma, quer uma pessoa se suicide, quer seja morta

no heróico cumprimento de seu dever, quer ainda seja vítima de um acidente, por

completo independente de sua vontade.


Como regra geral, quando uma pessoa morre, a longa conta do karma se

fecha naturalmente — isto é, a complicada série de afinidades, que se estabeleceu

durante a vida, no primeiro princípio durável, o quinto, já não é suscetível de

aumentar. O saldo das contas, por assim dizer, não é exigido a não ser no próximo

nascimento objetivo, ou, em outras palavras, as afinidades que no Devachan

permanecem em estado latente, devido à ausência de sua esfera de ação própria,

voltam a valer tão logo entrem de novo em contato com a existência física. Mas o

quinto princípio, no qual essas afinidades se desenvolvem, não se desvincula, no

caso da pessoa que morre prematuramente, do princípio terreno, isto é, do quarto

princípio. Portanto, o dementai que assim se encontra no Kâma-loka, em sua

violenta expulsão do corpo, não é um mero cascão, mas a própria pessoa, que vivia,

sem que lhe falte mais nada que o corpo. No verdadeiro sentido da palavra, não está

absolutamente morto.

Certos dementais dessa espécie podem comunicar-se de modo efetivo, nas

sessões espíritas, às suas próprias custas. Pois, infelizmente, devido à inteireza de

sua constituição astral, eles podem continuar gerando karma, ao mitigar sua sede

pela vida na insalubre fonte da mediunidade. Se em vida eles pertenceram a um tipo

muito material e sensual, os prazeres que buscarão serão de tal gênero, mesmo a

ponto de conceber-se que seu deleite, no estado desencarnado, será mais danoso

para seu karma do que o que foram os seus prazeres durante a vida. Nesses casos,

facilis est descensos. Extirpados à vida terrena, em plena exacerbação de paixões

que os ligam a cenas familiares, são seduzidos pela oportunidade oferecida pêlos

médiuns, para satisfazê-las por procuração. Convertem-se nos íncubos e súcubos

de que falam os escritos medievais, demônios sedentos e glutões, levando as suas

vítimas ao crime. Um breve ensaio sobre este assunto, escrito por mim, apareceu na
Theosophist seguido de uma nota, em cuja autenticidade tenho minhas razões para

confiar. Dele reproduzo aqui alguns parágrafos, cujo teor é o seguinte:

"A variedade de estados depois da morte é muito maior, se possível, do que a

diversidade de vidas humanas nesta Terra. As vítimas de acidentes não se

convertem, no geral, em andarilhos terrestres, mas somente os que caem na

corrente de atração, os que morrem cheios de alguma grosseira paixão terrena, os

egoístas, que nunca pensaram no bem-estar dos outros. Surpreendidos pela morte

na realização, verdadeira ou imaginária, de alguma subjugadora paixão de suas

vidas que não lograram satisfazer, ou mesmo tendo-a realizado, ansiando por mais,

essas personalidades não podem passar nunca mais além da atração terrena para

esperar a hora da liberação em feliz ignorância e pleno esquecimento. Entre os

suicidas, aplica-se o que antes expusemos sobre os que levam ao crime as suas

vítimas, como também àqueles que se suicidaram em conseqüência de um crime,

para escapar à penalidade da lei humana, ou devido ao seu próprio remorso. A lei

natural não pode ser impunemente violada. A inexorável relação causal entre a ação

e o resultado somente atua em sua plenitude, no mundo dos efeitos — o Kâma-loka

— e cada caso encontra ali um castigo apropriado, de mil diferentes modos, cuja

descrição superficial exigiria muitos volumes."

Aqueles que "esperam pela hora da liberação em feliz ignorância e em pleno

esquecimento" naturalmente são aquelas vítimas de acidentes que, na Terra,

provocaram relações puras e elevadas e que, depois da morte, estão além do

alcance das tentações que as correntes mediúnicas representam, da mesma forma

como eram inacessíveis durante a vida, aos impulsos naturais para o crime.

Encontram-se fortuitamente no Kâma-loka entidades de outra espécie, das

quais haveremos ainda de tratar. Temos seguido os princípios superiores de


pessoas recém-falecidas, observando a separação do resíduo as trai, da porção

espiritual durável, a qual é santa ou satânica em sua natureza e, portanto,

apropriada para o Devachan ou para o Avitchi. Analisamos a natureza do cascão

elemental arremessado, e que conserva, durante certo tempo, uma enganosa

semelhança com uma entidade real. Temos prestado atenção, também, aos casos

excepcionais de seres com seus quatro princípios, no Kâma-loka, vítimas de

acidentes ou de suicídios. Mas, o que acontece a uma personalidade sem nenhum

átomo de espiritualidade, nem vestígio algum de afinidade espiritual em seu quinto

princípio, nem para o bem, nem para o mal? Nesse caso, é claro que nada existe

que o sexto princípio possa assimilar. Ou, em outras palavras, essa personalidade

perdeu seu sexto princípio, quando chegou o tempo de sua morte. O Kâma-loka não

é mais uma esfera de existência para essa personalidade do que o mundo subjetivo.

O Kâma-loka pode ser permanentemente habitado por seres astrais, por elementais,

mas unicamente pode servir de antecâmara a outros estados relativos aos seres

humanos. No caso imaginado, a personalidade sobrevivente é logo levada pela

corrente de seus futuros destinos e estes nada têm a ver com a atmosfera da Terra,

nem com o Devachan, mas sim com a "oitava esfera", mencionada somente de

forma casual em escritos ocultos mais antigos. Até o momento deve ter sido

ininteligível aos leitores comuns a denominação "oitava esfera"; mas, depois de

explicada pela primeira vez a constituição setenária do nosso sistema planetário, o

significado ficará bastante claro. As esferas pertencentes ao processo cíclico da

evolução são em número de sete, mas existe uma oitava em conexão com a nossa

Terra, nosso ser terreno. Como se há de recordar, esse é o ponto de reversão na

cadeia cíclica, e esta oitava esfera está situada fora do circuito, sendo uma espécie
de cul-de-sac, por ser uma região da qual pode em verdade dizer-se que nenhum

viajante regressa.

Pode-se conjecturar facilmente que a única esfera relacionada com a nossa

cadeia planetária, que ocupa um lugar inferior ao da nossa, nessa escala, que tem o

espírito no seu extremo superior e a matéria no âmago, não deve ser menos visível

à vista e aos instrumentos ópticos do que a nossa própria Terra. E, como as funções

que esta esfera tem de desempenhar em nosso sistema planetário estão

imediatamente associadas com esta Terra, não há, na atualidade, muito mistério

quanto ao enigma da "oitava esfera", nem quanto ao ponto do céu onde se pode

encontrá-la. Entretanto, as condições de existência nela são assuntos sobre os

quais os Adeptos são muito reservados em suas comunicações a discípulos não

iniciados, e com relação a estas informações nada tenho, por agora, a externar.

Contudo, existe sobre isso uma afirmação definida, a saber, que a

degradação total de uma personalidade, capaz de arrastá-la depois da morte para o

raio de atração da "oitava esfera", é uma ocorrência bem rara. Na imensa maioria

das vidas existe algo que os princípios superiores podem atrair para si, algo que

pode redimir de uma destruição total a página de uma existência que acaba de

passar. Tenha-se aqui também presente que as reminiscências da vida terrena no

Devachan, vívidas como são, apenas se referem àqueles episódios que podem

produzir o gênero de felicidade elevada que existe no Devachan, ao passo que a

vida, cuja essência espiritual é assim extraída no presente, pode chegar a ser

lembrada no futuro, em todos os seus pormenores. A recordação completa, porém,

só a consegue um indivíduo no limiar de um estado espiritual bem ulterior, no

progresso dos vastos ciclos da evolução. Cada uma das longas séries de vidas

pelas quais se tenha passado será, então, como páginas num livro cujo dono o
folheia à vontade, embora muitas dessas páginas a ele parecerão, provavelmente,

uma leitura fastidiosa, à qual não recorrerá amiúde. Esse reavivamento eventual de

reminiscências relativas às personalidades por longo tempo esquecidas é o que

efetivamente representa a doutrina da Ressurreição. Porém, não dispomos de tempo

agora para deter-nos a desenredar os enigmas desse simbolismo relacionado com

os ensinamentos que no momento são comunicados ao leitor, sendo essas,

contudo, uma empresa digna de levar-se a cabo mais adiante. Por enquanto,

voltando ao relato de como os fatos se apresentam, pode-se dizer que, entre todas

as páginas do livro, quando afinal a "ressurreição" ocorre, não haverá páginas

inteiramente perversas. Porque, na verdade, se alguma individualidade espiritual,

durante a sua passagem por este mundo, esteve alguma vez unida a personalidades

tão deploráveis e desesperadamente degradadas, que passaram por completo

dentro da esfera de atração do vórtice inferior, essa individualidade espiritual não

terá retido, nesse caso, em suas próprias afinidades, nenhum vestígio ou mancha de

sua degradação. São páginas que terão sido arrancadas do livro sem deixar

qualquer traço. Como ao fim da luta, depois de cruzar o Kâma-loka, a individualidade

espiritual terá passado ao estado inconsciente de gestação, de onde, tocando de

leve o estado devachânico, voltará direta-mente (embora não de imediato quanto ao

tempo) a nascer à vida de atividade objetiva, e toda a consciência de si mesmo

relacionada com aquela existência terá passado ao mundo inferior para ali

eventualmente "perecer eternamente", uma expressão da qual, como tantas outras,

a teologia moderna mostrou ser guardiã infiel, convertendo em puras tolices os fatos

psicocientíficos.
COMENTÁRIOS

Não há parte do presente volume que tenha tanta necessidade urgente de

ampliação com os dois últimos capítulos.

O plano de existência chamado Kâma-loka, assim como a região ou estado

mais elevado, o Devachan, do qual o Kâma-loka é a antecâmara, foram deixados

inicialmente, por nossos mestres, de forma intencional, numa obscuridade parcial, a

fim de que o esquema completo da evolução fosse melhor compreendido. O estado

espiritual que segue imediatamente a nossa vida física atual é uma seção da

Natureza, cujo estudo pode ser de uma sedução malsã para quem compreende que,

mesmo durante a vida, é possível colocar-se em contato com ele e proceder

algumas experiências sobre as suas condições. Podemos já, até certo ponto,

reconhecer os fenômenos desse estado de existência a que passa a criatura

humana por ocasião da morte do corpo. As experiências do espiritismo nos

forneceram, em grande profusão, fatos relativos a isso. Esses fatos são, em

verdade, extremamente sugestivos de teorias e inferências que parecem atingir os

últimos limites da especulação. Só a rígida disciplina mental do estudo esotérico, em

seu aspecto mais amplo, pode impedir que qualquer inteligência dedicada à

consideração desses fatos chegue a conclusões que esse mesmo estudo demonstra

serem necessariamente errôneas. Por esta razão, os pesquisadores teosóficos nada

têm a lastimar no que se refere a seus próprios progressos na ciência espiritual, nas

circunstâncias que os induziram a isso até agora, por haverem, antes, se descuidado

com referência aos problemas relacionados com o estado de existência que segue

ao nosso. É impossível exagerar as vantagens espirituais que se obtêm pelo estudo

do vasto desígnio da Natureza, através daqueles extensos reinos do futuro, que

unicamente a perfeita clarividência dos Adeptos pode penetrar, antes de ocupar-se


de minúcias referentes àquele limiar espiritual, parcialmente acessível a uma visão

menos poderosa que sem esforço toma essa região num primeiro estudo, como o

todo da expansão do futuro.

Atualmente, contudo, podemos descrever os primeiros processos pêlos quais

passa a alma depois da morte, de um modo mais completo e exato do que estão

definidos no capítulo anterior. A natureza da luta que ocorre no Kâma-loka, entre as

díadas superior e inferior, pode agora, segundo creio, ser melhor compreendida do

que no início. Aquela luta parece ser um processo muito prolongado e heterogêneo,

que constitui — não como algum de nós poderia ter conjecturado a princípio, uma

automática ou inconsciente ação de afinidades ou forças dispostas a determinar o

futuro da mônada espiritual após a morte — todavia uma fase da existência que

pode durar, e provavelmente dura na maior parte dos casos, um número

considerável de anos. Durante esta fase de existência, é bem possível às entidades

humanas, que têm abandonado a Terra, manifestar-se a pessoas ainda vivas, por

meio da chamada mediunidade espírita, de um modo que em parte pode explicar,

senão vindicar, as impressões que os espíritas derivam dessas comunicações.

Mas não devemos deduzir, com demasiada pressa, que a alma humana que

passa pela luta ou pela evolução do Kâma-loka é, sob todos os aspectos, o que à

primeira vista sugere a situação assim apresentada. Em primeiro lugar, devemos ter

cautela ao materializar demasiado grosseiramente o nosso conceito da luta,

concebendo-a como uma separação mecânica de princípios. Existe uma separação

mecânica, envolvida no abandono dos princípios inferiores, quando a consciência do

Ego se apóia solidamente nos superiores. Assim, à morte, o corpo é abandonado

mecanicamente pela alma, que (em união, talvez, com os princípios intermediários),

ao deixar a morada de que já não necessita, pode ser vista por alguns clarividentes
de ordem elevada. Processo muito semelhante pode, afinal, ocorrer no próprio

Kâma-loka, com respeito à matéria dos princípios astrais. Mas deixando de lado, por

um instante, esta consideração, cabe evitar a suposição de que a luta no Kâma-loka

é, por si mesma, esta última divisão de princípios, ou a segunda morte no plano

astral.

A luta em Kâma-loka é de fato a vida da entidade naquela fase de existência.

Conforme se expôs com rigor no capítulo precedente, a evolução ocorrente, naquela

fase de existência, não se relaciona com a opção responsável entre o bem e o mal

que acontece durante a vida física. O Kâma-loka é uma parte do grande mundo dos

efeitos — não uma região em que se originem causas (exceto sob circunstâncias

peculiares). A entidade em Kâma-loka, portanto, não é verdadeiramente dona de

seus próprios atos. É, antes, um joguete de suas próprias afinidades já

estabelecidas. Porém, estas afinidades, durante todo esse tempo, se afirmam ou se

esgotam, por graus, e a entidade em Kâma-loka, por todo o tempo, possui uma

existência de consciência vívida de uma espécie ou outra. Pois bem, um momento

de reflexão mostrará que essas afinidades, que estão acumulando força e se

afirmando, se referem às aspirações espirituais experimentadas na última vida,

enquanto as que se estão esgotando se referem aos gostos, às emoções e às

tendências materiais. Vale lembrar que a entidade em Kâma-loka encaminha-se

para o Devachan, ou, em outras palavras, está progredindo em direção ao estado

devachânico, e que o processo de desenvolvimento ocorre por ação e reação, por

fluxo e refluxo, como quase todos os processos da Natureza — por uma espécie de

oscilação entre a luta das atrações da matéria e as do espírito. Destarte, o Ego

avança, por assim dizer, em direção ao céu, ou retrocede para a Terra, durante a

sua existência em Kâma-loka, e precisamente essa tendência a oscilar entre os dois


pólos de pensamento ou estado é o que o faz recuar, às vezes, para a esfera da

vida que acaba de deixar.

Suas ardentes simpatias por aquela vida não se dissipam de uma vez.

Quanto à suas simpatias para com os aspectos superiores da vida, deve-se

recordar, nem sequer entram no processo de dissipação. Por exemplo, no que nos

referimos aqui como afinidade terrena, não devemos abranger os sentimentos, que

são um exercício exclusivo de natureza devachânica. Já quanto às afeições, sejam

elas terrenas ou espirituais, a sua contemplação, com as circunstâncias e ambientes

da vida terrena, amiúde influi no retrocesso da entidade em Kâma-loka para a vida

terrena, o que mencionamos antes.

À comunicação, estabelecida pela prática do espiritismo entre tais entidades

em Kâma-loka e os amigos que foram deixados na Terra, deve ocorrer naqueles

períodos de existência da alma em que as lembranças da Terra prendem a sua

atenção. E sobre isso há duas considerações muito importantes, decorrentes da

reflexão anterior.

1º) Quando se chama a atenção da alma para a Terra, ela é afastada do

progresso espiritual em que está empenhada, pois faz com que oscile em direção

oposta. Pode-se lembrar completamente bem as aspirações espirituais da vida na

Terra e, em conversação, referir-se a elas, mas suas novas experiências parecem

impossíveis de ser traduzidas em palavras próprias à inteligência física comum, além

do que não estão no domínio das faculdades que operam na alma, enquanto se

ocupa a alma com as antigas lembranças da Terra. Pode-se exemplificar a situação,

ainda que grosseiramente, com o caso de um emigrante pobre que podemos

imaginar prosperando em seu novo país, ilustrando-se ali, ocupando-se de seus

negócios públicos e descobertas, realizando atos de filantropia e assim por diante.


Pode manter intercâmbio com os seus familiares através de cartas, mas achará

difícil mantê-los a par de tudo o que chega a povoar seus pensamentos. O exemplo

só pode ser aplicado inteiramente a nosso propósito, se consideramos o emigrante

como submetido à lei psicológica cujo véu encobre o seu entendimento, quando se

senta para escrever a seus antigos amigos, se restabelecendo nele, durante aquele

tempo, a sua primitiva condição mental. Com o decorrer do tempo, ele vai sendo

cada vez menos capaz de escrever sobre seus antigos temas, porque estes não só

estariam num nível inferior àqueles a cuja consideração se elevaram suas

verdadeiras faculdades mentais, como também se teriam, em grande parte, apagado

de sua memória. Suas cartas seriam uma fonte de surpresa para os seus

destinatários, que diriam, com certeza, que os seus escritos deixavam muito a

desejar e que ele se tomara muito obtuso e estúpido, em comparação ao que era

antes de ir para o exterior.

2º) Recorde-se que a bem-conhecida lei fisiológica segundo a qual as

faculdades se reavivam pelo uso e se atrofiam pelo desuso, aplica-se

tanto no plano astral como no físico. A alma que no Kâma-loka adquire o

hábito de centrar sua atenção nas lembranças da vida que deixou, reforçará e

afirmará aquelas tendências que estão em guerra com seus impulsos mais elevados.

Quanto mais amiúde ela for atraída pelo afeto dos amigos ainda viventes, para

aproveitar as oportunidades que lhe proporciona a mediunidade, a fim de manifestar

a sua existência no plano físico, tanto mais veementes serão os impulsos que o

farão recuar para a vida física e tanto mais grave a demora em seu progresso

espiritual. Esta consideração parece implicar o mais forte motivo que leva os

representantes dos ensinamentos teosóficos a desfavorecerem e desaprovarem

todo gênero de tentativas para pôr-se em comunicação com as almas dos mortos,
por via dos médiuns. Quanto mais genuínas forem essas comunicações, tanto mais

danosas serão para os moradores do Kâma-loka, no que lhes diz respeito. No

presente estágio de nossos conhecimentos, é difícil determinar com segurança até

que ponto são assim lesadas no Kâma-loka. Podemos, também, ser tentados a crer

que, em alguns casos, a grande satisfação usufruída pelas pessoas viventes, que

receberam a comunicação, compensa o dano provocado na alma do morto.

Entretanto, esta satisfação será mais ou menos profunda conforme o amigo ainda

vivo compreenda as circunstâncias sob as quais ocorre a comunicação. Num

começo, é certo, logo após a morte, as recordações ainda vívidas e completas da

vida terrena possibilitam que a entidade no Kâma-loka se manifeste de modo muito

semelhante à de sua personalidade terrestre, mas desde o instante da morte

começa a transformação rumo à sua evolução. Ao se manifestar no plano físico, não

revelará nenhuma nova fermentação de pensamento em sua inteligência. Nessa

manifestação, não se mostrará nem mais sábia, nem mais elevada, na escala da

Natureza, que o que era ao morrer; ao contrário, tornar-se-á cada vez menos

inteligente e, na aparência, menos instruída do que antes, à medida que passa o

tempo. Nunca fará justiça, em suas comunicações com os amigos que deixou para

trás. Seu malogro neste ponto há de se lhe tomar cada vez mais penoso,

gradualmente.

Contudo, há outra consideração que lança luz muito duvidosa sobre a

sensatez ou a conveniência de satisfazer o desejo de comunicação com os amigos

falecidos. Podemos dizer que não importa que o interesse do amigo que deixou a

Terra desapareça gradualmente, pois, enquanto fique algo dele ou dela que se nos

manifeste, mesmo este pouco nos causará grande encanto. Também se pode

argumentar que, ainda quando a pessoa querida se atrase um pouco em sua


passagem para o Céu, ao conversar conosco, fará este sacrifício de bom-grado

pêlos seres que ama. O aspecto que aqui não se leva em conta é que no plano

astral, ou no físico, é muito fácil contrair um mau costume. Quando a alma no Kâma-

loka tiver saciado sua sede nos mananciais pela comunicação terrestre da

mediunidade sentir-se-á fortemente impulsionada a fazê-lo novamente de vez em

quando. Por causa disso podemos produzir outros resultados além do de distrair a

atenção da alma de seus próprios assuntos, sustentando relações espirituais com

ela. Podemos causar-lhe um dano grave e quase permanente. Não afirmo que isso

ocorra sempre, mas de um ponto de vista de severa ética sobre o tema, deve-se

reconheceres perigos que envolvem semelhante conduta. Entretanto, é claro que se

apresentam casos em que o desejo de comunicar-se provenha principalmente da

outra parte: isto é, quando a alma que se foi embora está dominada pelo desejo não

satisfeito — que pode dirigir-se ao cumprimento de um dever descuidado na Terra —

cuja atenção, por parte dos amigos ainda vivos, gere um efeito bem ao contrário do

que implica o mero estímulo da entidade no Kâma-loka em retomar seus antigos

interesses na Terra. Nesses casos, os amigos viventes, pondo-se em comunicação

com a alma, podem ser indiretamente o meio de facilitar o caminho de seu progresso

espiritual. Neste ponto, contudo, devemos estar prevenidos contra o aspecto ilusório

das aparências. Um desejo manifestado por um morador do Kâma-loka pode nem

sempre ser a expressão da idéia que então ocupa sua mente. Pode ser o eco de um

antigo, talvez muito antigo, desejo que então encontra, pela primeira vez, um canal

para se exteriorizar. Desse modo, ainda que fosse plausível considerar como

importante um desejo inteligível que se expressa a nós do Kâma-loka, por uma

pessoa que tenha morrido há pouco, seria prudente encarar com grande

desconfiança tal desejo, proveniente da sombra de uma pessoa morta há muito


tempo e cuja conduta geral, enquanto sombra, não demonstra que retém nenhuma

consciência vívida de sua antiga personalidade.

O reconhecimento de todos esses fatos e possibilidades do Kâma-loka

proporcionará, julgo eu, aos teosofístas, uma explicação mais satisfatória de muitas

experiências relacionadas com o espiritismo, que deixa na obscuridade a exposição

inicial da doutrina esotérica, no que se refere a este assunto.

Compreender-se-á logo que à medida que a alma se liberta, no Kâma-loka,

das afinidades que retardam seu desenvolvimento devachânico, o que retoma à

Terra se debilita cada vez mais, sendo inevitável que exista sempre no Kâma-loka

um grande número de entidades quase em estado de passar ao Devachan, razão

pela qual aparecem ao observador terrestre num estado de decrepitude avançada.

Estas terão caído, quanto à atividade de seus princípios inferiores astrais, no estado

das entidades vagas e ininteligíveis que, seguindo o exemplo de escritores ocultistas

mais antigos, chamei cascão no texto deste capítulo. Esta denominação, contudo,

não é muito feliz. Teria sido preferível ter seguido outro precedente e tê-las chamado

"sombras", mas, de um ou de outro modo, seu estado é o mesmo. Toda a

consciência vívida inerente, quando abandona a Terra, nos princípios

adequadamente relacionados com as atividades da vida física, é transferida aos

princípios superiores que não se manifestam por meio dos médiuns. Sua memória

da vida terrestre quase se extingue. Nesses casos, seus princípios inferiores podem

somente ser despertados por influência de uma forte corrente mediúnica para a qual

são atraídos, e então se convertem em pouco mais que meros espelhos astrais, nos

quais se refletem os pensamentos do médium ou dos assistentes das sessões. Se

pudermos imaginar as cores de uma tela pintada, penetrando por graus na matéria

da tela, fazendo aparecer por fim o outro lado da mesma com o seu primitivo brilho,
participaremos com isso de um processo em que não destruímos a pintura, mas

convertemos a galeria, na qual isso ocorre, num lúgubre salão com escuras costas

de quadros sem sentido algum. Isto se parece muito com o que são as entidades no

Kâma-loka, quando afinal se livram da matéria em que atuava a sua primeira

consciência astral, para passar ao absolutamente puro estado devachânico.

Mas o exposto não é tudo o que ensina a encarar com desconfiança as

manifestações provenientes do Kâma-loka. O que hoje conhecemos do assunto

permite-nos compreender que, quando chega o tempo desta segunda morte no

plano astral, que liberta completamente o Ego do Kâma-loka para fazê-lo passar ao

estado devachânico, permanece no Kâma-loka algo que corresponde ao cadáver

deixado na Terra, quando a alma levanta seu primeiro vôo fora do mundo físico.

