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EDITORA PENSAMENTO
IOGUE WILLIAM ZORN
Tradução de
EUDALIZA DARÉ RABELLO
e
MÁRCIO PUGLIES
EDITORA PENSAMENTO
SÃO PAULO
SUMARIO
CAPÍTULO I - ACERCA DA IOGA MENTAL.................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................7
OS ENSINAMENTOS DA IOGA...............................................................................................7
O MISTÉRIO DO HOMEM........................................................................................................8
QUE SOMOS NOS?....................................................................................................................9
IOGA MENTAL ........................................................................................................................10
AO ESTUDANTE .....................................................................................................................11
CAPÍTULO II - OS SUTRAS IOGUES DE PATANJALI...............................................................13
OS SUTRAS IOGUES DE PATANJALI..................................................................................13
CAPÍTULO III - A IOGA FÍSICA COMO PREPARAÇÃO............................................................24
A POSTURA DE RELAXAMENTO TOTAL (SAVASANA) ................................................24
A POSTURA FÁCIL (SUKHASANA).....................................................................................25
A POSTURA DO RAIO (VAJRASANA) ................................................................................25
RESPIRAÇÃO ABDOMINAL .................................................................................................25
A RESPIRAÇÃO COMPLETA ................................................................................................26
CAPÍTULO IV - PRANAYAMA (RESPIRAÇÃO IOGUE) ...........................................................27
RESPIRAÇÃO RÍTMICA.........................................................................................................27
RESPIRAÇÃO ALTERNADA .................................................................................................28
RESPIRAÇÃO DO SOL (SURYA BHEDANA)......................................................................28
RESPIRAÇÃO VITORIOSA (UJJAYI) ...................................................................................28
RESPIRAÇÃO SIBILANTE (SITKARI)..................................................................................29
RESPIRAÇÃO REFRESCANTE (SITALI) .............................................................................29
RESPIRAÇÃO DO FOLE (BHASTRIKA) ..............................................................................29
RESPIRAÇÃO DE SONS INTERIORES (BHRAMARI)........................................................29
RESPIRAÇÃO DE DESFALECIMENTO (MURCHHA) .......................................................29
CAPÍTULO V - CONCENTRAÇÃO E EXERCÍCIOS MENTAIS .................................................31
EXERCÍCIOS MENTAIS .........................................................................................................32
TRATAKA ................................................................................................................................33
VISUALIZAÇÃO......................................................................................................................33
VIAJANDO A UM LUGAR DISTANTE.................................................................................33
CONTANDO BENÇÃOS .........................................................................................................34
OUVINDO O TIQUE-TAQUE DE UM RELÓGIO.................................................................34
OBSERVAÇÃO ........................................................................................................................34
OBSERVAÇÃO E LEMBRANÇA ...........................................................................................34
PENSANDO NUM OBJETO E EM SUAS ASSOCIAÇÕES ..................................................34
OBSERVAÇÃO DO PENSAMENTO......................................................................................35
DIMINUINDO A ATIVIDADE MENTAL ..............................................................................35
SUPRESSÃO DE PENSAMENTOS ........................................................................................35
CONCENTRAÇÃO NA RESPIRAÇÃO ..................................................................................36
RESPIRAÇÃO CALMA ...........................................................................................................36
CONTANDO RESPIRAÇÕES .................................................................................................36
DIRIGINDO O FLUXO DA RESPIRAÇÃO............................................................................36
RESPIRAÇÃO PRÂNICA ........................................................................................................37
SENTINDO MAIS CALOR OU FRIO .....................................................................................37
CUIDANDO DO PLEXO SOLAR ...........................................................................................37
A RESPIRAÇÃO POSITIVA....................................................................................................37
EXPELINDO CARACTERÍSTICAS INDESEJÁVEIS ...........................................................38
REFLEXÕES NO FINAL DO DIA ..........................................................................................38
RECORDAÇÕES ......................................................................................................................38
REVIVENDO PASSADAS EXPERIÊNCIAS .........................................................................39
DESCOBRINDO O LADO BOM DE UMA OCORRÊNCIA .................................................39
PENSANDO EM ALGUÉM DE QUE VOCÊ NÃO GOSTA..................................................40
PENSANDO EM ALGO DE QUE DESGOSTE ......................................................................40
AUMENTANDO O TAMANHO DO CORPO ........................................................................40
DIMINUINDO O TAMANHO DO CORPO ............................................................................41
FLUTUANDO NO AR..............................................................................................................41
ENCHENDO O CORPO COM AGUA.....................................................................................41
CONSCIENTIZAÇÃO DAS DIFERENTES PARTES DO CORPO .......................................41
O LOTUS NO CORAÇÃO .......................................................................................................42
MANTRAS ................................................................................................................................42
DESPERTANDO KUNDALINI ...............................................................................................43
CONCENTRAÇÃO NO CENTRO DE COMANDO ...............................................................44
MANIPULAÇÃO BINDU ........................................................................................................45
NADA BANDHA ......................................................................................................................45
CAPÍTULO VI - A DISCIPLINA IOGUE NA VIDA DIÁRIA .......................................................46
CAPÍTULO VII – MEDITAÇÃO .............................................................................................49
MEDITAÇÃO EM OM .............................................................................................................50
MEDITAÇÃO SOBRE A UNIDADE.......................................................................................50
QUE SOU EU? ..........................................................................................................................50
EU SOU .....................................................................................................................................51
MEDITAÇÃO SUPRAMENTAL .............................................................................................51
CAPÍTULO VIII – SAMADHI .........................................................................................................52
CAPÍTULO IX - A HERANÇA SAGRADA DA ÍNDIA.................................................................53
CAPÍTULO X - OS UPANISHADS .................................................................................................59
KATHA UPANISHAD .............................................................................................................60
ISA UPANISHAD .....................................................................................................................63
KENA UPANISHAD ................................................................................................................63
PRASNA UPANISHAD............................................................................................................64
MUNDAKA UPANISHAD.......................................................................................................66
AITAREYA UPANISHAD .......................................................................................................67
CHANDOGYA UPANISHAD..................................................................................................69
BRIHADARANYAKA UPANISHAD .....................................................................................74
KAIVALYA UPANISHAD ......................................................................................................77
PAINGALA UPANISHAD .......................................................................................................77
CAPÍTULO XI - O BHAGAVAD GITA ..........................................................................................79
O BHAGAVAD GITA ..............................................................................................................80
CAPÍTULO XII - INTEGRAÇÃO ....................................................................................................90
Leia também.......................................................................................................................................92
CAPÍTULO I - ACERCA DA IOGA MENTAL
INTRODUÇÃO
A mente humana tem sido o objeto de minudentes estudos durante vários séculos.
Através das eras, diversos pontos de vista foram expostos relativamente à
existência, inter-relações, e à verdadeira natureza da mente. Há muitas
maravilhas e mistérios no universo, mas dentre todos, talvez nenhum tão
maravilhoso e mais misterioso que a mente humana.
Já passou o tempo em que a Ioga era vista no Ocidente como algo praticado apenas
por faquires hindus que pareciam deliciar-se caminhando sobre brasas, bebendo
veneno, e reclinando-se em camas de pregos. Esta noção mal compreendida
gradualmente foi superada por um crescente fluxo de literatura iogue objetiva, e
através dos esforços dedicados daqueles que por si mesmos derivaram grandes
benefícios da prática da Ioga e ansiavam por compartilhar com outros sua sorte.
O aspecto da Ioga que goza de maior popularidade no Ocidente é a ciência da
Hatha-Ioga, o ramo da Ioga que trata do corpo físico. As posturas espetaculares
que alguns dos mais avançados expoentes podem executar apenas chamam a atenção.
Logo foi descoberto por aqueles que experimentaram as técnicas da Hatha-Ioga que
um aperfeiçoamento da saúde rapidamente se notava. O que não é tão conhecido
presentemente é que a Ioga é algo mais do que um sistema heterodoxo de se
conseguir boa saúde.
Numa sociedade em que tanta importância se dá à juventude e sua correspondente
boa aparência, e onde fazer dinheiro é visto como uma das empresas mais dignas
de consideração, inevitável seria que em muitas circunstâncias a Ioga fosse
comercializada. Realmente, por vezes, a Ioga já foi apresentada ao público
apenas como um meio de obter beleza corporal, tendo como resultado que pessoas
sérias voltaram as costas para o Ioga, como algo desprovido de profundidade.
Estas pessoas podem surpreender-se ao verificar que a Ioga também inclui um
completo programa de disciplina mental, e que repousa na mais antiga e sublime
filosofia.
Hatha-Ioga é apenas o começo da Ioga. A Ioga do corpo é tão-só uma preparação
para a Ioga da mente. A maioria dos ocidentais inclina-se por acreditar,
especialmente à luz da nascente popularidade da psicologia, que são as únicas
autoridades em mente humana. Entretanto, há milhares de anos, os ascetas hindus
já haviam explorado cuidadosamente a natureza interior do homem. Suas
descobertas são hoje de valor incalculável para aqueles que estão desejosos de
se familiarizar com seus ensinamentos, e que se sentem preparados para pô-los em
prática. Aqui, desde já, chocamo-nos com uma diferença vital entre a psicologia
ocidental e sua filosofia, de um lado, e a psicologia e a filosofia hindu, do
outro. A primeira pode ser discutida numa poltrona, enquanto que a última deve
ser praticada e vivida, para que possa ser inteiramente compreendida.
De início, pode parecer surpreendente que as técnicas que evoluíram há tanto
tempo ainda sejam válidas, na nossa era de descobertas científicas, e dos homens
e mulheres "modernos". Mas, verificando-se mais de perto, descobrir-se-á não ser
tão estranho assim. Ainda somos, como nossos ancestrais, seres humanos. Ainda
estamos, como aqueles que povoaram esta terra antes de nós, cogitando do que
será a vida, e o que realmente somos.
OS ENSINAMENTOS DA IOGA
Para alguns, este é o melhor dos mundos possíveis. Afanosa e alegremente
ocupados com o reino dos sentidos, não têm tempo para reflexão e busca
introspectiva. Para outros, porém, a sabedoria de nossas vias está aberta à
questão. Alguns voltam-se para a religião, achando a paz mental e alegria na
devoção a seu Deus. Outros procuram respostas às suas candentes dúvidas no
estudo da filosofia. Mas, para muitos, a religião e a filosofia ocidental são
consideradas deficientes, pois, nesta era científica, os dogmas religiosos
parecem dar origem a tantos problemas quantos resolvem, ao passo que a filosofia
ocidental não oferece explicação inteiramente satisfatória para o fenômeno da
vida. O homem moderno, em sua tentativa de superar um profundo sentimento de
insegurança, e descobrir ou reter sua própria identidade, está em séria falta de
uma filosofia que possa acomodar as descobertas da ciência e que também possa
responder suas perguntas e ansiedades sobre sua própria natureza.
Hoje, tal como fizemos em tempos passados, o homem exige uma filosofia para sua
vida. A Ioga sempre foi tal filosofia. Seus ensinamentos antigos podem justapor-
se perfeitamente com as idéias hodiernas e modos de vida. Sua aplicação fornece
ao praticante conhecimento e segurança, e prepara-o para todas as
eventualidades. Torna-se tão forte em sua independência, que mesmo a ameaça do
holocausto nuclear não consegue assustá-lo.
A Ioga, em seus aspectos mais elevados, fornece ao homem técnicas bem definidas
para conhecer e dominar a própria mente, bem como uma filosofia monista para sua
reflexão. Como resultado desta disciplina mental e reflexão filosófica, o homem
pode se tornar consciente da essência de seu ser. Neste processo, ele aumentará
tanto sua força de vontade como sua força mental. Sobrepujará seus temores e
ganhará confiança. Aprenderá a concentrar-se. Estabelecerá completo domínio de
seus pensamentos, e despertará as potencialidades que lhe jazem latentes na
mente. Além disso, desenvolverá uma apreciação muito mais profunda da vida, e
encontrará um novo relacionamento com seu próximo.
A Ioga pode ser praticada em qualquer lugar. Não é necessário certamente ir para
o Himalaia e tornar-se eremita, assim como não é necessário visitar a Terra
Santa para tornar-se cristão. A Ioga nos ensina que a Verdade está dentro de
nós. Não importa para onde se viaje, continua necessário olhar e procurar
introspectivamente. A mente pode ser treinada em qualquer lugar. A sublime
filosofia iogue pode ser alvo de meditação a qualquer hora.
Os ensinamentos antigos foram-nos deixados graças aos ascetas hindus. Estes
sábios encontraram a compreensão e a felicidade para si mesmos renunciando à
vida mundana, retirando-se para as florestas, e contemplando profundamente o
interior de suas próprias mentes. Tendo encontrado a chave da sabedoria, nas
profundezas de suas almas, divisaram técnicas efetivas a serem seguidas, que
permitiriam a outros fazerem as mesmas elevadas descobertas. Sua instrução podia
ser seguida por quem quer que se desse a esse trabalho. As disciplinas iogues
propostas pelos mestres antigos precisam ser encetadas voluntariamente. Ninguém
pode ser forçado a fazer isto ou aquilo, também ninguém precisa aceitar algo que
vá contra suas crenças ou arraigadas convicções. Os sábios hindus não estavam
tentando impingir suas idéias a ninguém. "Eis o caminho", diziam. "Segue este
caminho se tens a intenção de descobrir o que és".
Há algo para todos, na Ioga. Algumas pessoas desejarão conformar-se a seus
ensinamentos, tanto quanto o permitam as circunstâncias, sem realmente alterar
seu modus vivendi. Haverá aqueles que encontrarão em suas leituras justamente
aquilo que estavam procurando durante toda a vida. Pode até haver alguns poucos
que encontrarão aqui, expresso nas palavras dos antigos sábios hindus, algo que
eles mesmos já haviam encontrado.
Homens e mulheres de todas as eras, raças e credos podem tirar proveito da Ioga.
Os seus princípios são similares em muitos aspectos aos ideais cristãos que
exerceram tão significativa influência na sociedade ocidental. Muito da Ioga
pode, portanto, ser facilmente compreendido, e prontamente aceito pela maioria
dos ocidentais.
Além do que oferece individualmente ao discípulo, a Ioga proporciona um código
de comportamento ético que, se aceito universalmente, ajudaria a tornar o mundo
algo mais perfeito.
O MISTÉRIO DO HOMEM
A ciência nos fornece uma enorme quantidade de dados sobre o universo. Olhando
para os céus, com nosso recém--adquirido conhecimento, é-nos desculpável um
respeitoso silêncio. O universo parece estender-se ao infinito; se bem que tempo
e distância infinitos nos sejam incompreensíveis. Em momentos como esse, o homem
tende a considerar-se insignificante. Somos igualmente surpreendidos pelo átomo,
infinitamente pequeno. Mas o homem, colhido, como parece, entre o macro e o
microcosmo, tem um corpo engenhosamente constituído por incontáveis
unidadezinhas. É-lhe concedido sentir, pensar, e arrazoar. Ele mesmo é uma das
maiores maravilhas do universo.
O que mantém a unidade do homem? Que é ele? Na procura de respostas como estas,
os homens voltam-se para a religião e a filosofia. Alguns encontram na religião
a resposta para todas as perguntas; outros, mais céticos, secamente rejeitam os
dogmas religiosos. Podemos chegar pela filosofia a uma solução do mistério
humano? Pode um questionamento crítico levar à compreensão? A razão é infalível?
Podemos, em última análise, saber de nossa natureza real? Podemos realmente vir
a saber alguma coisa?
O objeto da epistemologia, ou teoria do conhecimento, ocupou as mentes
filosóficas por milhares de anos. Em 500 a.C., os sofistas já duvidavam que
alguém pudesse realmente saber fosse o que fosse. Conseqüentemente, apresentaram
uma doutrina de sucesso mundano, e ensinaram a seus discípulos a arte de
influenciar pessoas. Desde então, do idealista Platão (427-347 a.C.) ao cético
Hume (1711-1776) e prosseguindo até nossos dias, as mentes perquiridoras de
muitos filósofos consideraram o assunto: Platão sustentava não podermos adquirir
conhecimento através da aprendizagem, e que todo o conhecimento de formas e de
universais já está em nossa mente. Outros pensavam que o homem apenas aprendia
pelo contato com seu ambiente. Logo que um pensador apresentava um conceito
plausível, alguém aparecia com uma crítica e hipótese substitutiva. Através do
que poderíamos considerar uma regularidade monótona, teorias eram postuladas tão
rapidamente quão refutadas. Será esta questão satisfatoriamente respondida algum
dia?
Os grandes problemas da vida foram considerados também pelos filósofos hindus.
Há muito chegaram a respostas que explicavam plenamente a própria essência do
ser. Mais do que isso, inventaram métodos e técnicas através dos quais
posteriores pretendentes ao autoconhecimento poderiam também atingir suas metas.
Esses conhecimentos antigos e estrangeiros podem, acaso, ser aplicados no
Ocidente, onde vivemos em diferentes circunstâncias e onde estamos acostumados a
modos de pensar diversos? Tem-se dito que Oriente e Ocidente jamais se
encontrarão. Tal afirmação é verdadeira ou seria talvez uma falácia? Certa-mente
não é verdadeira do ponto de vista oriental, pois, onde o Ocidente vê
diversidade e conflito, o Oriente reconhece ser possível a unidade. O fato de os
ensinamentos do Oriente poderem ser aplicados aqui, atualmente, tem sido
comprovado por muitos homens e mulheres que hoje vivem na América e na Europa e
que alcançaram, por meio da Ioga, sabedoria e felicidade verdadeiras e
duradouras.
Sócrates afirmou que o dever primeiro do homem é atender à injunção: "Conhece-te
a ti mesmo". Sob julgamento em 399 a.C., sustentou que a vida destituída de
exame não era digna de ser vivida. Essas declarações atravessaram os tempos.
Ainda são da maior importância nos dias de hoje, em que o homem parece diminuído
por suas próprias invenções científicas e pelos riscos, sendo reduzido a um mero
número num mundo de computadores. Seus frenéticos esforços para deixar uma marca
no ambiente físico ameaçam o homem com o perigo da perda de sua mais preciosa
posse : a própria identidade. Podemos bem indagar qual o proveito do espetacular
progresso científico se no fundo permanecemos inseguros. "Qual o proveito de um
homem se conquista o mundo todo e perde a própria alma?"
IOGA MENTAL
Este livro se ocupa de dois ramos da Ioga: Raja Ioga e Jnana Ioga. Devem ser
estudados e praticados conjuntamente, em complementação mútua.
A Raja Ioga, ou Ioga Real, é a ciência do controle da mente. Por meio da prática
de suas técnicas o discípulo aprende a dominar a própria mente; uma vez que
tenha finalmente obtido absoluto controle, poderá experimentar — em profunda
meditação — aquela centelha de Infinito dentro de si que é seu verdadeiro eu.
Jnana significa conhecimento espiritual, e é deste que se ocupa a Jnana Ioga, ou
Ioga do Conhecimento.
O homem possui um princípio eterno dentro de seu ser — chamemo-lo "eu", "alma",
"psique", "espírito", "purusha" ou "atman" — esta é a afirmação dos sábios
indianos. Foi através de prolongada introspecção que estabeleceram contato com
esse eu infinito. Os métodos que empregaram são as técnicas iogues de
tranqüilização da mente. O único critério pelo qual é possível julgar a validade
desses ensinamentos dos sábios hindus é a experiência pessoal: a "prova" de que
o eu existe e pode ser alcançado repousa na descoberta que cada indivíduo faça
de seu próprio eu. Ioga é o termo sânscrito para união. Deriva da raiz verbal
yuj, que significa "emparelhar", "unir". Os vários ramos da Ioga são apenas
diferentes vias de acesso à mesma meta: integração com o Infinito. Na Raja Ioga
a mente é unida ao eu; na Jnana Ioga esse eu, que tão decididamente tem sido
considerado como pertencente ao homem, ou vice-versa, é unido ao Brahman, a Alma
do Mundo. Enquanto a Jnana Ioga investiga a natureza do universo e da alma
humana, considerando tal natureza idêntica, na Raja Ioga o eu é buscado e
diretamente experimentado por meio da meditação intelectual transcendente. Na
Raja Ioga o instrumento utilizado é a vontade e na Jnana Ioga o instrumento é o
intelecto. Isso não significa, entretanto, que a Jnana Ioga constitui um acesso
puramente intelectual. Os sábios estavam cientes que o intelecto tem suas
limitações, que embora leve longe o pensador não pode levá-lo por todo o
caminho. No fim é a mente serena que pode perceber com plenitude. Algumas
pessoas se sentirão a princípio mais atraídas para a prática da disciplina
mental, confiando na intuição preferivelmente ao intelecto. Outras reverenciam
sua capacidade de pensar e se sentem irresistivelmente atraídas para o estudo da
filosofia iogue. Podem-se seguir as próprias inclinações nos primeiros estágios
do exercício, porém logo se descobre que para lograr sucesso na Raja Ioga ou na
Jnana Ioga, ambas as matérias precisam ser praticadas e estudadas
simultaneamente.
AO ESTUDANTE
Se você se decidir a empreender o estudo e a prática da Ioga, descobrirá um
ponto decisivo em sua vida. Há muito a ganhar. Deve-se abordar a coisa
decididamente. Aquele que tem fé triunfa. De início, poder-se-á não perceber
total-mente a magnificência do objetivo final — não é possível ainda apreciá-lo
plenamente. Todavia, à medida que se progride fica-se cada vez mais ciente dele.
Embora sua conquista definitiva possa parecer distante nessa fase, é mister
lembrar que todas as jornadas longas começam com o primeiro passo. Portanto que
se comece do começo.
Em muitas das escrituras antigas, adverte-se ao discípulo que encontre um mestre
particular, um guru. Tal coisa não é mais necessária. Devido ao fato de haver
pouquíssimos livros e poucas pessoas capazes de ler, os ensinamentos sagrados
foram comunicados oralmente por muitos séculos, sendo registrados em forma
escrita somente depois de um milênio. Atualmente, quando tantos livros que
contêm os clássicos são facilmente disponíveis, a necessidade dum mestre
particular foi eliminada. A palavra escrita é o melhor dos gurus. Os grandes
mestres nos falam diretamente através dos livros.
O exercício mental encerrado na Ioga terá por resultado a transformação da
personalidade. Considere-se, portanto, o efeito que isso pode acarretar às
pessoas que lhe são próximas. O estudante da Ioga deveria viver harmoniosamente
com todos que o cercam e demais pessoas. Deveria evitar perturbar os outros.
Não há um tempo estabelecido de prática que se exige. Para alguns o sucesso virá
somente após longa luta, enquanto que para outros a realização poderá demorar
menos. Depende muito do modo de vida anterior de cada um; uns se apresentam mais
preparados do que outros.
O caminho que você está prestes a seguir foi organizado meticulosamente por
mestres do passado especialmente para você e seus semelhantes. Desde a
antiguidade, milhares e milhares de pessoas trilharam o caminho. Muitos milhares
de seres humanos o trilham mesmo agora, e um número incontável caminhará por
essa mesma estrada no porvir. A medida que você possa viajar, todos esses
pretendentes estarão com você em espírito.
A investigação da Ioga pode ser vista como a escalada duma montanha que atinge
os céus. Uma vereda que conduz ao alto foi construída pelos grandes sábios, os
quais deixaram sinais de orientação ao longo do caminho. De pé no vale, o
alpinista em perspectiva contempla tomado de um misto de emoção e admiração o
elevado cume que brilha alvo contra o céu azul. Alegremente, inicia a ascensão.
Logo descobre a existência de muitos obstáculos que devem ser vencidos. Amiúde,
a trilha apresentar-se-á abrupta e dominada por rochas. Todavia, não importa
como o viandante esteja equipado e quão difícil possa achar a subida, extrairá
grande auxílio dos rumos deixados por aqueles que o antecederam. Se perseverar,
alcançará finalmente, graças ao auxílio desses, o alto. Durante as caminhadas,
poderá sentir-se fatigado e desejoso de sentar-se para repouso. Haverá vários
pontos convenientes em que será possível descansar por algum tempo e ver a
distância já percorrida. Isso lhe outorgará nova força e confiança. Descansado e
disposto, levantar-se-á e empreenderá novamente a caminhada em direção a sua
meta, aproximando-se desta a cada passo.
Na atmosfera rarefeita das alturas respirará profundamente o ar puro. Do cume
contemplará o panorama estendido abaixo de si como alguém que tudo conquistou.
Aquele que conquista a Ioga é recebedor da maior das dádivas: possuirá profundo
conhecimento espiritual e se livrará da noção errônea segundo a qual ele é um
ente finito, só. Descobrirá que realmente é um ser absoluto, infinito.
CAPÍTULO II - OS SUTRAS IOGUES DE PATANJALI
Não se sabe ao certo quando viveu Patanjali, mas em geral se supõe que tenha
sido por volta de 300 ou 200 a.C. Nosso presente conhecimento de datas relativas
a acontecimentos e personalidades da história indiana remota é ainda bastante
vago.
Três livros são atribuidos a Patanjali. Um constitui um trabalho de gramática,
intitulado Patanjala Bhashya. Outro é Charaka, um trabalho de medicina.
Finalmente, há os Sutras da Ioga, ou Aforismos da Ioga, os quais constituem o
manual de Raja Ioga. Os Sutras da Ioga são considerados como a mais alta
autoridade no assunto e estão entre os mais importantes textos clássicos da
literatura iogue. Numa série de aforismos extremamente condensados, quase
duzentos ao todo, divididos em quatro capítulos, Patanjali explora a mente
humana e estabelece regras estritas para seu controle. Todavia, os aforismos, ou
sutras, não representam fácil leitura. Deve-se compreender que além de ser um
trabalho antiqüíssimo, escrito numa linguagem que contém palavras para as quais
não temos equivalentes exatos, os Sutras da Ioga não são dirigidos a
principiantes, porém mais àqueles já familiarizados com a Ioga.
O principal tema abordado por Patanjali é a técnica de controle da mente a ser
praticada por sadhakas, ou aspirantes, desejosos de auto-realização; mas seus
ensinamentos a esse respeito são circundados por uma massa de especulações
religiosas, metafísicas e do oculto. Neste livro, esses aforismos foram
selecionados e organizados considerando-se o estudante interessado na prática
efetiva. Evitaram-se complicações técnicas e problemas alheios ao nosso
interesse, e cada sutra foi vazado em fraseologia moderna. Em tal apresentação o
estudante encontrará um programa objetivo e eficiente que conduz ao usufruto do
controle perfeito e, finalmente, à conquista do estado super-consciente, de
samadhi.
Compete inteiramente a cada estudante determinar até que ponto deseja proceder a
esse exercício mental. A ciência da Raja Ioga oferece um programa amplo,
impossível de concluir com muita presteza. O estudante deverá ser hábil no
domínio das técnicas mais simples antes de se preocupar com métodos mais
avançados. A medida que caminhar na Ioga, sua mente se alargará e ele será capaz
de fazer e compreender mais do que anteriormente julgava possível.
Tendo em vista a exploração e o domínio da mente, o estudante deverá considerá-
la meramente como outro órgão — pensar nela como um sexto sentido, diríamos.
Deverá dizer a si mesmo que sua mente lhe está sujeita, que por meio da vontade
poderá fazê-la obedecer a seu comando. No momento devido, será capaz de exercer
completo domínio e controle sobre a mente, tal como "o auriga controla seus
cavalos indóceis".
O praticante da Ioga mental desde o início de seu treina-mento alcançará
valiosos benefícios. Na vida cotidiana sua mente funcionará com maior
eficiência. A prática das várias técnicas mentais levará a um completo
atenuamento da tensão nervosa e à promoção da estabilidade emocional. E os
benefícios não se restringirão à mente, pois a condição do sistema nervoso tem
uma grande influência no corpo físico.
A Ioga pode transformar o estudante, mas somente pode fazê-lo para melhor, já
que estabelece os fundamentos duma personalidade verdadeira e permanente.
