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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana

e o Processo de Democratização

do Planejamento Urbano no Brasil

ÉDER ROBERTO DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Engenharia Urbana, para a obtenção
do título de Mestre em Engenharia Urbana.

Orientação: Prof. Dr. Ricardo Siloto da Silva

São Carlos
Fevereiro de 2003
II

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da


Biblioteca Comunitária da UFSCar

Silva, Éder Roberto da.


S586mn O movimento nacional pela reforma urbana e o processo
de democratização do planejamento urbano no Brasil / Éder
Roberto da Silva. – São Carlos: UFSCar, 2003.
143 p.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São


Carlos, 2003.

1. Planejamento urbano. 2. Democratização –


descentralização. 3. Estatuto da cidade. 4. Política
urbana. I. Título.
a
CDD: 711 (20 )
III

Dedico

__________________________________

a minha família

a paz

a cidade

e ao futuro

O que se acha diante de nós

é o agora e o aqui,

a atualidade em sua dupla dimensão

espacial e temporal

Miltom Santos
IV

Agradecimentos

__________________________________

Primeiramente, a minha esposa e companheira Márcia, e as minhas duas filhas lindas


Lena e Lisa,..............por tudo.

A meu país, Felisberto e Aparecida, por vocês. E aos meus irmãos, pelo carinho
presente em todos os momentos deste trabalho: Elaine, Eliana e Júnior.

A meus colegas de trabalho da Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental de


Ribeirão Preto, especialmente ao arq. Augusto Valeri, a eng. Simone Malardo e aos
arqs. Lanchoti e Paula – Divisão de Organização Territorial, em nome dos quais
agradeço a todos os demais, pelo incentivo e apoio, e claro aos estagiários Juliana,
Renato e Leonardo, entre outros.

Ao professor José Cláudio Gomes, às suas recomendações iniciais fundamentais para


mais essa etapa da minha vida acadêmica.

Ao professor Jair Bernardes, pessoa notável, grande incentivador. Da mesma forma à


arquiteta Maria Tavares às valiosas contribuições nas várias discussões sobre a
cidade.

A um exemplo de militância, Ailton Barros de Oliveira, liderança popular do Movimento


de Ocupação da Região da Freguesia do Ó nos anos 70/80 em São Paulo.

A dois grandes amigos: Rodrigo de Carvalho e Flávio Perboni - pelas ajudas sempre
providenciais.

A todos os anônimos e sinônimos que de algum modo foram aparteados por mim, ou
pelas linhas e entrelinhas este trabalho.

Ao Prof. Dr. Ricardo Siloto pela confiança, orientação, amizade e fantasticamente a


sua serenidade que o faz ser uma pessoa brilhante.

Ao entusiasmo,

Às madrugadas,

A humildade, a paciência e a solidão, e, fundamentalmente ao idealismo.


V

Sumário

Resumo.......................................................................................................... vii

Abstract ......................................................................................................... viii

Introdução ..................................................................................................... 01

Capítulo 1 – Origens e matrizes discursivas da Reforma Urbana no Brasil

Introdução ...................................................................................................... 16

1.1 O Seminário de Habitação de Reforma Urbana de 1963.......................... 18

1.2 A proposta de Lei de Desenvolvimento Urbano – do anteprojeto

de 1977 ao Projeto de Lei nº.778 de 1983............................................... 29

1.3 A proposta do Movimento Nacional pela Reforma

Urbana apresentada à Assembléia Constituinte nos anos 80 .................. 49

1.4 A propósito de considerações sobre o planejamento urbano .................. 59

Capítulo 2 - Os Movimentos Urbanos e a emergência do Movimento

Nacional pela Reforma Urbana – MNRU durante os anos 80

Introdução....................................................................................................... 72

2.1 A Conjuntura Política nas décadas de 60 e 70 .......................................... 74


VI

2.2 Referências da Literatura Técnico Científica

sobre os Movimentos Sociais Urbanos .................................................... 76

2.3 O Movimento Nacional pela Reforma Urbana – MNRU -

surgimento e concepção .......................................................................... 86

2.4 Demandas e reivindicações pró-movimento.............................................. 92

2.5 Uma nova agenda para os Movimentos Sociais nos anos 90.................... 99

Capítulo 3 – A reforma urbana na Constituição Federal de 1988

e no Estatuto da Cidade em 2001

Introdução ...................................................................................................... 103

3.1 O direito e a propriedade imobiliária no Brasil ........................................... 104

3.2 Política Urbana na Constituição Federal ................................................... 110

3.3 O Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257 de 2001 – após 11 anos

aprova-se a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição......... 115

3.4 A Trajetória do Projeto de Lei 5.788 no Congresso Nacional .................... 118

3.5 As novidades e as inovações do Estatuto da Cidade ................................ 126

3.6 Medida Provisória nº. 2.220 de 4 de Setembro de 2001............................ 131

3.7 Limites e possibilidades na aplicação dos instrumentos............................ 132

Conclusão...................................................................................................... 134
VII

Referências Bibliográficas ........................................................................... 139

Anexo I – Resoluções do Seminário - 1963.................................................... 149

Anexo II – Ante-projeto de Lei de Reforma Urbana - 1963 ............................ 157

Anexo III – Ante-projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano - 1977 .............. 164

Anexo IV – Ante-projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano - 1982 ............. 173

Anexo V – Emenda da Reforma Urbana em 1988 ......................................... 182

Anexo VI – Entrevista .................................................................................... 185


VIII

Resumo

Este trabalho analisa origens e desdobramentos do Movimento Nacional


pela Reforma Urbana ocorrido em meados da década de 80, relacionando-o ao
processo de democratização do planejamento urbano no Brasil, tendo em vista, que
esse movimento surgiu durante a retomada da democracia no país e se constituiu
como elemento fundamental para a inserção do Capitulo da Política Urbana na
Constituinte de 1988. Para encontrar pontos originários e recompor a trajetória da
reforma urbana enquanto signatária da função social da propriedade, foram
recuperadas as resoluções do seminário Habitação e Reforma Urbana realizada no
ano de 1963, em razão dos debates das reformas de base do governo João Goulart, e
o anteprojeto da lei de desenvolvimento urbano proposta em 1982 pelo Ministério do
Interior, ainda no governo militar, além da emenda da reforma urbana elaborada e
apresentada pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana na Assembléia Nacional
Constituinte. Por meio do exame dos movimentos sociais urbanos bem como por
determinadas vertentes do planejamento urbanos foi possível remontar a conjuntura
política e técnica, destacando aspectos relevantes deste processo até a aprovação do
recente Estatuto da Cidade em 2001, ao qual não somente coube a regulamentação
do referido capítulo da política urbana, como também a incorporação de novos
instrumentos urbanísticos referenciados em reconhecidos fundamentos da reforma
urbana.
IX

Abstract

This work analyzes origins and unfoldings of the National Movement for the
Urban Reformation occurrence in middle of the decade of 80, relating the process of
democratization of the urban planning in Brazil, in view of that, this movement
appeared during the retaken of the democracy in the country and constituted as basic
element for the insertion Chapter of the Urban Politics in the Constituent of 1988. To
find originary points and put again the trajectory of signatory the urban reform while of
the social function of the property, had been recouped the resolutions of the seminary
Habitation and the carried through Urban Reformation in the year of 1963, in reason of
the debates of the reforms of base of the government João Goulart, and the first draft
of the law of urban development proposal in 1982 for the Ministry of the Interior, still in
the military government, beyond the emendation of the urban reform elaborated and
presented by the National Movement for the Urban Reformation in the Constituent
National Assembly. By means of the examination of determined the urban social
movements as well as for flowing of the planning urban it was possible to retrace the
conjuncture politics and technique, detaching excellent aspects of this process until the
approval of the recent Statute of the City in 2001, to which not only fit the regulation of
the cited chapter of the urban politics, as also the incorporation of new references town
playing instruments in recognized beddings of the urban reform.
1

Introdução

A escolha da reforma urbana como tema principal deste trabalho foi


motivada pelo estudo das matrizes do planejamento urbano e suas correspondências
com os movimentos sociais. Nesse sentido, passa-se a observar as cidades diante
dos efeitos da urbanização e o correspondente agravamento dos seus problemas.
Paralelamente a estes, a sociedade tem passado por transformações significativas no
campo das forças e organizações sociais, dos costumes e da convivência com as leis,
da valorização ambiental, e da dinamicidade tecnológica e informativa. A estrutura e a
dinâmica sociais existentes nas cidades contemporâneas são desafiadas a encontrar
novos paradigmas e possibilidades para enfrentar esta realidade.

O mundo hoje é urbano. É na cidade, atualmente, que a maior parte da


população mundial vive, tanto pela quantidade de população, que cada vez mais está
concentrada nas cidades, como pela influência que elas exercem sobre o mundo.
Tem-se a imposição de novos ritmos e a criação de novos hábitos, muitos dos quais
influenciam diretamente a vida no campo, podendo ser facilmente identificados através
da homogeneização de costumes. O poder econômico, as novas tecnologias e as
comunicações desenvolvidas, sobretudo no meio urbano, também tem contribuído
para estas mudanças.

O Brasil, também, é cada vez mais urbano. Por volta do ano de 1940, a
população das cidades brasileiras era de um pouco mais de 30% do total de
habitantes. Na virada de século essa população chegou a 81,24 % em relação ao
total, de acordo com o censo demográfico do IBGE, 2000. Esta inversão populacional
provocou uma nova realidade para as cidades, que, por sua vez, não estavam
preparadas para suportar esse processo. E adiciona-se a isso o fato de o Brasil ter
sido colonizado pela via da exploração, função determinante da ordenação urbana de
então. A maior parte das cidades foi implantada ao longo das rotas de passagem e
dos rios, sem nenhum tipo de planejamento do território que pudesse comportar
grande contingente populacional.
2

De acordo com Francisco de Oliveira (1982), no Brasil colônia, as cidades


se constituíram segundo um padrão litorâneo não só devido ao seu caráter exportador
de produtos primários, mas também devido à divisão social do trabalho, seguindo o
caráter agroexportador da economia. A rede urbana brasileira consistia em poucas e
grandes cidades, as quais polarizavam as funções de capital comercial e de
intermediação entre a produção nacional e a sua realização nos mercados
internacionais. Assim, esse tipo de estruturação urbana e as relações do Estado com o
urbano deveram-se à função monocultora da produção e ao destino dessa produção,
que era a exportação. Com a industrialização estabelece-se uma nova divisão social
do trabalho, segundo os moldes da expansão capitalista, o que vai redefinir o caráter
de urbanização existente até então. A partir daí, o crescimento acelerado ocorrido em
muitas cidades se explica evidentemente com a industrialização, com a massa de
capitais e, portanto, com o processo de acumulação sediado nas cidades (OLIVEIRA,
1982).

O fenômeno da urbanização não se dá de maneira homogênea, uma vez


que não são iguais os graus de desenvolvimento e de ocupação prévia das diversas
regiões, conforme observa o geógrafo Milton Santos. Segundo seus estudos tais
regiões são diferentemente alcançadas pela expansão da fronteira agrícola e pelas
migrações inter-regionais. Contudo, a urbanização intensiva verificada no final da
primeira metade do século XX é contemporâneo de um forte crescimento demográfico,
resultado de uma natalidade elevada e de uma mortalidade em descenso, cujas
causas essenciais são os progressos sanitários, a melhoria relativa nos padrões de
vida e a própria urbanização (SANTOS, 1994).

Hoje, boa parte dos problemas urbanos encontrados foi agravada em


decorrência de todo esse processo, o qual, como se vê, não é tão novo na história das
nossas cidades. Não obstante, verifica-se que atualmente o crescimento demográfico
das metrópoles brasileiras vem se reduzindo. No entanto, mesmo que haja tal
redução, de fato, elas já estão consolidadas em grandes centros urbanos. Por sua vez,
as chamadas cidades médias têm expandido significativamente as suas atividades
transformando-se em novos pólos regionais.

Essa nova realidade expansiva das cidades traz, também, o incremento de


problemas como a falta de habitações, a carência de saneamento básico, a
degradação ambiental, o desemprego, a violência, os mega congestionamentos, as
3

enchentes e o desabastecimento energético, entre outros. É nas grandes cidades que


também ocorrem os principais problemas sociais.

A falta de habitação consiste em uma das principais questões do meio


urbano enfrentada por todas as cidades brasileiras. Ela está vinculada diretamente às
desigualdades sociais e de renda e às medidas ineficazes realizadas por parte das
instâncias governamentais, além dos efeitos da urbanização. Tal situação se agravou,
sobretudo, a partir dos anos 80, em decorrência da crise econômica e recessão vivida
no país. Nesse tempo, essas populações foram encontrando suas soluções ocupando
terrenos em áreas vazias existentes pela cidade e em edifícios públicos ou privados
abandonados, localizados em áreas mais centrais. Nesses lugares, foram se formando
as favelas ou cortiços, cada vez mais evidentes nas cidades.

A falta de moradias atinge principalmente as famílias com renda de até


três salários mínimos, que formam 63,32 % do déficit habitacional do país. De acordo
com Nabil Bonduki, esse déficit aponta para fatores que vão além da moradia. Esta,
para ser considerada digna, requer não só a unidade habitacional como infra-estrutura
urbana e equipamentos sociais de caráter local, de qualificação urbanística
(BONDUKI, 2000). Analisando-se os números apresentados na III Conferência das
Cidades realizada na Câmara dos Deputados em 2001, tem-se que o déficit
habitacional considerado tanto no aspecto quantitativo (carência física de moradias)
como qualitativo (moradias com insuficiência de infra-estrutura básica) pode chegar a
15 (quinze) milhões de unidades.1

Embora tenha ocorrido uma gradual melhora dos dados relativos ao


saneamento básico nos domicílios brasileiros nas últimas décadas, a situação ainda é
precária. Segundo o IBGE-PNAD-1999, existem no país 17,6 milhões de habitantes
sem instalações sanitárias mínimas. Mais de seis milhões de domicílios não possuem
qualquer tipo de canalização interna de água, e 15,5 milhões não dispõem de qualquer
alternativa adequada de esgotamento sanitário. Tais números, indicadores da
ausência de saneamento básico, estão entre as principais causas da mortalidade
infantil e do alto índice de internações hospitalares provocadas por doenças
relacionadas com a falta de saneamento.

1
Publicação da Câmara dos Deputados e Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, III
Conferência das Cidades – Moradia digna para todos. Brasília, 2001.
4

Esses fatores, aliados à questão ambiental, ganharam destaque no quadro


dos problemas urbanos recentemente. A situação tem-se agravado com a ocupação
indiscriminada de regiões não edificadas como tem ocorrido nas áreas de preservação
permanente, lindeiras aos córregos, rios e mananciais. Parte dessas está em áreas de
risco sujeitas a cursos de águas contaminadas, enchentes, erosões e deslizamentos.
Além dos exemplos citados, a degradação ambiental também está presente na
poluição do ar e da água através da canalização de esgoto a céu aberto, da emissão
de gases dos veículos automotores, da deposição de resíduos sólidos e rejeitos
industriais em locais impróprios sem tratamento adequado, do desmatamento
indiscriminado para fins de urbanização, entre outros.

Na dinâmica interna, ocorrem outras situações devido ao processo de


produção da cidade e às relações entre o público e o privado. Observa-se a crescente
supervalorização de novas áreas nobres em detrimento da ocupação de outras áreas
já dotadas de infra-estrutura. A conseqüência direta recai sobre o poder público que,
por sua vez, é onerado por dar suporte a esses novos empreendimentos, intervindo na
ordem de prioridades da administração. Se, por um lado, criam-se novas localidades
implicando novas demandas; por outro, ficam sem ocupação extensas áreas internas
a mancha urbana, em geral, dotadas de infra-estrutura. Da mesma forma, a expansão
urbana tem sido motivada, não raras vezes, pela lógica do lucro individual à revelia do
bem estar coletivo, bem como de estudos mais aprofundados e adequados de
planejamento urbano.

Principalmente nas maiores cidades o transporte público urbano, por sua


vez, enfrenta uma situação de precariedade, sobretudo, pela priorização das
condições do transporte individual em detrimento das demandas de transporte
coletivo. De acordo com levantamentos realizados no ano 2000 pela Associação
Nacional de Transportes Públicos – ANTP – há 200 milhões de deslocamentos por dia
nas cidades brasileiras, sendo que metade corresponde a viagens a pé ou feitas em
bicicletas enquanto a outra metade é feita por meios motorizados. Dentre estes, o
transporte público transporta cerca de 60% do total, sobretudo os ônibus, que
transportam 94% de todos os que usam o transporte coletivo; os trens e metrôs levam
quase 5%, e o restante é transportado por barcas. O conjunto de deslocamentos feito
por transporte urbano e metropolitano de pessoas no Brasil foi distribuído da seguinte
forma: a pé 44%, transporte público 29%, automóveis 19%, bicicletas 7%, e motos 1%.
A conseqüência do crescente número de carros e motos é o aumento de
5

congestionamentos, acidentes e poluição. Por outro lado, os investimentos e os


recursos destinados a esse setor têm sido canalizados para a implantação e
manutenção da infra-estrutura viária, voltados para o uso do automóvel particular.
Entre as conseqüências, pode-se verificar, por exemplo, os atuais conflitos existentes
entre o transporte regular e os denominados "transportes clandestinos"feitos por
lotações de kombis, vans e moto-táxis, que, por sua vez, acabam atendendo a
necessidades não providas pelo Estado.

As cidades constituíram-se na base da economia industrial. A maior parte


do Produto Interno Bruto – PIB - do país é gerada no meio urbano e, também por isso,
constituem-se na principal fonte de emprego e renda. Ao mesmo tempo, é nas maiores
metrópoles e cidades que se localizam os principais centros de decisão política, os
escritórios das grandes empresas, os centros financeiros e os centros culturais; e é
também nelas que melhor se evidencia o índice de pobreza e miséria.

Este contexto, no qual se fundamenta esse trabalho, requer mudanças


consideráveis para que se possa ter melhores condições de vida, como já apontavam
os primeiros debates sobre a reforma urbana desde o início até o recente Estatuto da
Cidade.

Deste modo, posicionaram-se os movimentos urbanos, que contribuíram


de forma destacada no processo de resistência e derrubada da ditadura militar,
durante as décadas de 60 e 70. Período esse, em que os direitos civis foram
fortemente restringidos, e as organizações sociais foram proibidas de atuar
politicamente. Tal proibição abriu espaço para que as Associações de Moradores
servissem como forma de atuação política e iniciassem importantes processos de luta
buscando conquistar melhores condições de vida, a volta ao estado de direito, com a
correspondente liberdade de expressão e prática cotidiana da democracia.

O Movimento pela Reforma Urbana, por sua vez, surgiu na seqüência, já


em meados da década de 80. Setores da Igreja Católica, do movimento social,
intelectuais, técnicos da área urbana e entidades organizadas em torno da política
urbana, além de partidos políticos clandestinos e legais desenvolveram a articulação
de um amplo movimento nacional para discutir propostas sobre a cidade, com vistas a
participar de forma organizada do processo que estabeleceria uma nova Constituição.
6

Na continuidade desse processo, após a retomada de uma relação política


democrática, teve-se a aprovação do Estatuto da Cidade, legislação de âmbito
federal, regulamentadora do capítulo da política urbana da constituição federal. Ela
poderá ser uma grande oportunidade de correção de rumo para as cidades, na medida
em que disponibiliza instrumentos para intervir concretamente, a partir da realidade de
cada localidade.

Assim, a intenção final deste trabalho é buscar as origens desse processo.


Para tanto, procurar-se-á, na aproximação das proposições técnicas com as propostas
populares sobre a cidade que já vinham sendo discutidas há décadas na sociedade, o
campo para investigação e análise de seus propósitos.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo principal analisar a


relação entre o Movimento pela Reforma Urbana ocorrido em meados dos anos 80 e o
processo de democratização do planejamento urbano no Brasil, tendo em vista que
esse Movimento surgiu durante a retomada da democracia no país e se constituiu
como elemento fundamental para a inserção do Capítulo da Política Urbana na
Constituição de 1988.

As metas empreendidas foram as seguintes:

- examinar os movimentos sociais urbanos, sobretudo, aqueles ocorridos


no Brasil entre as décadas de 60 e 80 no sentido de relacioná-los aos
desdobramentos do cenário político do país, bem como às possíveis interfaces com a
produção do espaço urbano;

- contextualizar ações desenvolvidas no âmbito do planejamento urbano


estreitamente relacionadas com o processo de construção democrática no país;

- identificar pontos do Estatuto da Cidade, tendo em vista as raízes


históricas das matrizes discursivas e os fundamentos originários da reforma urbana,
calcados nas discussões sobre a produção e apropriação da cidade em face às
desigualdades sociais e territoriais.

A pesquisa foi desenvolvida com base na adoção dos seguintes


pressupostos:
7

- que o Movimento pela Reforma Urbana foi um espaço de articulação e


unificação de reivindicações sobre a questão urbana, com vistas a interferir no texto
da Constituição;

- que a Reforma Urbana no Brasil se constituiu num novo referencial para


se pensar a política urbana;

- que as definições da política urbana estão estreitamente ligadas à


conjuntura política nacional e local, sujeita aos diferentes interesses presentes na
cidade;

- que houve, nesse processo, o fortalecimento da participação social com a


inclusão de novos agentes sociais e novas temáticas, tais como as questões
ambientais, étnica e de gênero, profundamente agravadas em âmbito local e mundial;

- que a estrutura social urbana está diretamente relacionada à realidade


política e econômica.

A hipótese principal deste trabalho é o reconhecimento do Movimento


pela Reforma Urbana como elemento fundamental para a inserção do Capítulo da
Política Urbana no texto da Constituição Brasileira em 1988.

Secundariamente, apresentam-se outras hipóteses tais como:

- que o Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano de 1983 e a Emenda da


Reforma Urbana apresentada na Assembléia Nacional Constituinte de 1988 foram
subsídios relevantes para a conformação do Estatuto da Cidade;

- que o Estatuto da Cidade apresenta novos paradigmas para o


planejamento urbano, destacadamente a instituição da gestão democrática nas
cidades, a nova relação entre o setor público e a iniciativa privada, além da questão
ambiental.
8

- que o Estatuto da Cidade aprovado contemplou uma demanda política e


técnica mais abrangente do que aqueles expressos no ideário da reforma urbana,
principalmente, em razão do processo de discussão e negociação entre todos os
setores envolvidos que ocorreram nos trabalhos da Comissão de Desenvolvimento e
Interior no ano de 1999. Os debates foram feitos com base nas experiências de
aplicação de políticas urbanas vivenciadas em diversas cidades brasileiras durante a
década de 90, por exemplo, vários instrumentos de gestão democrática da cidade
como conselhos de política urbana, conferências da cidade, orçamento participativo,
audiências públicas, iniciativa popular de projetos de lei e estudos de impacto de
vizinhança, entre outros.

- que os preceitos contidos no Estatuto da Cidade vão ao encontro das


necessidades da maioria dos habitantes das cidades brasileiras, as quais enfrentam
graves problemas.

Logo nos momentos iniciais do processo da pesquisa, surgiu a necessidade


de se estabelecer uma periodização histórica, que pudesse facilitar as buscas e
orientar a sistematização. Convém ressaltar que esse recurso serviu apenas para
orientar o alinhamento lógico do trabalho, prevalecendo fatos e acontecimentos
relevantes para a investigação. Assim, o desenvolvimento da pesquisa foi auxiliado
pela definição de quatro períodos históricos.

O primeiro período corresponde à eleição do governo Jânio Quadros e


João Goulart em 1961 até o golpe militar de março de 1964. Nesse período, foram
feitas mobilizações políticas em torno do que se chamou de "reformas de base", termo
geral para indicar reformas da estrutura agrária, fiscal, bancária e educacional. Dentro
desse contexto, ocorre em 1963, no Rio de Janeiro, o Seminário de Habitação e
Reforma Urbana,2 com o objetivo de inserir a temática urbana nas discussões dessas
reformas de base. O Seminário serviu como ponto de partida da investigação, tendo
em vista o conteúdo dos debates realizados com o propósito de diagnosticar e apontar
soluções para o enfrentamento dos problemas identificados naquele momento, com
ênfase na questão habitacional.

2
O Seminário “Habitação e Reforma Urbana” foi evento realizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil -
IAB e pelo IPASE, no Hotel Quitandinha, na cidade do Rio de Janeiro, por ocasião das discussões em
torno das reformas de base do governo João Goulart.
9

A partir do golpe militar em março de 1964 inicia-se o segundo período,


inaugurando um ciclo adverso de mobilizações políticas. Foram levantadas várias
questões para contextualizar o período de acordo com os objetivos do trabalho. O que
foram os movimentos sociais urbanos ocorridos neste período de enfretamento direto
com a ditadura militar? Como eram desenvolvidas as atividades de planejamento
urbano neste período? Quais as possíveis relações que esses movimentos localizados
tiveram com o surgimento do Movimento pela Reforma Urbana que surgiu alguns anos
mais tarde? Nesse sentido, buscou-se identificar os movimentos sociais urbanos
ocorridos até o final da década de 70 e suas possíveis relações com a derrubada da
ditadura militar, os principais aspectos relativos à produção de planejamento urbano
do novo regime, bem como as possíveis relações dessa conjuntura com o surgimento
do Movimento pela Reforma Urbana alguns anos depois.

O terceiro período foi compreendido basicamente pela década de 80. Este


registrou grande movimentação popular, a qual levou ao final da ditadura militar,
instaurando a transição democrática. Foi marcado por acontecimentos importantes
como a campanha pelas eleições diretas, as mobilizações pró-constituinte e a
aprovação da nova Constituição em 1988. É nesse contexto, que surge o Movimento
Nacional pela Reforma Urbana, o qual teve atuação destacada no processo
constituinte com várias de suas proposições sendo inseridas no texto constitucional.
Pela primeira vez na história do país, tem-se a questão da política urbana presente na
Carta Magna.

E, por fim, após a promulgação da Constituição no final dos anos 80 até


chegar a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, tem-se o quarto período. A
contextualização, contida por toda a década de 90, foi baseada no acompanhamento da
implementação da Nova Constituição, no processo de regulamentação do Capítulo da
Política Urbana pelo Congresso Nacional, no advento das administrações populares
ocorridas no período e na nova agenda do Movimento Social em nível local e
internacional.

A base documental desta pesquisa foi fundamentada em fontes primárias e


secundárias, sistematizadas durante o processo de investigação da forma pela qual passa
a ser apresentada neste momento. Convém ressaltar que o enfoque perseguido e a opção
pela abordagem histórica trouxeram razoável nível de dificuldade na identificação e no
acesso aos meios informativos mais adequados, uma vez que, além de serem variados,
encontravam-se dispersos. Todavia, a decisão tomou por base investir na pertinência do
tema e no desafio de concatenar os recursos disponíveis, a fim de atingir o resultado
almejado.
10

As fontes primárias utilizadas foram basicamente: documentos de


entidades dos movimentos populares e organizações não governamentais;
documentos internos, como atas de reuniões, pareceres e correspondências;
documentos de divulgação externa como boletins, panfletos, resoluções de seminários
e congressos. Foram obtidos diretamente com lideranças e representantes de
movimentos sociais, em eventos ou nos arquivos dessas instituições, destacando-se a
sede do Instituto de Formação e Assessoria em Políticas Sociais - Pólis, a sede da
Federação das Associações Comunitária do Estado de São Paulo – FACESP/
Confederação Nacional das Associações de Moradores - CONAM; a sede do Sindicato
dos Arquitetos do Estado de São Paulo – SASP. Foram pesquisados ainda materiais
sobre os temas nos arquivos do vereador Nabil Bonduki e da vereadora Ana Martins
da cidade de São Paulo, bem como, de material disponibilizado pelo deputado federal
Inácio Arruda, entre outros.

Os materiais foram coletados de exemplares avulsos, da reprodução dos


arquivos em papel e em mídia; e de contatos verbais realizados por meio de
conversas por telefone e internet. Parte das entrevistas foi gravada e transcrita. Os
contatos entrevistados foram lideranças ligadas ao movimento de ocupação da cidade
de São Paulo, no início da década de 80, sobretudo da zona leste e norte; com
representantes atuais e ex-representantes do Fórum Nacional de Reforma Urbana; e,
com intelectuais e técnicos que participaram do processo da aprovação da reforma
urbana durante a Assembléia Nacional Constituinte. Todos esses contatos foram feitos
no decorrer dos últimos três anos (2000, 2001 e 2002), e iniciados juntamente com as
investigações deste trabalho.

A pesquisa utilizou como fontes secundárias: revistas, periódicos,


dissertações, livros e boletins correlatos ao tema. O acesso a esses materiais foi
obtido por meio de instâncias governamentais, sobretudo, o Legislativo municipal (São
Paulo), estadual e federal; bibliotecas como: da Universidade Federal de São Carlos –
UFSCar, da Escola Engenharia de São Carlos – EESC/USP; da Faculdade de
Arquitetura da Universidade de São Paulo – FAU/USP e do Centro Universitário Moura
Lacerda em Ribeirão Preto; acervos pessoais de lideranças contatadas, e em sítios
da internet.

Convém ressaltar a contribuição providencial das disciplinas oferecidas


pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal de
11

São Carlos - UFSCar, notadamente nas de Planejamento Urbano, Estrutura Urbana e


de Planejamento e Desenho Urbano. Do mesmo modo, o desenvolvimento da
pesquisa foi enriquecido com as disciplinas de Habitação Social no Brasil: Revisão
Histórica e Perspectiva de Intervenção e Urbanismo e Planejamento no Brasil-Pós 40,
ambas cursadas em caráter especial no Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade
de São Paulo – EESC-USP, no ano de 2001.

Dentre os diversos eventos pertinentes ao tema ocorridos durante a


pesquisa destaca-se, pelos subsídios fornecidos, a participação no "Encontro
Nacional: Reforma Urbana no século XX", promovido pelo Fórum Nacional pela
Reforma Urbana, em julho de 2000, no Instituto Teológico Pio XI, na cidade de São
Paulo-SP; no seminário: Experiências Internacionais de Requalificação Urbana –
Democratização de Espaços e Oportunidades, promovido pela Prefeitura de Santo
André, em dezembro de 2000, na cidade de Santo André-SP; no 1º Congresso
Nacional pelo Direito à Cidade, promovido pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana
e pela Frente Nacional de Prefeitos, realizado em outubro de 2001, no Anhembi, na
cidade de São Paulo-SP, seminário: Estatuto da Cidade nas Cidades Médias,
promovido pela Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano, em
outubro de 2001, na cidade de São Carlos-SP; no seminário estadual intitulado:
Estatuto da Cidade e Universalização da Assistência Técnica, promovido pelo
Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado de São Paulo, em setembro de 2002,
na cidade de São Paulo-SP, e no I Simpósio sobre Gestão Pública: Estatuto da
Cidade, promovido pelo Centro Universitário Moura Lacerda, em outubro de 2002, na
cidade de Ribeirão Preto-SP.

Também foram visitados os arquivos do jornal Folha de São Paulo e do


Sindicato dos Arquitetos de São Paulo, ambos localizados na capital. Outras fontes,
como as anotações dos seminários, palestras, cursos e aulas assistidas durante esse
período foram de grande valia.

O trabalho foi estruturado em capítulos, além da introdução e da


conclusão.

O Capítulo 1, intitulado Origens da Reforma Urbana, contém os temas


originários diretamente relacionados com os objetivos e com as metas estabelecidas
para pesquisa. Foram traçadas três vertentes principais, as quais partiram,
12

respectivamente, das origens históricas das matrizes discursivas dos agentes


envolvidos em cada momento e dos fundamentos da reforma urbana, além de
considerações sobre o planejamento urbano praticado no período.

O Capítulo 2 faz uma abordagem sobre os Movimentos Urbanos e a


emergência do Movimento Nacional pela Reforma Urbana na década de 80. Este,
focado como principal objeto de pesquisa, buscando interfaces e suas possíveis
relações com os temas arrolados no primeiro capítulo. Procurou-se caracterizar o
Movimento por meio de componentes analíticos adjacentes às instâncias dos
movimentos sociais.

Depois, no Capítulo 3, denominado a reforma urbana na Constituição


Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade. Primeiramente, fez-se uma breve
abordagem sobre a evolução do direito da propriedade ao longo do tempo realçando a
historicidade do tema e os novos direitos constitucionais incorporados a Carta Magna.
Nesta parte, discorre-se ainda sobre a aprovação do Estatuto da Cidade, como um
acontecimento-síntese de todo o período historiado durante as várias etapas do
trabalho.

Desta forma, ao final apresenta-se a Conclusão deste trabalho, onde, por


sua vez, foram elencadas questões e reflexões sobre as análises aqui arroladas,
reforçando a intenção de contribuir com os estudos do planejamento urbano no Brasil,
sobretudo, diante da aprovação do Estatuto da Cidade, legado relevante da trajetória
do planejamento urbano e da construção da democracia no País.
13

Capítulo 1

__________________________________

Origens e matrizes discursivas

da Reforma Urbana no Brasil

“Pensar é mover-se no infinito”

Lacordaire
14

Introdução

Este primeiro capítulo busca os fatos originários da expressão reforma


urbana no Brasil. Ao discorrer sobre fatos e acontecimentos relacionados a este tema,
explora as matrizes discursivas e os correspondentes fundamentos de agentes
envolvidos no processo. No entanto, as situações encontradas revelam conjunturas
diferenciadas e adversas, em que nem sempre, tiveram os mesmos protagonistas a
frente. Por outro lado, a semelhança está na motivação reformista do espaço urbana,
em face de descontentamentos e críticas às concepções predominantes.

Nesse sentido, analisa três momentos em que a reforma urbana é tratada


como proposição e síntese de uma nova visão de política urbana. O ponto de partida
foi à análise dos documentos produzidos no Seminário de Habitação e Reforma
Urbana, realizado conjuntamente pelo IAB e o IBASE, em 1963. Evento esse que teve
o objetivo definido de inserir a temática da cidade no contexto das reformas de base
do governo João Goulart. Um propósito que, embora tenha sido interrompido pelo
golpe militar, registrou conteúdos que estarão presentes na trajetória da reforma
urbana.

A segunda retomada ocorre em torno da Lei do Desenvolvimento Urbano


elaborada por técnicos do governo federal, entre 1977 e 1983. Desta vez, a proposta
foi apresentada nos marcos da ditadura militar, com forte viés técnico focado na
resolução de problemas urbanos e na qualidade de vida. Apesar de não ter sido
aprovada, chegou a tramitar como projeto de lei no Congresso Nacional. Vários
instrumentos contidos nestes estudos foram incorporados aos debates do
planejamento urbano posteriormente, inclusive nos debates da constituinte e no
próprio Estatuto da Cidade.

E a análise da proposta do Movimento Nacional pela Reforma Urbana


surgido em meados dos anos 80. Essa articulação, motivada pelas discussões da
constituinte, foi fundamental em todo o processo, uma vez que conseguiu ao mesmo
tempo, recuperar e incorporar novos conceitos, advindos da realidade dos movimentos
populares com a contribuição de técnicos e profissionais. A emenda proposta por esse
movimento serviu de base para a inserção do Capitulo da Política Urbana na
Constituição.
15

Algumas considerações sobre o Planejamento Urbano no Brasil também


compõem este capítulo. Refere-se, às concepções e visões presentes no período. A
análise se ateve a uma abordagem ampliada da temática, buscando referencias
presentes no planejamento urbano contemporâneo, de algum modo relacionado com o
foco e à temporalidade do estudo desenvolvido. Nesse sentido, a abordagem explorou
categorias como a conjuntura política, os agentes envolvidos e as políticas produzidas
na esfera urbana implementadas ou não nas cidades.
16

1.1 O Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

O termo “reforma urbana” surgiu pela primeira vez em julho de 1963 no


Seminário sobre Habitação e Reforma Urbana, realizado pelo Instituto de Arquitetos
do Brasil - IAB e o IBASE, no Hotel Quitandinha, na cidade de Petrópolis no estado do
Rio de Janeiro.
Deste Seminário participaram, aproximadamente, setenta profissionais, de
diversas áreas, como arquitetos, engenheiros, sociólogos, economistas, advogados,
assistentes sociais, técnicos, líderes sindicais, estudantis e representantes de
entidades civis, entre outros. O propósito era diagnosticar e elaborar soluções para o
enfrentamento dos problemas urbanos daquele período, com o intuito de inserir a
temática do urbano nas discussões das reformas de base de João Goulart. Naquele
momento, havia uma mobilização em torno das reformas de base com vistas a
estabelecer uma nova linha política para o país.
O Seminário seguiu a dinâmica de dividir os participantes em quatro grupos de
estudos, cabendo a cada um constituir uma comissão de relatoria formada por três
membros. De acordo com o regimento e o temário, as discussões foram feitas em
duas etapas; primeiramente, os relatórios de cada grupo, depois em plenário com o
suporte da comissão de relatoria responsável pelos trabalhos de sistematização. A
esta comissão coube abranger e sintetizar tudo que foi estudado e aprovado na
primeira etapa, com os devidos acertos, ajustes e esclarecimentos necessários a fim
de formar um todo harmônico. Como produto final, foi elaborado documento contendo
o conjunto dos debates intitulado "Conclusões do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana".3
O foco principal deste documento foi a questão da habitação e da reforma
urbana, tratada de forma complementar em todo o texto. Para tanto, ele foi dividido
em três partes: iniciava tecendo diversas considerações sobre a conjuntura política
nacional e internacional; num segundo momento, discorreu sobre uma série de
afirmações baseadas na análise anterior e, finalmente, sugeriu uma série de propostas
para tratar as questões levantadas. Esta última, contendo as proposições, chegava a
receber o formato de projeto de lei.
A partir da análise do documento, procurou-se identificar os itens que, de
algum modo, deram origem aos fundamentos da reforma urbana. No rol das
considerações iniciais, o documento aponta que a reforma urbana entrou na pauta
17

nacional em decorrência do agravamento da situação urbana provocada pelos altos


índices de urbanização existente no país naquele momento. Nesse sentido, tal
situação era determinada pela estrutura subdesenvolvida do país, pelo intenso
incremento demográfico desacompanhado de medidas que, no interesse nacional,
ordenassem e disciplinassem o surto industrial e as arcaicas relações de produção
agrária, que determinavam fortes movimentos migratórios para os núcleos urbanos.
No segundo item, foi posicionada a questão da habitação como um dos
principais problemas, sobretudo, nos grandes centros urbanos, considerando-se:
que a situação habitacional do Brasil é de suma gravidade,
caracterizando-se essencialmente, peal desproporção cada vez maior, nos
centros urbanos, entre o salário ou a renda familiar e o preço de locação
ou de aquisição de moradia e pelo déficit crescente de disponibilidade de
prédios residenciais, em relação à demanda do povo brasileiro, uma vez
que o significativo número de habitações construídas tem se destinado
quase exclusivamente às classes economicamente mais favorecidas
(Resoluções do Seminário, considerações iniciais, item 2).
A partir do conteúdo das considerações iniciais, nota-se que a questão da
habitação orienta o diagnóstico e as propostas formuladas pelo Seminário. O segundo
item confirma a importância remetida à temática, considerando a realidade crítica
daquele momento, além de denunciar a desigualdade social.
Na mesma linha, denuncia a situação dos centros urbanos que, por sua vez, já
exibiam as tipologias de habitação que melhor retratavam a gravidade desses
problemas que se estendem até os dias atuais. Pelas considerações seguintes,
observa-se que, nesse período, os efeitos da urbanização e do crescimento
demográfico, sobretudo nos maiores centros urbanos, já estavam assimilados pelos
estudos e debates da situação urbana no Brasil, considerando:
que nos maiores centros urbanos do País, a população que vive em
subhabitações – tais como favelas, cortiços, mocambos, malocas, barracos
– é grande e crescente, tanto em números absolutos como relativos
(Resoluções do Seminário, considerações iniciais, item 4).
que, mesmo a população que vive em habitações do tipo permanente, em
sua maioria, se debate com problemas decorrentes da defasagem entre o
crescimento demográfico das cidades e o fornecimento dos mais

3
Documento encontrado no formato de cópia datilografa feito pelo setor de publicações da Universidade
de São Paulo-USP, a partir da revista “Arquitetura”, nº15 de julho de 1963.
18

rudimentares serviços públicos, assim como da não complementação do


acervo de moradias como o equipamento de utilização comum, cada vez
mais imprescindível em virtude da crescente complexidade urbana
(Resoluções do Seminário, considerações iniciais, item 5).
No segundo bloco foram dispostas várias afirmações combinadas com as
considerações anteriores. No item 1, o acesso à habitação foi colocado como direito
fundamental do homem e da família. Por similaridade com as considerações sobre
habitação, a reforma urbana foi vinculada a limitações ao direito de propriedade e uso
do solo. Esta relação seria matéria de debate por várias décadas no planejamento
urbano no Brasil. É o que pode ser observado nos itens 1 e 5, os quais afirmam:
que, dentre os direitos fundamentais do homem e da família, se inclui o da
habitação e que a sua plena realização, exigindo limitações ao direito de
propriedade e uso do solo, se consubstanciaria numa reforma urbana,
considerada como o conjunto de medidas estatais, visando à justa
utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das
aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as
famílias
(Resoluções do Seminário, afirmações, item 1);
que essa situação contrasta flagrantemente com os conceitos de
democracia e justiça social e, só poderá ser superada pela atualização
da estrutura econômica nacional e por um considerável avanço construtivo,
através da coordenação de esforço e da racionalização de métodos de
produção
(Resoluções do Seminário, afirmações, item 4).
que, em conseqüência, a solução do problema habitacional e da reforma
urbana está vinculada à política de desenvolvimento econômico e social –
através da qual possa ser rapidamente elevado o padrão de vida do povo
brasileiro
(Resoluções do Seminário, afirmações, item 5).
A solução para esses problemas urbanos foi colocada nos marcos do
padrão desenvolvimentista presente nesse período. O objeto de intervenção era o
espaço nacional por intermédio da ação centralizada, racionalizadora e redistributiva
do Estado (RIBEIRO, 1996).
Mais adiante, ao se referir à participação popular, o Documento afirma:
19

que é de grande importância para a política habitacional a formação de


uma consciência popular do problema e a participação do povo em
programas de desenvolvimento de comunidades
(Resoluções do Seminário, afirmações, item 8).
Somente neste item, se refere especificamente à participação da
comunidade. Nota-se que existe a preocupação com relação à importância da
conscientização por parte da população sobre os problemas tratados colocados. Haja
vista que, neste período, em vários lugares do país já existiam movimentos urbanos de
favelas como na cidade do Rio de Janeiro e na Bahia, entre outros. No entanto, a
proposta não chega a aprofundar o tema explicitando, por exemplo, como se daria o
processo participativo, de certo modo vinculado à política habitacional. Observa-se
que, neste momento, a concepção de poder aparece muito centrada em torno do
Estado centralizador, não constando ainda o envolvimento e a incorporação da
população às instâncias de gestão.
O item 13, disposto abaixo, revela que a desapropriação para fins de
reforma urbana, também, já estava presente nesse debate. A proposta implicava
mudança constitucional conforme se pode verificar na afirmação:
que para a efetivação da reforma urbana torna-se imprescindível à
modificação do parágrafo 16º do artigo 141 da Constituição Federal, de
maneira a permitir a desapropriação sem exigência de pagamento à vista,
em dinheiro (Resoluções do Seminário, afirmações, item 13).
Para tanto, foi feita uma proposta específica para este item, que dizia o
seguinte:
que o Congresso Nacional reforme o parágrafo 16 do artigo 141 da
Constituição Federal, suprimindo as expressões "prévia" e "em dinheiro",
de modo a permitir ao governo a escolha da forma de indenização, de
acordo como o interesse social
(Resoluções do Seminário, 2ª proposta, pág.5).
Especificando, propôs que:
Ficarão sujeitas à desapropriação por interesse social os bens
considerados necessários à habitação, ao equipamento dos centros
urbanos e ao aproveitamento do território
(Resoluções do Seminário, item 1 da 3 ª proposta).
20

O diagnóstico apresentado também pontuou a especulação imobiliária


como responsável nesse processo, por meio de forte crítica a atividade, afirmando
que:
é imprescindível a adoção de medida que cerceiem a especulação
imobiliária, sempre anti-social, disciplinado o investimento privado nesse
setor (Resoluções do Seminário, afirmações, item 16).
Tendo em vista o quadro nacional de extrema gravidade na precariedade
das habitações, foram sugeridas medidas de emergência afirmando:
que, em face do problema habitacional, sejam incluídas no plano
respectivo, medidas de emergência destinadas a imediata melhoria das
condições de subhabitação, equacionando-as dentro das realidades sócio
econômica brasileira e em bases locais, inclusive estimulando o esforço
próprio à ajuda mútua e o desenvolvimento comunitário
(Resoluções do Seminário, afirmações, item 15).
No sentido de priorizar e atender essa demanda, sugeriu-se a criação de
um Órgão Central Federal para executar a política habitacional. Como se vê
textualmente abaixo, afirmava-se a necessidade de uma intervenção eficiente em
todo o território nacional, por meio de uma ação centralizada e munida de recursos.
Segundo alguns autores, a criação do BNH foi inspirada nesta proposição, que
afirmava:
que para a execução da política habitacional, se torna necessário à criação
de um Órgão Central Federal, com autonomia financeira e autoridade para
atingir seus objetivos
(Resoluções do Seminário, afirmações, item18).
Pelo texto, percebe-se que esse item recebeu um detalhamento especial
diante dos demais. Foram arroladas as atribuições e as características da
organização, com definição de estrutura e até normas para constituição de patrimônio.
Nesse meio, foi proposto também que o Órgão Central administraria um Fundo
Nacional de Habitação, para o financiamento da política habitacional. Os recursos
teriam a seguinte proveniência:
- arrecadação do imposto de habitação a ser criado incidiria sobre:
a) o registro de loteamentos urbanos no registro de imóveis;
b) a transferência por venda, cessão ou doação de lote de terreno
compromissado;
21

c) a transferência, por venda, cessão ou doação de unidades residenciais


de mais de 100 m² , da área total construída;
d) a não utilização de imóvel urbano, compreendendo terreno inexplorado
ou unidade residencial vaga por mais de 6 meses.
Convém ressaltar o item “d” anterior. Trata-se da incidência de imposto
sobre o imóvel urbano sem uso, fundamento presente na definição do denominado
imposto predial e territorial urbano – IPTU - progressivo. E foi mais além, propondo a
aplicação em imóvel residencial sem uso, evidenciando o propósito de criar
alternativas para a política habitacional. Nos dois casos, observa-se a penalidade para
a atividade especulativa, causando um incentivo indireto para o uso dos imóveis
ociosos servidos por infraestrutura.
o Plano Nacional Territorial dará especial atenção à distribuição
demográfica, aos aspectos sociais provenientes do desenvolvimento
econômico, aos problemas de habitação, circulação e transporte, trabalho,
recreação, cultura, saúde, educação, produção e abastecimento, reservas
para expansão urbana e de área florestais, proteção de mananciais e
regiões de valor turístico, aplicando os princípios de planejamento territorial,
consagrados pelos Congressos Internacionais de Arquitetura
(Resoluções do Seminário, proposta nº3, item IV-2).
A superação dos problemas apontados no diagnóstico viria, portanto, pela ação
de um Estado forte atuante em todo o território nacional. Na mesma linha, a execução
da política urbana usaria o emprego da tecnologia para agilizar o processo com o
objetivo de rapidamente desenvolver a nação.
Nota-se que todas as proposições foram dirigidas diretamente ao governo
federal. O que, de certo modo, revela que o grupo ali reunido no Seminário tinha
expectativas de poder executá-las de fato, como pode ser percebido no texto da
primeira das várias propostas constantes no documento final. Na verdade, foi dirigida
explicitamente para encaminhamento pelo executivo: que os Poderes da República
apressem a promulgação de providências legais e administrativas, relacionadas com
as reformas de base, imprescindíveis à solução dos problemas examinados por este
Seminário (Resoluções do Seminário, proposta nº2).
A terceira proposição, por sua vez, tratou mais a fundo da política habitacional.
Através de 6 subitens bem detalhados propôs a criação de um órgão executor da
política habitacional e urbana; a desapropriação para fins habitacionais e de
planejamento territorial; a prioridade de atendimento e normas de controle – referindo-
22

se ao estabelecimento de critérios para a seleção das áreas e populações a serem


beneficiadas, sob o imperativo da situação econômica; o plano nacional territorial –,
com especial atenção à distribuição demográfica, a um plano nacional de habitação e
à aquisição de imóvel locado.
Luiz César de Queiroz Ribeiro (1996), ao se referir aos debates promovidos
neste Seminário, classifica essa proposta como reforma urbana modernizadora:
Esse padrão traduz a esquerda à expressão "de esquerda" do padrão
desenvolvimentista. Trata-se de um abrangente diagnostico sobre os
problemas urbanos e habitacionais, com ênfase para esse último, que
consubstanciaram no seminário sobre habitação e reforma urbana,
realizado em 1963, reunidos técnicos mais ligados as correntes
"progressistas", e, aparentemente, hegemonizadas pelo Partido Comunista.
Pretende-se aí estabelecer um diagnostico e uma terapêutica que permitia
incluir a habitação e acidade como tema das "reformas de base" (RIBEIRO,
1996).4
Segundo ele, o tema do planejamento aparece como forma privilegiada de
enfrentamento dos problemas sociais. As causas destes problemas estavam
caracterizadas pela dependência do país em relação ao imperialismo.Dois aspectos
básicos definiam, portanto, o conteúdo desse debate: a politização do diagnóstico
desenvolvimentista, incluindo os problemas urbanos no interior do ideário das
reformas de base e a intervenção em todo o território nacional, por intermédio de
políticas públicas centralizadas, racionalizadoras e redistributivas, com ênfase no
problema habitacional. Nesse sentido, residia na proposta um certo papel voluntarista
a ser exercido pelo estado e pelas vanguardas políticas.
Ao discorrer sobre a trajetória do planejamento urbano brasileiro, a arquiteta
Ermínia Maricato, em tom de reconhecimento da realização do referido Seminário,
tece as seguintes considerações:
Para fazer justiça aos arquitetos e a vários outros profissionais ligados à
questão urbana, é preciso reconhecer que em pelo menos um momento da
história do Brasil esses profissionais, como muitos setores organizados da
sociedade brasileira, ousaram produzir uma proposta para uma sociedade
mais moderna, ou seja, mais democrática e mais igualitária.
(...)
23

Caberia, ainda hoje, levantar as demandas do Congresso do IAB, de 1963, em


parte reafirmadas na emenda constitucional de Reforma Urbana, em 1988, de
controle sobre a terra (o que implica em controle na direção dos investimentos
públicos), como forma de democratizar o acesso à moradia (MARICATO, 1997).