Com efeito, no Kâma-loka permanece um cadáver astral, e por certo é correio

atribuir o qualificativo cascão a essa escória. O cascão, neste estado, desintegra-se

no Kâma-loka, dentro em muito breve, do mesmo modo que o cadáver que se

abandona ao processo de dissolução natural decairá logo, misturando seus

elementos com os depósitos gerais de matéria na ordem a que pertencem. Mas até

que essa dissolução ocorra, o cascão abandonado pelo Ego verdadeiro pode,

mesmo nesse estado, ser tomado algumas vezes, nas sessões espíritas, pela

entidade vivente. Durante certo tempo permanece como um espelho astral, no qual

os médiuns podem ver refletidos seus próprios pensamentos e recebê-los, na crença

plena de que provêm de uma origem externa. Estes fenômenos, no verdadeiro

sentido da palavra, são cadáveres astrais galvanizados ainda que, até o momento

da desintegração, possa existir entre eles e o verdadeiro espírito devachânico certa

relação sutil, do mesmo modo que subsiste tal comunicação entre a entidade no

Kâma-loka e o cadáver deixado na Terra. Esta última relação citada mantém-se por
meio da matéria sutilmente difundida do terceiro princípio original, ou Linga-sharîra.

O estudo deste ramo do assunto nos levaria, creio eu, a uma melhor compreensão

do que a que hoje possuímos a respeito das circunstâncias em que às vezes se

realizam as materializações nas sessões espíritas. Sem entrarmos agora nesta

digressão, basta reconhecer que a analogia ajuda a demonstrar como, entre a

entidade devachânica e o abandonado cascão, no Kâma-loka, pode subsistir

durante algum tempo uma relação semelhante, que atua, enquanto dura, como um

gancho do espírito ou mesmo talvez como seu refulgente crepúsculo no cascão. Por

certo, é extremamente penoso para qualquer amigo vivente da pessoa morta ver ou

tomar conhecimento, seja por clarividência ou por qualquer outro modo, de

semelhante cascão, enquanto o imagina como sendo a verdadeira entidade.

O ponto de vista comparativamente nítido, que agora temos com relação ao

Kâma-loka, pode nos ajudar a utilizar as expressões aplicadas a seus fenômenos

com mais rigor do que até o momento fizemos. Creio que se adorarmos a nova

expressão "alma astral" para as entidades que acabaram de deixar a vida terrena,

mas que por outras razões conservam ainda grande parte dos atributos intelectuais

que possuíam na Terra, descobriremos, pois, que também outros termos já

empregados serão adequados em sua aplicação. Contudo, devemos desfazer-nos

do termo (inconveniente) "elemental", que tão facilmente pode nos trazer confusões,

além de ser mesmo muito impróprio aos seres que descrevemos. Faço a indicação

de que a alma astral, quando entra (encarado de nosso ponto de vista) na

decrepitude intelectual, seja chamada, neste estado de debilitação gradual, sombra

e que o termo cascão seja reservado para os verdadeiros cascões ou cadáveres

astrais abandonados definitivamente pelo espírito devachânico.


Ao estudar a lei do desenvolvimento espiritual no Kâma-loka, é natural que

pesquisemos quanto tempo decorre antes que se complete a passagem da

consciência dos princípios inferiores aos superiores da alma astral Como de

costume, assim que se cuida de números relacionados aos processos superiores da

Natureza, a resposta é sempre bem elástica. Os mestres esotéricos do Oriente

proclamam que, no que se refere à média da humanidade — o que se pode

denominar, no seu sentido espiritual, a grande classe média da humanidade —, é

extraordinário que uma entidade no Kâma-loka esteja em condições de manifestar-

se como tal por mais de vinte e cinco ou trinta anos. Mas em ambos extremos dessa

média, os números podem aumentar consideravelmente. Uma criatura humana

muito ignóbil e estupidificada pode permanecer no Kâma-loka por muito mais tempo,

por falta de princípios superiores bastante desenvolvidos para elevar a sua

consciência, como também, num outro extremo da escala, certa alma muito

intelectual e mentalmente ativa pode permanecer longuíssimos períodos no Kâma-

loka (na falta de afinidades espirituais de análoga força), em virtude da grande

persistência das forças e causas geradas no plano superior dos efeitos, ainda que a

sua atividade mental possa estar separada da espiritualidade, excetuando-se aqui

os casos em que a alma esteja exclusivamente associada à ambição mundana.

Além disso, se os períodos no Kâma-loka podem prolongar-se desse modo além da

média por variadas causas, podem também reduzir-se a uma infinitesimal brevidade,

quando uma pessoa muito avançada em espiritualidade morre após uma vida longa

que preencheu legitimamente o seu desígnio.

Há outra possibilidade importante relacionada com as manifestações que nos

chegam pelos canais normais de comunicação com o Kâma-loka, que convém

observar aqui, por mais que, devido à sua natureza, essa possibilidade não ocorra
com freqüência. Nenhum estudante novato de teosofia pode esperar saber muito até

agora sobre os estados de existência dos Adeptos que renunciam ao uso do corpo

físico na Terra. As possibilidades superiores que se abrem perante eles parecem-me

por completo fora do alcance de toda avaliação intelectual. Nenhum homem é

suficientemente hábil, apenas devido à mera capacidade de um cérebro vivente,

para compreender o Nirvana. Porém, segundo parece, em alguns casos os Adeptos

decidem optar por uma via que está entre a reencamação e a passagem ao Nirvana,

pelas regiões superiores do Devachan; ou seja, podem esperar, nos estados Arûpa

do Devachan, pelo lento avanço da humanidade para o estado superior que assim

atingiram. Ora, o Adepto que deste modo se converte num espírito devachânico do

tipo mais elevado não será impedido de manifestar sua influência na Terra, pela

situação do seu estado devachânico — como aconteceria com um espírito

devachânico comum ao passar por aquele estado em seu caminho para a

reencamação. Esta não seria, por certo, uma influência que se fizesse sentir por

intermédio de qualquer sinal físico para auditórios heterogêneos, não sendo, porém,

impossível que um médium do mais elevado tipo — que mais propriamente deveria

ser chamado vidente — possa assim ser influenciado. É possível que o espírito de

um Adepto desse tipo, de tempos em tempos, inspire algum dos grandes homens da

história do mundo, quer consciente, quer inconscientemente, conforme o caso.

A desintegração dos cascões no Kâma-loka inevitavelmente sugere a

qualquer um que procure compreender o seu processo, que devem existir na

Natureza alguns depósitos gerais de matéria adequada a esta esfera de existência,

correspondente à Terra física e a seus elementos circundantes, em que os nossos

corpos se dissolvem após a morte. Os grandes mistérios a que esta consideração

vai de encontro exigem uma pesquisa mais exaustiva do que a que até agora
empreendemos, mas desde logo é conveniente expor uma idéia relacionada com

eles: o estado do Kâma-loka tem suas correlatas ordens de matéria em

manifestação. Não tentarei entrar aqui na metafísica do problema que mesmo

poderia levar-nos a prescindir da noção de que a matéria astral necessita ser menos

real e tangível do que a que conhecem nossos sentidos físicos. Basta, por enquanto,

explicar que a proximidade do Kâma-loka com a Terra, tão evidenciada pelas

experiências espíritas, explica-se pelo ensinamento oriental que provém deste fato: o

Kâma-loka está na Terra e pertence a ela, tanto como a nossa, alma astral está no

homem vivo e pertence a ele. A região do Kâma-loka, de fato esse grande reino no

estado adequado que constitui o Kâma-loka, perceptível aos sentidos das entidades

astrais, bem como aos de muitos clarividentes, é o quarto princípio da Terra, da

mesma maneira que o Kâma-rûpa é o quarto princípio do homem. Pois a Terra tem

seus sete princípios como as criaturas humanas que nela habitam. Assim, o estado

devachânico corresponde ao quinto princípio da Terra e o Nirvana, ao sexto.


7. A ONDA DA MARÉ HUMANA

Já dei uma explicação geral do modo como a grande onda humana

evolucionária passa, dando voltas em torno dos sete mundos que compõem a

cadeia planetária da qual a Terra é parte. Agora se podem acrescentar novos

pormenores, objetivando expandir esta idéia geral para que se atinja uma completa

compreensão do processo com que se relaciona. E nenhum capítulo adicional da

grande história irá influenciar mais, no sentido de tornar seu caráter inteligível, do

que a explicação de certos fenômenos relacionados ao progresso dos mundos, os

quais podem propriamente ser denominados obscurecimentos.

Os estudantes de filosofia oculta, que assumem esta tarefa com suas mentes

abundantemente providas de outras idéias, tendem a interpretar erroneamente as

primeiras afirmações que foram feitas. Não se pode dizer tudo de uma vez, e as

primeiras explicações gerais sugerem conceitos com relação aos pormenores, muito

provavelmente errôneos, mesmo em se tratando de pensadores de mente mais ativa


e inteligente. Esses leitores não se satisfazem com um esboço vago, mesmo por um

momento. A imaginação completa a tela, e se a obra permanece sem retoques por

um tempo qualquer, seu autor logo se surpreenderá ao verificar que os últimos

relatos são incompatíveis com o que ele chegou a considerar como sendo o que

nitidamente se ensinou no início. Ora, neste estudo, o esforço do escritor é no

sentido de expor o assunto de tal forma que evite, na medida do possível, um

prematuro crescimento de erva daninha na mente. Mas este mesmo esforço requer,

às vezes, que se avance celeremente, deixando alguns detalhes, e mesmo detalhes

muito importantes, para serem captados numa segunda viagem pelo antigo caminho.

Assim, portanto, o leitor será bastante amável para retornar à explicação que

fornecemos no Capítulo 3, relativo ao progresso evolucionário através de toda a

cadeia planetária.

Algo foi dito então sobre o modo como o impulso de vida passava de planeta

em planeta sob a forma de "ondas ou jorros, e não por meio de um fluxo contínuo".

Agora, o curso da evolução em seus primeiros estados é tão contínuo que a

preparação de vários planetas para a onda final da humanidade pode estar

ocorrendo simultaneamente. Com efeito, a preparação de todos os diversos planetas

pode ocorrer simultaneamente, em certo momento do processo, mas o ponto

importante a reter é que a onda principal da evolução — a onda crescente que se

move na dianteira - não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. O

processo ocorre de maneira capaz de ser descrita, mas o leitor o compreenderia

melhor se desenhasse um diagrama, quer num papel, quer em sua própria

imaginação, que consistisse de sete círculos (representando os mundos) ordenados

em forma de anel. Denominando-os A, B, C, etc., se observará, com base no que já

se afirmou, que o círculo (ou globo) D representa a nossa Terra. Pois bem, lembre-
se de que os reinos da Natureza, conhecidos dos ocultistas, são em número de sete,

dos quais três são relativos às forças astrais e elementais, precedendo os reinos

materiais, mais grosseiros na ordem de seu desenvolvimento. O reino número 1

evoluciona no globo A e passa ao globo B, no momento em que o reino número 2

começa a evolucionar no globo A. Dando continuidade a este sistema até o fim, com

certeza há de se ver que, quando o reino número 1 está evolucionando no globo G,

o reino número 7, ou seja, o reino humano, está se desenvolvendo no globo A. E

agora vejamos: o que acontece assim que o reino 7 passa ao globo B? Não há um

oitavo reino que funcione no globo A. Os grandes processos da evolução culminam

na onda final da humanidade, que, ao seguir seu curso, deixa atrás de si a Natureza

numa letargia transitória. Quando a onda de vida continua no globo B, o globo A, de

fato, entra durante algum tempo num estado de obscurecimento. Este estado não é

de decadência, nem de dissolução, nem de nada que propriamente se chame de

morte. A própria decadência, embora seu aspecto possa induzir em erro, representa

um estado de atividade em determinada direção. Esta consideração fornece uma

chave para o significado de uma porção de coisas que de outra maneira seriam

desprovidas de sentido, nessa parte da mitologia hindu relacionada com as deidades

que regem a destruição. O obscurecimento de um mundo é a cabal suspensão de

sua atividade. Isto não significa que, desde o momento que a última mônada

humana abandona um dado mundo, esse mundo se paralisa por alguma convulsão

ou submerge no estado de transe encantado de palácio adormecido. A vida vegetal

e a anima continuam como antes, durante certo tempo, porém o seu caráter

retrocede em lugar de avançar. A grande onda de vida o abandonou. Os reinos

vegetal e animal voltam gradualmente ao estado em que se achavam quando pela

primeira vez os alcançou a grande onda de vida. São precisos enormes períodos de
tempo para esse lento processo, mediante o qual o mundo obscurecido se entrega

ao sono, pois, como se há de ver, o obscurecimento, em cada caso, dura seis

vezes 12 mais tempo que o período de ocupação de cada mundo pela onda humana.

Vale dizer: o processo que ocorre, segundo já foi descrito, com relação à passagem

da onda de vida, do globo A ao globo B, repete-se ao longo de toda a cadeia.

Quando a onda passa a C, B fica em obscurecimento, do mesmo modo que A.

Então D recebe a onda de vida, e A, B, C ficam em obscurecimento. Quando a onda

chega a G, todos os seis mundos precedentes encontram-se em obscurecimento.

Enquanto isso, a onda de vida prossegue com certa progressão regular, cujo caráter

simétrico satisfaz muito as inclinações científicas. O leitor, a partir disto, está

preparado para compreender a idéia de como a humanidade se desenvolve através

das sete grandes raças, durante cada período de Ronda num planeta — ou seja,

durante a ocupação desse planeta pela onda de vida. A quarta raça é obviamente a

raça do meio da série. Assim que se passa deste ponto médio e começa a evolução

da quinta raça em qualquer planeta, começa, no seguinte, a preparação da

humanidade. Por exemplo, a evolução da quinta raça em E está na mesma

proporção que a evolução, ou antes que a revivescência do reino mineral em D, e

assim sucessivamente. Quer dizer, a evolução da sexta raça em D coincide com a

revivescência do reino vegetal em E; a sétima raça em D, com a revivescência do

reino animal em E e logo, quando os últimos montículos da sétima raça em D

tenham passado ao estado subjetivo ou mundo dos efeitos, o período humano em E

começa, e a primeira raça inicia ali seu desenvolvimento. Entrementes, o período

crepuscular no mundo, que precede a D, converteu-se na noite do obscurecimento

do mesmo modo progressivo, e esse toma-se definitivo ali, quando o período

12
Ou pode-se dizer cinco vezes, tendo-se em conta o meio período da manhã que precede e o meio período da
tarde, que segue o dia da atividade integral.
humano em D passa seu ponto médio. Mas assim como o coração do homem bate e

continua a respiração, não importa quão profundo seja o seu sono, assim também

continua o processo de ação vital no mundo em repouso, mesmo nos momentos de

sono mais profundo. Este processo conserva para a próxima volta da onda humana

os resultados da evolução, que precederam a sua primeira chegada. O despertar de

um planeta, dessa forma, é um processo mais longo que o de sumir-se no repouso,

pois precisa atingir um grau maior de perfeição para a volta da onda humana, que

aquele em que se encontrava quando a última onda deixou as suas costas. Mas a

cada novo começo, a Natureza é infundida por um vigor próprio — a frescura de

uma manhã — e o último período de obscurecimento, que é um tempo de

preparação e de esperança, por assim dizer, reveste a própria evolução com uma

nova energia. Quando a grande onda de vida volta, tudo está pronto para a sua

recepção.

Na primeira exposição que fizemos deste assunto indiquei, mais ou menos,

que os diversos mundos, que constituem a nossa cadeia planetária, não eram da

mesma matéria. Pondo o conceito de espírito no pólo norte do círculo, e o de matéria

no pólo sul, os mundos do arco descendente variam em materialidade e

espiritualidade, o mesmo ocorrendo com os do arco ascendente. Esta variação deve

agora ser considerada com mais atenção, se o leitor deseja compreender todo o

processo da evolução de uma forma mais integral do que até aqui.

Além da Terra, que se acha no ponto material mais baixo de todos, somente

há dois mundos de nossa cadeia que são visíveis aos olhos físicos: um atrás e o

outro diante dela. Estes dois mundos são, na verdade, Marte e Mercúrio — Marte

está antes do nosso e Mercúrio depois —, Marte, num estado de obscurecimento


completo na atualidade, no que diz respeito à onda de vida humana, e Mercúrio, que

acaba justamente de preparar-se para seu próximo período humano 13 .

Os dois planetas que estão atrás de Marte e os dois que seguem a Mercúrio

não são constituídos por uma ordem de matéria capaz de ser percebida pelo

telescópio. Dos sete planetas, quatro são, pois, de natureza etérea, os quais as

pessoas que só concebem a matéria em sua forma terrena tenderão a chamar de

imaterial. Mas efetivamente nada têm de imateriais. Eles simplesmente pertencem a

estados de matéria mais sutis que os da Terra. Essa sutileza não anula de modo

algum a uniformidade do desígnio da Natureza com relação aos métodos e graus de

sua evolução. Dentro da escala de sutil "invisibilidade", as Rondas e as raças

sucessivas da humanidade passam por seus graus de maior e menor materialidade,

do mesmo modo que nesta Terra; mas todo aquele que queira compreendê-los deve

primeiro compreender esta Terra e esclarecer por analogia os seus delicados

fenômenos. Voltemos, portanto, à consideração da grande onda de vida, em seus

aspectos, neste planeta.

13
É importante observar aqui, em benefício das pessoas que pretendam objetai, do ângulo da física, que
Mercúrio se encontra muito próximo do Sol, e conseqüentemente demasiado quente para poder ser uma
habitação apropriada para o Homem, que, num relatório oficial do Departamento de Astronomia dos Estados
Unidos sobre as recentes "Observações do Monte Whitney", pode tomar-se declarações capazes de sustar a
crítica à ciência oculta neste ponto. Os resultados das observações de Monte Whitney sobre a absorção seletiva
dos raios solares demonstram, segundo o relatório oficial, que é de supor as condições de uma atmosfera que
tornasse Mercúrio habitável, num extremo da escala, e Saturno no outro. Não temos de tratar de Saturno agora.
Nem se fosse necessário explicar, pelos princípios ocultos, a habitabilidade de Mercúrio, não teríamos de
abordar cálculos a respeito da absorção seletiva. O fato é que a ciência corrente considera o Sol, ao mesmo
tempo demasiado e demasiado pouco, como o depósito da força do Sistema Solar — demasiado, na medida em
que o calor dos planetas se relacionam com outra influência completamente distinta do Sol, influência esta que
não será por completo entendida até que se saiba mais que até o presente sobre as correlações entre o calor e o
magnetismo e da poeira meteórica magnética que permeia os espaços interplanetários. Entretanto, basta - para
refutar qualquer teoria que pudesse opor-se às explicações que agora são dadas, do ponto de vista dos fiéis
devotos da ciência do último ano — que seja assinalado que tais objeções estariam antiquadas. A ciência
moderna é muito progressiva - sendo este um de seus maiores méritos — porém, não é um costume meritório
nos cientistas modernos crer, em cada etapa de seu progresso, que todos os conceitos incompatíveis com esta
etapa devam ser necessariamente absurdos.
Assim como a cadeia de mundos, tomada como unidade, tem seus pólos

norte e sul, ou seus pólos espiritual e material, descendo da espiritualidade à

materialidade e subindo outra vez à primeira, assim também as rondas da

humanidade constituem uma série semelhante, como que simbolizando a cadeia

planetária. Com efeito, na evolução do homem, tanto em cada plano isolado como

no conjunto há um arco descendente e outro ascendente: o espírito, por assim dizer,

envolvendo-se na matéria e a matéria desenvolvendo-se no espírito. O ponto inferior

ou mais material no ciclo converte-se, deste modo, no ápice invertido da inteligência

física, que é a manifestação mascarada da inteligência espiritual. Cada Ronda da

humanidade evoluída no arco descendente (ou mesmo cada raça de cada Ronda,

se descemos a espelhos menores do cosmos) tem de ser mais fisicamente

intelectual que a sua predecessora, e cada uma no arco ascendente deve ser

investida de uma forma mais refinada de mentalidade misturada com uma maior

intuição espiritual. Na primeira Ronda, portanto, encontramos o homem como um ser

relativamente etéreo (mesmo comparado na Terra com o estado que alcançou aqui

agora), não intelectual, mas sim superespiritual. Do mesmo modo, o animal e o

vegetal que o circunda, habita um corpo imenso, mas de organização não

consistente. Na segunda Ronda é ainda gigantesco e etéreo, porém mais

consistente e mais condensado: um homem mais físico, porém menos inteligente

que espiritual. Na terceira Ronda, desenvolveu um corpo perfeitamente concreto e

compacto, primeiramente sua forma é mais a de um macaco gigante do que a de um

homem verdadeiro, porém com inteligência mais e mais pronunciada. Na primeira

metade da terceira Ronda, a sua estatura gigantesca decresce, o seu corpo melhora

em contextura e ele começa a ser um homem racional. Na quarta Ronda, o intelecto,

então plenamente desenvolvido, adquire um enorme progresso. As primeiras raças


com que se principia a Ronda adquirem a linguagem humana, tal como a

entendemos. O mundo prolifera dos resultados da atividade intelectual e da

decadência espiritual. Na metade da quarta Ronda aqui, se transpõe o ponto polar

de todo o período dos sete mundos. Desse ponto em diante, o Ego espiritual inicia a

sua verdadeira luta com o corpo e a mente, para manifestar os seus poderes

transcendentais. Na quinta Ronda, a luta prossegue, mas as faculdades

transcendentais estarão completa-mente desenvolvidas, embora a luta entre estas e

as tendências físicas seja mais feroz que nunca, porque a inteligência da quinta

Ronda, bem como sua espiritualidade, é mais avançada do que a da quarta. Na

sexta Ronda, a humanidade atinge um grau de perfeição tanto do corpo como da

alma, da inteligência como da espiritualidade, sendo difícil de imaginá-lo a partir dos

mortais comuns de nossa época. As combinações excelsas de sabedoria, bondade

e iluminação transcendental, que o mundo tenha visto ou pensado, representarão o

tipo comum da espécie humana. Essas faculdades que agora, na rara eflorescência

de uma geração, permitem a algumas pessoas extraordinariamente dotadas explorar

os mistérios da Natureza e adquirir o conhecimento do qual se oferecem agora

algumas migalhas (por meio destes escritos e de outros meios) ao mundo em geral,

serão então apanágio comum a todos. Quanto ao que seja a sétima Ronda, os

mestres ocultos mais comunicativos mantêm um silêncio solene. A humanidade da

sétima Ronda será bastante semelhante a Deus para que a humanidade da quarta

possa pressupor seus atributos.

Durante a ocupação de qualquer planeta pela onda de vida humana, cada

mônada individual se encarna muitas vezes. Se a mônada apenas passasse uma

existência em cada uma das raças ramais, pelas quais deve passar pelo menos uma

vez, o número total que se atingira numa Ronda seria 343, ou seja, a terceira
potência de 7. Mas, na verdade, cada mônada se encarna duas vezes em cada raça

ramal, assim como também faz necessariamente mais algumas encarnações extras.

Por motivos que não são fáceis de adivinhar pêlos leigos, os portadores do

conhecimento oculto são particularmente pouco comunicativos quanto a dados

numéricos sobre a cosmogonia, por mais que para o não iniciado seja

incompreensível tal reserva. Na atualidade, por exemplo, não podemos externar qual

é a duração verdadeira, em anos, do período de uma Ronda. Não obstante,

obtivemos uma concessão — que só poderiam apreciar inteiramente os que foram,

de há muito, estudantes de ocultismo pelo método antigo — relativa aos números

que imediatamente nos dizem respeito. Essa concessão, em todo caso, é valiosa

porque nos ajuda a elucidar um fato interessante relacionado com a evolução, em

cujo limiar chegamos agora. Este fato é que, na Terra, por exemplo, estando

habitada atualmente pela humanidade da quarta Ronda, ou seja, pela onda da vida

humana em sua quarta viagem ao redor do círculo dos mundos, podem existir entre

nós algumas poucas pessoas, poucas em relação ao número total, que,

propriamente falando, pertencem à quinta Ronda. Pois bem, no sentido do termo ora

empregado, não há que supor que, por algum procedimento milagroso, alguma

unidade individual tenha viajado ao redor da cadeia dos mundos uma vez mais do

que seus parceiros. Dadas as explicações que foram apresentadas de como

progride a onda da humanidade, compreender-sê-á que isso seria impossível. A

humanidade ainda não fez a sua quarta visita, nem mesmo ao planeta que segue ao

nosso. Mas as mônadas individuais podem passar às suas companheiras o seu

desenvolvimento intelectual, e assim converter-se exatamente no que o geral da

espécie humana será quando a quinta Ronda se tiver desenvolvido integralmente.

Isto pode ocorrer de dois modos. Um homem nascido como um indivíduo comum da
quarta Ronda pode converter-se, por meio do processo da instrução oculta, num

homem com todos os atributos de um homem da quinta Ronda, e assim tornar-se o

que denominamos um homem da quinta Ronda artificial. Mas independentemente de

todos os esforços que faça o homem em sua presente encarnação, ele pode

também nascer como o da quinta Ronda, no meio da Humanidade da quarta, devido

ao número total de suas encarnações prévias.

Se x representa o número normal de encarnações que uma mônada, no

decurso da Natureza, tem de passar durante um período de Ronda num planeta, e y

a margem de encarnações extras, que no mesmo período pode chegar a atravessar

por um forte desejo de vida física, então é evidente que: 24 1/2 (x + y) pode exceder

28 x. Vale dizer: uma mônada pode em 3 1/2 Rondas realizar tantas encarnações

quanto uma mônada comum em quatro Rondas completas. Em menos de 3 1/2

Rondas esse resultado não seria obtido, de modo que apenas agora, depois de

haver ultrapassado o ponto médio da evolução deste planeta médio, é que os da

quinta Ronda começam a aparecer.