I,3 Aquele cuja mente está de todo serena torna-se ciente de sua verdadeira
natureza.
Neste sutra Patanjali indica tanto o propósito da Raja Ioga quanto o meio para
que a meta seja atingida. A Raja Ioga é praticada com o fito de se descobrir e
experimentar a própria natureza essencial. A técnica empregada é a da serenidade
mental. Os sutras seguintes esclarecem como a absoluta serenidade da mente pode
ser efetivada.
Via de regra, a mente permanece ocupada com o registro da torrente constante de
mensagens dos sentidos, com a observação dos múltiplos eventos que nos rodeiam
de forma imediata e com o pensar de várias idéias. U'a mente de tal modo ativa
não está em condições de se tornar ciente do que repousa além de si mesma.
Apenas com a cessação de todas as funções mentais pode o espírito, que como
ensina a Ioga é inerente ao homem, resplandecer. Isso acontecerá no último
estágio da educação iogue, quando o estado superconsciente do samadhi foi
alcançado.
Numa analogia freqüentemente citada, a mente é comparada a um lago e os
pensamentos na mente às ondas do lago. Quando a água se encontra agitada, não se
pode ver o fundo do lago. Somente quando a água está perfeitamente tranqüila
torna-se clara como cristal e apenas então o fundo do lago pode ser visto. O
mesmo sucede com a mente. Como não se pode ver através da água agitada, do mesmo
modo não é passível ver o que está além do pensamento com uma mente carregada de
pensamentos. Quando a mente serenou por completo, o homem pode tornar-se ciente
do que realmente ele é.
I,21 0 sucesso na Ioga é alcançado muito mais rapidamente por aqueles que mais
firmemente o desejam.
Quanto mais intenso for o desejo de sucesso, com muito maior brevidade será
alcançado. Eis uma verdade válida para quase todos os empreendimentos.
I,22 0 grau de sucesso na Ioga depende de como a pessoa tenta alcançá-lo: pouco,
moderada ou intensamente..
O estudante de Ioga não é ameaçado com a condenação em caso de empenho
insatisfatório. Simplesmente ficará desejoso de progredir (em termos iogues) e
será considerado incapaz para ensinamentos mais avançados. As regras a seguir
estão estabelecidas como padrões pelos sábios antigos, e seu uso é totalmente
facultativo ao estudante. Se seus esforços forem apenas medíocres, ficará preso
ao jogo da natureza e em ignorância espiritual.
I,33 A mente se acalma à medida que se adote uma atitude benevolente em relação
à felicidade, compassiva frente à miséria, alegre para com o bem e indiferente
ao mal.
'Discute-se neste sutra a maneira pela qual se pode adquirir tranqüilidade da
mente. O estudante está mormente interessado, neste estágio, na obtenção e
manutenção de seu equilíbrio mental. A alegria ou depressão por algo ocorrente
no mundo exterior, ou porque algo o atingiu, faz com que crie uma perturbação
mental. A vida prossegue em meio a dores e alegrias, e o estudante não deve se
envolver excessivamente nisso, pelo menos no estágio atual. Terá que operar uma
mudança pessoal antes de se propor a mudar o mundo.
II,4 Avidya é responsável por outras causas de miséria, sejam latentes, pouco
perceptíveis, dispersas ou esmagadoras.
A ignorância, ou avidya, não constitui a ignorância das coisas do mundo, mas a
ignorância espiritual. Quando o homem percebe que não é uma entidade pequena e
solitária perdida na imensidão do universo, mas parte integrante de Uma Vida, as
obstruções causadoras da dor são destruídas.
II,11 As manifestações dos cinco klesas, podem ser suprimidas pela meditação.
Através da meditação podem-se afastar da mente as cinco obstruções eventuais
causadoras da dor. Deve-se refletir seria-mente acerca da origem, manifestações
e significado dos cinco klesas. Assim que os klesas tenham sido isolados, ou
passem simplesmente a ser encarados como perturbações, sua influência
perturbadora passará a ser nula.
II,10 As sementes dos klesas se podem conquistar pela dissolução delas em seu
estado causal.
Pela meditação os klesas podem-se tornar inativos, mas não serão totalmente
destruídos. Depois de certo período de tempo, podem ressurgir no campo da
consciência. Enquanto existir avídya, ou ignorância espiritual, os klesas,
enraizados na avidya, permanecem como perigos em potencial. Na auto-realização a
avídya desaparece, juntamente com todos os klesas.
II,29 Os oito passos da Ioga são: yama, niyama, asana, pranayama, pratyahara,
dharana, dhyana e samadhi.
Yama — Abstenção
Niyama — Observância Pranayama — Controle respiratório
Pratyahara — Retração dos sentidos
Dharana — Concentração
Dhyana — Meditação
Samadhi — Identificação
A Raja Ioga, como qualquer outra ciência, requer preparação e segue seu método
próprio.
Yama e Niyama são disciplinas morais e constituem os primeiros requisitos da
busca da perfeição.
Asana e Pranayama pertencem ao campo da Hatha Ioga (Ioga física).
Dharana, dhyana e samadhi formam a Ioga interna, ou Ioga mental, às quais se
pode acrescentar pratyahara.
Nos sutras seguintes, cada um destes tópicos é tratado, alguns com mais, outros
com menos minudência.
II,30 Yamas são o não-ferir (O termo não-ferir é a tradução de ahimsa que pode
significar, como em Gandhi, amor. Cf. Gandhi, Cartas a Ashram. - Nota do
Tradutor), a castidade, a não-ganância, a veracidade e a abstenção do furto.
Os cinco yamas, ou abstinências, constituem o primeiro degrau da escada da Ioga.
Aliados aos cinco niyamas, ou observâncias, descritos em II, 32, formam um
código ético de padrão bastante alto ao qual o estudante deve se dedicar com
todo seu conhecimento e habilidade. É impossível conseguir sucesso válido e
duradouro em Ioga vivendo-se em discordância com essas abstinências e
observâncias. Se não podem ser seguidas ao pé da letra deve-se tentar seriamente
atingir a idéia nelas contida.
Não-ferir (ahimsa)*. O primeiro princípio, fato mui significativo, é o do não-
ferir. O estudante de Ioga deve evitar causar o mal a outro homem ou animal em
pensamentos, palavras ou obras. O sofrimento físico ou mental causado a outros
infringe a primeira regra da Ioga. A medida que progride, o estudante aprende a
ver a unidade da vida e desenvolve profundo amor por todas as criaturas
inversamente a querer causar-lhes mal.
Castidade (bramacharya). Castidade absoluta só é possível ou desejável para
poucas pessoas. Aqueles que se sentirem obrigados à abstinência sexual absoluta
devem fazê-lo. Aqueles que se sentirem obrigados, seja por temperamento ou
circunstâncias, a realizar o ato sexual devem evitar um abuso em ações e
pensamentos luxuriosos. Devem tentar evitar seu apetite sexual como qualquer
outra coisa. O sexo, como outro aspecto ida, é uma grande maravilha e deve ser
apreciado como tal. Quem pratica o ato sexual deve fazê-lo com sentimento de
respeito e humildade.
A não-ganância (aparigraha). Temos certas necessidades vitais, mas há um limite.
Muitas pessoas desejam muito mais do que precisam e na maioria das vezes querem
coisas simples-mente pelo desejo de possuí-las. Eis o que se deve superar. Os
desejos egoísticos têm sido, e serão, a causa da infelicidade individual e do
mundo. O estudante de Ioga deve tentar elevar-se acima da miséria —
característica causadora da ganância. Nunca terá a mente tranqüila enquanto
abrigar pensamentos egoísticos.
A veracidade e abstenção do furto são virtudes morais cujo valor é evidente.
I,41 Assim como o cristal puro toma a cor daquilo que o rodeia, na mente em que
foram afastadas as distrações, conhecedor, conhecimento e conhecido tornam-se
unos.
A aproximação usada neste sutra ilustra o que acontece no estado de samadhi. Se
colocarmos um cristal sobre uma superfície vermelha ele parecerá vermelho. Se
for uma gema sem jaça, ficará, pelo menos aos nossos olhos, completamente
absorvida pelo que a rodeia. Processo similar acontece na mente durante o
samadhi. Ficará "colorida" pelo seu objeto de meditação. Na existência de
imperfeição na mente — impureza ou distração — haverá distinção entre o objeto e
a mente e será impossível completa absorção ou identificação.
III,7 Dharana, dhyana e samadhi são internos tendo em vista os cinco passos
anteriores.
Os cinco passos iniciais da Ioga — abstenção, observância, postura, controle
respiratório e retração dos sentidos — são chamados de estágios externos ou
bahira anga. Os três últimos — concentração, meditação e identificação — são
chamados de estágios internos ou antara anga. Ioga mental é chamada, portanto,
algumas vezes de antaranga ou Ioga interna.
III,8 Mesmo dharana, dhyana e samadhi são externos em relação a nirbija samadhi.
Patanjali distingue várias formas de samadhi. Se a concentração teve início num
objeto, concreto ou abstrato, o samadhi resultante é chamado de subija samadhi
ou samadhi com "semente". A semente, ou bija, é o objeto. O conhecimento obtido
em sabija samadhi quanto ao objeto de concentração, diz Patanjali (I, 49), é
mais elevado que o conhecimento obtido pelo raciocínio ou testemunho. A
impressão causada na mente durante o sabija samadhi é mais forte que outras
impressões (I,50).
Em nirbija, ou samadhi "sem semente", existe apenas consciência e total
consciência dessa consciência na mente treinadíssima e alerta. São suprimidas
até mesmo as impressões resultantes de sabija samadhi (I,51).
Para atingir nirbija samadhi, o mais alto dos dois, deve-se ter a capacidade de
manter a mente em prolongado estado de ausência de pensamento, sem nenhum
esforço. Para adquirir essa habilidade, a mente deve passar primeiro por um
processo denominado nirodha parinama, que será explicado no próximo sutra.
RESPIRAÇÃO ABDOMINAL
A respiração abdominal, ou diafragmática, é a maneira pela qual você costumava
respirar quando bebê. Sua memória não é capaz de retroceder tanto assim. Você
provavelmente terá esquecido a ação respiratória original e natural e terá,
portanto, que aprendê-la novamente. As mulheres acharão um pouco mais difícil
que os homens o domínio dessa técnica respiratória benéfica.
O diafragma é um músculo grande em forma de cúpula que separa o tórax do abdome.
Quando parado, assemelha-se a um domo sobre o abdome. Quando o músculo é
contraído pressiona os órgãos abdominais para baixo e estes forçam o abdome para
fora, inflando-o como uma "grande barriga". O benefício fisiológico da
respiração diafragmática é que, além de proporcionar boa quantidade de ar fresco
ao sistema, massageia suavemente todos os órgãos abdominais, auxiliando,
portanto, a circulação sangüínea na região.
No início, a maneira mais fácil de praticar a respiração abdominal é deitar-se
de costas sobre o chão. Nenhuma roupa apertada deve ser usada. Coloque os dedos
sobre o abdome. Inspire fundo e tente, ao mesmo tempo, empurrar os dedos
pousados sobre o abdome para cima, tanto quanto for possível, com o abdome.
Expire devagar deixando que seus dedos desçam junto com o abdome, inspire
novamente, então, empurrando os dedos para cima. Continue assim durante algum
tempo sempre respirando profunda e calmamente. Quando obtiver facilidade nesta
prática, descanse os braços ao longo do corpo e tente empurrar o abdome para
cima, conforme você inspira, sem ter os dedos apoiados sobre ele. Quando tiver
dominado eficientemente esta técnica, tente praticá-la sentado e depois em pé.
As pessoas com tendência à asma encontraram na respiração abdominal um método
respiratório muitíssimo benéfico.
A RESPIRAÇÃO COMPLETA
Na respiração completa todo mecanismo respiratório entra em ação. Cada músculo
respiratório é usado e cada célula aérea dos pulmões enche-se de ar vital. A
respiração completa é combinação de três métodos respiratórios: respiração
abdominal, respiração torácica e respiração superior. Uma vez dominada a
respiração abdominal, você estará pronto para começar a respiração completa. Seu
aprendizado é mais fácil quando se está deitado; depois poderá ser praticada
estando você sentado, em pé ou até mesmo caminhando.
Deite-se de costas com os braços esticados ao longo do corpo. Primeiramente
respire abdominalmente de forma profunda. Depois continue a inspirar enquanto
expande profundamente o tórax. Neste estágio o abdome baixará de novo, mas é
assim que deve ser. Simplesmente esqueça do abdome enquanto estiver expandindo o
tórax. O terceiro estágio, a respiração superior, é feito por leve elevação dos
ombros e clavículas. Prenda a respiração durante alguns segundos, expire
vagarosa e uniformemente, sem prestar atenção particular aos ombros, tórax ou
abdome.
A inalação é contínua, embora no início a respiração completa consista em três
movimentos distintos. Gradualmente os movimentos encadear-se-ão uns aos outros,
produzindo no corpo um movimento semelhante ao das ondas.
Os benefícios da respiração profunda não são apenas fisiológicos, mas também
psicológicos. A respiração profunda contribui para afastar temores, preocupações
e ansiedades. Há um estreito relacionamento entre a ação respiratória e o estado
da mente. Quando estamos nervosos, respiramos mais rápido. Revertendo o processo
— respirando com mais vagar propositadamente — poderemos acalmar a mente. Há uma
crença indiana que seria interessante lembrar. Assegura que o homem ao nascer é
aquinhoado com certo número de respirações e, conseqüentemente, respirando mais
devagar viverá mais tempo. Há grande sabedoria nesta simples idéia.
CAPÍTULO IV - PRANAYAMA (RESPIRAÇÃO IOGUE)
Pranayama é o termo sânscrito para as técnicas respiratórias iogues. A palavra
significa domínio, ou controle, das três partes da ação respiratória: inalação,
retenção e exalação.
A respiração está intimamente relacionada com a mente. Quando nos concentramos
com intensidade em algo — som repentino, por exemplo, ou pensar profundamente —
a respiração fica inconscientemente suspensa. Descobrimos também que, quando a
mente é afligida por medo ou raiva, a respiração se torna irregular e rápida.
Cada um desses exemplos demonstra que a respiração e a mente são
interdependentes. "Quando a respiração se move, a mente também se move" (Hatha
Ioga Pradipika, II,2). Para controlar a atividade incessante da mente, o
estudante de Ioga deve aprender a regular a respiração.
Se o estudante for capaz de se sentar confortavelmente numa postura firme e
tiver aprendido a moderar seus hábitos alimentares, poderá começar a praticar
pranayama.
A superfície sobre a qual se sente não deve ser muito dura, a fim de
proporcionar conforto. Os exercícios respiratórios iogues não devem ser
praticados durante algum tempo após as refeições.
As fossas nasais devem estar limpas. Isto pode ser feito com um lenço ou então
mais tradicionalmente pela inspiração de água através de cada narina,
utilizando-se a mão em concha ou uma tigela. A água é inspirada por uma narina
até chegar à garganta e então é expelida pela boca. Esta prática é valiosa na
prevenção de resfriados e para aclarar a cabeça, e seria bom que o estudante a
realizasse todos os dias. No início, a água ao tocar a parte súpero-posterior
das fossas nasais, pode causar uma sensação estranha, mas logo acostuma-se a
isso. Pode ser realizada enquanto se toma banho; quando a cabeça estiver
levemente inclinada para trás, a água penetrará no nariz. As pessoas que sofrem
de sinusite não devem se utilizar de tal técnica.
Segundo o Hatha Ioga Pradipika (II, 39), o principal tratado sobre Hatha Ioga, a
prática regular do pranayama ajuda o estudante a superar todos os temores, mesmo
o temor da morte. Todavia a prática de pranayama não deve nunca ser forçada. O
Hatha Ioga Pradipika adverte: "Assim como o leão, o elefante e o tigre são
amansados gradativamente, a respiração deve ser controlada aos poucos, do
contrário, mata (prejudica)o praticante." (11,15).
A advertência é bastante clara: você nunca deve se forçar quando pratica
pranayama. Svatmarama, autor do trabalho acima citado, declara posteriormente:
"deve-se exalar o ar com cuidado; inalá-lo cuidadosamente; retê-lo com
precaução". (II, 17).
Durante a respiração iogue, os pulmões não ficam completamente vazios — afinal
de contas, ar significa vida. A este respeito declara-se com firmeza: "Enquanto
houver ar no corpo, há vida". (II, 3).
No pranayama a proporção entre inalação e exalação é de 1 para 2. Em outras
palavras, a exalação é sempre duas vezes maior que a inalação; se a inalação
dura dois segundos, a exalação dura quatro. Nunca se prende a respiração a ponto
de provocar desconforto. Se a retenção causar o mínimo desconforto, o propósito
da prática do pranayama malogra. Para estabelecer uma proporção correta entre
inalação, retenção e exalação, o estudante deve praticar a respiração rítmica
durante algumas semanas antes de tentar dominar os pranayamas.
RESPIRAÇÃO RÍTMICA
Os principiantes podem começar praticando inalação, retenção e exalação na
proporção 1 : 2 : 2. Inspire profunda-mente durante dois segundos, retenha a
respiração durante quatro; exale lentamente durante quatro segundos. Quando isto
se torna fácil, você pode inspirar durante três segundos, prender a respiração
durante seis e exalar durante seis segundos. Ao invés de contar mentalmente os
segundos, você pode contar as batidas cardíacas segurando o pulso.
Os estudantes mais avançados devem almejar uma proporção de 1 : 4 : 2 entre
inalação, retenção e exalação. Se a inalação durar dois segundos, a retenção
deve durar oito e a exalação quatro. Depois, a inalação pode durar três
segundos, a retenção doze e a exalação seis. A duração de cada parte da
respiração pode ser gradualmente aumentada até que a proporção 1 : 4 : 2 seja
mantida e a retenção seja de sessenta e quatro segundos (sendo a duração da
inalação e exalação, respectivamente, de dezesseis e trinta e dois segundos) .
O termo sânscrito para inalação é puraka; para retenção; kumbhaka; para
exalação, rechaka. Em lugar de contar segundos ou pulsações, o estudante deve
ser capaz de recitar mentalmente as sílabas das palavras sânscritas acima
citadas. Ao inspirar, recite vagarosamente pu-ra-ka; enquanto retém o ar, recite
mentalmente quatro vezes kum-bha-ka; enquanto expira, recite duas vezes re-cha-
ka. Com a prática, o número de repetições pode ser gradativamente aumentado.
RESPIRAÇÃO ALTERNADA
Tradicionalmente, o estudante recebe a advertência de que deve praticar
respiração alternada antes de realizar quaisquer outros pranayamas. A respiração
alternada também é altamente recomendável como método para acalmar os nervos.
Na respiração alternada inalamos e exalamos pela narina esquerda e direita
alternadamente. De início experimente a seguinte técnica para fechar cada uma
das narinas: coloque o dedo indicador e médio da mão direita ao longo do nariz
de tal forma que este fique comodamente fechado pela pressão do polegar contra o
lado do nariz, e a narina esquerda pela pressão exercida pelo mínimo e anular.
A respiração alternada tem início com a inspiração apenas pela narina esquerda.
As narinas ficam firmemente fechadas e a respiração presa segundo a habilidade
do praticante. A mente permanece fixa no espaço entre as sobrancelhas. Quando
for desconfortável manter a respiração presa, o ar é lentamente expelido apenas
pela narina direita. Assim que a exalação se tiver completado, inspira-se
profundamente pela mesma narina, isto é, pela direita. A retenção da respiração
é seguida pela exalação e inalação pela narina esquerda, e assim por diante.
Expire e inspire sempre por uma só narina, prendendo o ar pelo tempo que lhe for
possível e confortável; depois, expire e inspire pela outra narina e continue
assim quanto desejar.
Respiração alternada e rítmica podem ser combinadas num só exercício.
EXERCÍCIOS MENTAIS
É aconselhável, primeiramente, praticar os exercícios mentais sob circunstâncias
as mais favoráveis. Deve-se estar sozinho e seguro de não ser perturbado durante
algum tempo. Não deve haver corrente de ar no quarto; a luz não pode ser muito
forte; a temperatura deve ser agradável. O quarto deve, de preferência, ser
escassamente mobiliado, e, se possível, deve-se sentar voltado para uma parede
nua. A maioria dos exercícios realiza-se com mais facilidade de olhos fechados.
Não se deve praticar logo após uma lauta refeição, porque os efeitos imediatos
da alimentação excessiva são um leve desconforto e sonolência.
muito difícil ao iniciante sair do ritmo corrido e apressado da vida do mundo e,
sem período algum de transição, entrar no mundo da mente. Portanto, se você é
estudante de Ioga física, pratique-a antes de começar as técnicas mentais. Se
não, é ainda aconselhável praticar um pouco de relaxamento físico primeiro,
fazer alguns exercícios de respiração profunda e estira-mento (depois de haver
atendido às exigências do sistema excretor). Não é bom, pelo menos para os
iniciantes, realizar exercícios mentais quando estejam física ou mentalmente
cansados. A concentração exige muito. A mente não deve, outrossim, estar ocupada
com problemas emocionais ou mundanos. Os exercícios mentais são precedidos por
pranayama, ou respiração iogue. A regularidade da respiração aquieta a mente.
Quando se sente que a mente está calma o bastante, chegou o momento adequado.
Após a prática do pranayama não mais se dá atenção à respiração.
A postura deve ser firme e confortável. Se a mente se conturbar com dores e
sofrimentos do corpo, ou mesmo leves desconfortos, a concentração será
extremamente difícil. Alguns conseguirão assumir sem desconforto a postura
fácil, ou sukhasana, o que será de bastante utilidade. Outros acharão a postura
do raio, ou vajrasana, mais agradável. Outros poderão sentar-se num banquinho
sem encosto, mantendo a cabeça erguida, costas retas e pernas unidas. Os pés
ficam firmemente apoiados no chão, as mãos descansam sobre as coxas. Pode-se,
igualmente, tentar praticar alguns exercícios mentais deitado de costas em
savasana.
De início, os exercícios de concentração não podem ser praticados durante
período muito longo. As primeiras sessões devem durar aproximadamente dez
minutos, não mais. Como algumas pessoas são capazes de se concentrar por
períodos de tempo mais longos que outras, não há limite de tempo pré-
estabelecido.
Deve-se praticar com grande diligência. A intensidade do esforço é muito mais
importante que a duração da prática. Sugere-se certa ordem nas técnicas, mas
pode-se começar com qualquer exercício. Todo o tempo pode ser despendido na
prática de um único exercício, ou podem-se fazer vários numa mesma sessão.
Dominando-se, até certo ponto, determinado exercício mental, pode-se iniciar o
seguinte. É melhor continuar a praticar o exercício selecionado até conseguir
determinado grau de sucesso. A duração de cada exercício será aumentada
gradualmente.
TRATAKA
Trataka, ou contemplação, é um exercício benéfico e bastante praticado. E um dos
seis kriyas, ou obrigações purificadoras, e ajuda a acalmar a mente.
Olha-se, sem piscar, para um ponto ou objeto pequeno durante um ou dois minutos,
ou pelo maior tempo possível sem tensionar os olhos e os músculos oculares.
Quando for incômodo, será melhor fechar os olhos e descansá-los, e então repetir
o exercício, do que manter a atenção fixa nele durante muito tempo. Estas
instruções são válidas para todos os exercícios
dos olhos. Com a prática, a duração de cada período de observação pode ser
aumentada consideravelmente.
Pode-se também olhar fixamente para a ponta do nariz. Este antigo método ajuda a
fortalecer os olhos. Envesgamentos ocasionais, não prejudicam os olhos, como
habitualmente se pensa, mas, ao contrário, são de grande proveito.
Semelhante ao olhar nasal é o frontal, no qual dirigem-se os olhos para o ponto
central entre as sobrancelhas. Como isto é bastante cansativo aos músculos
oculares, devem-se descansar os olhos logo que necessário.
Olhar para uma vela acesa é outra técnica que ajuda a firmar a mente e
fortalecer os olhos. É realizada numa sala escura onde não haja corrente de ar,
pois, se assim o for, a chama mover-se-á e isso estragará o efeito do exercício.
Senta-se aproximadamente a um metro da vela e olha-se fixamente para a chama.
Quando parar, as mãos, em forma de concha, devem ser colocadas sobre os olhos. A
imagem da chama ainda será visível e pode-se continuar a olhar para ela como um
recurso para que a mente cesse de divagar.
VISUALIZAÇÃO
Visualizar é trazer uma imagem à lembrança com tal concentração e imaginação que
a gravura, vista com os olhos da mente, torna-se tão real quanto um objeto. Se
se evocasse a imagem de uma rosa, ver-se-ia a flor em sua magnificência,
projetada claramente na tela da mente. Poder-se-ia admirar sua forma graciosa e
sua bela cor, e ver-se-ia a gravura tão detalhadamente que o número de pétalas
poderia ser contado e distinguidos os acúleos do caule. A visualização total
deve ser tão vívida que se possa até mesmo sentir a delicada fragrância
da flor.
OBSERVAÇÃO
Podemos concentrar-nos em qualquer objeto no exercício de observação. No começo,
deve ser uma coisa simples — como uma maçã. O objeto — neste caso a maçã — é
colocada no nível dos olhos, a uma distância tal que sua observação contínua não
tensione os olhos. Uma vez instalado, começa-se a olhar para a maçã com
interesse especial. Note todas as suas particularidades em detalhe. Estude sua
forma e tamanho. Observe as diferentes variações de cor na casca. Estude-lhe a
textura da pele. Verifique se é lisa ou levemente ondulada e descolorida. Olhe
atentamente para a haste saliente e note a maneira pela qual a maçã foi formada
ao redor dela. Além da observação visual, tente captar a fragrância do objeto.
A atenção deve estar concentrada na maçã até que sua figura esteja firmemente
impressa na mente, de tal forma que se possa vê-la claramente, de olhos fechados
ou abertos.
OBSERVAÇÃO E LEMBRANÇA
Depois de observar um objeto detidamente, o estudante fecha os olhos e tenta
reconstruí-lo na mente, atentando meticulosamente para os detalhes mais
minuciosos. Como antes, pode-se utilizar qualquer objeto, ou pode-se observar o
ambiente e, depois de cuidadoso exame, reproduzi-lo mentalmente. Se estiver
sentado fora, relembre a paisagem; se estiver sentado dentro de casa, relembre o
local e o que estiver lá dentro.
Com a prática deste exercício, os poderes de observação e memória são
aumentados. Na vida cotidiana descobrir-se-ão muitos fatos interessantes sobre
objetos comuns. Aprende-se a ver a vida com os olhos bem abertos e fica-se cada
vez mais consciente das grandes maravilhas a serem vistas em toda parte.
OBSERVAÇÃO DO PENSAMENTO
Aqui, permite-se aos pensamentos irem e virem a seu bel-prazer, enquanto o
estudante, por assim dizer, caminha para fora da mente e torna-se espectador
objetivo. Ele se dissocia de seus pensamentos, solta as rédeas da mente e
observa atenta-mente a atividade mental disso resultante. Observa as incessantes
paradas de pensamentos que lhe passam pela mente em rápida sucessão. Se, por
acaso, pensamentos aterrorizantes vierem-lhe ao campo da consciência, não deve
se apavorar, mas permanecer como observador tranqüilo. Pode-se surpreender com
os pensamentos que lhe venham à mente; pode ter sido de opinião que lhe seria
impossível pensar tais coisas. Sentado calmamente, perceberia que idéias
repulsivas são apenas manifestações da nossa natureza inferior, que estamos
justamente tentando dominar.
No início, a mente, liberta de todos os controles, correrá, mas sua atividade
diminuirá gradativamente e seus caprichos se tornarão menos violentos.
No final do exercício o praticante pode refletir sobre os vários pensamentos,
reconhecendo cada um deles pelo que foi. Pode também tentar descobrir um padrão
que os tenha guiado, e tentar ver como diferentes pensamentos foram associados.