Maricato, também valoriza o fato de que a proposta já previa o controle sobre a


propriedade da terra. Porém, como as demais formulações sobre as reformas de base
elaboradas pela sociedade no período foram abortadas pelo golpe militar. Portanto,
atenta-se ao fato de que a principal razão para que essas formulações não fossem
levadas a cabo foram as regras do novo regime.
Flavio Villaça, no seu trabalho Uma contribuição para a história do
planejamento urbano no Brasil, menciona o evento fazendo referência à formação da
consciência popular nos anos 70 e às demandas populares já despontadas
anteriormente:

Os anos de 1970 marcam uma nova etapa na consciência popular urbana no


Brasil, com o fortalecimento dos movimentos populares. Nos anos de 1980,
especialmente com a mobilização estimulada pelas possibilidades – embora
limitadas – de influenciar na elaboração da nova Constituição do país, esses
movimentos cresceram muito em organização, adesões e atuação. No bojo desse
crescimento, destacou-se a retomada das demandas populares que tinham
começado a despontar no primeiro Seminário da Habitação e Reforma Urbana
realizado em Petrópolis em julho de 1963, mas foram abafadas pela ditadura. Já
então as forças reacionárias se contrapuseram àquelas demandas, o Plano Local
Integrado que viria a ser difundido nos anos subseqüentes sob o patrocínio do
SERFHAU. O mesmo se repetira na Constituição de 1988 (VILLAÇA, 1995).

O Plano Local Integrado desenvolvido pelo SERFHAU, conforme discorre


Villaça, caminhou em direção contrária ao ideário arrolado pelo Seminário de
Habitação e Reforma Urbana. A princípio, a comparação feita pelo autor com a
inserção do plano diretor na constituinte de 88 tem em comum o fato de ter sido
proposto pelas forças reacionárias. No entanto, esse plano diretor constitucional,
diferentemente da concepção do Serfhau, vem a ser gerado pelo próprio município
dentro de novas condições de autonomia e atribuição para sua confecção. A
aprovação do Estatuto da Cidade reforça a possibilidade de esse instrumento

4 RIBEIRO, Luis César Q. e CARDOSO, Adalto L. Da cidade à nação: gênese e evolução do


urbanismo no Brasil, in RIBEIRO, Luis César Q. e PECHMAN, Robert. Cidade, povo e nação. Gênese
24

favorecer a implementação da reforma urbana como será visto em maior profundidade


no capítulo 6.
De modo menos evidente, o Guia do Estatuto da Cidade5 se referiu aos
debates ocorridos no inicio dos anos sessenta, como pontos iniciais da construção da
plataforma da reforma urbana, da seguinte forma:
Durante o processo de consolidação da Constituição de 1988, um
movimento multisetorial e de abrangência nacional lutou para incluir no
texto constitucional instrumentos que levassem à instauração da função
social da cidade e da propriedade no processo de construção das cidades.
Retomando a bandeira da Reforma Urbana, este movimento reatualizava,
para as condições de um Brasil urbanizado, uma plataforma construída
desde os anos 60 no país (ROLNIK, 2001).

Na declaração de voto, constante no relatório final na Comissão


Desenvolvimento Urbano e Interior, o deputado Inácio Arruda também retoma os
debates da década de 60, os movimentos populares do período militar e o movimento
nacional pela reforma urbana. De acordo com o deputado:

O debate sobre a questão urbana ainda é recente e recebe pouco


tratamento oficial. A primeira tentativa federal de sistematização e
intervenção mais consistente na política urbana remonta ao período do
governo João Goulart, quando, em 1963, o governo, comprometido com
reformas de base, promove o Seminário Nacional de Habitação e Reforma
Urbana (ARRUDA, 2001).
A partir da abordagem contida no documento final deste seminário, tem-se que
a superação dos problemas urbanos diagnosticados naquele momento viria da ação
de um Estado forte. A ênfase principal estaria focada na questão habitacional e na
reforma urbana. Sendo que esta seria desenvolvida prioritariamente para atender a
demanda da primeira. Do mesmo modo, deviam ser operadas as alterações
necessárias na ordem jurídica e no organograma executivo, com a criação de novos
órgãos. Mesmo os empregos de tecnologias avançadas para efeitos imediatos e
quantitativos, também compuseram o rol das proposições no sentido de desenvolver a
nação.

do urbanismo moderno. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 1996.


5
A organização deste guia foi feita para atender simultaneamente a demandas de apoio e leitura de várias
ordens, que foram sendo captadas através da participação do Instituto Pólis nas atividades do Fórum
25

A análise do conjunto de considerações, afirmações e propostas extraídas


deste seminário permite duas identificações básicas para este estudo. Primeiramente,
o conceito da função social da propriedade, já estabelecido nesse evento há quatro
décadas, consiste num dos fundamentos principais para que, de fato, possa ser
realizada a reforma urbana. Em segundo lugar, revela que os problemas relativos à
habitação decorrem de longa data e continuam entre as prioridades da política urbana
no Brasil, como se vê pela quantidade de favelas e de moradias precárias existentes
em boa parte das cidades. E que várias das propostas levantadas neste fórum, acerca
da argüição do diagnóstico, permanecem até hoje nos debates sobre a política urbana.

Com o golpe, a reforma urbana não vai além da propositura. As ações e os


objetivos do novo regime caminharam em outra direção. Porém, alguns anos mais
tarde, ainda dentro da ditadura, ressurge o debate sobre o tema, e a expressão
“reforma urbana” volta a congregar novas referências sobre o uso e ocupação do solo,
sobretudo com a criação de novos instrumentos sobre a organização nas cidades.

1.2 A proposta de Lei de Desenvolvimento Urbano - do Anteprojeto de


1977 ao Projeto de Lei nº 775 de 1983

A reforma urbana também foi resgatada durante a ditadura militar. Num


primeiro momento, em 1975, com a publicação de um conjunto de idéias para se
resolver os problemas urbanos, o qual receberá formato de lei, dois anos mais tarde. E
num segundo momento, na proposta do Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano –
PL 775 – de 1983 -. Observa-se, que já se cogitava, nos meandros do governo, a
necessidade de novo disciplinamento para o setor, tendo em vista, evidentemente, o
agravamento da situação social urbana, notadamente nas maiores cidades (MALTA,
1983: MARICATO, 1983). Vários instrumentos contidos nesta proposta, que não foi
aprovada, estão dispostos no Estatuto da Cidade.

Em 27 de setembro de 1976, o Jornal da Tarde divulgou parte do conteúdo


balizador do anteprojeto da lei de desenvolvimento urbano, preparado pela Comissão
Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana. O objetivo básico da lei era “a
melhoria qualidade de vida nas cidades, controlando a ocupação do solo e as
construções através de diversas formas de taxação e incentivos fiscais”. Após dois anos,
em 24 de maio de 1977, esse mesmo Jornal, publica, na íntegra, o texto já em formato
de lei com a manchete “A reforma no Brasil - o ante-projeto que pretende melhorar
nossos centros urbanos”. Segundo esta matéria, nesse momento, a “reforma urbana no
Brasil já tem uma proposta oficial”, e a versão definitiva estava sendo analisada pela

Nacional de Reforma Urbana e em encontros, seminários, debates, assessorias e cursos sobre o tema, por
ocasião da Aprovação do Estatuto da Cidade.
26

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, devendo ser ainda discutida


pelos especialistas metropolitanos e municipais em política urbana.

A proposta do ante-projeto, até então considerada como “documento


confidencial”, foi divulgada em seis capítulos totalizando 58 artigos. De acordo com o
Jornal da Tarde, conteve inovações que trouxeram polêmicas, cabendo destaque à
reformulação do direito de construir. Nessa linha, observava que o anteprojeto
procurava adequar esse direito à função social da propriedade, já estava consagrada na
constituição atual. Para tanto, servia-se da tese do “solo criado”, lançada pelo prefeito
de São Paulo Olavo Setúbal, anteriormente importada da França pela Fundação Faria
Lima, da Secretaria dos Negócios do Interior, do governo estadual (Jornal da Tarde,
24/05/1977), Contudo, resguardadas as diferenças entre as definições de ambos no
entendimento e aplicação do “solo criado”. Enquanto Setúbal explorava uma visão mais
fiscalista, a Fundação Faria Lima mostrava-se mais preocupada com os aspectos
urbanísticos.

Outros instrumentos novos de atuação no âmbito do desenvolvimento urbano


também foram propostos. O direito de preferência da aquisição de imóveis pelo poder
público, sempre que tais propriedades forem do seu interesse, contido no artigo 43, e a
figura da urbanização compulsória, no artigo 44, constituindo a velha idéia da formação
do banco de terras, prevista no artigo 45.

No Capitulo dois, foram dispostos conceitos básicos buscando unificar


entendimentos e definições sobre a matéria. Como por exemplo, “urbanização” e
“conurbações”, e áreas de: “interesse social”, de “renovação urbana”, para “urbanização
prioritária”, “uso industrial”, “não edificáveis”, de “lazer e turismo”, de “proteção
ambiental”, de “preservação cultural” e “áreas de margem de águas públicas”.

A definição de Áreas de Interesse Social, por sua vez contida no artigo 46, foi
justificada pelos técnicos como medida impositiva necessária, vinham no sentido da
“preservação de certas áreas a que a iniciativa privada, visando unicamente vantagens
individuais, daria destinação incompatível com as exigências sociais”. Além do
apontamento de vários instrumentos no artigo 47, que poderiam incentivar ou conter
obras ou atividades urbanísticas, vantajosas ou prejudiciais à comunidade, mediante
características tributárias e fiscalizadoras.

A partir de uma visão centralizadora, tal anteprojeto de 1977, esboçou a


integração das ações entre os diferentes níveis de governo do setor do planejamento
urbano. Entretanto, a participação da comunidade foi prevista por uma certa ação
fiscalizatória presente no capítulo IV destinado aos “Instrumentos de Atuação”:

Artigo 39 - A execução do plano poderá ser cometida a entidades públicas


ou privadas, cabendo sua fiscalização ao Poder Público e a iniciativa
privada, sob formas associativas e comunitárias.

O anteprojeto foi alvo de críticas e elogios num seminário organizado pelo


IAB - seção São Paulo – com a finalidade de debatê-lo e estudá-lo entre os profissionais
e a sociedade. Os economistas Paul Singer, do Centro Brasileiro de Análise de
Planejamento e Eduardo Suplicy, professor da Fundação Getúlio Vargas, o
27

consideraram “tão bom quanto impraticável a sua transformação em lei e, muito mais, a
sua aplicação, porque ele deverá ferir altos interesses econômicos”. Por outro lado,
neste mesmo evento, o prefeito de São Bernardo do Campo, Antônio Tito Costa,
especialista em direito constitucional, julgou inconstitucional por ferir o direito de
propriedade, além de, no seu entender, “dar conotação exclusivamente física” em
detrimento a “aspectos econômicos e políticos do desenvolvimento urbano”, e ignorar
totalmente a participação da população na administração municipal”(Jornal O Globo,
2/07/1977).

O arquiteto e ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, também manifestou suas


preocupações quanto a proposta ao afirmar que: “criar leis sem antes definir quem
executa-las é correr o risco de cair no terreno das meras intenções”(Jornal do
Brasil,17/10/1977). Para ele, a atual política de urbanização daquele momento, como a
proposta, “tira a força dos municípios que, na verdade, devem ser os executores de sua
política e que a implantação de órgãos meio, referindo-se a CNPU, são instrumentos de
esvaziamento dos municípios”. Nesse sentido, julga que o mais importante seria
“estruturar a política urbana no país, porque uma lei não resolve problemas cruciais do
país das cidades, principalmente sem prévia consulta a população”.

No final de setembro do mesmo ano, num semimario promovido pelo IBAM


– Instituto Brasileiro de Administração Municipal sobre o mesmo tema, governo e
empresários do setor da construção chegaram a concordar em pelo menos um ponto: a
retenção especulativa do solo urbano é um entrave para a atividade econômica e social.
Outro ponto, em comum foi o limite do adensamento, apontando a necessidade de
determinar o número máximo de habitantes por metro quadrado, no sentido de soluções
imediatas para “desadensar os grandes centros”. Ao final, recomendou-se ao poder
público “o estudo de mecanismos legais e tributários para induzir a utilização racional
do solo, pois a maior oferta de terrenos diminui seus preços e, conseqüentemente, o
custo final dos imóveis” (Jornal do Brasil, 17/10/1977).

Em 27 de janeiro de 1982, o Jornal da Tarde e o Estado de São Paulo publicaram


com exclusividade o Anteprojeto de Lei de Desenvolvimento Urbano do Poder
Executivo. O anteprojeto, quase concluído, foi preparado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano, órgão que até o governo do presidente Figueiredo pertencia à
Secretaria de Planejamento, passando então a estar vinculado ao Ministério do Interior.
A matéria foi noticiada em caráter exclusivo para os referidos jornais, ocupando quase
duas páginas inteiras em ambos:
“Exclusivo - Como o governo planeja fazer a reforma urbana – o Ante
Projeto da Lei de Desenvolvimento Urbano está quase pronto, com
limitações ao direto de propriedade urbana e criando novas fontes de
arrecadação para as prefeituras”
(manchete estampada pelo O Estado de São Paulo, 27/01/1982).

“O anteprojeto, na explicação de seus elaboradores, baseia-se na "descoberta de


que o contexto que a propriedade privada se acha inserida é muito mais amplo do
que o interesse de seu titula"
28

(Jornal O Estado de São Paulo, 27/01/82).

“As medidas serão analisadas e debatidas sob a presidência do ministro


Mário Andreazza, dia 29. A seguir, irão para o palácio do planalto para
exame da assessoria do presidente João Figueiredo e, se aprovadas,
encaminhadas ao Congresso na segunda quinzena de março. Constituem o
que se chama de Reforma Urbana.”
(...)
“O texto (...) pretende criar uma legislação uniforme para o
desenvolvimento urbano, permitindo a União legislar amplamente sobre a
matéria, dentro da concepção de que se impõe um novo conceito sobre a
propriedade urbana no País, voltada para a justiça social” (Jornal da Tarde,
27/01/1982).

A leitura das duas matérias leva a perceber que o governo forneceu um


texto único para a imprensa procurando uniformizar e precisar o que seria veiculado,
diante do grande volume de informações prestadas. No entanto, foi a partir destas
publicações que a matéria ocupou a pauta por vários meses por vários outros veículos
de comunicação.

A folha de São Paulo, somente em 28 de janeiro veio a noticiar sobre o


anteprojeto por intermédio da a opinião do arquiteto Cândido Malta Campos Filho6, ex-
coordenador de Planejamento da cidade de São Paulo. Entre os comentários
registrados, destacou que o “anteprojeto mostra que no Brasil [simplificadamente]
existem duas forças em confronto: o capitalismo comercial, em decadência, e o
capitalismo industrial, emergente”. Referindo-se as medidas necessárias a serem
tomadas para a efetivação da reforma urbana afirmou: “espero que nesse confronto, o
capitalismo industrial – representado pelo espírito do anteprojeto – saia vitorioso”.

O Jornal do Brasil, por sua vez, no dia 15 de maio, dedicou uma página
inteira com o título “Lei de Desenvolvimento Urbano em Debate”, colhendo opinião de
diferentes segmentos relacionados com a temática. Para o presidente da ADEMI –
Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, os pontos
considerados positivos do anteprojeto foram a adoção do Imposto Predial e Territorial
Urbano progressivo, a proposta contida no artigo 10º, que concede ao proprietário de

6
Nesse momento, Cândido Malta, era vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – seção São
Paulo – e membro da Comissão Justiça e Paz.
29

um imóvel considerado como patrimônio histórico o direito de construção ainda não


realizado ser conseguido em outro local. Por outro lado, entre as inovações que não
agradaram o setor, estão o direito de preempção, as restrições do parcelamento,
edificação ou utilização do terreno e o direito de superfície, todas classificadas como
medidas “violentas” ao mercado (Jornal do Brasil, 15/05/1983).

Na opinião dos presidentes da FAPERJ7 e da FAMERJ8, o anteprojeto


consiste no reconhecimento, por parte do governo, de um “debate que vem sendo
exigido pela sociedade brasileira há muito tempo”. Para a FAPERJ, a proposta vem
com atraso no campo do planejamento urbano, vista como a “chegada de uma solução
democrática sobre o uso do solo urbano, numa conquista da qual também
participamos e, grosso modo, concordamos”. Já a FAMERJ, destacou o
reconhecimento das associações dos moradores, contido no texto, representando
efetivamente “a ampliação do espaço democrático de participação popular”. Em
contrapartida, alertou para o “centralismo que passa a ser exercido pela União na
aprovação de instalações de grandes equipamentos, invadindo a autonomia municipal,
como disposto no artigo 3º”; e quanto a “debilidade da aplicação da lei na medida que
os municípios não dispõem de autonomia financeira para aplicar os dispositivos”
previstos, implicando numa “reforma tributária sensível” para tal (Jornal do Brasil,
15/05/1983).

Na mesma matéria, o presidente do IAB9, arquiteto Cláudio Cavalcanti, “o


anteprojeto é um primeiro movimento, um primeiro gesto no sentido de planejarmos
melhor o uso do solo urbano, com uma apropriação mais lógica, humana e, sobretudo,
justa socialmente”. Nesse sentido, o IAB, manifestou-se inteiramente favorável,
entendendo que as leis de zoneamento municipal não são suficientes para manter um
disciplina do solo urbano, e a proposta “cria a necessidade, para os municípios, de
formularem um plano urbanístico e prepararem recursos técnicos e humanos par
realizar o que for decidido”.

Conforme os estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano –


CNDU -, o anteprojeto vinha no sentido de preparar as cidades para uma outra

7
FAPERJ – Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, na época presidida por
Irineu Guimarães.
8
FAMERJ – Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro, na época presidida
por Jô Resende.
9
IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil.
30

realidade, tendo em vista que, naquele momento, dois terços dos 120 milhões de
habitantes viviam nas cidades, e as previsões indicavam que, no ano 2000, esse
volume chegaria a 160 milhões. O fenômeno da concentração urbana verificada nos
últimos 40 anos, segundo os técnicos da época, apesar de haver trazido vantagens ao
crescimento econômico, determinou um agravamento por desequilíbrios regionais e
uma profunda alteração na estrutura interna das cidades, que passaram a crescer de
forma desordenada e pobre. Nesse sentido, foram apresentadas as considerações e
justificativas técnicas, formuladas pela equipe do Ministério, uma minuta do projeto do
anteprojeto em formato de lei e uma lista contendo as principais medidas balizadoras.
Entre as considerações foram arroladas as razões de ordem jurídica – uma legislação
pertinente ao direito urbano entre nós - e outra de ordem social – a importância de o
Poder Público zelar pela comunidade, limitando as regalias dos proprietários urbanos
(Jornal da Tarde, 27/01/1982). Entre outros aspectos contidos nos termos da
justificativa, tem-se que:

"A malha urbana, espraiando-se sem limites rígidos pela rápida incorporação de
novos espaços ao perímetro urbano original, deu origem à presença de densidades
altas em determinados setores e muito baixas em outros. Ambos os padrões
geraram aumento do crescimento da infra-estrutura e maiores dificuldades de
atendimento, pela necessidade de equipamentos mais sofisticados e altos custos
operacionais"

(Jornal O Estado de São Paulo, 27/01/82).

Com base nesse diagnóstico, o parecer técnico apontava para a


necessidade de um novo conceito de propriedade urbana, conforme o que segue:

“Não se pode falar em direito de propriedade abstrato, de caráter pleno e


absoluto. Já não existe uma só propriedade, mas, sim, a propriedade agrícola, a
imobiliária, a intelectual, a industrial. É preciso, então, conceber a propriedade
imobiliária urbana, condicionada pelo fator social. Atualmente, é difícil
desvinculá-la dos serviços e equipamentos públicos que definem os seus usos”

(Jornal O Estado de São Paulo, 27/01/82).

Nesse sentido, novos instrumentos jurídicos deveriam ser introduzidos na


legislação para permitir maior controle sobre a propriedade. Segundo as afirmações
31

dos autores do anteprojeto, era necessário impor uma nova visão de propriedade cujo
conteúdo seria estabelecido em decorrência do interesse comum objetivando o
ordenamento da cidade e a melhoria da qualidade de vida nas cidades.

Nesse caso, a faculdade de edificar, ou a proibição de fazê-lo, decorreria


da função social da propriedade em relação ao meio urbano. Assim:

“A descoberta de que o contexto em que ela se acha inserida é muito mais amplo
do que o interesse privado do seu titular”

(Jornal O Estado de São Paulo, 27/01/82).

A intervenção do Poder Público passaria a exigir a obtenção de terrenos,


não só para a implantação de equipamentos públicos, mas também para promover e
induzir a estrutura urbana desejada, como a realização de programas de renovação e
localização mais conveniente de áreas industriais e habitacionais.

Entre outras medidas balizadoras do anteprojeto destacam-se:

1. desvincular o direito de construir do direito de propriedade;

2. desapropriar imóveis para fins de renovação urbana;

3. possibilitar ao Poder Público manter áreas urbanas de reserva,


mediante a desapropriação;

4. permitir ao Poder Público o direito de revenda em casos de


desapropriação;

5. modificar critérios de fixação de valores de desapropriação,


admitindo-se apenas a correção monetária correspondente ao
período decorrido até a data do efetivo pagamento da indenização;

6. promover desapropriações urbanas por títulos da Dívida Pública e


não mais em dinheiro;

7. ampliar o direito de preempção, estabelecendo a preferência para o


Poder Público adquirir imóveis em áreas urbanas especiais onde se
prevê rápida valorização motivada por obras públicas de grande
porte;
32

8. determinar a edificação compulsória como forma de evitar a retenção


de terrenos não ocupados, sob pena de desapropriação e alienação a
terceiros;

9. unir os esforços do Poder Público e da iniciativa privada, levando os


empresários a assumir parcela dos custos indiretos da localização de
suas propriedade, transferindo-lhes a construção e operação de
serviços urbanos rentáveis;

10. criar novos impostos sobre a propriedade urbana, como o de


valorização imobiliária, com base na diferença entre os valores da
aquisição e da alienação do imóvel, e o Imposto de Localização
Metropolitana, a incidir sobre pessoas jurídicas de direito privado em
virtude da localização ou expansão de suas instalações em
municípios integrantes de região metropolitana;

11. permitir melhor utilização do potencial de arrecadação do Imposto


Predial e Territorial Urbano pela aplicação do princípio da
progressividade, ou seja, não se considera para o seu cálculo apenas
o valor do imóvel, mas , entre outros fatores, a sua localização;

12. tornar possível a cobrança de contribuições de melhoria;

13. forçar o aproveitamento de lotes vazios dotados de melhoramentos


públicos, pela obrigatoriedade do pagamento de serviços, mesmo não
utilizados, como água, por exemplo;

14. preservar áreas verdes necessárias à população;

15. evitar a especulação imobiliária;

16. reservar áreas para futuros equipamentos - investimentos públicos –


urbanos;

17. regular o uso do solo em torno dos grandes equipamentos públicos,


como aeroportos e represas;

18. evitar a ampliação excessiva de perímetros urbanos em detrimento


da produção rural, entre outros.
33

O capítulo oitavo, denominado “regularizações da ocupação dos terrenos


urbanos”, não foi incluído no texto da íntegra do anteprojeto. No lugar, foi colocada
uma nota a qual dizia que o assunto ainda estava sendo estudado pelo grupo técnico
do Ministério do Interior. O objetivo seria propor medidas necessárias de
aperfeiçoamento, simplificação e agilização dos instrumentos e procedimentos para
efetivar a regularização fundiária, de acordo com as seguintes diretrizes:

- buscar soluções com o objetivo de assegurar a propriedade à população já


ocupante de áreas, sempre buscando não remover as pessoas;

- quanto às áreas públicas "já foi enviado mensagem ao Congresso Nacional


dispondo sobre a entrega ao BNH de terrenos públicos da União e das autarquias
federais para a execução de programas habitacionais e regularização fundiária”;

- quanto às áreas particulares ocupadas por favelas, a regularização


fundiária poderá dispor de diversos mecanismos já existentes, como o
usucapião, a desapropriação por interesse social, a negociação e as
situações de perda de propriedade por abandono admitidos em lei social
(Jornal da Tarde, 27/01/1982).

E como se daria a participação da comunidade de acordo com este projeto


de lei? A densa parte discursiva exibida pela imprensa ao relatar a nova proposta
governamental se ateve às variáveis da argumentação técnica de ordem físico
territorial para resolver os problemas urbanos. Ao passo que apenas dois, dentre os 56
artigos, dispostos na íntegra do projeto de lei, se reportaram à participação da
seguinte forma.

Artigo 26 – O Poder Público incentivará a formação de associações comunitárias


sem fins lucrativos, visando ao desenvolvimento urbano.

Parágrafo Único – O Poder Público poderá prestar apoio técnico e financeiro


àquelas associações reconhecidas como de utilidade pública.

Artigo 27 – na elaboração dos planos, das normas, diretrizes e programas de


desenvolvimento urbano, o Poder Público contará com a participação das
comunidades, possibilitando-lhes o acompanhamento de sua execução.
34

Mesmo assim, o artigo 27 estava condicionado a não-aprovação do artigo


21, sendo que, para tanto, também seria alterado o artigo 16, tudo já explicitamente
mapeado na proposta. O texto deste artigo retirava o envolvimento da comunidade:

Artigo 21 – Os planos municipais de desenvolvimento urbano deverão atender às


diretrizes federais estaduais, em especial as metropolitanas quando parte de uma
região metropolitana (alternativa – colocar no artigo 16: Compete a União
“prover sobre os procedimentos de elaboração, aprovação e conteúdo mínimo dos
planos de desenvolvimento municipal e metropolitano)”.

Parágrafo primeiro – Os planos municipais de desenvolvimento urbano e suas


alterações deverão ser de iniciativa do Poder Executivo, que encaminhará ao
Poder Legislativo para exame e aprovação.

Parágrafo segundo – Os municípios que constituem regiões metropolitanas, antes


de enviar os seus planos de desenvolvimento municipais, previamente, à sua
aprovação serão submetidos ao Conselho Deliberativo para fins de
compatibilização com o plano metropolitano.

Portanto, ao mesmo tempo em que algum tipo de participação aparece, ao


seu lado concorre a sua anulação. O fato encerra possíveis revelações como a
existência de controvérsias e contradições internas no governo, a efervescência dos
movimentos sociais naquele momento, bem como a garantia de um certo reforço por
parte da sociedade para as medidas apresentadas, tendo em vista o impacto a ser
causado na implementação.

Finalmente, convém chamar a atenção para as atribuições reservadas ao


Ministério Público. De acordo com o artigo 27, esse órgão constituía-se em parte
legítima para promover ação visando à aplicação e execução da referida lei, quanto
aos objetivos e diretrizes do desenvolvimento urbano. Dois parágrafos definiam a
ação:

Parágrafo primeiro – Quando a ação pública de que trata este artigo tiver por
objeto a impugnação de um ato, será decretada a suspensão liminar deste.

Parágrafo segundo – Qualquer cidadão poderá representar ao Ministério Público


para promover a ação referida neste artigo.
35

Coube ao Ministério Público um papel de substancial relevância na


proposta, sendo conferido a ele, além das associações comunitárias, a legitimação
processual (SUIANA, 1995). De certa forma as decisões não mais estariam sujeitas
apenas às centralizações executivas, e evidentemente, as possíveis polêmicas
instauradas diante do volume considerável das novas instituições jurídicas teriam
endereço certo. Fazia parte, portanto, da montagem geral da proposta.

Em abril de 1983, Cândido Malta apresentou uma análise sobre o PL


775/83 à Câmara do Deputados em Brasília. A grande contribuição desse evento é a
metodologia empregada para o conteúdo pretendido pelo autor, ao analisar o referido
projeto, através da identificação dos agentes políticos diretamente relacionados no
processo. A ênfase, portanto, foi dada ao quadro político no qual se inseria, que,
segundo ele, é crucial ser compreendido melhor por todos nós, tanto os que estão a
favor como os que estão contra o projeto de lei federal do uso do solo urbano. 10

Duas questões principais motivaram a exposição: A que se propõe o


projeto de lei federal sobre o solo urbano? A quem interessa o projeto da lei federal de
uso do solo? A princípio, para responder a primeira pergunta, Malta recorreu à
distinção de três posições básicas presentes no debate público em curso naquele
momento.

- a primeira, basicamente contra o projeto, minimiza a existência de uma


desorganização do espaço intra-urbano e procura de qualquer modo culpar
unicamente o aumento populacional urbano decorrente do crescimento
vegetativo como do excesso de migração campo-cidade, cidades pequenas
– cidades grandes, como sendo o vetor causa dos problemas de moradia e
da falta de infraestrutura persistente nas cidades brasileiras.
Coincidentemente ou não (a nosso ver não é mera coincidência), os
defensores dessa posição procuram afirmar a inconstitucionalidade do
projeto de lei proposto;

- a segunda posição reconhece firmemente a existência de problemas de


grande importância no interior das cidades, reconhece também que os
mesmos decorrem basicamente de uma especulação, não reguladora, no

10
Artigo do Professor Candido Malta, datado de 17 de junho de 1983, referente à Análise do Projeto de
Lei Federal sobre Uso do Solo Urbano (Projeto de Lei nº 778/83) apresentado a Câmara Federal em Abril
de 1983.
36

mercado imobiliário e que é, portanto, preciso combatê-la. Defende por isso


os objetivos do projeto de lei federal que a isso mesmo se propõe,
discutindo o instrumental apresentado em sua eficácia para atingir os
objetivos visados;

- uma terceira posição não vê como suficientes os objetivos


governamentais, afirmando que o objetivo do combate à especulação
imobiliária exige não apenas o uso de armas urbanísticas, mas também a
reformulação do modelo econômico vigente, pois as especulações
financeiras e imobiliárias são primas entre si, e uma reforma tributária para
valer, isto é, uma reforma que volte a dar recursos para os municípios e
governos estaduais implicará, ou melhor, exigirá dar-se prioridade aos
serviços urbanos, que são bens populares ou de salário, e que constituem
parcela importantíssima, juntamente com a alimentação e o vestuário, do
mercado interno.

Ao elencar essas posições, ele destacou que a mesclagem das três


evidentemente geraria uma quarta, que bem provavelmente constituiria a maioria. E,
para se aproximar dessas posições mais freqüentes, a maioria delas dão ênfases
diferentes aos três argumentos básicos de cada posição apresentada:

- os que desconhecem ou procuram desconhecer a especulação imobiliária


urbana e seus males dão ênfase às questões migratórias e de
constitucionalidade;

- os que reconhecem a problemática intra-urbana, porém, não a vinculam


ao processo mais geral do desenvolvimento dão ênfase à necessidade de
uma análise da instrumentação urbanística visando objetivos mais restritos,
exclusivamente urbanos. Essa é a posição oficial do Governo da União a
propósito do projeto de lei do uso do solo urbano enviado à Câmara
Federal;

- os que percebem que dificilmente os problemas urbanos são


solucionáveis apenas com a instrumentação urbanística vêem o projeto
com simpatia por o considerarem um passo adiante, porém o entendem
insuficiente. Insuficiente pelo lado da questão migratória, em que ele não
toca, e insuficiente pela timidez do instrumental proposto que recua em
37

relação à proposta anterior do mesmo Governo Federal (como a exclusão


quase total do instrumental legal que tem recebido a denominação de "solo
criado", que procura implementar de forma prática a contribuição de
melhoria). É insuficiente o projeto de lei, também, pela não-interligação com
outros instrumentos fiscais que atuam sobre o mercado imobiliário, como o
imposto de transmissão e sobre ganhos de capital em imóveis, os quais
nem merecem citação. E é insuficiente, principalmente, por não vincular a
solução das questões urbanas à necessidade da reformulação do modelo
econômico, redirecionando-o para o mercado interno, o que propiciaria a
verdadeira e substancial reforma tributária, que traria recursos aos
governos estaduais, mais especialmente aos municípios, tão necessários
para a eliminação do enorme déficit de serviços urbanos, inclusive de
habitação, acumulados nas cidades brasileiras nos últimos 30 anos, e que
é seguramente hoje a maior porção da dívida social nacional.

Nesta análise, segundo o próprio autor, ele procurou identificar e


compreender as possíveis relações existentes entre eles, configurando o cenário dos
interesses diretamente envolvidos no processo. Na verdade, vem a ser a resposta à
segunda pergunta feita no início da apresentação, destinada a saber a quem interessa
o projeto de lei federal de uso do solo. Para tanto, foi montado o quadro abaixo, com
sete grupos, de acordo com as respostas encontradas por Malta, procurando distinguir
os vários agentes envolvidos no meio empresarial ligado ao mercado imobiliário:

1. Aquele que trabalha no mercado de risco, isto é, constrói e vende o


seu produto no mercado aberto e que pode ser tanto o loteador, que
transforma a terra bruta para o uso urbano, ou seja, é criador de solo-
suporte de atividades urbanas que é o lote ou pode ser o construtor e
vendedor de imóveis especialmente os de usos habitacional.

2. O empresário imobiliário que atua por encomenda, o chamado


empreiteiro de obras tem, tradicionalmente, uma grande preocupação
com produtividade do trabalho da sua empresa por que o preço final
sendo fixo, tanto mais ganhara quanto mais eficiente for o trabalho de
produção a ser feito.

3. A indústria de materiais de construção não pode ver com simpatia


38

o minguados recursos destinados a construção imobiliária, serem


crescentemente absorvidos no custo final das edificações pelo
pagamento da terra urbana. Por isso vai lhe sobrando,
proporcionalmente, cada vez menos.

4. Os proprietários de terras, enquanto tais, têm ganhado com a


especulação imobiliária, que lhes têm significado uma transferência de
uma parcela da renda de setores produtivos. Por isso eles se
contrapõem ao projeto de lei federal que estamos discutindo.

5. Os proprietários de imóveis construídos também ganham com a


valorização imobiliária dos bairros onde habitam seja nos bairros
periféricos e novos a medida que se completam e se consolidam, seja
naqueles que vão se tornando mais centrais e acabam sendo invadidos
pelo comercio e pela verticalização dos escritórios e apartamentos.

6. Os corretores de imóveis que ganham um percentual sobre o valor


nominal da venda, em uma visão imediatista só podem ser a favor da
especulação imobiliária, que levanta preços e aquece o mercado.

7. Os inquilinos são evidentemente contra especulação imobiliária.


São suas principais vitimas ao subir o aluguel o qual decorre do valor
do imóvel, supervalorizado pela especulação.

Resumidamente, Malta considera que o projeto de lei é fundamentalmente


incompleto tanto quanto aos objetivos a serem atingidos como quanto aos instrumentos
previstos, mesmo se limitados aos objetivos propostos. Afirma que o projeto é
centralizador do poder em mãos federais em algumas dos seus pontos. Quanto às
inovações propostas, como o direito de superfície, o direito de preempção, a
urbanização compulsória e maiores poderes de atuação da comunidade e dos cidadãos
na defesa de seus direitos, é preciso discuti-las em sua eficácia e limitações, mesmo para
atingir os objetivos limitados do projeto de lei federal sobre o uso do solo urbano.
Quanto ao aperfeiçoamento das instituições jurídicas, ele afirma:

(...) retirando-lhe a centralização excessiva e a possibilidade de uso


distorcido contrário ao interesse público desse instrumental renovador,
poderá contribuir positivamente, ainda que de forma acanhada, para
39

desenvolver em nosso país cada vez mais urbano, uma sociedade mais justa
e por isso mais humana (MALTA, 1983).
Durante o período da Nova República, foi criado o Ministério do
Desenvolvimento Urbano – MDU – gerando expectativas positivas para o tema
urbano. O Ministério promoveu um seminário nacional para reformulação do Sistema
Financeiro da Habitação - SFH, no entanto o próprio governo extinguiu, além do BNH,
o próprio MDU. Nesse tempo, o PL 775/83 foi praticamente deixado de lado, mediante
a desconsideração da proposta em termos de uma nova formulação de políticas
públicas criada e abortada pelo próprio Executivo. No entanto, o referido projeto tem
aspectos relevantes a serem notificados conforme afirma a arquiteta Raquel Rolnik:
As tentativas de construção de um marco regulatório a nível federal para
a política urbana remontam as proposta de lei de desenvolvimento urbano
elaboradas pelo então Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, que
resultaram no PL nº. 775/83 (ROLNIK, 2001).
De outro modo, o Poder Legislativo atuou sobre o tema num caminho bem
diferente. É a partir da emenda da Reforma Urbana na Assembléia Nacional
Constituinte que o legislativo passou a interferir no processo, com a inclusão da
matéria, como registra o deputado Inácio Arruda:
A distinção, pelo menos no terreno legislativo e constitucional, vem em
1988: fruto do trabalho e debate da sociedade, a nova Constituição
brasileira é promulgada e inclui, no título Da Ordem Econômica e
Financeira, o capítulo consagrado à política urbana, detalhado em seus
artigos 182 e 183. Elege-se o plano diretor como referência do
cumprimento da função social da propriedade. É um momento importante
para os movimentos populares urbanos (ARRUDA, 2001).
Nesta passagem, o relator faz uma observação importante sobre o objeto em
estudo neste trabalho. Há um reconhecimento nos movimentos populares urbanos
com relação à inclusão da matéria no texto constitucional por eles motivado. Se, em
outro momento, foi válida a contribuição do PL 775/83, esta se refere principalmente
aos temas relevantes ali dispostos, como é o caso da função social da propriedade e
dos instrumentos:
Em 1983, ainda no regime militar, o Executivo envia ao Congresso o
Projeto de Lei nº 775/83, que pretende oferecer uma face legislativa à
questão urbana, materializando politicamente o princípio da função social
40

da propriedade e estabelecendo diretrizes e instrumentos de política


urbana.
(...)
A proposta de legislação, fruto dessa semente que floresce nacionalmente,
permite uma discussão mais profunda da problemática urbana. É a partir do
PL 775/83 que se passa a discutir, sob a ótica legislativa, a questão do solo
urbano e instrumentos inovadores como direito de superfície,
parcelamento, edificação e utilização compulsórios e direito de
preempção, entre outros temas relevantes (ARRUDA, 2001).

Entretanto, um outro enfoque sobre o PL 775/83 é apresentado por


Carolina Maria Pozzi de Castro (1999) em sua tese de doutorado sobre moradia em
São Paulo. Ao analisar a atuação das COHABs em relação aos programas alternativos
durante a retomada da política de habitação popular na década de 80:

(...) nesse período reiniciou-se a intervenção em áreas faveladas, com proposta de


recuperação e urbanização, em resposta às reivindicações de movimentos ligados á
moradia que exigiam soluções para a posse da terra e a falta de infra-estrutura
urbana em favelas e loteamentos clandestinos. As mudanças procuraram restringir
os processos especulativos sobre a terra urbana e a propagação das formas
clandestinas de parcelamentos e ocupação do solo nas cidades. A Lei Federal nº
6766/1979 e o Projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano, no início de 1982
foram expressão do avanço nos campos da política urbana brasileira (CASTRO,
1999).

A autora contextualiza o referido projeto de lei diante da atuação dos


movimentos populares e da política oficial do governo. Esses elementos ajudam a
montar o quadro conjuntural que gerou o PL 775/83. Além disso, CASTRO, por sua
vez, considera o projeto como expressão de avanço nos campos da política urbana
brasileira. Também o faz ao referir-se à lei nº 6.766, até hoje em vigor, que dispõe
sobre loteamentos.

Por outro lado, as críticas não foram poucas. No entanto, a oposição ao


projeto se deu com mais intensidade por parte dos setores ligados ao setor imobiliário,
como pode ser observado na reportagem do Jornal:

As críticas mais freqüentes se referem ao caráter estatizante do projeto e


ao fato dele representar uma "ameaça à propriedade privada". Mas o tom
41

dos documentos que essas entidades enviaram ao governo federal nem


sempre foi tão brando. A AELO-SP declara que o teor profundamente
socializante do projeto de reforma urbana, poderá gerar uma convulsão
urbana, além de desanimar a iniciativa privada e impossibilitar o
crescimento econômico do país e a consolidação do regime democrático
propiciado pelo governo brasileiro (Jornal O Estado de São Paulo,
2/2/1982).
Esses ataques partiram principalmente da AELO – Associação dos
Empresários de Loteamentos do Estado de São Paulo, Federação do Comércio de
São Paulo, Confederação Nacional do Comércio, Confederação das Associações de
Proprietários de Imóveis no Brasil, Centro do Comércio do Estado de São Paulo e
parte dos empresários da construção civil.
Nesse embate, as manifestações favoráveis foram divulgadas como descreve a
arquiteta Ermínia Maricato:
A reação favorável ao projeto ficou por conta de urbanistas conhecidos por
atividades desenvolvidas em órgãos públicos o projeto chegou com dez
anos de atraso. O IBAM reuniu planejadores e representantes de
organismos oficiais de pesquisa e planejamento urbano e entrou na luta em
defesa do projeto. O IAB-SP também discutir e apoiou o projeto. Todos
apontaram correções a serem feitas no texto da lei, mas todos
reconheceram sua necessidade (MARICATO, 1983).
A síntese de Sérgio Gardenghi Suiama (1995), disposta a seguir, parece
corresponder de modo abrangente à trajetória desse projeto, como uma das peças
principais da política urbana já posta em debate no país.

Embora o projeto de lei nº775/83 apresente, em alguns aspectos, traços


autoritários e centralizadores, não se pode esquecer que a iniciativa foi
apresentada no final do regime burocrático-militar o contém em sua essência as
principais diretrizes e instrumentos de política urbana. Não é sem razão que a sua
apresentação, à época, gerou grande polêmica e oposição por parte do capital
imobiliário. Sua importância reside igualmente no fato de que os projetos de lei de
desenvolvimento urbano posteriores seguem, fundamentalmente a mesma estrutura
(SUIAMA, 1995).

O PL 775/83 teve um desfecho que por pouco teria comprometido a


manutenção da função social da propriedade. Em maio de 83, o Ministério do Interior
42

reenviou a proposta de lei ao Congresso Nacional, revisada e abrandada, não


chegando a ser submetida à aprovação. Todavia, na Câmara dos Deputados, o relator
do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Bonifácio de Andrada
(PDS), apresentou substitutivo que, visando manter intocado o direito de propriedade,
desfigurou completamente a iniciativa governamental. Porém, com o início do
processo constituinte a tramitação do projeto ficou truncada, passando o projeto a ser
apensado ao PL 5.788/90 (SUIAMA, 1995).
Porém, em que pese ter sido motivado pelo Poder Executivo no governo militar
e não ter tramitado regularmente na Câmara, esse projeto gerou considerável volume
de discussão e controvérsia na sociedade. No terceiro capítulo, ao tratar do Estatuto
da Cidade, novas considerações serão feitas sobre o Projeto de Lei de
Desenvolvimento Urbano de 1983.

1.3 A proposta do Movimento Nacional pela Reforma Urbana


apresentada à Assembléia Constituinte nos anos 80

A terceira retomada da reforma urbana se deu em meados de 80. Desta


vez foi protagonizada por um Movimento que a incorporou em sua própria
denominação: Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Este por sua vez teve seu
surgimento motivado pelos debates da Assembléia Nacional Constituinte convocada
para o estabelecimento de novo estamento jurídico, rumo a redemocratização do país,
após mais de vinte anos de ditadura militar.

Desta vez, a reforma urbana ressurge abastecida por reivindicações mais


próximas da reivindicação popular e dos ideais da democracia. Com conteúdo um
mais abrangente, resulta de uma demanda reivindicatória, que vinha sendo acumulada
desde os meados de 80, por parte dos movimentos sociais urbanos em face da crise
urbana presente nas cidades, e, por uma outra, fundamentada pela abordagem
técnica e conceitual sobre a função social da cidade. Na condição de demandatário de
uma nova proposição política sobre a cidade, o Movimento, agiu como efeito
catalisador de dois fatores determinantes presentes nesse processo: a proposição
técnica herdada de outros tempos e a força dos movimentos.

Os proponentes da reforma neste momento foram os próprios integrantes do


Movimento Nacional pela Reforma Urbana. A composição dos seus integrantes
procurou abranger diversos segmentos que de algum modo estavam relacionados à
política urbana. Inicialmente, herdou a matriz de uma entidade chamada ANSUR –
Associação Nacional do Solo Urbano, fundada por setores ligados a Igreja Católica,
43

lideranças comunitárias, setores não governamentais, técnicos de assessoria aos


movimentos urbanos e intelectuais.

A proposta reformista desse movimento foi trabalhada em torno de uma


plataforma única de proposições, que colocava a temática da cidade no centro do debate
dos problemas urbanos. Os princípios ali estabelecidos foram além das questões locais,
levando o debate sobre a cidade para o contexto nacional. Sob o prisma do direito à
cidade, a abordagem dos direitos civis foi ampliada a partir de outras concepções sobre
a função da propriedade. Nesse sentido, todos esses elementos relacionados ao urbano
passaram a ter como ponto de partida o foco da função social, como justificativa
primeira para toda e qualquer intervenção urbana.

A plataforma da Reforma Urbana conteve três definições básicas:

A primeira diz respeito à função social da cidade e da propriedade


urbana. Ou seja, é a prevalência do interesse comum sobre o direito individual de
propriedade. Desse modo, o espaço urbano teria o uso socialmente justo e igualitário
considerando-se o equilíbrio ambiental. Em termos de direito, estaria garantido a todo
cidadão apropriar-se do território, dentro dos parâmetros democráticos, de justiça
social e de condições ambientalmente sustentáveis.