Não é possível na natureza das coisas que uma mônada possa se avantajar a

suas companheiras em mais de uma Ronda Ainda assim, Buda era um homem da

sexta Ronda, mas este fato relaciona-se com um grande mistério fora dos limites do

presente cálculo. Basta dizer por ora que a evolução de um Buda se relaciona com

algo mais do que simples encarnações dentro dos limites de uma cadeia planetária.

Desde que estes cálculos compreendam grande número de vidas, nas

sucessivas encarnações de uma mônada individual, é importante neste ponto, para

evitar interpretações errôneas, indicar que os períodos de tempo que abrangem

essas encarnações são tão grandes que, apesar do seu número, separam-nas

vastos intervalos. Conforme afirmado anteriormente, não podemos agora fornecer a


duração verdadeira dos períodos de Rondas. Nem mesmo se podem citar números

indicadores da duração desses períodos, porque variam muito dentro de extensos

limites. Mas apresentaremos um fato simples que foi claramente manifestado por

uma autoridade oculta superior. A presente raça da humanidade, isto é, a presente

quinta raça da quarta Ronda, começou a evoluir há um milhão de anos. E esta ainda

não acabou. Mas, supondo que um milhão de anos constitua a vida completa de

uma raça 14 , como haveria de subdividi-lo para cada mônada individual? Em uma

raça deve haver mais do que 100 encarnações, sendo difícil que atinjam 120 para

uma mônada individual. Mas aceitemos que já tenha havido 120 encarnações para

as mônadas na raça atual. E suponhamos que a média da vida de cada encarnação

tenha sido um século, mas mesmo assim só teríamos 12.000 anos empregados na

existência física, enquanto para a esfera subjetiva são 988.000 anos, resultando

uma média de mais de 800 anos entre cada encarnação. Com certeza, estes

períodos intermediários são de duração muito variável, mas dificilmente seriam

menores que 1.500 anos — não considerando, naturalmente, o caso dos Adeptos,

que se acham inteiramente fora da ação da lei comum — e 1.500 anos, se não

representa um período impossível pela brevidade, seria de toda forma um intervalo

muito curto entre dois nascimentos.

Entretanto, esses cálculos devem ser qualificados por duas considerações.

Os casos de crianças que morrem na infância são bem diferentes dos das pessoas

que atingem a maturidade completa, e isto por razões evidentes, que serão

compreendidas pelas explicações que já foram dadas. Uma criança que morre antes

14
A vida completa de uma raça é certamente muito mais longa que isso. Mas quando manipulamos números
desse tipo, penetramos num terreno bastante delicado, porque os períodos exatos são segredos profundos, por
razões que os estudantes não-inicia-dos (“chelas laicos", como dizem agora os Adeptos, ao cunhar uma
designação nova para um estado de coisas novo) só imperfeitamente podem presumir. Cálculos como os
mostrados acima podem merecer confiança tomados literalmente no que abrangem, mas não devem ser
considerados irrefletidamente como base para outros.
que tenha vivido o suficiente para começar a ser responsável por seus atos, não

gerou karma novo algum. A mônada espiritual abandona o corpo da criança, no

mesmo estado em que o ocupou após sua morte no Devachan. Não teve ocasião de

tocar seu novo instrumento, o qual se quebrou antes de estar afinado. Portanto,

pode ocorrer imediatamente uma reencamação da mônada, na mesma linha que a

anterior. Mas a mônada que se reencarna assim não pode ser identificada

espiritualmente, de modo algum, com a criança que morreu. O mesmo ocorre com

uma mônada que ocupe o corpo de um idiota de nascimento. O instrumento não

pode ser afinado, de forma que não pode tocar com ele, nem tampouco com o corpo

da criança nos primeiros anos da infância. Mas esses dois casos são exceções

claras que em nada modificam a regra geral, que foi exposta antes, para todas as

pessoas que chegam à maturidade e que empregam suas vidas terrenas para o bem

ou para o mal.

COMENTÁRIOS

Notícias posteriores e o estudo — ou seja, a comparação dos diferentes

ramos da doutrina e o acréscimo de outras declarações como aquelas do capítulo

anterior — demonstram a dificuldade de se aplicar números, de modo notadamente

definido, às Doutrinas Esotéricas. Pode-se confiar em cifras, quando representam

médias gerais, mas induzem a grandes erros quando se trata de aplicá-las em casos

especiais. Os períodos devachânicos variam, para diferentes pessoas dentro de

limites tão amplos, que qualquer regra que se baseie neste ponto deve provocar

muitas críticas. Primeiramente, a média antes mencionada foi, sem dúvida, calculada

para adultos. Entre a criança pequena, que não tem período devachânico, e o adulto
que completa um período médio, devemos ter presentes as pessoas que morrem na

juventude, que acumularam karma e que, portanto, têm de passar pelas etapas

habituais do desenvolvimento espiritual, mas para os quais a vida curta que tiveram

não produziu causas que exijam muito tempo para esgotar seus efeitos. Essas

pessoas voltariam a reencarnar-se depois de uma breve estada correspondente no

mundo dos efeitos. Por outro lado, há casos de encarnações artificiais, que se

realizam pela intervenção direta dos Mahâtmâs, quando um cheia, que, ainda sem

ter adquirido o domínio de fazê-lo por si mesmo, é atraído à encarnação quase

imediatamente após sua morte física precedente, sem que tenha sido necessário

flutuar na corrente das causas naturais. Nesses casos, pode-se dizer que os direitos

adquiridos por essas pessoas, com relação aos Mahâtmâs, são causas naturais de

certo gênero. E a intervenção dos Mahâtmâs, que se acham isentos de agir por

capricho em tais assuntos, é fruto do esforço de suas vidas precedentes e, portanto,

de seus karmas. Mas, de todas as formas, esses casos são outras tantas exceções,

no andamento da regra geral.

Obviamente, é impossível que, quando pela primeira vez são apresentados a

inteligências profanas os fatos complicados de uma ciência completamente

desconhecida, se possam expor com todas as suas devidas qualificações,

compensações e desenvolvimentos anormais visíveis desde o início. Devemos

contentar-nos em tratar primeiro das regras gerais, para passarmos depois às

exceções, e isto ocorre muito particularmente no estudo do ocultismo, cujos métodos

tradicionais de ensino, geralmente seguidos, têm por objetivo gravar na memória

cada idéia nova, provocando uma perplexidade que é logo atenuada. Com respeito a

outro assunto de que se tratou nas páginas anteriores, parece-nos agora que não se

considerou exceção importante na Natureza. A descrição que fiz da evolução da


onda humana é completamente coerente como foi apresentada, mas desde a

publicação da edição original deste livro criticou-se, na índia, a comparação entre

minha versão do assunto e certas passagens de outros escritos, emanados, ao que

se sabe, de um Mahâtmâ. Foi notada uma discrepância entre as duas

manifestações, visto que a outra versão admitia a possibilidade de que uma mônada

possa efetivamente ter dado uma volta a mais ao redor dos sete planetas do que

seus companheiros, entre os quais se encontra ultimamente na Terra. Minha

explicação sobre os obscurecimentos parece inviabilizar essa contingência. A chave

desse mistério se encontra fora do domínio de fatos a respeito dos quais os Adeptos

de bom-grado falam livremente. O leitor deve entender, assim, que a explicação que

vou dar é fruto de minhas especulações e comparações das diferentes partes da

doutrina — não sendo recebida nenhuma informação autêntica do autor de meu

ensinamento geral.

Os obscurecimentos são bastante completos ao nos demonstrarem todos os

fenômenos descritos com relação a cada um dos planetas que afetam em sua

totalidade. Mas os fenômenos excepcionais, para o que devemos estar sempre

prevenidos, apresentam-se sempre, mesmo neste assunto. A grande massa da

humanidade é conduzida de um planeta a outro por meio do grande impulso cíclico,

quando chega o tempo dessa transição, mas o planeta que abandona não fica

absolutamente destituído de humanidade, assim como tampouco todas as regiões

de sua superfície se tomam impróprias como morada para os seres humanos,

devido às mudanças físicas e climáticas que nelas ocorrem. Mesmo durante o

obscurecimento, permanece no planeta uma pequena colônia humana, e as

mônadas constitutivas dessas colônias, seguindo diferentes leis de evolução e fora

do alcance dessas atrações que governam o vórtice principal da humanidade no


planeta ocupado pela grande onda, passam adiante de mundo em mundo, no que

poderia denominar-se a Ronda interna da evolução, muito mais à frente que a raça

em geral. Quais podem ser as circunstâncias que arremessam, ocasionalmente,

uma alma, ainda no meio do grande vórtice humano, para fora da atração do planeta

ocupado pela onda, dentro da atração da Ronda Interna? Tal é a questão que no

presente só podemos conjecturar de modo muito incerto.

Vale a pena chamar a atenção do leitor para a solução que acabo de

apresentar acerca das Rondas Internas, sobre o modo como este fato da Natureza,

cuja existência, suponho, se harmonizaria com as tão difundidas doutrinas a respeito

do Dilúvio. Essas partes do planeta que permanecem habitáveis durante um

obscurecimento seriam equivalentes à Arca de Noé dos relatos bíblicos, em seu

sentido simbólico mais amplo. Certamente, a narrativa do Dilúvio tem também

significados simbólicos menores, mas não parece improvável que os Cabalistas

tenham associado a ela um significado mais lato que agora indicamos. No tempo

devido, quando o planeta obscurecido volta a estar em condições de receber apenas

a onda humana, os colonos da Arca estarão prontos para reiniciar o processo de

povoá-lo de novo.
8. O PROGRESSO DA HUMANIDADE

Como terá visto o leitor, o curso da Natureza impele todas as entidades

humanas pela senda do progresso indefinido em direção a planos superiores de

existência. Mas terá visto, igualmente, que a Natureza, dotando estas entidades com

faculdades sempre crescentes, e ao ampliar constante-mente o escopo de sua

atividade, fornece-lhes ao mesmo tempo oportunidades cada vez maiores para

escolher entre o bem e o mal. Nas primeiras Rondas da humanidade, este privilégio

de seleção não está inteiramente desenvolvido, em vista do que a responsabilidade

dos atos é relativamente incompleta. As primeiras Rondas da humanidade, na

verdade, não investem o Ego de nenhuma responsabilidade espiritual, no sentido

lato da palavra, do que agora estamos nos aproximando. Os períodos devachânicos,

que se seguem a cada existência objetiva, dispõem plenamente dos méritos e

deméritos dessa existência, e a personalidade mais deplorável que o Ego pode


desenvolver, durante a primeira metade de sua evolução, não se computa em

relação à totalidade do empreendimento, ao passo que a personalidade

propriamente culpável paga a sua pena relativamente curta, não voltando a

perturbar a Natureza. Mas a segunda parte do grande período evolucionário ocorre

sob princípios bem diversos. As fases de existência, que então se apresentam, não

podem ser admitidas pelo Ego sem méritos positivos próprios, adequados aos novos

desenvolvimentos em perspectiva; não basta que a entidade, já completamente

responsável e altamente dotada, em que o homem se converte no grande ponto de

retomo de sua carreira, flutue preguiçosamente na corrente do progresso. Ela deve

começar a nadar, se deseja prosseguir seu caminho para a frente.

A complexidade do assunto, excluindo a hipótese de ocupar-nos de todas

suas faces simultaneamente, fez com que nosso exame da Natureza tenha apenas

considerado as sete rondas do desenvolvimento humano, que constituem todo o

processo planetário que nos concerne, como uma série contínua, através da qual

tem de passar a humanidade em geral. Mas deve-se lembrar que foi dito que a

humanidade na sexta Ronda estará tão altamente desenvolvida que os atributos e

faculdades sublimes do mais alto Adeptado serão apanágio comum de todos. Já na

sétima Ronda, a raça quase terá saído do humano para converter-se no divino. Pois

bem, todo ser humano, neste grau da evolução, estará identificado por uma ligação

ininterrupta com todas as personalidades que foram engajadas no ciclo da vida,

desde o início do grande processo evolucionário. Pode-se conceber que o caráter

dessas personalidades seja irrelevante no final de contas, e que dois seres

semelhantes a deuses podem encontrar-se juntos na sétima Ronda, sendo um

desenvolvido através de uma longa série de irrepreensíveis e úteis existências e o

outro por meio de outra não menos longa série de vidas perversas e degradadas?
Isto certamente não pode acontecer, e devemos questionar agora: como se mantêm

compatíveis as congruências da Natureza com a indicada evolução da humanidade

para a forma mais elevada de existência que coroa o edifício?

Assim como a infância é irresponsável por seus atos, as primeiras raças da

humanidade são irresponsáveis pêlos seus. Mas chega o período de

desenvolvimento completo, em que o integral desenvolvimento das faculdades que

possibilitam ao homem individual escolher entre o bem e o mal, na vida singular que

ocupa no momento, permitem também ao Ego perdurável fazer a sua escolha final.

Este período — esse enorme período, pois a Natureza não se apressa em colher

suas criaturas numa armadilha em tal assunto — apenas principiou, sendo preciso

que transcorra uma Ronda completa ao redor dos sete mundos antes que ele

termine. Até que se tenha passado o ponto médio do quinto período nesta Terra, a

grande questão — a de ser ou não ser no futuro — não se determina de modo

irrevogável. Começamos agora a tomar posse das faculdades que tornam o homem

um ser completamente responsável e ainda temos de empregar essas faculdades,

durante a maturidade de nossa Egoidade, de modo que determine as imensas

conseqüências do futuro.

Durante a primeira metade da quinta Ronda é que acontece principalmente a

luta. Até então, o curso corrente da vida pode ser uma boa ou má preparação para a

luta, mas não se pode descrever honestamente que seja a própria luta. E agora

temos de examinar a natureza da luta, que até agora consideramos como a escolha

entre o bem e o mal. Isso não é, de forma alguma, inexato, mas sim, uma definição

incompleta.

O fenômeno que vamos analisar agora é o sempre freqüente e ameaçador

conflito entre o intelecto e a espiritualidade. Os conceitos comuns que estas palavras


denotam devem, em verdade, ser ampliados até certo ponto, para que se

compreenda o conceito do ocultismo. Ora, o hábito de pensar europeu presta-se a

representar na mente uma imagem ignóbil da espiritualidade, antes como um

atributo do caráter que da própria mente — uma pálida benevolência nascida do

apego ao cerimonial religioso e das aspirações devotas, quaisquer que sejam as

noções excêntricas de Céu e de Divindade em que a pessoa de "mentalidade

espiritual" tenha sido educada. A espiritualidade, no sentido oculto, tem pouco ou

nada a ver com o sentimento devoto. Relaciona-se com a capacidade da mente em

assimilar o conhecimento na fonte original do próprio conhecimento — do

conhecimento absoluto — em vez de fazê-lo por meio dos tortuosos e trabalhosos

processos do raciocínio.

O desenvolvimento do intelecto puro, a faculdade do raciocínio, foi por muito

tempo uma atividade das nações européias, e nesse setor elas obtiveram do

progresso humano tão magníficos triunfos, que nato haverá nada, na filosofia oculta,

que seja menos aceitável para os mesmos europeus, enquanto estas idéias não

forem bem apreendidas, do que o primeiro aspecto da teoria oculta sobre o intelecto

e a espiritualidade. Porém, isso não provém tanto da indevida tendência da ciência

oculta a desprezar o intelecto, como da indevida tendência da especulação ocidental

moderna em desvalorizar a espiritualidade. Falando de modo geral, a Filosofia

Ocidental não teve nenhuma ocasião de apreciar a espiritualidade. Não conhece o

alcance das faculdades internas do homem. Ela somente tateou às cegas na direção

da crença de que existem essas faculdades internas. O próprio Kant, o grande

expositor moderno desta idéia, quando muito sustenta que existe a faculdade da

intuição — se soubéssemos ao menos como operar com ela.


O processo de operar com ela é a ciência oculta em seu aspecto mais

elevado, é o cultivo da espiritualidade. O cultivo de um mero poder sobre as forças

da Natureza, a investigação de alguns de seus segredos mais sutis no que diz

respeito aos princípios internos, dominando os resultados físicos, é a ciência oculta

em seu aspecto inferior e, nesta região inferior de sua atividade, a mera ciência

física pode, ou mesmo deve, penetrar gradualmente. Mas a aquisição por meio do

simples intelecto — a ciência física in excelsis — de privilégios que são patrimônio

da espiritualidade, é um dos perigos dessa luta que decide o destino definitivo do

Ego humano. Pois há uma coisa que o processo intelectual não ajuda a humanidade

a compreender: a natureza e a excelência suprema da existência espiritual. Ao

contrário, o intelecto origina-se de causas físicas — a perfeição do cérebro físico —

e tende unicamente aos resultados físicos, à perfeição do bem-estar material. Se

bem que como concessão a "irmãos fracos" e à "religião", a qual olha com benévolo

desdém, o intelecto moderno não condena a espiritualidade, considerando com

certeza a vida humana física como o único assunto sério de que se ocupam os

homens circunspectos, ou mesmo os filantropos austeros. Mas, evidentemente, se a

existência espiritual, ou seja, a consciência vívida subjetiva, dura períodos maiores,

na proporção de 80 para 1, no mínimo, conforme vimos ao tratar do estado

devachânico, então a existência subjetiva do homem é mais importante do que a

existência física. O intelecto, assim, incorre em erro, quando dirige todos os seus

esforços à melhoria da existência física.

Essas considerações demonstram que a escolha entre o bem e o mal — feita

pelo Ego humano, no decurso da grande luta entre, o intelecto e a espiritualidade —

não é uma mera escolha entre idéias que tão claramente se diferenciam, como a

iniqüidade e a virtude. Não é uma questão tão primária como essa — que o homem
seja mau ou bom — que realmente deve ser a decisiva, no ponto de retomo crítico

final; se terá, por isso, de continuar vivendo e se desenvolvendo em planos

superiores de existência, ou deixar de viver totalmente. A verdade do assunto é (se

não for uma imprudência, em nosso estágio de progresso, descobrir a superfície de

um novo mistério) que a questão de ser ou não ser não se determina por um homem

completamente mau ou bom. Pode-se ver com toda clareza que deve haver uma

espiritualidade má, assim como uma espiritualidade boa. De modo que a grande

questão da continuidade da existência baseia-se, total e necessariamente, na

questão da espiritualidade comparada com o físico. O ponto não é tanto de "se um

homem deve viver, se é bastante bom para se lhe permitir continuar vivendo", como

de se pode o homem viver por mais tempo nos planos superiores da existência, para

os quais a humanidade deve finalmente evoluir. Está ele apto para viver pelo

desenvolvimento da parte perdurável de sua natureza? Se não está, chegou ao fim

de sua tarefa.

Não é preciso apressar-se em concluir que a filosofia oculta considera o vício

e a virtude sem importância, no tocante aos destinos espirituais humanos, porque

não se encontra na Natureza que estas características determinem o progresso final

da evolução. Não há sistema que seja tão impiedosamente inflexível em sua

moralidade, como o sistema que a filosofia oculta pesquisa e explica. Mas o que é o

vício e a virtude determinam por si mesmos é o sofrimento ou a felicidade, não o

problema final da continuidade da existência, mais além desse período imensamente

afastado, quando, no progresso da evolução, o homem tiver principiado ser algo

mais do que homem, e não possa prosseguir na senda do progresso com o auxílio

de atributos humanos relativamente inferiores. Além disso, é verdade que não se

pode imaginar que a virtude deixe, em qualquer grau determinado, de produzir, em


seu devido tempo, os elevados atributos requeridos, mas não seríamos

cientificamente exatos se a tomássemos como a causa do progresso nas etapas

finais da elevação, embora ela possa provocar o desenvolvimento daquilo que é a

causa do progresso.

Esta consideração — de que as últimas etapas do progresso são

determinadas pela espiritualidade, não levando em conta seu matiz moral — contém

o grande significado da doutrina oculta de que, "para ser imortal no bem, é preciso

identificar-se com Deus; para ser imortal no mal, com Satã. Estes são os dois pólos

do mundo das almas; entre estes dois pólos vegeta e morre, sem lembrança alguma,

a parte inútil da humanidade 15 ". O enigma, como todas as fórmulas ocultas, tem uma

aplicação menor (adequada quer ao microcosmos quer ao macrocosmos), e em sua

significação menor refere-se ao Devachan ou ao Avitchi, e ao destino do não-ser das

personalidades descoloridas. Mas, em seu significado principal reporta-se à

classificação final da humanidade na metade da grande quinta Ronda, a aniquilação

dos Egos completamente destituídos de espiritualidade e a continuação dos outros,

por serem imortais no bem ou imortais no mal. Justamente o mesmo significado

aplica-se à passagem do Apocalipse (III 15,16): "Sê frio ou quente; porque, por seres

morno, e nem frio, nem quente, eu te vomitarei de minha boca."

Portanto, a espiritualidade não é a aspiração devota. É o gênero de intelecto

mais elevado, o que conhece as funções da Natureza por meio da assimilação direta

da mente a seus princípios superiores. A objeção que a inteligência física apresenta

a essa opinião é a de que a mente nada pode conhecer, a não ser por meio da

observação dos fenômenos e do raciocínio a respeito deles. Isto é o erro, ela pode

fazê-lo e a existência da ciência oculta é a mais elevada prova disso. E há por toda

15
ÉliphasLévi.
parte ao redor de nós sugestões que apontam na direção dessa prova, se tivermos a

paciência de analisar seus verdadeiros significados. Sendo infundado dizer, diante

dos fenômenos da clarividência — por imperfeitos e grosseiros que tenham sido os

que se impuseram à atenção do mundo —, que não existem outras vias de acesso à

consciência, a não ser a dos cinco sentidos. Com certeza, no mundo comum, a

faculdade clarividente é extremamente rara, mas indica a existência, no homem, de

uma faculdade potencial, cuja natureza, conforme se infere de suas mais

insignificantes manifestações, é sem dúvida capaz, em seu desenvolvimento mais

elevado, de conduzir à assimilação direta do conhecimento, independentemente da

observação.

Uma das maiores dificuldades que bloqueiam a presente tentativa de traduzir

a doutrina esotérica em linguagem corrente se deve, principalmente, ao fato de que

a percepção espiritual, à parte de todo processo ordinário de aquisição do

conhecimento, constitui uma grandiosa e importante possibilidade da natureza

humana. Tal é o médoto utilizado pelos Adeptos para instruir seus discípulos no

curso regular da educação oculta. Eles despertam o sentido adormecido do

discípulo, e por seu intermédio imbuem em sua mente o conhecimento de que

determinada doutrina é a verdade real. Todo o esquema da evolução, descrito nos

capítulos anteriores, infiltra-se na mente regular do cheia, pelo fato de que se lhe faz

ver o processo que acontece mediante a visão clarividente. Em sua instrução não se

usam as palavras, pois os Adeptos, para os quais os fatos e procedimentos da

Natureza são familiares como os dedos da mão para nós, acham muito difícil

explicar num ensaio, que não podem ilustrar de modo que produza imagens mentais

em nosso adormecido sexto sentido, a anatomia complexa do sistema planetário.


Com certeza, não é de se esperar que a humanidade em geral se encontre já

consciente da posse do sexto sentido, visto que o tempo de sua atividade ainda não

chegou. Já se declarou que cada Ronda por sua vez se destina a aperfeiçoar no

homem o princípio correspondente em sua ordem numérica e a sua preparação para

assimilar a que se segue. As Rondas iniciais referem-se ao homem que foi descrito

como se assemelhando a uma sombra destituída de coesão e de inteligência. O

primeiro princípio de todos, o corpo, foi desenvolvido, mas simplesmente se

adaptava à vitalidade e não se parecia a nada ao que agora nós podemos

representar. A quarta Ronda, na qual hoje estamos envolvidos, é a Ronda em que

se desenvolve totalmente o quarto princípio, a Vontade, o Desejo, com o qual se

empenha por integrar-se ao quinto princípio, a razão, a inteligência. Na quinta

Ronda, a razão inteiramente desenvolvida, a inteligência ou a alma, em que mora

então o Ego, deve integrar-se ao sexto princípio, a espiritualidade, ou renunciar

totalmente à existência.

Todos os leitores da literatura budista estão familiarizados com as freqüentes

referências ali feitas sobre a união da alma do Arhat com Deus. Em outras palavras,

isto exprime o desenvolvimento prematuro de seu sexto princípio, Ele força seu

caminho através de todos os obstáculos que impedem essa operação, no caso de

um homem da quarta Ronda, para atingir essa etapa da evolução que está

reservada para o resto da humanidade — ou melhor, daquela parte da humanidade

que chega a esse estado no curso ordinário da Natureza —, na última parte da

quinta Ronda. Para isso, há de se observar que ele tem de atravessar todo o grande

período do perigo, ou seja, a metade da quinta Ronda. Esta é a estupenda proeza

do Adepto, com relação a seus próprios interesses pessoais: alcançou a outra

margem afastada desse mar no qual grande parte da humanidade perecerá. Ali
espera pela chegada de seus companheiros com uma satisfação que as pessoas

nem sequer podem entender, a menos que possuam alguns vislumbres de

espiritualidade, de sexto sentido. Apresso-me a dizer, para evitar uma interpretação

errônea, que esta espera não é no corpo físico, pois tendo adquirido finalmente o

privilégio de abandoná-lo à vontade, permanece num estado espiritual que seria

insensato tentar descrevê-lo, pois até os estados devachânicos da humanidade

comum se acham fora do alcance da imaginação não educada na ciência espiritual.