SUPRESSÃO DE PENSAMENTOS
Pensamentos invadem a mente de modo contínuo. Este processo pode ser detido, e o
exercício presente é uma tentativa nesse sentido. O praticante exercita extrema
alerta mental; logo que um pensamento aparece, ele, com resolução, o afasta. O
estudante descobrirá que os pensamentos invadem a mente de todos os ângulos, por
assim dizer, e ele deve permanecer sempre alerta; deve considerar tais
pensamentos como intrusos que é mister afastar do campo da consciência. Reprimir
pensamentos é um exercício muito fatigante e logo a mente ficará cansada. Quando
isto acontecer, deve-se permitir aos pensa-mentos entrarem uma vez mais na
mente. Após um descanso suficiente, reinicia-se o exercício.
Concentrar o pensamento numa só coisa pode ser difícil, mas tentar não pensar é
muito mais. Embora um adepto da Ioga possa banir pensamentos da mente, sem
esforço, quando e como quiser, os iniciantes provavelmente encontrarão grande
dificuldade em deter o fluxo incessante de pensamentos que corre por suas mentes
incansáveis. Portanto, neste estágio, podem retornar aos aspectos físicos para
suprimir pensamentos e manter, durante algum tempo, um estado de esvaziamento da
mente. Acharão mais fácil atingir esta condição se inspirarem profundamente,
prenderem a respiração, fecharem os olhos, e depois olharem — com os olhos
fechados — para o ponto central entre as sobrancelhas. A aplicação do entrave da
língua, chamado khecari mudra, constitui um auxílio adicional aos estudantes, no
qual dobra-se a língua e faz-se com que ela se dirija à garganta tanto quanto
possível. O mudra deve ser utilizado apenas durante a retenção da respiração.
CONCENTRAÇÃO NA RESPIRAÇÃO
Respirando calmamente, concentre toda a atenção da mente no leve fluxo de ar que
entra e sai pelas narinas. Enquanto inspira, sentirá o ar frio enchendo a
cavidade nasal. Quando você inspirar mais fundo, porém ainda lentamente, será
capaz de seguir o fluxo de ar até que ele chegue à garganta e, indo além, entrar
pela laringe.
No início, a concentração na respiração parecer-lhe-á uma técnica
insignificante, mas um pouco de prática logo o convencerá do profundo efeito
estabilizante que produz na mente. E um exercício que pode ser praticado com
resultados benéficos em horas de tensão, e é também de grande auxílio às pessoas
que sofrem de insônia.
RESPIRAÇÃO CALMA
Diga mentalmente a palavra "calma" enquanto inspira, fazendo com que a palavra
dure até o final da inalação. Então novamente pense em "calma" enquanto expira,
fazendo com que dure até o final da exalação. Você estará constante e
ritmicamente repetindo "calma, calma, calma, calma..."
CONTANDO RESPIRAÇÕES
Contar respirações é um exercício simples mas muito suave que requer, e depois
desenvolve, a concentração da mente.
Enquanto estiver sentado em silêncio, respire calmamente e conte mentalmente
cada inalação. Continue a respirar uniforme e ritmicamente, esquecido do mundo
exterior, e não se perturbe com os pensamentos que tentem penetrar-lhe a mente.
Conte até cem, mova uma conta de seu mala (rosário), ou utilize os dedos para
contar cada centena. Alternativamente, você pode fazer uma marca num pedaço de
papel com caneta ou lápis.
Se se distrair e perder a conta, anote mentalmente o número em que isto se deu.
Com a prática será capaz de chegar a um total bem elevado sem se perturbar. E
evidente que seria totalmente contrário ao propósito do exercício respirar mais
rápido para aumentar o número total de respirações contadas.
A RESPIRAÇÃO POSITIVA
Decidimo-nos a respeito de uma qualidade positiva que gostaríamos de possuir.
Pode ser saúde ou ainda alguma qualidade mental. Se optarmos pela saúde,
inspiramos profundamente pelo nariz, e sentimos que inalamos saúde abundante. Se
optamos por uma qualidade moral ou mental, sentimos, igualmente, que ela flui
para dentro de nós à medida que inalamos profundamente. A qualidade escolhida
pode ser a calma, a força de vontade, o desligamento, o altruísmo ou qualquer
outra característica que sabemos ser positiva do ponto de vista iogue.
RECORDAÇÕES
O número de fatos guardados na mente é desconcertante. Com a mente calma podem-
se lembrar cenas da primeira infância, o relacionamento com os pais, os
primeiros dias de escola, professores, amigos, e acontecimentos de toda uma vida
já há muito esquecidos. Entretanto ao se tentar, intensamente, lembrar de algo
em particular, a tarefa se torna terrivelmente difícil, até que por fim a mente
se sobrecarrega e sobrevém, temporariamente, o black-out ou congelamento; todas
as suas atividades param por um momento, e não há lembrança nem pensamento. O
oposto é verdadeiro; quando há placidez na mente — quanto mais calma houver na
mente, com mais facilidade se poderá lembrar. Portanto, um estado de
tranqüilidade absoluta é essencial para se obterem máximos resultados. Só quando
a mente está calma como um céu azul sem nuvens poderá ela ser receptiva às
mensagens que lhe vêm do subconsciente.
Há muita coisa armazenada no sistema de memória e qualquer coisa pode ser usada
como motivo para o exercício de recordação. O método consiste essencialmente em
se decidir sobre o que recordar, e então propositadamente ativar os samskaras
específicos, "traços da memória". Se o que se busca recordar for pouco definido,
situando-se além da orla da mente, deve-se momentaneamente suspender a procura
mental. Isto pode ser feito de imediato, desconsiderando-se a coisa toda, mas
muitas pessoas destreinadas acharão isto difícil. Uma técnica indireta, isto é,
a concentração da atenção mental em algo totalmente diverso é muitíssimo valiosa
aqui. O assunto que se utiliza para afastar a mente pode ser um conjunto de
assuntos especialmente selecionados para este fim — algo que se possa usar
sempre, tal como uma simples figura ou desenho, uma paisagem pacífica na qual se
possa estabelecer um retiro mental. Contudo só se obtém sucesso através desse
método com cem por cento de esforço. Se a mente está ocupada de modo parcial com
a procura do fato pouco definido, todos os esforços serão fúteis em havendo
distração deliberada. Deve-se com o tempo nem mesmo ter consciência da razão da
concentração em algo. Estando-se constantemente consciente de que a mente está
sendo levada em outra direção e verificando-se constantemente se a técnica está
produzindo resultados não se obterá sucesso em nenhum exercício.
Num exercício de Recordação seria bom escolher um assunto simples e
insignificante. Por exemplo, pode-se tentar recordar o conteúdo do matutino, se
não foi lido aquele jornal pode-se recordar o que foi lido no último jornal ou
revista sobre os quais se deitaram os olhos. Pode-se também reconstituir as
ações praticadas durante aquele dia desde o momento em que se levantou, ou as
atividades do dia anterior ou de qualquer outro dia. O estudante que tenha lido
inteiramente esta seção do livro pode tentar lembrar tantos exercícios mentais
quantos forem possíveis, e, se estudou filosofia iogue, pode tentar recitar
alguma das profundas elocuções dos sábios hindus.
FLUTUANDO NO AR
O praticante sente o corpo tornar-se mais leve. Deve concentrar toda a atenção
no sentimento imaginário de diminuição do peso corporal, do contrário o esforço
será inútil.
Através de concentração constante, a força da gravidade é gradualmente dominada.
Livre da terra o corpo começa lentamente a se elevar. O teto do aposento se
abre, o corpo se transforma num balão a librar nas alturas, num céu azul.
Carregado pelos ventos o estudante flutua sobre vales pacíficos, rios sinuosos e
montanhas cobertas de neve. Poderá ir até mesmo mais alto, experimentando uma
sensação de quietude, flutuando sem esforço.
Aquele que pratica esse exercício com sucesso alcança a levitação, pelo menos
onde mais importa — na própria mente.
MANTRAS
Um mantra é, em essência, uma fórmula espiritual. Por meio de sua repetição
constante e rítmica (japa), o estudante almeja identificação com o objeto do
mantra. Se houver apenas concentração no som da palavra (ou palavras) do mantra,
o japa constitui meramente um exercício de concentração, resultando em calma e
simplicidade da mente. Por outro lado, quando o mantra é repetido levando-se em
consideração todo o significado das palavras e idéias que elas expressam, o
exercício se transforma em meditação.
Mantras podem ser recitados em voz alta (vachika japa); suavemente (upanshu
japa), produzindo-se um sussurro que outros não possam ouvir; ou silenciosamente
(manasa japa), em que nem os lábios nem as cordas vocais se movem, e o japa está
apenas na mente. O japa suave é mais benéfico que o falado, e o japa silencioso,
o mais poderoso dos três.
Mantras devem ser recitados em ritmo uniforme, nem rápido nem lento demais.
Enquanto os estiver entoando — seja em voz alta, suave ou silenciosamente — o
estudante pode usar um mala (rosário) de cento e oito contas.
Mantra Om
A palavra Om (pronunciada como a palavra inglesa home, e às vezes transcrita
para o inglês como Aum) tem sido, desde tempos imemoriais, o mais elevado e mais
reverenciado mantra iogue. Seu som é preso para se incluir as cinqüenta letras
do alfabeto Sânscrito, e Om contém, portanto, o nome de todas as coisas.
Há diferentes maneiras de repetir o mantra Om, aquele que tudo inclui.
Om pode ser juntado à inspiração e depois à expiração, até que toda a mente
esteja cheia da sílaba sagrada e vibre com sua essência.
Após executar uma respiração completa, você pode entoar Om. Deixe que o som
comece na parte mais profunda da garganta, mova-o gradualmente para a frente, e
continue a vibração prolongada e ressonante do "m" quando os lábios estiverem
fechados. O cântico deve ser claro e uniforme.
Se houver oportunidade, os estudantes podem entoar o mantra juntos, enviando as
ondas poderosas de belo som a seus corações, enviando-as uns aos outros, a todos
os estudantes de Ioga de todas as partes, aos professores e adeptos e a todos os
seres viventes. Para maior reverência, podem juntar as mãos, como se orassem, em
frente ao tórax.
Mantra Sa'ha
Conforme você inala pelo nariz, e o ar penetra ruidosamente, junte a sílaba sa à
inalação, fazendo com que ela dure exatamente o mesmo tempo da inspiração.
Quando expirar, junte a sílaba ha à exalação, fazendo com que, novamente, ela
dure o mesmo tempo da exalação. Respirando calma e uniformemente, você estará
repetindo constantemente Sa-ha. Esta combinação vem do sânscrito e foi traduzida
livremente por "Isto sou eu". Isto significando o Eterno. A exaltada conclusão
da filosofia Iogue (Vedanta) é que o Eterno está em tudo e é tudo. Perceber que
você é o Eterno constitui o fim último de seu treinamento iogue. No presente
estágio, a repetição consciente do belo mantra Sa'ha proporcionar-lhe-á grandes
benefícios.
O Gheranda Samhita (V, 84) afirma que há, durante um dia e uma noite, vinte e um
mil e seiscentas respirações (isto é correto se você inspirar e expirar numa
proporção de quinze vezes por minuto). Após haver praticado a repetição do
mantra Sa'ha durante algum tempo, você perceberá que a inspiração soa realmente
como sa e a expiração como ha. Isto leva a uma importante constatação : durante
cada período de vinte e quatro horas, você proclama sua natureza divina vinte e
uma mil e seiscentas vezes. E não apenas você, mas todo ser vivente, consciente
ou não, recita de contínuo este sagrado mantra.
Mantra Gayatri
O mantra Gayatri, compilado pelo sábio Viswamitri, tem sido usado, há séculos,
como mantra e oração pelos membros da mais alta casta na Índia, os Brahmins. As
catorze palavras deste mantra são as seguintes: Om; Bhur Bhuvah Swah; Tat
Savitur Varenyam; Bhargo Devasya dhimahi; Dhiyo jo nah prachodayat.
As nove primeiras palavras do mantra são nomes do Divino, e a palavra dhimahi
significa culto ou meditação. A última sentença do mantra é uma súplica por
iluminação.
DESPERTANDO KUNDALINI
De acordo com antiga teoria iogue, Prana ou força vital, circula pelo corpo por
uma densa rede de 72 000 nadis, ativando, dessa forma, todos os órgãos e
sentidos. Estes nadis podem-se comparar aos canais nervosos do corpo humano.
Todos os 72 000 nadis nascem num centro situado na base da espinha. O nadi
principal chama-se sushumna. Ele percorre a coluna vertebral e vai, pelo
cérebro, ao todo da cabeça. O Prana que flui através de sushumna está sob a
forma da deusa Kundalini. Normalmente, Kundalini está adormecida em sua caverna
(kanda) na base da espinha.
A deusa é descrita como uma serpente, deitada, enrolada em três espirais e meia.
Com a boca, ela fecha a entrada inferior do delicado canal de sushumna.
O objetivo da Ioga Kundalini, também chamada Laya Ioga, é despertar Kundalini,
de tal forma que ela se mexa, silve e comece a se movimentar através do canal de
sushumna até atingir o topo da cabeça onde o deus Shiva, terceiro deus da
trindade hindu, habita. Atinge-se o objetivo da Ioga Kundalini quando ocorre a
união de Shiva e Shakti.
São necessárias concentração e meditação profunda para acordar Kundalini e
clarear a rota de sua jornada para o alto, pois o canal de sushumna é bloqueado
por seis dos primeiros sete centros principais ou chakras, enfileirados sobre o
nadi principal. O estudante desejoso de utilizar o profundo exercício mental
fornecido pela verdadeira prática da Ioga Kundalini deve aprender tudo que possa
a respeito dos sete chakras, de tal forma que possa encontrá-las numa exploração
introspectiva, e visualizar os centros em seus respectivos lugares através do
olho da mente. Prendendo todas as suas faculdades mentais nas chakras, será
capaz de abri-los, abrindo assim o caminho para Kundalini. Primeiramente, é
aberto a chakra muladhara que fica na parte inferior de sushumna; tendo entrado
no sushumna por sua própria vontade, a serpente é conduzida de chakra a chakra;
como os centros estão abertos, Kundalini continua a empreender sua jornada para
o alto em direção a seu esposo espiritual, o deus Shiva, que reside na última e
mais elevada chakra, a chakra sahasvara.
A Chakra Muladhara.
Esta chakra está situada na base da coluna vertebral, entre os órgãos genitais e
o ânus. É representado por um lótus amarelo com quatro pétalas avermelhadas e
está relacionado com o elemento terra e com o sentido do olfato.
Seu bija, ou semente, sonoro básico é lam. A vogal em lam deve ser curta e
pronunciada como na palavra "rã". (As vogais dos bijas das quatros chakras
seguintes são pronunciadas exatamente da mesma forma). A última consoante, o
"m", continua a ser pronunciada uniformemente com os lábios fechados enquanto
restar o suprimento de ar.
'Enquanto estiver meditando numa chakra, o estudante pode, para obter resultados
mais rápidos, entoar seu bija, cujas vibrações ajudarão a abrir cada chakra em
particular.
A Chakra Svadhisthana
Situada na raiz do pênis, a chakra svadhisthana é representada por um lótus
branco com seis pétalas rubras. Está ligada ao elemento água e ao sentido do
paladar.
Seu bija mantra (semente sonora) é vam.
A Chakra Manipura
A chakra manipura fica em sushumna, na altura do umbigo. É representada por um
lótus vermelho com dez pétalas douradas. Está ligada ao elemento fogo e ao
sentido da visão.
O bija mantra desta chakra é ram.
A Chakra Anahata
A chakra anahata fica na região do coração e é representada por um lótus
cinzento com doze pétalas de vermelho flamejante. Está ligada ao elemento água e
ao sentido do tato.
Seu bija mantra é yam.
A Chakra Vishuddha
Situada na região da garganta, logo abaixo da laringe, a chakra vishuddha é
representada por um lótus branco com dezesseis pétalas purpúreas. Está ligada ao
elemento éter e ao sentido da audição.
O bija mantra desta chakra é ham.
A Chakra Ajna
A chakra ajna é o centro de comando, situado entre as sobrancelhas. Governa e
unifica as faculdades representadas nas cinco chakras anteriores. A chakra ajna
é a chakra da mente, e é representada por um lótus de um branco brilhante com
duas pétalas brancas.
O bija mantra do centro da mente é Om, e é neste centro que o iogue recita Om na
hora de desfazer-se de sua carcaça física.
A Chakra Sahasrara
No alto da cabeça, brilhando com o esplendor de muitos sóis, fica o lótus das
mil pétalas, a chakra sahasrara. E a sede da consciência pura, representada por
Shiva.
Pratica-se a respiração iogue como exercício preliminar à concentração e
meditação sobre as chakras. Isto purifica os nadis e prepara a abertura das
chakras.
Kundalini é despertada meditando-se nela, uma vez que se encontra deitada em seu
lugar de repouso, e essa meditação pode, de acordo com o Gheranda Samhita (III,
82), ser acompanhada de freqüentes contrações e relaxamentos do ânus. É
empregada uma técnica posterior chamada Shakticalana, que significa "Shakti
movente", a fim de fazer Kundalini entrar no canal de sushumna. Realiza-se
Shakticalana inspirando-se profundamente e, contraindo-se lentamente o ânus,
durante a retenção da respiração, de tal forma que a energia excretora (a pana)
seja forçada para cima [Gheranda Samhita (III, 54, 55)] Dão-se instruções
similares no Hatha Yoga Pradipika (I, 48), que também afirma (III, 29) poder-se
obter resultado batendo-se repetida e suavemente as nádegas no chão.
O destino de Shakti (Kundalini) é a chakra sahasrara, onde terá lugar a união
com Shiva — uma união simbólica entre a energia latente do homem com a
consciência pura. No final da meditação iogue, Shakti, prenhe de conhecimento,
volta a seu lugar de repouso na base da espinha. A medida que ela desce,
fortalece as chakras, dotando-as de consciência e poder.
Por fim, as chakras permanecerão permanentemente abertas, deixando passagem
livre ao fluxo de consciência pura.
MANIPULAÇÃO BINDU
A manipulação bindu constitui um exercício mental avançado. Bindu significa
ponto ou pingo.
Num primeiro estágio, o bindu deve ser visualizado no centro de comando entre as
sobrancelhas. O bindu pode ser visto na forma de minúscula pérola transparente.
Deve-se continuar esta parte do exercício até que ' a imagem se torne
absolutamente clara.
Manipulação de bindu significa move-10 da chakra ajna para a chakra sahasrara,
na área cortical do cérebro físico, no alto da cabeça. Considera-se que a
minúscula pérola contém a essência da mente, que será enriquecida ainda mais ao
entrar em contato direto com a consciência na alta chakra sahasrara.
Durante a inalação lenta e uniforme, a atenção da mente deve estar voltada para
o bindu, sem hesitação, e ele deve se mover por um canal nervoso (o sushumna
nadi) até o centro de sahasrara. Durante o período de retenção da respiração o
bindu permanece na chakra sahasrara, onde é fortalecido com a consciência pura
lá existente. A medida que se expira, quase imperceptivelmente, a pérola, que
agora ficou brilhante, é cuidadosamente guiada de volta através do sushumna nadi
à chakra ajna e a enche de refulgente luz.
Completa-se o exercício meditando longamente na radiante chakra ajna.
NADA BANDHA
Assim como na Hatha e Laya Ioga se aplicam certos retesamentos musculares, na
Raja Ioga pode-se praticar o retesamento mental. Este retesamente psicológico é
chamado de nada bandha. Nada significa som, especialmente som interno, e em nada
bandha o praticante houve com o ouvido "interior" o som do Supremo. Todo o
universo está em vibração — a vibração do Infinito — e essa música divina
onipresente é, num plano superfísico, manifestada no indivíduo como um som
cantado na cabeça.
Ao praticar nada bandha, o praticante concentra todas as faculdades mentais na
chakra ajna, o delicado centro entre as sobrancelhas. Aí, com toda a energia
psíquica, ele sintoniza a fim de ouvir a música do Supremo, que é Om.
CAPÍTULO VI - A DISCIPLINA IOGUE NA VIDA DIÁRIA
Para atingir o mais elevado grau em Ioga, toda a sua vida deve ser dirigida
àquela meta. Cada obra realizada e cada pensamento elaborado deve ser compatível
com os ensinamentos iogues. Pode-se praticar diligentemente durante duas horas
por dia na solidão de um aposento silencioso e isto seria maravilhoso — mas
deve-se ainda levar suas convicções para a vida diária e viver de acordo com
elas a fim de atingir o sucesso último.
O estudante de Ioga deve realizar seus deveres mundanos da melhor maneira
possível, e ficar feliz por estar prestando serviço aos outros. Seu trabalho não
deve visar apenas recompensas financeiras ou outros interesses egoísticos. Ao
invés de pensar em seu ganho pessoal, deve pensar no lado bom de seus
semelhantes. Servir ao homem é servir ao Divino.
Na vida cotidiana, o estudante encontrará muitas oportunidades de praticar a
concentração, exercitar o autocontrole, melhorar a força de vontade e agir
altruisticamente. Concentrando-se em tudo que faça, almeja a perfeição em
qualquer coisa que empreenda. Ao realizar determinada ação, é perfeitamente
consciente de tudo que está fazendo. A ineficiência é coisa do passado. Ele
domina aquilo de que desgosta selecionando para trabalho o que anteriormente
evitava. Agora concentra-se nele propositadamente, e sente-se feliz em realizar
tais obrigações.
As dificuldades, não importa o grau ou forma, são para o estudante desafios bem-
vindos. Grandes dificuldades foram sobrepujadas por muitas pessoas no passado, e
o serão no futuro. Assenhoreando-se de cada situação, o estudante será um
exemplo brilhante para outros.
O estudante deve tentar permanecer calmo, não importa o que aconteça. Deve
tentar manter o equilíbrio mental em todas as circunstâncias. Uma mente calma é
uma grande amiga. Se se excita ou enraivece, as coisas provavelmente s
complicarão mais, e os problemas podem aumentar. O melhor é adotar uma atitude
filosófica. Se algo aparentemente adverso acontece, não deve pensar nele como
tal. Parecer ou não adverso depende da atitude que se adota em relação à coisa
ou acontecimento. Em face de adversidade aparente, deve-se tentar não só manter
uma aparência de calma mas também, e muito mais determinantemente, deve-se
tentar manter a serenidade interior. O resultado da prática contínua de
preservação de um tranqüilo estado de espírito será uma grande força mental.
O estudante deve prestar atenção a tudo quanto diz. As palavras faladas são
manifestações de pensamentos interiores. Como primeiro passo, o estudante deve
abandonar toda espécie de conversa que se relacione com desejos egoísticos, e
com tudo que seja prejudicial ao sucesso em Ioga. Como último passo, deve
abandonar todos os pensamentos adversos. Em conversação, deve tentar ater-se ao
assunto em discussão. Esta é uma forma de concentração, e é interessante
descobrir quantas pessoas a acham difícil. Contrariamente a desperdiçar seus
esforços, e o tempo de outras pessoas, o estudante de Ioga almeja a concisão e
correção em cada pensamento que expressa. Tenta compreender os aspectos
importantes de qualquer que seja o assunto em discussão, e aplica a mesma
disciplina ao pensamento. Sua mente não deve ficar atravancada com
trivialidades. Não profere uma palavra negativa ou de crítica aos outros, porque
aprende a entender a si mesmo e, por esse meio, aos outros. A medida que
progride em Ioga, seu entendimento aprofundar-se-á, e seus pensamentos críticos
se transformarão em amor fraternal. O estudante experimentará verdadeiramente
"intenção de não prejudicar a ninguém e caridade por todos". Tal atitude criará
uma atmosfera harmoniosa no mundo e na mente do estudante.
O estudante sério não deve prender-se a conversas fúteis, nem envolver-se em
discussões. Convencido da retidão de suas atitudes, continua seu treinamento com
calma e firmeza. Nunca se gaba aos outros de suas façanhas mentais. Fala pouco,
e, se as circunstâncias permitirem, pode até entrar num período de completo
silêncio, ou mouna. Torna-se um verdadeiro mouni quando seu silêncio não for
apenas exterior, mas quando também sua mente estiver calma e imperturbável.
Deve-se sempre praticar a auto-restrição, e os hábitos negativos devem ser
dominados. Freqüentemente o estudante de Ioga necessitará de uma grande força de
vontade, mas isso lhe será de grande alegria. Ele gosta de exercitar sua força
de vontade que, com a prática, só pode se tornar mais forte. Abundam
oportunidades em que pode testar e aguçar essa faculdade a qual, de outra forma,
poderia desaparecer se não fosse usada com regularidade. Primeiramente, deve-se
desfazer dos maus hábitos como uma serpente se desfaz de sua pele velha. Deve-se
dar prioridade especial à eliminação do fumo e da bebida. Estes hábitos
escravizam, e o estudante de Ioga não deseja ser dominado por essa espécie de
coisas. Além do mais, tais vícios são prejudiciais à saúde do corpo. O fumo
afeta os pulmões, enquanto que o álcool suja o fluxo sangüíneo e confunde a
mente. Um pouco de álcool não prejudicará o estudante, mas ele deve,
primeiramente, dominar a necessidade de tomá-lo; para provar que, de fato,
dominou essa fraqueza pode abster-se de quaisquer bebidas alcoólicas durante um
período prolongado. Depois disso, será capaz de dizer não a uma bebida, qualquer
que seja a ocasião.
O desejo de objetos desenvolve-se quase desde o nascimento. Balança-se,
tentadoramente, um chocalho em frente aos olhos de um bebê, os desejos da
criança são despertados e ela se agarra ao brinquedo. Esse tipo de reação
continua pela vida afora. Somos seduzidos por coisas brilhantes, e as queremos
para nós. Uma vez que as tenhamos, não as apreciamos mais e desfazemo-nos delas
com indiferença, da mesma forma que um bebê joga seu novo chocalho para fora do
berço. Essas reflexões não devem resultar num desgosto por objetos. As coisas em
si não são nem boas nem más; é apenas a atitude mental que se adota frente a
elas que as faz parecer assim. Tanto a aversão como o apego devem ser dominados.
O desejo de objetos mantém a mente em contínuo estado de turbulência, no qual
sempre se está pensando em adquirir mais coisas. E esse estado de febre mental
que o estudante de Raja Ioga tenta dominar pela prática do desligamento
interior. Estar rodeado por tentações torna sua batalha até mesmo mais
interessante. Prepara-se para a contenda e parte para a aniquilação das
influências perturbadoras que estão profundamente enraizadas em sua mente. A
luta pode ser implacável porque o inimigo é poderoso. Os desejos sensuais virão
à tona logo que a luta amainar. Levar uma vida baseada em suas necessidades
mínimas será de grande auxílio ao estudante.
O estudante deve aprender a confiar apenas em si mesmo. A dependência de outros
deve ser abolida, junto com a necessidade de apreciação e louvor. O estudante
encontrará inspiração e força em abundância no seu estudo e prática dos
ensinamentos iogues. Não terá mais necessidade de depender de outras pessoas.
Transformar-se-á num belo exemplo de independência.
Jejuar, ainda que moderadamente, constitui outro caminho para a prática da força
de vontade. Entretanto, os jejuns exagerados são desaprovados como claramente se
explica no verso do Bhagavad Gita freqüentemente citado (VI, 16); mas a
excessiva ingestão de alimentos deve ser refreada. Natural-mente, certa
quantidade de alimento é essencial à saúde do corpo, mas é muito menor do que
algumas pessoas pensam. Como treinamento mental, a extravagante necessidade de
alimentação pode ser diminuída, separando-se um dia na semana em que não se come
nada e apenas bebe-se água. Essa prática ajudará a limpar o organismo, mas não
deve ser adotada por pessoas com peso abaixo do nível médio para sua estatura.