Nesse sentido, o principio norteador da propriedade urbana é a sua função


social. A destinação em termos do uso a ser-lhe dado deverá estar vinculada ao
interesse social. É claro que o direito de propriedade se mantém, desde que não
infrinja os interesses maiores. Paradigmaticamente, o direito absoluto é superado pelo
direito coletivo. Assim, por este princípio, o direito individual deve ser limitado aos
direitos expressos pela coletividade.

A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para


cumprimento da função social (Constituição Federal, artigo 185, parágrafo único)

(...).

Não têm faltado mesmo hostilidade franca a propriedade, e certa posição de


inimizade aos abastados, terreno em que somam esforços os marxistas e os
católicos sociais (PEREIRA, 1990).

De acordo com os termos enunciados por Pereira (1990), profissional da


área jurídica, tem relevância neste momento a observação contida neste trecho de sua
publicação. Primeiro remete-se à função social da propriedade garantida pela
Constituição, depois num trecho logo a seguir, identifica e relaciona determinados
44

sujeitos, os quais, por sua vez, podem ser reconhecidos entre os integrantes do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana.

O segundo princípio da plataforma consiste no direito à cidade e à


cidadania, entendido como uma nova lógica que universalize o acesso aos
equipamentos e serviços urbanos. Na verdade, vem a ser uma ampliação da noção de
direito pertinente à vida na cidade, e que vislumbra a digna condição de vida urbana
com a disposição de espaços culturais diversificados e ampla participação das
populações das cidades, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação. Nessa
mesma linha do direito à cidade, também foram incluídos os direitos ao lazer, à
informação, a liberdade de organização, o respeito à pluralidade étnica, sexual,
cultural e religiosa.

Em Henri Lefebvre (1968) pode-se encontrar fundamentos ajustados a esse


princípio da plataforma. Para o autor, o direito a cidade, entre outros, figura-se ainda
em formação. Do mesmo modo, continua:

...esses direitos mal reconhecidos tornam-se pouco a pouco costumeiros


antes de se inscreverem nos códigos formalizados. E mudariam a realidade
se entrassem para a pratica social: direito ao trabalho, a instrução, a
educação, a saúde, a habitação, aos lazeres, à vida (LEFEBVRE, 1968).

No terceiro item está a gestão democrática da Cidade. A definição da


gestão democrática da cidade era entendida como uma nova forma de planejar e
governar as cidades submetidas ao controle e participação social, feita por meio do
reconhecimento e da priorização da participação popular.

Esta participação popular tende a ser a garantia dos dois primeiros


aspectos. No plano ideológico, é a politização do urbano por meio das pessoas
moradoras na cidade, que devem a ser incluídas num processo social até então
distante, produto, ainda da ação paternalista do Estado. Constitui uma nova realidade,
em que toda a sociedade tem acesso à informação e conhecimento da realidade
contida nos meandros da disputa de interesses presentes na cidade. Entretanto, cabe
ressalvar o processo de amadurecimento e convencimento existente entre o aporte
teórico e as reais condições concretas de transformação.
45

Mas, a gestão democrática não tem apenas conotação política. Pretende


impor reformulações nos chamados levantamentos e diagnósticos dos reais
problemas urbanos com a participação e envolvimento da população. Esse
aspecto veio reconhecer os limites e imprecisões do atual conjunto de
metodologias e técnicas utilizadas para se resolver os problemas urbanos.
Na verdade, observa-se que se pretende uma reforma institucional e
administrativa na concepção e na forma de se fazer planejamento urbano
(SANTOS JÚNIOR, 1996).

Todas as definições da plataforma da reforma urbana se relacionam


diretamente à ação do planejamento urbano. E, de certa forma, colocou no centro do
debate os principais aspetos teóricos existentes em torno das condições que de fato
determinam a configuração social das cidades. Acerca dos ideais constantes da
plataforma da reforma relacionados com o planejamento, Orlando dos Santos Junior
definiu que:

[naquele momento] o objetivo central do ideário da Reforma Urbana era a


reconceituação do planejamento como instrumento de democratização da
gestão (SANTOS JÚNIOR, 1996).

Nesta sintética definição do autor, pode-se evidenciar claramente a


importância da gestão democrática no desencadear do processo. De algum modo,
passa pela ação do planejamento urbano a efetivação desses novos paradigmas. E a
relação entre os três pilares básicos da plataforma está sustentada na participação da
comunidade. O estatuto da cidade, por seu turno, vem contemplar essa preocupação,
ao menos nos termos da lei, colocando a participação como condição para sua
implementação. Esse último aspecto será tratado em maior profundidade no Capítulo
específico sobre o Estatuto da Cidade.

Em face às razões que deram origem ao Movimento pela Reforma Urbana


e à objetividade expressa em atuar diretamente no processo constituinte, tem-se que a
principal proposta desenvolvida por esse Movimento foi à elaboração da emenda
constitucional conhecida como a emenda da reforma urbana.

Essa proposição constitucional deu origem ao Capítulo da Política Urbana,


inserido no título "Da Ordem Econômica e Financeira" da Constituição de 88, artigos
46

182 e 182. Nos anos seguintes, o Movimento pela Reforma Urbana conseguiu aprovar
seus princípios e instrumentos nas constituições estaduais e nas Leis Orgânicas e
Planos Diretores dos principais municípios do país.

A instalação do mecanismo de iniciativa popular legislativa no regimento


interno da constituinte foi um fator fundamental para a participação popular neste
processo. Aprovada em março de 1987 possibilitou que o movimento popular pudesse
elaborar e defender as suas emendas no projeto da Constituição. Assim, por meio
dessas emendas, foram canalizadas as propostas advindas das mobilizações
totalizando mais de 12 milhões de assinaturas encaminhadas à Constituinte Federal.

Na fase de debates realizados no Congresso Nacional, as várias entidades


e movimentos organizados em torno do Movimento pela Reforma Urbana participaram
ativamente de audiências públicas prestando informes e subsídios junto à
subcomissão da Questão Urbana e Transportes, por intermédio da participação de
seus integrantes. Assumiram, também, a tarefa de redigir a Emenda Popular sobre
Reforma Urbana sob o estímulo do Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte,
da cidade do Rio de Janeiro.

Para representar o Movimento e defender a emenda na Comissão de


sistematização da Constituinte, foi escolhida a arquiteta Ermínia Maricato, professora
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP, no dia
27 de agosto de 1987.

De certa forma, esse fato revela o destaque que o segmento dos


intelectuais mantinha dentro do Movimento. A considerar o grande número de
entidades populares envolvidas no processo, também em outros momentos as
principais defesas de mérito foram feitas pelos intelectuais. Entretanto, o que propiciou
a elaboração da emenda foi o estabelecimento da plataforma de princípios feito
anteriormente. A apresentação e a defesa da emenda na Assembléia Nacional
Constituinte foi outro passo importante do Movimento Nacional pela Reforma Urbana
como expressão de articulação mais ampla nos marcos institucionais.

A emenda foi elaborada em pouco espaço de tempo devido ao calendário


da assembléia nacional constituinte. Teve a assinatura de seis entidades nacionais e
mais de 160 mil assinaturas subscrevendo o documento. Resultou na sistematização
47

de proposições consensuais dentro do movimento em torno das questões principais da


política urbana. Disposta em 23 artigos foi estruturada em cinco tópicos:

- dos Direitos Urbanos;

- da Propriedade Imobiliária Urbana;

- da Política Habitacional;

- do Transporte e Serviços Públicos

- da Gestão Democrática da Cidade.

Logo de início, nos dois primeiros artigos, demarcou as obrigações do


Estado com relação aos direitos urbanos. Incluiu a gestão democrática e retomou este
tema em capitulo próprio no decorrer do texto.

Art. 1º - Todo cidadão tem direito a condições de vida urbana digna e justiça
social, obrigando-se o Estado a assegurar:

I – Acesso à moradia, transporte público, saneamento, energia elétrica, iluminação


pública, comunicações, educação, saúde, lazer e segurança, assim como
preservação do patrimônio ambiental e cultural.

II – A gestão democrática da cidade.

Art. 2º - O direito a condições de vida urbana digna condiciona o exercício do


direito de propriedade ao interesse social no uso dos imóveis urbanos e o
subordina ao princípio do estado de necessidade.

A segunda parte referente à propriedade imobiliária urbana dispôs vários


instrumentos, pelos quais o Poder Público deveria se garantir os direitos urbanos. Os
instrumentos foram dispostos artigo 3:

I – Imposto progressivo sobre imóveis; II – Imposto sobre valorização


imobiliária; III – Direito de preferência na aquisição de imóveis urbanos;
IV – Desapropriação por interesse social ou utilidade pública; V –
Discriminação de terras públicas; VI – Tombamento de imóveis; VII –
Regime especial de proteção urbanística e preservação ambiental; VIII –
48

Concessão do direito real de uso; IX – Parcelamento e edificação


compulsórios.

Nota-se que instrumentos foram recuperados de momentos anteriores da


trajetória da reforma urbana. O imposto progressivo sobre imóveis e a desapropriação
por interesse social ou utilidade pública, já vinham sendo propostos desde a década
de 60. Contudo, praticamente todos eles, se fundamentam na função social da
propriedade, sob o entendimento, por exemplo, que direito de propriedade territorial
urbana não pressupõe o direito de construir, devendo ser autorizado pelo poder
público municipal. No caso, a desvinculação do direito de propriedade do direito de
construir, já havia sido proposta como condição fundamental para a aplicação dos
instrumentos contidos na projeto de lei do executivo em 1983.
Também a proposta do chamado direito de usucapião urbano compôs este
bloco, vindo a permanecer no texto definitivo da Constituição. No entanto, do mesmo
modo que o imposto progressivo, teve contestação na sua aplicação, segundo o
argumento de que seria necessário uma lei regulamentadora para tal. O que vem a
ocorrer com a aprovação do Estatuto, e segundo Saule Júnior, foi uma das maiores
conquistas do Fórum pela Reforma Urbana, destacando que houve resistência até os
últimos instantes do processo de negociação da Comissão de Desenvolvimento
Urbano em 2001.
A política habitacional, terceiro bloco, tratou de modo genérico a questão,
remetendo ao poder público a obrigação de formular políticas para o setor mediante
diretrizes balizadas na regularização fundiária.

Art. 12º- Para assegurar a todos os cidadãos o direito à moradia, fica o


poder público obrigado a formular políticas habitacionais que permitam:

I – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas em regime de


posse ou em condições de sub-habitação; II – acesso a programas públicos
de habitação de aluguel ou a financiamento público para a aquisição ou
construção de habitação própria; III – regulação do Mercado imobiliário
urbano e proteção ao inquilinato, com a fixação de limite máximo para o
valor inicial dos aluguéis residenciais; IV – assessoria técnica à construção
da casa própria.

De modo semelhante ao Seminário do IAB, propôs a criação e manutenção


de uma agência para coordenar as políticas gerais de habitação via legislação federal,
49

incluindo o controle da população local nesse processo através das suas entidades
representativas. E, estabeleceu um teto para o reajuste dos aluguéis residenciais,
pagamento de prestações e os débitos de financiamento, os quais passariam a ser
atualizados com periodicidade mínima de 12 meses, tendo como limite máximo o
índice de variação salarial.
Em relação aos conteúdos direcionados a reforma urbana até então, os
dois últimos blocos dedicados ao transporte e a gestão democrática da cidade. Temas
que até então não haviam sido incorporados em nenhuma formulação reformista
anterior. Seguindo a mesma lógica utilizada no reajuste dos alugueis na parte da
política habitacional, os aumentos nas tarifas dos serviços de transportes coletivos
urbanos foram condicionados a um percentual limite vinculado ao valor do salário
mínimo:

Art. 17º- As tarifas dos serviços de transportes coletivos urbanos serão


fixadas de modo que a despesa dos usuários não ultrapasse 6% do salário
mínimo mensal.

§ 1º - Lei ordinária disporá a criação de um fundo de transportes,


administrado pelos municípios e Estados para cobertura da diferença entre
o custo do transporte e o valor da tarifa paga pelo usuário.

§ 2º - No reajuste de tarifas de serviços públicos será observada a


autorização legislativa e garantida a ampla divulgação dos elementos
inerentes ao cálculo tarifário.

A expressão gestão democrática significou um novo conceito para a


reforma urbana. Sacramentou novo entendimento sobre a participação popular na
cidade, em que a participação seria a condição de existência para o êxito de sua
implementação. Assim a participando seria inserida na gestão publica do urbano,
passando a uma fase de institucionalização e reconhecimento. De outro modo, sem
uma gestão democrática, a concretização da reforma urbana ficaria cada vez mais
distante.
Assim, diferentemente das outras ocasiões, a participação da comunidade
esta garantida no processo, tanto na fase de elaboração como de implantação:

Art. 18º- Na elaboração e implantação de plano de uso e ocupação do solo e


transporte e na gestão dos serviços públicos, o poder municipal deverá
50

garantir a aprovação pelo legislativo e a participação da Comunidade


através de suas entidades representativas, utilizando-se de: audiências
públicas, conselhos municipais de urbanismo, conselhos comunitários e
plebiscito ou referendo popular.

Embora não tenha sido aprovado o conjunto das propostas contidas na


emenda, os debates e as negociações giraram em torno das questões apontadas pelo
conteúdo ali expresso. Nesse contexto, a inserção do Capítulo da Política Urbana no
texto constitucional se deve a duas razões: a existência da emenda da reforma urbana
e as articulações feitas pelos integrantes do movimento.

Por outro lado, a desmoralização dos planos urbanísticos pode ser


constatada no texto proposto pela emenda. Ele não incorporou a proposta de
obrigatoriedade do plano municipal. Ela foi mais objetiva, definindo instrumentos
urbanísticos de controle fundiário e de participação democrática na gestão urbana
(MARICATO, 2000).
Tanto, nos meandros das propostas contidas no anteprojeto da lei de
desenvolvimento urbano de 83 como no texto do Estatuto da Cidade. No primeiro
caso, foi atribuir ao Ministério Público, além de qualquer interessado, poder requerer
do Judiciário a determinação e aplicação direta das normas em questão. E no Estatuto
da Cidade, a exigência da participação da comunidade no processo de elaboração e
implantação de plano de uso e ocupação do solo, passando necessariamente pelo
legislativo, além dos dispositivos das audiências públicas e conselhos, e a implicação
da responsabilidade penal e civil as autoridades da administração pública quanto à
omissão no descumprimento dos preceitos relativos aos mecanismos implícitos na
gestão democrática, de modo assemelhado a improbidade administrativa previsto no
Estatuto da Cidade.

1.4 A propósito de considerações sobre o planejamento urbano

O Brasil entra no século XXI com a configuração mais urbana de toda a sua
história. Porém, não foi assim durante a maior parte dos seus quinhentos anos. Ao
contrário, até a década de 50 a população do campo era predominante, em termos
numéricos, em relação à das cidades. O fenômeno impõe uma inversão fantástica
51

resultando que, no ano 2000, tem-se cerca de 80% dos habitantes vivendo nas
cidades.

Hoje essa população urbana se encontra espalhada por uma vasta rede de
centros urbanos de vários tamanhos por toda a extensão do país. Além,
evidentemente, de a maioria das metrópoles se localiza principalmente mais próximo
da costa leste do território brasileiro, de acordo com a ocupação feita pelas
explorações desenvolvidas a partir do litoral adentro. Uma realidade que começa a
sofrer alterações desde o início da urbanização, sobretudo com a industrialização.

Embora o processo de urbanização já tenha se iniciado desde os anos 20,


a inversão entre o contingente urbano e rural ocorreu nos anos 50.11 Sobretudo, em
razão das novas relações que passaram a ser estabelecidas entre o Estado e a
cidade, a partir desse momento. Seja pelo lado da divisão social do trabalho mais
perceptível pela interação entre cidade e campo, seja pelas novas relações sociais de
produção, como também pela interface do Estado com o espaço urbano propriamente
constituído. Várias cidades atingem tamanhos enormes com este processo como é o
caso de São Paulo, que, em menos de 60 anos, passou de uma cidade de relativa
significância no conjunto da rede urbana brasileira, para se transformar na maior
aglomeração da América Latina.

Entretanto, a partir dos anos 50 inicia-se uma fase na economia do país


consoante às redefinições internacionais impulsionadas pelos países centrais. Na
condição de país periférico, ao Brasil é reservado desenvolver seu potencial industrial,
dando sua parcela de contribuição nesse novo espaço de crescimento do capitalismo
mundial. Essa conjuntura implica modificações na ordem interna do país
compreendida pela relação entre o aparelho estatal e a rede urbana (OLIVEIRA,
1982).

Pelo lado da ocupação do território, desenvolveu-se o modelo urbano


industrial, com a criação de um mercado unificado por meio de um projeto de
interiorização do país, de acordo com o qual a construção de Brasília aparece como
operação fundamental no curso dessa estratégia (ROLNIK, 1990). O sucesso dessa
empreitada resultou num território inteiramente interligado, tanto pela expressiva rede
de estradas, como pela circulação de mercadorias e meios de comunicação. A

11
Ver texto de Francisco Oliveira intitulado “O Estado e o Urbano”, In Espaço e Debates, nº.6, 1982.
52

disposição atual do país retrata esta vasta rede de centros urbanos de vários
tamanhos constituída nesse período.

A análise dos dados populacionais verificados a partir dos anos 40,


conforme o quadro 1, demonstra a inversão entre a populacional rural e a urbana.
Com base nos dados obtidos ao longo destas décadas, projetam-se índices de
população ainda maiores até 2025.

Quadro 1: População Rural e Urbana no Brasil de 1940 a 2025 (em percentagem)

Ano População Rural População Urbana

1940 68,8 31,2

1950 63,3 36,2

1960 55,3 44,7

1970 44,1 55,9

1980 32,4 67,6

1990 26,1 73,9

2000 21,0 79,0

2010 17,4 82,6

2020 14,9 85,1

2025 14,1 85,9

Fonte: FIBGE, 1940 – 1980. FIBGE – CELADE, 1990 - 2025·.


53

Apesar de a expansão das cidades ter ocorrido de modo generalizado, o


ritmo mais intenso não se deu nas metrópoles, mas nos centros urbanos de cinqüenta
a cem mil habitantes. Entre outros fatores causais, observou-se o deslocamento das
indústrias para a região metropolitana ou para as cidades do interior, como foi o caso
do interior do Estado de São Paulo; as transformações ocorridas na agricultura
verificados na região sul (oeste do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e norte do
Paraná), a concentração da propriedade e a mecanização, e ao predomínio da
produção de grãos para exportação como fortes indutores de fluxos migratórios na
chamada frente de expansão, com as populações concentradas nas áreas de
mineração em pólos exportadores e junto a grandes obras de infraestrutura regiões
Centro Oeste e Norte. É por esses marcos que o quadro da rede brasileira de cidades
reflete o projeto urbano da ditadura militar como se vê nos diversos centros urbanos
no país. Ao mesmo tempo em que significou a produção, em cada cidade, de uma
espécie de cidade paralela – precária, clandestina, ilegal, infra-equipada -, que se
constitui nas favelas e ocupações subnormais das periferias urbanas do país
(ROLNIK, 1990).

Nesse novo período, pós 1964, modifica-se, de forma radical, a prática do


planejamento urbano e regional no Brasil, marcado a partir da forte atuação do
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo -, criado em agosto do
mesmo ano do golpe. Entre outras atribuições mais ligadas à habitação, essa
instituição também teve o papel de atuar no planejamento urbano, dando diretrizes e
prestando assessoria aos municípios. É a partir desse momento que se define uma
política nacional de planejamento urbano, com elaboração de planos feitos a partir de
uma metodologia estabelecida por aquele órgão.

Os recursos federais destinados aos investimentos urbanos decorrentes


desta política foram basicamente viabilizados através da criação do Banco Nacional da
Habitação – BNH. Segundo Raquel Rolnik (1990), com o Sistema Financeiro de
Habitação – SFH - e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPP -
considerável volume de recursos foi utilizado para financiar esse projeto. Notadamente
a partir da centralização da poupança voluntária e compulsória (Fundo de Garantia por
tempo de Serviço) em vigor no país.
54

Diante do novo regime, do esvaziamento do legislativo e da desarticulação


da sociedade civil, o planejamento foi cada vez mais se tecnificando e isolando da
sociedade, enquadrado e limitado pela visão centralizada e tecnocrática que dominava
o sistema de gestão do país como um todo (ROLNIK, 1990; FELDMAN, 1996).
Surgem, nesse meio, os planos tecnocráticos os quais, segundo a arquiteta Ermínia
Maricato, resultaram de um saber especializado que vinha de fora do município, que
ignorava a opinião da população e, não pouco freqüentemente, a dos quadros técnicos
que compunham a própria administração municipal. Esse modelo foi dominante
durante todo o período de vigência do SERPHAU, órgão responsável por coordenar
nacionalmente a elaboração de Planos de Desenvolvimento Integrado, durante a
ditadura militar, de 1966 até a sua extinção em 1974 (MARICATO, 1997).

Porém, de modo mais preciso, também os estudos da professora Sarah


Fedldman12 não atribuem à conjuntura política autoritária a produção da “tecnificação”
no planejamento urbano brasileiro. Mas, segundo a autora, é em pleno período
democrático que se instalam as bases do planejamento tecnocrático, que no regime
autoritário será apenas potencializado (FELDMAN, 1996,). Nesse sentido, o mesmo
ocorre com o processo de “despolitização” dos problemas urbanos, geralmente
identificado a posteriori.

Ao longo dos anos 60 e 70, foi se gerando uma periferia autoconstruída e


sem infra-estrutura. Esse padrão se expandiu ate o final dos anos 70, quando o
"milagre brasileiro" entrou em crise, o projeto do governo militar passou a ser mais
questionado e se iniciou a transição democrática.

Para Luiz César de Queiroz Ribeiro (1996), de acordo com o seu modelo
13
analítico , a partir de 1950, o urbano entra na era do desenvolvimentismo, e passa a
ser tratado sob este ponto de vista. Segundo ele:

O objetivismo tecnocrático predomina na formulação da questão urbana, a serviço


do nacional-desenvolvimentismo. O projeto de constituição da nação desloca-se
para o eixo econômico. Essa ideologia consegue, todavia, articular esse projeto

12
FELDMAN, Sarah. Planejamento e Zoneamento. Tese de doutoramento. USP. São Paulo, 1996.
13
Neste trabalho, Luis César de Queiroz Ribeiro procura construir um modelo analítico que permita
identificar os principais padrões de planejamento urbano historicamente formulados no Brasil e a sua
vigência em determinadas experiências. Por padrão, ele entende o conjunto dos princípios que orientam o
"diagnóstico da realidade urbana", bem como a definição da forma, objeto e objetivos da intervenção
proposta.
55

com uma pratica de modernização acelerada baseada na internacionalização da


economia (RIBEIRO, 1996).

Já a partir do final dos anos 70, esse modelo começa a enfrentar


dificuldades. Começa a se delinear uma nova conjuntura teórico-política, cujos
desdobramentos ainda envolvem a nação brasileira no presente. A causa dessa
situação seria a modernização conservadora iniciada com a política dos militares pós-
64. Esse modelo, uma espécie de desenvolvimento baseado nos moldes do fordismo
europeu ou americano, propiciaria a parcelas significativas da população o aumento
real dos salários ou as garantias e suporte oferecido pelo Estado. No entanto, essa
modernização provocou um quadro de tensões sociais significativo no campo da
organização sindical e da mobilização em trono das condições de vida, causando uma
acirrada disputa em torno dos benefícios gerados pela ação do Estado (RIBEIRO,
1996).

Ao fim do período, todavia, principalmente a partir da emergência de movimentos


sociais na cidade, a dimensão social passa a predominar na tematização da
questão urbana (RIBEIRO, 1996).

Conforme analisa Ribeiro, os acontecimentos do final da década de 70


motivados pelos movimentos deslocam a temática urbana para as demandas sociais
das cidades. Neste trabalho, o autor ainda discorre sobre outros dois padrões
relacionados com os objetivos desta pesquisa. O primeiro é a reforma urbana
modernizadora, que já foi mencionada no primeiro capítulo, na qual o tema do
planejamento aparece como forma privilegiada de enfrentamento dos problemas
sociais, caracterizados como fruto da dependência do país.

Enquanto o segundo corresponde à reforma urbana redistributiva:

Esse padrão emerge a partir do desenvolvimento de formas de mobilização em


torno da apropriação dos benefícios da urbanização e da ação do Estado. Sua
expressão principal se dará no âmbito das discussões em torno da Constituinte, em
meados dos anos 80 quando se busca resgatar o caráter redistributivo presente na
proposta de Reforma Urbana de 1963

(RIBEIRO, 1996).
56

O diagnóstico apresentado por este padrão é centrado nas desigualdades e


nos direitos sociais. Ele estabelece uma distinção entre ganhos lícitos e ilícitos na
produção da cidade. A exclusão social e política das camadas populares configura o
eixo do discurso.

Esse padrão é constituído por meio de associações de técnicos, como de


sindicatos de arquitetos e engenheiros, entidades de assessoria a movimentos
populares, como a Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional –
FASE -, Associação Nacional do Solo Urbano – ANSUR – e o Instituto Pólis, e
entidades representativas de movimentos populares, bem como entidades
representativas das alas progressistas da Igreja.14

No entanto, Ribeiro faz algumas ponderações sobre esse padrão:

Existe uma contradição na sua proposta [da reforma urbana], marcada pelo
"autonomismo" dos movimentos sociais, por um lado, e por uma postulação de uma
presença "protetora" do Estado, o que nos levaria a ver neste movimento, de certa
maneira, traços do populismo. O campo de atuação desse padrão é essencialmente
o jurídico, colocando-se como eixo à produção de novos direitos sociais. Daí que o
seu ponto culminante tenha sido a luta em torno da Constituição Federal
(RIBEIRO, 1996).

Entretanto, o que se alega é que trazer para o centro da discussão a


questão social não deveria ser limitante para as ações nem as repercussões no
âmbito jurídico. Visto por esse ângulo, a colocação feita pelo autor vai no sentido da
necessidade de ampliar a ação ou a representação, que se encontraria fixada nos
embates dos trâmites legais.

1.4.1 A esfera técnica e a política da atividade de planejamento

A atividade de planejamento urbano tem sido cada vez mais utilizada e


difundida nas cidades brasileiras, grandes ou pequenas. Geralmente, a estrutura
administrativa comporta essa atividade nos órgãos responsáveis pela organização e
disciplinamento do espaço físico territorial do município. Por outro lado, nota-se que,
57

recentemente, novas atribuições relacionadas a gestão têm sido debatidas e


encaminhadas por profissionais atuantes nesse campo.

O professor Flávio Villaça, no seu trabalho Uma contribuição para a história


do planejamento urbano no Brasil, investigando a trajetória do planejamento urbano
das décadas recentes, relaciona as duas expressões:

No Brasil a palavra planejamento associada a urbano é mais recente que


urbanismo, e sempre teve uma conotação associada à ordem, a racionalidade e à
eficiência, enquanto urbanismo ainda guardava resquícios do "embelezamento" e
sempre foi mais associado à arquitetura e às artes urbanas (VILLAÇA, 1995).

Nesse particular, os estudos de Maria Cristina Leme em torno da formação


do pensamento urbanístico no país destacam um momento significativo para essas
definições:

No Brasil, a década de 50 é um momento de importantes transformações no campo


dos estudos urbanos pela emergência de novos temas, a introdução de novos
métodos e a participação de profissionais de outras disciplinas que, até aquele
momento, não haviam se ocupado da questão urbana

(LEME, 1999)

Retornando a Villaça, tem-se que, a partir da década de 50, desenvolve-se


no Brasil um discurso da necessidade de integração entre os vários objetivos (e ações
para atingi-los) dos planos urbanos. Esse enfoque passou a centrar-se (mas não
necessariamente a se restringir) na figura do plano diretor e a receber, na década de
1960, o nome de planejamento urbano ou planejamento urbano (ou local) integrado.
(VILLAÇA, 1995).

Parece-nos evidente que só podem ser consideradas da esfera do planejamento


urbano apenas aquelas ações do Estado sobre o urbano que tenham sido objeto de
algum plano, por mais amplo que seja o conceito de plano.

(...)

14
Esse padrão, pelas definições de Ribeiro (1997), corresponde aos integrantes do Fórum Nacional de
Reforma Urbana, o qual será discutido no capitulo quatro.
58

a expressão Planejamento Urbano serve para designar essas formas específicas de


ação – ou de discurso – do Estado sobre o espaço urbano, caracterizada por uma
suposta visão geral do conjunto (VILLAÇA, 1995).

Em outra passagem:

No Brasil a palavra planejamento associada ao urbano é mais recente que


urbanismo, e sempre teve uma conotação associada à ordem, a racionalidade e à
eficiência, enquanto urbanismo ainda guardava resquícios do embelezamento e
sempre foi mais associado à arquitetura e à arte urbanas. Essa foi à razão pela
qual o ensino do urbanismo nasceu no Brasil junto como ensino da arquitetura.
Mesmo quando o urbanismo era ensinado nas escolas de engenharia,
desenvolveu-se entre os engenheiros arquitetos. (...) o urbanismo no Brasil, como
aparentemente em todo o mundo latino, aparece inicialmente associado à "arte
urbana", à "arquitetura das cidades", ao "embelezamento urbano" (VILLAÇA,
1995).

No entanto, segundo o autor, há uma dificuldade de se aprovar a lei do


plano diretor por inteiro, ou seja, a história tem demonstrado que apenas tem se
conseguido aprovar as diretrizes gerais, os princípios, ficando para um segundo
momento discutir e aprovar como seria a implementação de fato daqueles princípios
primeiros. Assim, teoricamente, tem-se aprovado um plano diretor sem consistência de
matéria legalmente regulamentada e, portanto, sem condições de aplicação direta.

Na década de 70, com os planos há uma simplificação do planejamento. A


mudança fica por conta dos planos, que deixam de dispor de complexidade e de
rebuscamento técnico e da sofisticação intelectual até então verificados, para
assumirem formato substancialmente mais simples. Elaborados pelos próprios
técnicos municipais, esses novos tipos de plano eram compostos de acordo com
objetivos, políticas e diretrizes, dispensando o diagnóstico e a grande quantidade de
mapas e estatísticas. Por estas razões, Villaça define tais planos com a expressão:
plano sem mapa. Na prática, a cidade continua sem o plano. Por outro lado, alguns
autores consideram que a Lei Federal 6766/79, que regula loteamentos, é a que mais
se aproximou do que se denomina planejamento urbano, pois se trata de uma lei
especificamente espacial, com o objetivo de organização do espaço (VILLAÇA, 1995).
59

Ao final do seu trabalho, o autor conclui o plano e o planejamento urbano


não chegaram a existir de fato desde que surgiram no Brasil. Por outro lado,
reconhece o zoneamento como um dos principais aspectos do planejamento urbano
que está sendo aplicado até hoje nas cidades. Nesse sentido ele se exprime:

Exceção feita ao zoneamento – o único aspecto do planejamento urbano brasileiro


que tem sido vivo e conseqüente, embora sabidamente elitista, o planejamento
urbano no Brasil tem sido fundamentalmente discurso, cumprindo missão
ideológica de ocultar os problemas das maiorias urbanas e os interesses
dominantes na produção do espaço urbano

(VILLAÇA, 1995).

No entanto, ao se referenciar ao zoneamento como atividade de


planejamento traz a tona os aspectos preponderantes da legislação urbanística.
Enquanto os planos demoram para ser elaborados e mexem com a cidade toda, a
figura do zoneamento suportada pela legislação urbanística, é feita em curto espaço
de tempo e não necessariamente precisa abarcar toda a cidade, podendo inclusive
incidir em partes específicas da malha urbana.

No caso da cidade de São Paulo, o zoneamento enquanto instrumento


técnico já havia sido absorvido pelos engenheiros do Departamento de Urbanismo
desde 1955 (FELDMAN, 1996). Quando foi aprovado nesta cidade, em 1972, já era
fruto das práticas que vinham sendo construídas sistematicamente ao longo do tempo,
desde 1947.15

Por outro lado, a professora Sarah Feldman, além ao analisar os primeiros


marcos do zoneamento difundido no país também recupera aspectos históricos

15
O estudo de Sarah Feldman compreende o Zoneamento e o Planejamento da cidade de São Paulo entre
1947 e 1972; no entanto, embora tenha se reportado a um exemplo, há de se considerar a importância
desta cidade, tendo em vista o efeito irradiante provocado nas demais localidades do país. Segundo Sarah
Feldman (1996, pág.72), “a partir de 1947, inicia um intenso processo de codificação técnica do
zoneamento que realiza deforma experimental no espaço urbano. O instrumento se constrói, por um lado,
através de leis que atingem parcelas do território urbano – como um mosaico de leis parciais – e, por
outro, através da elaboração de propostas de leis abrangentes ao conjunto da cidade, que se colocam como
um modelo de organização global da cidade(...) Entre 1947 e 1957 se constrói uma concepção do
instrumento consensual entre os funcionários do Departamento, referenciada nas leis americanas, que são
estudadas, analisadas e reproduzidas.”
60

importantes da legislação urbanística. Nessa linha, levanta a hipótese que a partir dos
anos 40 se consolida uma visão legalista do urbanismo brasileiro. 16

Ao relacionar o plano ao zoneamento, ela identifica que o processo de


declínio da importância do plano como instrumento de intervenção no espaço urbano,
corresponde a ascensão da legislação como instrumento por excelência de
planejamento (FELDMAN, 2001). Nessa linha, corroborando com Villaça nesse
aspecto, ela destaca o papel determinante da legislação urbanística no Brasil por
intermédio da legislação referente ao zoneamento, o qual, por isso tem sido um
instrumento eficiente de planejamento urbano. E, que, por outro lado, muitas vezes
serve a interesses específicos e fragmentados pela cidade.

Finalmente, esse último aspecto do planejamento urbano referente à legislação


urbanística remete a discussão feita pela segunda parte deste trabalho. Não
exatamente pela profundidade conceitual do planejamento urbano ou zoneamento,
mas pelos aspectos relativos as demandas políticas e técnicas atomizadas em torno
do arcabouço jurídico incrementado tanto pela nova constituição em 1988, como pelo
Estatuto da Cidade, discutido no terceiro capítulo.

16
Extraído do texto de Sarah Feldman intitulado: Avanços e limites na historiografia d legislação
urbanística no Brasil baseado na pesquisa “legislação urbanística e Habitação Econômica no Brasil:
Nexos com o Movimento Moderno (1960-1964)”, desenvolvida no depto de arquitetura e Urbanismo –
EESCUSP.
61

Capítulo 2

Os Movimentos Urbanos e a emergência do

Movimento Nacional pela Reforma Urbana

no Brasil na década de 80

“Ver é mais fácil do que pensar”

Anhaia Melo
62

Introdução

Este capítulo aborda os Movimentos Sociais Urbanos, com destaque para


Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Inicialmente, buscou-se compreender a
emergência dos movimentos urbanos ocorridos no Brasil nos anos 70, considerando
as diversidades e particularidades de uma conjuntura marcada pela ditadura militar. A
par da resistência e do anseio pela liberdade, procurou-se compreender o papel
histórico destas organizações rumo ao processo de redemocratização do país.

Autores como Castells, Maria da Gloria Gohn e Eder Sader, entre outros,
foram utilizados como referências da literatura técnica científica para estudo dos
movimentos sociais urbanos. A contribuição destes trabalhos veio no sentido de
fornecer parâmetros e definições sobre a ocorrência dos movimentos urbanos,
sugerindo reflexões acerca de suas principais causas.

A análise do Movimento Nacional pela Reforma Urbana coube neste


capítulo com o objetivo de explicitar a sua importância na construção de um processo
democrático para planejamento urbano. Nesse sentido. Desta forma, procurou-se
relacionar o Movimento com a conjuntura política estabelecida com a Assembléia
Nacional Constituinte, destacando-o como principal proponente e defensor da minuta
da emenda da reforma urbana. Para tanto, foram dispostos diferentes atributos no
sentido de caracterizá-lo dentro de suas especificidades históricas, orgânicas e
políticas. Foram explorados aspectos relacionados ao surgimento, composição,
ideologia e identidade, entre outros, procurando melhor compreensão da sua natureza.

A ênfase técnica explicitada no discurso defensores da plataforma


reformista foi demonstrada, em boa parte, pelo papel cumprido pelas assessorias de
profissionais da área aos movimentos. A exemplo do que foi sintetizado na emenda
constitucional, conforme foi visto no primeiro capitulo.

Ao final, apresenta-se a década de 90 como uma nova fase para o conjunto


dos movimentos sociais, da qual a articulação em torno da reforma também é atingida
por outra conjuntura política em nível mundial. Os efeitos da globalização combinados
e a descentralização do processo constituinte a situação se torna mais complexa,
impondo outros horizontes.
63

2.1 A conjuntura política dos anos 60 e 70

O golpe militar de 1964, a perseguição de 1968 e a dura repressão que se


abateu sobre todos os que se opuseram efetivamente ao regime militar geraram a
prisão, na maioria das vezes, seguida por tortura e, não raramente, por morte de
várias lideranças políticas, sindicais e estudantis. Outros, também perseguidos pelos
organismos de segurança do Estado, tiveram de abandonar clandestinamente o país,
inaugurando um período de exílio. Pela segunda vez tivemos um período no qual
aflorava o ideal democrático no país, chamado, então, de processo de
redemocratização política. O primeiro momento foi o intervalo entre 45 e 64 em que
pese à cassação do registro Partido Comunista em 1947.

Para melhor compreensão, o período dos governos militares pode ser


dividido em três fases. A primeira ocorre entre 1964 1968 sob o governo do general
Castelo Branco e o começo do governo do general Costa e Silva. No seu início, foi
caracterizado por intensa atividade repressiva seguida de sinais de abrandamento. Na
economia, foi um período de combate à inflação, de forte queda no salário mínimo e
de pequeno crescimento que, somente em 1968 conseguiu retornar os altos índices
registrados na década de 50. Predominaram os setores mais liberais das forças
armadas, representados pelo general Castelo Branco.

Na segunda fase, período entre 1968 e 1974, o país teve a maior


intensidade de repressão política e violência do regime, do ponto de vista dos direitos
civis e políticos. O comando do país foi reservado ao general Garrastazu Médici,
escolhido presidente após o impedimento de Costa e Silva. No campo da economia,
houve o contraste entre o crescimento econômico e a redução do salário mínimo.

A terceira fase começa no ano de 1974, com a posse do general Ernesto


Geisel e termina em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves. Inicialmente
diante de contradições entre os próprios militares desenvolvem-se iniciativas menos
repressoras para a lógica do sistema, encaminhada pelo general Geisel. Esse
processo continua com o general João Batista de Figueiredo entre 1979 e1985 quando
vão sendo revogadas as leis de excessão concomitantemente ao crescimento das
forças contrárias ao regime. Do ponto de vista econômico, sob os efeitos da crise do
petróleo de 1973´, tem-se a redução dos índices de crescimento, que, no início dos
anos 80, chegam a ser negativos.
64

Os movimentos sociais urbanos se desenvolvem nessa conjuntura e


cumprem importante papel, servindo de resistência e de pólos de aglutinação para a
contestação política. Originários da prática da própria luta, como produto de formas
embrionárias de organização, passaram a ter expressão a partir das reivindicações
ligadas ao mundo do trabalho e a determinados problemas urbanos. Aos poucos,
despontaram-se pela capacidade de contrapor e reagir às políticas ditatoriais,
sobretudo em função do arrocho salarial e do crescente aumento de preços dos
produtos básicos no começo dos anos 70. A atuação se dava principalmente pela
pressão sobre as instâncias governamentais para conseguir melhorias de caráter
coletivo para o bairro ou para a comunidade.

Destaca-se, nesse processo, o movimento contra a carestia, em meados de


74, e o processo de ocupações em bairros periféricos, sobretudo na cidade de São
Paulo. Apesar não estivessem articulados entre si, tinham em comum a resistência à
ditadura militar propondo liberdade, democracia e melhores condições de vida. Além
das reivindicações específicas, havia um objetivo comum bem definido: acabar com a
ditadura, construir um novo regime de liberdade com esperança de uma sociedade
democrática.

Também fizeram parte do contexto adverso desse período as revoltas


suburbanas ocorridas principalmente nos trens de São Paulo e do Rio de Janeiro. A
contestação era por conta da precariedade dos serviços de transportes coletivos, sem
ainda uma ligação direta com a política mais geral ou com os demais movimentos
populares. Tais movimentos ficaram caracterizados pela indignação truculenta e
espontânea dos trabalhadores usuários desses meios de transporte coletivo, que
ousaram desafiar as forças repressivas para protestar contra o que entendiam ferir os
direitos de melhores condições de transporte para trabalho. A espontaneidade também
se deu devido a ausência de órgãos legítimos de reivindicação, num momento em que
não se permitia outra maneira de agir (MOISÉS, 1985).

Na parte final dos anos 70, como resultante do acúmulo de experiências,


outros tipos de movimentos foram ressurgindo ou sendo criados, como o movimento
sindical e o estudantil, as associações profissionais, e as manifestações de grupos de
artistas e intelectuais, entre outros. De 1977 em diante, sobretudo nos anos que
precederam a transição para um regime democrático, houve um aumento notável na
65

intensidade e freqüência das greves17(BOSCHI, 1994). A década se encerra com um


ambiente político tencionado entre as manifestações da sociedade civil e o regime
militar.

Logo no início da redemocratização em 1985, diante de uma nova situação


de postulações e agentes políticos, surge o Movimento Nacional pela Reforma
Urbana. Os seus fundamentos estavam definidos na sua própria denominação, com o
propósito de discutir, articular e elaborar uma proposta global sobre a questão urbana
no país com vistas à elaboração da nova constituição.

2.2 Referências da Literatura Técnico-científica sobre os Movimentos


Sociais Urbanos

Entre os estudos sobre os movimentos sociais considera-se abordagem


clássica aquela feita até os 60 do século XX, de acordo com os estudos de Maria da
Glória Gohn (1997). Segundo ela, os autores clássicos analisavam os movimentos em
termos de ciclos evolutivos em que seu surgimento, crescimento e propagação
ocorriam por intermédio de um processo de comunicação que abrangia contatos,
rumores, reações circulares e difusão de idéias. As reivindicações geradas pelas
insatisfações estavam relacionadas apenas a mudanças rápidas e espontâneas sem
capacidade de influenciar o sistema devido a estas próprias características,
reservando apenas aos partidos políticos, grupos de interesses e lideranças
expressivas tais possibilidades.18

Nos estudos contidos em A Questão Urbana, o sociólogo espanhol Manuel


Castells (1974) analisa em profundidade a natureza e as características dos
movimentos sociais urbanos. Inicialmente define que um movimento social nasce do
encontro de uma certa combinação estrutural, que acumula diversas contradições,

17
Segundo os estudos de Renato Raul Boschi (1990) foram fundamentais as greves de maio de 1978 na
indústria automobilística, as quais contribuíram para o desencadear do movimento de profissionais
assalariados de classe média. A exemplo de uma manifestação de 500 médicos residentes em São Paulo,
em abril de 1977, a partir da qual seguiram-se quatro greves nacionais entre junho de 1978 e maio de
1981, ocasionando a paralisação de grandes hospitais no Rio, São Paulo, Porto Alegre e outras cidades.
66

com um certo tipo de organização. E que, por sua vez, provoca, por parte do sistema
urbano, um contra-movimento que não é senão a expressão de uma intervenção do
aparato político (integração-repressão que tende a manutenção da ordem).

Assim o acúmulo de contradições existentes no sistema urbano e nas


relações sociais poderia levar as condições geradoras destas estruturas:

Há movimento social urbano quando há correspondência ente as


contradições estruturais fundamentais do sistema urbano e uma linha justa
de uma organização formada a partir da cristalização de outras práticas.

Observando que esta linha justa corresponderia a:

(...) a prática política cujo horizonte estrutural corresponde aos objetivos da


organização, a depender dos interesses de classe representados pela
organização numa conjuntura dada

(CASTELLS, 1974).

Seria, portanto, resultante de práticas contestatórias e ou reivindicatórias


manifestas por agentes urbanos em uma dada realidade. Mas que estaria
fundamentalmente alicerçada por traços organizativos capazes de orientar, articular e
unificar as ações e as práticas.

Entre as conclusões que Castells apresenta ao final deste trabalho,


apresenta a seguinte definição para movimento social urbano:

por movimento social urbano se entende um sistema de práticas que resulta


da articulação de uma conjuntura definida, a um tempo, pela inserção dos
agentes na estrutura urbana e na estrutura social, e de natureza tal, que seu
desenvolvimento faria transformações estruturais no sistema urbano faria
uma modificação substancial na correlação de forças e na luta de classes,
em ultima instância no poder do estado (CASTELLS, 1974).

18
De acordo com Maria da Gloria Gohn, do ponto de vista teórico, a análise da bibliografia geral nas
ciências sociais usualmente inclui os movimentos sociais como uma sessão dos estudos sócio políticos e
tem como denominador analisá-los dentro da problemática da ação coletiva (GONH, 1997).
67

Tais movimentos contribuíram destacamente para impor outras


potencialidades aos parâmetros reconhecidamente tradicionais deste campo de
análise. Nos anos 70 os movimentos sociais urbanos desenvolveram-se
quantitativamente e qualitativamente na maioria dos paises da Europa Ocidental e da
América do Norte (CASTELLS, 1980). Nesse período, segundo Castells, eles
cresceram a ponto de alcançar consideráveis níveis de visibilidade e reconhecimento
social, sendo que tal desprendimento devia-se:

(...) ao enraizamento dos movimentos urbanos na evolução contraditória dos


elementos que configuram nossas sociedades em sua relação dialética: o capital
monopolista e suas tendências à crise, expressadas numa crise urbana cada vez
mais profunda; às classes sociais e sua luta em defesa dos seus interesses, que se
prolonga em luta política de classes, e ao Estado e as formas mutantes de
representação, de repressão e de negociação dos interesses sociais que o
constituem (CASTELLS, 1980).

Entretanto, neste mesmo estudo o autor procura de modo simples


apresentar os limites de tais movimentos urbanos comparando-os com as
mobilizações em torno de reivindicações salariais. Segundo ele, não seria, neste caso,
por decorrência de ambas as situações que a exploração seria extinta. Porém,
recomendava que as reformas urbanas deveriam ser aprofundadas até a superação
da lógica estrutural da cidade capitalista (CASTELLS, 1980).

Maria da Gloria Gohn, por sua vez, retrata os movimentos sociais ocorridos
nesse período no Brasil realçando a contribuição dada por eles ao processo de
democratização:

Não nos resta a menor dúvida de que, no plano geral, a principal contribuição dos
diferentes tipos de movimentos sociais brasileiros dos últimos vinte anos foi na
reconstrução do processo de democratização do país (GONH, 1997).

Ao final da sua analise a autora afirma que não há uma teoria única, assim
como não há uma só concepção para o que seja um movimento social, e não há
também um só tipo de movimento social. Levando em conta que os movimentos são
fluidos, fragmentados, perpassados por outros processos sociais (GOHN, 1997). Estas
características podem ser observadas nos movimentos urbanos ocorridos no Brasil,
por volta do mesmo período já referenciado por Castells.
68

2.2.1 Os Movimentos Urbanos no Brasil

Os movimentos sociais surgidos no Brasil na década de 70 foram gestados


a partir das lutas e dos protestos urbanos num contexto bem particular da história da
sociedade brasileira. Durante esta década, esses movimentos diferentes caracterizam
duas fases distintas e complementares entre si. Inicia-se pelas reivindicações das
comunidades de bairro em torno de questões mais pontuais e menos políticas que as
da segunda fase. Estas assumiram uma postura mais politizada e abrangente sobre a
situação política na qual estavam inseridos. Também foi nesse momento que foram
fundamentais para, mais tarde, estabelecer a transição democrática. Por estas e
outras razões, os movimentos urbanos tornaram-se relevantes para a análise dos
processos históricos da política urbana brasileira.