Mas, voltando ao curso normal da humanidade e ao desenvolvimento das

entidades, na sexta Ronda, de homens e mulheres, que não se tornam Adeptos

numa etapa prematura de sua carreira, há de se observar que este é o curso

ordinário da Natureza, num sentido da expressão, como também é este o curso

ordinário da Natureza, para cada grão de trigo desenvolvido que cai no solo

apropriado e se converte numa espiga. Assim como são muitos os grãos que não

chegam a esse ponto, muitos são os Egos humanos que não passam pelas provas

da quinta Ronda. O esforço final da Natureza, ao desenvolver o homem, é

evolucioná-lo num ser imensamente superior, para ser um agente consciente e, por

fim, no que ordinariamente se entende por princípio criador da própria Natureza. O

primeiro empreendimento que se leva a cabo é desenvolver a livre vontade. O

segundo é perpetuar esta vontade induzindo-a a que se una com o objetivo final da

Natureza, isto é, com o bem. No curso dessa operação, é inevitável que grande

parte da vontade livre desenvolvida se volte para o mal, e, depois de produzir um

sofrimento temporário, seja dispersa e aniquilada. Mais do que isso: o objetivo final

apenas se concretiza por um gasto enorme de material. Assim como isto ocorre nos

estágios inferiores da evolução, onde de cada mil sementes que um vegetal produz,

unicamente uma chega a frutificar-se numa planta, do mesmo modo também os


germes divinos da Vontade são semeados no peito de cada homem, com a mesma

abundância que as sementes arrastadas pelo vento. Deverá ser impugnada a justiça

da Natureza pelo fato de que muitos desses germes perecem? Tal idéia só pode

brotar numa mente que não compreende o espaço existente na Natureza para o

desenvolvimento de cada germe que escolhe estender-se como preferir, seja numa

ordem grande ou pequena. Se a alguém parece horrível que uma "alma imortal"

deve perecer, sob quaisquer circunstâncias, essa impressão só advém do pernicioso

costume de considerar tudo o que não é vida microscópica como eternidade. Nas

esferas subjetivas há espaço, assim como tempo, no manvantara da cadeia

planetária, mesmo antes que nos aproximemos do período Dhyan Chohânico ou

Divino, para além do que o cérebro comum tem concebido até agora como

imortalidade. Cada ação boa e cada impulso elevado que tenha realizado ou sentido

qualquer ser humano deve reverberar, através de evos de existência espiritual,

sendo a entidade interessada capaz ou não de florescer no sublime e estupendo

desenvolvimento da sétima Ronda. A especulação exotérica acredita que apenas

das causas que se geram numa de nossas breves vidas na Terra resultam efeitos

eternos! Espera-se que nessa milésima parte de nossa vida objetiva na Terra,

durante a permanência nela da onda de vida evolucionária, perceba a Natureza

causa suficiente para decidir toda a nossa carreira futura. Na verdade, a Natureza

dará um retomo muito grande para um gasto comparativamente muito pequeno da

força de vontade humana na direção certa que, por mais estranha que possa

parecer essa expectativa recém-afirmada, por mais estranha que ela possa ser

quando aplicada às vidas comuns, uma breve existência algumas vezes pode bastar

para antecipar o crescimento de milhares de anos. O Adepto pode, em apenas uma


encarnação 16 , conseguir tanto adiantamento que o seu crescimento posterior é

certo, é meramente uma questão de tempo. Porém, nesse caso, a semente-germe,

que produz um Adepto em nossa vida, deve ter sido muito perfeita, e as condições

de seu desenvolvimento muito favoráveis, além do esforço do próprio homem vivido

constantemente e muito mais concentrado, mais intenso, mais ardoroso, do que é

possível realizar um profano não-iniciado. Já nos casos comuns, a vida que está

dividida entre o gozo material e a aspiração espiritual, por mais sincera e

harmoniosa que seja esta última, só pode produzir o correspondente duplo resultado

de uma recompensa espiritual no Devachan e um novo nascimento na Terra.

Observe-se que o modo como o Adepto se liberta da necessidade desse novo

nascimento é perfeitamente científico e simples, por mais que pareça um mistério

teológico quando se explica nos escritos exotéricos com relação a karma, Skandna,

Tríshnâ e Tanhâ, e assim sucessivamente. A próxima vida terrena é conseqüência

das afinidades geradas pelo quinto princípio, ou seja, a alma humana permanente

(assim como as experiências devachânicas são o desenvolvimento dos

pensamentos e aspirações de um caráter elevado) desenvolvida pela pessoa

durante a vida. Vale dizer: as afinidades que se engendram nos casos comuns são

parte materiais e parte espirituais. Assim, fazem a alma apresentar, em sua entrada

no mundo dos efeitos, uma dupla série de atrações que lhe são inerentes, sendo

uma série produtora das conseqüências subjetivas de sua vida devachânica e a

outra que se desperta no final dessa vida, fazendo essa alma voltar à reencarnação.

Mas se a pessoa durante sua vida objetiva não desenvolve absolutamente nenhuma

afinidade com a existência material, na ocasião de sua morte a alma se encontra

com todas suas atrações tendendo na direção da espiritualidade, sem nada que a

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Na prática, minha impressão é a de que isso se consegue raramente numa vida na Terra mas,
antes, em duas ou três encarnações artificiais
impulsione a voltar à vida objetiva, e então ele não retorna. Eleva-se a um estado de

espiritualidade correspondente à intensidade das atrações ou afinidades nessa

direção e se corta o outro fio de ligação.

Ora, a presente explicação não abrange todo o assunto, porque o próprio

Adepto, por mais elevado que seja, volta à encarnação eventualmente, após o resto

da humanidade ter cruzado o grande período divisório na metade da quinta Ronda.

Até que se atinja a exaltação da Espiritualidade Planetária, a mais elevada alma

humana precisa manter ainda uma certa afinidade com a Terra, embora não com a

vida terrena de prazeres físicos e de paixões que atravessamos no momento.

Todavia, o ponto importante que devemos compreender sobre as conseqüências

espirituais da vida mundana é de tal ordem, em tão grande maioria de casos, que os

poucos que fogem à regra não precisam ser mencionados; o senso de justiça, no

que se refere ao destino dos homens bons, é amplamente satisfeito, passo a passo,

pelo curso da Natureza, à medida que o tempo passa. O espírito de vida está

sempre pronto a receber, a reparar as forças e a restaurar a alma depois de lutas,

feitos e sofrimentos da encarnação. E mais do que isto, com ressalvas sobre a

questão da eternidade, a Natureza proporciona, nos períodos intercíclicos no final de

cada Ronda, a toda humanidade, exceto esses desgraçados fracassos que

persistentemente permaneceram agarrados à senda do caminho do mal, grandes

intervalos de felicidade espiritual, mais longos e exaltados em seu caráter do que os

períodos devachânicos de cada vida em separado. Com efeito, a Natureza é

inconcebívelmente liberal e paciente com todos e cada um dos candidatos ao exame

final, durante sua longa preparação para o mesmo. Nem tampouco é absolutamente

fatal o fracasso neste exame. Os fracassados ainda podem tentar nova prova, se
não forem casos de completa ignomínia, mas têm de aguardar a próxima

oportunidade.

Uma explicação cabal das circunstâncias em que essa espera ocorre nïo se

enquadraria no esquema deste tratado. Mas não é de se supor que os candidatos ao

progresso, convictos da incapacidade para continuar no período crítico da quinta

Ronda, caiam necessariamente na esfera da aniquilação. Para que esta atração se

faça valer, o Ego deve ter desenvolvido uma atração positiva pela matéria e uma

repulsa positiva contra a espiritualidade que seja esmagadora em sua força. Na

ausência dessas afinidades, e na ausência também de outras que fossem

suficientes para fazer passar o Ego por cima do grande golfo, o destino que sai ao

encontro dos meros fracassos da Natureza é, no tocante ao presente manvantara

planetário, o morrer, sem lembranças, segundo o expressa Éliphas Lévi. Viveram

sua vida e tiveram sua parte de Céu, mas não são capazes de subir às enormes

altitudes do progresso espiritual que têm pela frente. Porém, estão habilitadas para

sucessivas encarnações e para a vida nos planos de existência a que estão

acostumados. Assim, esperarão, no estado negativo espiritual a que chegaram, que

esses planos de atividade voltem a existir no próximo manvantara planetário. A

duração de tal espera está, por certo, fora do alcance de qualquer imaginação,

sendo a natureza exata de semelhante estado de existência não menos

incompreensível. Mas se deve levar em conta o sentido geral da senda conducente

a essa estranha região de semi-animação, a fim de que a simetria e a totalidade de

todo o esquema evolucionário possa ser percebido.

Uma vez entendida essa última contingência, está diante do leitor todo o

esquema bastante completo em suas linhas principais. Já vimos a Vida Una, o

Espírito, animando primeiramente a matéria em suas formas inferiores e evocando,


lentamente, o desenvolvimento de formas mais elevadas. Individualizado finalmente

no homem, ele abre caminho através de encarnações inferiores e irresponsáveis até

que, penetrando nos princípios superiores e evoluindo uma verdadeira alma

humana, que será, no tempo posterior, senhora de seu próprio destino, ainda que

resguardada, no início, nas condições naturais, para que se preserve de um

naufrágio prematuro, seja estimulada e animada em seu curso. Mas o destino final

que se apresenta a esta alma é não só o desenvolvimento num ser capaz de cuidar

de si, como num ser capaz de cuidar dos outros, de presidir e de dirigir, dentro do

que se poderia denominar limites constitutivos, as operações da Natureza mesma. É

claro que antes que a alma tenha adquirido o direito a esse grau, tem de ter sido

examinada, concedendo a ela domínio completo sobre seus próprios assuntos. Esse

domínio completo implica necessariamente o poder de naufragar. As salvaguardas

que defendem o Ego em sua juventude — sua incapacidade para passar a estados

superiores ou inferiores, aos intermúndios do Devachan e Avitchi — abandonam-no

em sua virilidade. Então, toma-se potente sobre seus próprios destinos, não só

quanto ao desenvolvimento do gozo ou sofrimento transitório, mas quanto às

enormes oportunidades que a existência exibe diante dele em ambas as direções.

Podem-se aproveitar as oportunidades superiores de duas maneiras. Pode

abandonar a luta de dois modos. Pode atingir a sublime espiritualidade para o bem

ou a sublime espiritualidade para o mal. Pode aliar-se ao físico, não para o mal, mas

para a total aniquilação. Ou, por outro lado, se não para o bem, mas para o

resultado negativo que é ter de reiniciar o processo educativo da encarnação.

COMENTÁRIOS
Neste capítulo não se descreve completamente o estado a que passam as

mônadas que não atravessam o período médio da quinta Ronda, tão logo a onda da

evolução avança, deixando-as, por assim dizer, encalhadas nas costas do tempo.

Tão-só se indica em poucas palavras que os fracassos de cada manvantara não são

de modo algum aniquilados quando chegam "ao final de sua carreira", mas são

destinados, depois de grandes períodos de espera, a retornar à corrente da

evolução. Muitas são as deduções que se extraem desse estado de coisas. O

período de espera que estes fracassados têm de suportar é, antes de tudo, de uma

duração tão estupenda que frustra a imaginação. A última metade da quinta Ronda,

toda a sexta e a sétima têm de ser levadas a cabo com os graduados bem-

sucedidos na espiritualidade, e as últimas Rondas são de duração imensamente

maior do que as do período médio. Em seguida há o vasto intervalo de repouso

nirvânico, que fecha o manvantara, a incomensurável Noite de Brahmâ, o Pralaya de

toda a cadeia planetária. Somente quando principia o manvantara seguinte é que os

fracassados acordam de seu tremendo transe — tremendo para a imaginação de

seres que estão em plena atividade da vida, por mais que tal transe, destituído de

consciência, não seja mais enfadonho que uma noite sem sonhos, na memória de

um homem profundamente adormecido. Á sina dos fracassados, depois de tudo,

pode ser considerada digna de pena em primeiro lugar, antes pelo que perdem do

que pelo que incorrem. Em segundo lugar, entretanto, é digna de pena em vista das

conseqüências, pois, ao acordar, precisam voltar a passar pelo sofrimento que

envolve a vida física e as suas inumeráveis encarnações, enquanto os seres

aperfeiçoados, que os deixaram para trás, na evolução daquela quinta Ronda,

aquela em que eles fracassaram, atingiram a divina perfeição do estado Dhyan


Chohânico, durante o seu transe, e serão os gênios que hão de presidir o

manvantara seguinte, em vez de serem seus indefesos sujeitos.

Contudo, à parte o que se possa encarar como sendo o interesse pessoal

dessas entidades, a existência dos fracassos na Natureza, no início de cada

manvantara, é um fato que contribui, de modo muito significativo, à compreensão do

sistema evolucionário. Por certo, quando a cadeia planetária se desenvolve num

princípio do caos — se é que se pode empregar a expressão "num princípio" em seu

sentido próprio, tendo presente a observação de que "no princípio" é uma simples

façon de parler aplicado a qualquer período da eternidade — não existem os

fracassos. Então a descida do espírito à matéria, através dos reinos elemental,

mineral e outros, prossegue da forma que já foi descrita nos primeiros capítulos

deste livro. Porém, a partir do segundo manvantara de uma cadeia planetária,

durante a atividade do sistema solar, que estabelece muitos desses manvantaras, o

curso dos acontecimentos é um pouco diferente — mais fácil, se posso tornar a usar

uma expressão que é muito mais adequada a uma conversa, do que ao uso do

sentido rigorosamente científico. Além disso anda mais rápido o processo, pois

existem já entidades humanas dispostas a entrar em encarnação, tão logo o mundo,

que também já existe, esteja em estado perfeito para elas. A verdade, pois, parece

ser que, após o primeiro manvantara de uma série — enormemente maior em

duração que seus sucessores — nenhuma entidade recém-saída dos reinos

inferiores pode passar assim do limiar da humanidade. Os últimos fracassados

entram em primeiro lugar na encarnação e depois eventualmente as entidades

animais sobreviventes já diferenciadas: Contudo, comparada com os trechos da

doutrina esotérica que afeta a evolução corrente da nossa própria raça, estas

considerações, relativas a tempos muito primitivos da evolução do mundo, têm um


interesse meramente intelectual e ainda não podem ser muito ampliadas com

qualquer contribuição de minha parte.

9. BUDA

O Buda histórico, conhecido dos guardiães da doutrina esotérica, é uma

personagem cujo nascimento não se reveste das estranhas maravilhas com que a

fantasia popular a envolveu. Nem tampouco seu progresso para o Adeptado deixou

as marcas dos eventos a que se reportam as lutas sobrenaturais descritas pela

lenda simbólica. Por outro lado, a encarnação a que se atribui o nome de

nascimento de Buda não é certamente encarada pela ciência oculta como um

acontecimento igual a qualquer outro nascimento, nem tampouco se considera o

desenvolvimento espiritual por que passou Buda, durante sua vida terrena, como
mero processo de evolução intelectual, semelhante à história mental de qualquer

outro filósofo. O erro que cometem os escritores europeus, ao se ocuparem de um

problema dessa natureza, é tratar a lenda esotérica como uma tradição de milagres,

a respeito da qual não é necessário acrescentar nada, ou como um puro mito, que

agrega uma decoração fantástica a uma vida notável. A vida de Buda, admite-se,

por mais notável que tenha sido, deve ter sido vivida segundo as teorias sobre a

Natureza, atualmente aceitas desde o século XIX. O exposto nas páginas anteriores

prepara o terreno para a exposição do que ensina a doutrina esotérica sobre Buda.

Segundo se comprova de modo bastante exato pela pesquisa moderna, Buda

nasceu 643 anos antes da era cristã, em Kapila-Vastu, perto de Benares.

As concepções exotéricas, desconhecendo as leis que regem as operações

da Natureza em suas esferas superiores, somente podem interpretar a dignidade

anormal de algum nascimento particular, mediante a suposição de que o corpo físico

da pessoa envolvida foi gerado de um modo milagroso. Donde a noção popular

sobre Buda, de que sua encarnação neste mundo foi devida a uma concepção

imaculada. A ciência oculta não conhece processo algum à produção de uma

criança humana física, senão o determinado pelas leis físicas; mas, sim, conhece-se

muito a respeito dos limites dentro dos quais a Vida Una, ou "mônada espiritual"

progressiva, ou seja, o fio contínuo de uma série de encarnações pode eleger

corpos de crianças definidos como moradas humanas. No caso da humanidade

comum, esta escolha é feita por ação do karma, de forma inconsciente, no que diz

respeito ao Ego espiritual emergente ao Devachan. Mas, nos casos anormais em

que a Vida Una penetrou o sexto sentido — ou seja, quando um homem se

converteu em Adepto, tendo o poder de guiar seu próprio Ego espiritual com plena

consciência do que faz, após ter abandonado o corpo no qual obteve o Adeptado,
temporária ou permanentemente — está em seu poder a escolha de sua própria

encarnação seguinte. Mesmo durante a vida sobrepõe-se à atração devachânica.

Converte-se em um dos poderes conscientes que dirigem o sistema planetário a que

pertence, e por grande que seja este mistério da reencarnação escolhida, sua

aplicação não se restringe de modo algum a acontecimentos extraordinários, tais

como o nascimento de Buda. E fenômeno reproduzido amiúde pêlos Adeptos

superiores até hoje. Assim, muito do que conta a mitologia popular oriental é

puramente fictício ou inteiramente simbólico. Mas as reencarnações dos Lamas do

Dalai e Teshu, no Tibete, das quais se riem os viajantes por falta de conhecimento

que lhes permitam distinguir os fatos reais dos imaginários, são um fato sério e

científico. Nesses casos, o Adepto declara antecipadamente quando e onde há de

nascer, e qual será a criança na qual tratará de reencarnar, e muito raramente se

engana. Dizemos muito raramente, porque há alguns acidentes de natureza física

que não se podem absolutamente prevenir, nem é absolutamente certo que, com

toda a previsão que mesmo um Adepto possa utilizar no assunto, a criança por ele

escolhida — em seu estado reencarnado — atinja afortunadamente a maturidade

física. Enquanto isso, o Adepto, no corpo, é relativamente impotente. Fora do corpo

é exatamente o que foi sempre, desde que se converteu em Adepto. Mas, no que diz

respeito ao novo corpo que ele escolheu para moradia, tem de deixá-lo desenvolver-

se conforme o curso ordinário da Natureza, e educá-lo pêlos procedimentos comuns,

iniciando-o por meio do método oculto regular no Adeptado, antes que possa dispor

de um corpo totalmente pronto para o trabalho oculto no plano físico. Todos esses

processos são imensamente simplificados, é verdade, pela força espiritual peculiar

que atua dentro do corpo. Em princípio, porém, a alma do Adepto se sente

constringida e embaraçada no corpo da criança e, como parece natural, muito


incomoda e pouco à vontade. A condição seria muito mal-interpretada se o leitor

imaginasse que essas reencarnações são um privilégio que os Adeptos aproveitam

com prazer.

O nascimento de Buda foi um mistério desse gênero e, à luz do que se disse,

será fácil verificar a história popular de sua origem miraculosa e traçar as referências

simbólicas aos fatos em questão, em algumas fábulas mais grotescas ainda.

Nenhuma referência, por exemplo, parece menos promissora como uma alusão a

qualquer coisa que se pareça com um fato científico do que a afirmação de que

Buda entrou nas entranhas de sua mãe como um jovem elefante branco. Mas o

elefante branco é simplesmente o símbolo do Adeptado — algo que se considera

como um belo e raro exemplar de sua espécie. O mesmo acontece com outras

lendas pré-natais que indicam o fato de que o futuro corpo do menino fora escolhido

como morada de um grande espírito já dotado de sabedoria e bondade superlativas.

Indra e Brahmã vieram prestar homenagens ao menino na ocasião do nascimento —

quer dizer: os poderes da Natureza estavam já submetidos ao Espírito que havia

dentro dele. Os trinta e dois signos de Buda, que a lenda descreve por meio de um

simbolismo físico ridículo, são meramente os diversos poderes do Adeptado.

A escolha do corpo conhecido como Siddhartha e depois como Gautama, filho

de Suddhodana, de Kapila-Vastu, como morada humana do iluminado espírito

humano, que se submetera à encarnação para ensinar a humanidade, não foi um

desses raros fracassos antes mencionados. Pelo contrário, foi uma escolha

notavelmente bem-sucedida sob todos os aspectos, e em nada interveio na

consumação do Adeptado pelo Buda em seu novo corpo. A narração popular de

suas lutas ascéticas e tentações, e de sua chegada final ao estado búdico sob a

Árvore-Bo, nada mais é que a versão exotérica de sua iniciação.


Dessa época em diante, sua obra teve uma natureza dual, tinha de reformar e

revisar a moral popular e a ciência dos Adeptos — pois o próprio Adeptado está

sujeito a mudanças cíclicas, e necessita de impulsos periódicos. A explicação deste

aspecto do assunto, expresso claramente, não só será importante por si mesma,

como de interesse para todos os estudantes do Budismo Exotérico, visto que

esclarece algumas das complicações que causam tanta confusão da "Doutrina

Setentrional" mais abstrusa.

Um Buda visita a Terra em cada uma das sete raças do grande período

planetário. O Buda de que nos ocupamos foi o quarto da série, e esta é a razão pela

qual consta como o quarto na lista, citada por Mr. Rhys Davids, de Bumouf - a título

de ilustração do modo como a Doutrina Setentrional tem sido, segundo Mr. Davids

supõe, inflada de sutilezas metafísicas e de absurdos acumulados ao redor da

simples moralidade, que se resume no Budismo que se apresenta ao populacho. O

quinto, ou Maitreya Buddha, virá depois do desaparecimento final da quinta raça,

quando a sexta raça já estiver estabelecida na Terra durante algumas centenas de

milhares de anos. O sexto virá no início da sétima raça, e o sétimo, para o final da

mesma raça.

Esta ordem parecerá, à primeira vista, em desacordo com o grande desígnio

geral da evolução humana. Aqui estamos, na metade da quinta raça, entretanto o

quarto Buda é o que foi identificado com esta raça, enquanto o quinto não virá até

que a quinta raça esteja praticamente extinta. Â explanação encontra-se, contudo,

nas grandes linhas da Cosmogonia esotérica. No início de cada grande período

planetário, quando o obscurecimento termina e a onda humana, em seu progresso

ao redor da cadeia de mundos, chega às margens de um globo onde nenhuma

humanidade existiu durante milhares de anos, toma-se necessário um Instrutor


desde o início para a nova colheita de humanidade que vai brotar. Recorde-se que a

evolução preliminar dos reinos mineral, vegetal e animal ocorreu na preparação do

novo período da Ronda. Com a primeira infusão da corrente de vida nas espécies

que formam os "elos perdidos", começa a evolucionar a primeira raça da nova série.

Então aparece o Ser, que pode ser considerado o Buda da primeira raça. O Espírito

Planetário, ou Dhyan Chohan, que é — ou, para evitar uma idéia errônea pelo uso

do verbo na pessoa do singular, desafiemos a gramática e digamos que são — Buda

em todos seus (dele ou deles) desenvolvimentos, encarna entre os jovens e

inocentes precursores da nova humanidade, preparados para ser ensinados, e

imprime os primeiros princípios gerais do bem e do mal, e as primeiras verdades da

doutrina esotérica a um número suficiente de mentes receptivas, para assegurar a

reverberação contínua das idéias desse modo introduzidas através de gerações

sucessivas de homens nos milhões de anos vindouros, antes que a primeira raça

tenha concluído seu curso. Desta chegada, no princípio do período de Ronda, de um

Ser Divino sob forma humana, é de onde nasce o conceito inextirpável do Deus

antropomórfico de todas as religiões exotéricas.

O primeiro Buda da série em que Gautama Buda aparece como quarto é,

portanto, a segunda encarnação de Avalokitesvara — nome místico das hostes de

Dhyan Chohans ou Espíritos Planetários pertencentes à nossa cadeia planetária —,

e mesmo quando Gautama é, pois, a quarta encarnação de iluminação, segundo o

cálculo esotérico, constitui na verdade o quinto da verdadeira série. Portanto,

pertence propriamente à nossa quinta raça.

Avalokitesvara, como afirmamos antes, é o nome místico das hostes de

Dhyan Chohans. O significado próprio da palavra é sabedoria manifestada, como

Âdi-Buddha e Amitabha, ambas variantes com o significado de sabedoria abstraía.


A doutrina, conforme Mr. Davids, de que "cada Buda mortal terreno tem seu

puro e glorioso correlativo no mundo místico, livre das degradantes condições desta

vida material — ou antes, que o Buda, nas condições materiais, é apenas uma

aparência, o reflexo, a emanação ou tipo de um Dhyani Buddha" — é perfeitamente

exato. O número de Dhyani Buddhas ou Dhyan Chohans, ou espíritos planetários,

espíritos humanos aperfeiçoados de outros mundos, é infinito, mas somente cinco

estão praticamente identificados no ensinamento exotérico, e sete no ensinamento

esotérico. Esta identificação, vale lembrar, é um modo de falar que não deve ser

interpretado demasiado literalmente, pois existe, na vida espiritual sublime em

questão, uma unidade que não deixa lugar ao isolamento da individualidade. Tudo

isto há de se ver que se harmoniza perfeitamente com as revelações relativas à

Natureza, incluídas nos capítulos anteriores, e não deve ser, de forma alguma,

atribuído às imaginações místicas. Os Dhyani Buddhas ou Dhyan Chohans são a

humanidade aperfeiçoada de épocas manvantáricas precedentes, e sua inteligência

coletiva se descreve com o nome de Adi-Buddha. Mr. Rhys Davids engana-se ao

tratá-lo como uma invenção recente dos budistas do Norte. Adi-Buddha significa

sabedoria primordial, sendo mencionado nos livros sânscritos mais antigos. Por

exemplo, na dissertação filosófica sobre o "Mandukya Upanishad", por Gowdapatha,

autor sânscrito contemporâneo do próprio Buda, a expressão é empregada

livremente e exposta sua concordância rigorosa com a presente declaração. Um

amigo meu na índia, pândita brâmane de primeira Unha, como erudito sânscrito,

mostrou-me cópia desse livro, que não foi, segundo ele, traduzido para o inglês, e

me indicou uma frase que se relaciona com a presente questão e que me foi

traduzida do seguinte modo: "Mesmo Prakriti, na verdade, é Adi-Buddha e todos os

Dharmas têm existido por toda a eternidade." Gowdapatha é escritor filósofo acatado
por todas as seitas hindus e budistas, e bem-conhecido. Era o guru, ou instrutor

espiritual, do primeiro Sankaracharya, de quem logo terei que tratar mais

extensamente.