Uma forma suave e muito benéfica de dominar essa necessidade de alimentação é
comer bem devagar.
O regime iogue de vida também inclui abstinência sexual. Para um estudante que
busca o domínio completo da mente, o controle da necessidade sexual é
imperativo. Não deseja ser escravo de suas paixões sexuais, como não deseja ser
fraco frente a quaisquer outros desejos. O. sexo não precisa ser afastado para
sempre, mas o desejo dele precisa ser controlado. Como o estudante consegue
isto? O método mais drástico é o abandono de toda atividade sexual, e de todos
os pensamentos a esse respeito. Evita-se a companhia de provocantes membros do
sexo oposto, e substituem-se pensamentos sobre sexo por outros totalmente
diferentes.
Algumas pessoas acham a abstinência sexual mais fácil que outras. A necessidade
sexual não é sentida com a mesma intensidade por todos; a falta de oportunidade
ou abundância desempenham papel significativo. Se o estudante é casado e feliz,
desfrutando harmoniosa vida sexual não é de esperar que vá desistir daquilo que
o aproxima tanto de sua mulher. Outrossim, existe a necessidade do sexo para a
procriação. Afinal, se todos desistissem do sexo ao mesmo tempo isso
significaria o fim da espécie humana. Se o estudante viver com uma pessoa do
sexo oposto, praticará a moderação. Se tanto o homem quanto a mulher forem
estudantes de Ioga mental, a abstinência temporária pode ser um desafio útil.
Quanto ao sexo são dadas, na literatura iogue, opiniões conflitantes. Por um
lado, o estudante é requisitado a manter a mais estrita abstinência em obras e
pensamentos, por outro lado, significados diferentes são emprestados ao que
subjaz ao ato sexual. Ë caso especial a verdadeira participação em maithuna, ou
união sexual, com propósitos específicos. Maithuna é elevada a um plano
espiritual quando os participantes se consideram atores numa peça divina. Em
vários lugares são descritas técnicas que podem ser praticadas durante maithuna
para a obtenção de autocontrole e força. Os antigos consideravam o sukra, ou
sêmen, como contenedor da essência do homem e, portanto, impedindo-se sua perda
preservava-se força. O coito é prolongado e sob o estímulo da excitação é
produzido mais fluido seminal. A ejaculação não deve ocorrer e para deter a
"saída da semente" utiliza-se um mudra, ou retesamento, como o mudra Khecari, no
qual a língua é dobrada para dentro, enrolada em direção à garganta. O
pensamento permanece imóvel, e o sukra não é emitido, nem mesmo no "abraço de
mulher jovem e apaixonada". Após ter sido assim estabelecido o autocontrole, o
estudante moderno deve permitir que o orgasmo ocorra, uma vez que o ato sexual
incompleto causará congestão dos órgãos sexuais e pode ocasionar dor.
Em ritos religiosos a relação sexual era vista como ato simbólico. A mulher
tornava-se um lugar consagrado à realização de um sacrifício. Seu colo era o
altar em que se acendia o fogo do sacrifício, e o devoto oferecia sua oferenda.
Antes do ato, despendia-se tempo considerável em meditação a respeito de seu
significado simbólico. Realizar maithuna com a mente assim purificada transforma
um instinto básico em sublime.
O jogo das forças cósmicas também pode ser visto no casal humano que copula
buscando ardentemente a unidade. A mulher fértil é vista como representante de
todos os princípios femininos da natureza, e o homem potente representa todos os
aspectos masculinos. O orgasmo se torna uma experiência mística. Similarmente a
união extática do casal humano é encarada como símbolo da união entre matéria e
espírito, na qual a mulher é a encarnação de prakriti, ou matéria, e seu
companheiro a encarnação de purusha, ou espírito. Em maithuna o macho permanece
estático como o espírito inamovível, e toda atividade parte de sua companheira,
a fêmea, representante da matéria ativa.
O estudante de Ioga mental pode decidir-se acerca de que escola virá a
pertencer, e qual abordagem se coaduna melhor com seu caso particular. A
reflexão sobre o assunto junta-mente com o estudo da filosofia iogue capacitá-
lo-á a encarar o sexo sob nova perspectiva. Em lugar de perturbar-lhe a mente, o
sexo se tornará para ele uma experiência sublime, excelente. Mas antes de
decidir o que é bom para si próprio, deve, se tiver oportunidade, praticar
sinceramente a abstinência durante algum tempo. Não deve apenas abster-se do ato
real durante este tempo, mas também tentar banir da mente todos os pensamentos a
ele relacionados. Deve considerar os membros do sexo oposto como seres
espirituais que habitam corpos físicos. Tendo dominado os desejos sexuais a um
grau suficiente pode retornar a uma vida sexual moderada.
CAPÍTULO VII – MEDITAÇÃO
EU SOU
Nesta meditação o estudante não se preocupa com quaisquer conceitos intelectuais
a respeito do que ele é ou não é, mas interessa-se inteiramente pelo fato de que
é. Concentrando-se intensamente repete várias vezes, de si para. consigo,
primeiro devagar e depois deliberadamente a sentença: "Eu Sou". Então o processo
do pensamento é detido e o praticante medita a respeito da idéia contida nesta
sentença curta e significativa. Tenta sentir com consciência intensa o fato de
que ele é. Durante a meditação o estudante pode, de quando em quando, repetir o
tema central: "Eu Sou'". Após cada asserção mental mergulha com renovado vigor
no intenso sentimento de existência.
MEDITAÇÃO SUPRAMENTAL
Nas técnicas de meditação acima descritas havia sempre um pensamento ou idéia
central utilizada como objeto ou ponto de partida da meditação. Na meditação
supramental esse tema não existe. O processo do pensamento simplesmente não se
desenrola. A mente permanece estática. Aconselha-se o domínio de outras técnicas
primeiro, pois a meditação livre de pensamentos é dificílima.
Para que a meditação supramental seja eficiente é essencial que a mente
permaneça estática por tempo prolongado; isto só se pode conseguir após longa e
intensa prática. Manter os pensamentos fora da mente não deve constituir razão
para esforço de espécie alguma. Quando o pensamento é ejetado da mente, nela
permanece apenas a consciência.
Embora a mente do meditante esteja destituída de toda atividade ele está
extremamente alerta. A medida que penetra na paz interior, sua mente se torna
sumamente sensível e receptiva. É nesses momentos de profunda tranqüilidade que
o homem recebe a mais alta das revelações. Da tranqüilidade mística emergem as
supremas manifestações de Isto, que são Sat, Chit, Ananda — Ser, Consciência,
Bem-aventurança. Elas começam, lentamente, a se infiltrar através do silêncio.
Aproxima-se uma consciência mais elevada, e a obtenção da última meta iogue — o
feliz estado de samadhi — está próxima.
CAPÍTULO VIII – SAMADHI
A obtenção do estado de samadhi é a realização final de um longo programa de
treinamento iogue. Como resultado de seus esforços espirituais, o meditante
torna-se intensamente consciente do Princípio Divino dentro de seu ser. Em
Samadhi o meditante transcende as limitações da mente e experimenta o Ser,
Consciência e Bem-aventurança de Isto que sozinho é.
Para se atingir samadhi todas as noções pré-concebidas a respeito do eu devem
ser retiradas da mente. Conceitos intelectuais e idéias abstratas devem ser
rejeitados. Pode-se chegar às fronteiras do reino espiritual através de
pesquisas intelectuais, mas a faculdade de pensar e raciocinar não pode
ultrapassar essas fronteiras. O estado superconsciente só é apreendido mediante
meditação supramental. Essa contemplação livre de pensamentos é precedida por
uma meditação semelhante que, no passado, proporcionou ao praticante a sensação
de extrema serenidade, fazendo-o sentir-se como se estivesse sendo levantado
acima do estado normal de consciência. O meditante avançado sabe por si mesmo
como atingir tal condição. Pode ter-se detido extensivamente no pensamento de
que sua natureza é divina. "Eu sou, em essência, um espírito divino" pode ter
sido sua repetição deliberada e freqüente. Pode ter, silenciosamente, afirmado,
de si para si, que é uma parte indestrutível e imperecível de Uma Vida. O
assunto de sua meditação pode ter sido qualquer aspecto do Ser Supremo.
Samadhi ocorre no plano superconsciente. Como tal, constitui experiência
impossível de comunicar através de meras palavras. Modos de expressão utilizados
para denotar acontecimentos no plano físico e mental tornam-se inadequados
quando esses planos são ultrapassados. A verbalização, metafórica ou não, pode
fornecer apenas uma indicação do que ocorre durante o envento supersensível.
Sentado totalmente imóvel, o corpo esquecido e a mente resolutamente presa a uma
pureza passiva, o iogue é invadido por um intenso e jubiloso sentimento de
exaltação. A centelha de divindade dentro dele transforma-se em chama
resplandecente. O iogue experimenta o Ser ilimitado, a Consciência infinita e a
Bem-aventurança Extática numa única e sublime sensação. Sua personalidade
limitada expande-se no ser ilimitado. Conscientiza-se da Consciência
onipresente. Todas as discórdias desaparecem totalmente nesse transporte
exaltado de suprema Bem-aventurança. Não existem dualidades no radiante reino do
Eu. É um mundo eterno de alegria transcendente e inefável paz. Como poderiam as
palavras descrever Isto que é indescritível?
Quando o momento eterno de Iluminação espiritual cessar o iogue será um homem
mudado. O mundo como é visto pelos olhos dos seres humanos comuns parece-lhe
irreal. Ocorreu-lhe uma transformação na mente. Sua personalidade anterior foi
aniquilada. Após habitar o pináculo de Suprema Bem-aventurança em união extática
com o Eu Divino, o iogue descobre que todos os pensamentos e desejos egoístas,
ou seus remanescentes, foram destruídos, e em seu lugar existe agora duradouro
desapego.
CAPÍTULO IX - A HERANÇA SAGRADA DA ÍNDIA
Para o estudante desejoso de compreender a religião e filosofia hindu, é
essencial que saiba alguma coisa a respeito dos Vedas, e que se aperceba de sua
extrema importância e influência.
A palavra veda significa conhecimento — especificamente, conhecimento
espiritual. O que agora conhecemos como Vedas constitui extenso material
iniciado há milhares de anos e que foi aumentando, até chegar à sua presente
forma, durante um período de muitos séculos. A herança sagrada era passada
oralmente de mestre a discípulo, de uma geração a outra, através da devoção de
incontáveis adeptos.
Os Vedas se compõem de elocuções de antigos poetas, sacerdotes e sábios das
florestas, ou rishis (videntes), em forma de cânticos, orações, fórmulas para
sacrifícios, magia, rituais e tratados a respeito da significação e natureza da
Realidade Suprema.
Os Vedas são a mais antiga composição literária em língua Indo-Ariana. Suas
raízes remontam à Pré-História. O Professor Max Müller (1823-1900), eminente
estudioso e pioneiro que dedicou toda a vida ao estudo e tradução dos livros
clássicos da Índia, chegou à conclusão de que os Vedas foram concluídos antes de
600 a.C. Segundo ele, a literatura védica deve ter existido antes do
aparecimento do Budismo, pois os ensinamentos de Buda, nascido em 563 a.C.,
estão amplamente baseados nos Upanishads, as filosóficas e últimas sessões dos
Vedas.
Os Vedas estão divididos em quatro livros: o Rig Veda, o Yajur Veda, o Sarna
Veda e o Atharva Veda. Essa divisão é atribuída ao sábio Vyasa, que se acredita
ter vivido aproximadamente em 500 a.C. O Rig Veda é o primeiro e o maior dos
quatro livros; rig significa "verso", e o Rig Veda é, em grande parte, uma
coleção de hinos de louvor e orações a uma variedade de deidades. No Yajur Veda,
além de versos do Rig Veda, encontram-se muitas orações sacrificais. O Sarna
Veda, ou Veda de Melodias, também contêm cânticos extraídos do Rig Veda. O
Atharva Veda é, fundamentalmente, uma coleção de hinos e encantamentos.
Cada Veda contém sublimes verdades espirituais — ensinamentos de sábios que
renunciaram ao mundo, retiraram-se para as florestas lá passando muitos anos em
profunda contemplação. Sua sabedoria está contida nos Upanishads, que formam a
parte final de cada Veda.
Em 1856, dois engenheiros ingleses, encarregados da construção da estrada
ferroviária do leste da Índia, de Karachi a Lahore, sentiram-se felizes ao saber
que a via que estavam construindo deveria passar perto das ruínas de duas
antigas cidades, uma ao longo do terminal sul, outra ao longo do terminal norte.
Nas ruínas dessas cidades, descobriram grande quantidade de bonitos tijolos, que
solucionaram o problema de falta de cascalho para a construção da via férrea. Os
engenheiros e trabalhadores utilizaram-se desse fácil suprimento de materiais de
construção, não se apercebendo da antiguidade e importância de sua descoberta,
nem da fúria que causariam aos pesquisadores. Enquanto recolhiam os tijolos, os
trabalha-dores encontraram várias antiguidades que despertaram a curiosidade de
pessoas interessadas na história da Índia. Entretanto, muito tempo se passou
antes que algo de efetivo fosse iniciado. Finalmente, arqueólogos começaram a
conduzir trabalhos de escavações naqueles lugares. Seus esforços revelaram a
existência de um grande império pré-histórico ao noroeste da Índia, que se
tornou conhecido como Civilização Harappa, ou Civilização do Vale do Indo. Uma
das antigas cidades era Harappa, situada em Punjab à margem esquerda do Rio
Ravi, a aproximadamente cem milhas a sudoeste de Lahore. A outra cidade era
Mohenjo-daro em Sind, construída à margem direita do Rio Indo e situada
aproximadamente a duzentas milhas ao norte de Karachi.
O trabalho de escavação na localidade de Harappa começou em 1920, e a de
Mohenjo-daro em 1922. Logo ficou evidente que as duas cidades tinham sido as
capitais gêmeas de um império que tivera aparentemente uma existência quase
estática e ininterrupta durante aproximadamente mil anos, período este estimado
entre 2500 e 1500 a.C. provavelmente. Separadas por umas trezentas e cinqüenta
milhas, as cidades eram ligadas por rios navegáveis — sendo o Ravi afluente do
Indo — e mostravam semelhanças impressionantes. Elas tinham um traçado comum, e
cada qual contava uma superfície de aproximadamente 2,5 km2; cada uma tinha uma
cidadela de defesa que se elevava acima dos outros edifícios; o tamanho dos
tijolos usados em cada uma das cidades era o mesmo, assim como era o mesmo o
tamanho dos tijolos usados na construção de cidades e vilas nos arredores e
entre as duas cidades principais.
O povo da civilização Harappa era constituído de uma raça mista, embora o tipo
mediterrâneo fosse, provavelmente, predominante. Ocupados em agricultura,
plantavam trigo, cevada e algodão. Seus animais domésticos eram zebus, búfalos,
cabras, ovelhas e porcos. Sabiam trabalhar o cobre e o bronze e com eles faziam
ferramentas simples e armas, e estavam bem avançados na confecção de cerâmica.
Embora sua escrita não tenha sido decifrada até agora, tinham desenvolvida a
arte de escrever.
Sabe-se muito pouco a respeito das crenças religiosas desses povos pré-
históricos. Acredita-se que fossem adoradores de uma deusa-mãe; foi encontrado
um selo representando uma mulher de cujo ventre nascia uma planta. Provavelmente
representava a deusa da terra e da vegetação, e seu consorte deve ter sido o
protótipo do deus Shiva, uma vez que entre os selos em pedra-sabão foi
encontrado um gravado com a figura de uma deidade masculina dotada de chifres e
de três rostos. Este possível ancestral de Shiva estava sentado numa postura
iogue; as pernas curvadas e os pés unidos pelos calcanhares. Seus olhos estavam
concentrados na ponta do nariz, e ele rodeado por quatro animais: um búfalo, um
rinoceronte, um tigre e um elefante (Todos esses animais habitavam tais regiões
em eras passadas mas, com exceção do tigre, nenhuma espécie selvagem
sobreviveu.)
A aparente paz existente há milhares de anos foi violada com a chegada na região
de uma raça estrangeira e muito bárbara, que, acredita-se, tenha vindo do Oeste.
Este povo chamava a si mesmo de Ariano, que significa "homem nobre" em
sânscrito, uma língua Indo-Européia que constituía a língua formal dos
guerreiros, chefes e sacerdotes Arianos. Aceita-se tradicionalmente o ano de
1500 a.C. como data aproximada da invasão dessas tribos nas terras do império
Harappa. Como guerreiros impetuosos que eram, trouxeram ao campo de batalha seus
velozes carros puxados a cavalo, e invocaram a assistência e bênção de seu
heróico deus da guerra, Indra. A vinda dos Arianos coincide com o colapso do
império Harappa, pelo qual provavelmente foi responsável.
As crenças religiosas dos Arianos estão expressas nos versos iniciais do Rig
Veda. Eles adoravam um panteão de deidades masculinas — tais como Surya (o Sol),
Agni (Fogo), e Varuna (o Céu) — que são ou poderes da natureza personificados ou
o ideal Ariano elevado a proporções divinas. De todos os seus deuses, Indra, o
deus forte e armado, de barba trigueira, é, significativamente, o mais
importante. Aproximadamente um quarto dos 1 017 hinos que formam o Rig Veda são
dedicados a Indra, o ganhador do prêmio na batalha, aquele que tanto pode
manejar um raio, como lutar ferozmente com um arco e flecha de seu carro. Indra
não é grande somente em força mas também em tamanho. Come vorazmente e ingere
grandes quantidades de soma, uma bebida intoxicante derivada da planta soma.
Isto ele bebe aos baldes, trinta lagos numa sentada.
Segundo em importância depois de Indra, é Agni, deus do fogo. Mais de 200 hinos
lhe são dedicados. Originado nas nuvens desceu à Terra primeiro em forma de
relâmpago e então se escondeu. Agni pode ser evocado pela fricção de duas hastes
de madeira. Está deitado em madeira macia como numa câmara. Despertado por
aquela fricção na primeira hora da manhã, repentinamente emerge num brilho
refulgente. O sacrificante coloca-no na madeira; Agni estende sofregamente a
língua aguda e devora. Quando os sacerdotes despejam manteiga derretida sobre
ele, lambe crepitando e relichando como cavalo.
KATHA UPANISHAD
Vajasravasa, desejando os céus, realizou o sacrifício de doar todas as suas
propriedades. (I, i, 1)
Seu filho Nachiketa, embora ainda menino, pensou de si para consigo:
"Certamente, isto que ele está ganhando não pode ser o céu — suas vacas não
podem mais comer, nem beber, nem dão leite, nem bezerros". (I, i, 2-3)
Indo até seu pai, perguntou-lhe: "A quem irás dar-me, Pai?" Após ter inquirido
três vezes, o pai respondeu-lhe irritadamente: "Dar-te-ei à Morte!" (I, i, 4)
Nachiketa pensou: "Os homens são mortais. Morrer agora ou mais tarde é, afinal
de contas, de pouca importância. O que sucederia se a Morte me arrebatasse
agora?" (I, i, 5)
Desejando que seu pesaroso pai não voltasse atrás em sua palavra, disse: "Pensa
naqueles que se foram antes de nós, da mesma forma que naqueles que agora estão
conosco. O milho amadurece, é cortado, e nasce novamente". (I, i, 6)
Nachiketa penetrou na floresta e entrou na casa de Yama, o Rei da Morte, onde
jejuou enquanto aguardava. (I, i, 7)
Yama apareceu, e falou a Nachiketa: "Eu te reverencio, 6 santo homem! Três dias
ficaste em minha casa sem comer nem beber. Peço-te que escolha três bênçãos por
favor". (I, i, 9)
Nachiketa disse: "Ó Yama, como primeira bênção escolho a reconciliação com meu
pai; que ele possa ficar feliz, e não guardar rancor contra mim quando nos
encontrarmos novamente." (I, i, 10)
Yama disse: "Teu desejo está concedido. Ele te reconhecerá e será amável
contigo. Compreendendo que estás livre das garras da morte, dormirá novamente em
paz à noite, e reconciliar-se-á contigo." (I, i, 11)
Nachiketa disse: "Por estares ausente, não há temor no reino dos céus. Todos se
rejubilam no céu, estando além da fome, da sede e da tristeza." (I, i, 12)
"Ó Morte! Conheces o sacrifício de Fogo que conduz aos céus. Explica-me o
segredo desse Fogo, pois estou cheio de fé. Escolho esse segredo como minha
segunda bênção." (I, i, 13)
Yama disse: "Ouve! Explicar-to-ei. Está trancado dentro dos corações dos
sábios." (I, i, 14)
"O Fogo se alimenta de estudo, meditação e prática. Aquele que realiza esta
tríplice obrigação, e sabe que o Fogo nasce de Brahman, alcança a paz eterna."
(I, i, 17)
"Aquele que realiza as três obrigações desgarra-se, embora ainda na terra, das
cadeias da morte. Dominando a tristeza, ele desfruta os céus." (I, i, 18)
"O conhecimento deste Fogo, que conduz aos céus, é tua segunda bênção. Nome-a-
lo-ei em tua homenagem, Nachiketa. Agora escolhe a terceira bênção." (I, i, 19)
Nachiketa disse: "Há controvérsia a respeito da condição do homem após a morte.
Alguns dizem que continua a existir, outros que não. Explica-me isto, por minha
terceira bênção." (I, i, 20)
Varra disse: "Sobre esta questão até mesmo os deuses têm dúvidas. difícil
entender. Escolhe algo mais, Nachiketa. Por favor, não me force a explicar." (I,
i, 21)
Nachiketa disse: "Ó Morte! Afirmas que até mesmo os deuses têm dúvidas, e que
esta é questão difícil de responder. Mas quem melhor que tu pode explicá-la? Que
outra bênção se lhe pode comparar?" (I, i, 22)
Yama disse: "Pede filhos e netos com longas vidas, manadas de gado, cavalos,
elefantes e ouro. Pede um reino; a vida na terra pelo tempo que quiseres". (I,
i, 23)
"Escolhe qualquer coisa que quiseres, Ó Nachiketa! O maior reino, uma vida
longa, qualquer coisa que desejas." (I, i, 24)
"Qualquer prazer que haja, belas donzelas com carruagens e instrumentos
musicais, deleites além dos sonhos. Teus serão, mas não me inquiras a respeito
da vida após a morte." (I, i, 25)
Nachiketa disse: "Ó Morte! Essas coisas são temporárias. Exaurem os sentidos.
Mesmo a vida mais longa acaba. Conserva aqueles cavalos, conserva para ti mesmo
todas aquelas danças e canções". (I, i, 26)
"A riqueza não traz felicidade. Desde que me favoreceste, terei riqueza e vida
longa. Todavia, não mudarei a bênção que pedi." (I, i, 27)
"Que homem mortal, vislumbrando a imortalidade, tendo a oportunidade da
imortalidade, preferiria apenas uma vida longa, ainda que cheia de deleites
sexuais e outros?" (I, i, 28)
"Ó Morte! Fala-me desta eternidade sobre a qual há tanta dúvida. Esta é a bênção
na qual insisto." (I, i, 29)
Yama disse: "O bem é uma coisa, o agradável outra. Ambos aprisionam o homem.
Aquele que se empenha no bem, atinge o Mais Alto; aquele que se empenha no
agradável, cai à margem". (I, ii, 1)
"Todo homem se defronta com ambos. O sábio discerne e procura o bem; ganância e
desejos da carne conduzem o ignorante ao agradável." (I, ii, 2)
Nachiketa! Após examinares os prazeres temporais, rejeitaste-os. Não te
voltastes ao caminho da riqueza, no qual muitos atolam." (I, ii, 3)
"Estes caminhos são bem separados; um é chamado ignorância, outro sabedoria. Não
enganado pela promessa de riqueza, escolheste a sabedoria, Ó Nachiketa!"
(I, ii, 4)
"Os tolos vivem em escuridão. Cambaleando para lá e para cá, gabam-se de uma
suposta sabedoria, cegos conduzindo cegos." (I, ii, 5)
"O que sabe da eternidade aquele que está envolvido em ganância? ‘Este é o único
mundo que existe!' ele grita, eu o ceifo sempre e sempre." (I, ii, 6)
"Muitos nunca ouviram falar do Eu; muitos, tendo-o ouvido, não compreendem. Raro
é o explanador, e raro o ouvinte; raro é aquele que conhece o Eu através da
instrução de um mestre." (I, ii, 7)
"O conhecimento do Eu, difícil de alcançar, não pode ser ensinado por uma mente
comum. Mas quando é explicado por aquele que se tornou um com Brahman, então não
há dúvida. O Eu é mais leve que o mais leve, e transcendente argumentação." (I,
ii, 8)
"O conhecimento do Eu não pode ser atingido raciocinando-se sozinho. Pode ser
encontrado, Ó bem-amado, quando ensinado por alguém que possui este
conhecimento. Tu és, de fato, um verdadeiro investigador. Se ao menos me fossem
sempre enviados inquiridores como tu!" (I, ii, 9)
"O sábio, concentrando-se no Eu, apercebe-se que o antigo Eu, difícil de
imaginar, é mais difícil de entender. Ele ultrapassará a alegria e a tristeza."
(I, ii, 12)
"O sábio, instruído e compreendedor, separa a natureza do Eu, Ele vive para
sempre e rejubila-se para sempre em Brahman." (I, ii, 13)
Nachiketa disse: "Dize-me, Ó Morte! O que é outro que não certo e errado, causa
e efeito, passado e futuro?" (I, ii, 14)
Yama disse: "É Om, exposto pelos Vedas, o propósito das austeridades e a meta da
pureza". (I, ii, 15)
"Om é de fato Brahman. É o mais elevado. Aquele que conhece esta palavra pode
obter tudo que deseja." (I, ii, 16)
"Om é o fundamento. Aquele que encontra esse fundamento é digno da companhia dos
santos." (I, ii, 17)
"O Eu todo-poderoso não nasce e não morre. Não é causado, e não causa. Eterno,
infinito e imperecível, Ele não morre quando o corpo morre." (I, ii, 18)
"O Eu, menor que o menor, maior que o maior, vive nos corações de todos. Quando
um homem se liberta de desejos e purifica mente e sentidos, verá a glória do Eu,
e irá além da tristeza." (I, ii, 20)
"Embora sentado, o Eu vai longe; embora em descanso, move-se em toda parte.
Quem, exceto eu, Rei da Morte, pode entender este Ser resplandecente que é a
alegria e que vai além da alegria?" (I, ii, 21)
"Aquele que conhece o Eu, informe entre os formados, imutável entre mutáveis,
todo-penetrante e supremo, transcende toda a dor." (I, ii. 221
"O conhecimento desse Eu não se pode obter pelo estudo das escrituras, nem
mediante investigações intelectuais, nem por meio de discursos. Ele vem ao homem
que o deseja ardentemente; a ele a verdadeira natureza do Eu é revelada." (I,
ii, 23)
"Conhece o Eu como o passageiro do corpo, o carro; o intelecto é o auriga; a
mente as rédeas." (I, iii, 3)
"Os sentidos são os cavalos; os objetos desejados, os caminhos. O sábio chama o
Eu de Desfrutador quando Ele está unido ao corpo, à mente e aos sentidos." (I,
iii, 4)
"Quando o intelecto, vivendo numa mente que facilmente se distrai, perde o
discernimento, os sentidos se tornam incontroláveis, como os rebeldes cavalos do
auriga." (I, iii, 5)
"Mas quando o intelecto, vivendo numa mente bem controlada, possui aguçado
discernimento, os sentidos podem ser dominados, como os obedientes cavalos do
auriga." (I, iii, 6)
"Aquele cujo intelecto segura firmemente as rédeas da mente, alcança a suprema
meta da jornada, o Brahman todo-penetrante." (I, iii, 9)
"O Eu, oculto em todo ser, não é visto por todos; mas Ele é visto pelos sábios
de mente concentrada e intelecto perspicaz." (I, iii, 12)
"O sábio funde a fala na mente, a mente no intelecto, o intelecto na natureza
manifesta, a natureza em Brahman, e assim encontra a Paz." (I, iii, 13)
"Levanta! Desperta! Aprende ao pé do mestre. Os sábios dizem que o caminho é
difícil, cortante como fio de navalha." (I, iii, 14)
"Aquele que conhece o silente, amorfo, intangível, imortal, insípido,
incorruptível, inodoro, sem-começo, sem-fim, imutável Brahman, escapa das garras
da Morte." (I, iii, 15)
Yama disse: "O Eu-Existente fez os sentidos voltarem-se para fora; assim, o
homem olha para fora, e não vê o que há dentro. Quando um homem, tão
freqüentemente desejoso de imortalidade, olha para dentro e vê o Eu." (II, i, 1)
"O ignorante segue os desejos da carne, e mergulha no pântano de morte; mas o
sábio, buscando o que é eterno, não procura as coisas que se deterioram." (II,
i, 2)
"Aquele que conhece o eu individual, o desfrutador dos resultados de ação, é o
Eu Universal, no qual estão o presente, o passado e o futuro, e ele não teme."