No ambiente da repressão política, esses movimentos foram os responsáveis


pelas reivindicações locais ligadas ao cotidiano da vida urbana, motivadas pela
insatisfação em face do arrocho salarial e das precárias condições de vida dos
trabalhadores no período. Ao se referir ao surgimento dos movimentos sociais nesse
período, Eder Sader procura identificar possíveis particularidades, as quais estariam
presentes desde o primeiro momento em que apareceram. Nesse sentido, o autor tece
as seguintes considerações:
O que talvez seja um elemento significativo, que diferencia os movimentos
sociais da década de 70, é que eles não emergiram fragmentados, mas
ainda se reproduziram enquanto formas singulares de expressão. Ou seja,
embora tenham inclusive desenvolvido mecanismo de coordenação,
articulação, unidade, eles se mantiveram como formas autônomas de
expressão de diferentes coletividades, não redutíveis a alguma forma
superior e sintetizadora (SADER, 1988).
A busca pelas matrizes geradoras dos movimentos sociais ocorridos na década
de 70 no Brasil também gerou análises em torno da fragmentação, da diversidade e da
heterogeneidade social expressa por eles. O aspecto fragmentário correspondia à
existência isolada, que, desde o surgimento, esteve vinculada à diversidade das
próprias condições sob as quais eles emergiram (Singer, 1980). A heterogeneidade
social existente na sociedade neste momento contribuiu com esse processo na
medida em que propiciou diversas formas de manifestações de operários industriais,
de posseiros, de assalariados agrícolas, de consumidores contra a carestia, de grupos
69

mobilizados em torno do nacionalismo etc. (SADER, 1988). Entretanto, a identificação


da pluralidade existente dentro e fora dos movimentos observados por diversas
análises desse período, serviu apenas para indicar as diversas formas de expressão
sem caracterizar qualquer segmentação de classes ou camadas sociais.

Não obstante, de acordo com a análise de Moises (1985), a ocorrência dos


movimentos urbanos no caso brasileiro se dá de duas formas mais conhecidas. A
primeira, através da ação organizada de amplos setores das classes populares, das
quais as associações ou sociedades de amigos de bairros seriam exemplares. A ação
direta levada a efeito pela emergência de um protesto repentino e inesperado
constituiria a segunda forma. Neste caso, os movimentos estariam relacionados à
deterioração de um setor de serviços públicos de consumo coletivo diretamente
ligados às condições urbanas de reprodução da força de trabalho. Os exemplos mais
conhecidos são os “quebra-quebras” de trens suburbanos e ônibus, como os de 1947,
1959 e entre 1974 e 1976, entre outros.

Os movimentos sociais urbanos, de um modo geral, eram constituídos por


associações que aglutinavam desde favelados ou moradores de loteamentos
clandestinos até um contingente vasto e variado de camadas populares. Congregados
em torno de entidades de bairro, paróquias ou outras formas de defesa reclamavam
por melhores condições de habitação, transporte, saúde ou saneamento (KOWARICK,
1993). Tiveram de construir suas identidades enquanto sujeitos políticos precisamente
porque elas eram ignoradas nos cenários públicos instituídos. Esses movimentos
sociais foram encarados como de modalidades particulares de elaboração das
experiências vividas pelos trabalhadores.

Referindo-se a essa nova configuração das classes populares no cenário


público, Sader se reporta aos novos atores surgidos:

Assim, em nosso caso, na emergência dos novos atores sociais, das novas
configurações e identidades dos trabalhadores no cenário público, no que
parece o início de um outro período na história social de nosso país, nos
deparamos com o nascimento de formas discursivas que tematizam de um
modo novo os elementos que compõem as condições de existência desses
setores sociais (SADER, 1988).
70

Os movimentos urbanos gerados no curso da década de 70 foram vistos,


então, pelas suas linguagens, pelos lugares onde se manifestavam, pelos valores que
possuíam, como indicadores da emergência de novas identidades coletivas.

Por outro lado, o autoritarismo também teve de procurar novas fórmulas de


legitimação diante dos descontentamentos generalizados entre as massas populares
urbanas. Isso pode ser observado no trabalho de José Álvaro Moisés e Verena
Martinez-Alier sobre as revoltas dos suburbanos, ocorridas com maior intensidades
entre 1974 e 1976. Segundo eles:

Na impossibilidade de oferecer qualquer solução mobilizatória, (o governo)


lançaria mão do expediente de fazer revivescer, em pleno local, a velha técnica do
clientelismo político. Qualquer solução que fosse encontrada supunha incluir, na
relação elites-massas, algum tipo de barganha que, mesmo que só nas aparências
refizessem de alguma maneira, a ligação entre a massa e o Estado
(MOISÉS, 1985).

De acordo com os autores, um exemplo concreto dessa política pode ser


encontrado nas Administrações Regionais de São Paulo, que, em colaboração com
alguns vereadores, ensaiaram ações para dar respostas às demandas localizadas dos
movimentos. Desse modo desempenhariam o papel de intermediários entre as
reivindicações populares e o Estado apontando medidas conciliatórias. Naturalmente,
o poder de barganha dos aparatos estatais se baseava em sua capacidade
(teoricamente ilimitada) de atender as populações, o que de fato não aconteceu
(MOISÉS,1985). Entretanto, observam os autores:

Cabe observar que nem o populismo “participacionista” dos anos 50 e do início


dos 60, nem o autoritarismo pós-64 poderiam resolver os problemas urbanos, pois
qualquer solução implicava transformações econômicas, sociais e políticas de
profundidade, que não estavam em seu horizonte (MOISÉS, 1985).

De fato, o que parece salutar nestas reflexões é a identificação das novas


possibilidades surgidas diante da realidade social vivida naquele momento pelas
populações urbanas. Além de que, nesse processo, os movimentos urbanos
cumpriram um papel importante de preparar as condições para uma nova conjuntura
de melhores condições de vida para os moradores da cidade. No entanto, convém
ressaltar que esses movimentos sociais não substituem os partidos e nem podem
cancelar as formas de representação política. Inclusive foi em função da atuação deles
71

que as instituições tradicionais como os partidos, sindicatos, associações profissionais


e entidades civis foram reestruturadas.

No entanto, aqueles eram anos em que o obstáculo primeiro era ainda uma
repressão arbitrária, e que sempre poderia sufocar no nascedouro de qualquer
movimentação das classes populares. Foi o que aconteceu. Em 1974 ocorrem
várias prisões de militantes operários na periferia sul. Neste ano é preso Aurélio
Peres, membro da Pastoral Operária e marido de Conceição, uma das figuras
centrais do Clubes das Mães (SADER, 1988).

Porém, cabe registrar esta passagem para se ater às condições existentes


para as mobilizações políticas tradicionais, a exemplo das prisões de vereadores e
deputados que atuavam em defesa do movimento popular. De outro modo, a
espontaneidade dos movimentos urbanos revelaram o lado autêntico e sensível da
sociedade descontente, além da capacidade de ocupar o espaço político nas
situações mais adversas.

A segunda fase foi marcada pelo impacto dos movimentos sociais em 1978,
como fruto da experiência anterior, que de algum modo acumulou e reproduziu forças
sociais. Nesse momento, esses movimentos foram se fortalecendo e se tornando mais
politizados, reunindo condições e aos poucos ampliando a mobilização para outras
áreas de atuação.

Um certo vigor novo de desaglutinação, que não se restringe aos


estudantes, artistas, intelectuais ou grupos profissionais, mas que engloba camadas
sociais mais amplas e significativas amplia as potencialidades dos movimentos
sociais. Segundo Lúcio Kowarick (1993), aprofunda-se uma consciência sobre os
problemas do trabalho e da cidade que parece recusar os estilos de lutas que
predominaram até então.

De um lado, expressava-se pelo esforço de se desprender das


aparelhagens institucionais do Estado, procurando sedimentar sindicatos, partidos ou
outras modalidades organizativas, de modo a se desatrelar das amarras do poder
instauradas com o golpe de 1964. E, de outro, pelo descrédito dos vários tipos de
cooptação que marcou o período populista, originado na descrença de um processo
de participação que pudesse reverter o quadro e impor outros caminhos, como já foi
observado por Moisés (1985) anteriormente. Tal populismo trabalhava para continuar
impondo intensa manipulação às camadas populares para as quais se acenava com
72

as benesses de um modelo de desenvolvimento que se pretendia redistributivista


(KOWARICK, 1993).

Nessa conjuntura, além dos sindicatos e associações de base popular que


constituem os pólos vitais de representação e reivindicação, alguns grupos presentes
em instituições básicas para o processo de democratização, entre os quais o
Legislativo e o Judiciário, a imprensa, a universidade e as entidades científicas e
culturais, empenharam-se em criar espaços próprios de atuação. Desse modo,
procuraram desenvolver uma ação de iniciativa e controle sobre o Executivo, de
defesa dos cidadãos de denúncia e de informação, de aprendizado crítico e debate
intelectual de repensar o sentido e significação do conhecimento e da arte, processos
fundamentais para dinamizar o exercício de uma cidadania que havia sido massacrada
em muitos dos aspectos essenciais à vida individual e coletiva (KOWARICK, 1993). Os
movimentos urbanos chegam a atingir uma certa maturidade e começa a ser
dissolvido pelo fortalecimento dos novos.

Nesse sentido, destaca-se o movimento do custo de vida, que cresceu


estimulado pelas pequenas vitórias dos outros movimentos (e também, possivelmente,
pelo impacto público da dimensão do protesto social expresso nas eleições de 1974) e
pela capacidade de organização pela base já existente, além da importância dada pela
população à reivindicação levantada. É nesse movimento que o processo de
politização entre os seus participantes atingiu um patamar que vai além das questões
puramente localizadas.
Sinteticamente, Sader relaciona a emergência e a contribuição que os
movimentos urbanos trouxeram para a década de 80:
Hoje quando a transição política do país se consuma, o que era promessa
tornou-se história. As questões postadas se resolveram de algum modo.
Difusas aspirações de justiça social e de democracia, presentes na
sociedade, foram recolhidas e elaboradas de outro modo pela Aliança
Democrática que constituiu a chamada "Nova Republica" (SADER, 1988).
Deste modo, sobretudo no final dessa segunda fase, os movimentos sociais
urbanos constituíram-se em elementos fundamentais para o estabelecimento da
transição política ocorrida entre 1978 e 1985. Através de diferentes formas de
representação em resposta às demandas políticas de crise econômica e social,
expressavam a enorme distância existente entre os mecanismos políticos instituídos e
as formas da vida social, acolhendo, nesse meio, as expressões políticas alijadas pelo
73

sistema repressor. Nesse sentido, de modo crescente, também ajudaram a elucidar a


situação de crise do país à medida que foram ampliando a dimensão política de suas
reivindicações.

Nos anos 80, os movimentos sociais passaram a se articular para


transformar suas demandas e reivindicações em direitos a serem reconhecidos pelo
Estado. A experiência acumulada dos movimentos populares nas décadas anteriores
forneceu as bases para que se amadurecessem suas reivindicações e propostas.
Concomitantemente a isso, as organizações populares nas esferas municipal,
estadual e nacional se consolidaram, partindo para um período de institucionalização
de muitas delas ainda caracterizadas como movimento.

Essas articulações se deram tanto no âmbito específico, a exemplo da


saúde, da habitação, da terra urbana e do transporte, como por meio das federações
responsáveis por congregar associações de moradores. Por esse lado, uma nova
cultura vai sendo gestada pelo desatrelamento que várias dessas organizações tinham
com o Estado, implicando novas formas de organização e de atuação política.

Os direitos civis, de expressão, de imprensa e de organização,


estabelecidos antes do regime militar, foram recuperados após 1985. Nesse sentido, a
definição destes novos direitos apontou para a elaboração de uma nova carta
constitucional, que passou a ser discutida a partir de 1986, iniciando os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte.

Na agenda dos movimentos sociais, além das reivindicações desses


direitos ligados à plena liberdade de expressão e democracia, evidenciaram-se os
direitos relacionados à cidade e à cidadania. A sociedade, sobretudo os movimentos
sociais e as organizações sindicais, estudantis e de categorias profissionais, se
envolveu nesse processo exigindo melhores condições de salário, trabalho, saúde,
educação, cultura e lazer.

Para Gohn, a participação social foi um item importante na agenda política


nesse período:

Nos anos 80 a temática da participação social era um ponto de pauta na agenda


política das elites políticas, denotando os dois fenômenos: de um lado a crise de
governabilidade das estruturas de poder do Estado, desgastadas e deslegitimadas
pelo autoritarismo; de outro a legitimidade das demandas expressas pelos
74

movimentos sociais – novos ou velhos – e a conquista de espaços institucionais


como interlocutores válidos (GOHN,1997).

Foi no decorrer dos anos 80 que se desenvolveu a transição democrática


entre o fim do governo ditatorial emplacado pelos militares e o surgimento de um
regime democrático. Aos poucos, os movimentos foram se tornando interlocutores
privilegiados do Estado, na medida em que este estava se democratizando rumo a
novas formas de representação junto à sociedade, que até então convivia com a
repressão. Passaram a enfrentar desafios de outra magnitude colocados pelas novas
formas de relação do Estado com os setores populares organizados. O Movimento
Nacional pela Reforma Urbana surgiu nesse período, por volta de 1985.

Nos anos 90, a agenda dos movimentos se modifica com a vigência da


nova Constituição Federal e com as novas políticas sociais internacionais provocadas
pela intensificação dos efeitos da globalização. Nesse período, aquela euforia dos
movimentos populares ocorridos na década anterior não se deu do mesmo modo. Dois
fatores contribuíram para essa mudança: o primeiro é que foram eleitos, em várias
prefeituras pelo país, gestões com um perfil considerado progressista, mais
identificado com os princípios da reforma urbana; o segundo é que em boa parte
delas, foram absorvidas lideranças até então atuantes no movimento para se dedicar
aos trabalhos executivos ligados a governos municipais. Aliados a isso, a aplicação de
novos dispositivos constitucionais relacionados aos direitos de participação e
cidadania motivou a atuação no plano de espaços institucionais a exemplo do que
ocorreu com os conselhos municipais.

2.3 O Movimento Nacional pela Reforma Urbana – MNRU –


surgimento e concepção

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana surgiu durante os debates da


Assembléia Nacional Constituinte durante a década de 80. Demandatário de uma nova
proposição política sobre a cidade em que dois fatores foram determinantes nesse
processo: a proposição técnica e a força dos movimentos. Havia uma demanda
reivindicatória, que vinha sendo acumulada desde os meados de 80, por parte dos
movimentos sociais urbanos em face da crise urbana presente nas cidades, como se viu
no primeiro capítulo, e uma outra, fundamentada pela abordagem técnica e conceitual
75

sobre a função social da cidade. Houve, portanto, o encontro de demandas objetivas


com condições favoráveis na conjuntura política que propiciou o surgimento desse
Movimento.

O final da década de 70 e o início da década de 80 foram marcados por duas


situações: por um lado, apontava-se para um certo desgaste do regime militar e, por
outro lado, um fortalecimento do movimento popular no sentido de derrubar o regime e
restabelecer a democracia. Diante dessa situação política, o governo militar começa a
emitir sinais de que a abertura teria que ser feita devido ao iminente risco de descontrole
total da situação. Os movimentos sociais, que, desde a segunda metade da década de 70,
vinham se reorganizando, ganharam força, resultando na reestruturação e criação de
entidades sindicais e populares como sindicatos de base operária, entidades estudantis e
outros segmentos como os profissionais liberais e intelectuais.

As mobilizações surgem nesse contexto com as greves que passaram a se


alastrar por varias outras categorias. Do mesmo modo, o movimento custo de vida e os
protestos públicos nas periferias clamavam por melhores condições de trabalho. O
déficit habitacional, aliado às precárias condições de moradia das periferias vêm a
tona, são traduzidos em protestos nos bairros e chegam às formas mais contundentes –
as invasões de terra (TAVARES, 1988).

O primeiro congresso contra a carestia foi realizado ainda no final da


década de 70, na faculdade de direito do Largo São Francisco da USP, na cidade de São
Paulo. Segundo as participantes desse evento, as arquitetas Valeska Peres Pinto e Maria
Tavares,19 este evento teve a participação de diferentes setores como lideranças de
associações de bairros, sindicalistas, estudantes e professores entre outros. Foram
abordadas questões por temáticas como transportes, habitação, saúde, educação e a falta
de creches – este último constituiu-se num movimento que buscou permitir que a
mulher pudesse se inserir no mercado de trabalho -. Ao final, abordou-se o tema urbano,
embora de forma segmentada. Segundo as arquitetas que na época atuavam junto aos
movimentos populares, esse evento pode ser considerado um dos marcos embrionários
para a retomada da reforma urbana nos ano 80.

No 10º encontro anual da ANPOCS, a articulação da reforma urbana


apareceu num trabalho apresentado pelo professor Nabil Bonduki. Ao tratar sobre
dilemas e perspectivas dos programas alternativos de habitação popular, o autor
discorreu sobre a necessidade da alteração do direito de propriedade da terra urbana
como uma exigência atual da sociedade naquele momento. Para tanto, seria
fundamental criar instrumentos para facilitar o acesso à terra pelos setores populares e
munir o Poder Público de meios que garantissem a expropriação das terras urbanas
ociosas. Tais medidas implicariam a articulação de uma reforma urbana cuja
formulação integral exigiria um amplo debate entre todos os setores interessados na

19
Entrevista concedida para esta pesquisa.
76

transformação da atual ordem urbana, cujo cenário final de discussão seria a


Constituinte.20

A reforma urbana como expressão de política urbana também foi


reconhecida no âmbito da realização 1º Encontro Nacional em Defesa da Moradia, em
1987.21 Entre outros documentos em discussão, destaca-se o texto elaborado por um
integrante da Associação de Mutuários em Luta Comunitária, onde se propunham
várias medidas a serem tomadas. Entre elas, nas medidas contra a especulação
imobiliária, dispunha-se que seria necessário:

- reforma urbana com taxação rigorosa dos terrenos e imóveis ociosos;

- legalização dos loteamentos clandestinos, com garantia de manutenção


das comunidades já assentadas;

- desapropriação sumária dos terrenos de "vazios urbanos"com base nos


valores declarados para efeito de IPTU e formação de estoques de terra
para utilização em projetos comunitários;

- usucapião simplificado para regularização de terrenos onde se situam


favelas ou comunidades do gênero, prevendo-se a adoção deste instituto
em nome coletivo, através de associações comunitárias livremente
organizadas;

- legislação de uso do solo que preveja dispositivos de preservação


obrigatória de mananciais.

Observa-se, neste caso, que não só a expressão “reforma urbana” aparece


contextualizada na formulação de novas políticas urbanas como já vem acompanhada
de uma série de formulações perpassadas pelo PL 778/83, que irão aparecer, mais
tarde, na proposta de emenda da reforma urbana como no Estatuto da Cidade.

20
Extraído do documento “Programas Alternativos de Habitação Popular: dilemas e perspectivas”
apresentado pelo professor Nabil Bonduki, no grupo de trabalho (GT) de Estudos Urbanos:
Representações e Políticas Públicas do 10º Encontro Anual da ANPOCS, em 1986.
21
Extraído do documento apresentado para discussão no 1º Encontro Nacional em Defesa da Moradia.
RAMOS, J.A.B. O sistema financeiro da habitação – crítica de uma política anti-social. Associação
de mutuários em luta comunitária, na cidade de Salvador, em 1987.
77

Em maio de 1986, sob o título contribuição das entidades populares ao


debate nacional sobre a reformulação do sistema financeiro da habitação, do BNH e
do Ministério de Desenvolvimento Urbano outro grupo de entidades também se
manifestou publicamente incluindo a reforma urbana entre as prioridades para o
debate da Constituinte. Este documento, datado de maio de 1986, foi protagonizado
pela Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM22 - pelo
Conselho Coordenador das Associações de Favelas de São Paulo – CORAFASP -,
pelo Conselho Coordenador das Sociedades Amigos de Bairros – CONSABs - e pelo
- Conselho Municipal das Associações de Moradores de São Paulo – CONSABs -.
Segundo seus diretores, foi distribuído em vários fóruns naquele ano. Primeiramente,
teceram um diagnóstico baseado na situação econômica vivida no país naquele
momento, marcado pela crise, o que, de acordo com os seus autores, era fundamental
para entender o desenvolvimento das cidades no país. Num segundo bloco, em meio
a treze princípios gerais, destacaram:

-garantir que nova Constituição crie as condições mais modernas e democráticas


para a legislação ordinária da Reforma Agrária, Reforma Tributária, Reforma
Urbana, Lei do Inquilinato, Lei de Desapropriação e da Lei de Uso e Ocupação do
Solo.23

Na parte de proposições, além de tratar da moradia autoconstruída, das


favelas, dos cortiços e dos conjuntos habitacionais, abordaram a temática do
desenvolvimento urbano. Entre outras propostas, logo no primeiro tópico indicaram a
aprovação da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano como um dos instrumentos
para promover a Reforma Urbana.24 Para isso propunham, no próprio texto, recuperar
as propostas da Lei de Desenvolvimento Urbano de 83.

22
A CONAM, fundada em janeiro de 1982, é formada por Federações, Uniões e Conselhos municipais e
estaduais. No seu 3º Congresso realizado em 1986 reuniu cerca de 7500 delegados de todo o país e
priorizou entre várias propostas a atuação na Assembléia Nacional Constituinte, onde também participou,
entre outras, da subcomissão da reforma urbana. Elaborou propostas de emenda de iniciativa popular para
a coleta das 30 mil assinaturas: uma sobre moradia popular, outra sobre transporte coletivo e outra mais
geral sobre a suspensão do pagamento da divida externa. Junto a outras entidades em nível nacional
patrocinou outras duas emendas – a do voto proporcional e a de reformulação do papel constitucional das
forças armadas. Entre as principais questões abordadas por este movimento destaca-se quatro como
fundamentais: a luta pela moradia, pela reforma urbana, pelo transporte coletivo e contra a fome.
23
Na parte final do texto, consta a seguinte nota: “as propostas contidas neste documento são a síntese das
reivindicações dos movimentos de moradores com a assessoria técnica, entre outros, dos seguintes
profissionais: Arq. Sérgio Luis Ramos, Arq. Rosana H. Miranda, Arq. Vânia Moura Ribeiro, Arq.
Teresinha Maria B. Debrassi e a socióloga Conceição A.T. Bongiovani”.
24
Idem.
78

Nesse contexto ocorre o lançamento do Movimento Nacional pela


Constituinte. Em várias cidades e estados do país, passaram a ser articuladas
plenárias pro-participação popular na Constituinte, abrindo novas possibilidades de
visibilidade e ação aos movimentos localizados. Diversos fóruns e espaços de debate
foram constituídos fazendo surgir bandeiras de luta oriundas dos interesses populares.

Para Maria Amélia Silva (1991), neste momento cria-se um novo significado
nas relações entre o campo jurídico-institucional e os movimentos sociais. Por conta
de uma nova Assembléia Constituinte, os movimentos passam a vislumbrar o aspecto
da legalidade em suas demandas. E, para tanto, novos fatores contribuem com este
processo, como a abrangência nacional, o foco de resistência ao regime estava em
plano nacional do mesmo modo que a constituinte e a unidade de proposição e ação.
Considerando-se que o texto constitucional é matéria unitária, indicava-se que a
inserção de qualquer medida seria negociada e dependeria da força social em torno
dela. E, finalmente, diante do novo tipo de embate colocado pelo processo
constituinte, era necessário um novo tipo de comportamento para o movimento que
passa a trabalhar com interlocutores dentro de um plano de negociação permanente.

Na verdade, todos os agentes passaram a ter um novo ambiente de tensão


e luta. O movimento social se vê dentro de uma nova fase de elaboração, negociação
e inserção diante da realidade política estabelecida. Foi nessa conjuntura que nasceu
uma articulação de abrangência nacional que pretendia implantar novos referenciais
para a política urbana tendo em vista as desigualdades sociais e territoriais presentes
nas cidades. Originariamente, com suas bases assentadas de início na luta geral
contra a carestia quando, em todo o país, as classes e camadas populares
reivindicavam moradia e melhores condições de vida. Inicialmente, mobilizaram-se os
setores ligados à questão urbana, criando-se o Movimento Popular pela Reforma
Urbana, que, posteriormente, passou a ser chamado de Fórum Nacional de Reforma
Urbana, reunindo uma série de movimentos e entidades na discussão e politização da
questão urbana. Desta forma, o Movimento pela Reforma Urbana propiciou melhor
compreensão dos problemas das cidades e envolveu universidades, pastorais e
entidades profissionais.

O Movimento pela Reforma Urbana foi criado por setores da Igreja Católica
de tendência progressista, lideranças de movimentos urbanos, setores não
governamentais, técnicos de assessoria aos movimentos urbanos e intelectuais, com
79

participação significativa de professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo – USP.

Alguns integrantes do Movimento apontam que a principal entidade que deu


origem ao Movimento pela Reforma Urbana foi a Associação Nacional do Solo Urbano
- ANSUR. A primeira reunião com a finalidade de criar esta entidade se deu na cidade
do Rio de Janeiro em 1979, sob iniciativa da Comissão Pastoral da Terra – CPT - da
CNBB (MARICATO, 2000).

Durante a trajetória do Movimento, várias entidades de âmbito nacional


participaram desde o início ou foram rapidamente envolvidas devido à pertinência de
suas proposituras, como se pode destacar: Federação Nacional dos Arquitetos – FNA,
Federação Nacional dos Engenheiros – FNE, Federação de órgãos para Assistência
Social e Educacional – FASE, Articulação nacional do solo urbano – ANSUR,
Movimento de Defesa do Favelado – MDF, Associação dos Mutuários, Coordenação
Nacional dos Mutuários, Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB e Federação das
Associações de Moradores do Rio de Janeiro – FAMERJ, entre outras.

2.4 Demandas e Reivindicações Pró-Movimento

Esse movimento trabalhou em torno de uma plataforma única de propostas,


que colocava a temática da cidade no centro do debate dos problemas urbanos. A
questão urbana pautou-se em torno da produção e da apropriação do espaço urbano, em
que a demanda, para ser contemplada era necessário que se impusesse as limitações ao
direito de propriedade, principal impasse para a viabilização de uma cidade mais
igualitária e democrática. Isto, no entanto não se verificou plenamente, tendo em vista, o
protelamento da sua aplicação que deveria ser regulamentada por lei especifica e
fisicamente definida no plano diretor, reservando a este último papel fundamental na
nova constituição.

Em termos das demandas gerais, a partir da luta pela derrubada da ditadura


militar, uma série de direitos precisava ser retomada. A luta por uma nova Constituição
apontava para um caminho em que a questão legal estava objetivamente colocada. O
Movimento, portanto, incorporou a demanda de uma articulação de intervenção
propositiva no processo constitucional. Observa-se que a política urbana, até aquele
momento, ainda não havia pautado nenhuma Constituição Federal em toda a história
constitucional brasileira. Esse fato dá relevância ao Movimento pela Reforma Urbana e
à sua plataforma política, que assumiram uma missão pioneira em termos de matéria
constitucional brasileira.

Outro aspecto relevante do Movimento pela Reforma Urbana é a questão da


legalidade, ou melhor, da disputa ensejada no campo jurídico. Esse aspecto esteve
presente e toma considerável importância na vida do Movimento pela Reforma Urbana
desde o seu surgimento até a aprovação da Lei Federal do Estatuto da Cidade.
80

Existem controvérsias e debates sobre esse viés na condução do Movimento.


Alguns autores consideram que o Movimento pela Reforma Urbana privilegiou demais
esse aspecto, deixando a pauta do movimento popular em função dessa demanda
normativa. Há opiniões que chegam a identificar esse caminho como uma das principais
razões para a desmobilização que o Movimento sofreu após a promulgação da Nova
Constituição conforme, afirma Maricato:

No entanto, ele [O Movimento] cometeu o equívoco de centrar o eixo de sua


atuação em propostas formais legislativas, como se a principal causa da exclusão
social urbana decorresse da ausência de novas leis ou novos instrumentos
urbanísticos para controlar o mercado, quando grande parte da população está e
continuará fora do mercado ou sem outras alternativas legais e modernas - isto é,
sem segurança e sem um padrão mínimo de qualidade (MARICATO, 2000).

A década de 80 trouxe uma nova realidade para os movimentos, sobretudo


aqueles firmados nos meandros da resistência à ditadura. Antes, a luta era pela
resistência à opressão do regime e pela sobrevivência diante da crise econômica do final
da década de 70, quando se formaram os movimentos grevistas e reivindicatórios que
impunham a bandeira contra a miséria, a fome e o arrocho salarial. Nessa nova
realidade, outras demandas foram surgindo forjando novos movimentos e novos
enfoques para o movimento popular. Se o processo político já apontava para o fim da
ditadura, qual seria o próximo passo? A questão da garantia dos direitos se impunha
naquele momento, o que antes era garantido somente diante do fato, passa a ser
vislumbrado pelo direito. O aspecto da legalidade trouxe uma nova concretude às ações
políticas.

Essa transformação, mesmo que preservando princípios e propósitos mais


estratégicos dos movimentos sociais foi obrigada a se adaptar à nova realidade que eles
próprios lutaram para conquistar. E, no bojo do movimento, muitos embates foram
travados a fim de decidir qual o melhor caminho a seguir para continuar as
transformações em curso.

O Movimento se caracterizou por uma articulação que foi, aos poucos,


sendo ampliada com a adesão de mais entidades em torno de uma plataforma
unificada de proposições. Seguiu-se a análise caracterizando as relações e
articulações do Movimento em dois planos complementares: um interno e um outro
externo.

2.4.1 Caracterização – Aspectos Internos e Externos


81

O principal fator articulador interno se deu com a aproximação entre o


movimento popular e os setores técnicos envolvidos na questão urbana. Logo, deixou
de ser uma proximidade para se transformar numa junção de propósitos definidos
sobre pontos comuns de intervenção política. Assim, essa aproximação-junção, aos
poucos, foi tomando corpo e dando densidade às proposições sobre os problemas da
cidade, legitimamente defendida pelos movimentos.

Um outro fator demandatário que contribuiu para essa articulação foi à


convocação da Assembléia Nacional Constituinte. O fato de se ter pela frente um
processo de discussão e efetivação de uma nova ordem constitucional foi visto como
uma necessidade de unificação de ação com vistas a implementar, pela primeira vez,
a questão urbana na ordem constitucional.

A elaboração da plataforma foi um produto importante desta articulação


interna, pois abriu novas possibilidades de ação para o outro nível de articulação: o
nível externo. Entretanto, o principal fator da articulação externo do movimento foi a
divulgação e a ampliação da plataforma construída pelo Movimento pela Reforma
Urbana a partir das proposições defendidas pelos diversos movimentos envolvidos.

Em que pese a importância dos setores técnicos, observa-se que no


conjunto das ações do Movimento este segmento prevaleceu como principal
interlocutor do Movimento. O domínio do conhecimento técnico fez sobressair esse
segmento nas discussões pautadas no processo constituinte, sobretudo mais ao final
do processo. Este aspecto trouxe novas dificuldades para o movimento a ponto de
haver pouca participação expressivamente popular no período de debates das
emendas no Congresso Nacional. Mais adiante voltaremos a debater esse assunto
analisando a atuação do Movimento na década de 90.

2.4.1.1 A Ideologia

A ideologia de um movimento corresponde ao conjunto de crenças, valores e


idéias que fundamentam suas reivindicações (GOHN, 1997). Nesse sentido, o
Movimento pela Reforma Urbana teve forte componente ideológico. O ponto de partida
de sua análise crítica, bem como, suas proposições, foram calcados na realidade urbana,
no intuito de politizar o debate com a apresentação de novos paradigmas conceituais e
metodológicos sobre a questão. Ao mesmo tempo em que retrata esse diagnóstico
caótico, denuncia a desigualdade social e territorial presente nas cidades.
82

Reforma urbana, tal como aparece em um de seus primeiros documentos é


entendida enquanto uma nova ética social que assume, como valor básico, a
politização da questão urbana através da crítica e denúncia do quadro de
desigualdade social que marca o espaço urbano das cidades do país (AMELIA
SILVA, 1991).

O objetivo, portanto, era politizar a questão urbana pela denúncia e pela


crítica da desigualdade espacial a partir da negação da não-cidade, da cidade
paralela, clandestina ou espoliada (KOVARICK, 1997). Esse aspecto explicita em que
sentido está presente a crença do movimento ao pretender a possibilidade de
transformação da realidade denunciada. Desse modo, acredita-se que é possível
existir um outro tipo de relação social na cidade em que a condição de igualdade
prevaleça.

Segundo Maria Amélia Silva, é na afirmação da necessidade de justiça social


para as cidades que se ancora a bandeira da Reforma Urbana. O aspecto ideológico,
portanto, vai além da denúncia e da crítica ao tratar de justiça social, chamando atenção
para a importância de se reverter esse quadro (AMELIA SILVA,1991)

Em síntese, pode-se recorrer à seguinte frase de Franklin Coelho: 25

É a partir da compreensão da lógica social e espacial de dominação na cidade, da


necessidade de unificação das lutas urbanas, e da construção da identidade
enquanto cidadão e seu direito à vida na cidade que se retomou a luta pela reforma
urbana.

25
COELHO, Franklin Dias. A Reforma Urbana e a armadilha dos Planos Diretores.In: Gestão
Democrática da Cidade. Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Petrópolis, RJ, 1989. Apud Ana
Amélia Silva, 1991.
83

Assim, após a denúncia e a crítica, se apresenta a construção de novos (ou


velhos) referenciais para o ordenamento das cidades. A possibilidade de se chegar à
igualdade de condições numa cidade democratizada será viável a medida em que
ocorram rupturas significativas na dinâmica estabelecida, onde uns poucos têm muito,
e outros muitos têm muito pouco ou não têm nada. Outros ainda mais ganham em
cima destes que continuam sem nada. Dessa forma, a bandeira da reforma urbana
implica mesmo uma perspectiva e um imaginário de ruptura ampla da segregação
sócio-espacial. Portanto, a justiça social será realidade a medida em que forem
construídas as condições para que a necessidade se transforme em possibilidade e
ação cotidianas na construção de cidades mais democráticas.

Todo esse conteúdo ideológico apresentado até aqui foi sistematizado na


chamada plataforma da reforma urbana. Além de conter estes princípios também
serviu para articular e unificar o movimento como foi analisado no primeiro capitulo.

2.4.1.2 Identidade

A identidade do Movimento Nacional pela Reforma Urbana foi de caráter


frentista com metas e propósitos bem definidos em escala nacional. Era composto por
várias entidades não se caracterizando, ele em si, como uma nova entidade. Era um
espaço de articulação entre organizações de nível nacional vinculadas, de algum modo,
à questão urbana. Afinal, era uma espécie de fórum de articulações múltiplas com o
objetivo de unificar vários movimentos em torno de uma plataforma única de
proposições, tendo como centro a cidade.

Quanto ao seu conteúdo, tal identidade foi marcada pela apresentação de


uma nova abordagem para o debate da questão urbana, relacionada com o propósito de
interferir no processo de elaboração da nova constituição para o país, que naquele
momento pautava por liberdade e garantia de direitos. Assim, o Movimento foi se
ampliando, conseguindo se desenvolver e tomar corpo conforme se aproximava o
processo constituinte, com a apresentação de uma nova abordagem para o tema urbano.

No entanto, existem críticas sobre a representatividade popular desse


Movimento, onde se afirma que poderia ter sido mais exitoso se tivesse exercido
pressão política de forma ininterrupta e mantido as articulações, durante todo o processo
da Constituinte. A observação vem no sentido de que faltou força em momentos
importantes de discussão nas comissões temáticas do processo (MARICATO,2000).

O plano das articulações externo constituiu-se na principal condição de


existência para o Movimento Nacional pela Reforma Urbana. A própria natureza do
movimento caracterizado pela articulação interna de várias organizações e a demanda
política sustentada na dimensão nacional colaboraram para isso. Seja nas interfaces com
os outros movimentos sociais, com os sindicatos, com os partidos políticos e
84

parlamentares, seja durante as negociações em torno da proposta da reforma urbana, a


capacidade de articulação e negociação tem sido uma constante na sua trajetória.

As articulações ocorridas na Assembléia Nacional Constituinte foram o


grande teste para o movimento nesse plano de articulações. Sem dúvida, o resultado
compreendido pela inserção do Capitulo da política urbana a partir da emenda da
reforma urbana registra o mérito obtido nesse aspecto.

Por outro lado, várias críticas foram feitas a esse movimento, principalmente
após a promulgação da Constituição. No geral, elas tendem a reduzir a importância do
movimento, reconhecendo seus méritos apenas pelo que foi incorporado à Constituição.
Nessa mesma linha, observa-se que os movimentos populares têm tido uma atuação
muito fragmentada, em função de carências imediatas. Suas ações podem ter
repercussão mais ampla, se apropriadamente canalizadas para mudanças estruturais
através de instâncias representativas de unificação. Estas instâncias são as organizações
da sociedade civil com maior potencial para se transformarem em referências da
Reforma Urbana (CARVALHO PINTO, 1993).

2.4.1.3 As Assessorias Técnicas aos Movimentos

Nos anos 80, em torno dos movimentos populares, surgem as assessorias


técnicas. A princípio, o trabalho da assessoria às organizações populares foi feito com a
colaboração dos chamados assessores – pessoas que, por sua formação educacional, por
sua militância política, por sua experiência são importantes, nos encaminhamentos
técnicos e políticos.

Esse trabalho foi se modificando com a mudança da conjuntura política e


com a maior organização política dos trabalhadores em diversos segmentos. No entanto,
essa modificação levou algumas dessas assessorias a reivindicarem espaços próprios, a
ponto de defenderem publicamente suas opiniões em relação às questões sociais e
políticas, independentemente da entidade vinculada. Apesar da opinião consensual entre
os movimentos sobre a importância que tais atividades auxiliares assumiram e tem
assumido atualmente, ainda é um tema polêmico.

As assessorias passaram a integrar as questões mais técnicas demandas nas


formulações populares para as políticas publicas. Os temas, como a reforma urbana, a
participação popular, a descentralização da gestão municipal, a ordem jurídica,
cooperativismo,foram exemplos de temáticas aprofundadas no processo. Tanto pelas
assessorias como pelos movimentos populares. Com isso as entidades avançaram no seu
papel de formuladoras da proposta alternativa e apareceram como sujeito próprio, com
propostas próprias para o processo político institucional.

De acordo as lideranças dos movimentos, a assessoria deveria capacitar os


dirigentes para que eles mesmos pudessem dirigir o movimento. Segundo eles, o receio
das assessorias existe quando passam a contribuir com o movimento interferindo nas
decisões das entidades. De outro modo, deveria assessorar quem trabalha no
movimento, para capacitar de fato os seus integrantes sem disputar os caminhos
políticos do movimento.
85

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana 80 também foi auxiliado e


muito por essa atividade. Aliás, o conteúdo da plataforma e a transformação em
emenda, bem como a defesa e argumentação em torno das justificativas técnicas foram
decorrentes de conhecimento técnico característico das assessorias técnicas. Tanto que
várias lideranças ligadas a esse movimento, inclusive componente da sua direção,
desenvolveram algum tipo de assessoria a algum movimento. A exemplo de trabalhos
desenvolvidos pela FASE26 no Rio de Janeiro e o Instituto PÓLIS em São Paulo, entre
outras.

Outros direitos também foram contemplados pela nova carta magna, como
fruto das mobilizações exercidas pelos movimentos sociais na Assembléia Nacional
Constituinte. Na verdade, o conteúdo expresso pelo Movimento Nacional pela Reforma
Urbana não se resumiu ao disposto no capitulo da política urbana, mas também
contribuiu para a inserção de outros artigos advindos de outras demandas populares.
Todavia, o quinto capítulo, a seguir, perfaz a abordagem destes enfoques relativos a
nova constituição de 1988 e as dimensões da legislação com este ordenamento jurídico.

2.5 Uma nova agenda para os movimentos sociais nos anos 90

Após a promulgação da nova Constituição os movimentos sociais entram


num outra fase de articulação e mobilização. Diferentemente da década de 80, os anos
90 trouxeram uma outra realidade para os vários movimentos em que outras demandas
passaram a compor outros elementos na agenda do movimento.

Para Nelson Saule Junior27, representante integrante do Fórum de Reforma


Urbana, esse período não foi diferente somente para a reforma urbana mas para o
conjunto dos movimentos sociais. Segundo ele, no caso do Movimento, foi dado
continuidade às articulações pela reforma urbana, tendo em vista que em razão das
constituintes estaduais e das leis orgânicas municipais, o centro dos embates foi
transferido para os estados e municípios.

Anteriormente, durante a as mobilizações sociais tiveram um grande feito


na campanha pelas eleições diretas reunindo centenas de milhares de pessoas em
alguns comícios políticos e depois teve o auge desse processo com o processo da
Assembléia Nacional Constituinte. Com a constituição federal aprovada, o movimento

26
A FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, sediada no Rio de Janeiro,
possuía no início dos anos 90 uma rede com mais de 17 agências espalhadas pelo país. Dentre essas, oito
desenvolviam programas e produziam publicações, documentação e comunicação para assessorar os
movimentos populares urbanos. Atualmente a secretaria do Fórum Nacional pela Reforma Urbana está
sob a responsabilidade desta Instituição.
27
Entrevista concedida para esta pesquisa em janeiro de 2003.
86

acabou se descentralizando pelas regiões e pelos estados. Em alguns estados foram


apresentadas emendas populares contemplando as propostas da reforma urbana,
inclusive com proposições que não haviam sido incorporadas à Constituição Federal,
como por exemplo na Bahia, Rio Grandes do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco.
Porém, foi no âmbito das leis orgânicas é que a reforma foi mais contemplada,
sobretudo no que diz a aos fundamentos da gestão democrática.

Neste momento, logo após a promulgação da nova constituição, o


Movimento Nacional pela Reforma Urbana elaborou uma carta de princípios para se
elaborar o plano diretor e distribuiu para todo o país. No entanto, neste tópico, os
avanços no sentido da reforma urbana ficaram mais fragmentados, a exemplos mais
substanciais nas cidades de Natal e Recife, entre outras, no Nordeste, e em alguns
pontos em Porto Alegre. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, praticamente nada foi
incorporado às leis orgânicas nesse sentido.

Convém destacar que um grande número de administrações populares e


progressistas terem sido eleitas nesse período absorveu lideranças geradas pelos
movimentos, refletindo na divulgação da das propostas da reforma urbana em âmbito
local ou regional. Houve com isso, houve um fortalecimento das regionais, que
crescentemente fez diminuir as demandas do movimento, caracterizado ainda pela
dinâmica centralizada que o Movimento Nacional pela Reforma Urbana havia
desempenhado anteriormente.

Saule explica que a articulação em torno da reforma urbana, num primeiro


momento se deu em torno de um Movimento, o qual também teve de se adaptar
organicamente mudando inclusive sua denominação de Movimento Nacional pela
Reforma Urbana para Fórum Nacional de Reforma Urbana ou somente Fórum de
Reforma Urbana.

A reformulação decorreu ainda da necessidade do movimento se preparar


e corresponder ao processo institucional, que saiu fortalecido com a nova constituição
federal. E outras razões foram levantadas como a necessidade de se viabilizar
recursos para as viagens e acompanhamento das regiões. Os fóruns regionais que
ainda se articularam em torno das constituintes estaduais, aos poucos deixam de ter
87

continuidade. Assim, nesse processo o fórum passou a ter mais a cara das entidades28
nacionais e regionais que o compõe.

Na Rio 92, o Fórum lançou o tratado sobre cidades, vilas e provoados. Este
material, publicado pela FASE, girou mais em torno do direito a cidade. Segundo
Saulo, na Habitat II, realizada em Istambul, o Fórum teve uma participação importante,
influindo diretamente no documento brasileiro apresentado naquele evento. Entre os
pontos contidos nessa linha, foi incorporado no texto o reconhecimento da moradia
como um direito fundamental a todo cidadão. Já a atuação do Fórum nos anos de
1998, 1999 e 2000 ficou por conta do acompanhamento da tramitação e discussão do
Estatuto da Cidade no Congresso Nacional.

Assim, o Fórum constituiu-se numa organização mais ajustada ao plano


institucional, funcionando como um agrupamento de entidades nacionais, em sua
maioria caracterizadas da mesma forma. Somente as articulações do Nordeste, dos
estados da Paraíba e Rio de Janeiro é que conseguiram se manter atuantes. Os
demais, a exemplo do estado de São Paulo não teve continuidade. Foi detectado que
seria providencial uma entidade que se responsabilizasse e centralizasse os materiais
e as informações, mediante rodízio entre as demais. Assim, a partir das atividades da
ECO-92 foi criado o Fórum Nacional de Reforma Urbana. A secretaria executiva foi
iniciada pela FASE do Rio de Janeiro. Seguindo o rodízio, depois foi o Instituto Polis
de São Paulo por quatro anos, a ANSUR, e novamente o Pólis entre 1999 e 2000,
estando atualmente sob a responsabilidade da FASE – Rio de Janeiro.

Nota-se que a atuação mais recente do Fórum se ocupou em larga escala ao


plano político-jurídico. Principalmente, junto aos trabalhos relacionados à discussão e
aprovação do Estatuto da Cidade. Nessa linha, o próximo capitulo faz uma abordagem
sobre os direitos consagrados na Constituição de 1988 objetivando aprofundar na
dimensão jurídica do direito relativa a função social propriedade.

28
Idem.
88

Capítulo 3

A Reforma Urbana na

Constituição Federal de 1988

e no Estatuto da Cidade em 2001

O novo é para nós

contraditoriamente,

a liberdade e a submissão.

Ferreira Goulart
89

Introdução
Os aspectos relativos à política urbana, inseridos na Constituição Federal
de 1988 e o Estatuto da Cidade aprovado em 200, compreendidos no terceiro capítulo,
encerram a abordagem temática deste trabalho.

Inicia com uma breve abordagem sobre a evolução propriedade imobiliária


no Brasil, evidenciando a evolução histórica do conceito da função social da
propriedade. Na mesma linha, ressaltou aspectos relevantes sobre a leitura jurídica do
direito de propriedade ao longo do tempo, procurando elucidar entendimentos jurídicos
no regime democrático de direito.

No tocante a constituição, observou-se, sobretudo, os novos direitos que


foram incorporados a texto aprovado na ocasião. Tendo em vista, inclusive, a
presença de interesses conflitantes no processo constituinte, polarizados nos debates
da cidade.

No sentido de estabelecer relações entre as proposições da reforma urbana


e conceitos dispostos no Estatuto da Cidade foram explicitadas fases processuais da
matéria no Congresso Nacional e na sociedade. Discorre, portanto, sobre o processo
de aprovação desta lei federal, a qual finaliza os trâmites de regulamentação do
Capítulo da Política Urbana, após um longo processo de discussão no Congresso
Nacional.
90

3.1 O direito e a propriedade imobiliária no Brasil


A maneira pela qual são estabelecidas as regras jurídicas relativas à
questão da propriedade do solo, sua ocupação, suas limitações, enfim, a forma de
tratar a questão da propriedade imobiliária varia no tempo. A depender das condições
econômicas, políticas, sociais e de toda a sorte de influências de cada momento
histórico determinado.

Esta consideração é imprescindível para auxiliar na compreensão do


processo em que está inserido o Movimento pela Reforma Urbana, e nos aspetos
tratados neste trabalho. A inserção do capítulo acerca do tema na redação da
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade, e os regramentos jurídicos
recentes são parte de um processo de luta e disputa de interesses dos diversos
agentes sociais, diretamente relacionados com a organização política dada.

Há juristas que fazem a análise sob este prisma, como é o caso do ex-juiz
do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, em sua obra, ao tratar da
propriedade:

O conceito de propriedade, até atingir a concepção moderna de


propriedade privada, sofreu inúmeras influências no curso da história dos
vários povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência
direta da organização política (VENOSA, 2001).

O destaque desse aspecto é relevante, a fim de compreender que a


concepção do direito acerca da propriedade e seu regramento jurídico não são
imutáveis ou plenamente desenvolvidos.