O Adeptado, quando encarnou Buda, não era a condensada e compacta

hierarquia em que desde então se converteu sob sua influência. Nunca houve época

alguma no mundo sem Adeptos, mas, às vezes, eles estiveram disseminados por

todo o mundo, ou isolados em reclusões separadas, gravitando ora por um país, ora

por outro. Finalmente, vale recordar, seu conhecimento e poder nem sempre foram

inspirados na sublime e severa moralidade que Buda infundiu em sua última e mais

elevada organização. A reforma do mundo oculto por seu intermédio foi,

efetivamente, o resultado de seu grande sacrifício, da abnegação que o induziu a

recusar o estado afortunado do Nirvana, o que lhe cabia completo direito após sua

vida terrena como Buda, e a empreender a pesada tarefa de renovadas

encarnações, a fim de executar a missão que se havia imposto, conferindo à

humanidade o aumento de benefício correspondente, Buda reencarnou-se, depois

de sua existência como Gautama Buda, na pessoa de um grande Instrutor do qual

se fala pouco nas obras exotéricas do Budismo, mas cuja vida, sem ser conhecida,

tomaria impraticável obter um conceito exato da situação no mundo oriental da

ciência esotérica, a saber: Sankaracharya. A última parte deste nome — acharya —

significa simplesmente mestre. A designação completa, como título, foi perpetuada

até hoje sob curiosas circunstâncias, mas os portadores modernos dela não estão

na Unha direta das encarnações espirituais budistas.

Sankaracharya apareceu na índia — não tendo fixado atenção em seu

nascimento, parece ter ocorrido na costa do Malabar — uns sessenta anos após a

morte de Gautama Buda. O ensinamento esotérico determina que Sankaracharya foi


simplesmente Buda em todos aspectos, num novo corpo. Esta opinião não será

acolhida pelas autoridades hindus não-inicia-das, que atribuem uma data posterior

ao aparecimento de Sankaracharya, considerando-o como um santo Instrutor

independente, e mesmo oposto ao Budismo. Entretanto, não deixa de ser por isso o

que acabamos de manifestar, na opinião real dos iniciados na ciência esotérica, quer

se denominem budistas ou hindus. Recebi esta informação que agora exponho, de

um brâmane advaita da Ínida do Sul — não diretamente de meu instrutor tibetano —

e todos os brâmanes iniciados, conforme me afirmou, dirão o mesmo. Algumas das

últimas encarnações de Buda são descritas de outro modo, como coberturas do

espírito de Buda, mas no que se refere à pessoa de Sankaracharya, foi

reencarnação sua na Terra. O objetivo que se propunha era preencher algumas

lacunas e reparar certos erros de seus ensinamentos anteriores; pois no Budismo

Esotérico não se discute que até um Buda pode ser falível em certo momento de sua

carreira.

A situação era a seguinte: Até o tempo de Buda, os brâmanes da índia

haviam reservado zelosamente o conhecimento oculto como propriedade de sua

casta. Às vezes ocorria alguma exceção em favor dos Tshatryas, mas a regra era

exclusiva no mais alto grau. Esta regra, destruída por Buda, admitia igualmente

todas as castas na senda do Adeptado. A mudança pode ter sido perfeitamente

correta em princípio, mas abriu caminho a grande perturbação e, segundo

acreditavam os brâmanes, à degradação do próprio conhecimento oculto — isto é,

sua transferência para mãos indignas, não indignas devido à inferioridade de casta,

mas pelo fato de que a inferioridade moral que supunham introduzia-se na

fraternidade justamente com os irmãos de baixa linhagem. Não afirmavam os

brâmanes, absolutamente, que, porque um homem fosse brâmane, devia ser


necessariamente virtuoso e digno de confiança. A questão era: é preciso deixar fora

dos segredos e poderes de iniciação todos aqueles que não são virtuosos e dignos

de confiança. Com este fito, é necessário não só estabelecer todas as provações e

testes imagináveis, como também não admitir candidatos exceto da classe que, no

geral, por causa de suas vantagens hereditárias, é mais provável seja a melhor

sementeira de candidatos apropriados.

A experiência, crêem-no agora todos, que despertam os temores dos

brâmanes e a encarnação seguinte de Buda, foi uma admissão prática disso.

Entretanto, Buda, na pessoa de Sankaracharya, cuidou de atenuar, de antemão, a

luta sectária que viu iminente. A oposição ativa dos brâmanes contra o Budismo

começou no tempo de Asoka. Grandes esforços envidados por Asoka para espalhar

o Budismo provocaram temores por parte dos brâmanes, por sua influência social e

política. Deve-se ter presente que os iniciados não estio completamente livres, em

todos os casos, dos preconceitos de suas próprias individualidades. Possuem alguns

atributos semi-divinos, de tal sorte que, quando os profanos começam a

compreender algo deles, costumam despojá-los em sua imaginação de todas as

fragilidades humanas. A iniciação e o conhecimento oculto, tomados em comum, são

certamente um vínculo de união entre os Adeptos de todas as nacionalidades,

vínculo muito mais forte que qualquer outro. Porém, mais de uma vez verificou-se

que não se podia apagar todas as outras diferenças. Assim, os iniciados brâmanes e

os budistas, da época a que nos referimos, não sustentavam de forma alguma a

mesma opinião em todas as questões, e os brâmanes desaprovavam decididamente

a reforma budista em seus aspectos exotéricos. Chandragupta, o avô de Asoka, foi

um forasteiro e a família, sudras. Isto era suficiente para tomar antipática sua política

budista aos representantes da fé ortodoxa brâmane. A luta tomou uma forma


exacerbada, mesmo quando a história nos fornece pouco ou nenhum pormenor. O

partido do Budismo primitivo foi completamente vencido e o costume brâmane,

totalmente restabelecido, no tempo de Vikramaditya, por volta de 80 a.C. Contudo,

Sankaracharya havia viajado por toda a índia, antecipando-se à grande luta, e

estabelecido vários mathams, ou escolas de filosofia, em diversos centros

importantes. Empenhou-se poucos anos nesta tarefa, mas a influência de seus

ensinamentos foi tão grande que sua importância disfarça a mudança introduzida.

Colocou o Hinduísmo Exotérico em harmonia com a "religião da sabedoria"

esotérica. Deixou o povo entretendo-se com suas antigas mitologias, mas com o

apoio de guias filosóficos que eram budistas esotéricos sob todos aspectos, se bem

que reconciliados com tudo que era imperecível no Brahmanismo. A grande falta do

Hinduísmo Exotérico anterior dependia de afeição às vãs cerimônias e de sua

adesão aos conceitos idólatras das divindades do panteão hindu. Sankaracharya

confirmou enfaticamente com seus comentários aos Upanishads e com seus escritos

originais, a necessidade de perseguir o gnyanam a fim de se obter o moksha — vale

dizer: a importância do conhecimento secreto do progresso espiritual e a sua

consumação. Foi o fundador do sistema Vedantino (sendo o verdadeiro significado

do Vedanta o último fim ou a coroa do conhecimento), ainda que as sanções deste

sistema as tenha tirado dos escritos de Vyasa, autor do "Mahabharata", dos

"Puranas" e do "Brahma-sutras". O leitor deve compreender que faço estas

declarações não com base em investigações próprias — pois não sou um sábio

bastante orientalista para tentá-lo —, senão com a autoridade de um brâmane

iniciado que é, além de ocultista, um sábio orientalista de primeira ordem.

A escola Vedântica é hoje quase co-extensiva do Hinduísmo, levando em

consideração, naturalmente, a existência de algumas seitas especiais como os


sikhs, os vallabacharyas, ou maharajah, seita de muito má fama, que pode dividir-se

em três grandes divisões: os adwaitees, os adwaitees vishishta e os dawaitees. O

esboço da doutrina adwaitee é que brahmun ou purush, o espírito universal, agem

somente por meio de prakríti, a matéria, em que tudo tem lugar, desta maneira, por

meio da energia inerente da matéria. Brahmun ou Parabrahm é, pois, um princípio

passivo, incompreensível e inconsciente, mas, em essência, vida una ou energia do

universo. Deste modo, a doutrina é idêntica ao materialismo transcendental da

filosofia do Adepto budista esotérico. O nome adwaitee significa não-dual e refere-

se, em parte, à não-dualidade, ou seja, a unidade do espírito universal ou vida una

budista, como distinta da noção de seu funcionamento por meio de encarnações

antropomórficas, e, em parte, à unidade do espírito universal e do humano. Como

conseqüência natural desta doutrina, os adwaitees deduzem a doutrina budista do

kárma, relativamente ao destino futuro do homem, como dependendo por completo

das causas que ele mesmo engendra.

Os adwaitees vishishta alteram essa doutrina com a interpolação de Vishnu

como uma deidade consciente, a emanação primordial de Parabrahm, Vishnu sendo

considerado como um deus pessoal, capaz de intervir no curso dos destinos

humanos. Não encaram o yog, ou a educação espiritual, como a senda própria à

realização espiritual, crendo que isto é possível principalmente por meio de Bhakti ou

devoção. Expressando-o na fraseologia da teologia européia, poder-se-ia dizer que

os adwaitees apenas acreditam na salvação por meio das obras e os adwaitees

vishishta, na salvação pela graça. Os adwaitees distinguem-se pouco dos adwaitees

vishishta, afirmando, simplesmente, com a designação que assumem, com maior

ênfase, a dualidade do espírito humano e do princípio mais elevado do universo e

incluindo muitas observações de cerimônias como parte essencial de Bhakti.


É preciso considerar que todas essas diferenças de opinião só têm relação

com as variações exotéricas da ideia fundamental, introduzidas por diferentes

instrutores com impressões variadas sobre a capacidade do povo para assimilar as

idéias transcendentais. Todos os dirigentes do pensamento do Vedanta adoram

Sankaracharya e os mathams que ele fundou com a maior reverência possível, e a

sua crença interior aproxima-se, em todos os sentidos, da doutrina esotérica una.

Com efeito, os iniciados de todas as escolas da índia entrelaçam-se uns com os

outros. Exceto quanto à nomenclatura, todo o sistema da Cosmogonia, segundo

defendem os budistas arhats e conforme está exposto neste livro, é também

defendido pêlos brâmanes iniciados, que o fazem desde antes do nascimento de

Buda. Donde o conseguiram? - perguntará talvez o leitor. Do Espírito Planetário ou

Dhyan Chohan, que visitou primeiramente este planeta, na aurora da raça humana,

na Ronda presente — há mais milhões de anos do que os que se possa mencionar

por suposição, pois que o número exato verdadeiro se guarda secretamente.

Sankaracharya fundou quatro mathams principais: uma, em Sringari, na índia

do Sul, que sempre foi a mais importante; uma, em Jugger-nath, em Orissa; uma em

Dwaraka, em Kathiawar, e uma, em Gungotri, nos declives do Himalaia, ao Norte. O

chefe do templo de Sringari teve sempre a designação de Sankaracharya, como

adição a seu nome individual. Surgiram desses quatro outros centros, e hoje existem

mathams por toda a índia, exercendo a maior influência possível no Hinduísmo.

Afirmei que Buda, em sua terceira encarnação, reconheceu o fato de que, na

segurança excessiva de sua amorosa confiança na perfectibilidade da humanidade,

abriu demasiado as portas do santuário oculto. Sua terceira aparição foi na pessoa

de Tsong-kapa, o grande Adepto reformador tibetano do século XIV. Nesta


personalidade tratou exclusivamente dos assuntos da fraternidade de Adeptos, que

naquele tempo se reunia notada-mente no Tibete.

Desde tempos imemoriais houve no Tibete certa religião secreta, hoje

completamente desconhecida e não abordável por quem não seja iniciado,

inacessível para o povo comum do país, assim como para outras gentes, e na qual

se congregaram sempre os Adeptos. Mas, em geral, o país não era, no tempo de

Buda, o que se tomou depois, a morada escolhida da grande fraternidade. Muito

mais do que são na atualidade, os Mahâtmâs, nos primeiros tempos, estavam

espalhados pelo mundo. O progresso da civilização, gerador do magnetismo com

que penosamente deparam, havia, entretanto, na época de que tratamos — o século

XIV — cedido lugar a um movimento generalizado rumo ao Tibete, por parte dos

previamente disseminados ocultistas. O conhecimento e poder ocultos estavam

então disseminados muito más que o que era prudente à segurança da humanidade.

Tsong-kapa assumiu a tarefa de colocá-lo sob o domínio de um sistema rígido de

regras e leis.

Sem restabelecer o sistema na base anterior, pouco razoável, do

exclusivismo de castas, elaborou um código de regras como guia dos Adeptos, cujo

resultado foi depurar a organização oculta de tudo o que não visasse ao

conhecimento oculto, com o espírito da mais sublime devoção aos princípios mais

elevados.

Um artigo da Theosophist de março de 1882, sobre "Reencarnações no

Tibete", de cuja veracidade tenho absoluta certeza, traz notícia de grande

importância acerca da questão que tratamos agora, e das relações entre o Budismo

Esotérico e o Tibete, que nunca serão analisados o bastante acuradamente por


qualquer um que queira compreender com rigor o Budismo, em seu verdadeiro

significado.

Lemos no artigo: "O sistema regular das encarnações lamaicas de 'Sangyas'

(ou Buda) começou com Tsong-kapa. Este reformador não é a encarnação de um

dos cinco Dhyanis celestiais ou Budas celestes, como se supõe geralmente, que se

diz foram criados por Sakya-Muni depois de elevar-se ao Nirvana, mas, sim, de

Amita, um dos nomes chineses de Buda. Os anais guardados no Gon-pa (lamasaria)

de Tda-shi Humpo demonstram que Sangyas se encarnou em Tsong-kapa em

conseqüência da grande degradação em que haviam caído as suas doutrinas. Até

então não tinham ocorrido outras encarnações que as dos cinco Budas celestiais e

de seus Bodhisattvas, cada um dos primeiros tendo criado (leia-se, encoberto com

sua sabedoria espiritual) cinco dos últimos... Entre outras reformas, Tsong-kapa

proibiu a necromancia (que é praticada até hoje com os ritos mais repugnantes pelos

Bhons, aborígines do Tibete, com quem os Gorros Vermelhos ou Shammars haviam

sempre se confraternizado, sendo por isso que estes últimos resistiram à sua

autoridade). Este ato foi acompanhado de um rompimento entre as duas seitas.

Separando-se completamente dos Gyalukpas, os Dugpas (Gorros Vermelhos), que

desde o início estavam em grande minoria, se estabeleceram em várias regiões do

Tibete, principalmente em suas fronteiras, sobretudo no Nepal e no Butão. Mas

mesmo mantendo esta espécie de independência, no mosteiro de Sakia-Djong, a

residência tíbetana de seu chefe espiritual(?), Gong-sso Rimbo-chay, os butaneses

foram sempre tributários e vassalos dos Dalai Lamas.

Os Tda-shi Lamas foram sempre mais poderosos e mais considerados do que

os Dalai Lamas. Estes últimos são criação de um Tda-shi Lama, Nabang-lob-sang, a

sexta encarnação de Tsong-kapa, uma encarnação de Amithaba ou Buda."


Vários escritores do Budismo levaram em consideração a teoria, que Mr.

Clements Markham formula de forma bastante completa em seu "Relato da Missão

de George Bogle no Tibete", ou seja, enquanto as escrituras originais do Budismo

foram levadas ao Ceilão pelo filho de Asoka, o Budismo que abriu seu caminho no

Tibete, a partir da índia e da China, foi gradualmente sobrecarregado com uma

massa de dogmas e de especulações metafísicas. E o Professor Max Müller

expressa: "O elemento mais importante na reforma budista foi sempre seu código

social e moral, não as suas teorias metafísicas. Este código moral, tomado em si

mesmo, é um dos mais perfeitos que o mundo jamais conheceu; e esta foi a bênção

que a introdução do Budismo trouxe ao Tibete."

"A bênção" — diz o autorizado artigo da Theosophist que venho citando —

"permaneceu e estendeu-se por todo o país, não havendo uma nação mais

bondosa, nem de mente mais pura, nem mais singela, nem mais temerosa do

pecado do que os tíbetanos. Apesar disso, o Lamaísmo popular, se for comparado

com o Budismo verdadeiramente Esotérico ou Arhat, apresenta um contraste tão

grande como a neve pisada ao longo da estrada no vale e a massa pura e

imaculada que resplandece no mais alto da crista de uma altíssima montanha."

O fato é que o Ceilão está saturado de Budismo Exotérico e o Tibete, do

Esotérico. O Ceilão ocupa-se mera ou fundamentalmente da moral do Budismo,

enquanto o Tibete, ou antes, os Adeptos do Tibete, se ocupam da ciência do

Budismo.

Estas explicações apenas constituem um esboço de toda a situação. Não

disponho de argumentos, nem folga literária que exige seu desenvolvimento num

quadro acabado, das relações que realmente subsistem entre os princípios

intrínsecos do Hinduísmo e os do Budismo. E cuido da possibilidade de que muitos


sábios e pacientes pesquisadores do assunto tenham tirado, decorrente de

prolongados e eruditos estudos, conclusões que à primeira vista parecem chocar-se

com as explicações que agora apresento. Mas nem por isso deixam as explicações

de provir diretamente de autoridades para as quais o assunto é bastante familiar,

tanto no aspecto erudito como no esotérico. Seu conhecimento íntimo lança luz em

toda a situação, que os livra do perigo de desvirtuar textos e cometer erros com

relação à simbologia obscura. Saber quando nasceu Gautama Buda, o que está

registrado em seus ensinamentos e o que as lendas populares reuniram em volta de

sua biografia, é saber pouco menos que nada sobre o verdadeiro Buda, muito maior

que o instrutor moral histórico ou que o semideus fantástico da tradição. E somente

quando se compreende o vínculo entre Budismo e Brahmanismo, é que a grandeza

da doutrina esotérica se revela em suas verdadeiras proporções.

10. O NIRVANA

Uma assimilação completado ensinamento esotérico, até o ponto a que

chegamos agora, já nos permite abordar o tema que os escritores esotéricos

trataram sobre o Budismo, no geral, como o ponto de partida desta religião.

Por falta de um método melhor para pesquisar o verdadeiro significado do

Nirvana, os eruditos do Budismo esmiuçaram a palavra e examinaram sua raiz e

fragmentos. Isso equivale a tentar certificar-se do tipo de cheiro de uma flor,

dissecando o papel em que esta foi pintada. É difícil para as mentes instruídas, de

acordo com o processo intelectual da pesquisa física — como acontece, seja direta,
seja indiretamente, com todas as nossas mentes ocidentais do século XK —,

entender o primeiro estado espiritual desta vida, ou seja, o Devachan. Desses

estados da existência, o entendimento só é capaz de compreender uma parte,

sendo necessária uma faculdade mais elevada para penetrá-los plenamente, sendo

mais impossível ainda forçar seu significado em outra mente por meio de palavras.

Despertando primeiramente esta faculdade superior em seu discípulo, e depois

colocando-o em posição de se observar por si mesmo, tal é o modo como procede

todo instrutor regular nesse assunto.

Ora, no Devachan existem os usuais sete estados, apropriados aos diferentes

graus de iluminação espiritual que os diversos candidatos a tal estado podem obter.

No Devachan, há os lokas Rûpa e Arûpa, isto é, estados que assumem uma

consciência (subjetiva) da forma e estados que transcendem a esta. Contudo, o

estado devachânico mais elevado no Arûpa loka não se compara com o estado

maravilhoso de espiritualidade pura, denominado Nirvana.

No curso ordinário da Natureza durante uma Ronda, quando a mônada

espiritual levou a cabo a enorme viagem do primeiro planeta até o sétimo, e ali

findou então sua existência — ali terminando suas multiformes existências, com

seus períodos respectivos no Devachan, entre cada vida — o Ego passa a um

estado espiritual diferente do devachânico, em que, por períodos de duração

inconcebível, descansa antes de voltar a assumir seu circuito dos mundos. Este

estado pode ser considerado como o Devachan dos estados devachânicos — uma

espécie de «capitulação dos mesmos — um estado que supera os demais, tanto

como o estado deva-chânico de qualquer existência da Terra supera as aspirações

espirituais semidesenvolvidas, ou os afetos impulsivos da vida terrena. Desse

período — o período intercíclico de exaltação extraordinária, se comparado com os


mesmos estados subjetivos dos planetas no arco ascendente, que superam tanto os

nossos próprios períodos — diz-se, na ciência esotérica, que é um estado de

Nirvana parcial. Transportando-nos com a imaginação através das incomensuráveis

perspectivas do futuro, suponhamos que nos aproximamos ao período que

compreenderia o intercíclo da sétima Ronda da humanidade, quando os homens se

assemelham a deuses. Tendo sido completada a última, a mais elevada e gloriosa

das vidas objetivas, o ser espiritual perfeito atinge um estado em que lhe acode a

reminiscência de todas as existências que viveu em todo tempo no passado. Pode

deter a sua vista nas curiosas mascaradas das existências subjetivas, como então

lhe parecerão, nos pormenores diminutos de qualquer uma das vidas terrenas pelas

quais ele passou, e pode aprofundá-las, bem como a todas as coisas com que de

alguma forma se tivesse relacionado, pois no atinente a esta cadeia planetária ele

atingiu a onisciência. Este desenvolvimento supremo da individualidade é a grande

recompensa que a Natureza reserva àqueles que prematuramente a alcançam, por

assim dizer, por meio da luta relativamente breve, desesperada e terrível que conduz

ao Adeptado, e àqueles que, por determinada prevalência do bem sobre o mal, no

caráter da série completa de suas encarnações, atravessaram o vale da sombra da

morte na metade da quinta Ronda e abriram seu caminho através da sexta e sétima

Rondas.

Deste estado sublimemente ditoso se diz, na ciência esotérica, que é o limiar

do Nirvana,

Vale a pena continuar a especular sobre o que vem depois? Pode-se dizer

que nenhum estado de consciência individual, embora seja uma fase do sentimento

já identificado em grande parte com a consciência geral desse nível de existência,

iguala-se em elevação espiritual à consciência absoluta, em que todo sentimento de


individualidade se funde no Todo. Usamos tais frases como fichas intelectuais, mas

à mente comum — dominada pelo cérebro físico e pela inteligência cerebral —

podem ter alguma significação viva?

Tudo o mais que as palavras podem sugerir é que Nirvana é um estado

sublime de repouso consciente na onisciência. Seria ridículo, depois do que foi dito

antes, tratar das discussões que se travaram, entre os que se dedicam ao estudo do

Budismo Esotérico, em tomo do Nirvana, se ele significa ou não aniquilação. Nossas

palavras falham ao expressar o sentimento com que os graduados na ciência

esotérica consideram a questão. Significa o Nirvana a última pena da lei, a honra

mais alta que se pode conceder ao cidadão mais meritório? Ou é uma colher de pau

o emblema da mais ilustre eminência do saber? Perguntas como estas apenas

simbolizam fracamente o disparate da questão que interroga se o Nirvana é, no

Budismo, o equivalente à aniquilação. E de algum modo, inconcebível para nós, se

diz que o estado de para-Nirvana é imensamente superior ao do Nirvana. Não

pretendo dar nenhum significado à afirmação, mas ela serve para demonstrar a que

reino transcendental de pensamento pertence o tema.

Grande é a confusão com relação ao Nirvana, surgindo isto das declarações

feitas sobre Buda. Diz-se que ele atingiu o Nirvana estando na Terra. Também se diz

que renunciou ao Nirvana, para submeter-se a novas encarnações em prol da

humanidade. Ambas as afirmações são conciliáveis. Como grande Adepto, Buda

atingiu aquilo que é a grande meta do Adeptado na Terra: a passagem de seu

Espírito-Ego ao estado infalível do Nirvana. Não se deve supor que qualquer Adepto

pode tentar facilmente essa passagem. Apenas pequenas alusões à natureza deste

grande mistério chegaram até mim mas, reunindo-as, creio estar certo ao dizer que a

proeza em questão é uma das que apenas alguns dos iniciados elevados estão
qualificados a tentar, pois exige uma total interrupção da animação do corpo, por

longos períodos de tempo, comparados com os quais os longos transes catalépticos

conhecidos da ciência comum são insignificantes; além disso, a defesa da forma

física contra a decadência natural, durante esse período, por meio dos recursos da

ciência oculta, é difícil de obter. Além disso, é um processo que envolve um duplo

risco para a continuidade da vida terrena da pessoa que a empreende. Um desses

riscos é a dúvida de que, uma vez alcançado o Nirvana, o Ego queira voltar. O

retorno será um esforço terrível e um sacrifício inevitável, e somente ocorrerá por um

sentimento de abnegação, por parte do viajante espiritual, à ideia do dever em sua

abstração mais pura. O segundo grande risco é que, supondo que o sentido do

dever prevaleça sobre a tentação de ficar - tentação, tenha-se presente, que não é

debilitada por noção alguma de que sobrevenha nenhum gênero de sanção —

mesmo assim, sempre é duvidoso que o viajante possa voltar. Apesar disso tudo,

houve muitos outros Adeptos, além de Buda, que constataram a grande passagem,

e de quem os que lhes rodearam nessas circunstâncias disseram que seu retomo à

prisão da carne ignóbil — embora nobre ex hypothesi, em comparação com a maior

parte dessas moradas — deixou-os paralisados em profunda depressão durante

semanas. Iniciar novamente a fatigante volta à vida física, curvar-se sobre a Terra

depois de ter estado no Nirvana, é um colapso demasiado medonho.