(II, i, 5)
"Aquele Ser, que é o poder inato de todos os poderes, que está incorporado nos
elementos e que vive no lótus do coração, é o Eu." (II, i, 7)
"Somente pela mente purificada pode o indivisível Brahman ser atingido. Aquele
que vê apenas multiplicidade em Brahman vaga de morte a morte." (II, i, 11)
"Assim como a chuva que cai no topo da montanha espalha-se em todas as direções,
assim aquele que vê apenas multiplicidade corre em todas as direções." (II, i,
14)
"Assim como a água pura despejada em água pura permanece pura, assim permanece
puro aquele que conhece a unidade de Brahman." (II, i, 15)
"Aquele que medita na Consciência pura, que habita o corpo, a cidade dos onze
portões, não mais sofre. Ele se torna livre para sempre." (II, ii, 1)
"O Eu é o sol no céu, o ar no espaço, o fogo no altar, o hóspede na casa; é
todos os homens e todos os deuses. O Eu vive na água e sobre a terra, em verdade
e em grandiosidade. Realidade Onipresente é o Eu." (II, ii, 2)
"0 Nachiketa! Contar-te-ei sobre o Espírito eterno e sobre o que acontece após a
morte." (II, ii, 6)
"Alguns entram, através do ventre, em seres viventes; outros entram em matéria,
de acordo com suas obras e com seu conhecimento." (II, ii, 7)
"Como o fogo, que é um, toma a forma daquilo que consome, da mesma forma o Eu,
embora um, toma a forma daquilo que Ele penetra. Ele existe também fora." (II,
ii, 9)
"Como o sol, que ilumina o mundo, não é afetado pelas impurezas sobre as quais
brilha, da mesma forma o Eu, que habita todas as coisas, não é tocado pelo mal,
existindo fora deles." (II, ii, 11)
"O Eu é um, supremo, o Eu de todos os seres. Embora um, Ele toma a forma de
muitos. O sábio que o descobrir dentro rejubila-se; quem mais pode se
rejubilar?" (II, ii, 12)
"Eterno entre coisas transientes, embora um, Ele preenche os desejos de muitos.
O sábio que O descobre dentro encontra a paz: quem mais pode encontrar paz?"
(II, ii, 13)
"O universo é uma árvore com raízes para cima e ramos espalhados pelo solo. As
raízes saem de Brahman, Espírito eterno. Em Isto todas as coisas vivem, e nada
pode ir além d'Ele; Isto é Eu." (II, iii, 1)
"Os órgãos de percepção têm sua origem separada; sua ação e inação são distintas
do Eu. O sábio, conhecedor disto, não mais se entristece." (II, iii, 6)
"Quando os órgãos sensoriais e a mente se tornarem calmos, quando o intelecto
não oscilar, então o homem alcançará o mais elevado estado." (II, iii, 10)
"O controle firme e constante dos sentidos e da mente chama-se Ioga. Tendo
atingido o mais elevado estado, o iogue não pode errar." (II, iii, 11)
"Brahman não pode ser conhecido por meio de discurso, nem alcançado pela mente,
nem visto pelos olhos. Ele só pode ser ensinado pela experiência daqueles que
Lhe afirmam a existência." (II, iii, 12)
"Primeiramente, deve ser compreendida a existência do eu individual; isto leva
então ao conhecimento de sua verdadeira natureza, que é Existência pura." (II,
iii, 13)
"O mortal, que extinguiu todos os desejos, embora esteja ainda no corpo, atinge
Brahman; o finito transforma-se em infinito." (II, iii, 14)
"Quando as cadeias de ignorância que prendem o coração são desfeitas, então o
mortal torna-se imortal. Este é o mais elevado ensinamento das escrituras." (II,
iii, 15)
Nachiketa, tendo recebido do Rei da Morte este conhecimento, e todo o processo
de Ioga, libertou-se do mal e da morte, e atingiu Brahman; aquele que assim
procede, encontra o Eu mais íntimo. (II, iii, 18)
ISA UPANISHAD
O Eu, embora imóvel, move-se mais rápido que a mente. Os sentidos não podem
alcançá-LO, porque o Eu corre na frente deles. Imóvel, Ele ultrapassa aqueles
que correm. Do Eu partem todas as atividades. (4)
Imóvel, Ele se move; Ele está longe, embora perto; está dentro e fora disto
tudo. (5)
O sábio que vê todas as criaturas no Eu, e o Eu em todas as criaturas, não
conhece a dor. (6)
Que desilusão, que dor pode haver para aquele que vê a unidade de vida? (7)
Uma coisa é obtida do conhecimento, outra, da ignorância. O sábio ensinou-nos
isto. (10)
Aquele que sabe distinguir o conhecimento da ignorância domina a morte que brota
da ignorância e obtém vida imortal através do conhecimento. (11)
KENA UPANISHAD
O estudante perguntou: "O que põe minha mente em movimento? O que dirige o prana
em mim? O que me faz falar? Que deus dirige meus olhos e ouvidos?" (I, 1)
O mestre respondeu: "Ele pensa em todas as mentes, vive em todas as vidas, fala
por todas as bocas, olha por todos os olhos, e ouve por todos os ouvidos. O
sábio desliga o Eu dos sentidos, e, renunciando ao mundo, alcança a
imortalidade." (I, 2)
"O olho -não O pode ver e a mente não O pode conhecer. Não O conhecemos e não
podemos ensiná-Lo. É diferente do conhecido e do desconhecido. Assim nos
disseram os antigos mestres." (I, 3-4)
"Conhece isto como Brahman que não pode ser expresso pela fala, mas pelo qual a
fala pode ser expressa; não aquilo que é adorado pelos ignorantes." (I, 5)
"Conhece isto como Brahman que não pode ser pensado pela mente, mas pelo qual a
mente pensa; não aquilo que é adorado pelos ignorantes." (I, 6)
"Conhece isto como Brahman que não pode ser visto pelo olho, mas pelo qual o
olho vê; não aquilo que é adorado pelos ignorantes." (1, 7)
"Conhece isto como Brahman que não pode ser ouvido pelo ouvido, mas pelo qual o
ouvido ouve; não aquilo que é adorado pelos ignorantes." (I, 8)
"Conhece isto como Brahman sem o qual a vida não pode viver, aquilo que torna
tudo vivo; não aquilo que é adorado pelos ignorantes." (I, 9)
O mestre disse: "Se achas que sabes muito sobre Brahman, então certamente sabes
pouco; somente o conheces através de uma mente condicionada pelo homem e pela
circunstância." (II, 1)
Em tempos antigos os deuses da natureza convenceram-se de que eram todo-
poderosos. (III, 1)
O Espírito, entendendo a errônea noção dos deuses, apareceu. Os deuses não
sabiam quem era o Espírito. (III, 2)
Disseram a Agni, deus do fogo: "Agni, descobre quem é este misterioso Espírito!"
(III, 3)
Agni acorreu ao Espírito e disse: "Eu sou Agni." (III, 4)
O Espírito perguntou: "O que és capaz de fazer?"
Agni disse: "Posso queimar qualquer coisa e tudo que há neste mundo." (III, 5)
O Espírito depôs uma palha, e falou a Agni: "Queima isto." Agni engoliu a palha
mas não foi capaz de queimá-la. Imediatamente voltou para a companhia dos deuses
e confessou: "Não posso descobrir quem é esse Espírito misterioso." (III, 6)
Os deuses disseram então a Vaya, o deus do ar: "Vaya, descobre quem é esse
misterioso espírito!" (III, 7)
Vaya acorreu ao Espírito e disse: "Eu sou Vaya." (III, 8)
O Espírito perguntou: "O que és capaz de fazer?" Vaya disse: "Posso soprar
qualquer coisa e tudo que há neste mundo." (III, 9)
O Espírito depôs uma palha, e falou a Vaya: "Sopra isto." Com todo seu poder,
Vaya arrojou-se sobre a palha, mas não pôde movê-la. Imediatamente, voltou para
a companhia dos deuses e confessou: "Não posso descobrir quem é este Espírito
misterioso." (III, 10)
Então os deuses disseram a Indra, o grande deus de luz: "Indra, descobre quem é
esse Espírito misterioso." Indra acorreu ao Espírito, mas o Espírito desapareceu
instantaneamente. (III, 11)
Indra viu no céu Uma, a bela deusa da sabedoria, filha dos Himalayas. Indra
chegou-se a ela e perguntou: "Quem é este misterioso espírito?" (III, 12)
Uma respondeu: "Aquele Espírito é Brahman; através da grandiosidade de Brahman
sozinho podes atingir a grandiosidade." Indra então entendeu que o Espírito era
Brahman. (IV, 1)
Ouve agora a instrução concernente a Brahman para o eu individual.
O poder da mente pertence a Brahman. Aquele que busca atinge Brahman através da
mente. Deve meditar em Brahman com todos os aspectos de sua mente. (IV, 5)
Este conhecimento está fundamentado sobre austeridade, autocontrole e meditação.
É apoiado pelos Vedas, e sua moradia é a Verdade. (IV, 8)
Aquele que conhece este Upanishad domina todo o mal, e existe para sempre no
Brahman infinito. (IV, 9)
PRASNA UPANISHAD
Estudiosos, trazendo oferendas e fé, aproximaram-se do sábio Pippalada e
pediram-lhe instrução no conhecimento do Brahman supremo. (I, 1)
O sábio disse: "Fiquem comigo durante um ano, praticando austeridade, castidade
e fé; então podereis perguntar o que quiserdes. Se puder, responder-vos-ei." (I,
2)
Quando o ano terminou, um estudioso inquiriu: "Senhor, como todas estas
criaturas vieram a ser?" (I, 3)
O sábio disse: "O Criador, tendo cumprido as austeridades, criou, em meditação,
um casal — prana, a força vital masculina, e rayi, o ali-mento feminino. Ele
desejou que este casal produzisse muitas criaturas." (I, 4)
"Prana, a força vital, é o sol; rayi, o alimento, é a lua. Tudo que tem forma é
alimento." (I, 5)
"O sol nascente ilumina todos os seres no leste, e enche-os de energia. Então,
ilumina as outras regiões, englobando todos os seres com seus raios
vivificantes." (I, 6)
Outro estudioso perguntou: "Senhor, quantos poderes diferentes têm este corpo
junto? Quantos manifestam seu poder através dele? Destes, qual é o mais
elevado?" (II, 1)
O sábio disse: "Os poderes são o éter, o ar, o fogo, a água e a terra. Estes
cinco elementos formam o corpo físico. Também estão presentes a fala, a mente, o
olho e o ouvido. Todos os poderes proclamados sustentam o corpo." (II, 2)
"Prana, a energia principal, disse-lhes: Não vos enganeis. Sou Eu sozinho,
dividindo-me em cinco cursos, que sustento o corpo e o mantenho unido. Mas os
poderes ficaram céticos." (II, 3)
"Prana, em justificação, levantou-se como se estivesse para deixar o corpo. Mas
quando prana se levantou, os outros tiveram que se levantar também. Quando prana
se assentou novamente, os outros puderam se assentar. Como as abelhas seguem sua
rainha quando ela sai, e retornam quando ela retorna, assim é com a fala, a
mente, o olho e o ouvido. Convencidos, começaram a louvar prana." (II, 4)
"Prana arde no fogo, brilha no sol, está na chuva, no maior dos deuses, no ar,
na terra, no alimento. É aquilo que tem forma, e aquilo que não tem forma. E
imortalidade." (II, 5)
"Como raios ao centro da roda, tudo está fixo em prana — os Vedas, os
sacrifícios, os guerreiros, os sacerdotes." (II, 6)
Então outro estudioso perguntou: "Senhor, de onde nasceu este prana? Como entra
no corpo? Como vive no corpo depois de ter-se dividido? Como o abandona? Como
sustenta o que está fora e o que está dentro?" O sábio replicou: "Fazes
perguntas muito difíceis; deves ser um pesquisador sincero. Portanto, responder-
te-ei." (III, 2)
"Prana nasce de Brahman. Como a sombra sai do homem, assim prana sai de Brahman.
Prana penetra no corpo para satisfazer os desejos da mente." (III, 3)
"Como um rei emprega oficiais para governar partes de seu reino, assim prana
emprega pranas secundários, tendo cada qual sua função própria." (III, 4)
"O prana move-se através da boca e do nariz, e vive no olho e no ouvido. Junta-
se a apana nos órgãos de excreção e procriação. No meio do corpo reina samana,
que dirige a digestão e a assimilação." (III, 5)
"O Eu vive no lótus do coração, de onde saem cento e um canais, cada um dos
quais se divide em cem canais, e estes novamente em setenta e dois mil canais
menores. Em todos estes canais, vyana reina." (III, 6)
"Subindo por um destes, udana, no momento da morte, conduz o homem virtuoso à
sua recompensa, e o pecador à sua punição; aqueles que foram tanto virtuosos
quanto pecadores são trazidos de volta ao mundo dos homens." (III, 7)
"O sol é o prana do mundo externo; levanta-se, ativando o prana no olho do
homem. A terra controla apana; o éter entre o céu e a terra mantém samana; o
vento, vyana." (III, 8)
"Udana toma o desejo da mente no momento de morte, retorna a prana, e prana,
guiado por udana, leva a alma ao mundo que mereceu." (III, 10)
"Aquele que conhece a origem de prana, sua entrada no corpo, como assiste após
sua divisão em cinco partes, sua relação interna e externa, obtém imortalidade;
verdadeiramente obtém imortalidade." (III, 12)
Outro estudioso disse: "Senhor, uma vez um príncipe me perguntou se eu conhecia
a Pessoa com dezesseis partes. Não conhecia, e não podia mentir. Na verdade,
aquele que conta mentiras perece, raiz e tudo. Diga-me, por favor, onde mora
essa Pessoa?" (VI, 1)
O sábio disse: "A Pessoa com as dezesseis partes vive neste corpo." (VI, 2)
"Aquela Pessoa refletiu: — Com a partida de qual partirei, e com a permanência
de qual ficarei?" (VI, 3)
"Então ele criou prana; de prana, desejo; de desejo, éter; de éter, o ar; de ar,
fogo; de fogo, água; de água, terra; de terra, sentidos; de sentidos, mente; de
mente, alimento; de alimento, virilidade; de virilidade, austeridade; de
austeridade, os Vedas; dos Vedas, sacrifício; de sacrifício, mundo; de mundo,
nomes." (VI, 4)
"Como rios correm para o mar, perdendo seus nomes e formas, chamados apenas de
mar; assim estas dezesseis partes criadas por aquela Pessoa fluem para aquela
pessoa, e são chamadas de Eu. Então aquele que vê torna-se livre de partes e
imortal. Este é meu ensinamento." (VI, 5)
"Conhece o Eu que é a meta do conhecimento, e no qual as partes repousam
firmemente, como os raios no centro da roda. Conhece o Eu, e não morras ' mais."
(VI, 6)
"Eu vos disse tudo que pode ser dito sobre o Eu, o supremo Brahman; além disso,
não há nada." (VI, 7)
Os estudiosos reverenciaram o sábio e disseram: "Es de fato nosso pai. Guiaste-
nos pelo mar de ignorância.
Curvamo-nos aos grandes rishis!
Curvamo-nos aos grandes rishis" (VI, 8)
MUNDAKA UPANISHAD
O primeiro dos deuses era Brahma, criador e protetor do universo. Revelou o
Conhecimento de Brahman, o fundamento de todo o conhecimento, a seu filho mais
velho Atharva. (I, i, 1)
Há muito tempo, Atharva relatou isto a Angir, que o transferiu a Satyavaka,
membro da família Bharadvaya. Satyavaka ensinou-o a Angiras. (I, i, 2)
Saunaka, o famoso patriarca, aproximou-se de Angiras e perguntou
respeitosamente: "Santo Senhor, o que é aquilo que, quando conhecido, faz com
que conheçamos todas as coisas?" (I, i, 3)
Angiras replicou: "Os conhecedores de Brahman nos dizem que há duas espécies de
conhecimento — o conhecimento mais elevado e o conhecimento inferior." (I, i, 4)
"O inferior é o conhecimento do Rig-, do Yajur-, do Santa- e do Atharva-Veda, de
fonética, cerimoniais, gramática, etimologia, métrica e astronomia; o mais
elevado é o conhecimento por meio do qual atinge-se o Brahman infinito." (I, i,
5)
"Através do conhecimento mais elevado o sábio vê aquilo que não pode ser visto
nem compreendido, aquilo que não possui olhos nem ouvidos, mãos nem pés, que é
não-causado, todo-prevalente, onipresente entretanto imensuravelmente minuto,
imperecível e origem de todos os seres." (I, i, 6)
Assim como a teia sai da aranha e é retirada novamente, como a planta sai da
terra, e os cabelos do corpo do homem, assim o mundo sai de Brahman. (I, i, 7)
"A reflexão de Brahman fez prakriti (matéria prístina) pronta para manifestação;
de prakriti veio prana; de prana, a mente; da mente, os elementos; dos
elementos, os mundos; dos mundos, karma (ações); de karma, seus resultados
imortais." (I, i, 8)
"Brahman tudo sabe e tudo compreende; Brahman é o conhecimento em si. De Brahman
saem Brahma, nome, forma e alimento." (I, i, 9)
"Brahman vive no coração. É o sustentáculo e centro de tudo que se move e
respira. Aquilo que é o grosso e o tênue, que é supremo e além do aprendizado,
conhece isso para ser teu Eu." (II, ii, 1)
"Tome os Upanishads, a grande arma, como o arco; deite contra ele a flecha de
devoção. Puxando o arco rápido com a mente concentrada em Brahman, acerta o alvo
— o Imperecível." (II, ii, 3)
"Om é o arco; atman, o eu individual, é a flecha; Brahman, o Eu Universal, é o
alvo. Mira com a mente concentrada, e torna-te um com Brahman, da mesma forma
que a flecha se junta ao alvo." (II, ii, 4)
"Em Brahman estão o céu entretecido, a terra e o espaço, a mente e os sentidos.
Conhece o Eu, descarta tudo o mais. Brahman é a ponte para a imortalidade." (II,
ii, 5)
"Como os raios da roda encontram-se no centro, assim as muitas formas de Brahman
centram-se no lótus do coração onde se encontram os canais. Medita no Eu como
Om, e cruza o mar de escuridão." (II, ii, 6)
"Nem o sol, a lua, as estrelas, o fogo, nem o relâmpago iluminam Brahman. Quando
Brahman brilha, tudo brilha; todas as coisas no mundo refletem a luz de
Brahman." (II, ii, 10)
"Brahman está em toda parte, à direita, à esquerda, em cima, embaixo, atrás e na
frente. O mundo é apenas Brahman." (II, ii, 11)
"Este Eu, residindo dentro do lótus do coração, é encontrado pelos ascetas
através da perseverança, veracidade, inteligência e castidade." (III, i, 5)
"A verdade triunfa sozinha, a falsidade não. A senda para a alegria é recoberta
com verdade. Ao longo dela, os profetas, com desejos dominados, viajam para a
morada da Verdade." (III, i, 6)
"Os olhos não podem ver Brahman, nem pode a língua dizê-Lo, nem os sentidos
alcançá-lo. Brahman não pode ser descoberto pela penitência ou por ritual de
sacrifício. Quando o coração tiver-se tornado puro, e a mente calma, então será
revelada a Verdade informe." (III, i, 8)
"O Eu brilha neste corpo onde o prana se divide em cinco cursos. Penetrando
mente e sentidos, o Eu brilha para o intelecto puro." (III, i, 9)
"O sábio conhece Isto que contém o universo. O homem que, tendo dominado os
desejos, reverencia o sábio escapará dos nascimentos e mortes." (III, ii, 1)
"O Eu não pode ser conhecido pelo fraco, nem pelo timorato, nem através de
austeridade sem objetivo. Mas o sábio que é forte, deter-minado e sincero,
penetrará na morada de Brahman." (III, ii, 4)
"Tendo atingido o Eu, os profetas estão satisfeitos com seu Conhecimento. Livres
de paixão, tranqüilos, vêem o Ser onipresente em todos os lados. Esses sábios,
com mentes concentradas, penetram o Todo." (III, ii, 5)
"Verdadeiramente, aquele que conhece o supremo Brahman, torna-se Brahman. Nenhum
em sua família nasce ignorante de Brahman. Excede a tristeza e o pecado.
Liberado dos embaraços do coração, torna-se imortal." (III, ii, 9)
AITAREYA UPANISHAD
No início era o Eu, um apenas. Nada mais se movia. Ele pensou: "Deixe-me criar
os mundos." (I, i, 1)
Ele criou estes mundos: o mundo de nuvens, o mundo de raios de luz, o mundo de
terra, e o mundo de águas. As nuvens estão acima do céu, e são sustentadas pelo
céu. Os raios de luz são espaço. Sobre a terra há mortais. Embaixo estão as
águas. (I, i, 2)
Pensou: "Eis os mundos. Agora, deixe-me criar seus dirigentes." Das águas, tirou
a Pessoa, e deu-Lhe uma forma. (I, i, 3)
Pairou sobre ele. Na pessoa apareceu uma boca; da boca veio a fala, da fala,
fogo. Formou-se um nariz; das narinas veio o fôlego; do fôlego, ar. Os olhos
tomaram forma; dos olhos veio a visão; da visão, o sol. Apareceram as orelhas;
das orelhas, veio a audição; da audição, os quadrantes de espaço. A pele
cresceu; da pele, vieram os cabelos; dos cabelos, plantas e árvores. Formou-se o
coração; do coração, veio a mente; da mente, a lua. Apareceu o umbigo; do
umbigo, veio a respiração inferior, apana; de apana, morte. Formou-se o órgão
sexual; do orgão sexual, veio a semente; da semente, água. (I, i, 4)
Estes deuses assim criados caíram nas grandes águas. O Eu submeteu os deuses a
fome e sede. Os deuses disseram: "Encontra-nos um lugar onde possamos viver e
comer". (I, ii, 1)
O Criador trouxe-lhes uma vaca. Eles disseram: "Não nos é suficiente". Então Ele
lhes trouxe um cavalo. Disseram: "Não nos é suficiente". (I, ii, 2)
Então Ele lhes trouxe um homem. Os deuses disseram: "Este, de fato, está bem
feito". Portanto, um homem é algo bem feito. Ele falou aos deuses: "Entrai em
vossas moradias". (I, ii, 3)
O deus do fogo, tornando-se fala, penetrou a boca. Ar, tornando-se fôlego,
penetrou as narinas. O sol, tornando-se visão, penetrou os olhos. Os quadrantes
de espaço, tornando-se audição, penetraram os ouvidos. Plantas e árvores,
tornando-se cabelos, penetraram a pele. A lua, tornando-se mente, penetrou o
coração. Morte, tornando-se apana, penetrou o umbigo. Água, tornando-se semente,
penetrou o órgão sexual. (I, ii, 4)
A fome e a sede disseram: "Encontra-nos também moradia". O Cria-dor disse-lhes:
"Dou-vos um lugar em todos estes deuses, e desfrutareis com eles. Portanto,
qualquer oferenda que a qualquer deus seja feita, fome e sede nela terão parte".
(I, ii, 5)
Ele pensou: "Eis aqui os mundos, e os dirigentes dos mundos. Criarei alimento
para eles". (I, iii, 1)
Pairou sobre as águas, e das águas emergiu uma forma. Essa forma era, de fato,
alimento. (I, iii, 2)
O alimento assim criado fugiu do homem. O homem tentou agarrá-lo com a fala. Mas
não foi capaz de agarrá-lo com a fala. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com a
fala, falar sobre ele teria sido suficiente. (I, iii, 3)
O homem tentou agarrá-lo com o fôlego. Mas não foi capaz de agarrá-lo com o
fôlego. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com o fôlego, inalá-lo teria sido
suficiente. (I, iii, 4)
O homem tentou agarrá-lo com a visão. Mas não foi capaz de agarrá-lo com a
visão. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com a visão, olhar para ele teria sido
suficiente. (I, iii, 5)
O homem tentou agarrá-lo com a audição. Mas não foi capaz de agarrá-lo com a
audição. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com a audição, ouvi-lo teria sido
suficiente. (I, iii, 6)
O homem tentou prendê-lo com a pele. Mas não foi capaz de prendê-lo com a pele.
Se tivesse sido capaz de prendê-lo com a pele, tocá-lo teria sido suficiente.
(I, iii, 7)
O homem tentou agarrá-lo com a mente. Mas não foi capaz de agarrá-lo com a
mente. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com a mente, pensar sobre ele teria
sido suficiente. (I, iii, 8)
O homem tentou agarrá-lo com o órgão sexual. Mas não foi capaz de agarrá-lo com
o órgão sexual. Se tivesse sido capaz de agarrá-lo com o órgão sexual, emitir a
semente teria sido suficiente. (I, iii, 9)
O homem tentou então agarrá-lo com o ar inferior, apana, e conseguiu. Aquele que
agarra alimento, isto é o ar. Este ar é o que vive de alimento. (I, iii, 10)
O Criador pensou: "Como podem eles existir sem Mim? Por qual caminho penetrarei
o corpo?" Pensou: "Se a língua fala, o nariz olfata, os olhos vêem, os ouvidos
ouvem, a pele sente, a mente pensa, apana digere, e o órgão sexual emite, então
como irá o homem conhecer-Me?" (I, iii, 11)
Abriu o topo da cabeça, e entrou através da abertura, que é chamada de o portão
de alegria. O Eu tem três moradias: as condições de despertar, sonhar e dormir
profundamente. (I, iii, 12)
Então, manifesto como o eu individual, percebeu os seres criados. Que mais ter-
se-ia para dizer? Ele nada viu exceto Brahman todo-penetrante, e falou: "Eu
conheço Brahman". (I, iii, 13)
Primeiramente, o eu é a semente do homem. Essa semente é vigor conjunto de todos
os membros. O homem porta a semente em si mesmo. Quando ejeta sua semente numa
mulher, dá-lhe um nascimento. É o primeiro nascimento do eu. (II, i, 1)
A semente torna-se parte da mulher; porque torna-se parte dela, não lhe causa
dano algum. Alimenta este eu que a penetrou. (II, i, 2)
Alimenta a mulher, porque ela alimenta a semente. Após o nascimento, o pai
alimenta o filho. Alimentando o filho, alimenta a si mesmo. Este é o segundo
nascimento do eu. (II, i, 3)
O filho transforma-se no substituto do pai para a realização de atos virtuosos.
Quando o pai terminou seus deveres e exauriu seus anos, parte e nasce novamente.
Este é o terceiro nascimento do eu. (II, i, 4)
O sábio Vamadeva disse: "Enquanto estava no ventre, eu conhecia todos os
nascimentos dos deuses. Estava confinado por uma centena de prisões de ferro, no
entanto, libertei-me rapidamente, como um falcão". (II, i, 5)
Assim, o sábio Vamadeva, dotado de conhecimento, tornou-se um com Brahman.