Historicamente considerada, a propriedade tem as primeiras manifestações


conhecidas, antes do direito romano, caracterizada como um fato, segundo o qual, os
homens primitivos eram proprietários apenas das coisas móveis de uso pessoal,
cabendo a propriedade imobiliária à coletividade, família, ou tribo. Não existe o sentido
de utilização exclusiva de uma pessoa ou de poder de determinada pessoa. Com o
desenvolvimento da sociedade e a modificação das relações humanas, tornou-se
necessário o estabelecimento de regras que disciplinassem as relações sociais, a fim
de possibilitar a convivência social.

Posteriormente, no direito romano, fonte do direito pátrio, a propriedade era


disciplinada segundo as necessidades e segundo as condições da classe dominante
91

no Império Romano. Assim, somente poderia ser adquirida propriedade imobiliária


pelo cidadão romano e somente o solo romano era suscetível de ser objeto de
propriedade. Com o declínio do Império Romano, estendeu-se o direito da propriedade
aos estrangeiros e ampliou-se a suscetibilidade da sua aquisição.

Na Idade Média, durante o feudalismo, a propriedade imobiliária passa a


ser sinônimo de poder. Dentro da área de propriedade do nobre, este era o soberano:
fazia a guerra, declarava a paz, cobrava tributo e era destinatário da submissão dos
camponeses. Cedia o uso da terra para o servo cultivá-la e ficava com praticamente
toda a produção; enfim, o proprietário da área tinha, junto com ela, o título e o poder
quase absoluto inclusive sobre as pessoas que lhe serviam, vinculadas à terra.

Mais adiante, a Revolução Francesa marca o processo histórico de


profundas transformações no tratamento jurídico da propriedade, destacando-se o
Código Napoleônico, que pretendeu democratizar a propriedade, abolir privilégios,
cancelar direitos perpétuos, tudo no sentido de aplicar a igualdade e liberdade no que
se refere à propriedade privada, contrapondo aos interesses da nobreza decadente, os
benefícios da nascente burguesia. Exemplo desta concepção é o disposto no Código de
Napoleão, no artigo 544:

Código de Napoleão, artigo 544:

La propriété est le droit de jouir et de disposer des choses de la manière la plus


absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les
règlements.

(a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas de modo mais absoluto,


desde que não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos).

Trata-se de disposição exageradamente individualista, que influenciou as


legislações que se seguiram na França e nos demais países, inclusive no direito
pátrio. Exemplo disso é o disposto no artigo 2.172 do Código Civil Português:

A propriedade presume-se absoluta enquanto o contrário se não provar (Código


Civil português, artigo 2.172)

Vê-se na própria dicção do antigo Código Civil Brasileiro de 1916, a


influência citada:
92

O domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário (Antigo


Código Civil Brasileiro, 527).

O direito de propriedade assim concebido traz como elementos centrais a


noção de um direito absoluto, exclusivo e perpétuo. Absoluto no sentido de que o
proprietário tem o mais amplo poder jurídico para usar e desfrutar a coisa da maneira
que lhe aprouver; exclusiva porque exercido apenas e de acordo com os interesses do
dono, sem participação de qualquer outro e podendo repelir qualquer ingerência
alheia, e perpétuo, no sentido de que perdura no tempo só se extinguindo pela
vontade do dono ou expressa disposição da Lei, caracterizando-se esta a exceção da
regra.

A influência da Revolução Francesa sobre a concepção de propriedade no


direito pátrio, bem como a estreita vinculação das forças políticas, econômicas e
sociais determinando a concepção e o tratamento dado pelo direito à propriedade
imobiliária, é tratada por renomados juristas:

A Revolução pusera termo à concepção medieval, dentro da qual o domínio se


encontrava repartido entre várias pessoas, sob o nome de domínio iminente do
Estado, domínio direito do senhor e domínio útil do vassalo; e havia substituído pelo
conceito unitário de propriedade, peculiar ao Direito romano, e onde o proprietário é
considerado senhor único e exclusivo de sua terra.

Essa idéia de exclusividade e de absolutismo vem expressamente proclamada pelo


legislador pátrio, no art. 527 do Código Civil (RODRIGUES, 1978).

Do conceito da propriedade privada exercida com absoluta liberdade, com


grau de direito absoluto, arcada por profundo sentimento exclusivista e de
individualismo, passou-se ao longo do tempo, para um processo de estabelecimento
de subseqüentes restrições e controles sobre a propriedade imobiliária.

O exagerado individualismo que predominou no direito começou, a partir do


século XIX, com a revolução industrial e com as doutrinas socializante, a sofrer
restrições com vistas ao atendimento de escopos sociais:

De certo modo os legisladores e os aplicadores da lei em todo o mundo,


segundo afirma Trabucchi, mostram-se propensos a atenuar a rigidez do direito de
propriedade:
93

(...)

Dentro da variedade de explicações, com vocabulário mais ou menos rico, uma


observação ressalta com força de uma constante; reconhecendo embora o direito
de propriedade, a ordem jurídica abandonou a passividade que guardava entre os
conflitos de interesses, e passou a intervir, séria e severamente, no propósito de
promover o bem comum que é uma das finalidades da lei, e ainda de assegurar a
justa distribuição a propriedade com igual oportunidade para todo admitidas a
sobrevivência da propriedade privada como essencial à caracterização do regime
capitalista, garante a ordem pública a cada um a utilização de seus bens, nos
misteres normais a que se destinam. Mas, em qualquer circunstância, sobrepõe-se
o social ao individual (PEREIRA, 1990).

O movimento pela redemocratização que culminou no fim da ditadura


militar e foi sucedido da instalação da Assembléia Nacional Constituinte,
consubstanciou-se no marco deste processo. Os juristas, por sua vez, constatam a
influência decisiva dos movimentos sociais organizados na confecção da Lei Maior,
durante aquele período, sendo um dos aspectos marcantes o fato de que a
Assembléia Nacional Constituinte não partiu de um texto técnico e previamente
elaborado, razão pela qual formaram-se inúmeras comissões de trabalho que ficaram
mais suscetíveis às reivindicações e discussões propostas pelos movimentos:

A exemplo da Constituição de 1946, que iniciou seus trabalhos sem um projeto


anterior, a Assembléia convocada em 1987 também preferiu não partir de um
projeto já elaborado (BASTOS, 1995).

Um conjunto de entidades, associações de classe, organizações não


governamentais, associações civis, movimentos e grupos sociais participaram
ativamente dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, inclusive com a
formulação de uma Emenda Popular que teve um papel importante no processo de
elaboração da Constituição Federal e teve vários de seus temas tratados no Capítulo
da Política Urbana. Contudo, a questão sofreu embate, sendo objeto de intenso
debate político ideológico, entre os interesses econômicos imediatos e a idéia da
propriedade vista com a finalidade econômica:

Com base numa visão restrita da cidade como um bem econômico, a ação dos
representantes desses agentes privados na Constituinte foi de impedir o
94

estabelecimento de normas destinadas a regular as atividades urbanísticas que


pudessem afetar os interesses dos detentores do capital imobiliário (SAULE,
1997).

Todavia, a Constituição Federal Brasileira de 1988 é um marco nesse


processo de limitação da propriedade como direito absoluto e exclusivo, ao
estabelecer no artigo 5º inciso XXII e XXIII, que a propriedade deve atender a sua
função social, e, também, principalmente, por inserir no novo texto constitucional um
capítulo específico para tratar do tema política urbana, o que vem disposto no Capítulo
II do Título VII da Constituição Federal.

Além disso, existem outros dispositivos da Constituição Federal de 1988


que evidenciam esta função social da propriedade imobiliária, como é exemplo o
Capítulo VI do Título VIII do texto constitucional, que, ao tratar do meio ambiente,
impõe limitações à utilização da área, com vistas a atender a finalidade social no que
se refere à preservação do meio ambiente. Mais uma vez, vê-se o interesse da maioria
impondo limitações à propriedade privada e sua utilização. Há juristas que constatam
este fato:

Não tem faltado mesmo hostilidade franca à propriedade, e certa posição de


inimizade aos abastados, terreno em que somam esforços os marxistas e os
católicos sociais (PEREIRA, 1990).

Note-se que os dispositivos constitucionais, como normas basilares que


são, consubstanciam-se em fixadores de princípios e fundamentos para as demais
disciplinas, do que é exemplo, o Estatuto das Cidades, e outras regras de direito que
têm por objeto a aplicação daqueles princípios constitucionais.

Assim, houve um processo de estabelecimento de subseqüentes e


crescentes limitações impostas à propriedade imobiliária, fruto da concepção de que a
propriedade deve ter uma finalidade social, com a presença marcante de diversos
agentes sociais, atuando, inclusive, no sentido de ultrapassar outras formas de luta,
como as ocupações, passando às lutas institucionais, como é exemplo a inserção da
função social da propriedade e um capítulo específico da política urbana no texto
constitucional:
95

A busca pelo direito à cidade realizada pela população dos bairros carentes de
infra-estrutura e serviços urbanos notoriamente com as Administrações
Municipais para obtenção do fornecimento de água, esgoto, luz, escola, creche,
posto de saúde, hospital, iluminação pública, canalização de córrego, etc, se
somam com o processo geral de democratização do país canalizando esse desejo
cívico da campanha das diretas já em 1984, que viabilizou as condições para
reorganização político jurídica do país para a instituição de um Estado
Democrático através da Assembléia Nacional Constituinte realizada em
1978/1988. Para a Constituição de 1988 ser interpretada aplicada é
imprescindível que a esse processo histórico recentemente vivenciado sempre seja
reportado na investigação do significado de seus princípios e preceitos (SAULE,
1997).

Muitas foram as inovações da Constituição Federal de 1988, chamada


“Constituição Cidadã”, sendo necessário compreender o direito como um todo, um
sistema, orgânico e lógico. Portanto, trata-se de um encadeado de normas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis estaduais, leis municipais,
regulamentos, enfim, uma vasta gama de regras que compõem um sistema, com
gradação de força, além da indispensável necessidade de não haver contradições
entre os dispositivos.

Por este motivo, na aferição do conteúdo das normas constitucionais deve-


se considerar que há normas principiológicas. Outras, ainda, dependem de
regulamentação e especificação para serem aplicáveis, bem como, considera o
caráter sistêmico do ordenamento jurídico, não podendo haver a pura e simples
interpretação gramatical de um dispositivo isoladamente.

3.2 A Política Urbana na Constituição Federal

O artigo 5º inciso XXIII da Constituição Federal estabelece que:

a propriedade atenderá a sua função social.

Trata-se de norma de caráter principiológico, cujo conteúdo deve ser


interpretado em consonância com as demais regras da própria Constituição Federal e
96

das regras inferiores de direito, as quais vão estabelecendo a aplicação prática deste
princípio em casos mais específicos.

Exemplo de regras inferiores neste sentido é o Estatuto da Cidade, que


será analisado no Capítulo VI, e é ainda desdobramento do disposto na Constituição
Federal, tanto no que se refere à função social da propriedade como ao
desdobramento da Política Urbana. Há, também, disposições de outras leis que
incorporam o sentido do texto constitucional, como é exemplo o Novo Código Civil, Lei
nº 10.406/2002 que adequa o disposto no Código ao Usucapião Urbano, previsto no
artigo 183 da Constituição Federal.

Outra disposição constitucional importante no sentido de impor limitações à


propriedade é o artigo 225 e seguintes da Constituição Federal Capítulo VI, Título VIII,
que dispõe acerca do meio ambiente, estabelecendo restrições à propriedade e
impondo obrigações aos entes públicos, no que se refere à efetivação destas medidas:

Artigo 225 da Constituição Federal:

meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à


sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Especificamente no que se refere à política urbana, o texto constitucional


destina o Capítulo II do Título VII para tratar do assunto. Desta forma estabelece
ainda, a competência para os Municípios executarem, segundo diretrizes gerais
fixadas em lei, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Estabelece o artigo 182 da Constituição Federal:

Artigo 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público


municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes..
97

Outro aspecto importante do que prevê a Constituição Federal é o


estabelecimento das competências entre os Entes da Federação acerca do tema da
Política Urbana. Pois, de nada adiantaria estabelecer os princípios e as regras sobre o
tema e não estabelecer as competências e condições para a aplicação dos preceitos.
A Constituição fixou a competência dos diversos entes públicos, para tratar do
assunto:

Os assuntos urbanísticos são da competência simultânea de todas as entidades


estatais (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), porque a todas
elas interessa a ordenação físico-social do território nacional (MEIRELLES,
1990).

Dentro das competências fixadas, é da União a competência para instituir


diretrizes para o desenvolvimento urbano e editar as normas gerais sobre urbanismo:

Artigo 21 – Compete à União:

XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,


saneamento básico e transportes urbanos.

Os Estados, Territórios e Distrito Federal têm competência concorrente,


conforme dispõe o artigo 24 da Constituição Federal:

Artigo 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico, e urbanístico;

(...)

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a


competência suplementar dos Estados.

Convém citar a constatação do jurista mencionado, acerca da inexistência


de disposições sobre urbanismo nas legislações estaduais. Segundo ele constata,
seria necessário para o estabelecimento de regras gerais que promovessem a
integração entre os planos diretores municipais:
98

Resulta daí a ausência total de integração dos planos diretores municipais, que
vão surgindo isolada e esparsamente, quando é hoje pacífico que a planificação
urbanística deve ser feita a vasto raggio, interligando-se os planos menores aos
maiores, até obter-se a funcionalidade orgânica prevista na planificação nacional
(MEIRELLES, 1990 ).

Ainda segundo as regras de competência acerca do urbanismo, fixadas na


Constituição Federal de 1988 entre os Entes da Federação, há de se destacar a
atribuição dos municípios estabelecida no artigo 30 da Constituição Federal e também
no artigo 182 que trata especificamente da Política Urbana:

Artigo 30 - Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e estadual no que couber;

Artigo 182 – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público


municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.

Assim, embora não previsto expressamente na Constituição Federal de


1988, a interpretação sistemática do texto nos dá a noção de que cabe aos Municípios
atribuição importantíssima na fixação da política urbana:

Assim entendem os juristas:

Apesar de não haver uma previsão expressa para o Município legislar sobre direito
urbanístico, a competência do Município sobre a política urbana é preponderante
em relação a competência da União e dos Estados. (...) Esta preponderância
decorre da leitura das competências estabelecidas no artigo 30 e nas normas do
capítulo da política urbana (artigo 182) que definem o Município como o espaço
político institucional, para a realização constitucional das normas dirigentes da
política urbana em especial através do plano diretor (SAULE, 1997).
99

As especificidades da aplicação dos conceitos e princípios gerais fixados


na Constituição Federal, Leis Federais e Estaduais acerca do planejamento urbano, e
suas aplicações no município tornam necessária e desejável a atribuição da
competência para os municípios estabelecerem a política urbana adequada, a fim de
atingir os objetivos e diretrizes fixados. Cabe ressaltar, também, outros aspectos, tais
como a ampliação da autonomia municipal nas esferas política, administrativa e
financeira, o que vem expresso na Constituição Federal de 1988.

A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil


compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição.

(Artigo 18 da Constituição Federal)

Exemplo desta maior autonomia conferida ao Município como Ente Público


é o disposto no artigo 29 da Constituição Federal quando estabelece que o Município
deverá reger-se por lei orgânica aprovada pela Câmara Municipal.

O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.

Artigo 29 - Caput da Constituição Federal.

Reflete ainda esta maior autonomia do Município, o artigo 35 da


Constituição Federal que impede a intervenção dos Estados nos Municípios,
admitindo-a apenas em situações excepcionais.

O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos municípios


localizados em Território Federal, exceto quando: (...)

Artigo 35 - Caput da Constituição Federal.

Estabeleceu-se, ainda, a possibilidade do Município instituir tributos, assim


como a União, os Estados e o Distrito Federal, preservadas as suas competências
fixadas:
100

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os


seguintes tributos.

Artigo 145 da Constituição Federal

Ainda quanto à relativa autonomia do Município no que tange à instituição e


arrecadação de tributos, a Constituição Federal dispôs a competência do Município
para instituir impostos:

Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – A propriedade predial e territorial urbana;

(...)

§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei


complementar municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da
propriedade.

A Constituição Federal estabelece ainda as formas de repartição das


receitas tributárias. Vem tratado no artigo 158 à parte das receitas tributárias
destinadas aos Municípios. Nesse sentido, a Constituição de 1988 representou um
avanço no que se refere ao estabelecimento de garantias e direitos aos cidadãos:

O princípio da função social da propriedade como garantia do direito da


propriedade urbana ter uma destinação social, se integra com os direitos
fundamentais norteadores da política urbana e do direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder, o direito
de não ser privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, a
garantia do contraditório e ampla defesa nos processos judiciais e administrativos
são direitos que visam proteger e promover a cidadania e a dignidade da pessoa
humana. Essas garantias conferem aos cidadãos proteção constitucional contra
atos praticados pelo Poder Público ou agentes privados que ocasionem restrições e
lesões aos seus direitos como o direito à cidade. Para essa finalidade podem ser
utilizadas as garantias constitucionais do mandado de segurança individual e
coletivo, o mandado de injunção, a ação popular, o hábeas data, o hábeas corpus e
a ação civil pública” (SAULE, 1997).
101

As influências, reivindicações e pressões das forças vivas da sociedade, no


caso do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, possibilitaram incorporar no texto
constitucional uma série de dispositivos que representaram uma profunda
transformação na política urbana.

3.3 O Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257 de 2001 – após 11


anos aprova-se a regulamentação dos artigos 182 e 183 da
Constituição

O Estatuto da Cidade é o nome dado a lei federal aprovada em 2001. Em


síntese, o Estatuto é o resultado de um longo trabalho de discussão sobre a
regulamentação do capítulo sobre a Política Urbana da Constituição Federal. Aqui,
coube analisá-lo como extensão de um processo que teve origem na década anterior,
ou seja, sob o prisma de uma legislação tardia que levou onze anos, mais do que uma
década, para ser aprovada. De certo modo, a aprovação do Estatuto finaliza o trabalho
do processo constituinte nesta matéria.

Por outro lado, o Estatuto da Cidade não é tão somente um novo aparato
legal. Do ponto de vista histórico, significa a continuidade e a vivacidade dos conceitos
existentes em torno da reforma urbana desde a década de 60 como se viu no primeiro
capítulo. Embora tenha prevalecido a roupagem do campo jurídico no último período, o
conteúdo de crítica e denúncia foi mantido ao longo de todo esse tempo, inclusive
agregando novos temas como foi o caso da questão ambiental, entre outras. Os
questionamentos aliados à necessidade de novos padrões urbanos vêm de uma
trajetória de quase quarenta anos, iniciada pelo posicionamento dos setores técnicos
combinados com as demandas e reivindicações dos movimentos populares urbanos
durante toda essa trajetória.

Para efeito desse trabalho, destacam-se três aspectos sobre o fato da


aprovação desta legislação: primeiramente porque, embora tenha levado tanto tempo
e tenha sofrido muita discussão e articulação, ela manteve pressupostos relevantes da
reforma urbana; o segundo aspecto refere-se ao fato de essa legislação ter
incorporado inovações significativas para a política urbana; e o terceiro fica por conta
102

do contexto urbano vivido pelas cidades no momento em que o Estatuto é aprovado.


Esses aspectos induziram preocupações que serão tratadas ao longo do texto.

A aprovação do Estatuto significou um alívio para os defensores da reforma


urbana. Os diversos entraves e multiplicidade de interesses envolvidos em todo esse
processo chegaram a provocar situações de incerteza e insegurança quanto às reais
possibilidades de finalização deste trabalho por parte do Congresso Nacional. Tal
ansiedade também permeou a classe jurídica que, com o Estatuto, passou a dar fim a
muitas dúvidas lançadas sobre a aplicabilidade dos artigos aprovados na constituição
de 1988.

Para o deputado federal Inácio Arruda, relator do referido projeto na fase


final de tramitação na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, a aprovação
do Estatuto foi:

Fruto de um difícil e vagaroso processo de negociação entre os diversos setores


que atam no cenário urbano – movimentos populares, órgãos públicos,
universidades, entidades técnico-profissionais e, também, empreendedores privados
– o Estatuto da Cidade vem suprir uma inadmissível lacuna em nosso corpo de leis,
qual seja, a regulamentação do capítulo de política urbana da Constituição
Federal, principalmente no que refere a penalidades para a retenção especulativa
do solo urbano. Vem, também, prover os municípios de um conjunto importante de
instrumentos para a execução da política de desenvolvimento urbano29 (ARRUDA,
2002).

A razão da morosidade para a aprovação pode ser explicada pelo conteúdo


da própria matéria adversa e cheia de interesses diversos presentes nas cidades, e
também pelo fato de envolver, entre outros assuntos, instrumentos jurídicos de
controle da especulação imobiliária.

Entretanto, o conjunto de instrumentos urbanísticos inovadores contidos no


Estatuto abre uma perspectiva positiva para o planejamento urbano atual. Eles podem
contribuir efetivamente para melhorar as condições de vida na cidade, na medida em
que normatiza as diversas formas de uso do solo, além de ter maior controle das
iniciativas públicas e privadas sobre o urbano. A difícil realidade vivida pelas cidades

29
ARRUDA, Inácio. Estatuto da Cidade, uma Conquista Histórica. Câmara dos Deputados. Centro de
Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, Brasília, 2002.
103

diante dos efeitos da urbanização, do déficit habitacional, dos limites da infra-estrutura


existente, da especulação imobiliária, do crescimento desordenado e oneroso, da
degradação ambiental e demais problemas urbanos, passou a depender da ação
política e executiva no cotidiano do planejamento urbano.

Nessa linha, esta parte do trabalho procurou contextualizar o Estatuto da


Cidade ressaltando os vários elementos arrolados até aqui. Primeiramente, segue uma
breve exposição sobre a tramitação do Estatuto da Cidade enquanto Projeto de Lei
nº.5.788 no Congresso Nacional até chegar a sua aprovação. Através desta
passagem, procurou-se compreender, de forma mais detalhada, a acusação de
morosidade e lentidão desta matéria, revelando com maior nitidez os entraves do
trâmite processual. Em seguida, discorreu-se sobre as inovações contidas no Estatuto
e sobre o conteúdo da medida provisória do governo federal, que contem os vetos ao
projeto de lei 5.788 e as devidas justificativas. A terceira resgata e relaciona antigas
formulações do ideário produzidas pelo Movimento pela Reforma Urbana. Por fim, com
base nos elementos apresentados, foram levantados alguns aspectos relacionados
com a nova fase da reforma urbana, que agora segue instrumentalizada pelo robusto
arcabouço jurídico do Estatuto da Cidade.

3.4 Trajetória do Projeto de Lei nº 5.788 no Congresso Nacional

Como já foi dito, o Projeto de Lei nº. 5.788, denominado Estatuto da


Cidade, teve uma longa e lenta tramitação no Congresso Nacional. A matéria
constitucional do capítulo da Política Urbana levou mais de 11 anos de discussão,
passou por várias comissões, chegou a ficar parada por algumas vezes e foi retomada
no final dos anos 90 para ser, enfim, aprovada em 2001. A observância da tramitação
desta matéria revela controvérsias e conflitos de interesses expressos no debate sobre
os caminhos da cidade.
104

O projeto foi apresentado ao Senado em 28 de julho de 1989, pelo falecido


Senador Pompeu de Souza (PSDB/DF). Até então, através do nº171/89, o projeto
tinha o propósito de regulamentar os artigos 182 e 183 e estabelecer diretrizes gerais
de política urbana. Nesse momento, O Estatuto da Cidade continha 73 artigos
divididos em três títulos: princípios e objetivos, da política urbana e disposições gerais.

No ano seguinte, o projeto foi aprovado na íntegra pela Comissão de Mérito


do Senado, não havendo recurso para sua apreciação em plenário; em seguida foi
encaminhado para a Câmara dos Deputados no final de 1990. Quando o Senado
aprovou o Estatuto da Cidade em agosto de 1990, todos os demais projetos de lei de
desenvolvimento urbano passaram para um segundo plano ficando estes apensados a
ele. Na Câmara, através do número 5.788/90 iniciou-se uma longa trajetória por várias
comissões. A partir de então, o Projeto de Lei 5.788/90 passou a ser o projeto base
para as discussões dos deputados30 (SUIANA, 1995).

A primeira comissão a apreciá-lo foi a de Constituição e Justiça, tendo sido


nomeado relator o deputado Alberto Goldman (PMDB/SP). O deputado Goldman
apresentou seu relatório em setembro de 91 propondo sua modificação em sete
pontos, sem contudo alterar a essência da iniciativa do senador Pompeu de Souza.
Esse relatório não foi à votação, tendo sido, entretanto, anexado aos autos do
processo legislativo.

Continuando a ordem de tramitação na Câmara, o Projeto 5.788/90 foi


encaminhado à Comissão de Viação e Transportes, Desenvolvimento Urbano e
Interior, sendo nomeado como relator o deputado Nilmário Miranda (PT/MG).
Atendendo a uma solicitação formulada pelo Ministério da Ação Social, que havia
constituído uma comissão especial para propor alterações na Lei 6.766/76, o deputado
adiou o prazo para a apresentação das emendas ao projeto. Entretanto, esse
Ministério sofreu uma série de reestruturações políticas fazendo com que, até junho de
1992, a Comissão constituída ainda não tivesse apresentado suas conclusões sobre a
revisão da Lei nº. 6.76631 em vigor e o PL do Estatuto da Cidade. Somente em agosto,
o relator reabriu o prazo para apresentação de emendas ao projeto.

30
SUIAMA, Sergio Gardenghi. Avaliação dos projetos de lei de desenvolvimento urbano em tramitação
no congresso nacional, publicação da ANSUR E POLIS. Novembro de 1995.
31
Lei Federal nº6.766 de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre parcelamento do solo.
105

Nesta mesma época, o Estatuto da Cidade foi alvo de uma grande


campanha visando sua rejeição. Essa movimentação foi articulada pelo Sindicato das
Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (SECOVI), Sindicato das
Indústrias da Construção Civil de São Paulo (SINDUSCON), Câmara Brasileira das
Industrias da Construção Civil (CBIC) e também pela entidade, reconhecida como
ultraconservadora, Tradição, Família e Propriedade (TFP). Estas entidades
argumentavam que, de acordo com a Constituição, o direito de propriedade é absoluto
e não poderia sofrer nenhum tipo de limitação. O resultado foi imediato fazendo com
que 32 parlamentares assinassem emendas em defesa do direito de propriedade.

O Fórum Nacional de Reforma Urbana, após um amplo processo de


discussão nos Estados, apresentou também emendas ao projeto, visando introduzir
novos instrumentos de política urbana e corrigir algumas falhas de redação e
constitucionalidade da proposição.

Neste momento, o deputado Luis Roberto Ponte (PMDB/RS), membro da


Comissão de Economia, Indústria e Comércio, solicitou, pela Comissão, vistas do
projeto. A Mesa da Câmara entendeu que, na forma regimental, o Estatuto da Cidade
deveria ser primeiro apreciado pela Comissão solicitante e só então retornar à
Comissão de Desenvolvimento Urbano. O PL 5.788/90 foi encaminhado então à
Comissão de Economia, Indústria e Comércio em novembro de 1992, aguardando
relatório do deputado Ponte. Tendo em vista a não apresentação do relatório até o
segundo semestre de 1993, por iniciativa do deputado Nilmário Miranda, foi formado
um grupo de trabalho composto por ambos os parlamentares e mais algumas
entidades convidadas como o Fórum Nacional pela Reforma Urbana, a Câmara
Brasileira das Indústrias da Construção Civil (CBICC), que estava representada pelo
Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (SECOVI), a
Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano do Ministério da Integração Regional
e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Em janeiro de 1994, o grupo de trabalho concluiu a elaboração de um


substitutivo ao Projeto de Lei 5.788/90. O texto foi produto de considerável esforço dos
representantes, que conseguiram chegar a um consenso em torno das questões mais
polêmicas do projeto, após vencerem muitas dificuldades em face às delicadas
negociações até chegar a proposta, a qual reduziu e modificou consideravelmente o
106

Projeto de Lei. O substitutivo passou a ser composto por vinte e nove artigos divididos
em cinco capítulos.

No primeiro deles, de maneira bastante genérica, foram dispostos os


princípios, as diretrizes e os objetivos da política urbana. Já no capítulo segundo,
foram enumerados os instrumentos da política de desenvolvimento urbano, sem no
entanto, discipliná-los. Conforme o cumprimento de acordo feito como o setor
imobiliário, foram suprimidos alguns instrumentos importantes do Projeto, dentre eles o
direito de preempção. Por outro lado, o substitutivo procurou regulamentar o parágrafo
4º, artigo 182 da Constituição, estabelecendo o procedimento para a aplicação das
sanções em caso de imóveis subtilizados ou não utilizados. O texto apresentado
também incorporou outros aspectos nesta parte como: o procedimento judicial do
usucapião especial urbano, quando requerido por uma coletividade; a instituição de
alguns requisitos mínimos para o plano diretor – a fim de evitar que este instrumento
se constitua simplesmente em um conjunto de princípios – e a regulação dos institutos
da transferência do direito de construir, da reurbanização consorciada e do direito de
superfície. De acordo com os assessores encarregados de elaborar o Projeto, a
terceira, e última parte, ficou incompleta devido à falta de tempo para que eles
pudessem concluí-lo (SUIAMA, 1995).

Esse substitutivo ao Estatuto da Cidade foi amplamente discutido pelo


Fórum Nacional pela Reforma Urbana nos primeiros meses de 1994. Foram
apresentadas diversas propostas de emendas, e um grupo de entidades chegou a
defender que fosse rejeitado do substitutivo acordado por não conter alguns princípios
e instrumentos essenciais para a reforma urbana. Prevaleceu, entretanto, a proposição
de sua aprovação, mesmo reconhecendo-se seu conteúdo pouco inovador. Isso
porque o Fórum considerava que, naquela conjuntura, uma posição mais favorável à
reforma urbana não seria hegemônica no Congresso Nacional. Assim, preferiu-se
apostar na aprovação da Lei de Desenvolvimento Urbano acordada com o setor
imobiliário, com a finalidade de regular o capítulo constitucional da política urbana e
introduzir finalmente uma lei urbanística em nível nacional. No entanto, logo em
seguida, o deputado Ponte ignorou sumariamente o produto das extensas
negociações e não apresentou o seu parecer na Comissão de Economia, sem
nenhuma explicação. Embora tenha sido negociado com diversos setores envolvidos
com a questão urbana, o referido projeto ficou novamente paralisado.
107

O Estatuto da Cidade voltou a tramitar regulamente em outubro de 1994.


Isso reanimou novamente os setores envolvidos com a democratização da gestão das
cidades, no entendimento de que a aprovação daquele projeto poderia significar um
passo muito importante no caminho da Reforma Urbana para o país. Neste texto,
também haviam sido incorporados dispositivos constitucionais pertinentes aos
propósitos da reforma urbana. Na seqüência, o projeto foi distribuído originalmente à
comissão de Viação e Transportes, Desenvolvimento Urbano e Interior (que depois foi
subdividida em Comissão de Viação e Transportes (CVT) e Comissão de
Desenvolvimento Urbano e Interior (CDUI)) e à comissão de Constituição, Justiça e de
Redação (CCJR). A proposição teve audiência solicitada pela Comissão de Economia,
Indústria e Comércio (CEIC) e pela Comissão de Defesa do Consumidor, Meio
Ambiente e Minoria (CDCMAM).

Até 1995, o referido Projeto de lei nº 775/83 – Lei de Desenvolvimento


Urbano, de iniciativa do Executivo, ainda tramitava na Câmara. No mês de julho
daquele ano, novamente por iniciativa do próprio Executivo o referido Projeto, que até
então havia tramitado sem deliberação, foi retirado.

Em 1997, movido precipuamente pelas gestões das entidades que participaram


do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), o Projeto de Lei nº.5.788/90 retornou
à pauta. Após intenso debate na Comissão de Economia, Indústria e Comércio (CEIC),
foi apresentado o primeiro substitutivo na Câmara dos Deputados, sendo aprovado em
outubro de 1997 nesta comissão, que era a primeira na seqüência processual. Diante
do visível resultado do trabalho do movimento social organizado, o Executivo Federal
passou a demonstrar interesse na matéria por meio da então Secretaria de Política
Urbana do Ministério do Planejamento e Orçamento, e o empresariado urbano, aos
poucos, começava a perceber o Estatuto da Cidade como instrumento importante no
desenvolvimento dos seus interesses econômicos nas cidades.
A proposição, então, foi encaminhada à Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minoria (CDCMAM). Nesta Comissão foi aprovado
outro substitutivo, que aperfeiçoou o texto da comissão anterior, sobretudo em relação
à questão ambiental. No final de 1998, aproveitando o texto do substitutivo da
Comissão de Economia, Indústria e Comércio (CEIC), incluindo apenas
aperfeiçoamentos de algumas emendas, o texto foi aprovado na Comissão de Defesa
do Consumidor, Meio Ambiente e Minoria (CDCMAM). Cabe ressaltar que ela,
requereu e obteve a redistribuição do projeto, motivo pelo qual seu parecer tem o
108

status regimental de parecer de mérito. À comissão de Desenvolvimento Urbano e


Interior (CDUI), agora, como principal Comissão de mérito, coube a análise geral da
matéria tratada pelo Estatuto da Cidade.
Nos trabalhos desta última procurou-se concentrar esforços no
aperfeiçoamento do projeto vindo da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio
Ambiente e Minoria (CDCMAM). Após passar por um processo ampliado de debate
chegou-se a um substitutivo composto pelos aspectos mais relevantes acumulados
neste processo histórico de elaboração, acatando os aperfeiçoamentos necessários.
No final de 1999, foi aprovado por unanimidade este substitutivo do
Estatuto da Cidade na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior (CDUI)32. No
final de 2000, ele foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ),
basicamente sem alteração. No início de 2001, o projeto obteve a aprovação final na
Câmara dos Deputados e retornou finalmente para o Senado Federal, tendo sido
aprovado por unanimidade na Comissão de Assuntos Sociais. Do mesmo modo, foi
finalmente aprovado, no plenário do Senado, o substitutivo aprovado na Câmara sem
nenhuma alteração33. No dia 10 de julho de 2001, a lei do Estatuto da Cidade foi
sancionada pelo Presidente da República, com veto referente ao instrumento de
regularização fundiária da concessão especial de uso para fins de moradia. Os
motivos do veto serão retomados mais adiante.
Na passagem do Estatuto da Cidade pela Comissão de Desenvolvimento
Urbano e Interior (CDUI), foram realizados vários encontros realizados em diferentes
locais do país. Com o intuito de observar o reconhecimento e a amplitude desses
eventos, foram destacados alguns, conforme registros constantes no relatório final da
referida Comissão da Câmara dos Deputados34:
- debate promovido pelo Pacto de Cooperação de Fortaleza em 5 de maio
de 1999, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, contando, entre outros, com a

32
De acordo com SAULE (2001), no ano de 1999, pelo fato da Presidência da Comissão de
Desenvolvimento Urbano ter ficado sob a direção de partidos progressistas (Partido Comunista do Brasil
e Partido Socialista Brasileiro) e da relatoria do Estatuto ter sido assumida pelo próprio Presidente da
Comissão, Deputado Inácio Arruda (PCdoB-CE), foram possíveis o estabelecimento de uma parceria
entre a própria Comissão e o Fórum Nacional de Reforma Urbana; o desencadeamento de um processo
democrático envolvendo diversos atores da sociedade e órgãos governamentais visando a elaboração de
um substitutivo regulamentado os instrumentos de política urbana que contemplasse os interesses
essenciais de cada setor.
33
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da cidade: novas perspectivas para a reforma
urbana. São Paulo, Polis, 2001.
34
Cf Declaração de voto do relator, 2001. Op cit.
109

presença de vários Parlamentares da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior


(CDUI);
- audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior
(CDUI), em 16 de junho de 1999, na Câmara dos Deputados em Brasília, com a
presença de diversas entidades, como: Sindicato das Empresas de Compra, Venda,
Locação, Administração de Imóveis e Condomínios (SECOVI-SP); Instituto Polis;
Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU); Câmara Brasileira da Indústria da
Construção (CBIC); Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República (SEDU-PR); Confederação Nacional das Associações de Moradores
(CONAM); Conselho Federal de Serviço Social (CFSS); Conselho Federal de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA); Confederação Nacional do Comércio
(CNC);
- seminário "Propondo o Estatuto da Cidade", nos dias 5 e 6 de agosto de
1999 , promovido pela Assembléia Legislativa do Estado do Ceará e pela Câmara
Municipal de Fortaleza, com o apoio de diversas entidades: Universidade Federal do
Ceará (UFC); Universidade Estadual do Ceará (UECE); Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Central Única dos Trabalhadores
(CUT); Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB); Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Engenharia (CREA-CE); Câmara dos Dirigentes Lojistas de
Fortaleza (CDL); Pacto de Cooperação; Associação dos Docentes da Universidade
Federal do Ceará (ADUFC); Cearah Periferia: Federação das Associações de Bairros
e Favelas de Fortaleza (FBFF); União das Comunidades da Grande Fortaleza (UCGF);
Pastoral do Solo Urbano; Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação,
Administração de Imóveis e Condomínios (SECOVI-CE); Escola de Formação de
Governantes (EFG); (SINDUSCON); Federação dos Trabalhadores do Ceará
(FETRACE); Federação do Comércio (FECOMÉRCIO);
- seminário "Reforma Urbana e o Estatuto da Cidade", no dia 20 de agosto
de 1999, promovido pela Câmara Municipal de São Paulo, contando com a
participação de: Movimento Defenda São Paulo; Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP); Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB), Departamento de São Paulo (IAB/SP); Sindicato das Empresas de Compra,
Venda, Locação, Administração de Imóveis e Condomínios (SECOVI-SP);
Confederação Nacional de Associação de Moradores (CONAM); Movimento Nacional
de Moradia Popular; Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU); entre inúmeras
autoridades, técnicos do setor, lideranças empresariais e comunitárias;
110

- audiência pública na Câmara Municipal de Salvador em 3 de setembro de


1999, com a presença de parlamentares e de representantes de diversas entidades,
entre as quais: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Católica; Escola
de Urbanismo da UNEB; Fundação Mário Leal Ferreira; Instituto de Arquitetos do
Brasil - Departamento da Bahia (IAB-BA); Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Engenharia (CREA-BA);
- ciclo de debates "Governo da Cidade, Caminhos do Povo", no dia 27 de
dezembro de 1999, em Recife, promovido pelo Gabinete da Deputada Estadual
Luciana Santos, com a presença, entre outros, do Deputado Fernando Ferro e do
Prefeito de Petrolina, Fernando Bezerra Coelho.
Além desses encontros, ocorreram diversas reuniões técnicas entre o
Relator e representantes de organizações não-governamentais, em especial o Fórum
Nacional de Reforma Urbana (FNRU), de órgãos públicos ligados ao setor, como a
Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República
(SEDU/PR), e do Ministério Público. Através da CDUI, complementarmente, foram
solicitadas e obtidas sugestões de outras entidades como as propostas enviadas pela
Caixa Econômica Federal (CEF) em conjunto com a Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (SEDU), pela Associação
Nacional do Solo Urbano (ANSUR), pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP), pelo Sindicato das Empresas de Compra,
Venda, Locação, Administração de Imóveis e Condomínios (SECOVI-SP) e pelo
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo
do Ministério Público do Estado de São Paulo (CAOHURB).

Essa movimentação gerou várias mudanças na proposta original.


Principalmente, supressões, as quais acabaram por deixá-lo mais conciso. Nessa
direção, também foram retiradas determinadas proposições para permitir o trâmite
processual, em face ao volume de negociações. Em que pese tais ocorrências,
admite-se, por parte da representação do movimento pela reforma urbana, que a
trajetória valorizou e reconheceu plenamente as contribuições da sociedade ao longo
do processo. Sob este ponto de vista, o resultado pode constituir-se de significativo
aporte urbanístico, estreitamente compatível com concepções e experiências urbanas
existentes no Brasil.

Por fim, a longa trajetória do Estatuto no Legislativo Federal, sobretudo na


Câmara dos Deputados foi produto de um processo mais democrático em se tratando
111

das instâncias de poder constituídas no país. Como se via no início deste trabalho, nas
outras duas ocasiões em que a Reforma Urbana foi pautada, a iniciativa esteve
vinculada, de algum modo, com o poder executivo, sobretudo no Projeto de Lei nº
775/83 por meio do Ministério do Interior.

3.5 As Novidades e as Inovações do Estatuto da Cidade

O Estatuto da Cidade definiu uma série de diretrizes e instrumentos para a


ação do Poder Público no planejamento urbano, no sentido de enfrentar os problemas
existentes nas cidades. Através destes instrumentos, está presente no Estatuto o
reconhecimento de que essa situação é decorrente da desigualdade social e territorial
nas cidades, e que devem ser dirimidas dentro de uma nova concepção de
planejamento urbano para que, de fato, se possa melhorar a qualidade de vida nas
cidades. Além dos instrumentos já previstos nos artigos 182 e 183 da Constituição, os
quais demandavam regulamentação, também foram incorporados novos elementos
inovadores na política urbana brasileira.

Quanto ao conteúdo, o Estatuto manteve os fundamentos dispostos nos


capítulos constitucionais fundamentados na função social da propriedade e da cidade.
O plano diretor, previsto no artigo 182, teve novidades no sentido de aperfeiçoar essa
figura como instrumento de planejamento e ordenamento de áreas urbanas. Além de
ser obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, de acordo com a
constituição de 1988, passou a ser obrigatório também para cidades que estejam na
seguinte situação:

- sejam integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

- nas quais o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos


previstos no parágrafo 4º do artigo 142 da Constituição;

- sejam integrantes de áreas de especial interesse turístico; e

- estejam inseridas na área de influência de empreendimentos com


significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional.
112

O Plano passou a ter um conteúdo mínimo e um prazo para ser feito a


partir da data de aprovação do Estatuto. As áreas onde poderão ser feitos o
parcelamento, edificação ou utilização compulsória deverão ser delimitadas e conter
as disposições requeridas, em relação aos instrumentos de política urbana, e prever
sistema de acompanhamento e controle de suas determinações. O Plano Diretor, por
sua vez, deverá estar aprovado dentro do prazo máximo de cinco anos.

Cabe ressaltar que na figura do Plano Diretor, aos poucos, foram sendo
incorporadas proposições reformistas no sentido de constituí-lo no parâmetro básico
do cumprimento da função social da propriedade imobiliária urbana. A relevância
dessa observação se dá ao fato de a proposta de inserir o Plano Diretor na
Constituição ter sido motivada pelos setores mais conservadores durante a
Constituinte, mais especificamente pelo chamado "centrão".

A aprovação da função social da propriedade foi viabilizada mediante um


acordo entre os defensores da reforma urbana e os integrantes do bloco conservador
de parlamentares, denominado “centrão”. Este grupo, por sua vez, usando um número
estratégico de votos entre os seus pares tentou influenciar e conduzir as votações de
acordo com os interesses particulares, menosprezando a essência dos debates
realizados no processo constituinte. Desse modo, o acordo condicionava, nos termos
do parágrafo 4º do artigo 182 da Constituição Federal Brasileira, a aplicação dos
instrumentos destinados a conferir uma função social à propriedade urbana, á
existência de uma lei federal e do Plano Diretor.

Segundo SAULE JUNIOR35, essas exigências produziram efeitos


favoráveis para os agentes responsáveis pela especulação imobiliária e efeitos
negativos para a promoção da reforma urbana nas cidades. O fato de a Lei Federal de
desenvolvimento urbano não ter sido instituída no decorrer mais de dez anos provocou
dificuldades aos municípios para aplicar o imposto sobre a propriedade predial urbana,
progressivo no tempo, naqueles imóveis que não cumprem a sua função social. Por
outro lado, nessa época, a posição do Supremo Tribunal Federal considerava
inconstitucional a lei municipal que dispunha sobre a progressividade do imposto sobre
a propriedade urbana, em razão da ausência da lei federal de desenvolvimento

35
Extraído do documento intitulado "Estatuto da Cidade – instrumento de reforma urbana", elaborado por
Nelson Saule Junior, Coordenador da Área de Política Urbana do Instituto Polis, e distribuído no
Encontro Nacional de Reforma Urbana, realizado no Colégio Pio XII, na cidade de São Paulo, em junho
de 2001.
113

urbano. Esta lei federal de desenvolvimento urbano vem a ser o Estatuto da Cidade,
aprovado em 2001.

Também foram regulamentados outros instrumentos vinculados ao Plano


Diretor como:

- parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, com base no artigo


182, § 4º, da Constituição, que visa a coibir a retenção de terrenos urbanos ociosos,
no sentido de combater a especulação imobiliária;
- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU - progressivo
no tempo, que é uma sanção igualmente prevista no artigo 182, § 4º, da Constituição,
vinculada ao não cumprimento do parcelamento, da edificação ou da utilização
compulsórios;
- desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.
Efetivada como seqüência da aplicação dos dois primeiros mecanismos, consiste na
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública semelhante à realizada
para fins de reforma agrária;
- e o usucapião especial urbano, relativo ao artigo 183 da Constituição Federal.
A novidade ficou por conta da figura do usucapião coletivo. Através deste instrumento,
poderá ser promovida a regularização fundiária nas cidades, especialmente nas áreas
ocupadas por cortiços e favelas, ou que tenham as condições de moradia mais
precárias.

No entanto, a maior parte das inovações fica por conta da inserção de


novos instrumentos tributários, jurídicos e urbanísticos para a aplicação imediata nas
cidades brasileiras. As inovações contidas no Estatuto situam-se em três campos: um
conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltado para induzir, mais do
que normatizar, as formas de uso e ocupação do solo; uma nova estratégia de gestão
que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre
o destino da cidade e a ampliação das possibilidades de regularização das posses
urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.36

O conjunto de novos instrumentos urbanístico corresponde a:

36
ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade-Instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e
beleza. In SAULE JÚNIOR, Nelson. Estatuto da cidade: novas perspectivas para a reforma urbana. São
Paulo, Polis, 2001.
114

- Direito de superfície. Este instrumento consiste na possibilidade de


dissociação entre o direito de propriedade do terreno e o direito de propriedade de
edificação. Ou seja, o proprietário do terreno passa a poder conceder a outros o direito
de superfície, de forma gratuita ou onerosa. Visa fundamentalmente a flexibilizar a
utilização dos terrenos.
- Transferência do direito de construir. Este compreende a faculdade atribuída
ao proprietário do imóvel por lei municipal de exercer em outro local ou alienar o direito
de construir ainda não exercido. Possibilita várias aplicações, a exemplo da
preservação de imóvel de interesse histórico, proteção ambiental, operações urbanas,
entre outras.
- Outorga onerosa do direito de construir. Talvez seja o instrumento mais
polêmico dentro do conjunto das inovações. Este consiste no estabelecimento, pelo
Município, de um coeficiente de aproveitamento de terreno a partir do qual a
autorização para construir passa a ser concedida de forma onerosa. Permite ao Poder
Público a cobrança pela utilização mais intensa da infra-estrutura urbana instalada.
- Operações urbanas consorciadas. Neste caso, o instrumento compõe-se de
um conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal,
com a participação dos proprietários, moradores e usuários, e de investidores
privados, com o objetivo de alcançar, em uma área, transformações e melhorias
urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental.
- Direito de preempção. Na concepção do Estatuto da Cidade, este instrumento
dispõe sobre a preferência do Poder Público na compra de imóveis urbanos, visando a
assegurar a formação de um estoque de terras públicas sem a necessidade de
desapropriação.
Deve-se notar que alguns desses instrumentos não constam da versão original
do projeto, tendo sido incorporados nos substitutivos elaborados pelas comissões
técnicas, a partir dos projetos apensados e de planos diretores municipais já propostos
ou aprovados. No processo de discussão houve, ainda, propostas de inserção de
outros instrumentos, a exemplo da requisição urbanística. No entanto, de acordo com
o conjunto dos relatos constantes nos trabalhos desenvolvidos, sobretudo no último
período, verificou-se a construção contínua do consenso.