A renúncia de Buda foi de certo modo inexplicável, ainda maior, porque não

só voltou do Nirvana por bem do dever, a fim de terminar a vida terrena em que

havia se empenhado como Gautama Buda, mas quando todas as imposições do

dever tinham sido plenamente satisfeitas e seu direito de passar ao Nirvana, durante

incalculáveis evos, estava adquirido do ponto de vista mais alto de sua missão

terrena, renunciou a essa recompensa, ou, antes, a protelou por tempo indefinido
numa série de encarnações em prol da humanidade em geral. Como se tem

aproveitado a humanidade desta renúncia? — poder-se-á questionar. Mas a

pergunta só pode ser realmente sugerida por esse costume profundamente

arraigado, que á maior parte de nós adquiriu, de calcular o proveito por um tipo

físico, e mesmo com relação a este tipo, considerando os aspectos estritos dos

negócios humanos. Por tudo o que foi fundamentado no capítulo anterior sobre o

Progresso da Humanidade, não se deixará de perceber o gênero de proveito que

Buda queria conferir aos homens. O que necessariamente é, para ele, a grande

questão com relação à humanidade é o modo de ajudar o maior número possível de

pessoas a passar o grande período crítico da quinta Ronda.

Para um Adepto, até que chegue esse tempo, tudo é uma preparação à luta

suprema e, portanto, quanto mais deve sê-lo para um Buda. O bem-estar material da

geração existente não é nem sequer como meio grão de pó na balança de

semelhante cálculo. A única coisa importante, no presente, é nutrir as tendências,

que podem lançar o maior número de Egos possível numa senda kármica, onde o

desenvolvimento da espiritualidade em vidas futuras receberá maior impulso.

Certamente, é convicção arraigada dos instrutores esotéricos — os Adeptos

cooperadores de Buda — que o processo mesmo de nutrir essa espiritualidade

reduzirá enormemente a soma de sofrimento humano, mesmo o transitório. E a

felicidade da humanidade, embora seja em uma geração unicamente, não é de

forma alguma um assunto indiferente à ciência esotérica. Assim, a ação esotérica

não deve ser considerada como algo tão nas nuvens que jamais influa no que hoje

vivemos. Entretanto, há épocas para boa ou má colheita, para o trigo e para a

cevada, e assim também para o desejado desenvolvimento da espiritualidade entre

os homens. Na Europa, em todo caso, guiando-nos pela experiência de precedentes


grandes raças, em períodos de desenvolvimento correspondentes ao nosso atual,

não é provável que o presente impulso da inteligência na direção do progresso físico

e material traga uma época de boa colheita para o progresso de outro gênero. No

momento, a maior probabilidade de se fazer o bem nos países onde o referido

impulso é mais marcado, acredita-se, consiste na possibilidade de que a importância

da espiritualidade possa chegar a ser percebida pelo intelecto, mesmo antes de ser

sentida, se a atenção desse penetrante, embora pouco simpático tribunal, puder ser

assegurada. Qualquer êxito na direção a que conduzam estas explicações justificará

a opinião daqueles — uma minoria — dentre os guardiães esotéricos da

humanidade, que acreditaram que vale a pena realizá-lo.

Portanto, o Nirvana é a diretriz do Budismo Esotérico, assim como até agora o

foi para os mal-orientados estudos dos sábios ocidentais. O grande objetivo da

estupenda e total evolução da humanidade é cultivar as almas humanas, de modo

que ao final estejam aptas para aquele ainda inconcebível estado. O grande triunfo

da raça presente de espíritos planetários, que atingiu esse estado, será o de atrair

para si tantos Egos quanto possível. Estamos ainda longe da época em que possa

haver o perigo sério de se perder definitivamente toda qualificação para tal

progresso, mas já não é bastante cedo para iniciarmos grande processo de

qualificação, tanto mais que o karma que se propaga através de vidas sucessivas

nessa direção levará consigo sua recompensa. De modo que a consecução

esclarecida de nossos mais elevados interesses, num remoto futuro, coincidirá com

o perseguir nosso bem-estar imediato, no próximo período devachânico e na

seguinte reencarnação.

Acaso se argüira que se o cultivo da espiritualidade é o grande propósito a

que se deve perseguir, pouco importará que os homens o sigam numa ou noutra
senda religiosa. Isto é um equívoco ao qual, conforme se explicitou em capítulo

anterior, Buda, sob a personalidade de Sankaracharya, se dedicou especialmente a

combater — isto é, a primitiva crença hindu de que moksha fosse alcançada por

meio de bhatki, sem ter em conta o gnyanam. Vale dizer: a salvação pode ser obtida

por práticas de devoção, sem considerar o conhecimento da verdade eterna. A

espécie de salvação de que agora falamos não é livrar-se de um castigo bajulando

um potentado celestial. Sendo um cometimento positivo e não negativo, a ascensão

a regiões de elevação espiritual tão exaltada que o candidato a elas almeja, o que

descrevemos geralmente como onisciência. Trata-se de um plano em que, dado o

modo como usualmente atua na Natureza, sob qualquer circunstância, pode chegar

o momento em que uma pessoa, em virtude apenas de ter sido boa, se converta de

repente em sábio. A bondade e a sabedoria supremas do homem de sexta Ronda,

que tendo chegado nesse ponto, assimilará gradativamente os atributos da própria

divindade, só se podem desenvolver também por graus. A bondade sozinha,

associada, como muitas vezes está às crenças religiosas mais grotescas, conduz o

homem apenas a períodos devachânicos de êxtases devocionais, não inteligentes,

e, no final, se tais condições se reproduzem em muitas exisências, levá-lo-á a

alguma extinção sem dor da individualidade na grande crise.

O perseguir continuo da verdade espiritual e o desejo dela, e não a ociosa e

bondosa aquiescência aos dogmas, à moda da igreja mais próxima, é o meio de os

homens lançarem suas almas dentro do estado subjetivo, preparadas para assimilar

o conhecimento real da onisciência latente de seu sexto princípio, e reencarnar-se

em tempo oportuno com impulsos na mesma direção. Nada produz tão desastrosos

efeitos no progresso humano, no que respeita ao destino do indivíduo, como a

noção prevalecente de que uma religião, se for seguida com espírito piedoso, é tão
boa como outra qualquer, e que se tais e tais doutrinas são talvez absurdas, quando

consideradas a fundo, a maioria das pessoas boas jamais pensará no absurdo,

senão que as observarão numa atitude mental sem mácula. Uma religião não é de

modo algum tio boa como outra, mesmo quando todas sejam geradoras de vidas

igualmente boas. Mas prefiro evitar toda crítica de crenças específicas, deixando que

este livro seja uma simples e inofensiva manifestação das doutrinas internas

verdadeiras da grande religião do mundo que — apresentando efetivamente, em

seus aspectos externos, anais inocentes e sem sangue — produziu realmente vidas

sem mácula através de toda sua existência. De mais a mais, não é por uma

aceitação servil de suas doutrinas que o desenvolvimento da verdadeira

espiritualidade deva ser cultivado. O grande resultado será obtido pela tendência a

buscar a verdade, a comprovar e analisar tudo o que pretenda ser crença. No

Oriente, tal resolução, em sua mais alta expressão, conduz ao chelado, à

persecução da verdade, ao conhecimento pelo desenvolvimento das faculdades

internas, por meio das quais pode o chelado ser obtido com segurança. No

Ocidente, o reino do intelecto, tal como se apresenta atualmente no mapa do

mundo, a verdade infelizmente só pode ser perseguida e caçada com o auxílio de

muitas palavras, muitas polêmicas e disputas. Mas, de qualquer modo, pode ser

caçada e, se não é finalmente capturada, o ato de caçá-la engendra parte dos

caçadores, por instintos que se propagarão e produzirão resultados mais adiante.


11. O UNIVERSO

Em toda literatura oriental a respeito da formação do Cosmo há freqüentes

referências aos dias e às noites de Brahmã, às inspirações e expirações do princípio

criador, aos períodos do manvantara 17 e aos períodos do pralaya. Tal coisa

perpassa por várias mitologias orientais, mas não trataremos aqui de seu aspecto

simbólico. O processo da Natureza a que se refere constitui, por certo, a sucessão

alternada de atividade e repouso, que se observa a cada passo da grande escalada,

do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. O homem tem um manvantara e

17
A palavra manvantara ou manwantara, transliterada do sânscrito, significa literalmente "período entre dois
Afanas" (Manuantara). (N. T.)
um pralaya em cada 24 horas, isto é, seus períodos de vigília e de sono; a

vegetação segue a mesma regra de ano em ano, adormecendo e revivendo com as

estações. O mundo igualmente tem seus manvantaras e pralayas, quando a onda da

humanidade se aproxima de suas margens, decorre pela evolução de suas sete

raças e reflui de novo — tal manvantara foi tratado pela maior parte das religiões

exotéricas como o ciclo completo da eternidade.

O manvantara principal de nossa cadeia planetária é o que acaba quando o

último Dhyan Chohan da sétima Ronda da humanidade aperfeiçoada passa ao

Nirvana. Daí que a expressão deve ser considerada como bem elástica. Na verdade,

pode-se dizer que sua elasticidade é infinita, e isto explica a confusão que tem

imperado em todos os tratados acerca das religiões orientais, em seus aspectos

populares. Todas as palavras-raízes, transferidas à literatura popular da doutrina

secreta, têm ao menos um sêxtuplo sentido para o iniciado, enquanto o leitor não-

iniciado, supondo que uma palavra só significa uma coisa, e tratando sempre de

esclarecer seu sentido, pelo confronto de suas diferentes aplicações e sua média,

coloca-se numa embaraçosa perplexidade.

A cadeia planetária que nos diz respeito não é a única que tem o nosso Sol

como centro. Assim como há outros planetas além da Terra em nossa cadeia, do

mesmo modo há outras cadeias, além desta, em nosso sistema solar. Há sete delas

e há um tempo em que todas entram juntas no pralaya. A isto se denomina um

pralaya solar. No intervalo entre dois desses pralayas, o vasto manvantara solar

abrange sete prdayas e manvan-taras de nossa cadeia planetária e das outras. O

pensamento se embaralha, dizem até mesmo os Adeptos, ao especular quantos de

nossos pralayas solares devem ocorrer, antes de chegar a grande noite cósmica na

qual o Universo inteiro, em sua enorme coletividade, obedeça ao que


manifestamente é a lei universal de atividade e repouso, e com todas as suas

miríades de sistemas passe ao pralaya. Pois, segundo a ciência esotérica, esse

grandioso resultado tem de ocorrer.

Depois de um pralaya de uma única cadeia planetária, não é preciso um novo

começo da atividade evolucionária absolutamente de novo, havendo uma

reassunção da atividade interrompida. Os reinos vegetal e animal, que ao final do

último manvantara correspondente haviam alcançado unicamente um

desenvolvimento parcial, não são destruídos. Sua vida ou energia vital passa por

uma noite ou período de repouso. Também têm, por assim dizer, um Nirvana

próprio. E por que não haveriam de tê-lo essas entidades fetais e infantis? São

todas, como nós, geradas pelo elemento uno. Assim como nós temos nossos Dhyan

Chohans, do mesmo modo elas têm, em seus diversos reinos, guardiães elementais

e são em massa atendidas como o é a humanidade na sua. O elemento uno não só

preenche e é espaço, como também compenetra cada átomo da matéria cósmica.

Portanto, quando soa a hora do pralaya solar, embora o processo do avanço do

homem em sua sétima e última Ronda seja o mesmo de sempre, cada planeta, em

vez de passar simplesmente o visível ao invisível, cada vez que o abandona, é

aniquilado. Com o princípio do manvantara da sétima Ronda da sétima cadeia

planetária, cada reino, tendo chegado a seu último círculo, resta em cada planeta,

depois da saída do homem, simplesmente o Mâyâ das formas que existiram. A cada

passo que dá nos arcos descendente e ascendente, à medida que se desloca de um

globo a outro, o planeta que fica atrás converte-se num mero cascarrão vazio. Após

sua partida, vem a jornada das entidades de todos os reinos. Esperando passar a

formas elevadas no tempo oportuno, são, todavia, libertadas, e mesmo à época da

nova evolução permanecem no espaço em seu sono letárgico, até que são
chamadas de novo à vida no novo manvantara solar. Os antigos elementais

descansam até que são requeridos para ser, por sua vez, os corpos das entidades

minerais, vegetais e animais noutra cadeia de globos mais elevada, em seu caminho

para as entidades humanas, enquanto as entidades em germe das formas inferiores

— e então só sobrarão delas muito poucas — permanecerão suspensas no espaço

como gotas de água repentinamente congeladas. Eles degelarão ao primeiro sopro

de calor do novo manvantara solar e formarão a alma dos novos globos. O lento

desenvolvimento do reino vegetal, até o período a que nos referimos, terá sido

atendido pelo repouso interplanetário mais prolongado do homem. Quando advém o

pralaya solar, a totalidade da humanidade purificada se fundirá no Nirvana e, depois

deste Nirvana intersolar, nascerá em sistemas mais elevados. As cadeias de

mundos serão destruídas e se desvanecerão como sombras da parede quando se

extingue a luz. "Temos toda espécie de indicações —dizem os Adpetos — de que

nesse mesmo momento ocorre um pralaya solar semelhante, ao passo que há dois

menores que terminam em algum lugar."

No início do novo manvantara solar, os elementos até agora subjetivos dos

mundos materiais, espargidos então como poeira cósmica, recebendo impulso dos

novos Dhyan Chohans do novo sistema solar (pois os mais elevados do antigo terão

passado mais acima) formarão ondas primordiais de vida, e dividindo-se em centros

diferenciados de atividade, combinar-se-ão numa escala gradual de sete estados de

evolução. Como os outros mundos do espaço, nossa Terra tem que passar, antes de

atingir seu estado material último, por uma gama de sete estados de densidade.

Nada neste mundo nos fornece agora uma ideia de como seja o último estado de

materialidade. O astrônomo francês Flammarion, no livro La résur-rection et Ia fin

dês mondes, aproximou-se de um conceito dessa materialidade última. Os fatos são,


contam-me, com pequenas modificações, muito parecidos aos que ele supõe. Em

decorrência do que ele trata como esfriamento secular, mas que verdadeiramente é

velhice e perda de vitalidade, a solidificação e dissecação da Terra atinge, por fim,

um ponto em que o globo se converte num conglomerado solto. Seu período de

concepção passou. Sua progénie está toda criada. Seu tempo de vida acabou. Daí

que suas massas constitutivas deixam de obedecer às leis de coesão e agregação

que as mantêm unidas. Com isso, convertem-se num cadáver abandonado à obra

de destruição, deixando livre cada molécula que o forma, para separar-se do corpo e

obedecer ao impulso de novas influências. "A atração da Lua", sugere Flammarion,

"empreenderia a obra de demolição, gerando uma maré de partículas terrestres em

lugar de uma maré aquosa." Esta última ideia não deve ser tomada como aprovada

pela ciência oculta, exceto no que serve para exemplificar a perda da coesão

molecular na matéria da Terra.

A física oculta passa completamente à região da metafísica, se tratamos de

conseguir alguma indicação do modo como volta a começar a evolução depois de

um pralaya universal.

A coisa una eterna, imperecedoura no universo, que os pralayas universais

deixam sem destruir, pode ser considerada indiferentemente como espaço, duração,

matéria e movimento. Não como algo que tenha esses quatro atributos, mas como

algo que é estas quatro coisas ao mesmo tempo e para sempre. E a evolução

origina-se na polaridade atômica que gera o movimento. Na Cosmogonia, as forças

positiva e negativa, ou ativa e passiva, correspondem aos princípios masculino e

feminino. O fluxo espiritual penetra no véu da matéria cósmica. O princípio ativo é

atraído pelo passivo, e se nos é permitido aqui socorrer a imaginação, recorrendo à

simbologia oculta, a grande Nag, a serpente, emblema da eternidade, atrai sua


cauda à boca, formando assim o círculo da eternidade, ou melhor, círculos na

eternidade. O atributo uno e principal do princípio universal espiritual, como doador

de vida inconsciente, mas sempre ativo, é dilatar--se e espargir-se. O do princípio

material universal, é unir-se e fecundar-se. Inconscientes e inexistentes quando

separados, convertem-se em consciência e vida ao se unirem. A palavra Brahmã

provém da raiz sânscrita brih, dilatar, crescer ou frutificar, sendo na Cosmogonia

esotérica a força expansiva vivificadora da Natureza em sua eterna evolução.

Nenhuma expressão pôde contribuir mais para desencaminhar a mente humana na

especulação fundamental relativa à origem das coisas, do que a palavra "criação".

Fale-se da criação e estaremos continuamente nos chocando contra os fatos. Uma

vez que se tenha entendido que nosso planeta e nós mesmos somos criações, como

o é um iceberg, simplesmente estados de ser por um tempo dado — que sua

presente aparência, geológica ou antropológica, é passageira, sendo apenas um

estado concomitante daquele grau de evolução que se alcançou —, o caminho fica

preparado para melhor pensarmos. Então podemos ver o que significa o princípio ou

elemento uno e único no universo e podemos considerar este elemento como

andrógino. Do mesmo modo, também, a proclamação da Filosofia hindu de que

todas as coisas nada mais são do que Mâyâ — estados transitórios — exceto o

elemento uno que repousa durante os Maha-pralayas, as noites de Brahmã.

Talvez tenhamos nos aprofundado bastante no insondável mistério da grande

Causa Primeira. Não é paradoxo afirmar que, só em virtude de sua ignorância,

julgam os teólogos comuns saber tanto sobre Deus. E não é exagero afirmar que os

maravilhosamente dotados representantes da ciência oculta, cuja natureza mortal se

elevou e purificou tanto que suas percepções, alcançam outros mundos e outros

estados de existência, e que comungam diretamente com seres que se encontram


tão acima da humanidade ordinária quanto o homem o está sobre os insetos do

campo, não se ocupam nunca de nenhuma concepção que nem remotamente se

pareça ao Deus das Igrejas e das crenças. Dentro dos limites do sistema solar, o

Adepto mortal sabe, por conhecimento próprio, que todas as coisas se explicam pelo

funcionamento da lei na matéria, em suas diversas formas, e mais a influência

diretora e modificadora das mais altas inteligências associadas com o sistema solar,

os Dhyan Chohans, a humanidade aperfeiçoada do último manvantara precedente.

Os Dhyan Chohans ou Espíritos Planetários, sobre cuja natureza é inútil meditar até

que pelo menos possamos penetrar na natureza de nossa própria existência não

encarnada, comunicam aos mundos que se despertam no final de um pralaya de

uma cadeia planetária, tais impulsos, que a evolução os sente através de todo seu

progresso. Os limites da grande lei da Natureza restringem a sua ação. Eles não

podem dizer que exista o paraíso em todo o espaço, que os homens nasçam

sumamente sábios e bons. Não podem agir senão unicamente por meio do princípio

da evolução, e não podem negar a nenhum homem que se invista com a

potencialidade de desenvolver-se, convertendo-se por si em um Dhyan Chohan, até

o direito de praticar o mal, se o preferir ao bem. Nem tampouco pode impedir que,

uma vez feito, o mal produza sofrimento. A vida objetiva é o solo em que se plantam

os germes da vida e a existência espiritual (vale ter em conta que a expressão é

usada somente como contraste com a existência material grosseira), a flor que

finalmente está em viço. Mas o germe humano é algo mais do que a semente da flor.

Tem liberdade de escolha quanto a desenvolver-se para cima ou para baixo. A

planta não se desenvolveria se não pudesse dispor dessa liberdade. Esta é a

necessidade do mal. Porém, nos limites prescritos pela necessidade lógica, o Dhyan

Choan imprime as suas concepções sobre a onda evolucionária e compreende a


origem de tudo que contempla. Ao refletir desse modo sobre a grandeza da

evolução cíclica de que se ocupa a ciência esotérica, parece razoável adiar as

considerações relativas à origem do cosmos. O homem comum nesta vida, com

muitas vidas terrenas, certamente algumas centenas, por passar, e seus mais

importantes períodos entre as encarnações (mais importantes no que se relaciona à

duração e às perspectivas de felicidade ou de dor), também em perspectiva, pode na

verdade ocupar-se sabiamente, antes, de investigações com vistas a resultados

práticos, do que com as especulações nas quais praticamente não tem interesse

nenhum. Do ponto de vista de a especulação religiosa não se fundar em

conhecimento positivo algum fora desta vida, nada pode ser mais importante nem

mais altamente prático do que as conjecturas acerca dos atributos e prováveis

intenções do terrível Jeová pessoal, descrito como um tribunal onipotente, a cuja

presença é levada a alma depois da morte para ser julgada. Mas o conhecimento

científico das coisas espirituais faz do dia do juízo uma longínqua e confusa

perspectiva e ocupa o tempo que falta com toda espécie de atividades. Além disso,

demonstra à humanidade que, seguramente, por milhões e milhões de séculos, não

será chamada perante nenhum juiz, excetuado esse juiz que a tudo integra, o

Sétimo Princípio ou Espírito Universal, que existe em toda parte e que atuando na

matéria provoca a existência do próprio homem e do mundo em que vive, assim

como as situações futuras para as quais ele se encaminha. O Sétimo Princípio,

indefinível, incompreensível para nós no presente estado de esclarecimento é, com

certeza, o único Deus reconhecido pelo conhecimento esotérico, e toda

personificação deste é apenas simbólica.

Entretanto, em verdade, o conhecimento esotérico que, de um lado, dá vida e

realidade ao antigo simbolismo e, de outro, está em conflito com o dogma moderno,


nos demonstra quão longe de ser absolutamente fabulosas são até as noções mais

antropomórficas da Deidade, associadas pela tradição esotérica ao princípio do

mundo. O Espírito Planetário, realmente encarnado entre os homens na primeira

Ronda, era o protótipo da Deidade pessoal em todos os desdobramentos

subseguintes da idéia. O erro cometido pelas pessoas ignaras, ao tratar do assunto,

é simplesmente de grau. O Deus pessoal de um insignificante manvantara menor foi

tomado como criador do cosmos, um erro muito natural em gente obrigada a supor,

por não conhecer do destino humano sendo o que se inclui numa encarnação

objetiva, que tudo mais além era um futuro homogêneo espiritual. O Deus desta vida

é para eles o Deus de todas as vidas, mundos e épocas.

Confio que o leitor não me interprete mal, supondo que desejo dizer que a

ciência esotérica considera o Espírito Planetário da primeira Ronda como um deus.

Conforme afirmei, ele ocupa-se da obra da Natureza num espaço incomensurável,

de um passado incomensurável e através de um futuro todo incomensurável. O

enorme raio de tempo e de espaço em que opera nosso sistema solar é explorável

pelos Adeptos mortais da ciência esotérica. Dentro desses limites sabem tudo o que

acontece e como acontece, e sabem que tudo se explica pela vontade construtiva da

hoste coletiva dos Espíritos Planetários, atuando sob a lei da evolução, que penetra

toda a Natureza. Eles se comunicam com esses Espíritos Planetários e aprendem

deles que a lei deste sistema solar é também a lei de outros sistemas solares, em

cujas regiões se podem aprofundar as faculdades perceptivas dos Espíritos

Planetários, assim como as dos próprios Adeptos podem aprofundar a vida de outros

planetas desta cadeia. A lei de atividade e repouso alternados atua universalmente

para o cosmos todo, embora a intervalos inimagináveis, o pralaya sucede o

manvantara, e o manvantara, o pralaya,


Perguntará alguém: com que fim atua esta eterna sucessão? É melhor

delimitar a questão a um único sistema e perguntar com que fim a nebulosa original

divide-se em vórtices planetários de evolução, e desenvolve mundos nos quais o

espírito universal, reverberando através da matéria, produz a forma e a vida e esses

estados superiores da matéria, pertinentes ao que chamamos existência subjetiva ou

espiritual. Com certeza, constitui um objetivo suficiente para satisfazer qualquer

mente razoável que seres perfeitos e sublimes, tais como os Espíritos Planetários,

venham dessa forma à existência e vivam uma vida consciente de conhecimento e

felicidade supremos, através de perspectivas de tempo equivalentes a tudo o que

possamos imaginar da eternidade. A esta grandeza inefável tudo quanto vive tem a

oportunidade de atingir. O Espírito que está em toda forma animada e que passou a

estas, de formas que em geral chamamos inanimadas, progredirá lenta mas

seguramente para a frente, até que o funcionamento constante de sua influência na

matéria desenvolve uma alma humana. Não se conclui disto que as plantas e os

animais que nos circundam tenham já desenvolvido algum princípio capaz de tomar

a forma humana no curso do manvantara presente. Mas, mesmo quando o curso de

uma evolução incompleta possa ser suspenso por um período de repouso natural,

nem por isso é infrutífero. Toda mônada espiritual — de per si, um princípio

inconsciente e puro — atua através de formas conscientes em níveis inferiores, até

que estas, reproduzindo sucessivamente formas cada vez mais elevadas, chegam a

produzir aquela em que a consciência análoga à de Deus seja totalmente evocada.