Ascendendo aos mundos celestiais, obteve todos os seus desejos, e tornou-se
imortal; sim, tornou-se imortal. (II, i, 6)
Qual o Eu, acerca do qual devemos meditar? E Ele por quem vemos, ouvimos,
olfatamos, falamos, e distinguimos o doce do amargo? (III, i, 1)
Ele está no coração e na mente como consciência, percepção, conhecimento,
sabedoria, imperturbabilidade, pensamento, meditação, impulso, memória,
concepção, propósito, vida, desejo, ânsia — todos esses são nomes de
Consciência. (III, i, 2)
Ele é Brahma; é Indra; é Prajapati; é todos esses deuses. E estes cinco grandes
elementos — terra, ar, éter, água, luz. E as pequenas e as grandes criaturas. Os
nascidos de ovos, ventre, suor e solo, cavalos, vacas, homens, elefantes, tudo o
que respira, tudo que se move, ou voa, ou não se move. Tudo que é guiado pela
Consciência é estabelecido em Consciência. Tudo isto está baseado em
Consciência. Brahman é Consciência. (III, i, 3)
O sábio Vamadeva, conhecendo a Consciência, elevou-se deste mundo. Obtendo todos
os seus desejos no mundo celestial, tornou-se imortal; sim, tornou-se imortal.
(III, i, 4)
CHANDOGYA UPANISHAD
Om. Svetaketu era neto de Aruna. Seu pai, chamado Uddalaka,. disse-lhe:
"Svetaketu, leva a vida de um brahmacharin [estudante religioso]; nenhum membro
de nossa família, filho, é um brahmin [membro da casta sacerdotal] apenas de
nascimento". (VI, i, 1)
Svetaketu encontrou um mestre 'e tornou-se estudante com a idade de doze anos.
Estudou os Vedas. Com a idade de vinte e quatro anos voltou para casa, —
convencido, considerando-se bem instruído, e arrogante. Uddalaka lhe disse:
"Svetaketu, uma vez que te consideras profundo conhecedor, já mediste instrução,
(VI, i, 3)
"pela qual ouve-se o que não pode ser ouvido, percebe-se o que não pode ser
percebido, compreende-se o que não pode ser compreendido?" Svetaketu perguntou:
"Que instrução é essa, Senhor?" (VI, i, 3)
Uddalaka replicou: "Filho, assim como conhecendo um torrão de argila todas as
coisas de argila ficam conhecidas, a diferença estando apenas' nos nomes que
provêm da fala, a verdade é que são argila; (VI, i, 4)
"como conhecendo uma pepita de ouro conhecem-se todas as coisas feitas de ouro,
residindo a diferença apenas nos nomes dados pela fala, a verdade é que são
ouro; (VI, i, 5)
"como conhecendo uma peça de metal conhecem-se todas as coisas feitas de metal,
residindo a diferença apenas nos nomes dados pela fala, a verdade é que são
metal — assim, filho, é essa instrução." (VI, i, 6)
Svetaketu disse: "Aparentemente meu reverendo mestre não a conhecia. Pois
tivesse-a conhecido, certamente ter-ma-ia ensinado. Portanto, Senhor, por favor,
instrui-me".
"Eu o farei, filho", disse Uddalaka. (VI, i, 7)
"No início, filho, havia apenas Ser, um sem um segundo. Alguns dizem que havia
apenas não-ser, e que do não-ser o Ser nasceu." (VI, ii, 1)
"Mas como poderia isso ser verdade, filho?" disse Uddalaka. "Como poderia aquilo
que é nascer do que não é? Não, filho, no início, havia apenas Ser, um sem um
segundo." (VI, ii, 2)
"Ele pensou: — Deixa-Me ser muitos, deixa-me crescer mais. — Produziu o fogo.
Esse fogo pensou: Deixa-me. ser muitos, deixa-me crescer mais. — Produziu a
água. Portanto, quando uma pessoa está quente e
transpira, produz água do calor do fogo." (VI, ii, 3)
"A água pensou: — Deixa-me ser muitos, deixa-me crescer mais. — Produziu o
alimento. Portanto, quando chove, o alimento é produzido em abundância. Assim,
alimento comestível é produzido pela água". (VI, ii, 4)
"Aquele Ser pensou: — Deixa-Me penetrar estes três deuses por meio do eu, e
desenvolver nomes e formas." (VI, iii, 2)
"Deixa-Me fazer cada um desses deuses tríplice, — pensou aquele Ser pois que
penetrou estes deuses, e desenvolveu nomes e formas." (VI, iii, 3)
"Quando ingerido, o alimento torna-se tríplice: sua porção maior torna-se fezes,
sua porção média carne, sua parte menor mente." (VI, v, 1)
"Quando ingerida, a água torna-se tríplice — sua porção maior torna-se urina,
sua porção média sangue, sua parte menor prana." (VI, v, 2)
"O fogo quando absorvido (em alimentos caloríficos) torna-se tríplice — sua
porção maior torna-se ossos, sua porção média medula, sua parte menor fala."
(VI, v, 3)
"Portanto, filho, a mente provém do alimento, prana da água, e a fala do fogo."
"Por favor, Senhor, instrui-me ainda mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, v, 4)
Uddalaka, filho de Aruna, falou a Svetaketu: "Aprende de mim agora a verdadeira
natureza do sono. Quando um homem dorme, então, filho, une-se àquele Ser; vai ao
seu verdadeiro Eu. Portanto, dizem que ele dorme, pois entrou em seu eu." (VI,
viii, I)
"Assim como um pássaro atado a um cordel voa primeiro em todas as direções, e
não encontrando pousada, finalmente pousa no mesmo lugar onde está atado, também
a mente, após esvoaçar em todas as direções, e não encontrando onde repousar,
finalmente repousa em prana; pois, de fato, filho, a mente está atada a prana."
(VI, viii, 2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo quanto existe, existe o eu. Isto é
Verdade, Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais ainda", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, viii, 7)
"Como as abelhas, filho, produzem mel juntando os sucos de diferentes flores, e
os reduzem a uma mistura, (VI, ix, 1)
"e assim como esses sucos não sofrem discriminação no mel, da mesma forma podem
dizer: — Eu sou o suco desta ou daquela flor, — pois, de fato, filho, todas
estas criaturas, embora imersas naquele Ser, não sabem que estão imersas naquele
Ser." (VI, ix, 2)
"O que quer que sejam tais criaturas neste mundo — tigre, leão, lobo, javali,
inseto, mosca, pernilongo ou mosquito — tornam a ser o que são." (VI, ix, 3)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo aquilo que existe, existe o eu. Isto é
Verdade. Isto é o Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, ix, 4)
"Estes rios, filho, fluem — no leste para o oriente, no oeste para o ocidente.
Nascem do mar [vapor, nuvens, chuva] e fluem para o mar.. Tornam-se mar. Como
estes rios, enquanto estão no mar, não sabem — Sou este ou aquele rio, (VI, x,
1)
"— da mesma maneira, filho, todas estas criaturas, nascendo do Ser, não sabem
que se originaram do Ser. O que quer que sejam tais criaturas neste mundo —
tigre, leão, lobo, javali, inseto, mosca, pernilongo ou mosquito — tornam a ser
o que são." (VI, x, 2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo aquilo que existe, existe o eu. Isto é
Verdade. Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, x, 3)
"Se desferires um golpe contra a raiz dessa grande árvore, ela perderá seiva,
mas continuará a viver. Se desferires um golpe contra seu tronco, ela perderá
seiva, mas continuará a viver. Se desferires um golpe contra seu cimo, ela
perderá seiva, mas continuará a viver. A árvore é penetrada pelo Eu, e permanece
firme, bebendo feliz seu alimento." (VI, xi, 1)
"Mas se a vida abandona um dos ramos da árvore, tal ramo seca; se abandona um
segundo, o segundo ramo seca; se abandona um terceiro, o terceiro ramo seca. Se
abandona a árvore toda, a árvore toda seca. Exatamente da mesma forma, filho",
Uddalaka disse, "conhece isto: (VI, xi, 2)
"Veramente, este corpo seca e morre quando privado do Eu, mas o Eu não morre.
Naquilo que é a essência sutil, em tudo que existe, existe o eu. Isto é Verdade.
Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, xi, 3)
"Apanha-me uma fruta naquela figueira."
"Ei-la, Senhor."
"Abre-a, filho."
"Está aberta, Senhor."
"O que vês dentro dela?"
"Pequenas sementes, Senhor."
"Abre uma delas."
"Está aberta, Senhor."
"O que vês dentro dela?"
"Nada, Senhor." (VI, xii, 1)
Uddalaka disse: "Filho, daquela essência sutil que não percebes, dessa mesma
essência ergue-se a grande figueira. Acredita no que te digo, filho." (VI, xii,
2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo que existe, existe o eu. Isto é
Verdade. Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou.
"Coloca este sal em água; vem ver-me pela manhã", Uddalaka disse. Svetaketu
seguiu a instrução de seu pai.
Pela manhã, Uddalaka disse: "Por favor, traga-me o sal que puseste na água ontem
à noite."
Svetaketu procurou o sal, mas não pode encontrá-lo, uma vez que ele havia se
dissolvido completamente. (VI, xiii, 1)
"Toma um gole da superfície", Uddalaka disse. "Que gosto tem?" "Está salgada",
Svetaketu disse.
"Toma um gole do meio, e diga-me que sabor tem", Uddalaka disse. "Está salgada."
"Agora, toma um gole do fundo", pediu Uddalaka a seu filho. "Que gosto tem?"
"Está salgada."
"Joga a água fora", Uddalaka disse, "e vem a mim."
Svetaketu assim procedeu, percebendo: "O sal continua a existir."
Então Uddalaka disse: "Meu filho, não percebes que o Ser está aqui no corpo,
mas, verdadeiramente, Ele está." (VI, xiii, 2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo aquilo que existe, existe o eu. Isto é
Verdade, Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, xiii, 3)
"Assim como se pode conduzir uma pessoa vendada para longe da província de
Gandhara, e deixá-la em lugar deserto; e assim como essa pessoa giraria e
giraria, gritando: — Trouxeram-me aqui vendada! Trouxeram-me aqui vendada!" (VI,
xiv, I)
"E assim como logo após alguém poderia tirar-lhe a venda, e dizer-lhe: —
Gandhara fica nesta direção; siga por aqui —; assim como em seguida, se fosse
pessoa sensata, indagando seu caminho de vila em vila, chegaria finalmente de
volta a Gandhara — exatamente da mesma forma um homem que encontrou um mestre
obtém o verdadeiro conhecimento. Para ele há apenas demora enquanto não é
libertado da ignorância; após isso, atinge a perfeição." (VI, xiv, 2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo que existe, existe o eu. Isto é
verdade. Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instrui-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, xiv, 3)
"Os parentes rodeiam um moribundo, perguntando: — Reconheces-me? Reconheces-me?
— Enquanto sua fala não se funde em sua mente, sua mente em prana, prana em
fogo, e fogo na deidade mais elevada, ele os reconhece." (VI, xv, 1)
"Mas quando a fala funde-se em sua mente, a mente em prana, prana em fogo, e
fogo na deidade mais elevada, ele não mais os reconhece." (VI, xv, 2)
"Naquilo que é a essência sutil, em tudo que existe, existe o eu. Isto é
Verdade. Isto é Eu. Isto tu és!"
"Por favor, Senhor, instruí-me mais", disse Svetaketu.
"Eu o farei, filho", Uddalaka replicou. (VI, xv, 3)
"Filho, trazem um homem detido, dizendo: — Este homem roubou algo; cometeu um
roubo. Esquentem o machadinho para ele. — Se o homem cometeu a ofensa e a nega,
então é mentiroso. Cometendo falsidade, cobre-se de mentira, agarra-se ao
machadinho quente, e se queima. Então é morto." (VI, xvi, 1)
"Mas se não cometeu a ofensa, então é verdadeiro. Sendo verdadeiro, cobre-se de
verdade, agarra-se ao machadinho quente — mas não se queima, e é libertado."
(VI, xvi, 2)
"Assim como o homem que não foi queimado vivia em verdade, da mesma forma tudo
que existe naquele Ser tem seu eu. Isto é Verdade. Isto é Eu. Isto tu és,
Svetaketu!"
Então Svetaketu compreendeu o que havia sido dito; sim, compreendeu. (VI, xvi,
3)
Narada havia-se aproximado do sábio Sanatkumara, pedindo instrução. Estes são os
ensinamentos do sábio do Infinito:
"O Infinito é felicidade. Não há felicidade em nada finito. Precisamos desejar
entender o Infinito."
"Venerável Senhor", Narada disse, "eu desejo entender o Infinito." (VII, xxiii)
"Onde nada se vê, nada se ouve, nada se conhece — esse é o Infinito. Onde se vê
algo mais, ouve-se algo mais, conhece-se algo mais — esse é o finito. O Infinito
é imortal; o finito é mortal!"
"Venerável Senhor, onde repousa o Infinito?" Narada perguntou.
"Repousa em sua própria grandeza, e não mesmo em grandeza." (VII, xxiv, 1)
"Neste mundo chamam grandeza à. posse de vacas, cavalos, elefantes, ouro,
escravos, mulheres, campos ou casas. Eu não me refiro a esse tipo de grandeza",
disse o sábio. "Pois, nesses casos, uma coisa depende da outra." (VII, xxiv, 2)
"O Infinito está embaixo, em cima, atrás, na frente, à direita, à esquerda. O
Infinito é, de fato, tudo isto."
"Agora segue-se a instrução do Infinito como "eu": Eu estou embaixo, em cima,
atrás, na frente, à direita, à esquerda. Sou de fato tudo isto." (VII, xxv, I)
"Em seguida, a instrução do Infinito como o Eu: O Eu está em cima, embaixo,
atrás, em frente, à direita, à esquerda. O Eu é, de fato, tudo isto."
"Aquele que vê, sente e conhece isto, ama o Eu, deleita-se no Eu, regozija-se no
Eu, festeja no Eu. Torna-se independente; move-se a seu bel-prazer em todos os
mundos."
"Mas aqueles que pensam diferentemente deste são dirigidos por outros. Vivem em
mundos perecíveis, e não possuem liberdade." (VII, xxv, 2)
"Para aquele que vê, sente, e conhece isto, prana sai do Eu, esperança sai do
Eu, memória sai do Eu; éter, fogo, água, aparecimento, desaparecimento,
alimento, poder, entendimento, meditação, pensamento, desejo, mente, fala,
nomes, hinos sacros, sacrifícios... veramente, tudo sai do Eu." (VII, xxvi, 1)
"Aquele que conhece isto não vê a morte, nem doença, nem dor; aquele que conhece
isto conhece todas as coisas e obtém todas as coisas em todo o lugar." "E um,
torna-se três, cinco, sete, nove; então é chamado de décimo primeiro, depois de
décimo centésimo e de vigésimo milésimo."
"Quando o alimento intelectual é puro, a mente torna-se pura. Quando a mente
está pura, a memória torna-se firme. Quando a memória se mantém firme, todas as
amarras são soltas."
O venerável Sanatkumara mostrou a Narada, após lavar suas impurezas, o outro
lado da escuridão. Chamam Sanatkumara de Skanda [homem sábio]; sim, chamam-no
Skanda. (VII, xxvi, 2)
Prajapati falou: "O Eu que está livre de pecado, velhice, morte e dor, livre de
fome e sede, com desejos verdadeiros e pensamentos verdadeiros, é esse Eu que
devemos buscar, esse Eu que devemos tentar conhecer. Aquele que buscou esse Eu e
O conhece obtém todos os mundos e todos os seus desejos." (VIII, vii, 1)
Deuses e demônios ouviram estas palavras e disseram: "Busquemos este Eu pela
descoberta do qual todos os mundos são obtidos, e todos os desejos conferidos."
Indra, rei dos deuses, e Vairochana, rei dos demônios, foram, sem ter-se
comunicado, a Prajapati, com oferendas nas mãos. (VIII, vii, 2)
Após terem permanecido trinta e dois anos praticando a castidade, Prajapati
perguntou: "Por que estais ambos aqui?"
Replicaram: "Disseste que O Eu que está livre de pecado, velhice, morte e dor,
livre de fome e sede, com desejos verdadeiros e pensamentos verdadeiros, é esse
Eu que devemos buscar, esse Eu que devemos tentar conhecer. Aquele que buscou
esse Eu e O conhece obtém todos os mundos e todos os seus desejos. Estamos ambos
aqui porque desejamos esse Eu." (VIII, vii, 3)
Prajapati disse: "A pessoa vista no olho é o Eu." Acrescentou: "E o Brahman
imortal, destemido."
Eles perguntaram: "Venerável Senhor, aquele que é visto na água, e é visto em um
espelho, quem é ele?"
Prajapati respondeu: "Ele mesmo é visto em tudo isto." (VIII, vii, 4)
"Olhai-vos em uma tigela d'água. O que quer que ainda não compreendeis acerca do
Eu, vinde e dizei-me."
Olharam-se numa tigela d'água. Prajapati perguntou-lhes: "O que vedes?" Ambos
responderam: "Venerável Senhor, vemos o eu completo, uma gravura detalhada com
cabelos e unhas." (VIII, viii, 1)
Prajapati disse: "Após adornar-vos, colocar vossos melhores trajes, e limpar-
vos, olhai-vos novamente na água." Após adornarem-se, colocarem seus melhores
trajes e limparem-se, olharam-se novamente na tigela d'água
"O que vedes?", Prajapati perguntou. (VIII, viii, 2)
Replicaram: "Exatamente que estamos adornados, vestidos com nossos melhores
trajes e limpos, Venerável Senhor, pois que ambos estamos aqui, adornados,
vestidos com nossos melhores trajes, e limpos." Prajapati disse: "Isto é o Eu;
isto é o imortal, destemido Brahman." Ambos se foram com os corações
satisfeitos. (VIII, viii, 3)
Prajapati, vendo-os irem-se, disse de si para consigo: "Ambos partem sem ter
encontrado e sem ter conhecido o Eu. Quem quer que siga seus ensinamentos, seja
deus ou demônio, perecerá."
Vairochana, com o coração satisfeito, dirigiu-se aos demônios, e ensinou-lhes
que o corpo deve ser adorado, que o corpo e só ele deve ser servido. Pregou que
aquele que adora e serve o corpo ganha os dois mundos, este e o próximo. (VIII,
viii, 4)
Por esta razão até hoje chamam de demônio a um homem que não dá esmolas, que não
tem fé, e que não oferece sacrifícios; pois esta é a doutrina dos demônios. Eles
enfeitam os corpos dos mortos com perfumes, flores e trajes finos, pensando que
conquistarão o próximo mundo. (VIII, viii, 5)
Mas Indra, depois de juntar-se aos deuses, viu esta dificuldade: "Como este eu,
este reflexo na água, está bem adornado quando o corpo está bem adornado, bem
vestido quando o corpo está bem vestido, limpo quando o corpo está limpo, da
mesma forma este eu ficará cego se o corpo ficar cego, coxo se o corpo ficar
coxo, aleijado se o corpo ficar aleijado, e de fato perecerá quando o corpo
perecer. Não posso ver nada bom nesta doutrina." (VIII, ix, 1)
Ele retornou com oferendas nas mãos. Prajapati disse-lhe: "Indra, partiste com
Vairochana, perfeitamente satisfeito. Por que voltaste?" Indra disse: "Venerável
Senhor, como este eu, este reflexo na água, está bem adornado quando o corpo
está bem adornado, bem vestido quando o corpo está bem vestido, limpo quando o
corpo está limpo, da mesma forma este eu ficará cego se o corpo ficar cego, coxo
se o corpo ficar coxo, aleijado se o corpo ficar aleijado, e de fato perecerá
quando o corpo perecer. Não posso ver nada bom nesta doutrina." (VIII, ix, 2)
"Estás certo, Indra", replicou Prajapati. "Explicar-te-ei mais acerca do Eu.
Fica comigo durante outros trinta e dois anos." Indra permaneceu com Prajapati
durante outros trinta e dois anos; então Prajapati disse: (VIII, ix, 3)
"Aquele que de modo feliz move-se em sonhos, este é o Eu; é o Brahman imortal,
destemido."
Indra partiu com o coração satisfeito. Mas antes de se juntar aos deu-se a, viu
esta dificuldade: "Embora seja verdade que este eu em sonhos não seja cego, nem
mesmo quando o corpo for cego, nem coxo quando o corpo for coxo; embora não
sofra os defeitos do corpo, (VIII, x, 1)
"nem seja abatido quando o corpo for abatido, nem coxeie quando o corpo coxear;
ainda assim é como se o abatessem, como se o acossassem. Toma-se mesmo
consciente da dor, e derrama lágrimas. Não posso ver nada bom nesta doutrina."
(VIII, x, 2)
Retomou novamente com oferendas nas mãos. Prajapati disse-lhe: "Indra, partiste
perfeitamente satisfeito. Por que retornaste?" Indra disse: "Venerável Senhor,
embora seja verdade que este eu em sonhos não seja cego, nem mesmo quando o
corpo for cego, nem coxo quando o corpo for coxo; e embora não sofra os defeitos
do corpo, (VIII, x, 3)
"nem seja abatido quando o corpo for abatido, nem coxeie quando o corpo coxear;
ainda assim é como se o abatessem, como se o acossassem. Toma-se mesmo
consciente da dor, e derrama lágrimas. Não posso ver nada bom nesta doutrina."
"Estás certo, Indra", Prajapati replicou. "Explicar-te-ei mais acerca do Eu.
Fica comigo por outros trinta e dois anos." Indra permaneceu com Prajapati
durante outros trinta e dois anos; então Prajapati disse: (VIII, x, 4)
"Quando um homem está adormecido, repousado, sereno, e não sonha, isto é o Eu,
isto é o Brahman imortal, destemido."
Indra partiu com o coração satisfeito. Mas antes de se juntar aos deuses, viu
esta dificuldade: "De fato, este eu não conhece a si mesmo como eu, nem conhece
coisa alguma absolutamente. Está em completa aniquilação. Não posso ver nada bom
nesta doutrina." (VIII, xi, 1)
Retomou com oferendas nas mãos. Prajapati disse-lhe: "Indra, partiste, com o
coração satisfeito. Por que retomaste?"
Indra disse: "Venerável Senhor, de fato este eu não conhece a si mesmo como eu,
nem conhece coisa alguma absolutamente. Está em completa aniquilação: Não posso
ver nada bom nesta doutrina." (VIII, xi, 2)
"Estás certo, Indra", replicou Prajapati. Explicar-te-ei mais acerca do Eu, e
esta será a explicação final. Fica comigo durante mais cinco anos." Indra
permaneceu com Prajapati durante outros cinco anos. Isto perfazia cento e um
anos; por isso as pessoas dizem que Indra permaneceu cento e um anos como
discípulo celibatário com Prajapati. Quando os cinco anos haviam passado,
Prajapati disse: (VIII, xi, 3)
"Indra, este corpo mortal está sempre sujeito à morte, embora seja a moradia do
Eu imortal, incorpóreo. Quando se pensa que o corpo está identificado com o Eu,
o Eu experimenta prazer e dor. Enquanto se pensa que Ele é o corpo, há prazer e
dor. Mas quando se aprende que Ele é independente do corpo, então compreende-se
que nem prazer nem dor podem tocá-Lo. (VIII, xii, 1)
"O vento não possui corpo; as nuvens, os relâmpagos e os trovões não possuem
corpos. Agora, assim como estes surgem do espaço além, alcançando seus pontos de
manifestação, aparecem em suas próprias formas, (VIII, xii, 2)
"assim também aquele Ser sereno surge neste corpo quando o conhecimento atinge
seu ponto mais elevado, e aparece em Sua forma própria. Ele é a alma suprema. Em
seu estado mais elevado Ele se move, rindo, divertindo-se, regozijando-se —
esteja com mulheres, carruagens ou parentes — descuidado do corpo onde nasceu.
Como um cavalo está ligado ao carro, assim o prana anima este corpo." (VIII,
xii, 3)
"Os deuses no mundo de Brahman meditam naquele Eu. Portanto obtêm todos os
mundos e todos os seus desejos. Aquele que conhece e compreende este Eu obtém
todos os mundos e todos os seus desejos." Assim falou Prajapati; sim, assim
falou Prajapati. (VIII, xii, 6)
BRIHADARANYAKA UPANISHAD
Havia dois ramos de descendentes de Prajapati, os deuses e os demônios. Os
deuses eram os mais jovens, e os demônios os mais velhos. Lutaram uns com os
outros pela posse destes mundos. Os deuses disseram: "Dominemos os demônios do
sacrifício por meio do cântico Udgitha." (I, iii, 1)
Disseram à fala: "Canta-nos o Udgitha."
"Sim", disse a fala, e cantou o Udgitha. Qualquer deleite que haja na fala é
assegurado aos deuses pelo cântico; que se falasse bem, seria por si mesmo. Os
demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os dominariam. Acorreram ao
cantor e o penetraram com o mal. Portanto, o mal que consiste em falar o que é
ruim é mal. (I, iii, 2)
Então os deuses disseram ao olfato: "Canta-nos o Udgitha."
"Sim", disse o olfato, e cantou o Udgitha. Qualquer deleite que haja no olfato é
assegurado aos deuses pelo cântico; que se olfatasse bem, seria por si mesmo. Os
demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os dominariam. Acorreram ao
cantor e o penetraram com o mal. Portanto, o mal que consiste em olfatar o que é
ruim é mal. (I, iii, 3)
Então os deuses disseram à visão: "Canta-nos o Udgitha."
"Sim", disse a visão, e cantou o Udgitha. Qualquer deleite que haja na visão é
assegurado aos deuses pelo cântico; que se visse bem, seria por si mesmo. Os
demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os dominariam. Acorreram ao
cantor e o penetraram com o mal. Portanto, o mal que consiste em ver o que é
ruim é mal. (I, iii, 4)
Então os deuses disseram à audição: "Canta-nos o Udgitha."
"Sim", disse a audição, e cantou o Udgitha. Qualquer deleite que haja na audição
é assegurado aos deuses pelo cântico; que se ouve bem, seria por si mesmo. Os
demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os dominariam. Acorreram ao
cantor e o penetraram com o mal. Portanto, o mal que consiste em ouvir o que é
ruim é mal. (I, iii, 5)
Então os deuses disseram ao pensamento: "Canta-nos o Udgitha." "Sim", disse o
pensamento, e cantou o Udgitha. Qualquer deleite que haja no pensamento é
assegurado aos deuses pelo cântico; que se pensou bem, seria por si mesmo. Os
demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os dominariam. Acorreram ao
cantor e o penetraram com o mal. Portanto o mal que consiste em pensar o que é
ruim é mal. Os demônios tocaram todas as outras deidades com o mal, penetraram-
nas com o mal. (I, iii, 6)
Então os deuses disseram ao sopro vital: "Canta-nos o Udgitha." "Sim", disse o
sopro vital, e cantou o Udgitha.
Os demônios sabiam que por meio deste cantor os deuses os domina-riam. Acorreram
ao cantor e o penetraram com o mal. Mas como um torrão de terra se espalha
quando atirado contra uma rocha, assim foram os demônios espalhados em todas as
direções.
Portanto, os deuses triunfaram e os demônios foram destruídos. Aquele que
conhece isto triunfa no Eu, e o inimigo que o obstrui é esmagado. (I, iii, 7)
Enquanto o sacerdote canta, permite que o sacrificador recite estes elevados
mantras:
Conduze-me do não-real ao real!
Conduze-me da escuridão à luz!
Conduze-me da morte à imortalidade!
Quando ele recita: "Conduze-me do não-real ao real", o não-real significa
verdadeiramente morte, e o real, imortalidade. Desta forma está dizendo:
"Conduze-me da morte à imortalidade, torna-me imortal."