Por fim, a questão da improbidade administrativa. Esse aspecto, incluso no


artigo 52 das disposições gerais, impõe uma nova atribuição ao prefeito e demais
envolvidos diretamente na condução da política urbana. De acordo com o artigo:
115

Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de


outras sanções cabíveis, o prefeito incorre em improbidade administrativa, nos
termos da lei nº.8429/92, quando:37

- deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do


imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme a aplicação do instrumento
do direito de preempção;

- aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de


alteração de uso em desacordo com a destinação prevista para tal;

- aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em descordo com o


previsto para tal;

- impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos seguintes itens referentes


ao plano diretor: a promoção de audiências públicas e debates com a participação
d população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade,
a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e o acesso de
qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Artigo 52 do Estatuto da Cidade.

Esse artigo constitui uma das mais significativas inovações presentes no


Estatuto, na medida em que assinala a responsabilidade administrativa no trato com a
coisa pública, em especial a política urbana. Na verdade, investe na vigilância mútua
permeando a condução de diferentes instrumentos no sentido de preservar as reais
intenções contidas na lei. Em alguns casos, também significa que a obrigação para a
propriedade urbana ter uma função social passa a ser do Poder Público, que deve
promover as medidas necessárias para que a destinação social prevista seja
concretizada.38

3.6 Medida Provisória nº 2.220 de 4 de Setembro de 2001

37
Artigo 52, inciso II, III,IV,V,VI,VII e VIII do Estatuto da Cidade, lei federal nº.10.257/2001.
38
ROLNIK, Raquel (coord.geral). Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e
cidadãos. Instituto Polis/Câmara dos Deputados. Centro de documentação e Informação, Brasília, 2001.
116

Atualmente, as diretrizes para a política urbana do país nos níveis federal,


estadual e municipal, são dadas pelo capítulo de política urbana da Constituição de
1988, em combinação com o Estatuto da Cidade e o texto da Medida Provisória nº.
2.220/01. Além, é claro das legislações municipais.

No total, foram onze vetos da Presidência da República, (5 artigos, 4


incisos, um parágrafo e um item). Os artigos do Estatuto que se referiam à
regularização de imóveis públicos ocupados, ou seja, os artigos de 15 a 20, foram
vetados quando da sanção da lei, tendo sido parcialmente incorporados à Medida
Provisória nº.2.220.39 Os instrumentos de regularização possibilitam novas formas de
legalização para ocupações feitas por populações de baixa renda em área que não
lhes pertenciam legalmente.

Os demais vetos não foram reparados na medida provisória. Apenas, foram


trazidas a público as razões do veto indicadas pelo Ministério da Justiça, praticamente
justificadas em torno da argüição de inconstitucionalidade ou da inobservância da boa
técnica legislativa.

Dentre esses, dois vetos merecem destaque diante do estudo aqui


desenvolvido. O primeiro, ao inciso V do artigo 43 que dispunha sobre o referendo
popular e o plebiscito. A justificativa ficou por conta de que instituir novo permissivo,
especificamente para a determinação da política urbana municipal, não observaria a
boa técnica legislativa, visto que a lei nº. 9.709/98 já autoriza a utilização de plebiscito
e referendo popular em todas as questões de competência do município.

3.7 Limites e possibilidades na aplicação dos instrumentos

Haja vista que vários municípios não esperaram a promulgação desta lei
federal para instaurar práticas e implementar os princípios expressos na constituição,
de tal forma que durante a década de 90, enquanto se discutia e costurava o estatuto,
acontecia, em âmbito local, um processo rico de renovação no campo da política e do
planejamento urbanos. A redação, finalmente aprovada e sancionada, de certa

39
idem
117

maneira incorpora esta experiência local, consagrando práticas e instrumentos já


adotados, além de abrir espaço para outros que, por falta de regulamentação federal,
não puderam ser implementados. 40

Conforme pode ser visto na declaração de voto do relator:

O Estatuto da Cidade surge como ponto de partida, um passo importante na pugna


pela solução dos problemas urbanos. Há, contudo, necessidade não apenas do
aparato legal, mas também de substancial disposição para aplicá-lo nas cidades
brasileiras. Além, evidentemente, do principal, que consiste na satisfação das
expectativas mais gerais da sociedade – de um Brasil social e economicamente
desenvolvido. 41

O texto do Estatuto da Cidade aprovado recupera aspectos relevantes que


estavam presentes na proposta da lei federal de desenvolvimento urbano de 1982. A
necessidade de regulação da questão da função social da propriedade imobiliária
urbana é o principal exemplo, seguido por demais instrumentos de ordem urbanística.

Há uma amarração no conjunto do estatuto, instrumentos que podem ser


utilizados isoladamente para uma finalidade determinada, que podem ser somados ou
complementados tendo as diretrizes como fator de aglutinação, fator de garantia dos
princípios estabelecidos neste compêndio de leis urbanísticas.

No entanto, não basta haver apenas o aparato legal. O arcabouço jurídico,


por sua vez, também não é só teoria. A cidade vive entre o campo do direito e da
legitimidade de poder morar com dignidade. O conjunto de leis serve à condução
social da complexa vida social na cidade. O planejamento urbano, por sua vez,
trabalha entre tais ditames legais e a intervenção concreta nos problemas urbanos. A
política abraça todos esses e, a depender de sua vontade, pode criar possibilidades
magníficas de melhorar ou piorar o que está por aí. Na verdade, a complexidade da
cidade está acima de todas essas áreas de atuação, pois carrega as contradições e os
conflitos ainda não superados de desigualdade social e de renda.

40
ibidem.
41
Declaração de voto do Deputado Federal Inácio Arruda (PCdoB), relator do projeto de lei do Estatuto
da Cidade na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados.
118

Conclusão

A reforma urbana no Brasil veio constituindo, ao longo do tempo, um outro


modo de se pensar e efetivar o planejamento urbano, ao se referenciar nos princípios
da função social da propriedade e da gestão democrática. Nessa trajetória, no entanto,
a conjuntura política e as forças políticas modificaram-se consideravelmente a ponto
de se instaurar no país um regime ditatorial liderado pelos militares, por mais de vinte
anos. Ao mesmo tempo, embora os seus proponentes também não tenham sido os
mesmos, foi gestada na realidade política entoada pela crítica aos problemas urbanos
existentes. Nessas quatro décadas, entre as diferentes retomadas da reforma urbana,
as formulações foram se consolidando num continuum de afirmação e renovação até
compor o recente Estatuto da Cidade, promulgado em 2001.

Este trabalho procurou, inicialmente, resgatar os fatos originários da


reforma urbana no Brasil. Assim, foi tomado como ponto de partida o seminário sobre
Reforma Urbana e Habitação ocorrido em 1963. As formulações referentes à reforma
urbana ali encontrada já se baseavam na função social da propriedade, focadas na
questão habitacional. A segunda retomada se deu com o lançamento do anteprojeto
de lei de desenvolvimento urbano em 1983. Desta vez, não só recuperava a
terminologia da reforma urbana como também resgatava-se os princípios da função
social da propriedade e da cidade. Embora tenha surgido em uma conjuntura
totalmente diferente, motivada por instâncias internas ao governo militar, também
compôs um diagnóstico crítico sobre a situação urbana indicando a necessidade de
medidas eficazes de controle do uso do solo para garantir qualidade de vida para os
habitantes das cidades. Desta vez, o objetivo foi centrado na imediata solução dos
grandes problemas urbanos deixando para segundo plano a questão da habitação,
prioridade de outrora.

A proposta inovou com ousadia, sugerindo uma série de instrumentos no


âmbito do disciplinamento urbanístico, sendo que desde a divulgação ainda enquanto
anteprojeto começou a alicerçar parâmetros para os projetos que irão surgir mais tarde
com a minuta de emenda constitucional da reforma urbana em 1988. Liga-se a
iminência desta lei à pressão dos movimentos populares que viviam um alto grau de
mobilização no período e às contradições evidenciadas no governo como nos próprios
119

setores ligados a produção da cidade. O fato de não ter sido aprovado e relegado a
segundo plano com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte não tira o mérito
de ter difundido novos parâmetros, muitos dos quais vieram a fazer parte dos debates
sobre a política urbana.

Uma das reações ao estado ditatorial foi o acirramento dos chamados


movimentos sociais urbanos, nos anos 60 e 70. Ocorridos em vários paises, no Brasil,
as adversidades e especificidades fizeram com que tais movimentos urbanos,
organizados a partir de associação de moradores de bairro e outros movimentos de
perfil reivindicatórios, desempenhassem um papel destacado na derrubada da ditadura
militar e no restabelecimento da democracia no país.

O planejamento urbano, com a atribuição de organizar o território das


cidades, caminhou paralelamente entre formulações de planos e legislações
urbanísticas. Porém, em que pese à vasta produção intelectual e ações desenvolvidas
em torno dos chamados planos, a pauta da legislação urbanística priorizou leis
específicas e parciais, em geral, para o atendimento de interesses particulares e
pontuais. Por outro lado, o planejamento urbano mais recente, sobretudo a partir das
chamadas administrações populares já no início dos anos 80, passou a praticar
processos mais participativos entre os agentes promotores o que, de certo modo,
inaugura uma nova fase para as suas ações com ênfase na gestão democrática e
participativa.

Assim, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, por sua vez, surgiu
pelas condições objetivas reunidas neste contexto, em face de uma conjuntura política
favorável aos movimentos populares e a existência de proposições técnicas discutidas
e assimiladas anteriormente. Entre as razões principais dessa gênese está a
aproximação entre as reivindicações dos setores populares com o segmento dos
técnicos e intelectuais, consumados pelas articulações do movimento com vistas a
intervir na Assembléia Nacional Constituinte. Embora, tenha tido limitações no seu
percurso em termos de sustentação e distanciamento das suas bases, essa
aproximação em torno de um propósito bem definido registrou o êxito alcançado pelo
movimento ao conseguir polarizar o debate em torno das propostas da reforma urbana
e, conseqüentemente, inserir um capítulo que tratasse da Política Urbana, pela
primeira vez, na história constitucional brasileira.
120

No entanto, a década de 90 implicou em uma nova fase para os


movimentos sociais que não mantiveram a mesma intensidade mobilizatória da
década anterior. Nessa direção, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana também
foi alvo de críticas, sendo que a maioria delas apontava certa prevalência dos setores
intelectualizados em detrimento da atuação junto aos movimentos de base, como
havia ocorrido anteriormente.

A Constituição de 1988 representou um marco histórico. Todavia, também


foi alvo de críticas em face dos acordos estabelecidos durante as últimas etapas do
processo constituinte sobrepondo-se aos debates democráticos realizados nas fases
preparatórias. Por outro lado, as vitórias obtidas, a exemplo da inserção do capítulo da
Política Urbana, indubitavelmente, foram possíveis devido às pressões e às
estratégias de articulação dos movimentos populares. Também significou uma outra
realidade para as relações políticas, na medida em que confirmava o vigor de um novo
estado de direito, afastando–se do regime militar, onde esse havia sido golpeado pelo
estado ditatorial. Nota-se que a reforma urbana, conforme os pontos originários
identificados e evidenciados ao longo dessa trajetória, manteve-se vinculada à
necessidade de novos parâmetros para a produção e apropriação o do espaço urbano,
tendo em vista que, ela foi recorrentemente mantida e primada por uma cidade mais
participativa, democrática e igualitária para todos os habitantes que nela vivem.

O Estatuto da Cidade constituiu-se num instrumento importante para a


reforma urbana. Os problemas urbanos existentes encontram nessa lei dispositivos
inovadores na história da gestão das cidades brasileiras. Na sua versão final foram,
inclusive, incorporadas sugestões negociadas pelo Fórum Nacional pela Reforma
Urbana, baseadas na experiência acumulada por várias cidades brasileiras, pós
Constituição de 1988.

Assim, observa-se que a função social da propriedade e o conceito de


reforma urbana têm caminhado juntos por longa trajetória, em estreita identificação e,
inclusive, em diferentes circunstâncias. No entanto, a reforma urbana preconizada ao
longo das últimas quatro décadas não será efetivada por conta somente do
instrumental legal. Mas, destaca-se o fato de que a reforma urbana alcançou
reconhecimento na esfera da legislação urbanística brasileira, pela primeira vez na
história constitucional, com capitulo definido e correspondente regulamentação.
121

O instrumento de o Estatuto aplicado nos termos da gestão democrática


poderá resultar em novas relações entre o público e o privado na produção da cidade,
de modo a possibilitar novos horizontes para a atividade de planejamento urbano.
Este, tal como aponta o ideário da reforma urbana protagonizado pelo Movimento
Nacional pela Reforma Urbana, reúne as condições necessárias para o
estabelecimento de princípios democrático de planejamento. Um exemplo é o
envolvimento cada vez maior e mais qualificado da comunidade nas instâncias
governamentais e legislativas, seja através de conselhos ou outros canais surgidos
recentemente.

No entanto, cabe às diversas instâncias da sociedade, cada uma a seu


modo, fazer a sua parte. Talvez, o desafio maior esteja no desprendimento de um
posicionamento tecnicista, por todos os envolvidos com o planejamento, adotando
uma postura de forte interação com os segmentos sociais. Vale ressaltar que essa foi
adotada pelos integrantes do Fórum Nacional pela Reforma Urbana que, por mais de
uma década, até ser aprovado, vivenciaram uma imensa diversidade dos interesses
conflitantes existentes que eclodiam no Congresso Nacional.

Todos esses instrumentos visam à criação de outras possibilidades para


melhorar a vida do povo das cidades. A prática cidadã cotidiana poderá contribuir para
a constituição das condições conjunturais e contextuais necessárias para a efetiva
implantação do disposto nas linhas e entrelinhas desse documento jurídico. Há de se
pensar na reforma urbana militante para todos aqueles que defendem uma vida
urbana plena. Só assim, poder-se-ão lograr êxitos com a implementação, de fato,
daquilo que se quer com as possibilidades de uma reforma urbana, tal qual como se
vem pensando há quase quatro décadas.
122

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Cidadania”, 1994.
131

ANEXO – I

Texto intitulado “Conclusões do Seminário de Habitação e Reforma – 1963”,


copiado datilograficamente da revista ARQUITETURA nº15/1963 pelo Setor de
Publicações da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo.
Para a sistematização das propostas e encaminhamento do texto final das resoluções foi eleita
em plenário A Comissão de Relatório, constituída pelos seguintes membros:
- Clóvis Garcia – Advogado;
- Jorge Wilheim – Arquiteto;
- Vinicius Fonseca – Economista.

Conclusões do Seminário de Habitação e


Reforma – 1963

Resolução Final

O Seminário de Habitação e Reforma Urbana, considerando:

1. Que o problema habitacional na América Latina não se caracteriza como uma situação de emergência por não
decorrer de fatos incontroláveis que tenham construído bruscamente os equipamentos urbanos e a disponibilidade
habitacional, mas é o resultado das condições de subdesenvolvimento provocado por fatores diversos, inclusive
processos espoliativos a que se acham submetidos os países latino-americanos.
2. Que a situação habitacional do Brasil é de uma gravidade, caracterizando-se, essencialmente, pela desproporção
cada vez maior, nos centros urbanos, entre o salário ou a rena familiar e o preço de locação ou de aquisição de
moradia e pelo déficit crescente de disponibilidade de prédios residenciais, em relação à demanda do povo brasileiro,
uma vez que significativo número de habilitações construídas tem se destinado quase exclusivamente as classes
economicamente mais favoráveis.
3. Que o Brasil, o fenômeno de urbanização vem se processando de maneira vertiginosa e desordenada, sendo
fatores determinantes desse fenômeno, primordialmente, a estrutura subdesenvolvida do país, o intenso incremento
demográfico desacompanhado de medidas que, no interesse nacional ordenem e disciplinem o surto industrial e a s
arcaicas relações de produção agrária, que determinem fortes movimentos migratórios para os núcleos urbanos.
4. Que nos maiores centros urbanos do País, a população que vive em subhabitação – tais como favelas, cortiços,
mocambos, malocas, barracos – é grande e crescente, tanto em número absoluto como relativos.

5. Que mesmo a população que vive em habitação do tipo permanente, em sua maioria, se debate com problema
decorrentes de defasagem entre crescimento demográfico das cidades e o fornecimento dos mais rudimentares
serviços públicos, assim como da não complementação do acervo de moradias com o equipamento de utilização
comum, cada vez mais imprescindível em virtude da crescente complexibilidade urbana.
6. Que ocorre, para gravar o déficit de habitação na presente conjuntura brasileira, a incapacidade já demonstrada de
obter-se, pela iniciativa privada, os recursos e investimentos necessários ao aumento da oferta de moradias de
interesse pelo menos no ritmo em que se processa o crescimento das populações urbanas.
132

7. Que a gravidade da atual situação habitacional é confirmada pelos dados estatísticos e por outras fontes para
uma avaliação precisa da carência de habitação no Brasil.
8. Que se verifica o emprego de tecnologias novas no País, ainda que dispersas e limitadas, algumas apresentando
interessantes características regionais, graças ao conhecimento e ao espírito de iniciativa dos nossos técnicos.
9. Que a ausência de uma política habitacional sistemática – apesar de algumas medidas e movimentos isolados
bem sucedidos, mas insignificantes na sua expressão numérica, em face das necessidades nacionais vem ocasionando
efeitos maléficos ao desenvolvimento global do país, baixando de modo sensível o rendimento econômico-social
desse mesmo desenvolvimento.

Afirma:

1. Que, dentre os direitos fundamentais do homem e da família, se inclui o da habilitação e que a sua plena
realização, exigindo imitações ao direito de propriedade e uso do solo, se consubstanciaria numa reforma urbana,
considerada como o conjunto de medidas estatais, visando à justa utilização do solo urbano à ordenação e ao
equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimentos de habitação condigna a todas as famílias.
2. Que a habitação é um elemento fundamental de padrão de vida, constituindo não apenas o abrigo físico, mas
também um fator condicionante de interação entre seus moradores no seio da família e destes para com toda a
sociedade. Sua estrutura, organização, dimensões, equipamento e estéticas, devem atender a um mínimo de requisitos
que a tornem compatível com o estado de saúde, o nível de eficiência e as condições culturais, exigidos por uma
sociedade em desenvolvimento.
3. Que apesar de já existirem conhecimentos técnicos para resolver o problema de habitação em tempo relativamente
curto, apenas uma maioria da população brasileira usufrui desses benefícios, enquanto uma parte sempre crescente é
compelida a viver em condições de habitabilidade totalmente incompatíveis com o grau de civilização já atingido
pelo País, à margem do seu desenvolvimento econômico.
4. Que essa situação contrasta flagrantemente com os conceitos de democracia e justiça social e os poderá ser
superada, pela atualização da estrutura econômica nacional e por um considerável avanço construtivo, através da
coordenação de esforços e de racionalização de métodos de produção.
5. Que em conseqüência, as soluções do problema habitacionais e da reforma urbanas estão vinculadas á política de
desenvolvimento econômico e social – através da qual possa ser rapidamente elevado o padrão de vida do povo
brasileiro.
6. Que o problema da habitação é de responsabilidade do Estado, sendo que a sua intervenção deve ser no sentido de
equacionar o problema em sua totalidade; disciplinar as atividades no campo habitacional incentivar quaisquer
medidas que visem à solução do problema e suprir diretamente as deficiências que se manifestem.
7. Que a política habitacional do Estado não pode ser de ordem assistencial, concedendo apenas, paternalisticamente,
a casa, como até agora tem sido a ação governamental, mas ao contrário, deve ser relacionada ao desenvolvimento
global do país.
8. Que é de grande importância para a política habitacional a formação de uma consciência popular do problema e a
participação do povo em programas de desenvolvimento de comunidades.
9. Que a política habitacional deve concretizar-se através de planos nacionais, territoriais e de habilitação, com o
objetivo de corrigir a deficiências quantitativas e qualitativas de moradias e equipamentos sociais, integrados num
planejamento global, nos nível nacional, regional, estadual e municipal.
10. Que, no nível federal e nos demais, o planejamento territorial e de habitação deve ser devidamente considerado
pelos órgãos incumbidos da planificação sócio-econômica.
11. Que todo plano habitacional deve fundamentar-se no conhecimento a das necessidades de habitação, assim
entendidas como a demanda habitacional no momento atual e no futuro. O termo demanda não tem aqui o significado
de que os suprimentos de habitação sejam regulados pela capacidade de observação dos consumidores, por sua vez
correlacionada com os níveis de preços das construções e de aluguéis e os níveis de renda real. Particularmente no
setor de habitação destinada as populações econômicas do mercado têm-se mostrado incapazes de conduzir às
soluções desejadas.
12. Que tôo plano habitacional deve estabelecer metas de atendimento, através de critérios objetivos de prioridade, o
que supõe a fixação de diretrizes que levam em conta:
a) A capacidade de amortização ou pagamento das diversas camadas da população.
b) O estabelecimento de tipos e dimensões de moradias adequadas à realidade regional, econômica e
demográfica.
133

c) As relações entre a moradia, o trabalho e os serviços e equipamentos urbanos.


d) O custo dos serviços e equipamentos urbanos.
13. Que para a efetivação da reforma urbana torna-se imprescindível a modificação do parágrafo 16º do artigo 141 da
Constituição Federal, de maneira a permitir a desapropriação sem exigências de pagamento à vista, em dinheiro.
14. Que é importante o estabelecimento pelo Estado de uma política definida em base coerente com os princípios do
plano habitacional, referente às locações urbanas, no sentido de relacionar de forma justa o aluguel à renda familiar.
15. Que, em face do problema habitacional, sejam incluídas no plano respectivo, medidas de emergência destinadas à
imediata melhoria das condições de subhabitação, equacionando-as dentro da realidade sócio-economico brasileira e
em bases locais, inclusive estimulando o esforço próprio a ajuda mútua e o desenvolvimento comunitário.
16. Que é imprescindível a adoção de medidas que cerceiam a especulação imobiliária, sempre anti-social,
disciplinado o investimento privado nesse setor.
17. Que a plena utilização de novos e eficientes processos técnicos depende de uma política habitacional que crie um
mercado suficiente ao seu desenvolvimento.
18. Que para a execução da política habitacional, se torna necessário a criação de um Órgão Central Federal. Com
autonomia financeira e autoridade para atingir seus objetivos.
Propõe:
1º Proposta: Que os Poderes da República apressem a promulgação de providências legais e administrativas,
relacionadas com as reformas de base, imprescindíveis à solução dos problemas examinados por este Seminário.
2º Proposta: Que o Congresso Nacional reforme o parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição Federal, suprimindo as
expressões “prévia” e “em dinheiro”, de modo a permitir ao Governo a escolha de forma de indenização, de acordo
com o interesse social.
3º Proposta: Que o Poder Executivo envie projeto de lei ao Congresso Nacional corporificando os princípios de
Política Habitacional e de Reforma Urbana aprovadas neste Seminário e contendo os seguintes pontos.

I - DO ÓRGÃO EXECUTOR DA
POLÍTICA HABITACIONAL E URBANA
1. A fim de disciplinar e coordenar todos os esforços necessários à correção da carência habitacional e de seus
problemas de aproveitamento do território, o Governo deve criar um Órgão Central Federal, com autonomia
financeira e com competência de jurisdição sobre todo o território nacional, incorporando-se a ele a Fundação da
Casa Popular e o Conselho Federal de Habitação.
2. Esse órgão deve ter as seguintes atribuições:
a) Fixar as diretrizes da política habitacional e de planejamento territorial do País, através da elaboração dos planos
nacionais, territorial e de habitação, de duração plurianual tomando todas as resoluções que lhe parecerem necessárias
para assegurar o seu pleno desenvolvimento, sendo que, sua execução, sempre que possível, deve ser descentralizada.
b) Encaminhar, por intermédio do Presidente da República, os planos nacionais, territorial e de habitação (tal como
são entendidas nos capítulos IV e V da presente proposta) o Congresso Nacional, para sua apreciação e aprovação.
c) Coordenar, assessorar e estimular a ação de todas as entidades governamentais, autárquicas, paraestatais e
privadas que exerçam atividade no setor habitacional, considerando os planos estaduais ou municipais existentes.
d) Centralizar e coordenar os recursos federais destinados à habitação.
e) Coordenar, supervisionar e distribuir os recursos e a assistência técnica proveniente de países estrangeiros ou
agências internacionais, destinados a programas de habitação e de aproveitamento do território.
f) Propor e executar medidas legais de desapropriação por interesse social, tanto para a habitação como para o
planejamento urbano e proporcionar aos órgãos responsáveis pela execução de planejamento territoriais e
habitacionais, recursos que facilitam a desapropriação por interesse social, observado o enquadramento prévio de tais
planejamentos os planos regionais a que pertencerem.
g) Propor estabelecer e executar medidas legais ou administrativas, necessárias à execução da política habitacional
do governo firmar convênios com entidades oficiais ou privadas.
134

h) Adotar providências necessárias para o incremento da indústria de materiais de construção e desenvolvimento de


processo tecnológico, tendo em vista a padronização e estandardização desses materiais e a possibilidade de
processos de pré-fabricação.
i) Promover, estimular e divulgar estudos e pesquisas, especialmente visando à criação de uma consciência pública
do problema.
j) Promover o entrosamento da política habitacional com a política agrária e com a de Desenvolvimento
Econômico.
3. O órgão central deverá ter uma organização com as seguintes características e normas:
a) um Conselho Deliberativo, no máximo de cinco membros, composto de técnicas em planejamento e habitação e
do dirigente de órgão executor financeiro;
b) um Conselho Consultivo, composto de representantes dos Ministérios, dos Estados e de entidades relacionadas ou
interessadas no problema habitacional;
c) departamentos técnicos;
d) setores administrativos e regionais;
e) a estrutura e demais atribuições do órgão devem ser aprovadas por decreto, permitindo uma maior maleabilidade
na sua ação;
f) os servidores técnicos devem ser admitidos por contrato, pelo prazo de 3 anos, enquanto bem servir (admitindo
renovação) e escolhidos dentre pessoas de notório conhecimentos relacionados com habitação e planejamento.
4. O patrimônio do órgão Central deve ser constituído de:
a) Bens móveis, imóveis, direitos e ações sobre imóveis, pertencentes à fundação da casa Popular e ao conselho
Federal de Habitação;
b) Imóveis que desaproprie e adquirira a qualquer título, bem como os imóveis urbanos pertencentes à União e por
ela não utilizados.
5. Para o financiamento da Política Habitacional deve ser criado um fundo Nacional de Habitação, administrado pelo
Órgão Central, com os seguintes recursos:

- A arrecadação do imposto de habitação a ser criado e que incidirá sobre:


a) o registro de loteamento urbanos no Registro de Imóveis;
b) a transferência, por venda, cessão ou doação de lote de terrenos compromissado;
c) a transferência de mais de 100 m2, de área total construída;
d) a não utilização de imóveis urbanos, compreendendo terreno inexplorado ou unidade residencial vaga por mais de
6 meses.
- O Imposto de habitação será devido na base das seguintes alíquotas:
I - no caso do item 1 deste artigo, de 5% sobre o valor de venda de loteamento na época do registro de acordo com a
avaliação do município onde estiver localizado;

II - no caso do item 2 deste artigo, de 3% sobre o valor da transferência de lotes até 300 m2 e mais 1% sobre cada 100
m2 ou fração que exceder;
III - no caso do item 3 deste artigo, na seguinte proporção sôbre o valor da transferencia de acordo com área total
construída:
- 1% para os imóveis de 100 a 150 m2;
- 2% para os imóveis de 150 a 200 m2;
- 3% para os imóveis de 200 a 300 m2;
- 5% para os imóveis de mais de 300m2;
IV - no caso do item 4 deste artigo, de 3% anualmente sobre o valor real do imóvel de acordo com a avaliação do
município onde estiver localizado, quando no perímetro urbano e 1% anualmente quando fora desse perímetro.
Os loteamentos que apresentem serviços e equipamentos na ocasião do registro terão as reduções seguintes no
imposto de habilitação previsto neste item:
135

a) - água: 20%;
b) - esgoto: 20%;
c) - rede de energia elétrica: 20%;
d) - equipamento das vias de acesso: 20%;
e) - transporte coletivo: 20%.
- Terá isenção do imposto de habitação previsto nos itens 2 e 4 deste artigo, o proprietário de um único lote de terreno
até 500m2 de área e que não possua outro imóvel.
a) arrecadação do selo de habitação a ser aposto nos contratos e recibos de locação, substituindo o selo comum
federal;
b) arrecadação proveniente do tributo cobrado na conformidade dos artigos 92 e 95 do Decreto nº 51.900, de
10/4/63;
c) arrecadação proveniente de operações imobiliárias realizadas por pessoas jurídicas;
d) renda líquida da Loteria Federal;
e) dotações orçamentárias, nunca inferiores a 5% da receita bruta da União, cobrindo inclusive as despesas com
desapropriação;
f) rendas de bens, serviços eventuais;
g) contribuição de entidades oficiais ou particulares, nacionais ou estrangeiras (recebidas exclusivamente pelo
Órgão Central para a sua aplicação de acordo com os planos nacionais, Territorial e de habitação).
6) com o Órgão Executor Financeiro devem passar à jurisdição do Órgão Central, às Caixas Econômicas Federais
(CEF) funcionarão como banco nacional de habitação, obedecendo às seguintes normas:
a) as disponibilidades das C.E.F., somente poderão ser aplicadas nas finalidades dos Órgão Central;
b) as agências e serviços das C.E.F., serão aproveitadas como órgão regionais e locais do Órgão central.
7. As verbas do Orçamento da União, destinadas ao Fundo Nacional de habitação, deverão ser globais e
automaticamente registradas no tribunal de Contas. As despesas com o pessoal administrativo do Órgão Central não
deverão ultrapassar de 10% (dez por cento) das dotações orçamentais.
8. As verbas do fundo Nacional de habilitação deverão ser aplicadas estritamente em conformidade com os critérios
de atendimento que forem estabelecidos para fins de elaboração dos planos nacionais Territorial e de Habilitação.

II - DA DASAPROPRIAÇÃO PARA FINS HABITACIONAIS E DE

PLANEJAMENTO TERRITORIAL

1. Ficarão sujeitos à desapropriação por interesse social os bens considerados necessários à habitação, ao
equipamento dos centros urbanos e ao aproveitamento do território.
2. Poderá o Órgão Central promover a desapropriação do imóvel por interesse social, tomando como valor da oferta
inicial o declarado para fins tributários, eliminados os conflitos que possam existir em conseqüência da futura Lei de
Reforma Agrária.
3. Não havendo valor declarado pelo proprietário, o valor da oferta será fixado, na zona rural, por avaliação conjunta
do Órgão Central, SUPRA e Município; e na zona Urbana, pelo Órgão Central e pelo Município.
4. Os bens desapropriados pelo Órgão Central dentro dos seus objetivos ser transferidos a particulares, obedecidas às
condições especificadas nos planos nacionais territorial e de habilitação.
5. A transferência de bens feita em desacordo com os planos nacional, territorial e de habitação, será nula de pleno
direito.
136

III - PRIORIDADE DE ATENDIMENTO E NORMAS DE CONTRÔLE


1. Na elaboração dos planos nacionais, territorial e de habitação, o Órgão Central levará em conta critérios de
atendimento às áreas e populações a serem beneficiadas, os quais deverão possibilitar a fixação objetiva de um
escalão de prioridade.
2. Em relação à distribuição geográfica dos atendimentos, os planos nacionais, territorial e de habilitação, deverão
levar em conta, entre outros fatores:
a) a densidade e o ritmo de crescimento da população;
b) a intensidade da urbanização;
c) a densidade relativa em sub-habitação;
d) a disponibilidade de recursos e fatores produtivos ociosos;
e) a ocorrência de esforços locais ou regionais para o desenvolvimento econômico –social, quando se enquadrem na
política nacional de desenvolvimento;
f) a existência de planos de habitação, locais ou regionais.
3. No pertinente às chamadas da população a serem atendidas, os planos nacionais, territorial e de habitação, deverão
considerar, primordialmente:
a) A incapacidade econômica para construção ou aquisição de moradia, nas condições vigentes no mercado
imobiliário;
b) A possibilidade de retribuição econômica pela moradia proporcionada através do Plano Nacional de Habitação.
4. Quaisquer recursos destinados aos municípios integrantes das listas mencionadas no item seguinte, só poderão ser
liberados após apresentação dos seus respectivos planos municipais ao órgão central.
5. O órgão Central fixará anualmente a lista de município que deverão preparar, dentro do prazo estabelecido, seus
respectivos planos, de acordo com os planos regionais e atendendo ao objetivo de atenuação das disparidades
regionais do desenvolvimento do País.
6. O Órgão Central poderá financiar e dar assistência técnica aos municípios, para elaboração dos seus planos, e aos
órgãos regionais de planejamento.
7. Quaisquer planos elaborados pelos municípios deverão ser executados segundo as normas gerais do Órgão Central,
sob pena de suspensão dos pagamentos mencionados nos itens 4 e 6 anteriores.

IV - PLANO NACIONAL TERRITORIAL


1. O Órgão Central elaborará o Plano Nacional Territorial, no qual serão fixadas as diretrizes gerais do Planejamento
Territorial e distribuição demográfica, a interligação de diversos planos regionais, sua vinculação aos planejamentos
de caráter econômico e aos grandes empreendimentos de interesse nacional, de forma a obter-se o desenvolvimento
físico social integrado e orgânico das diversas regiões do País.
2. O Plano nacional Territorial dará especial atenção à distribuição demográfica, aos aspectos sociais provenientes do
desenvolvimento econômico, aos problemas de habitação, circulação e transporte, trabalho, recreação, cultura, saúde,
educação, produção e abastecimento, reservas para expansão urbana e de áreas florestais, proteção de mananciais e
regiões de valor turístico, aplicando os princípios de planejamento territorial, consagrados pelos Congressos
Internacionais de Arquitetura.
3. O Órgão Central, uma vez elaborado o Plano Territorial, fixará normas gerais que deverão obedecer ao
planejamento em todos os níveis.

V - PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO


1. O Plano Nacional de Habitação destina-se a corrigir o déficit de moradias e suprir a crescente demanda de
habitações, serviços e equipamentos urbanos.
2. Para elaboração desse plano o órgão central terá livre acesso a todas as fontes de informações das diversas
repartições federais, estaduais, municipais, autárquicas e para estatais, relativas ao seu campo de atuação.
137

3. Os imóveis adquiridos, constituídos ou financiados para os fins do Plano Nacional de Habitação, não poderão ser
usado a título gratuito, nem doadores a particulares,.
4. A alienação ou a locação desses imóveis obedecerá a normas e critérios previamente estabelecidos não sendo
permitido ao adquirente sua transferência pelo prazo de10 (dez) anos, a conta da aquisição.
5. Os referidos imóveis só poderão ser alimentados ou locados a pessoas que se enquadrem nos critérios de
atendimento do Planejamento de Habitação.
6. Os núcleos habitacionais enquadrados no Plano nacional de habitação deverão prever as instalações necessárias
aos serviços equipamentos urbanos.
7. Quando as construções referidas no item anterior se destinarem à venda ou ao aluguel a pessoas com
suficiente capacidade econômica, será cobrado no valor da venda ou locação um acréscimo sobre o preço fixado pelo
Órgão Central.
8. Nenhuma construção para fins do Plano nacional de Habitação será realizada sem que as obras de
urbanização correspondentes estejam de acordo com o planejamento dos municípios onde for executada.
9. A alienação dos imóveis enquadrados no Plano Nacional de Habitação poderá ser feita com reserva de
propriedade do solo, caso em que o financiamento cobrirá apenas o valor da edificação. Os registros imobiliários
transcreverão o edifício em nome do adquirente, com as averbações cabíveis.
10. O plano nacional de habitação deverá desde logo adotar medidas de emergência destinadas a melhorar as
condições de habilidade de agrupamento de subhabitação, tais como, favelas, mocambo, malocas e semelhantes.
11. As medidas de emergência serão consideradas uma etapa intermediária entre o estado atual dos
agrupamentos de subhabitações e os objetivos do Plano Nacional de Habitação.
12. O Plano Nacional de Habitação deverá considerar o aproveitamento social das áreas recuperadas das
subhabitações, para execução por seus proprietários, ou diretamente mediante desapropriação.

VI - AQUISIÇÃO DE IMÓVEL LOCADO


1. Será assegurada ao locatário do imóvel a venda, preferência na compra em igualdade de condições pelo prazo de
sessenta (60) dias a contar da data da notificação, através do Cartório de Registro de Títulos, desde que o imóvel e o
locatário se enquadrem nos objetivos do Plano Nacional, devendo a notificação conter o preço e as condições de
pagamento.

2. Será assegurado ao locatário o direito de adjudicação compulsório do imóvel vendido sem observância do disposto
no item anterior, satisfeitas as condições constantes da escritura.
4º Proposta - Que o Poder Executivo envie mensagem ao Congresso Nacional propondo modificações na Lei do
Imposto de Renda, de modo a permitir isenção de tributação para as economias aplicadas na aquisição da casa própria
(terrenos e edificação), por parte das pessoas cuja renda real não seja suficiente para a obtenção do primeiro imóvel,
dentro das Leis que atualmente regulam o mercado imobiliário.
5º Proposta - Que a política de investimentos estatais, na melhoria dos conjuntos de subhabitação, obedeça as
normas no sentido de:
a) organizar as comunidades disciplinando e orientando tecnicamente as construções, com o aproveitamento
também dos próprios recursos dos grupos sociais;
b) coordenar as obras de responsabilidade do Poder Público;
c) tornar produtiva toda a mão de obra ociosa local, mediante seu aproveitamento em oficinas de artesanato e
pequenas indústrias locais.
6º Proposta - Que para o estabelecimento de um Programa Habitacional seja adotada metodologicamente tendo em
conta o dimensionamento qualitativo e quantitativo da atual escassez, num processo que se baseia na projeção do
número de “unidade familiares” sendo cabível circunscrever a projeção de demanda futura com base nas prioridades
estabelecidas pela política habitacional.
7º Proposta - Que se encareça junto ao IBGE a urgência das seguintes providências:
a) que seja apurado com a máxima brevidade o Censo de População e Habitação de 1960;
138

b) que os dados completos sobre habitação, recolhidos nesse Censo, sejam apresentados, isoladamente, pelos
menos para as cidades importantes e, especialmente, para a conurbações;
c) que seja instituído um sistema de levantamento de estatísticas contínuas sobre a habitação, tanto do ponto de
vista quantitativo como do qualitativo, levando m conta ainda a qualificação socioeconômico da população
atendida;
d) Que o órgão incumbindo do levantamento destes dados elabore seus programas de atividade em íntimo
entrosamento com os órgãos de planejamento e execução da política habitacional.
8º Proposta - Que os órgãos da Providência Social, as Caixas Econômicas e outros da esfera governamental que
realizam programas habitacionais, mediante execução direta ou financiamento, procuram aplicar, desde já, os
princípios e normas estabelecidas neste Seminário.
Neste sentido, o Seminário dirige-se de forma particular ao IPASE, cuja Direção, ao co-patrocionar esta reunião,
demonstrou plena consciência de suas responsabilidades neste setor.
9º Proposta - Que o Congresso Nacional altere a legislação em vigor, de modo a que nas áreas de grande
concentração urbana, constituída territorialmente por municípios distintos, sejam criados órgãos de administração,
que consorciem as municipalidades, para a solução de seus problemas comuns, tendo em vista, particularmente, as
questões de organização do território e as habitacionais.
139

ANEXO – II

Texto do anteprojeto da lei de reforma urbana do “Seminário de Habitação e


Reforma – 1963”, elaborado pela subcomissão composta dos seguintes
Membros ( II parte - setor São Paulo):
- Sra. Aureliana Bianco (Assistente Social da Prefeitura);
- Art. Carlos ODI (DA sociedade amigos da Cidade)
- Dr. Clovis Garcia (Advogado-Coordenador do setor da casa Própria do Setor e da
Comissão Regional de Habilitação)
- Dr. Hely Lopes Meirelles (Advogado Juiz de direito)
- Arq. Lauro Bastos Birkholz (Diretor do Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos da
FAUSP).
- Arq. Joaquim Guedes do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São
Paulo.

Anteprojeto da Lei de Reforma Urbana – 1963

Capítulo I
Artigo 1º - A Política habitacional do Governo Federal obedecerá aos princípios estabelecidos nesta lei e as normas
de planejamento e execução, compreendidas/ no plano Nacional Territorial e no Plano Nacional de Habilitação com
objetivo de corrigir e resolver/sistematicamente os problemas de habilitação e das aglomerações urbanas.

Capítulo II - Do Órgão Executivo e suas atribuições


Artigo 2º - para à execução da Política habitacional do Governo Federal, fica criada a superintendência da Política
Urbana (SUPURB), com sede e foro no Distrito federal, autonomia financeira e subordinada à presidência da
República.
Parágrafo Único – Ficam extintas a Fundação da Casa Popular e o conselho Federal de habilitação, cuja atribuição,
pessoal e patrimônio se incorporam a SUPURB.
Artigo 3 - São atribuições da SUPURB:
I - Elaborar o Plano Nacional Territorial, destinado a estabelecer diretrizes mestras do planejamento, a interligações e
a coordenação dos diversos planos regionais, sua vinculação aos planos planejamentos de caráter econômico e aos
grandes empreendimentos de interesse nacional; fixando as normas gerais a que deverão obedecer ao planejamento
regional e urbano objetivando a conservação e a utilização do meio geográfico, natural e humano.

II - Elaborar o Plano Nacional de habilitação, destinado a corrigir e déficit atual de moradias e a suprir a crescente
demanda habitacional.
III - Estimular e coordenar a elaboração de Planos Regionais, Estaduais e Municipais.
IV - Propor, estabelecer e executar as medidas legais tendentes a regularização e disciplinas do mercado imobiliário,
tais como/possibilitar a aquisição pelo locatário do imóvel residencial locado; a ampliação e facilidade do crédito
para aquisição da casa própria; o estudo e determinação de novos processos de financiamento.
V - Propor e executar as medidas legais destinadas à desapropriação por interesse social, necessárias a solução ao
problema habitacional.
VI - Estabelecer e ordenar as relações entre locador e locatário.
140

VII - Adotar as providências necessárias ao equipamento, reaparelhamento e incremento da produção industrial de


materiais de construção, assim como e introdução de novos processos tecnológicos tendentes à racionalização e aos
barateamentos da edificação, aproveitamento, dentro das condições sócio-econômicas regionais, do plano emprego de
materiais, técnicas, métodos e mão de obra locais.
VIII - Coordenar a cão de todas as entidades governamentais, autárquicas, para estaduais e privadas que exerçam
atividades no setor habitacional, determinado a integração dos respectivos programas e aplicação dos seus recursos
aos objetivos da Política Habitacional.
IX - Centralizar e coordenar a aplicação de todos os recursos no âmbito federal, destinados à habitação provenientes
de quaisquer fontes, inclusive doações, subvenções, contribuições e empréstimos oriundos de organismos nacionais
ou estrangeiros.
X - Promover convênios com os Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, com a finalidade de obter a
promulgação de normas legais e adoções de medidas administrativas objetivando a redução ou a isenção de tributos,
bem como criar outros incentivos à solução dos problemas/habitacionais.
XI - Firmar acordo e convênios, em nome da União, com entidades ou órgão oficiais/ ou particulares, para a
consecução de seus objetivos.
XII - Coordenar, disciplinar e estimular a ação da iniciativa privada no campo habitacional, no sentido de que os seus
investimentos, neste setor, sejam aplicados de modo a ser obter resultados socialmente mais válidos.
XIII - Promover e entrosamento com os órgãos de planejamento econômico e de Político Agrária, visando obter e
integração da Política Habitacional com a Política Agrária e com a de Desenvolvimento Econômico.
XIV - Promover, estimular e divulgar estudos e pesquisas sobre planejamento habitacional, tendo em vista a criação
de uma consciência pública do problema.

Capítulo III - Da Organização da SUPURB


Artigo 4º - A SUPURB terá a seguinte estrutura técnica e administrativa:
a) Superintendência – SU
b) Conselho Deliberativo – CD
c) Conselho consultivo – CC
d) Departamento de planejamento – DP
e) Departamento Econômico – DE
f) Departamento de Aspectos Sociais – DAS
g) Departamento Jurídico – DJ
h) Superintendência Regionais – SR
Artigo 5º - SUPURB será dirigida por um superintendente/ escolhido pelo Presidente da República, com as seguintes
atribuições:
a) executar a Política Habitacional traçada neta lei e sua regulamentação segundo normas estabelecidas pelo
Conselho Deliberativo;
b) presidir o conselho Deliberativo e cumprir as suas resoluções;
c) representar a SUPURB em juízo e fora dele;
d) tomar as medidas administrativas inerentes ao cargo.
Artigo 6º - O Conselho Deliberativo será composto de 5 membros, os Diretores dos Departamentos e o Presidente do
Conselho Superior da Caixa Econômica Federal e presidido pelo superintendente da SUPURB e terá as seguintes
atribuições:
a) traçar as normas e a formulação da Política Habitacional dentro dos conceitos firmados nesta lei e em sua
regulamentação;
b) tomar as resoluções necessárias ao desenvolvimento da Política Habitacional;
Parágrafo Único - As decisões do CD serão tomadas sob a forma de resoluções, com base nos trabalhos técnicos e
pareceres dos Departamentos da SUPURB.
141

Artigo 7º - O Conselho Consultivo será constituído por membros representantes de outros Ministérios e entidades
relacionadas ou interessadas nos problemas de âmbito desta Lei, tais como o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB,
Federação Brasileira de Associações de Engenheiros, Confederações Nacionais dos Empregadores.
1. Os membros do C.C. poderão participar das reuniões plenárias do conselho Deliberativo sem direito à voto;
2. O Conselho Consultivo poderá ser convocado pelo Superintendente da SUPURB ou pelo conselho/
Deliberativo, para o assessoramento no exame/ de materiais do âmbito desta Lei ou do interesse das classes
representadas;
3. Os membros do conselho consultivo poderão se reunir por convocação de um dos seus membros e sugerir
medidas relacionadas com a Política Habitacional.
4. Os membros do conselho Consultivo perceberão gratificação Poe sessão a que comparecerem.
Artigo 8º - O Superintendente, diretoras de departamento e demais servidores técnicos serão contratados pelo prazo
de 5 anos, enquanto bem servir, podendo ser renovado o contrato, e escolhido dentre pessoas de notórios
conhecimentos relacionados com a habitação e planejamento.
Parágrafo único - A remuneração do superintendente, que exercerá essa função em regime de tempo integral será
correspondente ao símbolo................. e a dos diretores ao símbolo ....................
Artigo 9º - A Estruturas e demais atribuições da Superintendência, do Conselho Deliberativo, do Conselho
Consultivo, dos Departamentos, Superintendências Regionais, constarão de Regulamento a ser aprovado pelo Poder
Executivo e ao seu pessoal administrativo e de obra ser admitido no regime da legislação trabalhista.

Capítulo IV – Do Patrimônio e Recursos


Artigo 10 - Constituem patrimônios de SUPURB:
a) Bens móveis e imóveis, direitos e ação sobre imóveis pertencentes à Fundação de Casa Popular e conselho
Federal de Habitação;
b) Os imóveis que desapropriar ou adquirir a qualquer título;
c) Os resultados positivos da execução orçamentária;
d) Os imóveis urbanos que pertençam ou venham a pertencer à União e estejam ocupados, a qualquer título,
por terceiros, de acordo com levantamento a ser feito com o Serviço Patrimonial da União.
Artigo 11 - Serão arrecadados e incorporados ao seu patrimônio pela SUPURB os bens vagos, na forma dos artigos
589 §2º e 1º do artigo 593 e parágrafo único, do Código Civil que, na data da publicação desta Lei, não tenham sido
efetivamente, apropriados pelos Estados ou distritos Federal, através de medidas judiciais ou administrativas.