Com certeza, não será por causa da grandeza de qualquer concepção humana

relativa ao objetivo adequado da existência no universo, que tal finalidade parecerá

um objetivo deficiente. Nem mesmo se o destino último do mesmo Espírito

Planetário, após períodos com relação aos quais seu desenvolvimento das formas
minerais de mundos primevos (como a infância, na reminiscência do homem), for

submergir sua individualidade gloriosa nessa soma total de toda consciência, que a

metafísica esotérica denomina consciência absoluta, que é a não-consciência. Estas

expressões paradoxais são simplesmente modos que representam idéias que a

mente humana não está apta a compreender, sendo tempo desperdiçado o porfiar

nelas.

As considerações precedentes fornecem a chave do Budismo Esotérico, uma

expressão mais direta da doutrina esotérica universal do que qualquer outra religião

popular. O esforço em sua construção foi fazer com que os homens amem a virtude

por si mesma e por seus bons efeitos em futuras encarnações, sem se sujeitar a

nenhum sistema sacerdotal ou dogma que aterrorize a sua imaginação com a

doutrina de um juiz pessoal esperando para julgar suas vidas por ocasião da morte.

Mr. Lillie, por admirável que tenha sido sua intenção e por muita simpatia que devote

à bela moralidade e aspiração do Budismo, engana-se ao deduzir, do ritual de seu

tem-pio, a noção de um Deus Pessoal. Semelhante concepção não entra na grande

doutrina esotérica da Natureza, da qual este livro deu um esboço incompleto. Como,

sequer, com referência às mais longínquas regiões da imensidade, além de nosso

sistema planetário, tolera o Adepto expoente da doutrina esotérica a adoção de uma

atitude agnóstica. Não lhe basta dizer: "Tão longe, como os sentidos elevados dos

espíritos planetários, cujo conhecimento se estende até aos extremos limites dos

céus estrelados, tão longe quanto sua visão pode estender-se, a Natureza é auto-

suficiente e, quanto ao que possa haver mais além, não temos hipótese alguma." O

que o Adepto diz efetivamente neste ponto é: "O universo é ilimitado e é uma

aberração do pensamento falar de hipótese relativa ao mais além do ilimitado, ao

outro lado dos limites do sem limites."


O que antecede a toda manifestação do universo, e estará mais além do

limite da manifestação, se tais limites pudessem algum dia ser encontrados, é o que

jaz no fundo do universo manifestado, dentro de nossa própria condição — a matéria

animada de movimento, seu Parabrahm ou Espírito. Matéria, espaço, movimento e

duração constituem a substância única e eterna do universo. Nenhuma outra coisa

absolutamente eterna existe. Este é o primeiro estado da matéria, incognoscível

pêlos sentidos físicos, os quais somente conhecem a matéria manifestada, outro

estado bem diferente. Mas mesmo quando, em certo sentido da palavra, for

materialista a doutrina secreta, como os leitores das explicações precedentes terão

percebido, há de parecer tanto com o conceito estreito e grosseiro da Natureza, a

que usualmente lhe confere o que se chama por Materialismo, como o Pólo Norte

dista do Pólo Sul. A doutrina desce até o Materialismo, por assim dizer, para vincular

seus métodos à lógica deste sistema, e sobe às regiões mais elevadas do Idealismo,

para abraçar e explicar as aspirações mais exaltadas do Espírito. Jamais se repetirá

demasiado e com máxima perseverança que se radica, na união da Ciência com a

Religião, a ponte por onde os mais perspicazes e prudentes perseguidores do

conhecimento experimental podem dar as mãos ao devoto mais entusiasta, e por

cujo meio também o mais entusiasta devoto pode voltar à Terra, sem deixar de estar

no Céu.
12. REVISÃO DA DOUTRINA

Só uma longa familiaridade com a doutrina esotérica pode proporcionar uma

visão completa do modo como ela se harmoniza com os fatos da Natureza, tais

como todos podemos observá-los. Mas algo se pode fazer para indicar as

correlações identificáveis entre todo o corpo de ensinamentos que se expôs e os

fenômenos do mundo que nos circunda.

Iniciando com as duas grandes perplexidades da filosofia comum — o conflito

entre o livre-arbítrio e a predestinação e a origem do mal — há de se reconhecer

certamente que o sistema da Natureza, agora apresentado, nos permite abordar

seus problemas com maior confiança do que jamais o foram até agora. Até hoje, os
pensadores mais prudentes foram os menos dispostos a asseverar que, com a ajuda

da metafísica ou da religião, se possa esclarecer o mistério do livre-arbítrio e da

predestinação. A tendência do pensamento foi a de relegar todo enigma à região do

incognoscível. E, parece estranho dizê-lo, isso foi feito voluntariamente por pessoas

que, nem por isso, se desagradaram em aceitar, como algo mais do que uma

hipótese provisória, doutrinas religiosas que assim continuam sem poder reconciliar-

se com algumas de suas mais evidentes conseqüências. A onisciência de um

Criador pessoal, abrangendo tanto o futuro como o passado, não deixa lugar para

que o homem possa exercer uma autoridade independente sobre seu próprio

destino, no que é absolutamente necessário deixá-lo exercer, para que o sistema de

castigo ou recompensa por seus atos na vida possa ser legitimado por outra coisa

que não uma injustiça das mais grotescas. Um grande filósofo inglês, encarando o

problema, declarou, em um famoso ensaio, que, em virtude dessas considerações,

era impossível que Deus fosse todo-bondade e todo-potência. As pessoas eram

livres para investi-lo logicamente com um ou outro desses atributos, mas não com os

dois ao mesmo tempo. O argumento foi tratado com o respeito devido à grande

reputação de seu autor e posto de lado com a discrição devida ao respeito pelas

doutrinas ortodoxas.

Mas a doutrina esotérica nos socorre nessa dificuldade. Em primeiro lugar,

considera insignificantes as dimensões deste mundo, se comparado com o universo.

Este é um fato da Natureza, que a Igreja cristã primitiva temeu com verdadeiro

instinto e combateu com a crueldade do tenor. A verdade foi negada e seus autores

torturados por muitos séculos. Por fim, sobreposta à própria autoridade das

negações papais, a Igreja recorreu ao "desesperado expediente", para citar a frase

de Mr. Rhys Davids, de pretender que isso não interessava.


A pretensão teve até agora mais êxito do que podiam esperar seus autores.

Temendo as descobertas da Astronomia, atribuíam ao mundo em geral uma lógica

de menos arrependimentos do que a lógica que por fim se mostraram inclinados a

utilizar. As pessoas prestaram-se, como regra geral, a fazer o que o Budismo

Esotérico não exige de nós, ou seja, guardar sua ciência e sua religião em

compartimentos estanques. Este princípio foi usado por tanto tempo e tão

completamente, até que afinal cessou de ser um argumento contra a credibilidade

de um dogma religioso, para destacar ser ele impossível. Mas quando fazemos uma

relação entre nossos receptáculos, até agora divididos, e pedimos que fiquem no

mesmo nível, não podemos deixar de ver como a insignificância da grandeza da

Terra diminui, em proporção correspondente ao plausível das teorias que nos

exigem pormenores de nossas próprias vidas como parte do depósito geral da

onisciência de um Criador universal. Ao contrário, não parece razoável que os seres

que habitam um dos menores planetas de um dos sóis de menores dimensões, no

oceano do universo, onde os sóis são como gotas de água no mar, fiquem isentos,

de algum modo, do princípio geral do governo pela lei. Mas este princípio não se

coaduna por capricho ao governo, que é uma condição essencial de uma

predestinação, como a que associa com o uso da palavra as discussões

convencionais dos problemas de que se trata. Pois cabe observar que a

predestinação, que está em conflito com o livre-arbítrio, não é a predestinação das

raças, mas a predestinação individual, associada às idéias de graça e cólera divinas.

A predestinação das raças, sob leis análogas àquelas que regem a tendência geral

de qualquer conjunto de acontecimentos independentes, é perfeitamente compatível

com o livre-arbítrio individual, e, desse modo, a doutrina esotérica reconcilia a tão

debatida contradição da Natureza. O homem rege seu próprio destino, nos limites
constitucionais, por assim dizer. É perfeitamente livre para usar seus direitos

naturais no que estes alcancem, e praticamente alcançam o infinito no tocante a ele,

a unidade individual. Mas a ação humana média, sob condições dadas e tendo em

conta vasta multiplicidade de unidades, resulta na infalível evolução dos ciclos que

constitui seu destino coletivo.

A predestinação individual pode, é verdade, ser afirmada não como um

dogma religioso relacionado à graça ou à ira divinas, mas, sim, com fundamentos

puramente metafísicos — vale dizer. Pode-se arguir que cada ser humano está, na

infância, fundamentalmente sujeito à mesma influência, por circunstâncias análogas,

que a vida de um adulto é, portanto, apenas o produto ou a impressão de todas as

circunstâncias que influíram nessa vida desde o início, de modo que, se essas

circunstâncias fossem conhecidas, o resultado moral e intelectual o seria também.

Nessa linha de raciocínio, pode-se deduzir que as circunstâncias da vida de cada

homem podem ser teoricamente conhecidas por uma inteligência suficientemente

penetrante. Que as tendências hereditárias, por exemplo, são apenas o produto de

circunstâncias antecedentes que entram num cômputo dado como perturbação,

porém que nem por isso deixam de ser menos calculáveis. Entretanto, essa dedução

não está menos em conflito direto com a consciência da humanidade do que o

dogma religioso da predestinação individual. O sentido do livre-arbítrio é um fator

que não se pode ignorar no processo, e o livre-arbítrio de que temos consciência

não é um mero impulso automático, como o puxão da perna da rã morta. O dogma

comum religioso e o argumento metafísico comum exigem de nós que o

consideremos sob esse aspecto. Mas a doutrina esotérica restitui-lhe a verdadeira

dignidade e nos demonstra a esfera de sua atividade, os limites de sua soberania. É

soberano sobre o curso da vida individual, mas impotente em presença da lei cíclica,
descoberta na história humana por um filósofo tão positivo como Draper — por curto

que seja o período em que tenha podido estender suas observações. E nem por isso

deixa essa areia movediça colateral de pensamento, que J. S. Mill distinguiu

paralelamente com as contradições da teologia — a grande questão de se a

especulação deve referir-se à hipótese de toda bondade e toda potência —

encontrar sua explicação no sistema ora exposto. Os grandes seres, a eflorescência

aperfeiçoada de uma humanidade anterior, que, embora longe de constituírem um

Deus supremo, reinam contudo de um modo divino sobre os destinos de nosso

mundo. Não são onipotentes. E, por serem grandes, acham-se restringidos em sua

ação por limites relativamente estreitos. Pareceria como se, quando a cena está, por

assim dizer, pronta de novo para outro drama da vida, pudessem ser introduzidas

algumas melhorias na ação, derivadas de sua própria experiência, no drama em que

eles estiveram interessados, porém que são apenas capazes de, quanto à

montagem principal da peça, repetir o que antes foi representado. Podem fazer em

grande escala o que faz um jardineiro com as dálias, em pequena escala: introduz

consideráveis melhorias na forma e cor, mas suas flores, por tratadas que sejam,

continuarão a ser dálias.

Pode-se perguntar de passagem: Não será significativo, corroborando o que

se aceita da doutrina esotérica, que as analogias naturais a apóiem em cada

momento? Assim como é embaixo, o é acima, escreveram os filósofos ocultos

antigos, sendo o microcosmos um reflexo do macrocosmos. Toda a Natureza

existente sob a esfera de nossa observação física comprova a regra, no que essa

área limitada apresenta como princípios. A estrutura dos animais inferiores reproduz-

se com alterações em animais superiores, e no Homem. As finas fibras da folha se

ramificam como os ramos de uma árvore,e o microscópio segue estas ramificações,


repetidas além do alcance do olho nu. As correntes turvas de águas pluviais

depositam "rochas sedimentares" nas poças que formam nos caminhos, do mesmo

modo que os rios o fazem nos lagos, e as imensas águas do mundo, no fundo dos

mares. A obra geológica de um pequeno lago e a de um oceano diferem tão-

somente em sua escala. A doutrina esotérica demonstra que também só diferem em

escala as leis mais sublimes da Natureza, em sua jurisdição sobre o homem e sobre

a família planetária. Assim como as crianças de cada geração são atendidas, na

infância, por seus pais e crescem para, por sua vez, atender a outra geração, do

mesmo modo ocorre na humanidade inteira dos grandes períodos manvantáricos: os

homens de uma geração desenvolvem-se para ser os Dhyan Chohans da próxima, e

nos últimos progressos do tempo cedem lugar a seus descendentes, passando eles

a estados superiores de existência.

A doutrina esotérica responde à questão da existência do mal de forma tão

decisiva como o faz quanto ao livre-arbítrio. Este assunto foi discutido no seu lugar,

no capítulo anterior sobre o Progresso da Humanidade. Mas a doutrina esotérica,

como se verá, enfrenta o grande problema, mais a fundo que por simples enunciado,

de como o livre-arbítrio humano, cujo desígnio da Natureza é elevar ao estado

Dhyan chohânico, deve ser, consoante esta hipótese, livre para desenvolver o

próprio mal, se quiser. Isto quanto ao princípio geral em questão, mas o modo como

atua pode ser percebido neste ensinamento, tão claro quanto o próprio princípio. Ele

atua por meio do karma físico, e não poderia agir de outro modo, exceto por uma

suspensão da lei invariável de que as causas .produzem efeitos. O homem objetivo

nascido no mundo físico é tanto uma criação da entidade que ultimamente o animara

quanto o homem subjetivo que, no ínterim, esteve vivendo na existência

devachânica. O mal que os homens fazem sobrevive a eles, no sentido mais literal
que o próprio Shakespeare atribuía a essas palavras. Há de se perguntar: como

pode a culpa moral, numa vida, fazer com que se nasça em outra cego ou aleijado,

em um período diferente da história do mundo, alguns milhões de anos mais tarde,

de pais com os quais não teve na vida anterior nenhum tipo de relação física? Mas a

dificuldade explica-se, segundo o modo de agir das afinidades, mais fácil do que se

poderia imaginar à primeira vista. A criança cega ou inválida, quanto à sua forma

física, pode ter sido a potencialidade, antes que produto de circunstâncias locais.

Porém, não teria vindo à existência, amenos que houvesse uma mônada espiritual

que insistisse pela encarnação, levando consigo o quinto princípio (o que é

permanente num quinto princípio) adaptado justamente por seu karma para habitar

naquele corpo potencial. Dadas essas circunstâncias, a criança imperfeitamente

organizada é concebida e lançada ao mundo para ser uma causa de perturbação,

para si e para os outros — um efeito convertendo-se, por sua vez, em causa — e um

enigma vivente para filósofos que cuidam de explicar a origem do mal.

A mesma explicação é atribuível, com as devidas modificações, a toda uma

vasta série de casos, que pode ser citada para ilustrar o problema do mal no mundo.

Incidentalmente acarreta consigo uma questão relacionada com o funcionamento da

lei kármica, que não pode ser chamada dificuldade, desde o momento em que a

resposta é provavelmente sugerida pelo caráter da própria doutrina, mas nem por

isso menos digna de ser citada. A assimilação seletiva, por parte dos espíritos

carregados de karma, a uma paternidade correspondente a suas necessidades ou

méritos, é a explicação óbvia que reconcilia o renascimento com o atavismo e a

herança. A criança nascida parece que reproduz as peculiaridades dos pais ou

antecessores, bem como sua parecença física, e o fato sugere a noção de que sua

alma é um rebrotar da árvore da família, como sua forma física. É desnecessário


alongar-nos aqui sobre as múltiplas dificuldades que rodeariam aquela teoria, se

tivéssemos a extravagância de supor que uma alma assim, lançada como faísca de

uma bigorna, sem nenhum passado espiritual atrás de si, possa ter um futuro diante

dela. A alma, que desse modo seria apenas uma função do corpo, terminaria com a

dissolução daquilo de que se originou. Seja como for, a doutrina esotérica, quanto

aos caracteres transmitidos, oferece uma completa explicação do fenômeno, do

mesmo modo que se refere a outros da vida humana. A família na qual a criança

nasce representa, ao espírito reencarnado, o que um novo planeta o é para toda a

onda humana numa Ronda ao longo da cadeia manvantárica. Foi construído por um

processo de evolução funcionando numa Unha transversal à da aproximação da

humanidade. E está apto para que a humanidade o habite, quando chegar o tempo

devido. O mesmo acontece com o espírito reencarnado: arremessa-se para o mundo

objetivo ao estarem esgotadas as influências que o prendiam ao estado

devachânico. Toca, por assim dizer, a mola da Natureza, provocando o

desenvolvimento de uma criança, que sem tal impulso seria meramente uma

potencialidade, não um desenvolvimento verdadeiro, mas em cuja paternidade

encontra — inconscientemente, por meio da cega operação de suas afinidades - as

condições exatas da nova vida, para a qual ela mesma se preparou na vida pretérita.

Não devemos esquecer a presença de exceções em todas as grandes regras

da Natureza. No presente caso, às vezes ocorre que um simples acidente cause um

dano à criança ao nascer. Assim é que um espírito cujo karma não mereceu de

modo nenhum aquele castigo, pode adquirir uma forma aleijada, e o mesmo aplica-

se em relação com uma grande variedade de acidentes. Mas sobre estes, tudo o

que cabe dizer é que a Natureza não está tolhida por seus acidentes. Ela dispõe de

muito tempo para repará-los. Os sofrimentos não merecidos numa vida são
amplamente compensados pelo funcionamento da lei kármica na seguinte, ou pela

seguinte. Há o tempo necessário para que a compensação aconteça, e os Adeptos

declaram, conforme creio, que, na verdade, os sofrimentos não merecidos atuam, no

final das contas, como uma sorte feliz, mais do que de outro modo, provindo isto da

observação puramente científica dos fatos, de uma doutrina, que a religião usou

benevolentemente algumas vezes mais para o consolo dos aflitos.

Já a doutrina esotérica, quando oferece, neste sentido, uma inesperada

solução dos fenômenos da vida que causam maior perplexidade, não o faz às custas

de sacrifício, em qualquer sentido dos atributos que podemos sinceramente esperar

de uma verdadeira ciência religiosa. O que primeiro temos em favor desse sistema é

que não permite nenhuma injustiça, quer no sentido de dano feito sem merecimento,

quer nos benefícios concedidos aos que não os merecem. E a justiça desse

funcionamento deve ser discernida tanto nas grandes coisas como nas pequenas. A

máxima jurídica de minimis non curat lex 18 contém um meio de fuga à falibilidade

humana das conseqüências de suas próprias imperfeições. Nem em Química, nem

em Mecânica, existe nada semelhante à indiferença para as coisas pequenas. A

Natureza, em suas operações físicas, reage às pequenas causas com tanta certeza

quanto às grandes e podemos nos sentir instintivamente seguros de que também

ela, em suas ações espirituais, não tem o mau hábito de tratar as ninharias como

coisas sem conseqüência, de ignorar pequenas dívidas em recompensa por pagar

as grandes, tal como um comerciante de duvidosa integridade que se satisfaz a

honrar compromissos que não são suficientemente sérios para que seu cumprimento

seja imposto pela lei. Ora, os atos de menor importância da vida, bons ou maus, são

necessariamente ignorados sob qualquer sistema que formula a questão final em

18
Isto é: o pretor não se ocupa de coisas mínimas. (N.T.)
perspectiva, como admissão ou exclusão de uma condição uniforme, ou

aproximadamente uniforme, de bem-aventurança. Nem mesmo quanto ao mérito ou

demérito que unicamente se relacionam como conseqüências espirituais, nenhuma

resposta exata pode dar a Natureza, exceto por meio daquele estado de existência

espiritual infinitamente graduado, descrito pela doutrina esotérica como o estado

devachânico. Mas a complexidade que se apresenta diante de nós é mais séria do

que a que se pode encontrar nos vários estados da existência devachânica. Nenhum

sistema de conseqüências que siga a humanidade, após a vida ora em observação,

pode ser reconhecido como adaptado cientificamente às circunstâncias imprevistas,

a menos que responda ao senso de justiça relativo aos múltiplos atos e costumes da

vida em geral, inclusive àqueles que meramente se referem à existência física e não

estão bastante caracterizados pelo justo ou injusto.

Pois bem, apenas retomando a existência física, é como se pode conceber

que as pessoas consigam, com todo rigor, os resultados das menores causas que

tenham produzido na última vida objetiva. Assim, após um cuidadoso exame do

assunto — bem pouco atraente para os estudantes do Budismo até agora em seu

aspecto exotérico, o que não é de estranhar — se verá que a lei kármica não só se

reconcilia por si mesma com o senso de justiça, mas constitui o único método

imaginável de ação natural que pode testá-lo. Tendo sido compreendida, a

individualidade continua atuando, através de sucessivos renascimentos kármicos, e

tendo presente a correspondente cadeia de existências espirituais intercaladas entre

cada um dos nascimentos, não é de modo algum alterada a simetria requintada de

todo o sistema por aquela característica que, à primeira vista, parece exposta à

crítica — os banhos sucessivos nas águas do esquecimento, pelas quais deve

passar o espírito reencarnado. Pelo contrário, aquele esquecimento é na verdade a


única condição em que a vida objetiva pode ser iniciada completamente de novo.

Poucas vidas terrenas são livres de sombras, cuja reminiscência obscureceria uma

renovada fase de vida da personalidade. E se se alega que o esquecimento

completo de cada uma das últimas vidas envolve desperdício de experiência,

esforço e aquisições intelectuais penosa e laboriosamente obtidas, essa objeção

pode unicamente provir do esquecimento da vida devachânica, na qual, longe de

serem dissipados tais esforços e aquisições, eles constituem as sementes das quais

brotará toda a magnífica colheita de resultados espirituais. Da mesma forma, quanto

mais tempo a doutrina esotérica ocupar a inteligência, tanto mais claramente se verá

que cada uma das objeções feitas contra ela depara-se com uma réplica pronta, e

que somente parece objeção do ângulo do conhecimento incompleto.

Ao passarmos das considerações abstratas a outras em parte entrelaçadas

com assuntos práticos, comparemos a doutrina esotérica com os fatos da Natureza

observáveis em vários sentidos, com o fito de comprovarmos diretamente seus

ensinamentos. Uma ciência espiritual que previu felizmente a verdade absoluta deve

ajustar-se aos fatos da Terra, sempre que se depare com eles. Um dogma religioso

em flagrante oposição com o que é uma verdade manifesta, para a Geologia e para

a Astronomia, pode encontrar Igrejas e congregações que se satisfaçam em

sustentá-lo, porém não é digno de séria consideração filosófica. Como concorda,

pois, a doutrina esotérica com a Geologia e a Astronomia?

Não é nenhum exagero afirmar que a doutrina esotérica consiste no único

sistema religioso que se funde facilmente com as verdades físicas, descobertas pela

pesquisa moderna naqueles ramos da ciência. Não só se identifica com elas, no

sentido de tolerar a hipótese nebular e a estratificação das rochas, porém que, por

assim dizer, se atira nos braços desses fatos e em nada pode prescindir deles.
Tampouco deixa de considerar os descobrimentos da Biologia moderna, e, como é

um sistema que se recomenda por si mesmo, numa época científica, sequer pode

dispensar as últimas aquisições da Geografia física.

A estratificação da crosta terrestre é certamente um registro claro e visível de

cataclismos inter-raciais. A Física vai perdendo os hábitos de timidez que a insolente

opressão do fanatismo religioso, de quinze séculos, produziu, mas ainda se mostra

um pouco esquiva em suas relações com o dogma, por mera força do costume.

Neste sentido a Geologia se contentou em afirmar que tais e tais continentes, como

suas bacias marítimas testemunham, devem ter submergido e emergido, mais de

uma vez, sob e sobre a superfície do oceano. Não se acostumou ainda à livre

aplicação de seus próprios subsídios à especulação que invade o território religioso.

Mas, com certeza, se fosse exigido que a Geologia interpretasse todos seus fatos na

forma de uma história consistente da Terra, suscitando as hipóteses mais plausíveis

que pudesse forjar para preencher lacunas em seus conhecimentos, ela construiria

uma história da humanidade que não seria diferente, nos traços gerais, do que foi

esboçado no capítulo precedente sobre os Grandes Períodos do Mundo. E, quanto

mais progridam as descobertas geológicas, no-lo dizem os instrutores esotéricos,

tanto mais íntimas serão reconhecidas as correlações entre a doutrina e os vestígios

ósseos do passado. Já vemos peritos do Challenger dando testemunho da

existência da Atlântida, embora o tema pertença a um gênero de problemas

geralmente pouco atraentes para o mundo científico. Assim é que as considerações

em prol do continente perdido não são ainda apreciadas, de modo geral. Geólogos

pensadores se mostram bastante dispostos a reconhecer que, com relação às forças

formadoras da Terra, o período compreendido na série dos vestígios históricos pode

ser um período de inércia relativa e de lenta mudança. E que as metamorfoses


devidas a cataclismos podem ter-se agregado, nas primeiras eras, às ocasionadas

por afundamentos, levantamentos e fragmentações graduais. Um passo ou dois

separa isso do reconhecimento, como fato, daquilo que ninguém acharia criticável

como hipótese, ou seja, as grandes submersões ou levantamentos continentais que

ocorrem alternadamente. O mapa completo do mundo toma ocasionalmente formas

novas, nos moldes, como os fragmentos de cores dos quadros de um caleidoscópio

caem formando novas combinações, como também está sujeito a mudanças

sistematicamente intermitentes, que restabelecem as primeiras disposições a

enormes intervalos de tempo.