Quando recita: "Conduze-me da escuridão à luz", a escuridão significa
verdadeiramente morte, e a luz, imortalidade. Desta forma está dizendo:
"Conduze-me da morte à imortalidade." Quando recita: "Conduze-me da morte à
imortalidade", nenhuma explicação é necessária. (I, iii, 28)
No início, tudo isto era Eu sozinho, na forma de uma pessoa. Ele olhou e não viu
nada a não ser Ele mesmo. Disse primeiramente: "Este sou eu"; daí por diante Seu
nome tornou-se eu. Portanto, mesmo hoje, se se pergunta a um homem quem ele é,
ele responde primeiramente: "Sou eu", e acrescenta em seguida qualquer outro
nome que possa ter. Porque Ele destruiu todo o mal, chama-se Purusha. Aquele que
conhece isto destrói todo o mal. (I, iv, I)
Ele sentia medo, e por esta razão as pessoas sentem medo quando se encontram
sozinhas. Pensou: "Já que só há Eu, de que tenho medo?" Em seguida, Seu medo
acabou; de que deveria ter medo? Veramente, é somente por um segundo que se
sente medo. (I, iv, 2)
Ele não sentia felicidade, e por esta razão um homem não é feliz quando está só.
Desejou uma companhia. Tornou-se do tamanho de um homem e sua esposa abraçados.
Dividiu-Se a Si mesmo em duas partes, e assim nasceram o esposo e a esposa.
Portanto, como o sábio Yajnavalkya disse, este corpo é uma metade de nós
mesmos, como uma das metades de uma ervilha cortada. Assim o lugar da outra
metade é preenchido pela esposa. Ele se uniu a ela, e o homem nasceu. (I, iv, 3)
Ela pensou: "Como pode Ele unir-se a mim depois de ter-me produzido de Si mesmo?
Esconder-me-ei."
Transformou-se então numa vaca; Ele se transformou em touro, uniu-se a ela, e as
vacas nasceram. Ela transformou-se em égua, Ele se transformou em potro; ela se
transformou em asna, Ele se transformou em asno, uniu-se a ela, e os animais de
casco nasceram. Ela se transformou em cabra, Ele em bode; ela se transformou em
ovelha, Ele se transformou em cordeiro, uniu-se a ela, e nasceram as cabras e
as ovelhas. Assim Ele criou tudo que existe em Pares, até as formigas. (I, iv,
4)
Ele sabia que Ele era a criação, pois criara tudo isto. Portanto, tornou-se a
criação, e aquele que conhece isto vive nesta Sua criação. (I, iv, 5)
Então pela fricção produziu fogo de sua origem: a boca e as mãos. Assim, a boca
e as mãos não possuem cabelos na parte interior, pois o interior do fogo não
possui cabelos.
Quando dizem: "Sacrifica a este deus", ou "Sacrifica àquele deus", estes deuses
são apenas Suas manifestações; Ele é todos estes deuses. (I, iv, 6)
Este mundo era indiferenciado. Tornou-se diferenciado pelo nome e forma; podia-
se então dizer: "Tem tal nome, tal forma."
Mesmo no tempo presente tudo é diferenciado, e pode-se dizer: "Tem tal nome, tal
forma."
O Eu penetrou todas as coisas, até a ponta das unhas. Está escondido em tudo,
como uma navalha em sua caixa, ou o fogo em sua origem. As pessoas não o vêem,
apenas em partes: quando se respira, chama-se prana, o sopro vital; quando se
fala, chama-se fala; quando se vê, visão; quando se ouve, o ouvido; quando se
pensa, mente. Todos esses são apenas nomes de Suas funções. Aquele que o
considera um ou outro não O conhece, pois considera apenas parte d'Ele. Que os
homens) meditem no Eu, pois no Eu todas as coisas são uma — o Eu é a pegada de
todas as coisas, pois através d'Ele conhece-se tudo. Como se pode encontrar
aquilo que foi perdido por suas pegadas, assim aquele que conhece este Eu
encontra glória e libertação. (I, iv, 7)
Este Eu é mais caro que um Filho, mais caro que a riqueza, mais caro que tudo o
mais, e é o mais interior. Se se disser a uma pessoa que considera cara outra
coisa que não o Eu que perderá o que lhe é caro, certamente a perderá. Que ela
medite apenas no Eu como sendo caro. Aquele que medita apenas no Eu como sendo
caro, certa-mente aquilo que considera caro nunca perecerá. (I, iv, 8)
No princípio isto era Brahman. Ele conhecia a Si mesmo como "Eu sou Brahman."
Tudo nascia de seu conhecimento. Assim, qualquer deus despertado por este
conhecimento tornava-se Brahman; é o mesmo com os profetas e com os homens. O
sábio Vamadeva compreendeu e cantou: "Eu era Manu [lua], era o sol." Também hoje
aquele que sabe que é Brahman, torna-se Brahman, e mesmo os deuses não podem
impedir isto, pois ele é também seu Eu. (I, iv, 10)
Como os fios vêm da aranha, as pequenas faíscas vêm do fogo, assim deste Eu vêm
todos os sentidos, todos os mundos, todos os deuses, todos os seres. Seu nome é
"Verdade das verdades". Os sentidos são a verdade, e sua verdade é o Eu. (II, i,
20)
A descrição de Brahman é: "Não isto, não isto", pois esta é a mais elevada
descrição.
O nome para Brahman é: "Verdade das verdades", sendo os sentidos a verdade, e
Ele a verdade dos sentidos. (II, iii, 6)
A tríplice descendência de Prajapati foram deuses, homens e demônios.
Permaneceram com Prajapati como estudantes celibatários. Quando completaram seus
prazos, os deuses disseram a Prajapati: "Dize-nos, Senhor". Prajapati disse-lhes
a sílaba da, e perguntou se haviam entendido.
Replicaram: "Sim, disseste-nos damyata — controlai-vos".
Prajapati disse: "Sim, entendestes". (V, ii, 1)
Então os homens disseram a ele: "Dize-nos, Senhor".
A eles ele disse a mesma sílaba da, e perguntou se haviam entendido. Replicaram:
"Sim, disseste-nos datta — dai".
Prajapati disse: "Sim, entendestes". (V, ii, 2)
Então os demônios disseram-lhe: "Dize-nos, Senhor".
A eles ele também falou a sílaba da, e perguntou se haviam entendido.
Replicaram: "Sim, disseste-nos dayadhvam — sede compassivos". Prajapati disse:
"Sim, entendestes".
A voz celestial do trovão repete esta mesma instrução "Da, da, da", que
significa: "Controlai-vos, dai, sede compassivos." Portanto deve-se praticar
esta tríade de autocontrole, generosidade e compaixão. (V, ii, 3)
KAIVALYA UPANISHAD
Asvalayana perguntou ao Deus Brahma: "Venerável Senhor, ensina-nos o
conhecimento de Brahman, o conhecimento que é supremo e oculto, constantemente
buscado pelo sábio, o conhecimento pelo qual o conhecedor é libertado de
impurezas e alcança o maior que o maior Ser." (I)
Brahma o antepassado disse a ele: "Busca Brahman pela fé, devoção, meditação e
concentração. Não se o obtém pelo trabalho, nem pela descendência, nem pela
riqueza; apenas pela renúncia o homem alcança a imortalidade". (2)
"E mais elevado que o céu, brilha no lótus do coração. Os que lutam e aspiram
n'Ele penetram." (3)
"Num local solitário, senta-te na postura fácil, com o coração puro, a cabeça,
pescoço e corpo eretos, indiferente ao mundo, controlando todos os sentidos.
Curve-se com devoção ao mestre." (5)
"Destituído de paixão e puro, medita no 1ótus do coração, em cujo centro está o
puro, sem-tristeza, inconcebível, tranqüilo, feliz, a origem de Brahma." (6)
"Ele é Brahma; é Shiva; é Indra; é o Supremo; é Vishnu; é prana; é tempo; é
fogo; é a lua." (8)
"E tudo que foi, e tudo que será. E eterno. Conhecendo-se-O vence-se a morte.
Não há outro caminho para a liberação." (9)
"Vendo o Ser em todos os seres, e todos os seres no Eu, vai-se a Brahman. Não há
outro caminho." (10)
"Fazendo da mente um bastão de madeira, e da sílaba Om outro bastão de madeira;
friccionando os dois bastões juntos, e por este meio acendendo a chama do
conhecimento, o conhecedor queima todos os vínculos." (11)
"D'Ele nascem a vida, mente, e os sentidos, terra, ar, água, fogo e éter. Ele é
o sustentáculo de toda existência." (15)
"Ele é o Supremo Brahman, o Eu de tudo, o fundamento de tudo, mais sutil que o
sutil, eterno. Isto tu és, tu és Isto!"
(16)
PAINGALA UPANISHAD
Deve-se meditar nestas sagradas sentenças dos Vedas:
Tat tvam asi — Isto tu és
Tvam tad asi — Tu és Isto
Tvam brahmasi —Tu és Brahman
Aham brahmasmi — Eu sou Brahman
A palavra Tat [Isto] denota a causa do universo, diversificado além da
compreensão, tendo as qualidades de onisciência, tendo maya como veículo e tendo
os atributos Sat [Ser], Chit [Consciência] e Ananda [Felicidade]. E Isto que
constitui a base da concepção do eu, e é Isto que é denotado pela palavra tvam
[tu]. Brahman indiferenciado permanece após Maya [princípio ilusório] e avidya
[ignorância espiritual], que englobam a Alma Universal e a alma individual,
respectivamente, serem removidos.
A investigação do sentido real das sentenças Tat tvam asi e Aham brahmasmi
constitui o que é chamado de shravana [audição].
Meditar sobre o significado do que é ouvido é chamado de manana [reflexão].
Concentrar a mente com agudeza única no que é aprendido através de shravana e
manana constitui nididhyasana [contemplação].
Samadhi é o estado onde não há distinção entre o meditante e o ato de meditação,
e a mente assemelha-se a uma lâmpada colocada em local :em vento. Nesse estado
aparecem as características do Eu. Estas características não podem ser
conhecidas; podem ser inferidas apenas da memória do estado de samadhi. Os
inumeráveis karmas, redes de resultados de obras passadas acumulados durante
ciclo sem início de renascimentos são destruídos através delas. Pela eficiência
adquirida pela prática, uma torrente de néctar chove de mil direções. Desta
forma os iogues chamam este mais elevado estado de dharma-mega [nuvem de
virtude]. Pela manifestação das características do Eu, os karmas são
aniquilados, sem deixar traços. Quando os bons e os maus karmas são totalmente
aniquilados, as sentenças Tat tvam asi e Aham brahmasmi, como objetos na palma
da mão, dão ao iogue a percepção direta de Brahman, até aqui imperceptível.
Então ele se torna um jivanmukti, uma alma libertada. (III, 2)
Com a mente pura, com consciência purificada, resignado e sabendo que "Eu sou
Ele", deve concentrar seu coração no Eu. Então atinge a quietude do corpo, e
mente e intelecto tornam-se tranqüilos. Que proveito tem o leite àquele que está
cheio de néctar? Que proveito têm os Vedas para aquele que conhece o Eu? Para o
iogue que está cheio do néctar do Conhecimento de Brahman, nada mais existe a
atingir. Se ainda existe alguma coisa a atingir, então ele não é conhecedor de
Tattva [Verdade]. Afastado, mas não afastado, no corpo, ainda não restrito ao
corpo, ele é todo-penetrante. Tendo purificado o coração e contemplado Brahman,
o reconhecimento do "eu" como o Supremo e o Tudo é a mais elevada felicidade.
(IV, 9)
Como água entornada em água, leite em leite, ghee em ghee, assim o eu individual
e o Eu Universal tornam-se um indiferenciado. (IV, 10)
Se um homem realizasse tapas [austeridade] sustentando-se sobre uma perna
durante mil anos, este tapas não seria digno nem mesmo da décima sexta parte do
valor de meditação. (IV, 15)
Aquele que está desejoso de saber o que constitui jnana [sabedoria espiritual] e
jneya, aquilo que deve ser conhecido, não alcançará seu fim almejado através de
mero estudo dos shastras [escrituras], mesmo se o fizesse por mil anos. (IV, 16)
Aquilo que é, deve ser conhecido como o imperecível. O que parece com o mundo é
impermanente. Portanto, abandonando o estudo dos shastras, deve-se meditar sobre
a Verdade. (IV, 17)
Cerimônias, observâncias de pureza, japas [repetições de sentenças sagradas],
realizações de sacrifício e peregrinações, todas são prescrições enquanto aquele
que busca não conhece a Verdade. (IV, 18)
Para o que tem grande alma, o conhecimento "Eu sou Brahman" traz libertação. O
sentido de "meu" leva à escravidão, e o sentido de "não meu" leva à libertação.
(IV, 19)
Pelo sentido de "meu" está-se atado, e pela ausência do sentido de "meu" está-se
liberto. Quando a mente atinge o estado de iluminação, a concepção de dualidade
é deixada para trás. (IV, 20)
Quando aquele que busca atinge o estado de iluminação, atingiu o estado mais
elevado. Onde quer que sua mente resida, reside no estado mais elevado. (IV, 21)
Aquilo que é o mesmo em tudo é Brahman apenas. Pode-se ter o poder de ferir o ar
com o punho cerrado; pode-se ser capaz de saciar a fome com conchas de grão, mas
nunca se atingirá a emancipação se não se tiver o conhecimento "Eu sou Brahman".
(IV, 22)
CAPÍTULO XI - O BHAGAVAD GITA
O Mahabharata é uma grande epopéia que se relaciona com a história antiga da
Índia. Fala dos imperadores do país, de seus bravos guerreiros, de suas lendas,
de seus muitos sábios e seus sublimes ensinamentos espirituais. A autoria deste
clássico é tradicionalmente atribuída ao lendário sábio Vyasa, cujo trabalho
deve ter sido executado entre 500 a.C. até 200 a.C. O Mahabharata consiste em
mais de cem mil estrofes. O Bhagavad Gita é uma das seções do sexto livro da
epopéia.
O Bhagavad Gita ocupa honroso lugar entre os livros sagrados dos hindus. Sua
influência foi grande através dos tempos, tanto como agora. Para o venerado
Mahatma Gandhi, o Bhagavad Gita era uma interminável fonte de inspiração. Este
homem, tão pequeno em tamanho quanto grande em envergadura, lia seu amado livro
todos os dias. O apelo do Gita, entretanto, não é especificamente hindu, visto
que seus ensina-mentos têm interesse universal, sem vínculos com tempo ou lugar.
Foi chamado um dos maiores poemas filosóficos do mundo, e milhões e milhões de
pessoas procuraram consolo e inspiração em suas páginas.
Bhagavad Gita significa "A Canção do Senhor". Os dezoito capítulos do livro
relatam o discurso dos modos de ação, devoção e sabedoria do Deus Krishna a seu
discípulo, o príncipe Arjuna. O último é um homem num dilema psicológico. Está
em vias de combater muitos de seus parentes. Tem sido um grande guerreiro,
lutando com bravura e denodo, mas subitamente o pensamento de estar envolvido
numa contenda fratricida começa a perturbá-lo. "Que bem pode advir da matança
dos parentes?" perguntou. Transbordante de dúvida e dor, recusou-se a lutar,
Krishna consola-o. Arjuna é um soldado e como o direito está do seu lado deve
lutar. "Levante e luta!" Krishna concitou-o.
Neste ponto os ensinamentos espirituais começam e ocupam o restante do poema.
Algumas pessoas, indubitavelmente bem--intencionadas mas que provavelmente nunca
foram além do início do segundo capítulo, opinaram que o Bhagavad Gita é um
Livro que induz à luta e à morte. Esta não é, com certeza, a mensagem do Gita —
muito pelo contrário. O fato de o desespero de Arjuna ter sido descrito com
tamanho sentimento já seria suficiente para indicar o caráter do livro. O Gita é
originário do Mahabharata, uma epopéia, e a guerra meramente provê os
antecedentes para ensinamentos espirituais da mais alta ordem. Arjuna pertencia
à casta dos Kshatriyas — era um membro da casta guerreira — e, como soldado,
precisa cumprir seu dever, como cada um de nós deve cumprir seu dever no mundo.
A verdadeira batalha a travar é contra os desejos egoístas, a paixão e a
ignorância. Em lugar de ódio, o Gita preconiza o mais envolvente amor.
O estudante de Ioga encontrará muita coisa de grande interesse no Bhagavad Gita.
O livro se relaciona com a Karma Ioga (a Ioga das Ações Corretas) para aqueles
que estão envolvidos nas atividades consuetudinárias; com Bhakti Ioga (Ioga da
Devoção) para os religiosos e com Jnana Ioga (a Ioga do Conhecimento) para
aqueles que buscam a sabedoria espiritual.
Os ensinamentos do Gita são baseados nos Upanishads e o Gita trata
fundamentalmente do Brahman dos Upanishads. "Os Upanishads são a vaca, Krishna o
divino ordenhador, o sábio é o que bebe, e o Gita-néctar é o excelente leite."
Sugeriu-se que o Bhagavad Gita não tenha chegado até nós em sua forma original.
Com o passar do tempo, alterações foram introduzidas no texto, e o trabalho foi
talvez reescrito muitas vezes para fazer aflorar visões específicas. Isto se
pode atribuir parcialmente à diversidade de exposições filosófico-religiosas
encontradas lado a lado no clássico.
Seguem-se excertos do Bhagavad Gita. Foram enfatizados na seleção os
ensinamentos mais diretamente concernentes ao contexto deste livro.
O BHAGAVAD GITA
No campo da retidão, o plano de Kurukshetra, dois exércitos se defrontam,
prontos para a batalha. A contenda iminente é conseqüência de uma velha
animosidade entre os Kurus e os Pandavas, membros de dois diferentes ramos da
mesma família. Os Pandavas, dos quais o Príncipe Arjuna era membro, lutavam por
questão de justiça. Arjuna e seus quatro irmãos foram criados com seus primos,
na corte de seu tio, o rei Dhritarashtra. Em lugar de abdicar do trono como
deveria ao ficar velho e cego, Dhritarashtra quis permanecer no poder.
Favorecendo continuamente seus filhos, o velho Rei incrementou a confusão. Após
prolongada porfia, os Pandavas foram enganados e derrotados pelos Kurus num jogo
de dados, depois do que foram banidos. Durante mais de doze anos deambularam até
que final-mente a guerra começou.
Para certificar-se de que o princípio de justiça prevaleceria, Krishna, um
avatara (encarnação divina) de Vishnu (um dos deuses do hinduísmo), manifestou-
se. Uma proposta foi feita a ambas as partes em conflito. Poderiam escolher
entre terem um exército forte, e bem equipado, por um lado, ou, por outro, terem
a ele Krishna como auriga. Os Kurus decidiram-se pela força dos homens e das
armas, enquanto os Pandavas preferiram ter o desarmado Krishna de seu lado.
Aqui principia o Bhagavad Gita. Os versos de abertura descrevem os poderosos e
muitos guerreiros presentes e fala dos preparativos da batalha. Os tumultuosos
sons de trombeta agitam a terra e o céu. Num carro com brancos cavalos
atrelados, estavam juntos o Deus Krishna e o Príncipe Arjuna:
Erguendo o arco, Arjuna falou para o Deus Krishna: "Senhor da Terra! Queira
conduzir meu carro por entre os dois exércitos, ó Imutável Um, (I, 21)
"Para que eu possa contemplá-los esperando, ávidos pela batalha, aqueles que
precisarei defrontar nesta erupção de guerra; (I, 22)
"E olhar fixamente para aqueles reunidos, prontos para lutar e ávidos de agradar
o maldoso filho de Dhritarashtra na próxima batalha." (I, 23)
Assim requisitado por Arjuna, o Deus Krishna conduziu seu brilhante carro entre
os dois exércitos; (I, 24)
Em frente de Ehisma, Drona e todos os capitães disse: "Veja, ó Arjuna, a
assembléia destes Kurus". (I, 25)
Arjuna viu 1á pais e avôs, mestres, tios, irmãos, filhos, netos, amigos;
(I, 26)
e também nas duas armadas havia sogros e benfeitores. Vendo todos esses parentes
em formação de batalha, (I, 27)
O coração de Arjuna comoveu-se piedoso, e tristemente ele disse: "Ó Deus
Krishna! Quando vejo meus próprios parentes, prontos e esperando pela batalha,
(I, 28)
"meus membros fraquejam, e minha garganta está opressa, meu corpo treme e meu
cabelo se eriça;
(I, 29)
"O arco Gandiva escorrega de minhas mãos, e minha pele se aquece inteiramente.
Não posso suportar isto e minha mente fraqueja." (I, 30)
"Vejo maus presságios, ó Krishna! Não antevejo nada de bom em matar meu próprio
povo nessa luta." (I, 31)
"Ó, Senhor! Não desejo nem vitória, nem o reino, nem suplico prazer. Que é
reinado para nós, Ó Krishna, ou alegria ou vida comum? (I, 32)
"Aqueles por cuja causa desejamos reinado, alegria e prazer estão aqui prontos
para a batalha, preparados para abandonar a vida e riquezas — (I, 33)
"mestres, pais, filhos e avós, tios e sogros, netos, cunhados e outros
parentes." (I, 34)
"Embora possam matar-me, não desejo matá-los, ó Krishna — nem mesmo pelo reino
dos três mundos — quanto mais por esta terra?" (I, 35)
"Que felicidade será a nossa, 6 Senhor, se matarmos estes irmãos de
Dhritarashtra? Cometeremos pecado em matar este povo."
(I, 36)
"Portanto, não podemos matar esses filhos de Dhritarashtra, nossos parentes;
como poderemos obter felicidade, ó Senhor, pela destruição de nossos parentes?"
(I, 37)
"Embora esses homens, cegados pela ganância como estão, não vejam mal na
destruição da família e não vejam crime em hostilizar os amigos, (I, 38)
"nós, nós que vimos o mal na destruição da família — não podemos voltar as
costas a tão grande pecado?" (I, 39)
"Em verdade, seria melhor para mim se os filhos de Dhritarashtra, armas em
punho, matassem-me na batalha, desarmado e sem resistência." (I, 46)
Tendo assim falado, no campo de batalha, atirou longe arco e flechas, desceu de
seu lugar no carro, turbado de tristeza. (I, 47)
Para ele que estava dominado pela piedade, cujos olhos estavam marejados de
lágrimas e que estava tão desesperado, o Deus Krishna disse estas palavras: (II,
1)
"Oh, Arjuna! Por que começa, nesta hora crítica, este abatimento, que é indigno
de Arianos e que conduz apenas à desgraça e fecha os portões do céu?" (II, 2)
"Não permitas que te tome a fraqueza, ó Arjuna! Isto não te é conveniente.
Liberta-te desse desprezível desfalecimento de ânimo e eleva-te, o conquistador
de inimigos!" (II, 3)
Arjuna replicou: "O Deus! Como poderei atacar Bhisma e Drona com setas na
batalha — eles que são dignos de reverência, ó Destruidor do inimigo?" (II, 4)
"Melhor seria compartilhar da comida de mendigos nesse mundo do que matar tão
honoráveis mestres, se eu matasse esses meus instrutores, o prazer de viver
seria manchado com sangue. (II, 5)
"Nem mesmo sei o que é melhor para nós — que nós os conquistemos ou que nos
conquistem eles. Não poderíamos viver se matássemos esses filhos de
Dhritarashtra, embora estejam aprestados contra nós." (II, 6)
"Meu coração desfalece e minha mente está confusa acerca de qual seja meu dever.
Imploro-Te, ó Deus, o que é certamente o melhor para mim, que sou Teu discípulo.
Refugio-me em Ti; ensina-me." (II, 7)
"Nada vejo que possa remover esta angústia que debilita meus sentidos, deverei
atingir mestria sem igual e próspera na terra e mesmo domínio sobre os deuses."
(II, 8)
Tendo então se dirigido ao Deus Krishna, o conquistador dos inimigos disse: "Não
lutarei" e permaneceu em silêncio. (II, 9)
Após isso, entre os dois exércitos, o Deus Krishna, com um sorriso de
compreensão, respondeu àquele que estava desesperado. (II, 10)
"Lamentaste aqueles que não deverias lamentar e ainda falaste em sabedoria. O
sábio não lamenta nem o morto nem o vivo." (II, 11)
"Nunca haverá tempo em que eu não seja, nem tu, nem esses príncipes; nunca
haverá tempo em que deixemos de ser." (II, 12)
"Contato dos sentidos com esses objetos produz frio e calor, prazer e pena. Vêm
e vão, nada fica para sempre. Suporta-os bravamente, ó Príncipe!" (II, 14)
"Aquele que não é afligido por estes, que permanece equilibrado no prazer e na
dor, somente este está apto para a imortalidade." (II, 15)
"Aquilo que não é, nunca será; aquilo que é, nunca deixará de ser. Para o que
vê, estas verdades são evidentes." (II, 16)
"Aquele que penetra tudo isto é imutável. Nada pode destruir Isto." (II, 17)
"Os corpos, nos quais o Eterno, Indestrutível e Imensurável habita, são todos
finitos. Portanto, luta, ó Príncipe!" (II, 18)
"Aquele que venera Isto enquanto mata, e aquele que venera Isto enquanto morto,
são ambos ignorantes. Isto não mata, nem é morto." (II, 19)
"Isto não nasceu, nem morre; nem tendo sido cessará de ser; não-nascido, eterno,
perpétuo e primevo, Isto não é morto quando o corpo é destruído." (II, 20)
"Aquele que conhece Isto como indestrutível, perpétuo, não-nascido e não-
mutável, como pode ele matar, 6 Príncipe, ou ser morto?" (II, 21)
"Assim como um homem se desfaz de seus trajes usados, e veste outros novos,
assim Isto desfaz-se de corpos usados, e penetra em outros novos." (II, 22)
"Armas não penetram Isto, o fogo não O queima; a água não pode molhá-LO, e o
vento não pode secá-LO." (II, 23)
"Isto é impenetrável, não pode ser chamuscado, nem molhado, nem secado. Isto é
eterno, todo-penetrante, não-mutável e imóvel." (II, 24)
"Isto é chamado de Não-manifesto, de Inimaginável, e de Imutável. Portanto,
conhecendo Isto assim, não te deves afligir." (II, 25)
"Mesmo se pensasses em Isto como perpetuamente nascendo e morrendo, mesmo assim,
ó Príncipe, não te deves afligir." (II, 26)
"Pois a morte é certa para aquilo que nasce, e certo é o nascimento para aquilo
que morre. Portanto não te aflijas pelo inevitável." (II, 27)
"Os seres são não-manifestos em seus inícios, manifestos em seus estados
intermediários, o Príncipe, e não-manifestos novamente em dissolução. Que causa
há, portanto, para a aflição?" (II, 28)
"Alguns consideram Isto como maravilhoso; outros similarmente falam disto como
maravilhoso; como maravilhoso alguns ouvem Isto; entretanto, após terem ouvido,
poucos de fato entendem Isto." (II, 29)
"O que mora no corpo de todos, 6 Príncipe, é sempre invulnerável. Por esta razão
não te deves afligir por nenhuma criatura." (II, 30)
"Deves olhar ao teu dever, e não deves vacilar, pois nada poderia ser mais bem-
vindo a um bravo soldado que uma guerra honrada." (II, 31)
"Afortunados de fato são os soldados, 6 Príncipe, aos quais uma batalha não
buscada, como essa, oferece a oportunidade de entrar pelo portão aberto do céu."