Artigo 12 - A SUPURB poderá receber em doação bens pertencentes a Governos estaduais ou Municipais, entidades
autárquicas, para estaduais e particulares, obrigando-se a União e incentivar, porto os meios, inclusive com isenções
fiscais e prioridade de licenciamento, a doação de terras para fins de criação de novas unidades residenciais,
melhoramentos oriundos dos planos habitacionais ou de abastecimento urbano.
Artigo 13 - Para financiamento da Política Habitacional estabelecida neta lei e para ocorrer as despesas de
funcionamento do órgão, fica criado o Fundo Nacional de Habitação – administrado pelo SUPURB, para a qual
contribuirão os recursos provenientes da seguintes fontes:
a) arrecadação do imposto de habitação, criado pelo art. 34 desta Lei;
b) arrecadação proveniente do tributo cobrado/na conformidade dos artigos. 92 e seguintes do Decreto 47 373,
e de 7 de dezembro de 1959;
c) arrecadação proveniente das operações imobiliárias realizadas por pessoas jurídicas;
d) dotações consignadas anualmente, no orçamento da União;
e) renda de bens, serviços e eventuais;
f) contribuições dos Governos estaduais e Municipais e de entidades nacionais ou internacionais;
g) renda líquida de Loteria Federal;
h) arrecadação proveniente do acréscimo a que se refere o parágrafo único do artigo 25 desta Lei.
Capítulo V - Da Desapropriação para Fins Habitacionais e de Planejamento Territorial
142

Artigo 14 - Ficam sujeitas à desapropriação por interesse social aos bens considerados dos centros urbanos e do
planejamento territorial.
Parágrafo primeiro - Compete à SUPURB realizar a desapropriação por interesse social no âmbito desta Lei
incorporando-se a seu patrimônio os imóveis que desapropriar.
Parágrafo segundo - Os bens desapropriados pelo SUPURB, dentro dos seus objetivos poderão ser transferidos a
particularidades, enquadrados no parágrafo 1º do artigo 22.
Parágrafo terceiro - A transferência de bens feita em descordo como o parágrafo anterior, é nula de pleno direito.

Artigo 15 - Para cobrir as despesas oriundas da indenização fixada, a União emitirá títulos especiais, resgatáveis pela
SUPURB até 20 (vinte) anos, em parcelas iguais anuais e sucessivas (dependendo de reforma do parágrafo 16 do art.
141 da Constituição Federal).
Parágrafo primeiro - Os títulos em questão vencerão juros de 6% (seis por cento) ao ano e conterão cláusulas de
correção do valor moninativo de cada parcela vencida a qual será reajustada de acordo com a taxa de redução do
poder de comprar da moeda. Os Títulos seguintes passarão a ter o valor reajustado e assim sucessivamente.
Parágrafo segundo - O prazo será reduzido a 5 (cinco) anos mantidos a forma de parcelas iguais e sucessivas e valor
nominal do crédito, sempre que o credor aceitar em pagamento ações de empresas estatais ou sociedades de economia
mista. De cujo capital a União de tenha a maioria.
Parágrafo terceiro - As parcelas vencidas dos títulos de que trata o presente artigo serão aceitas em pagamento de
impostos de taxas federais pelo respectivo valor nacional.
Parágrafo quarto - As despesas de emissão dos títulos correrão contra da União que conseguira a SUPURB, em seu
orçamento, dotação específica e ocorrer ao pagamento de juros e correção do valor referidos no 1º deste artigo.
Artigo 16 - Poderá a SUPURB promover a desapropriação de imóvel por interesse social, tomando como valor de
oferta inicial e declarado para fins tributários.
Parágrafo único – Não havendo valor declarado pelo proprietário, o valor da oferta será fixado na zona rural por
avaliação conjunto da SUPURB e SUPRA, na zona urbana, pela Prefeitura Municipal e SUPURB.

Capítulo VI - Plano Nacional Territorial


Artigo 17 - A SUPURB elaborará o Plano Nacional Territorial, no qual será fixada a diretriz geral do
desenvolvimento territorial demográfico a interligação dos diversos planos regionais, sua vinculação aos
planejamentos de interesse nacional, de fora a se obter o desenvolvimento físico-social do país.
Parágrafo único – O Plano Nacional Territorial dará especial atenção à distribuição demográfica, aos aspectos
sociais provenientes do desenvolvimento econômico aos problemas de habitação, circulação, e transporte, trabalho,
recreação, saúde, educação, abastecimentos, reserva para expansão urbana e de áreas florestais, proteção de
mananciais e regiões de valor turístico.
Artigo 2º - A SUPURB, uma vez elaborado o Plano Nacional Territorial fixará as normas gerais a que deverão
obedecer ao planejamento em todos os níveis, em função do disposto no art. 21 e seu parágrafo único.
Artigo 19 - Quaisquer verbas, empréstimos, dotações ou quotas federais destinados aos Municípios, integrantes das
listas mencionadas no parágrafo 1º deste artigo, só poderão ser liberadas após a apresentação dos seus respectivos
Planos Municipais à SUPURB.
Parágrafo primeiro - Para os fins deste artigo e SUPURB fixará anualmente a lista de municípios que deverão
preparar, dentro do prazo por ele estabelecido, seus respectivos planos.
Parágrafo segundo - A SUPURB poderá financiar e dar assistência técnica aos municípios para elaboração dos seus
planos.
Parágrafo terceiro - Quaisquer planos, elaborados para as Prefeituras e Municípios, deverão ser executadas segundo
as normas gerais da SUPURB, sob pena de suspensão dos pagamentos mencionados neste artigo.
Artigo 20º - A SUPURB poderá firmar convênios com os Municípios interessados, para a organização de serviços
necessários à elaboração e execução de Planos Locais ou Inter-Municipais.

Capítulo VII - Do Plano Nacional de Habitação


Artigo 21º - O Plano Nacional de Habitação destina-se a corrigir e déficit de moradias e suprir a crescente demanda
de habitação, serviços e equipamentos urbanos.
143

Parágrafo único – Para elaboração deste Plano e SUPURB terá livre acesso a todas as fontes de informação e dados
das diversas repartições federais, estaduais, municipais, autárquicas e paraestatais relativos à matéria do âmbito desta
Lei.
Artigo 22º - A população do país, para efeito de atendimento pelo Plano Nacional de Habitação será classificada em
grupos de acordo com a sua capacidade econômica.
Parágrafo primeiro - A SUPURB atenderá exclusivamente aos grupos que, integrados na região em função do seu
trabalho, não possuam capacidade econômica apara construção ou aquisição de moradia, por seus próprios meios.
Parágrafo segundo - A SUPURB estabelecerá as características de habitação, segundo a capacidade econômica e as
características regionais, devendo atualizá-las periodicamente.
Artigo 23 - Toda edificação financiada ou executada pela SUPURB somente poderá ser ocupada ou transferida,
mediante justa remuneração.
Artigo 24 - A alienação dos imóveis desapropriados será efetuada a prazo, na base do valor da desapropriação,
acrescido das despesas havidas com administração, projetos e urbanização.
Parágrafo primeiro - No caso de edificação em terrenos da União ou doados por particulares, o preço de alienação
será estabelecido com base nos valores do mercado.
Parágrafo segundo - O prazo de alienação, sujeito a período de carência de 3 (três) anos, será estabelecido em
função da capacidade de pagamento de adquirente.
Parágrafo terceiro - As prestações dos imóveis financiados pela SUPURB serão proporcionais à remuneração do
contemplado.
Parágrafo quarto - A SUPURB estabelecerá os critérios para a alienação ou locação de imóvel por ela financiado.
Parágrafo quinto - A SUPURB poderá entregar a comercialização de loteamento próprio a organizações particulares
que atuarão como administradoras.
Artigo 25º Os núcleos habitacionais construídos e financiados pela SUPURB deverão prover a instalações
necessárias ao equipamento urbano, inclusive moradias destinadas aos que vão desempenhar atividade necessárias à
funcionalidade do conjunto.
Parágrafo único – Quando estas construções se destinarem à venda ou aluguel a pessoas com suficiente capacidade
econômica, será cobrada sobre o valor da venda ou alocação um acréscimo fixado pela SUPURB.
Artigo 26º - A SUPURB estimulará por todos os meios técnicos e financeiros, inclusive financiamento e aval, a
iniciativa privada no setor da edificação, desde que os interessados se submetam às suas normas.

Artigo 27º - Nenhuma construção para a SUPURB será realizada sem que obras de urbanização correspondentes
estejam de acordo com planejamento dos municípios onde serão executados.
Parágrafo único – Não existindo planejamento nos Municípios onde devam ser construídos conjuntos do Plano
Nacional de Habitação a SUPURB, mediante acordo com as Municipalidades entendo em vista as características,
locais do aglomerado urbano, determinará as áreas e locais mais propícios a estas edificações.
Artigo 28º - Será permitido o financiamento e edificações em condomínio, de acordo com a lei civil, destinada nos
grupos previstos no parágrafo 1º do artigo 22º.
Artigo 29º - A SUPURB poderá alienar apenas a edificação, reservando-se a propriedade do solo. Neste caso, o
financiamento será apenas do valor da construção.
Parágrafo único - Os registros imobiliários transcreverão o edifício em nome do adquirente com as anotações
respectivas.
Artigo 30º - O Plano Nacional de Habitação proverá desde logo medidas de emergência, destinadas a melhorar o
estado sanitário de agrupamentos de habilitações anti-higiênicas, tais como favelas, mocambos, malocas e outros
semelhantes.
Parágrafo único – As medidas de emergências serão consideradas uma etapa intermediária entre o estado atual dos
agrupamentos de habitações anti-higiênicas e os objetivos do plano Nacional de Habitação.
Artigo 31º - A SUPURB deverá planejar e aproveitamento social das áreas recuperadas das habitações anti-
higiênicas para execução, por seus proprietários, ou diretamente mediante desapropriação.
144

Capítulo VIII - Do Banco Nacional De Habitação


Artigo 32º - Passam à jurisdição da SUPURB, para instrumento de sua ação, as Caixas Econômicas Federais e o
Conselho Superior das Caixas Econômicas Federai, que funcionarão como o Banco nacional de Habitação.
Parágrafo único - O poder executivo expedirá decreto estabelecendo a forma dessa transformação e integração, bem
como as normas para o funcionamento das Caixas Econômicas Federais, obedecendo aos seguintes princípios:
1. Os recursos das Caixas Econômicas Federais somente poderão ser aplicados nas finalidades da SUPURB.
2. As agências e serviços das Caixas Econômicas Federais serão aproveitados como órgãos locais e regionais da
SUPURB.

Capítulo IX - Da Aquisição Do Imóvel Locado Para Habitação


Artigo 33º - Fica assegurado ao locatário do imóvel à venda, preferência na compra em igualdade de condições, pelo
prazo de 60 (sessenta) dias da data de notificação, através do Cartório de Registro de Títulos e documentos, desde que
o imóvel e a locatório se enquadram nos objetivos desta Lei.
Parágrafo primeiro - A notificação de conter o preço e condições de pagamento.
Parágrafo segundo - Fica assegurado ao locatário o direito de adjudicação compulsória do imóvel vendido sem
observância do disposto neste artigo, satisfeitas as condições contastes da escritura.

Capítulo X - Do Imposto De Habitação


(Capítulo sujeito à nova redação)
Artigo 34º - Fica criado o imposto de habitação a ser recolhido:
1º por selo aplicativo nos seguintes documentos;
a) Recibos de locação predial
b) Requerimento de registros de loteamentos
c) Na transferência de lote compromissado por venda, cessão ou doação.
d) Na venda cessão ou doação de imóveis residências do mais de 300m2 de áreas total construída.
2º Mediante guia quando se tratar de imóvel urbano edificado ou não, vago, cedido gratuitamente ou inexplorado.
Artigo 35º - O imposto de habitação será devido na base dos seguintes alíquotas:

1º No caso da letra “a “do item 1º do Art. 34, na mesma base do selo federal comum;
2º No caso da letra “b”, de 5% sobre o valor do loteamento, previamente fixado pela SUPURB;
3º No caso de letra “c” de 3% sobre o valor da transferência, para os imóveis até 300m2 e mais 1% sobre cada 100m2
ou fração que exceder;
4º No caso da letra “d”. de 3% sobre o valor de transferência;
5º No caso do item 2º do Art. 34 de 3% sobre o valor real do imóvel, quando no perímetro urbano e de 1% quando
estiver fora Desse perímetro.
Os loteamentos que apresentam serviços e agrupamentos por ocasião do registro terão as reduções seguintes no
imposto de habilitação previsto na letra “b”, item 1º do artigo anterior:
a) água: 20%;
b) esgoto: 20%;
c) rede de energia elétrica – 20%;
d) equipamento das vias de acesso: 20%;
e) transporte coletivo: 20%;
2º Não se inclui no item 2º o lote de terrenos de proprietário que não possuem outro imóvel.
145

Capítulo XI - Disposições Finais e Transitórias


Artigo 36º - Consideram-se urbanas, para os objetivos desta Lei, os imóveis que se destinam á habitação comércio,
indústria ou a fins sociais, não vinculados à exploração de propriedade agro-pecuária.
Artigo 37º - Do orçamento da União constarão para a SUPURB dotações globais das verbas para pessoal, materiais e
serviço e encargos.
1º As dotações a que se refere este artigo, serão automaticamente registradas pelo tribunal de Contas da União e
distribuídas à Tesouraria da SUPURB.
2º Promulgado o Orçamento da República, o Superintendente submeterá à aprovação do Presidente da República, até
15 (quinze) de Janeiro, a discriminação adequada das despesas da SUPURB, dentro das dotações concedidas na
forma deste artigo.
3º Enquanto não for aprovada a descriminação referida neste artigo, a SUPURB poderá pô-la em execução,
consideradas ratificadas como aprovação fina os atos expedidos naquele sentido.
4º Durante o exercício financeiro, o Presidente da República poderá lateral a discriminação das despesas do que trata
o 2º, mediante proposta do Superintendente da SUPURB.
5º As despesas com pessoal administrativo não poderão exceder de 10% da dotação orçamentária.
Artigo 38º - Fica o Poder Executivo autorizada a abrir o crédito especial de CR$ 250.000.000,00 (duzentos e
cinqüenta milhões de cruzeiros) destinado a tender aos encargos de qualquer natureza decorrentes desta Lei.
Artigo 39º - Fica autorizada a abertura de crédito especial até o limite de CR$ 10.000.000,00 (dez bilhões de
cruzeiros) para o Fundo Nacional de Habitação no corrente exercício.
Artigo 40º - O poder Executivo deverá regulamentar a presente Lei e Instalar a SUPURB dentro de 90 (noventa)
dias.
Artigo 41º - Ficam revogados os Decretos-Lei 9.218 de 01/05/1956; 9.261 de 28/08/1946 9.777 de 06/09/1946;
Artigo 16 do Decreto-Lei 6.256 de 10/02/1944 e o Artigo 5º da Lei nº 1.473 de 24/11/1951, bem como as disposições
em contrário a esta Lei.
Artigo 42º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
146

ANEXO – III

Texto integral do anteprojeto da Lei de Desenvolvimento Urbano preparado pela


Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana– CNPU -,
publicado em 24 de maio de 1977, pelo Jornal O Estado de São Paulo.

ANTEPROJETO DE LEI DE
DESENVOLVIMENTO URBANO DE 1977

Define os objetivos, fixa a diretrizes de atuação, estabelece os instrumentos para o


desenvolvimento urbano nacional e dá outras providencias.

Capítulo I – Dos Objetivos e Diretrizes do Desenvolvimento Urbano


Artigo 1 – São objetivos do desenvolvimento urbano:
I – a distribuição especial dos contingentes populacionais, visando ao estabelecimento de um adequado sistema
nacional de cidades;
II – a integração dos sistemas urbano nacional e regional, em seus aspectos intraurbanos;

III – a melhoria da qualidade de vida, especialmente pelo acesso aos serviços básicos de infra-estrutura urbana e aos
equipamentos sociais;
IV – o condicionamento do uso do solo e do e do direito de construir à sua função social da propriedade;
V – a preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural, histórico, paisagístico, artístico e arqueológico.
Artigo 2 – O Poder Público promoverá o desenvolvimento urbano mediante ação intergrada de órgãos e entidades
federais, estaduais, metropolitanos e municipais, observadas as seguintes diretrizes:
I – controle do processo de criação, expansão e renovação dos núcleos populacionais, preferentemente mediante:
a) prevenção e correção das distorções do crescimento de áreas urbanas;
b) contenção de excessiva concentração urbana;
c) indução, ordenação e correção das correntes migratórias;
d) fixação de áreas de interesse especial, vem como indução, ordenação e controle de sua ocupação;
e) fixação de áreas prioritárias, com indução e dinamização de sua ocupação urbana;
II – fomento ao exercício de atividades socioeconômicas e culturais próprias d acidade;
III – prestação de serviços públicos adequados às necessidades d população urbana;
IV – controle da utilização da propriedade visando especialmente a impedir:
a) o uso prejudicial ao desenvolvimento urbano;
b) a proximidade de usos incompatíveis, ou o uso desconforme com normas de zoneamento;
c) o parcelamento do solo e a edificação vertical desnecessária excessivos em relação à estrutura urbana
existente ou planejada;
d) o inadequado levantamento do imóvel urbano em relação à finalidade ou localização urbanas;
e) a ociosidade de terrenos edificáveis;
f) a deterioração de áreas urbanas;
g) a desfiguração e a destruição do patrimônio cultural, histórico, paisagístico, artístico e arqueológico;
147

h) a ocupação desnecessária de áreas agrícolas;


V – ordenação do processo de urbanização visando a proteção total mediante controle da poluição, proteção dos
recursos naturais e recuperação dos elementos destruídos;
VI – utilização de sistema tributário consoante as necessidades do desenvolvimento urbano;
VII – atuação do mercado visando a assegurar igual oportunidade de acesso à propriedade e coibir o abuso do poder
econômico;
VIII – participação da iniciativa privada no custeio e execução da urbanização e recuperação, pelo Poder Público, de
seus investimentos;
IX – estímulo a participação dos habitantes nas atividades de desenvolvimento urbano.
Artigo 3 – As diretrizes do desenvolvimento urbano serão recorrentemente compatibilizadas com os princípios e
objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento, respeitadas as competências estaduais e municipais, bem como as
peculiaridades estaduais, regionais e locais.

Capítulo II – Dos Conceitos Básicos

Artigo 4 – Para os fins desta lei, considera-se urbanização toda atividade de beneficiamento do solo, sob qualquer das
formas seguintes:
I – execução de obras e serviços de infraestutura urbana;
II – construção destinada a atividades urbanas, especialmente habitação, trabalho, recreação e serviços;
III – renovação urbana;
IV – reserva de áreas de interesse especial, conforme previsto nesta lei;
V – incorporação imobiliária;
VI – amembramento, remembramento, desmembramento ou parcelamento de imóveis urbanos;
VII – o amembramento, remembramento, desmembramento ou parcelamento de imóveis rurais, para formação de
loteamentos urbanos, núcleos populacionais, industrialização, sítios de recreio ou outras destinações urbanas.
Parágrafo primeiro - A urbanização em áreas sujeitas à jurisdição militar dependerá da prévia apreciação das
autoridades competentes.
Parágrafo segundo - O disposto no inciso VII dependerá de prévia audiência do INCRA, da Região Metropolitana
onde se localiza o município e da aprovação da Prefeitura Municipal.
Parágrafo terceiro - Desde a aprovação, pela Prefeitura, do disposto no inciso VII, as respectivas áreas passam a ser
consideradas urbanas, ficando sujeitas à jurisdição municipal.
Artigo 5 – O território dos municípios será dividido unicamente em zonas urbanas, de expansão urbana e rural, e seu
núcleos populacionais classificar-se-ão em cidade, referente à sede do Município, vilas e povoados.
Parágrafo primeiro - Lei municipal delimitara os perímetros das zonas urbanas e de expansão urbana.

Parágrafo segundo - Os municípios integrantes de região metropolitana delimitarão suas zonas de expansão urbana e
de interesse especial, em conformidade com as diretrizes de planejamento territorial metropolitano.
Artigo 6 – Nas cidades, vilas e povoados o perímetro urbano abrangerá a área de edificação contínua, bem como a
áreas adjacentes que contenham pelo menos três dos seguintes equipamentos:
I – rede de abastecimento de água potável em um raio máximo de trezentos metros;
II – rede de esgotos sanitários ou pluviais;
III – rede de iluminação pública ou de distribuição domiciliar de energia elétrica;
IV – escola primária, em funcionamento, em área máximo de três mil metros;
V – posto de saúde, em funcionamento, em área máximo de três mil metros;
VI – linha regular de transporte coletivo, aprovado pelo município, a uma distancia máxima de mil metros.
148

Artigo 7 – Zona de expansão urbana é a destinada ao crescimento ordenado das cidades, vilas e povoados contíguos
ou não à zona urbana, abrangendo:
I – áreas previstas para ocupação urbana no qüinqüênio, com base nas taxas de crescimento populacional, nos
programas de urbanização ou de investimentos, ou em projetos de natureza especial;
II – áreas reservadas para urbanização (artigo 4).
Artigo 8 – Solo urbano é o contido no perímetro das zonas urbanas, de expansão urbana e de áreas de interesse
especial.
Parágrafo único – imóvel urbano é o localizado dentro de qualquer dos perímetros referidos neste artigo.
Artigo 9 – Consideram-se conurbações:
I – as Regiões Metropolitanas, instituídas por lei complementar, na forma do artigo 164 da Constituição Federal;
II – as aglomerações urbanas, constituídas por núcleos urbanos de dois ou mais municípios, com contigüidade, atual
ou potencial, de suas zonas urbanas ou de expansão urbana, ou com serviços de interesse comum.
Parágrafo primeiro - As regiões metropolitanas regem-se pela legislação que lhes é própria;
Parágrafo segundo - As aglomerações urbanas reger-se-ão por legislação federal específica, adequada às suas
necessidades.
Artigo 10 – Áreas de Interesse Especial são as que, por suas características próprias ou por exigências de programas,
requeiram tratamento específico.
Artigo 11 – As áreas de interesse especial classificam-se exclusivamente, em:
I – áreas de interesse urbanístico:
a) para renovação urbana;
b) para urbanização prioritária;
c) para uso industrial;
d) não edificáveis.
II – área de lazer ou turismo;
III – área de proteção ambiental;
IV – áreas de preservação cultural, histórica, artística, paisagística ou arqueológica;
V – áreas de margem de águas públicas.
Artigo 12 – consideram-se Áreas de Renovação Urbana às destinadas à realização de projetos de reurbanização, em
especial as referentes a:
I – revitalização e recuperação de áreas urbanas deterioradas;
II – reutilização de áreas adjacentes a obras públicas;
II – adensamento de áreas edificadas.
Artigo 13 – áreas para Urbanização Prioritária são aquelas estabelecidas para:
I – promover a implantação de serviços públicos;
II – induzir ou acelerar a ocupação de terrenos edificáveis nas zonas urbanas e de expansão urbana;
III – promover a implantação de núcleos habitacionais de interesse social;
IV – implantar ou expandir núcleos relacionados a programas de desenvolvimento;
V – ordenar e direcionar expansão de núcleos urbanos de valor cultural, histórico, artístico ou paisagístico.
Artigo 14 – Áreas para Uso Industrial são as destinadas à localização de indústrias e atividades complementares,
atendidos os requisitos desta lei.
Artigo 15 – Áreas não Edificáveis são as que, por suas características de solo, declividade, sujeição a intempéries ou
calamidades, climas e outros fatores, não oferecem condições mínimas par construção mínima para construção ou
execução de obras.
149

Artigo 16 – Áreas de Lazer ou Turismo são as que, por localização e características, devam ter seu uso e ocupações
sujeitas às diretrizes e normas de programas específicos.
Artigo 17 – Áreas de Proteção Ambiental são as que se caracterizam pela existência de recursos hídricos ou minerais,
acidentes geográficos, comunidades bióticas, formações geológicas e outros elementos de importância para a
preservação da ecologia.
Artigo 18 – Áreas de Preservação Cultural, histórica, artística, paisagística ou arqueológica, são aquelas sujeitas a
regime urbanístico próprio, visando à sua preservação (Constituição da República, artigo 180, parágrafo único).
Artigo 19 – Áreas de Margem de Águas Públicas são as contíguas à orla marítima, fluvial ou lacustre, estabelecidas
para ordenamento de sua urbanização.

Capítulo III – Da Promoção do Desenvolvimento Urbano


Artigo 20 – A promoção do desenvolvimento urbano compete precipuamente ao Poder Público, em todos os níveis
de governo, observadas as normas e diretrizes desta lei.
Artigo 21 – Na promoção do desenvolvimento urbano, compete à União:
I – definir a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano;
II – instituir e implantar o Sistema Nacional de Planejamento Urbano;
III – elaborar e fazer cumprir o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano;
IV – estabelecer Áreas de Interesse Especial, definindo as limitações nelas incidentes;
V – estabelecer Áreas de Planejamento Obrigatório, nos termos do artigo 40;
VI – regulamentar a implantação das Regiões Metropolitanas;
VII – regulamentar a implantação das aglomerações urbanas;
VIII – orientar a elaboração e implantação de programas e projetos estaduais e municipais que afetem interesses da
União;
IX – estabelecer diretrizes e normas geais sobre:
a) planejamento urbano;
b) uso e ocupação do solo urbano e do seu subsolo;
c) parcelamento do solo urbano o para urbanos;
d) transformação do uso de solo rural em urbano;
e) uso do espaço aéreo;
f) uso e ocupação da orla marítima, fluvial e lacustre;
g) transporte coletivo e sistema viário urbano;
h) habitação e saneamento;
i) patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
j) proteção ambiental;
k) localização e zoneamento industrial;
X – executar as obras e os serviços públicos de sua precípua atribuição.
Artigo 22 - Observadas as normas e diretrizes desta lei, aos Estados compete:
I – definir a Política Estadual de Desenvolvimento Urbano;
II – instituir e implantar o Sistema Estadual de Planejamento Urbano
III – elaborar e fazer cumprir o Plano Estadual de Desenvolvimento Urbano;
IV – estabelecer Áreas de Interesse Especial, definido as limitações nelas incidentes;
V – estabelecer Áreas de Planejamento Obrigatório, nos termos do artigo 40;
VI – estabelecer normas e diretrizes, supletivas e complementares à legislação federal, sobre:
150

a) planejamento e controle do desenvolvimento de aglomerações urbanas, bem como sobre a prestação de


serviços de interesse comum dessas áreas;
b) programas e projetos de interesse intermunicipal;
c) padrões de transporte coletivo e sistema viário urbano e interurbano;
d) criação e localização de novos núcleos populacionais;
e) patrimônio cultural, histórico,artístico, paisagístico e arqueológico;
f) proteção ambiental;
g) localização e zoneamento industrial.
VII – elaborar e promover a execução de planos estaduais de desenvolvimento regional, microrregional e localização
industrial;
VIII – compatibilizar os investimentos setoriais do Estado com as diretrizes do planejamento urbano federal, estadual,
metropolitano e municipal;
IX – executar as obras e serviços públicos de sua precípua atribuição.
Artigo 23 – Compete, ainda, ao Estado, quanto às Regiões Metropolitanas, estabelecer normas e diretrizes, supletivas
e complementares à legislação federal, bem como:
I – aprovar o Plano de Desenvolvimento Integrado das Regiões Metropolitanas, compatibilizando-o com o
planejamento estadual;
II – estabelecer Áreas de Interesse Especial, localizadas na Região Metropolitana;
III – disciplinar o uso e a ocupação do solo de interesse metropolitano.
Artigo 24 – Aos Municípios, observadas as normas e diretrizes desta lei, compete:
I – instituir e implantar o Sistema Municipal de Planejamento Urbano;
II – elaborar e fazer cumprir o Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano;
III – estabelecer Áreas de Interesse Especial previstas nesta lei (Artigo 46);
IV – estabelecer normas sobre o uso e ocupação do solo, respeitada a legislação federal e estadual pertinente;
V – compatibilizar o planejamento do seu desenvolvimento urbano com o do Estado, e o da Região Metropolitana se
for o caso;
VI – compatibilizar o planejamento do seu desenvolvimento urbano com dos municípios limítrofes (artigo 9, II);

VII – executar as obras e os serviços públicos de sua precípua atribuição.


Artigo 25 – Todos os órgãos e entidades federais, estaduais e municipais, com atuação em Região Metropolitana,
ficam sujeitas às diretrizes do seu planejamento.
Artigo 26 – Os órgãos e entidades federais e estaduais, com atuação em Municípios que disponha de sistema de
planejamento, deverão atender às normas e diretrizes municipais na localização e execução de suas obras e serviços.
Artigo 27 – O Poder Público poderá organizar empresas urbanizadoras, dotadas de personalidade jurisdicional de
direito privado, para exercer atividades de urbanização e as atribuições conexas.
Artigo 28 – O consórcio de municípios ou o convênio entre municípios e estados, para realização de planejamento
intermunicipal e prestação de serviços de interesse comum, terá personalidade jurídica de direto privado, desde que
inscrito no Cartório de Primeiro Registro de Pessoas Jurídicas na Capital do Estado.
Artigo 29 – Os proprietários ou compromissários compradores de imóveis urbanos poderão, como ou sem
participação do Poder Público, associar-se, por qualquer das formas admitidas em direito, para propor projeto de
urbanização aos órgãos públicos competentes, bem como executá-lo, após aprovado.
Artigo 30 – O Poder Público incentivará a formação de associações comunitárias, sem fins lucrativos, visando ao
beneficiamento urbanístico de determinada área.
Parágrafo único – A indicação da arda, os benefícios urbanísticos e a forma de participação do Poder Público serão
definidos em decreto.
Artigo 31 – O Poder Público deverá debater com as comunidades interessadas a elaboração das normas, diretrizes e
planos urbanísticos possibilitando-lhes o acompanhamento de sua execução.
151

Artigo 32 - Todo cidadão deve concorrer para o desenvolvimento urbano e impedir lesão ao patrimônio urbanístico,
inclusive por meio de ação popular, com suspensão liminar do ato impugnado.
Parágrafo único - O Ministério Público também é parte legítima para promover a ação prevista neste artigo.

Capítulo IV – Dos Instrumentos de Atuação


Artigo 33 – Para execução desta lei, o Poder Público utilizará, preferentemente, como instrumento de atuação, o
planejamento urbano, e, complementarmente, o condicionamento da propriedade à sua função social, a tributação
fiscal e extrafiscal, e dos incentivos financeiros.

Artigo 34 – O planejamento urbano, como atividade do Poder Público, visa à aplicação ordenada de recursos
humanos, técnicos e financeiros, para a consecução dos objetivos previstos nesta lei.
Artigo 35 – A União, Estados, Regiões Metropolitanas e municípios estabelecerão o seu sistema de planejamento
com a finalidade de formular, executar e controlar a implantação dos planos de desenvolvimento urbano previsto
nesta lei.
Artigo 36 – O planejamento urbano será expresso em planos, programas e projetos de âmbito nacional, estadual,
regional, metropolitano, municipal, setorial e outros instrumentos especiais, adequados.
Artigo 37 – Elaborados pelos órgãos técnicos competentes, os Planos de Desenvolvimento Urbanos serão
necessariamente aprovados por lei.
Artigo 38 – O Poder Público poderá declarar, quando d formulação do Plano de Desenvolvimento Urbano, a
suspensão, por prazo não superior a doze meses, das licenças de construção, parcelamento e desmembramento.
Artigo 39 – A execução do plano poderá ser cometida a entidades públicas ou privadas, cabendo sua fiscalização ao
Poder Público e a iniciativa privada, sob formas associativas e comunitárias.
Artigo 40 – Os órgãos superiores de planejamento da União e do Estado indicarão as zonas e áreas a serem
obrigatoriamente planejadas, especificando o seu objetivo, o prazo, as limitações a que ficarão sujeitas e os
organismos responsáveis por sua formulação e execução.
Parágrafo primeiro – Decretada a Área de Planejamento Obrigatório, caberá ao órgão competente para a elaboração
do respectivo plano formulá-lo, no prazo e nas condições fixadas.
Parágrafo segundo – Os empréstimos, incentivos e repasses feitos por órgãos federais e estaduais a entidades
públicas ou privados, operando nas Áreas de Planejamento Obrigatório, deverão ser previamente aprovados pelos
órgãos superiores de planejamento.
Artigo 41 – O Poder Público, no condicionamento da propriedade à sua função social, para promoção do
desenvolvimento urbano, poderá utilizar os instrumentos seguintes:
I – desapropriação;
II – servidão administrativa;
III – limitação administrativa;
IV – ocupação temporária;
V – requisição;
VI – tombamento;
VII – direito de preferência para aquisição de imóvel;
VIII – urbanização compulsória;
IX – constituição de reserva de terrenos;
X – decretação de Áreas de Interesse Especial.
Artigo 42 – A desapropriação, a servidão administrativa, a limitação administrativa, a ocupação temporária, a
requisição e o tombamento de bens de interesse urbanístico reger-se-ão pela legislação que lhes é própria.
Artigo 43 – O direito de preferência para aquisição de imóvel localizado em Área de Interesse Especial, será exercido
pelo Poder Público decretante que, para esse fim, deverá ser notificado pelo proprietário para manifestar a sua opção
e efetuar o depósito em igualdade de condições com o pretendente à aquisição, no prazo, sem a manifestação e o
depósito, entende-se desinteressado da aquisição.
152

Parágrafo primeiro - Se o Poder público discordar do preço constante da notificação, requererá o arbitramento
judicial previsto nos artigos 606 e 607 do Código do Processo Civil, para o depósito subseqüente.
Parágrafo segundo – Se a alienação se realizar sem a notificação prevista neste artigo, o Poder Público poderá
iniciar a ação anulatória de transcrição, no prazo de seis meses de sua efetivação, depositando o preço constante da
escritura.
Artigo 44 – A urbanização compulsória incidirá exclusivamente sobre terrenos localizados em Áreas de Interesse
Especial e constituirá no cumprimento, pelo particular, dos encargos impostos para beneficiamento da área, nas
condições e prazos fixados pelo Poder Público.
Parágrafo primeiro – O proprietário e o compromissário comprador, que não cumprirem os encargos urbanísticos,
ficam sujeitos, solidariamente, a:
I – execução, em seus terrenos, das obras de urbanização, pelo Poder Público, diretamente ou por contratação com
terceiros, com cobrança executiva de seu custo corrigido monetariamente;
II – taxação progressiva do imóvel até a conclusão das obras;
III – desapropriação para fins de urbanização, com direito de alienação a terceiros que se proponham a executar a
obras de beneficiamento.
Parágrafo segundo – A avaliação para a desapropriação prevista no parágrafo anterior considerará o valor do imóvel
no estado em que se encontra na data fixada para início das obras, ou na em que foram paralisadas;
Parágrafo terceiro – o prazo para início de urbanização compulsória não poderá ser inferior a um ano e nem
superior a cinco.
Artigo 45 – Mediante lei, a União, o Estado e o Município poderão instituir reserva de terrenos, destinada a atender
às seguintes finalidades:
I – execução de planos e programas de urbanização;
II – construção de habitações de interesse social;
III – indução do crescimento de núcleos populacionais ou urbanização em Áreas de Interesse especial;
IV – regulação de preços de terrenos no mercado imobiliário.
Parágrafo primeiro – A reserva de terrenos será construída mediante:
I – desapropriação;
II – aquisição, sob qualquer das formas civis;
III – arrecadação de imóveis urbanos abandonados como bens vagos, na forma da lei civil;

IV – transferência de patrimônio do setor público ou privado.


Parágrafo segundo – A aquisição, a administração e a alienação de reserva de terrenos poderá ser cometida a
empresas urbanizadoras, com participação majoritária do Poder Público.
Artigo 46 – As Áreas de Interesse Especial, previstas no artigo 10, serão definidas por decreto federal, estadual ou
municipal, que delimitará o seu perímetro e indicará as formas de urbanização a que ficam sujeitas, especificando as
limitações nelas incidentes e o modo de cientificação dos interessados.
Parágrafo único – O município somente poderá decretar Áreas de Interesse Especial as prevista nos artigos 12, 13, I,
II, III e V, e 14 e 19.
Artigo 47 – O Poder Público, na promoção do desenvolvimento urbano, utilizará instrumentos tributários e
financeiros, especialmente:
I – tributação sobre o imóvel e o lucro imobiliário;
II – taxação diferençada, progressiva ou regressiva;
III – contribuição de melhoria;
IV – incentivos fiscais e financeiros;
V – financiamentos e subsídios;
VI – fundo financeiro para o desenvolvimento urbano.
153

Parágrafo único – A utilização dos instrumentos previstos neste artigo reger-se-á pela legislação geral e especial das
entidades estatais competentes.

Capítulo V – Do Regime Urbanístico


Artigo 48 – A urbanização compete, concorrentemente, à União, ao Estado e ao Município, observadas as normas e
diretrizes desta lei.
Parágrafo Único – O Estado e o Município poderão legislar supletiva e complementarmente, em matéria urbanística,
para atendimento de suas peculiaridades regionais e locais.
Artigo 49 – A execução de qualquer forma de urbanização (artigo 4º) depende de licença da Prefeitura Municipal
competente, observada as disposições desta lei e as normas federais, estaduais e municipais pertinentes.
Artigo 50 – tem o direito de construir em seu terreno no máximo, área equivalente à do lote.
Parágrafo primeiro – No solo urbano (artigo 8º) em que houver conveniência de maior adensamento populacional,
lei municipal de uso e ocupação do solo poderá permitir construção de área excedente a permitir construção de área
excedente à prevista neste artigo, mediante licença especial da Prefeitura.
Parágrafo segundo – A licença especial prevista neste artigo será sempre remunerada, atendidas as disposições desta
lei e as normas estaduais pertinentes.
Parágrafo terceiro – A remuneração da licença especial, por unidade de área excedente a ser construída, será
proporcional ao valor da mesma unidade do respectivo terreno no mercado imobiliário.
Parágrafo quarto – A remuneração da licença especial, para construção de área excedente, até duas vezes a do lote,
pertencerá integralmente ao município, sendo o restante destinado ao “Fundo Estadual de Desenvolvimento Urbano,
instituído e regulamentado por legislação própria de cada Estado”.
Parágrafo quinto – A licença especial, uma vez quitada, é transferível, juntamente como terreno, por escritura
pública e inscrição no Registro Imobiliário competente.
Artigo 51 – O Município não poderá expedir licença especial para construção de área excedente à do lote enquanto
não tiver lei municipal regulando o uso e a ocupação do solo urbano, sob pena de nulidade, conforme o previsto no
artigo 54.
Artigo 52 – As obras de urbanização sujeitas à licença, deverão ser iniciadas dentro de um ano da sua expedição, sob
pena de caducidade.
Artigo 53 – Cessam os efeitos de qualquer licença de urbanização após três anos de sua expedição, sujeitando-se o
reinício ou prosseguimento da obra à sua renovação, nos termos da legislação que estiver em vigor.
Parágrafo único – A legislação municipal definirá os requisitos caracterizadores de início e conclusão da obra.
Artigo 54 – São nulas de pleno direito as licenças expedidas em desconformidade com a legislação urbanística
pertinente, sujeitando-se as obras a embargo mediante processo administrativo regular.
Artigo 55 – No controle da execução de obras de urbanização e na proteção do meio urbano, observadas as normas
legais pertinentes, o Poder Público utilizará as seguintes medidas e sanções:
I – fixação de normas para elaboração e execução de projetos;
II – aprovação e fiscalização de projetos executivos;
III – imposição de multa administrativa;
IV – anulação, revogação ou cassação de alvará por ilegalidade, inconveniência ou incorreta execução;
V – interdição da atividade prejudicial à segurança, à saúde ou ao bem-estar da população, ou lesiva ao meio
ambiente;
VI – embargo de obra clandestina ou ilegal;
VII – demolição de obra clandestina, ilegal ou perigosa.

Capitulo VI – Das Disposições Finais e Transitórias


Artigo 56 – Os denominados “terrenos de marinha”, compreendidos nos perímetros urbanos e de expansão urbana
ficam sujeitos à jurisdição municipal fins de urbanização e tributação.
154

Parágrafo primeiro – a legitimação de ocupação desses terrenos por particulares será feita pela prefeitura mediante
prévio assentimento da União.
Parágrafo segundo – As praias, margens de rios, lagos e logradouros paisagísticos serão, para todos os efeitos,
considerados áreas públicas, de livre acesso a toda a população.
Artigo 57 – Os estados e municípios, dentro de trezentos e sessenta dias, deverão adaptar suas legislações às normas
e diretrizes desta lei, sob pena de invalidade das disposições conflitantes.
Parágrafo único – A elaboração dos planos estaduais contará com apoio financeiro da União durante 2 (dois) anos
após a promulgação da presente lei.
Artigo 58 – Esta lei entrara em vigor na data de usa publicação, revogadas as disposições em contrário.
155

ANEXO – IV

Texto integral do anteprojeto da Lei de Desenvolvimento Urbano preparado pelo


Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano do Ministério do Interior,
publicado em 27 de maio de 1982 pelo Jornal “O Estado de São Paulo”. Proposta
esta, que deu origem ao Projeto de Lei nº775/83.

ANTEPROJETO DE LEI DE
DESENVOLVIMENTO URBANO DE 1982

Capítulo I – Dos Objetivos e Diretrizes do Desenvolvimento Urbano


Artigo 1 – São objetivos do desenvolvimento urbano:
I – a adequada distribuição espacial da população e das atividades urbanas, com vistas à estruturação dos sistemas
nacional, regionais e sub-regionais de cidade;
II – a integração urbano-rural e a complementaridade e interconexão dos sistemas de cidades, nos seus aspectos
interurbanos e intraurbanos;
III – a melhoria da qualidade de vida nas cidades, em especial pela disponibilidade de infra-estrutura e dos serviços e
equipamentos sociais urbanos.

Artigo 2 – O Poder Público promoverá o desenvolvimento urbano mediante ação integrada da União, Estados,
Distrito Federal, Territórios e municípios, observadas as seguintes diretrizes:
I – redução dos desequilíbrios regionais do desenvolvimento pela ordenação do processo de criação e expansão dos
núcleos urbanos, especialmente mediante: a) a prevenção e correção das distorções e disfunções do crescimento
urbano; b) contenção da excessiva concentração urbana; c) a indução, ordenação e reorientação das migrações
internas;
II – expansão ordenada e socialmente desejável das zonas urbanas;
III – condicionamento da propriedade imobiliária urbana à sua função social mediante: a) igualdade de oportunidade
de acesso à propriedade urbana, garantido-se o direito de moradia a todas as camadas da população; b) justa
distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; c) repressão ao abuso do poder econômico
no mercado imobiliário urbano, inclusive com vistas a evitar a valorização indevida dos terrenos; d) regularização
fundiária e urbanização específica de áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda; e) subordinação do
direito de construir aos interesses urbanísticos; f) fortalecimento do direito de posse às populações de baixa renda;

IV – controle do uso do solo urbano de modo a evitar; a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b)
proximidade de usos incompatíveis, ou indesejáveis; c) o parcelamento do solo urbano e edificação vertical excessivo
com relação à infra-estrutura e aos serviços e equipamentos sociais urbanos; d) a ociosidade do solo urbano
edificável, inclusive com vistas a evitar a indesejável valorização dos terrenos; e) a deterioração das áreas
urbanizadas;
V – adequação dos investimentos públicos, notadamente no sistema viário, nos transportes, em habitação e em
saneamento, aos objetivos do desenvolvimento urbano;
VI – recuperação, pelo poder público, dos investimentos de que resulte a valorização dos imóveis urbanos;
VII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente e do patrimônio cultural e paisagístico e controle da
poluição;
156

VIII – estímulo à participação individual e comunitário no processo do desenvolvimento urbano;


IX – estimulo à participação da iniciativa privada na urbanização.
Artigo 3 – A política nacional de desenvolvimento urbano, bem como suas estratégias e programas, integração os
planos nacionais de desenvolvimento, respeitadas as competências dos Estados, Distrito Federal e territórios, das
regiões metropolitanas e dos municípios, e consideradas as peculiaridades regionais.
Parágrafo único – Na formulação nacional do desenvolvimento urbano, deverão ser consideradas as seguintes
categorias: a) as regiões metropolitanas, estabelecidas mediante lei complementar; b) as aglomerações urbanas
constituídas por dois ou mais municípios, com contigüidade, atual ou potencial, de suas zonas urbanas ou com infra-
estrutura e serviços e equipamentos sociais uranos comuns; c) as cidades de porte médio; d) outros núcleos urbanos
de interesse especial do desenvolvimento urbano e regional.

Capítulo II – Da Urbanização
Artigo 4 – Para os fins desta lei, considera-se urbanização toda atividade de:
I – expansão das zonas urbanas;
II – parcelamento ou remembramento de imóveis urbanos;
III – execução da infra-estrutura e serviços e equipamentos sociais urbanos;
IV – construção destinada a atividades urbanas, especialmente à habitação, ao trabalho e à recreação e lazer;
V – renovação urbana.
Parágrafo único – A urbanização depende de ato ou de previa autorização do poder público.
Artigo 5 – O território dos municípios será dividido unicamente em zonas urbanas e rurais e os seus núcleos urbanos
serão classificados em cidades, vilas e povoados.
Parágrafo primeiro – Lei municipal delimitará as zonas urbanas, que poderão conter área de expansão urbana.
Parágrafo segundo – Os municípios que constituem regiões metropolitanas delimitarão suas zonas urbanas em
conformidade com as normas e diretrizes do planejamento metropolitano e mediante prévia anuência do Conselho
Deliberativo de que tratam as Leis complementares nº14, de 8 de junho de 1973 e nº27, de 3 de novembro de 1975.
Artigo 6 – As zonas urbanas dos municípios serão delimitadas de modo a abranger:
I – áreas de edificação contínua;
II – áreas que contenham, pelo menos, quatro dos seguintes serviços e equipamentos sociais urbanos; a)
abastecimentos regular de água potável; b) esgotos sanitários ou pluviais; c) iluminação pública e distribuição
domiciliar de energia elétrica; d) escola primária em funcionamento; e) unidade de saúde pública em funcionamento;
f) transporte coletivo, autorizado pelo município.
Parágrafo primeiro – Área de expansão urbana é a parcela da zona urbana destina ao crescimento das cidades, vilas
e povoados.
Parágrafo segundo – A área total das zonas urbanas não poderá ultrapassar a área suficiente para a localização da
população urbana e suas atividades, prevista para o período não superior a dez anos (e calculada considerando a
densidade média da área de urbanização continua).
Artigo 7 – Solo urbano é o contido nas zonas urbanas e imóvel urbano, o que nelas se localiza.
Artigo 8 – O Poder Público poderá estabelecer como de interesse especial, para fins do desenvolvimento urbano:
I – áreas de urbanização preferencial;
II – áreas de urbanização limitada;
III – áreas de regularização fundiária e de urbanização específica;
IV – áreas de renovação urbana;
V – áreas de planejamento obrigatório.
Artigo 9 – Áreas de urbanização preferencial são as destinadas a:
I- ordenação e direcionamento da urbanização;
II- implantação prioritária da infra-estrutura e dos serviços e equipamentos sociais urbanos;
157

III- indução da ocupação de terrenos edificáveis;


IV - adensamento de áreas edificadas;
V - promoção da urbanização necessária a programa ou projetos especiais de desenvolvimento.
Artigo 10 – Áreas de urbanização limitada são as em que a urbanização deve ser desestimulada ou restringida em
decorrência da natureza de sua ocupação, de características do solo, clima, vulnerabilidade a intempéries,
calamidades e outras condições adversas ou em vista de necessidades de preservação cultural e paisagística e
proteção ambiental.

Artigo 11 – Áreas de regularização fundiária e urbanização especifica são as habitadas por populações de baixa renda
e que devam, no interesse social, ser objeto de ações visando à legalização da ocupação do solo e à regulamentação
especifica da urbanização, bem como da implantação prioritária dos equipamentos e serviços.
Artigo 12 – Áreas de renovação urbana são as destinadas a recuperação, reutilização e a revitalização, com base em
programas ou projetos de urbanização.
Artigo 13 – Áreas de planejamento obrigatório são as assim estabelecidas pelo poder público, no interesse do
desenvolvimento urbano, especificados no ato de seu estabelecimento e prazo para sua execução.
Artigo 14 – Sem prejuízo do disposto no artigo 5º e 8º, o Poder Público estabelecerá zoneamento da urbanização
especificando o tipo da intensidade das atividades urbanas em cada zona, em especial as relativas à habitação, à
indústria, ao comércio, à recreação e lazer, à preservação do patrimônio cultural e paisagístico e à proteção do meio
ambiente, particularmente das águas públicas.