Seja como for, estando ainda por vir mais descobrimentos, se irá admitir,

talvez, que possuímos uma massa de conhecimentos geológicos suficiente para

reforçar a Cosmogonia da doutrina esotérica. O fato de que a doutrina tenha sido

mantida longe do mundo em geral, por tanto tempo, como precisou desse

conhecimento para achar pavimentado o caminho a sua entrada, dificilmente será

considerado indiscreto por parte de seus guardiães. Se a geração atual concederá

ou não importância suficiente às correlações da doutrina com o que foi descoberto

na Natureza por outros meios, está por se ver.

Essas correlações podem, naturalmente, ser encontradas de modo decisivo

tanto na Biologia quanto na Geologia. A ampla teoria de Darwin a respeito da

descendência do homem do reino animal não é o único fundamento proporcionado,

por essa divisão da ciência, à doutrina esotérica. As observações minuciosas, na

atualidade, constatadas na Embriologia, são especialmente interessantes pela luz

que lançam em mais de uma seção desta doutrina. Assim é que a verdade, hoje

familiar, de que as fases sucessivas do desenvolvimento humano pré-natal

correspondem a progressos da evolução humana, através de diferentes formas da


vida animal, representa nada menos que uma revelação em suas conseqüências

analógicas. Não se cinge a fortalecer a hipótese evolucionária, mas ilustra

notavelmente o modo como a Natureza atua na evolução das novas raças de

homens, no princípio dos grandes períodos de Ronda. Quando uma criança tem de

ser desenvolvida de um germe, de constituição tão simples, que é a menos típica do

reino animal — e até menos que do vegetal — que do mineral, a escala familiar da

evolução é percorrida, por assim dizer, rapidamente. Os conceitos de progresso, que

necessitaram séculos incontáveis para ser externados pela primeira vez, na forma

de uma cadeia sem solução de continuidade, estão para sempre firmemente

alojados na memória da Natureza, e podem, portanto, ser rapidamente lembrados,

em poucos meses, por sua ordem. O mesmo ocorre com a evolução da humanidade

em cada um dos planetas, à medida que avança a onda da maré humana. Na

primeira Ronda, o processo é bem lento, e quase não avança. As próprias idéias de

Natureza estão sujeitas à evolução. Mas quando o processo ocorreu uma vez, pode

ser rapidamente repetido. Nas últimas Rondas, o impulso de vida percorre a escala

da evolução com uma facilidade só concebível pela ajuda do esclarecimento

proporcionado pela Embriologia. Esta é a explicação do modo como o caráter de

cada uma das Rondas difere das que lhe antecederam. O trabalho evolucionário

ocorrido uma vez é logo repetido. Então, a Ronda executa sua própria evolução com

uma rapidez bem diferente, assim como a criança que, ao atingir a perfeição do tipo

humano, verifica seu próprio crescimento individual lentamente, na proporção dos

primitivos estados de seu desenvolvimento inicial.

Não se exija de mim nenhuma comparação perfeita do Budismo Exotérico

com os aspectos da Natureza que até agora foram expostos, de modo sucinto, como

verdade, mas bastante compreensível somente para dar ao leitor uma visão geral do
sistema em toda sua grandeza. Com o auxílio das informações ora comunicadas, os

estudantes de Budismo estarão mais capazes de aplicar, aos enigmas que a

Natureza pode conter, as chaves de sua significação. Os hiatos existentes nos anais

públicos dos ensinamentos budistas agora são facilmente preenchidos, e com

clareza se verá a razão de sua existência. Na obra de Mr. Rhys Davids, por

exemplo, deparo o seguinte: "O Budismo não tenta resolver o problema da origem

primária de todas as coisas", e, citando o Manual do Budismo, de Hardy, diz:

"Quando Malunka perguntou a Buda se a existência do mundo era ou não eterna,

não recebeu resposta, mas a causa do silêncio era que o Mestre considerava a

pergunta sem proveito." Na verdade, o assunto foi expressamente deixado de lado

porque não podia ser resolvido com um simples sim ou não, sem colocar o

indagador numa pista falsa; pois, para colocá-lo na verdadeira pista, seria

necessária uma exposição completa de toda a doutrina a respeito da evolução da

cadeia planetária, para a qual a comunidade com que Buda se relacionava não

estava ainda intelectualmente madura. Mas, querer inferir de seu silêncio que

tomava a pergunta como sem nenhum proveito, é um equívoco, em que é natural

que se tenha caído, dada a inexistência de conhecimentos colaterais, pois na

verdade nada pode ser mais completo. Nenhum dos sistemas que publicamente

trataram do problema a respeito da origem de todas as coisas fez mais, como até

agora foi visto, do que roçar a superfície daquela especulação, comparativamente às

pesquisas completas da ciência esotérica da qual foi Buda um expositor eminente,

como foi um proeminente instrutor moral para o povo.

As conclusões positivas sobre o que o Budismo ensinou — cuidadosamente

elaboradas — não foram divulgadas com menor cuidado por Mr. Rhys Davids que a

conclusão negativa já citada. Era inevitável que todas essas conclusões fossem
imprecisas até hoje. Cito um exemplo, não para diminuir o estudo cuidadoso de que

foi fruto, mas para mostrar como a luz, agora difundida por todo o assunto, penetra

cada fresta, expondo todos os fatos sob nova luz.

"O Budismo considera como última verdade a existência do mundo material e

seres conscientes vivendo nele. Sustenta que todas as coisas estão sujeitas à lei da

causa e efeito e que todas elas estão constante embora imperceptivelmente

mudando. Não há lugar em que esta lei não funcione; portanto, não existe nem céu,

nem inferno, no sentido corrente da palavra. Existem mundos onde vivem anjos, cuja

existência é mais ou menos material conforme a maior ou menor santidade de suas

vidas anteriores; mas os anjos morrem, e os mundos nos quais moram deixam de

existir. Há lugares de tormento onde as más ações, dos homens ou dos anjos,

originam seres desgraçados; mas quando o ativo poder do mal que os gerou se

esgota, se desvanecem. Os mundos por eles habitados não são eternos. Todo o

cosmos — Terra, céus e infernos — tende sempre à renovação ou destruição, está

sempre em processo de mudança, é formado de uma série de revoluções ou ciclos,

cujo princípio e fim são igualmente incognoscíveis e desconhecidos. Nesta lei

universal de composição e de dissolução, os homens e os deuses não constituem

exceção. A unidade de forças que forma um ser sensível, deve mais tarde ou mais

cedo ser dissolvida, e somente por ignorância e ilusão esse ser sonha que é uma

entidade separada e existente por si mesma."

Pois bem, este parágrafo serve de exemplo para demonstrar como as noções

populares da filosofia budista se distanciam de todas as luzes da verdadeira filosofia

esotérica. Certamente, esta filosofia não vê no universo, assim como tampouco na

crença de qualquer ilustre pensador asiático ou europeu, os imutáveis céus e

infernos da lenda monacal. Mas, "os mundos onde os anjos vivem" e assim por
diante — os níveis do estado devachânico vividamente reais, embora subjetivos —

estão efetivamente na Natureza. O mesmo sucede com todas as outras concepções

populares budistas que passamos em revista. Porém, em sua forma popular são

caricaturas muito próximas às concepções correspondentes da ciência esotérica.

Assim, a noção de que a individualidade é uma ilusão e que a dissolução final do ser

sensível como essa ilusão é perfeitamente ininteligível, sem necessitar explicações

mais completas a respeito dos múltiplos evos de vida individual em condições de

exaltação espiritual, ainda para nós inconcebíveis, mas sempre progressivas, que

precedem aquela inimaginável e re mota emergência no estado não-individualizado.

Este estado deve estar em alguma parte do futuro, mas é de tal natureza que

nenhum filósofo, o não-iniciado pelo menos, concebeu ainda a respeito dele sequer

o mais fraco vislumbre de suposição. O mesmo que ocorreu quanto ao Nirvana,

ocorreu com a ilusão da individualidade. Os escritores que se ocuparam da doutrina

budista, derivada de fontes exotéricas, ficaram perplexos, do modo mais lamentável,

perante alguns dos remotos elementos da grande doutrina, sob a impressão de que

se tratavam de opiniões budistas relativas a estados que acontecem imediatamente

a esta vida. A declaração, colocada fora de seu contexto no corpo geral da doutrina,

constitui quase um absurdo, não só porque não se pode considerar um insulto ao

entendimento, mas porque será sentida como verdade sublime ao admitir seu devido

lugar na relação com outras verdades. A emergência fina do perfeito Homem-deus

ou Dhyan Chohan, na absoluta consciência do Paranirvana, não tem nada a ver,

permitam-me aduzir, com a "heresia da individualidade", que se relaciona às

personalidades físicas. Sobre esse assunto voltarei a tratar mais adiante.

Mr. Rhys Davids afirma, com bastante razão, com referência ao resumo da

doutrina budista, antes citada: "Tais ensinamentos não são, de modo algum,
peculiaridades do Budismo, pois idéias semelhantes estão no fundamento das

filosofias indianas primitivas." (Certamente, pelo fato de que o Budismo, quanto à

doutrina, é a filosofia indiana primitiva.) "De fato, podem-se encontrar tais

ensinamentos em outros sistemas bem distintos em tempo e lugar. O Budismo, ao

se relacionar com a verdade neles contida, podia ter-lhes atribuído uma expressão

mais definitiva, se não se tivesse apropriado também da crença referente à curiosa

doutrina da transmigração, doutrina essa que parece ter originado

independentemente, se não simultaneamente, no vale do Ganges e no vale do Nilo.

A palavra transmigração foi utilizada em diferentes épocas e lugares, para teorias

diferentes, na verdade muito diferentes. E o Budismo, ao adotar a idéia geral do

Bramanismo pós-védico, modificou-a de tal modo que chegou a formar,

efetivamente, uma nova hipótese. Tanto a hipótese nova como a velha referem-se à

vida, em nascimentos passados e futuros, e em nada contribuíram para a renovação

aqui, nesta vida, do mal que supunham explicar."

Este livro terá desfeito as interpretações errôneas sobre as quais se apóiam

essas observações. O Budismo não crê em nada que se assemelhe à passagem

para trás e para a frente nas formas animais e humanas, que é o que muita gente

concebe como sendo o princípio da transmigração. A transmigração do Budismo é a

transmigração da teoria evolucionista de Darwin, cientificamente desenvolvida, ou

antes completamente explorada em ambas as direções. Os escritos budistas contêm

alusões a nascimentos anteriores, nos quais o próprio Buda era, às vezes, animal e,

outras, outra espécie. Mas eles se referem ao curso remoto da evolução pré-humana

da qual sua visão aberta lhes proporcionava uma visão retrospectiva. Jamais se

encontrará, em qualquer escrito budista, nada que defenda a noção de que qualquer

criatura humana, tendo alcançado a humanidade, retroceda ao reino animal. Além


disso, enquanto nada, em verdade, seria tão ineficaz como explicação da origem do

mal, como a caricatura da transmigração que esse retrocesso implica. Os

renascimentos dos Egos humanos na existência objetiva, unidos na operação do

karma físico e as funções inevitáveis do livre-arbítrio, nos limites de suas

prerrogativas, explicam a origem do mal, de um modo cabal e decisivo. Tendo por

objeto o esforço da Natureza em uma nova colheita de Dhyan Chohans, cada vez

que se desenvolve um sistema planetário, o desenvolvimento incidental do mal

transitório é uma conseqüência inevitável sob a ação das forças ou processos

mencionados, estados que por sua vez são inevitáveis no gigantesco processo

empreendido.

Ao mesmo tempo, se o leitor quiser tornar agora o livro de Mr. Davids e

examinar o longo parágrafo desse assunto e a respeito das skandhas, há de se

convencer da inútil tentativa de deduzir qualquer teoria racional, a respeito da origem

do mal, dos materiais exotéricos nele empregados. Nem seria possível para esses

subsídios sugerir a verdadeira explicação do trecho do Brahmajala sutra citado logo

após:

"Depois de fazer ver como se originou a crença infundada na eterna

existência de Deus ou de deuses, passa Gautama a discutir a questão da alma e

indica 32 crenças relativas a ela, que considera errôneas. Estas são resumidamente

como segue: 'Em que princípio ou sobre que terreno sustentam estes mendicantes

ou brâmanes a doutrina da existência futura? Ensinam que a alma é material ou

imaterial, ou que é ambas as coisas ou nenhuma delas; que terá um ou muitos

modos de consciência; que suas percepções serão poucas ou ilimitadas; que

permanecerá em um estado de gozo ou de miséria, ou nem em um nem em outro.

Estas são as dezesseis heresias que ensinam uma existência consciente depois da
morte. Existem mais oito heresias que ensinam que a alma material ou imaterial, ou

ambas ou nenhuma das duas, finita ou infinita, ambas as coisas ou nenhuma delas,

possui uma existência inconsciente depois da morte. E finalmente outras oito que

ensinam que a alma, em seus oito sistemas correspondentes, existe após a morte

em um estado nem consciente, nem inconsciente. Mendicantes — conclui o sermão

—, aquilo que liga o Mestre à existência (isto é, tanha, sede) foi cortado, mas seu

corpo ainda fica. Enquanto seu corpo permanece, será visto por deuses e homens,

mas depois de acabada a vida, depois da dissolução do corpo, nem deuses, nem

homens o verão.' Seria possível negar, de forma mais cabal e categórica, que existe

a alma — algo, seja o que for, que continua existindo de alguma forma depois da

morte?"

Com efeito, para os estudantes exotéricos, esse trecho parecerá em flagrante

contradição com os ensinamentos do Budismo, que se referem às sucessivas

passagens da mesma individualidade através de várias encarnações, o que em

outra linha de pensamento talvez assuma a existência de uma alma transmissível,

com tanta clareza, como a nega a passagem citada. Sem compreender os sete

princípios do homem, não é possível reconciliar diferentes opiniões sobre os

diversos aspectos desta questão da imortalidade. Mas a chave agora oferecida

deixa a aparente contradição livre de toda dificuldade. No trecho anteriormente

citado, Buda está tratando da personalidade astral, enquanto a imortalidade

reconhecida pela doutrina esotérica é a da individualidade espiritual. À explicação foi

cabalmente dada no capítulo que trata do Devachan e nos parágrafos citados ali do

Catecismo budista, do Coronel Olcott. Desde que alguns fragmentos da grande

revelação, que este volume contém, foram publicados nos dois últimos anos, na

Theosophist, a importante distinção entre personalidade e individualidade, tal como


se aplica à questão da imortalidade humana, foi estabelecida de forma inteligível.

Mas ocorrem referências, nos anteriores escritos ocultos, que se podem agora

invocar como prova do fato de que os escritores antigos estavam inteiramente

cientes da própria doutrina. Reportando-nos ao mais recente dos livros ocultos, nos

quais ainda subsiste o véu da obscuridade ocultando a doutrina à observação

superficial, embora em alguns trechos esteja vazado de tal modo que quase fica

transparente, podemos tomar qualquer um, dentre uma dúzia de parágrafos, para

elucidar o ponto que visamos. Aqui está um:

"Os filósofos que explicaram a queda na geração, a seu modo, consideram o

espírito como algo completamente diferente da alma. Admitiam sua presença na

cápsula astral somente quanto às emanações ou raios espirituais do

'resplandecente'. O homem e a alma tinham que conquistar sua imortalidade subindo

para a unidade, com a qual, no caso de sucesso, se uniam afinal e eram absorvidos,

por assim dizer. A individualização do homem após a morte depende do espírito, não

de seu corpo e alma. Se bem que a palavra 'personalidade', no sentido que

geralmente é entendida, é um absurdo, se for aplicada literalmente à nossa essência

imortal. Entretanto, esta essência constitui uma entidade distinta, imortal e eterna de

per si mesmo até no caso de criminosos sem redenção, quando o reluzente fio que

une o espírito à alma, a partir do nascimento de uma criança, é violentamente

rompido e fica a entidade desencarnada abandonada a compartilhar do destino dos

animais inferiores, ou a dissolver-se no éter e a sofrer a aniquilação de sua

individualidade — ainda assim o espírito permanece sem ser distinto 19 ."

Ninguém poderá ler isto ou qualquer outro trecho do capítulo donde foi

extraído, sem perceber, à luz das explicações dadas no presente volume, que a

19
Isis Unveiled, volume I, p. 315
doutrina esotérica era completamente familiar ao autor — por mais que tenha sido

eu quem recebeu o privilégio de expô-la pela primeira vez, numa linguagem clara e

inequívoca.

É preciso algum esforço mental para diferenciar personalidade de

individualidade, mas a ânsia pela continuidade da existência pessoal — pois a

reminiscência completa que sempre se tem daquelas circunstâncias transitórias de

nossa presente vida física constituem a personalidade — é claramente nada mais do

que uma passageira fraqueza da carne. Para muita gente não será razoável dizer

que qualquer pessoa vivente hoje, com suas lembranças limitadas pêlos anos de

sua infância, é o mesmo indivíduo que qualquer um de diferente nacionalidade e

época, que viveu há milhares de anos, ou mesmo que reaparecerá, após um lapso

de tempo ou sob condições futuras inteiramente novas. Mas o sentimento do "eu sou

eu" é o mesmo através das três vidas, assim como através de centenas delas;

porque esse sentimento está mais profundamente arraigado do que aquele que

expressa "eu sou John Smith, de tal altura, com tal peso, com tais e tais

propriedades e relações". Será inconcebível que — como noção mental — John

Smith, herdeiro do dom de Tithonus, possa mudar seu nome de tempos em tempos,

vindo a casar-se talvez em cada nova geração perdendo uma propriedade aqui,

adquirindo outra ali, e se interessando, à medida que transcorre o tempo, por uma

variedade de diferentes empresas; e será inconcebível — repito — que tal pessoa

assim se esqueça, em poucos milhares de anos, de todas as circunstâncias

relacionadas à vida presente de John Smith, como se os incidentes dessa vida não

houvessem nunca ocorrido? Sem dúvida, o Ego será o mesmo. E, se isto é

concebível para a imaginação, o que pode haver de inconcebível na continuidade


individual de uma vida intermitente, interrompida e retomada a intervalos regulares e

variada com permanências em estados mais puros de existência?

Do mesmo modo como a doutrina esotérica mostra o conflito aparente entre a

identidade das sucessivas individualidades e a "heresia" da individualidade, assim

também coloca o "incompreensível mistério" do karma, que Mr. Rhys Davids trata

tão sumariamente, numa base perfeitamente inteligível e científica. A respeito disso,

diz-se que em vista de que o Budismo "não reconhece a existência de uma alma",

recorre ao desesperado expediente de um mistério, para lançar uma ponte através

do vazio que fica entre uma vida e outra, em algum outro lugar, ou seja, a doutrina

do karma. E condena a ideia como uma "ficção não existente do cérebro". Irritado

como se sente, com o que considera o absurdo da doutrina, entretanto devota

paciência e grande ingenuidade mental ao esforço de desenvolver algo que pareça

uma concepção racional metafísica das confusas expressões relativas ao karma,

nos escritos budistas. Ele diz:

"O karma, tomado do ponto de vista budista, evita o extremo supersticioso,

por um lado, dos que crêem na existência isolada de alguma entidade denominada

alma; e, por outro, o extremo irreligioso dos que não acreditam na justiça moral e na

retribuição. O Budismo pretende considerar a palavra 'alma', no tocante ao fato que

se propõe abranger, sem ter achado o fato, senão só uma das vinte ilusões

diferentes que cegam a vista dos homens. Contudo, o Budismo está convencido de

que se um homem colhe tristeza, desengano, dor, ele próprio e não outro é quem

semeou, em alguma época, os erros, o pecado, e se não nesta vida, em algum

nascimento anterior. Onde, pois, há, neste caso, identidade entre o que semeia e o

que colhe? Naquilo que exclusivamente permanece após a morte de um homem, e

as partes constitutivas do ser sensível dissolvem-se, no resultado de suas ações,


palavras e pensamentos, em seu karma bom ou mau (literalmente, seu modo de

agir), que não morre. Familiarizados com a doutrina "Qualquer que seja o que um

homem semeie, isso mesmo ele colherá', portanto, pode caber no sentimento

budista, que seja o que for que um homem colha, ele deve tê-lo semeado. E já

familiarizados com a doutrina a respeito da indestrutibilidade da força, podemos,

também, compreender o dogma budista (por mais que se contraponha a nossas

noções cristas) de que nenhum poder exterior é capaz de destruir o fruto das ações

do homem, que devem produzir pleno efeito, seja no sentido do prazer, seja no da

dor. E a grande peculiaridade do Budismo consiste nisto: o resultado do que o

homem é ou faz não se dissipa, por assim dizer, em muitas correntes separadas,

mas se concentra na formação de um novo ser sensível. Quer dizer novo em seus

aspectos constitutivos e em suas faculdades, mas permanecendo o mesmo em sua

essência, em seu ser, em sua conduta, em seu karma."

Nada pode ser mais engenhoso do que essa tentativa de inventar, com

relação ao Budismo, uma explicação de seu "mistério", apoiando-se na suposição de

que os autores do mistério geraram-no como "expediente desesperado" para cobrir

sua retirada de uma posição insustentável. Na verdade, a doutrina do karma tem

uma história bem mais simples e dispensa essa sutil interpretação. Como muitos

outros fenômenos da Natureza relacionados com o futuro, foi declarada por Buda um

mistério incompreensível, e as questões referentes a ela foram assim postas de

lado. Mas Buda não quis dizer que, porque fosse incompreensível para o vulgo,

também o seria para os iniciados na doutrina esotérica. Era impossível explicar sem

fazer referência à doutrina esotérica, mas uma vez conhecidas as grandes linhas

daquela ciência, o karma, como muitas outras coisas, converte-se num assunto

relativamente simples, um mistério, no sentido em que o é igualmente a afinidade do


ácido sulfúrico para com o cobre e a afinidade, ainda maior, que experimenta pelo

ferro. Certamente, a ciência esotérica, para seus "chelas laicos", do mesmo modo

que a Química para seus "chelas laicos", ou seja, os estudantes de seus fenômenos

físicos, deixa na sombra alguns mistérios insondáveis. Não irei explicar por meio de

quais exatas mudanças moleculares as mais elevadas afinidades, constitutivas do

karma, se mantêm nos elementos permanentes do seu quinto princípio. Mas a

ciência corrente não está melhor qualificada para dizer o que é que leva uma

molécula de oxigênio a abandonar a molécula de hidrogênio, com a qual estava

combinada no pingo de água, e porque se une a uma molécula de ferro da viga

sobre a qual cai. Mas a mancha de ferrugem aparece, e afirma-se que foi

encontrada a explicação científica do fato ao serem compreendidas suas afinidades

e ao se recorrer a elas.

O mesmo acontece com o karma: o quinto princípio recolhe as afinidades de

suas boas e más ações durante sua passagem pela vida, com elas vai ao Devachan,

onde as que estão harmoniosas com o ambiente, por assim dizer, daquele estado,

frutificam e florescem em prodigiosa abundância, passando depois, novamente, com

aquelas que não esgotaram sua energia, ao mundo objetivo. E com a mesma

certeza com que a molécula de oxigênio, posta em presença de uma centena de

outras moléculas, se arremessará àquela com a qual tenha maior afinidade, a

mônada espiritual carregada de karma irá àquela encarnação com a qual a unem

suas misteriosas atrações. Não ocorre nesse processo nenhuma criação de um novo

ser sensível, exceto no sentido de que a nova estrutura corpórea desenvolvida

constitui um novo instrumento de sensação. O que nela reside, o que sente alegria

ou tristeza, é o antigo Ego — separado completamente pelo esquecimento de sua


última série de aventuras na Terra, é verdade, mas tendo alcançado seu fruto — é o

mesmo "eu sou eu" que antes.

Segundo Mr. Rhys Davids: "É estranho tudo isso" - a explicação da Filosofia

Budista que os materiais esotéricos possibilitam dar — que "não pareça repulsivo

por todos esses 2.300 anos e mais, a muitos corações ardentes e desesperados,

que confiaram na magnífica ponte aparente que o Budismo tentou construir sobre o

rio dos mistérios e pesares da vida... Não conseguiram ver que a pedra fundamental,

o laço de união entre uma vida e outra, é meramente uma palavra —esta

maravilhosa hipótese, este aéreo nada, esta causa imaginária fora do alcance da

razão — a individualizada e a individualizante graça do karma".

Com efeito, estranho seria se as bases do Budismo tivessem repousado

sobre fundações tão frágeis. Sua aparente fragilidade é devida simplesmente ao fato

de que sua poderosa estrutura de conhecimentos permaneceu velada até agora.

Agora que foi desvelada a doutrina interna, há de se ver quão pouco depende, em

qualquer aspecto, das vagas sutilezas da metafísica. O fato de que estas se

enfeixaram ao redor do Budismo deve-se a que intérpretes externos de fortuitos

indícios doutrinais não podiam ser inteiramente suprimidos do simples sistema de

moral prescrito para o povo.

No que realmente constitui o Budismo, deparamos uma sublime simplicidade,

como a da própria Natureza, uma lei que se ramifica de forma infinita. Há também, é

verdade, complexidade de pormenor, infinitamente complexas também na própria

Natureza em suas manifestações, por mais invariáveis e uniformes que sejam em

suas finalidades. Mas sempre encontramos a imutável doutrina das causas e seus

efeitos, que por sua vez se convertem em causas, numa interminável progressão

cíclica.

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