Capítulo III – Da Promoção do Desenvolvimento Urbano.


Artigo 15 – A promoção do desenvolvimento urbano compete precipuamente ao poder público, observado o disposto
nesta lei.
Artigo 16 – Na promoção do desenvolvimento urbano compete a União:
I – definir a política nacional de desenvolvimento urbano e estabelecer as estratégias, programas e projetos visando à
sua execução;

II – estabelecer normas gerais e diretrizes relativas a: a) transformação de solo rural em urbano; b) uso, ocupação e
parcelamento e remembramento do solo urbano; c) uso do espaço aéreo e do subsolo para fins de desenvolvimento
urbano; d) recursos hídricos; e) transportes, f) saneamento; g) habitação; h) localização das atividades produtivas, em
especial as indústrias; i) proteção do meio ambiente; j) patrimônio cultural e paisagístico;
III – regulamentar a implantação (estabelecer) das regiões metropolitanas;
IV – estabelecer critérios para definição (regulamentar o estabelecimento) de aglomerações urbanas (e de cidades de
porte médio);
(V – IV – prover sobre matéria de desenvolvimento urbano de interesse interestadual);
V – estabelecer e regulamentar as aglomerações urbanas localizadas em território de mais de um estado ou território
federal ou que sejam de especial interesse para a execução da política nacional de desenvolvimento urbano (muito
vago) e (parágrafo único);
VI – delimitar a região geoeconômica de Brasília e dispor sobre as condições de sua urbanização;
VII – estabelecer, nos termos do artigo 8, as áreas de interesse especial (limitar os itens II, III e V) que sejam de
relevância para a execução da política nacional de desenvolvimento urbano.
Artigo 17 – Observado o disposto nesta lei, compete aos Estados e ao distrito Federal (no âmbito dos respectivos
territórios), supletiva e complementarmente à União:
I – definir e implementar as políticas de desenvolvimento urbano estadual e micro-regional (e estabelecer as
estratégias, programas e projetos visando à sua execução);
II – estabelecer normas gerais e diretrizes relativas aos assuntos a que se referem às alíneas “a” a “j” do item II do
artigo anterior;
III – regulamentar a implantação das regiões metropolitanas, elaborar, aprovar e implementar os respectivos planos
de desenvolvimento;
158

IV – estabelecer e regulamentar aglomerações urbanas;


V – estabelecer, nos termos do artigo 8, as áreas de interesse especial (limitar aos itens I, II, III e V) que sejam de
relevância para a execução de suas políticas de desenvolvimento urbano;
VI – aprovar a localização de novos núcleos urbanos.
Parágrafo único – O disposto neste artigo aplicas-se, no que couber, aos territórios federais.
Artigo 18 – Compete aos municípios (no âmbito dos respectivos territórios): (ver alternativas para todo artigo)
I – definir as políticas de desenvolvimento urbano e estabelecer a estratégias, programas e projetos visando à sua
execução;

II – exercer supletiva e complementarmente (à União ou Estados e territórios), todos os poderes concedidos por esta
lei ao Poder Público (bem como as demais competências constitucionais e legais relativas ao desenvolvimento
urbano);
Artigo 19 – (incluído no 22) – Os planos de desenvolvimento metropolitano, para efeito de compatibilização dos
instrumentos incentivos, repasse e financiamento da administração pública, direta e indireta, deverão obedecer às
diretrizes e normas de ações metropolitanas, bem como aos elementos de procedimentos mínimos a serem baixados
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano. (Parágrafo único – Substituído por inclusão de “aprovar” no
item III do artigo 17).
Artigo 20 – Inclui-se entre os serviços reputados de interesse metropolitano, mencionados no Artigo 5º da lei
complementar nº14, de 8 de junho de 1973, a habitação.
Artigo 21 – Os planos municipais de desenvolvimento urbano deverão atender às diretrizes federais e estaduais, em
especial as metropolitanas quando parte de uma região metropolitana (alternativa – colocar no artigo 16: Compete à
União “prover sobre os procedimentos de elaboração, aprovação e conteúdo mínimo dos planos de desenvolvimento
municipal e metropolitano)”.
Parágrafo único – Os planos municipais de desenvolvimento urbano e suas alterações deverão ser de iniciativa do
Poder Executivo, que os encaminhará ao Poder Legislativo para exame e aprovação.
Parágrafo segundo – (alternativa eliminar) – Os municípios que constituem regiões metropolitanas, antes de enviar
os seus planos de desenvolvimento municipais, previamente à sua aprovação serão submetidos ao Conselho
Deliberativo para fins de compatibilização com o plano metropolitano.
Artigo 22 – Todos os órgãos e entidades federais, estaduais e municipais com atuação nas regiões metropolitanas
deverão compatibilizar sua atuação com os planos, diretrizes e prioridades do planejamento metropolitano (ver artigo
19).
Artigo 23 – Os órgãos e entidades federais estaduais com atuação nos municípios que disponham de planos de
desenvolvimento urbano deverão atender às diretrizes e prioridades nelas estabelecidas na localização e execução de
seus projetos e atividades.
Artigo 24 – Os municípios de os Estados poderão associar-se para criar empresas públicas ou de economia mista
destinadas à realização de obras ou à prestação de serviços de interesse comum no campo do desenvolvimento
urbano.
Artigo 25 – Os proprietários ou compromissários compradores de imóveis poderão com ou sem participação do
Poder Público, associar-se, sob qualquer das formas legais para a execução de projetos de urbanização.
Artigo 26 – O Poder Público incentivará a formação de associações comunitárias, sem fins lucrativos, visando ao
desenvolvimento urbano.
Parágrafo único – O Poder Público poderá prestar apoio técnico e financeiro aquelas associações reconhecidas como
de utilidade pública.
Artigo 27 – Na elaboração dos planos, das normas, diretrizes e programas de desenvolvimento urbano, o Poder
Público contará com a participação das comunidades, possibilitando-lhes o acompanhamento de sua execução (cairá
se aceita a alternativa do artigo 21).
Artigo 28 – O Ministério Público é parte legitima para promover ação visando à aplicação e execução desta lei,
quanto ao cumprimento dos objetivos e diretrizes do desenvolvimento urbano.
Parágrafo primeiro – Quando a ação pública de que trata este artigo tiver por objeto a impugnação de um ato, será
decretada a suspensão liminar deste.
159

Parágrafo segundo – Qualquer cidadão poderá representar ao Ministério Publico par promover a ação referida neste
artigo.

Capítulo IV – Dos Instrumentos de Desenvolvimento Urbano

Artigo 28 - A – Para fins desta lei, o Poder Público utilizará, como instrumentos de atuação: o planejamento urbano,
o condicionamento da propriedade à sua função social, a política fiscal e os incentivos financeiros.
Artigo 28 - B – Durante a elaboração de planos de desenvolvimento urbano, metropolitanos ou municipais, o Poder
Público poderá suspender, mediante lei, a autorização para urbanização de parcelas do solo urbano, por prazo não
superior a doze meses.
Artigo 28 – C – O Poder Público, no condicionamento da propriedade urbana à sua função social, poderá utilizar-se
dos instrumentos seguintes:
I – desapropriação;
II – servidão administrativa;
III – limitação administrativa;
IV – ocupação temporária;
V – requisição;
VI – tombamento;
VII – direito de preempção;
VIII – edificação ou utilização compulsória;
IX – direito de superfície;
X – direito real de concessão de uso;
XI – legitimação de posse;
XII – usucapião especial.
Parágrafo único – A desapropriação, a servidão administrativa, a limitação administrativa, a ocupação temporária, a
requisição, o tombamento de bens de interesse urbanístico, e o direito real de concessão de uso reger-se-ão pela
legislação própria, regendo-se os demais instrumentos referidos neste artigo peãs disposições constantes desta lei.
Artigo 28 – D – O Poder Público, na promoção do desenvolvimento urbano, disporá de instrumentos fiscais e
financeiros, especialmente:
I – tributação sobre o imóvel urbano, progressiva e regressiva, e sobre o lucro imobiliário;
II – taxação diferenciada, progressiva e regressiva;
III – contribuição de melhoria;
IV – incentivos fiscais e financeiros;
V – financiamento e subsídios;
VI – fundos e recursos públicos destinados ao apoio ao desenvolvimento urbano.
Parágrafo único – A utilização dos instrumentos previstos neste artigo reger-se-á por legislação própria.

Capítulo V – Do Direito de Construir

Artigo 29 – O proprietário poderá construir em seu terreno de acordo (o direito de construir será exercido em
conformidade) com as normas legais e administrativas pertinentes.
160

Artigo 30 – A construção, a reforma e a demolição ficam condicionadas à licença do município, bem como dos
órgãos estaduais e federais competentes, quando for o caso.
Parágrafo primeiro – Os prazos para início e término das obras serão fixados pelo município.
Parágrafo segundo – São nulas de pleno direito as licenças expedidas em desconformidade com esta lei e a
legislação pertinente, sujeitando-se as obras a embargo, mediante processo administrativo ou judicial.
Artigo 31 – Na licença para construir, n solo urbano, deverá ser considerada a existência ou programação de
equipamentos e serviços públicos compatíveis, podendo o Poder Público municipal negá-la caso sua capacidade
financeira seja insuficiente para prover aquelas despesas.
Parágrafo único – A licença poderá ser outorgada, em condições especiais, se o interessad9 se dispuser a executar e
operar os equipamentos referidos neste artigo.
Artigo 32 – A construção, realizada no limite máximo dos índices urbanísticos de ocupação do solo, impede o
desmembramento do terreno, devendo tal restrição constar do registro de imóveis (tornar mais geral).
Artigo 33 – Lei municipal poderá determinar compensação pecuniária por parte do proprietário do terreno, quando
este tiver valorização em virtude da alteração dos índices urbanísticos relativos ao uso e ocupação (aproveitamento)
do solo, expressos em planos de uso do solo e respectiva legislação (data da cobrança).
Parágrafo único – Compensação de igual natureza poderá ser exigida pelo município, do proprietário, pela alteração
de uso rural para urbano.
Artigo 34 – Lei municipal, baseada em plano de uso do solo e respectiva legislação, poderá determinar a edificação
ou a utilização compulsória de terreno urbano vago, fixando as áreas, condições e prazos para sua execução.
Parágrafo primeiro – O prazo para início da edificação ou utilização referida no caput deste artigo não poderá ser
inferior a um ano, a contar da notificação do proprietário.
Parágrafo segundo – O proprietário será notificado pela Prefeitura para o cumprimento da obrigação, devendo a
notificação ser averbada no registro de imóveis.
Artigo 35 – O não cumprimento da obrigação de edificar ou utilizar, por parte proprietário, facultará ao Poder
Público a desapropriação do imóvel, com direito de alienação a terceiro que se comprometa a realizar a edificação.
Parágrafo primeiro – A notificação produzirá os mesmos efeitos da declaração de utilidade pública, par os fins de
desapropriação.
Parágrafo segundo – A avaliação do imóvel par a desapropriação prevista neste artigo considerará seu valor no
estado em que se encontra na data da notificação.
Parágrafo terceiro – A alienação do imóvel, posterior à data da notificação, não interrompe o prazo fixado para a
edificação ou utilização.

Capítulo VI – Do Direito de Superfície (transferência – insconstrutibilidade)


Artigo 36 – O proprietário poderá outorgar a outrem o direito de propriedade sobre a superfície de seu terreno (para
fins de edificação, ou outra utilização) por instrumento público ou particular, ou por termo administrativo,
devidamente registrado no registro de imóveis.
Artigo 37 – A outorga do direito de superfícies será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes a forma de
pagamento, ficando vedada a cobrança de qualquer quantia pela transferência da superfície.
Artigo 38 – O superficiário responder’pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
Artigo 39 – A superfície transfere-se por ato intervivos ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais
direitos reais, registrando-se a transferência.
Artigo 40 – Antes do advento do termo resolver-se-á a superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa
daquela para a qual lhe foi concedida.
Artigo 41 – Extinta a superfície, o proprietário passara a ter o domínio pleno sobre o terreno e benfeitorias nele
realizadas, independentemente de indenização se as partes não houverem estipulado o contrario.
Artigo 42 – O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por esta lei, no
que não for diversamente disciplinada em lei especial.
161

Capítulo VII - Do Direito de Preempção

Artigo 43 – O direito de preempção confere ao Poder Público preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de
transação entre particulares.
Parágrafo primeiro – O Poder Público definira previamente, por lei, as áreas em incidira o direito de preempção e
que poderão vigorar por prazo determinado ou indeterminado.
Parágrafo segundo – As transações referidas neste artigo abrangem as alienações gratuitas e onerosas, vem como as
adjudicações.
Artigo 44 – O direito de preempção será exercido para atender às seguintes finalidades:
I – realização de projetos habitacionais;
II – criação de áreas públicas de lazer;
III – realização de obras de infra-estrutura e demais equipamentos urbanos;
IV – constituição de reserva fundiária (estoque de terras);
V – ordenamento de expansão urbana;
VI – constituição de áreas de preservação ecológica ou paisagística;
VII – outras finalidades de interesse social.
Artigo 45 – O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, mencionando o preço desejado para
que o Poder Público manifeste sua opção de compra, no prazo, sem manifestação, entende-se estar o Poder Público
desinteressado da aquisição, podendo o proprietário realizar a alienação conforme o preço previsto.
Parágrafo primeiro – Caso o Poder Público discorde do preço constante da notificação, e nem em composição
amigável com o alienante, poderá requer o arbitramento judicial previsto na lei civil.
Parágrafo segundo – Realizado o arbitramento judicial, a parte que não concordar como o preço poderá desistir do
negócio, responsabilizando o Poder público pelo pagamento das custas.
Parágrafo terceiro – Se a desistência for do Poder Público, o proprietário poderá realizar a alienação de acordo com
o preço previsto inicialmente.
Artigo 46 – No arbitramento do preço, o juiz devera considerar o uso efetivo e estado do imóvel à data da definição
da área de incidência do direito de preempção, não se considerando a valorização decorrente de investimentos
públicos na área ou da alteração da legislação urbanística.
Artigo 47 – A alienação efetuada em desacordo com os preceitos deste capitulo é nula de pleno direito.

Capítulo VIII – Da Regularização da Ocupação dos Terrenos Urbanos

* este capítulo esta sendo objeto de estudo por um grupo de trabalho constituído pelo Ministério do Interiro, que
proporá medidas necessárias de aperfeiçoamento, simplificação e agilização dos instrumentos e procedimentos para
efetivar a regularização fundiária, com as seguintes diretrizes:
- buscar soluções com o objetivo de assegurar a propriedade à população já ocupante de áreas, sempre
buscando não remover as pessoas;
- quanto às áreas públicas, já foi mensagem ao Congresso Nacional dispondo sobre a entrega ao BNH de
terrenos públicos da União e das autarquias federais para execução de programas habitacionais e regularização
fundiária;
- quanto as áreas particulares ocupadas por favelas, a regularização fundiária poderá dispor de diversos
mecanismos já existentes, como o usucapião, a desapropriação e as situações de perda de propriedade por abandono
admitidas em lei.
162

Capítulo IX – Do Sistema Federal de Desenvolvimento Urbano

Artigo 51 – Os órgãos e entidades da administração direta e indireta, responsáveis pelas ações relativas ao
desenvolvimento urbano, constituirão o “Sistema Federal de Desenvolvimento Urbano – SIDURB”.
Artigo 52 – Integram o SIDURB:
I – o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU, criado pelo Decreto nº83.355, de 20 de abril de 1979,
como órgão de decisão superior;
II – a Secretaria Geral do Ministério do Interior, através da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano –
SEDURB, como órgão central;
III – as secretarias gerais dos demais ministérios como órgãos setoriais;
IV – as unidades que, em cada entidade da administração federal direta e indireta, desempenhem as funções de
planejamento, vinculadas ao desenvolvimento urbano, como órgãos seccionais.
Artigo 53 – As superintendências regionais de desenvolvimento deverão atuar conforme as diretrizes da política de
desenvolvimento urbano, objetivando contribuir para a compatibilização ente os programas federais e os estaduais.
Artigo 54 – O órgão central do SIDURB articular-se-á com os Estados, o Distrito Federal, os territórios e os
municípios, no sentido de promover a integração das ações voltadas para o cumprimento das diretrizes da política
nacional de desenvolvimento urbano.
Artigo 55 – O Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU – funcionará com apoio de uma secretaria
executiva, a ser exercida peal Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano – SIDURB.
Parágrafo único – De acordo com a legislação em vigor, é o Poder Executivo autorizado a criar uma fundação de
apoio técnico e cientifico às atividades do CNDU.
Artigo 56 – Incluir-se-ão entre as atribuições do CNDU:
I – propor diretrizes, estratégias, prioridades e instrumentos da política nacional de desenvolvimento urbano;
II - propor aos programas anuais e plurianuais de investimentos e a programação do apoio financeiro oficial ao
desenvolvimento urbano;
III – aprovar a programação e recursos destinados a programas de desenvolvimento urbano, a serem dispendidos pela
União, através de órgãos setoriais do SIDURB, vem como os transferidos aos Estados, Distrito Federal, territórios,
regiões metropolitanas e municípios, especificamente os relativos à habitação, saneamento básico, transportes e
sistema viário, administração metropolitana e municipal;
IV – propor os instrumentos fiscais, financeiros e creditícios;
V – aprovar a programação de estudos e pesquisas relacionadas com o desenvolvimento urbano, bem como o
estabelecimento de convênios e acordos de cooperação técnica com entidades especializadas na matéria;
VI – aprovar os critérios para a definição das categorias especiais;
VII – propor a legislação complementar necessária à elaboração e implementação da política nacional de
desenvolvimento urbano;
VIII – expedir normas e diretrizes relativas ao desenvolvimento urbano.
* Alternativa do artigo 18:
Artigo 18 – Aos municípios, observado o disposto nesta lei, compete:
I – Definir a políticas, estratégias e programas de desenvolvimento urbano.
II – Estabelecer normas e diretrizes, obedecida a legislação federal e estadual, sobre:
a) uso, ocupação e parcelamento do solo;
b) transportes e sistema viário urbano;
c) habitação;
d) saneamento básico;
e) patrimônio cultural e paisagístico;
f) proteção do meio ambiente;
163

g) localização e zoneamento industrial;


III – Elaborar, aprovar e executar os planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
IV – Definir e estabelecer áreas de interesse social, fixando as limitações nelas incidentes.
V – Compatibilizar o planejamento do seu desenvolvimento como os dos Estados e Territórios ou como o da
respectiva região metropolitana ou aglomeração urbana.
164

ANEXO – V

Texto integral da emenda elaborada e defendida pelo Movimento Nacional pela


Reforma Urbana na Assembléia Nacional Constituinte em 1987/198.

EMENDA DA
REFORMA URBANA EM 1988
Capítulo I - Dos Direitos Urbanos
Artigo 1 - Todo cidadão tem direito à condição de vida urbana digna e justiça social, obrigando-se o Estado a
assegurar:
I – Acesso à moradia, transporte público, saneamento, energia elétrica, iluminação pública, comunicações, educação,
saúde, lazer e segurança, assim como preservação do patrimônio ambiental e cultural.
II – A gestão democrática da cidade.
Artigo 2 - O direito a condições de vida urbana digna condiciona o exercício do direito de propriedade ao interesse
social no uso dos imóveis urbanos e o subordina ao principio do estado de necessidade.

Capítulo II – Da Propriedade Imobiliária Urbana


Artigo 3 - Para assegurar a prevalência dos direitos urbanos, o poder público disporá dos seguintes instrumentos:
I – Imposto progressivo sobre imóveis; II – Imposto sobre valorização imobiliária; III – Direito de preferência na
aquisição de imóveis urbanos; IV – Desapropriação por interesse social ou utilidade pública; V – Discriminação de
terras públicas; VI – Tombamento de imóveis; VII – Regime especial de proteção urbanística e preservação
ambiental; VIII – Concessão do direito real de uso; IX – Parcelamento e edificação compulsórios.
Parágrafo único - O imposto progressivo, o imposto sobre a valorização imobiliária e a edificação compulsória não
poderão incidir sobre o terreno até 300m2, destinado à moradia do proprietário.
Artigo 4 - O direito de propriedade territorial urbana não pressupõe o direito de construir, que deverá ser autorizado
pelo poder público municipal.
Artigo 5 - A desapropriação da casa própria somente poderá ser feita no de evidente utilidade pública, reconhecida
em juízo, e mediante plena integral e prévia indenização em dinheiro, de cujo depósito dependerá também a imissão
provisória na posse do bem.
Artigo 6 - O poder público, respeitado o disposto no art. 5 º, pode desapropriar imóveis urbanos para fins de interesse
social, mediante o pagamento de indenização, em títulos da dívida pública resgatável em 20 anos. Essa indenização
será fixada até o montante cadastral do imóvel para fins tributários, descontada a valorização decorrente de
investimentos públicos.
Parágrafo primeiro - A declaração de interesse social para fins da Reforma Urbana opera automaticamente a
emissão do poder público na posse do imóvel o registro da propriedade.
Parágrafo segundo - Por interesse social entende-se a necessidade do imóvel para programas de moradia popular,
para a instalação de infra-estrutura, de equipamentos sociais e de transportes coletivos.
Artigo 7 - A desapropriação dos imóveis necessária à regularização fundiária de áreas ocupadas por comunidades
consolidadas será feita considerando o valor histórico de aquisição do imóvel através de ação judicial, sujeito ao
procedimento ordinário, e cuja sentença, depois do trânsito em julgamento, valerá como título para fins de registro
imobiliário.
Parágrafo único – No cálculo da indenização pelo valor histórico não serão considerados os negócios que,
envolvendo os imóveis desapropriados sejam realizados subseqüentemente à data das primeiras ocupações da área.
Artigo 8 - A valorização de imóveis urbanos que não decorra de investimentos realizados no próprio imóvel mas que
seja proveniente de investimentos do poder público ou de terceiros poderá ser apropriada por via tributária ou outros
meios.
165

Artigo 9 - Cabe ao poder público municipal exigir que o proprietário do solo urbano ocioso ou sub-utilizado promova
seu adequado aproveitamento sob pena de submeter-se à tributação progressiva em relação ao tempo e à extensão da
propriedade, sujeitar-se à desapropriação por interesse social ou ao parcelamento e edificação compulsórios.
Artigo 10 - À União, aos Estados e aos Municípios, visando o interesse social, cabem obrigatoriamente adotar as
medidas administrativas necessárias à identificação e recuperação de terras públicas e à discriminação das terras
devolutas, sendo garantida a participação das representações sindicais e associativas.
Artigo 11 - No exercício dos direitos urbanos consagradas no Art. 1º, todo cidadão que, não sendo proprietário
urbano, detiver a posse não contestada, por três anos, de terras públicas ou privadas, cuja metragem será definida pelo
poder municipal até o limite de 300m2, utilizando-a para sua moradia e de sua família, adquirir-lhe-à o domínio,
independente de justo título e boa fé.
Parágrafo primeiro - O direito de usucapião urbano não será reconhecido ao mesmo possuidor mais uma vez.
Parágrafo segundo - Os terrenos contínuos ocupados por dois ou mais possuidores são suscetíveis de serem
usucapidos coletivamente através de entidade comunitária e obedecerá a procedimento sumaríssimo.
Parágrafo terceiro - Ao ser proposta ação de usucapião urbano, ficarão suspensas e proibidas quaisquer ações
reivindicatórias ou possessórias sobre o imóvel usucapido.

Capítulo III - Da Política Habitacional


Artigo 12 - Para assegurar a todos os cidadãos o direito à moradia, fica o poder público obrigado a formular políticas
habitacionais que permitam:
I – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas em regime de posse ou em condições de sub-habitação; II
– acesso a programas públicos de habitação de aluguel ou a financiamento público para a aquisição ou construção de
habitação própria; III – regulação do Mercado imobiliário urbano e proteção ao inquilinato, com a fixação de limite
máximo para o valor inicial dos aluguéis residenciais; IV – assessoria técnica à construção da casa própria.
Artigo 13 - Compete ao poder público garantir a destinação de recursos orçamentários a fundo perdido para a
implantação de habitação de interesse social.
Parágrafo único – É proibida a aplicação de recursos públicos ou sob administração pública para financiar
investimentos privados assim como a intermediação financeira na obtenção e transferência de recursos destinados a
programa de habitação de interesse social.
Artigo 14 - Lei Federal disporá sobre a criação e a criação e a manutenção de agência que coordenará as políticas
gerais de habitação.
Parágrafo primeiro - As políticas e projetos habitacionais serão implantadas pelo Município de forma
descentralizada, cabendo o controle direto da aplicação dos recursos à população, através de suas entidades
representativas.
Parágrafo segundo - Nas aplicações para compra ou construção de habitação popular não haverá qualquer incidência
de encargos financeiros.
Parágrafo terceiro - Os contratos de compra, venda, cessão, aluguel de imóveis urbanos terão seu pagamento e
forma de reajuste fixados em moeda corrente, sendo vedado o uso de qualquer moeda corrente moeda fiscal ou
cambial.
Parágrafo quarto - As prestações mensais referentes a empréstimos para compra ou construção de habitação própria
não poderão comprometer mais de 20% dos rendimentos familiares.
Artigo 15 - Os índices de reajuste do aluguel residencial e do pagamento das prestações e os débitos de
financiamento dos imóveis serão utilizados com periodicidade mínima de 12 (doze) meses, tendo como limite
máximo o índice de variação salarial.

Capítulo IV - Do Transporte e Serviços Públicos


Artigo 16 - Na elaboração e implantação dos serviços públicos é monopólio do poder público e será realizado através
da administração direta e indireta.
Parágrafo único – Lei ordinária regulamentara o disposto neste artigo, ficando desde já vedado todo e qualquer uso
de recursos públicos operados pela iniciativa privada.
166

Artigo 17 - As tarifas dos serviços de transportes coletivos urbanos serão fixadas de modo que a despesa dos
usuários não ultrapasse 6% do salário mínimo mensal.
Parágrafo primeiro - Lei ordinária disporá a criação de um fundo de transportes, administrado pelos municípios e
Estados para cobertura da diferença entre o custo do transporte e o valor da tarifa paga pelo usuário.
Parágrafo segundo - No reajuste de tarifas de serviços públicos será observada a autorização legislativa e garantida a
ampla divulgação dos elementos inerentes ao cálculo tarifário.

Capítulo V - Da Gestão Democrática da Cidade


Artigo 18 - Na elaboração e implantação de plano de uso e ocupação do solo e transporte e na gestão dos serviços
públicos, o poder municipal deverá garantir a aprovação pelo legislativo e a participação da Comunidade através de
suas entidades representativas, utilizando-se de: audiências públicas, conselhos municipais de urbanismo, conselhos
comunitários e plebiscito ou referendo popular.
Artigo 19 - Fica assegurada a iniciativa popular de leis de âmbito municipal, relativas à vida urbana, mediante
proposta articulada e justificada de cidadãos eleitores em número equivalente a 0,5% do colégio eleitoral.
Artigo 20 - É assegurado a um conjunto de cidadãos, que represente 5% (cinco por cento) do eleitorado municipal,
suspender, através do veto popular, a execução de lei urbana promulgada que contrarie os interesses da população.
Parágrafo único – A lei, objeto de veto, deverá, automaticamente, ser submetida a referendo popular.
Artigo 21 - Fica assegurado o amplo acesso da população às informações sobre planos de uso e ocupação do solo e
transporte e na gestão dos serviços públicos.
Artigo 22 - Na falta da lei, que trate de questão urbana, para tornar eficaz uma norma constitucional, o Ministério
Público ou qualquer interessado pode requerer ao Judiciário que determine a aplicação direta da norma, ou, se for o
caso, a sua regulamentação pelo poder Legislativo.
Parágrafo único – A decisão favorável do Judiciário tem força de coisa julgada, a partir de sua publicação.
Artigo 23 - O descumprimento dos preceitos estabelecidos neste capítulo sujeitará a administração pública à ação
própria, e implicará na responsabilidade penal e civil da autoridade a quem se possa imputar a omissão.
1

ANEXO – VI

Entrevista realizada com o Sr.Ailton Barros de Oliveira, liderança popular da década de


70, integrante do movimento de ocupação da região da freguesia do Ó, concedida em
19/06/2002.

Entrevista

1. Qual era o principal conflito entre esses movimentos populares urbanos e o governo militar?

Ailton - Era a questão da moradia. Foi no bojo do Movimento Contra a Carestia que a luta contra a alta do custo de vida,
que foi possível direcionar este movimento que em princípio começou nas comissões de moradores que lutavam pelas
questões urbanas. E esses movimentos, essas comissões canalizaram para grandes movimentos ligados a questão da
moradia. Foi nessa época que nos tivemos as chamadas ocupações que ainda não tinha na cidade. O que havia até meados
de 70 eram favelas grandes, Heliópolis, Barrafunda na marginal e alguns outros agrupamentos de favelas que eram
palafitas, barracos mesmo! E aí,a partir dessa época teve o envolvimento das pessoas que não podiam mais pagar aluguel,
devido a chamada denuncia vazia que houve na época, o proprietário pedia o imóvel a qualquer momento sem
justificativa já dava denuncia vazia e era obrigado a sair. Não tinha salário para alugar um outro lugar então as pessoas
começaram arrumar as suas próprias formas de ir morar. Então as pessoas se organizaram nesses movimentos, já baseados
no exemplo que foram dados pelas comissões de moradores e aí ocupavam configurando as primeiras ocupações.

2. Quais as principais “ocupações” ocorridas no período?

Ailton - As principais e maiores ocupações se deram entre 78 e 79. Houve a ocupação do Centreville em Santo André, que
foi enorme, gigantesca, com mais de 5 mil pessoas, que culminou numa grande vitória em 1982 quando o governador
Montoro assinou a entrega da área e a construção dos prédios para as pessoas que estão lá até hoje. Houve a ocupação na
zona sul do chamado movimento itupuiapas numa área grande do IAPAS na zona sul com mais de 15 mil pessoas onde
houve uma repressão violenta da policia militar, já no governo do Paulo Maluf. Era uma fazenda que tinha o nome de
Itupu, e Iapas que pertencia ao instituto do antigo inps que é o INSS hoje – Instituto da previdência. Então as pessoas
ocuparam lá. Esse movimento foi vitorioso, se tornou o chamado Conjunto Adventista construído pelo governo do estado
com inúmeros apartamentos, verticalizados, onde hoje se chama Conjunto Adventista Um, Conjunto Adventista Dois,
onde ali moram essas 15 mil famílias que ocuparam e terminaram conseguindo concretizar o seu objetivo. Teve também
na zona leste de São Paulo, a ocupação 1º de outubro, também gigantesca, onde se teve inclusive a morte de um
companheiro, chamado Adão, trabalhador que participava desse movimento, assassinado pela repressão durante a
ocupação, que inclusive foi vitoriosa e o pessoal continua lá até hoje. Nela não se construiu prédios verticalizados, mas as
pessoas permaneceram lá e construíram as suas próprias casas de alvenaria. Atualmente é uma ocupação consolidada,
integrada no perímetro de Guaianazes.
2

3. Além da luta política, existia algum tipo de iniciativa no campo da legalidade jurídica nesse processo das
ocupações?

Ailton - Ela se deu depois. Nessa época, a luta estava mesmo na concretização do espaço. era ocupar
o espaço e construir a casa da maneira que desse, com palafita, com madeira, com tijolo. A partir do
final da década de 80, no bojo dessas lutas vitoriosas foram se dando outras ocupações de áreas
públicas e privadas, e esse é o problema. É aí que então o pessoal começou a pensar em ter uma luta
mais direcionada pela legalização jurídica. Era a chamada regularização fundiária dessas áreas. E isso
organizou vários movimentos que nos participamos, onde você lutava pela regularização fundiárias
das áreas por interesse social, ou seja, a grande maioria das áreas publicas eram áreas de uso
comum. Porque há dois tipos de áreas publicas: a área de uso comum que é todo povo que para ter
outro tipo de uso é passível de lei para que possa transformar em área dominial que permite você
alocar para outras pessoas. E você tinha as áreas desapropriadas que são áreas públicas porque
estão sobre a guarda da prefeitura, mas não áreas de uso comum áreas destinadas a construção de
equipamentos que inclusive foram ocupadas. Só que estas áreas permitiam que você transferência de
posse para as famílias. O poder público pode. Já as áreas de uso comum que era a grande maioria das
áreas ocupadas, já não podiam. Precisava fazer um processo de desafetação dessa área com um
projeto de lei que teria que passar pela câmara municipal. Então estas áreas deixavam de ser de uso
comum para ai então o poder público transferir a posse para as famílias ocupadas. Então esse foi um
processo de luta chamada de regularização destas áreas por interesse social.

4. Qual era o critério para ocupar determinada área?


Ailton - Normalmente o pessoal observava o que era área publica e o que não era. Nesse processo
muitas áreas privadas foram ocupadas também. Mas foram por que achava-se que eram públicas e
depois descobria-se que eram áreas particulares, sendo passível, imediatamente de reintegração de
posse, mediante processo em juízo do proprietário pedindo a reintegração da posse da área. E o juiz
determinava a devolução com liminar, feita com data e hora marcada pela polícia com o oficial de
justiça. Caso as famílias tivessem construído nessa área teriam os seus imóveis derrubados. Então, o
fato de ser área pública dava mais garantias para os movimentos até mesmo negociar as áreas com o
governo. Por exemplo, com o IAPAS, foi negociado assim, com o governo do estado. Como o Instituto
da Previdência é federal, foi uma comissão junto com representantes do governo do estado até
Brasília para discutir uma solução com o ministro da previdência. Então na área do IAPAS, os prédios
adventistas foram vendidos para as famílias que estavam ali. Foi uma negociação entre ocupantes,
governo do estado e governo federal. Isso na época da ditadura militar!

5. E no caso das áreas privadas seria mais complicado?


Ailton Sim, sem dúvida.

6. Portanto, o movimento procurava se orientar para ocupar áreas públicas?


Ailton - Exatamente, às vezes ocupava-se áreas particulares de maneira enganosa porque não tinha certeza se era publica
ou particular, mas jamais se procurava ocupar uma área privada. Sabia-se que viria a reintegração de posse e o pessoal já
teria investido, construído suas casas e perderiam tudo fatalmente. Dificilmente se tinha margem de manobra com o
proprietário. Porém, vale ressalvar que alguns casos de áreas particulares ocupadas tiveram sucesso também. Os
proprietários pediram reintegração de posse mas os advogados dos movimentos propuseram acordo e acabaram fazendo a
venda da área para o pessoal que constituiu uma cooperativa para adquiri-la. Isso ocorreu em algumas áreas.

7. Mas o governo rebatia também com esta argumentação de era área de mananciais, etc?

Ailton - Sim. E aí não abriam negociação nessas áreas.


3

8. Quem eram as pessoas que participavam da ocupação? Famílias, crianças? haviam algum tipo de cadastro das
famílias?

Ailton - Trabalhadores, assalariados dos extremos da periferia, nos chamados rincões, muitas vezes em áreas de riscos e
esse era outro problema. Nesse caso não havia como lutar pela regularização desta área. Cerca de 40% dessas ocupações
se deram em áreas de mananciais o que é pior ainda, em áreas de proteção ecológica, represas, etc.. No cadastro havia
nome, endereço, renda familiar, número de adultos, número de crianças, traçando um perfil sócio econômico da família.

9. Havia algum tipo de cobrança de conduta no próprio movimento?

Ailton - A própria massa que estava participando ali já excluía aquele que por oportunismo já possuíam moradia e vinha
pegar uma outra. E isso ocorria muito. Mas o controle também era efetivo e constante para evitar ao máximo essa situação
dada a própria situação de resistência e enfrentamento das ocupações.

10. Qual a relação dos movimentos populares urbanos com as associações de moradores durante o regime
militar ?
Ailton - Desde meados da década de 30 ate 40 com apogeu em 50 já existiram as chamadas “Sociedade Amigos de
Bairro”, que lutavam por melhoramentos localizados das vilas e regiões da cidade. A partir de 1974, em plena ditadura,
teve o início do “Movimento Contra a Carestia”, que se desenvolveu a partir de um núcleo de mulheres que viviam na
zona leste da cidade em conjunto com outras da zona sul e norte da cidade de São Paulo. Foi então, a partir daí que os
movimentos populares das associações de moradores se fortalecem, tendo seu ponto culminante em 1978 com o apoio da
igreja católica, sobretudo pelos setores mais progressistas como os Franciscanos chamado setor dominicano da igreja
católica, reivindicando melhores condições de vida e servindo de resistência a ditadura.

12. O que foi o Movimento Contra a Carestia?


Ailton - O movimento contra a carestia se deu em função das condições de vida que o povo vivia nessa época, sem
direito a ter voz, participação. Desde 1964 a 1976, 12 anos, onde a partir de 74 movimentos começaram a surgir enquanto
insatisfação generalizada, ganhando mais consistência em 76 de forma mais organizada, exatamente em cima das
condições de vida daquela época, durando até 79, quando se deu a transição para a reorganização partidária. Os salários
estavam arrochados, o custo de vida estava muito elevado, o preço do arroz, do feijó. Havia, inclusive, um slogan que
dizia que o salário subia pela escada e o preço das coisas pelo elevador, uma desproporção muito grande. Uma situação
que levava as pessoas não terem mais condições de pagar aluguel e terem de ir para as ocupações. Não havia outra
alternativa. Ninguém iria ocupar terra enfrentar a repressão porque queria. Então, as donas de casa contavam com o apoio
principalmente da igreja, franciscanos e dominicanos, e organizaram esse movimento através de um abaixo assinado que
obteve 1 milhão e 500 mil assinaturas, um feito fantástico, que foram levadas ao Congresso Nacional em Brasília, e
entregue aos parlamentares por uma comissão de representantes. Somente os abaixo assinados lotaram duas Kombi, em
plena ditadura militar, em setembro de 1978.

13. Essas Associações foram alvo de ações populistas?


Ailton - Sim, esses movimentos foram muito utilizados pelos políticos populistas, já durante a década de 40 e 50, com
força na figura de Ademar de Barros e Jânio Quadros, políticos que se elegeram em cima dessas “Sociedades Amigos de
Bairro”, com caráter bem paternalista, bem assistencialista e bem fisiológico. Porém, em 1976 com o “Movimento Contra
a Carestia” isso foi aos poucos sendo quebrado. Introduziu um movimento novo que eram os movimentos espontâneos
surgidos na periferia no bojo da luta contra a ditadura militar. Houve uma proliferação das chamadas comissões de
moradores que eram grupos de pessoas, homens e mulheres, que moravam nas vilas e lutavam por melhoramentos da sua
rua, pela conquista do posto de saúde, de escola, etc.
4

14. Qual fato marcante poderia caracterizar o enfrentamento desempenhado por estes movimentos ao regime e a
situação política daquele momento?

Ailton - Sim durante a vinda do chamado “governo integração”, do então governador Paulo Maluf. Uma comissão de
moradores, constituída por representantes de 55 Vilas de toda a região da freguesia se organizou e foi despachar com
Maluf durante o seu governo no dia 21 de junho de 1980 por ocasião da sua vinda aqui na Freguesia do Ó. Eram
Parlamentares da oposição, padres, donas de casa, trabalhadores e estudantes levavam suas reivindicações principalmente
era a construção de um pronto socorro na Freguesia do Ó, proposta que unia essas 55 Vilas. De repente, de maneira
inesperada foram atacados violentamente por uma equipe de choque constituídas por militares e paramilitares que não
deixaram essas pessoas se aproximarem da administração regional onde o governador despachava. Este episódio
sangrento, de repercussão até internacional, culminou numa barbárie, onde vários companheiros foram violentamente
espancados e sendo atendidos inclusive por outros hospitais da cidade.. Parlamentares como Benedito Cintra, Sérgio
Santos e Geraldo Siqueira foram também violentamente espancados. Houve todo um movimento de resistência, a igreja,
através de D. Paulo Evaristo Arns, na época ele começava como cardeal da arquidiocese de são Paulo. Daí, o pessoal se
juntou e começou a fazer um trabalho de luta contra o fim do regime militar, do regime de exceção. E a favor da luta pela
eleição direta para governador que culminou com a eleição em 1982 do então governador Franco Montoro já por vias
diretas e ainda tendo a luta pelas eleições diretas em 1985.

15. Qual a relação que existia entre as associações de moradores e os partidos políticos?

Ailton - Nessa época, como fruto do regime de exceção, os partidos tradicionais, constituídos na chamada República
Velha ocorrida na redemocratização de 1945, foram extintos de maneira arbitraria, pelo golpe de 31 de março de 64.
Foram criados dois agrupamentos políticos, dois partidos, a ARENA e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro.
Estas legendas abrigavam lideranças oriundas desses partidos que foram extintos que tinham sua expressão máxima no
MDB na figura do então deputado Ulisses Guimarães presidente do MDB e na ARENA, dentre outras figuras,
sobressaíram-se Paulo Maluf, Delfim Neto e o General Golbey Couto e Silva que era o grande mentor desse
bipartidarismo que perdurou ate 1985. Até 1979, com a reformulação partidária que aí se constituiu o PT. O MDB deixou
de ser movimento e passou a ser partido PMDB. E aí foi o seguinte: os parlamentares vinculados a, de feição mais
progressista, tiveram papel preponderante na ajuda e na retaguarda, na vanguarda destes movimentos. Certamente, sem a
contribuição e a liderança deles dificilmente teria se conseguido caminhar. Sem dúvida nenhuma, a contribuição do MDB
no acompanhamento foi de fundamental importância.

16. Nesse processo, quais os agentes que poderíamos identificar?


Ailton - A população do bairro, a igreja e parlamentares progressistas. Os sindicatos, evidentemente
pelas condições da época, praticamente, não estavam presentes. O que será modificado a partir de 79
com a luta dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC. Ai reside um fato interessante, como os
sindicalistas não tinham espaço para atuar nos sindicatos, eles atuavam com a gente nos bairros.

17. Qual era o perfil, a composição social dos integrantes desses movimentos associação de moradores?
Ailton - Era basicamente a massa assalariada que morava na periferia em péssimas condições de vida, setores de classe
média vinculados a áreas estudantis com elementos oriundos da USP, dentre varias correntes e tendências ideológicas
(“Libelu”, “Caminhando”, “Refazendo”, etc) e intelectuais.

18. Qual era dinâmica de funcionamento, local de reuniões, representação...?


Ailton - Exatamente por ser um movimento, não tinha o caráter institucional. A força dele num primeiro momento vinha
exatamente por isso. Não tinha presidente. Havia coordenadores de associações de moradores. Não lavravam atas, nada
disso. Até porque se vivia numa época difícil e evitava-se de fazer registros de reuniões em virtude do regime que proibia
estas reuniões. É claro que a partir de 1976 já entravamos numa época de distensão política com o governo Geisel, já não
era mais a linha dura do Médici.No entanto, havia muitas precauções em não deixar estas coisas registradas. Então, o
movimento ia muito na base da conversa e da luta. E quando você escrevia alguma coisa, já fazia de forma dirigida para a
pessoa que ia recebe-la sem entrar nos pormenores.
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19. E o Movimento Nacional pela Reforma Urbana?


Ailton - Esse movimento foi uma articulação importante, mas não foi só ele que atuou nessa área. Havia um
movimento mais amplo. Porém, foi muito parcial, , restrita ao campo de atuação de alguns grupos ligados ao PT –
Partido dos Trabalhadores. Na mesma época, havia também a ANSUR – Articulação Nacional do Solo Urbano, os
movimentos da CONAM – Confederação Nacional de Moradores e a própria COBRAM – Confederação Brasileira de
Associação de Moradores, que era um movimento conservador, atrasado mesmo, ligado a direita, constituída durante
o governo Sarney. Foi fundada para contrapor a CONAM e a ANSUR. Nesse do setor comunitário ela disputa com
estes dois segmentos mais a esquerda e centro esquerda. Todos esses grupos, tiveram influencia decisiva nos
mecanismos inseridos no capitulo da política urbana na constituição de 88. A CONAM, foi fundada em 1982, com
hegemonia do PMDB, o primeiro presidente foi Almir de Barros, liderança ligada ao Quércia. Em 1983, foi realizado
o 2º congresso em Brasília onde foi eleito presidente, em 1986 foi eleito João Bosco em Brasília, em 1989 no quarto
congresso no maracananzinho-RJ foi eleito Wladimir Dantas, em 92 em Belo Horizonte. Em 92, em Taguatinga,
cidade satélite de Brasília foi eleito Edmundo Fontes, em 99 ele fio reeleito, e agora em 2002, no oitavo congresso foi
eleito Wander de São Paulo. São Vinte anos de CONAM.

20. Não era esse o perfil da CONAM?


Ailton - O perfil da CONAM era um perfil mais de massa mesmo.

21. Como se dava a unidade e disputa entre estas (três) entidades?


Ailton - Primeiro veio a CONAM, como primeira articulação nacional de fato na questão urbana. As associações de
moradores, base da CONAM, atuam nas cidades, nas áreas metropolitanas, nas questões urbanas. Depois, veio a ANSUR
e a COBRAN em 86 na mesma época. Esta, ligada ao governo Sarney para cooptar as lideranças, com método
assistencialista e fisiológico, com esquemas de entrega de leite e cestas básicas. Portanto, esse foi o objetivo da
COBRAM, cooptar lideranças e dividir a CONAM, esvaziá-la e ser o grande movimento na linha política do governo
Sarney. Mas com o aumento da inflação, a COBRAN foi se acabando com o próprio desgaste do governo Sarney, e
ascensão dos movimentos essa cobrança hoje ela não existe mais.

22. Falta unidade movimento, entre os movimentos e as entidades de representação?

Ailton - Eu acho que poderia ser mais unitário, mas percebo que já existe um grau maior de unidade, e isso é importante.
Diferente de etapas anteriores em que cada um andava no seu caminho. Claro que conjunturalmente, com, por exemplo,
ocorreu no Estatuto da Cidade, na luta pela aprovação do Fundo Nacional para Moradia Popular que, embora, ainda não
tenha sido aprovado. Duas lutas recentes que teve a marca de alto grau de unidade.

23. Quais suas perspectivas para esse novo milênio?


Ailton - Acredito que muitas lutas estão por vir, elas são boas. Se num primeiro momento os caminhos parecem tênues.
Há uma consciência maior nas cidades, as pessoas estão mais preocupadas com a cidade, buscam mais participação,
parece que estão valorizando mais o seu habitat. Com a aprovação do Estatuto da Cidade, com o aprimoramento das
soluções para os problemas urbanos, com uma reestruturação das chamadas leis de zoneamento é possível descaracterizar
a preferência de áreas, unificando em grandes zonas mistas fazendo com que as pessoas circulem menos, possam desfrutar
do convívio da região e de tudo que existe na sua própria região. Uma revisão do código de edificação e obras, que ainda é
uma porta aberta para a corrupção da cidade, um conjunto de leis que cria. Portanto, com um código de obras mais
próximo da realidade do cidadão, onde ele tenha mais conhecimento, caminha-se para acabar com estas leis de anistia,
aprovadas de dois em dois anos, que vem legalizando aquilo que está errado, transformando a cidade num amontoado de
coisas erradas. Temos que facilitar ao cidadão para não fazer errado, com um profissional que o acompanhe no fim de
semana, momento em que ele junto com a família constrói sua casa. Hoje ele constrói tudo errado e recebe a anistia. Tudo
isso somado, temos as perspectivas muitas boas para construirmos ou reconstruirmos, apesar de alguns urbanistas não
concordarem com o termo reconstruir não seja adequado. Mas, o importante construirmos uma cidade com uma outra
qualidade de vida, com uma outra condição sócio-econômica mais justa e ecologicamente mais equilibrada. Uma tarefa
dos arquitetos, dos urbanistas e dos líderes comunitários comprometidos com a mudança e com a transformação para que
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seja possível construir no futuro uma sociedade diferente da que existe hoje, uma sociedade que permite a apropriação
individual daquilo que é produzido por todos de modo desigual.

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