(II, 32)
"Se não deves tomar parte nesta guerra honrada, então renuncia a teu dever e a
tua honra, e incorrerás apenas em pecado." (II, 33)
"Os homens para sempre falarão de tua desonra. E para o altamente estimado, a
desonra é pior que a morte." (II, 34)
"Os grandes aurigas pensaram que fugiste da batalha por medo; embora uma vez
tenhas sido altamente estimado, serás então pouco estimado." (II, 35)
"Teus inimigos falarão mal de ti, caluniando tua força. O que poderia ser mais
humilhante?" (II, 36)
"Se morto em batalha, obterás o céu; se vitorioso, desfrutarás a terra. Por
isso, ó Príncipe, levanta e luta." (II, 37)
"Olhando igualmente o prazer e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota,
prepara-te para a batalha, pois não incorrerás em pecado." (II, 38)
"Assim relatei a sabedoria de Sankhya. Agora ouve o ensinamento de Ioga, pela
aplicação do qual, ó Príncipe, afastarás todos os vínculos de ação." (II, 39)
"Neste caminho, nem um esforço é jamais perdido, nem há transgressão. Mesmo um
pouco desta honradez liberta do grande temor." (II, 40)
"A mente resoluta, ó Príncipe, tem apenas uma diretriz; os pensamentos do
irresoluto vagam em veredas inumeráveis!" (II, 41)
"Os tolos proferem discursos floridos, ó Arjuna, e estão satisfeitos com a
literalidade dos Vedas, dizendo não haver nada senão isso." (I, 42)
"Cheios de desejos egoístas, buscando um céu temporário, oferecem o renascimento
como um resultado de ação, e prescrevem ritos árduo, e complexos para a obtenção
de prazer e poder." (II, 43)
"Suas mentes se agarram à distração e poder, e são tão cativos deles que não
podem envolver-se na concentração que leva a samadhi." (II, 44)
"Levanta-te acima das três qualidades védicas de natureza, ó Arjuna! Esteja
acima das dualidades; firme em pureza, liberta-te de desejos de posses materiais
e centrados no Eu." (II, 45)
"Para o brahmana, o conhecedor da Verdade, todos os Vedas são de tão pouca
utilidade como um poço àquele que está rodeado de água." (II, 46)
"Tens direito apenas à ação, e nunca a seus frutos, portanto não deixes que o
fruto da ação seja teu motivo; nem te ligues à inação." (II, 47)
"Fixado em Ioga, faz teu trabalho, ó Príncipe! Abandonando o apego, equilibra-te
igualmente em sucesso e fracasso. A propensão equilibrada chama-se Ioga." (II,
48)
"A ação é muito inferior A. Ioga de Inteligência, ó Arjuna! Recorre então à pura
inteligência. São dignos de pena os que procuram o fruto de ação." (II, 49)
"Tendo-se atingido o Conhecimento, abandona-se neste mundo o bem e o mal. Por
essa razão adere a esta Ioga. Habilidade em ação chama-se Ioga." (II, 50)
"Os sábios, tendo atingido o Conhecimento, renunciam aos frutos de ação.
Libertos dos vínculos de nascimento, alcançam a mais elevada felicidade." (II,
51)
"Quando teu intelecto escapa aos laços do engano, torna-te-ás, então,
indiferente às exposições ouvidas e às ainda por ouvir." (II, 52)
"Quando tua mente, inicialmente confusa pelos vários textos das escrituras,
permanece imóvel em samadhi, então alcançaste Ioga." (II, 53)
Arjuna perguntou: "Como conhecemos aquele que é firme de mente e que atingiu
samadhi, ó Deus? Como fala, como senta, como caminha?" (II, 54)
O Deus Krishna replicou: "Quando um homem abandonou todos os desejos, ó
Príncipe, e está contente apenas no Eu, é chamado então de firme de mente." (II,
55)
"Aquele cuja mente permanece imperturbável na dor, e cujo desejo de prazer foi
dominado, aquele no qual a paixão, temor e raiva foram dominados, é chamado de
sábio de mente firme." (II, 56)
"Aquele que está livre de todo apego, que não se regozija ao receber o bem, nem
odeia ao receber o mal, possui sabedoria." (II, 57)
"Aquele que retrai seus sentidos dos objetos que o rodeiam, como a tartaruga
guarda os próprios membros dentro da carapaça, possui sabedoria." (II, 58)
"Objetos sensuais, se não o desejo deles, desviam-se para longe do austero de
hábitos. Até o desejo de objetos sensuais morre depois que o Supremo é visto."
(II, 59)
"Os sentidos tumultuosos, ó Príncipe, arrebatam, impetuosos, a mente, mesmo do
homem perspicaz que tenta a perfeição." (II, 60)
"Tendo controlado todos os sentidos, deve sentar-se firme, meditando em Mim a
Suprema Meta; pois aquele cujos sentidos são dominados possui sabedoria." (II,
61)
"Meditando em objetos sensuais o homem se apega a eles. Do apego nasce o desejo,
e do desejo a raiva." (II, 62)
"Da raiva vem o engano, o engano resulta em memória confusa, a memória confusa
perturba a razão, e com a perturbação da razão o homem perece." (II, 63)
"Mas a alma disciplinada, movendo-se entre os objetos do sentido, com os
sentidos sob controle e livre da atração e aversão, atinge a paz eterna." (II,
64)
"Nessa paz há extinção de toda miséria, e a mente pacífica logo se estabelece em
sabedoria." (II, 65)
"Não há razão para o não-controlado, nem meditação para o não-controlado. Sem
meditação não há paz, e sem paz, como pode haver felicidade?" (II, 66)
"Como um barco que é atirado ao longo das águas pelo vento, assim a razão é
arrebatada da mente que cede aos sentidos errantes." (II, 67)
"Portanto, 6 poderoso armado, aquele cujos sentidos estão desligados dos objetos
do sentido possui sabedoria." (II, 68)
"O que é obscuro para o não-iluminado é claro para a alma disciplinada; e o que
é real para o mundo é ilusão para o muni [sábio] que vê." (II, 69)
"Atinge a paz aquele que não é afetado por desejos, como o oceano, cheio de
água, permanece sempre o mesmo, embora os rios fluam para ele; mas não aquele
que permanece afetado por desejos." (II, 70)
"Aquele que abandona os desejos e trilha seu caminho livre de desejos, egoísmo e
egocentrismo, alcança a paz." (II, 71)
"Este é o estado de Brahman, ó Príncipe! Tendo-se atingido esse estado nunca se
fica confuso novamente. Quando alguém se estabelece neste estado, mesmo durante
seus últimos momentos, atinge o Brahmanirvana [beatitude de Brahma]." (II, 72)
Arjuna questionou: "Se consideras o conhecimento superior à ação, ó Deus, por
que então me instruis para entrar nesta terrível luta?" (III, I)
"Com convenientes palavras contraditórias confundiste minha razão. Portanto, por
favor, diga-me decididamente por qual caminho poderei atingir o mais elevado."
(III, 2)
O Deus bem-aventurado replicou: "Como declarei, neste mundo há um caminho
bifurcado, ó Sem-Pecado. Há Jnana Ioga para os contemplativos e Karma Ioga para
os homens de ação." (III, 3)
"Um homem não pode atingir a liberdade de ação meramente refreando a ação, nem
atinge a perfeição por mera renúncia." (III, 4)
"Nem pode ninguém permanecer inativo, nem mesmo por um momento; pois todos são
compelidos a agir pelas qualidades de natureza." (III, 5)
"Aquele que se sente com os órgãos de ação controlados, mas com a mente presa
aos objetos dos sentidos, esta mente confusa é simplesmente chamada de
hipócrita." (III, 6)
"Mas aquele cuja mente tem o comando dos sentidos, ó Arjuna, e que sem apego
aplica os órgãos de ação em Karma Ioga, tal homem excede." (III, 7)
"Realiza teu karma [ação correta], pois a ação correta é superior à inação; até
mesmo o corpo não pode ser mantido se não age." (III, 8)
"Neste mundo se está atado pelas próprias ações, a menos que tais ações sejam
realizadas num espírito de sacrifício. Portanto, 6 Príncipe, realiza tuas ações
sem apego." (III, 9)
"Aquele que se regozija apenas no Eu, que está satisfeito e contente com o Eu
tão-somente, para ele nada resta a fazer." (III, 17)
"Não te preocupes com a ação nem com não-ação neste mundo; nem dependas de
nenhuma criatura." (III, 18)
"Por esta razão, sempre, sem apego, realiza o trabalho que deve ser feito, pois,
pela ação realizada sem apego, o homem alcança o Supremo." (III, 19)
"O rei Janaka e outras grandes almas atingiram a perfeição através da ação
correta tão-somente. Mesmo para o benefício do mundo deve-rias realizar a ação
correta." (III, 20)
"O que quer que um grande homem faça, outros o fazem. Qualquer que seja o padrão
que ele estabeleça, é seguido pelo mundo." (III, 21)
"Nada há nos três mundos, ó Príncipe, que eu necessite fazer, nem há nada a
atingir que já não tenha sido atingido; entretanto ainda ajo." (III, 22)
"Pois se eu não entrasse em ação incansavelmente, ó Príncipe, os homens
seguiriam meu exemplo em toda parte." (III, 23)
"Se eu deixasse de agir, estas palavras seriam destruídas pela confusão, e eu
seria o autor da destruição destes povos." (III, 24)
"Como o ignorante age devido ao apego à ação, ó Príncipe, assim o sábio deveria
agir sem tal apego, desejando apenas o bem-estar do mundo." (III, 25)
"O homem de sabedoria não deve perturbar as mentes dos ignorantes que estão
presos à ação; deve antes agir em harmonia, e tornar outros desejosos de
praticar ações corretas." (III, 26)
"Todas as ações são produto dos gunas [qualidades de natureza], mas a alma
enganada pelo egotismo pensa: "Eu sou o autor." (III, 27)
"Aquele, ó poderoso guerreiro, que sabe corretamente a relação entre os gunas e
a ação, percebendo que os gunas agem de acordo com seu respectivo caráter, não
se apega." (III, 28)
"Aqueles que são enganados pelos gunas apegam-se às ações dos gunas; entretanto,
que o homem que conhece não perturbe a mente daqueles que conhecem pouco." (III,
29)
"Oferecendo todas as tuas ações a Mim, com a mente fixa no Eu, não pensando em
recompensas, livre de egotismo e de dor, lança-te na batalha." (III, 30)
Arjuna perguntou: "O que leva um homem a pecar, ó Krishna, como se o compelisse
e mesmo contra seus desejos?" (III, 36)
O deus bem-aventurado replicou: "Luxúria, ódio, que saem de rajas guna
[qualidades de escuridão]; tudo consomem, tudo corrompem, eis teu inimigo."
(III, 37)
"Como o fogo é envolvido pela fumaça, como um espelho é coberto por poeira, e
como um embrião é envolvido no ventre, assim o mundo é recoberto de desejo."
(III, 38)
"O desejo encobre a sabedoria, e é o constante inimigo do sábio, ó Arjuna! O
desejo é insaciável como fogo." (III, 39)
"Diz-se que os sentidos, a mente e o intelecto são suas sedes; velando a
sabedoria por meio destes engana ao homem." (III, 40)
"Por essa razão, ó Príncipe, controla primeiro teus sentidos, e mata então este
pecaminoso destruidor de jnana [conhecimento espiritual], e vijnana
[conhecimento científico]." (III, 41)
156
"Diz-se que os sentidos são poderosos, mas superior aos sentidos é a mente; o
intelecto é superior à mente, mas maior que o intelecto é o Supremo." (III, 42)
"Assim conhecendo o Supremo como maior que o intelecto e dominando o ego pessoal
pelo Eu, mata o desejo, ó poderoso armado, este inimigo tão difícil de dominar."
(III, 43)
"O que é ação, e o que é inação? Esta questão tem confundido mesmo o sábio. Dir-
te-ei o que é ação, e sabendo-o, serás livrado do mal." (IV, 16)
"E essencial saber o que constitui a ação correta e a ação incorreta. Da mesma
forma, deve-se saber o que é inação, pois misteriosa é a senda da ação." (IV,
17)
"Aquele que vê inação em ação e ação em inação é sábio entre os homens. E
equilibrado em todas as suas ações." (IV, I8)
"Aquele cujas ações são todas realizadas livres do motivo de desejo, cujas ações
são queimadas pelo fogo da sabedoria, a ele os sábios chamam sábio." (IV, 19)
"Tendo abandonado o apego aos frutos de ação, sempre contente e independente,
embora aja, não age." (IV, 20)
"Nada esperando, controlado e firme, tendo abandonado toda ganância, realizando
apenas a ação corporal, permanece imaculado." (IV, 21)
"Contente com qualquer coisa que lhe possa acontecer, elevado acima das
dualidades, livre de inveja, equilibrado em sucesso e fracasso, não está preso
por suas ações." (IV, 22)
"Aquele que dominou o apego, que está liberado e cuja mente está firmada em
sabedoria, que age em espírito de sacrifício, suas ações não deixam
conseqüências comprometedoras." (IV, 23)
"Para ele, Brahman é o ato de oferenda assim como a oblação; Brahman é o
sacrificante e o fogo sacrifical. Aquele que durante todas as ações medita em
Brahman irá a Brahman." (IV, 24)
"Alguns iogues oferecem sacrifícios aos devas [deuses]; outros sacrificam pelo
ato de sacrificar no ato do Supremo." (IV, 25)
"Alguns oferecem como sacrifício a audição e os outros sentidos no fogo do
autocontrole; outros oferecem, como sacrifício, o som e os outros objetos dos
sentidos no fogo dos sentidos". (IV, 26)
"Outros novamente ofertam todas as funções dos sentidos e da força vital no fogo
vivo da sabedoria da Ioga de autocontrole." (IV, 27)
157
"Há aqueles que oferecem como sacrifício riqueza, austeridade, ou meditação;
enquanto outros, vinculados e presos aos votos severos, oferecem seu estudo e
aprendizado como sacrifício." (IV, 28)
"Alguns despejam como sacrifício apana [expiração] em prana [aqui: a inspiração]
e prana em apana. Assim, tendo restringido o fluxo tanto de prana quanto de
apana, são inteiramente absorvidos em pranayama."
(IV, 29)
"Outros, moderando a ingestão de alimentos, oferecem em sacrifício seu sopro
vital em sopros vitais. Todos estes conhecem o sacrifício, e pelo sacrifício
destroem seus pecados." (IV, 30)
"Bebendo o néctar dos restos do sacrifício, atingem Brahman. Este mundo não é
para quem não oferece sacrifícios; quão muito menos então será qualquer outro
mundo, ó Príncipe!" (IV, 31)
"Assim muitas formas de sacrifícios são utilizadas como meio de atingir Brahman.
Sabe que todas estas nascem de ação, e isto sabendo serás livre." (IV, 32)
"Maior que qualquer sacrifício material é o exercício de sabedoria espiritual, ó
Arjuna, pois todo o reino de ação culmina naquela sabedoria." (IV, 33)
"Aprende isto pela obediência, perquirição e serviço. O sábio, tendo alcançado
Verdade, instruir-te-á em jnana [conhecimento espiritual]." (IV, 34)
"Conhecendo isto, não incorrerás novamente em erro, ó Príncipe, pois por aquela
sabedoria verás todas as criaturas, sem exceção, no Eu — que está em Mim." (IV,
35)
"Sejas tu de todos os pecadores o mais pecador, cruzarás o oceano de pecado na
jangada de jnana." (IV, 36)
"Como o fogo vivo queima o combustível até as cinzas, 6 Arjuna, assim o fogo de
jnana reduz todas as ações a cinzas." (IV, 37)
"Nada neste mundo é tão purificador como jnana; e aquele que é perfeito pela
Ioga encontra-a, em tempo hábil, no Eu." (IV, 38)
"Aquele cuja fé é persistente e que tem controle sobre os sentidos obtém jnana.
Tendo obtido jnana, alcança rapidamente a Paz eterna." (IV, 39)
"Os ignorantes, os que não têm fé, e os que duvidam perecerão. Para aquele que
duvida, não há nem este mundo nem o além, nem há nenhuma felicidade." (IV, 40)
"Aquele que renunciou às ações pela Ioga, que deixou a dúvida distante pela
jnana, e que traz a mente sempre fixa no Eu, não está preso Pelas ações, 6
Príncipe!" (IV, 41)
"Portanto, dilacerando com a espada de jnana esta dúvida no coração, dúvida que
nasce da ignorância, pratica Ioga e levanta-te, ó Príncipe!" ( (IV, 42)
Arjuna disse: "O Krishna! Pregas tanto a renúncia de ações como a Ioga. Por
favor, dize-me conclusivamente qual a melhor das duas." (V, 1)
O deus bem-aventurado replicou: "Renúncia e Karma Ioga [a realização altruísta
da ação correta] ambas levam à mais elevada felicidade. Destas duas, Karma Ioga,
verdadeiramente, é superior à renúncia de ação."
(V, 2)
"Conhece-o como um sannyasi [verdadeiro renunciador] que não odeia nem deseja;
não influenciado por dualidade, 6 Príncipe, facilmente se liberta da
escravidão." (V, 3)
"É o ignorante, e não o sábio, que fala de Samkhya [aqui: a abordagem
intelectual da renúncia] e Ioga [aqui: Karma Ioga] como sendo coisas diferentes.
Aquele que se estabelece em uma obtém os frutos de ambas."
(V, 4)
"A elevação obtida pelos samkhyas [veja o verso anterior] também é alcançada
pelos iogues [veja o verso anterior]. Aquele que vê que Samkhya e Ioga são um,
vê." (V, 5)
"Mas, de fato, ó poderoso armado, é difícil conseguir a renúncia sem a prática
de Ioga. O muni [sábio], firmemente estabelecido em Ioga, rapidamente atinge
Brahman." (V, 6)
"Aquele que está estabelecido em Ioga, que está purificado, que dominou o ego
pessoal e os sentidos, que sabe ser sua alma o Eu de todos os seres, embora aja,
não é afetado." (V, 7)
"— Eu não faço nada —, o iogue, conhecedor da Verdade, deveria pensar, embora
veja, ouça, toque, olfate, coma, mova-se, durma e respire." (V, 8)
"Pois embora falando, emitindo, agarrando, abrindo e fechando os olhos, sustenta
que são meramente os sentidos que estão se ocupando com os objetos de sentido."
(V, 9)
"Aquele que aje desapegado, dedicando todas as suas ações a Brahman, não é
afetado pelo pecado, como a folha do lótus permanece seca na água." (V, 10)
"Karma iogues, abandonando todo o apego, realizam ação com corpo, mente,
intelecto, e sentido, apenas e sempre como meio de purificação." (V, 11)
"O iogue, tendo abandonado o fruto de ação, atinge a paz eterna; aquele que não
é iogue é impelido pelo desejo e, ligado ao fruto de ação, está preso." (V, 12)
158 159
"Tendo renunciado mentalmente a toda ação, o que tem autocontrole reside
serenamente na cidade com os nove portões [o corpo físico com suas nove
aberturas], sem agir e sem causar ação." (V, 13)
"Nem ação nem causa de ação flui do Supremo Eu, nem a relação entre ação e seu
fruto emanam do Supremo Eu; é a natureza que manifesta todos estes." (V, I4)
"O Eu todo-penetrante não participa dos pecados de ninguém, nem mesmo de sua
virtude. A sabedoria é coberta pela ignorância, e subseqüentemente os homens são
enganados." (V, 15)
"Veramente, para aqueles nos quais a ignorância foi destruída por jnana, para
aqueles jnana revela o mais elevado." (V, 16) "Meditando em Isto, e acreditando
apenas em Isto, estabelecido em Isto e tendo Isto como sua meta suprema, atingem
um estado do qual
não há retorno, seus pecados banidos por jnana." (V, 17)
"Os sábios consideram igualmente um instruído e um humilde brahmana [conhecedor
de Brahman], uma vaca, um elefante, ou mesmo um cachorro ou um que não tenha
casta." (V, 18)
"A existência terrena é dominada mesmo enquanto se está aqui por aqueles cujas
mentes estão estabelecidas em igualdade. Brahman é igual e sem mácula; por essa
razão estão estabelecidos em Brahman."
(V, 19)
"O firme de mente e não perplexo conhecedor de Brahman, estando estabelecido em
Brahman, não se regozija ao receber o agradável, nem se entristece ao receber o
desagradável." (V, 20)
"Aquele que está desapegado de contactos externos e encontra alegria no Eu, cujo
eu está unido a Brahman através da Ioga, desfruta de felicidade imperecível."
(V, 21)
"Os prazeres que nascem dos contactos externos são simplesmente origem de
infelicidade, pois têm começo e fim, ó Arjuna; o sábio não se regozija neles."
(V, 22)
"Aquele que é capaz de subjugar as forças do desejo e ira, mesmo aqui na terra
antes de abandonar o corpo, é um iogue, e um homem feliz."' (V, 23) "Aquele que
é feliz internamente, que encontra alegria internamente, e cuja luz brilha
internamente, esse iogue alcança brahmanirvana [beatitude de Brahman] e torna-se
Brahman." (V, 24)
"Rishis [profetas], com os pecados lavados e as dualidades destruídas, que são
controlados, e que têm prazer no bem-estar de todos os seres, atingem
brahmanirvana." (V, 25)
"brahmanirvana está próximo para os ascetas que têm controle sobre suas mentes,
que dominaram o desejo e a ira, e que têm o conhecimento do Eu." (V, 26)
160
"Excluindo o mundo exterior, com o olhar fixo entre as sobrancelhas, a
inspiração e a expiração fluindo regularmente pelas narinas, com sentidos, mente
e intelecto controlados, a meta liberação, o muni [sábio], tendo abandonado
desejo, medo e ira, está para sempre livre."
(V, 27,28)
O deus bem-aventurado falou : "Aquele que realiza ações por ser isso seu dever,
e não pelos frutos de tais ações, é um sannyasi e um iogue; não aquele que não
acende o fogo sacrifical e não está sem ação".
(VI, 1)
"O que chamam renúncia, conhece isto como Ioga, ó Príncipe, pois nenhum que não
tenha abandonado todos os propósitos egoísticos pode tornar-se iogue." (VI, 2)
"Para o meditante que busca alcançar Ioga, a prática é o meio; quando atingiu
Ioga, a serenidade é o sinal." (VI, 3)
"Quando um homem não está mais apegado aos objetos do sentido nem às ações,
quando renunciou a todos os propósitos egoísticos, então diz-se que ele atingiu
Ioga." (VI, 4)
"Aquele que conquistou seu ego pessoal, e que habita pacificamente no Supremo
Eu, está equilibrado em calor e frio, em prazer e dor, em honra e desonra." (VI,
7)
"Aquele que está satisfeito com a sabedoria e o conhecimento espiritual, que
está firme e é senhor de seus sentidos, a quem um torrão de terra, uma pedra, e
um pedaço de ouro são o mesmo, diz-se estar unido em Ioga." (VI, 8)
"Está em excelência aquele que considera igualmente amante, amigo e inimigo;
estranhos, neutros, estrangeiros e parentes; o virtuoso da mesma forma que o
pecador." (VI, 9)
"Que o aspirante concentre constantemente a mente, sentado na solidão de um
lugar recluso, autocontrolado e livre de desejo e de querer posses." (VI, 10)
"Num lugar limpo, tendo estabelecido seu próprio assento firme, nem muito alto e
nem muito baixo, com pano, pele e grama colocados um sobre outro, (VI, I1)
"aí sentado, tendo a mente centralizada num só ponto, e com o pensa-mento e os
sentidos dominados, que ele pratique meditação para auto-purificação." (VI, 12)
"Que mantenha corpo, cabeça e pescoço eretos, permaneça imóvel e olhe fixamente
entre as sobrancelhas com o olhar de quem não vê."
(VI, I3)
"Calmo e destemido, observando o celibato, com a mente controlada, que se sente
firmemente, e medite e aspire ao Supremo." (VI, 14)
161
"O iogue, sempre equilibrado e controlado, alcança a paz eterna que habita no
Supremo." (VI, I5)
"Veramente, a Ioga não é para aquele que come muito, nem para aquele que jejua
em excesso. Não é para aquele que dorme demais, nem para aquele que se mantém
acordado muito tempo, ó Arjuna!"
(VI, 16)
"Mas para aquele que é moderado em alimento e prazer, que é controlado em
comportamento e ação, que regulou sono e vigília, para este a Ioga se torna
destruidora de toda a tristeza." (VI, 17)
"Quando a mente dominada descansa tão-somente no Eu, livre de todos os desejos,
então diz-se que tal sábio juntou-se ao Eu." (VI, 18)
"Firme como uma lâmpada num lugar abrigado é o iogue de pensa-mentos dominados
que pratica a união com o Eu." (VI, 19) "Onde a mente descansa, refreada pela
prática; onde vê o Eu com
todo seu ser, e regozija-se no Eu; (VI, 20)
"onde experimenta uma infinita felicidade que transcende os sentidos e que pode
ser alcançada apenas pela buddhi [inteligência mais elevada]; e de onde, uma vez
estabelecido, nunca mais se afasta da Verdade;
(VI, 21)
"além do que, tendo-o alcançado, pensa não haver ganho maior; nele estabelecido,
não é perturbado nem mesmo pela maior tristeza; (VI, 22)
"que tal estágio seja conhecido como Ioga, esta dissociação da dor. Esta Ioga
deve ser praticada com determinação e com mente radiante." (VI, 23)
"Abandonando todos os desejos que nascem do egoísmo, refreando com a mente todos
os sentidos de todas as formas; (VI, 21)
"pouco a pouco, que atinja a tranqüilidade por meio da razão controlada com
firmeza; tendo feito a mente meditar no Eu, que não pense em nada mais." (VI,
25)
"Onde quer que a mente vacilante e insegura vá, que a refreie e a traga de volta
à meditação do Eu." (VI, 26)
"Suprema felicidade tem o iogue cuja mente está em paz, cujas paixões foram
dominadas, que não tem pecado e se tornou um com Brahman." (VI, 27)
"Assim, constantemente em harmonia, livre de pecado, o iogue desfruta facilmente
da felicidade última que nasce do contacto com Brahman." (VI, 28)
"Aquele que está harmonizado pela Ioga vê o Eu habitando todos os seres, e todos
os seres no Eu; em toda parte vê unidade." (VI, 29)
"Aquele que, sabendo que o mesmo Eu habita em todas as coisas, vê igualdade em
todos os lugares, Ó Arjuna, seja agradável ou doloroso, é considerado um
verdadeiro iogue." (VI, 32)
Arjuna disse: "Esta Ioga, fundamentada na propensão equilibrada, que foi
declarada por Ti, ó Senhor, não vejo como seja possível, devido à inquietação".
(VI, 33)
"Pois inquieta é de fato a mente, Ó Krishna; impetuosa, forte e obstinada, creio
ser tão difícil refreá-la como ao vento." (VI, 34)
O deus bem-aventurado falou: "Indubitavelmente, ó poderoso armado, a mente
inquieta é difícil de refrear; mas ela pode ser controlada, Ó Arjuna, pela
prática constante e pelo desapego". (VI, 35)
"Para aquele que não tem autocontrole é difícil atingir a Ioga; mas para aqueles
que têm o autocontrole ela é obtida através de tentativas corretas." (VI, 36)
O deus bem-aventurado disse: "Declarei agora aquilo que deve ser conhecido, e
pelo conhecimento disto, desfruta-se a imortalidade. o Brahman supremo e sem
início, nem chamado ser nem não ser".
(XIII, 12)
"Com mãos e pés em todos os lugares, com olhos, cabeças, bocas e ouvidos em
todos os lugares, habita no mundo, tudo englobando." (XIII, 13)
"Dotado das faculdades dos sentidos, e sem os sentidos, desligado conquanto
sustentando todas as coisas, destituído de gunas [qualidades de natureza]
conquanto desfrutador dos gunas; (XIII, 14)
"além e dentro de todos os seres, movente e imóvel, sutil demais para a
compreensão, perto e longe, é Isto." (XIII, 15)
"Indivisível, conquanto presente em seres separados, é conhecido como o
Sustenedor, o Destruidor e o Criador." (XIII, I6)
"Luz de luzes, além da escuridão, jnana [conhecimento espiritual] objeto de
jnana, e para ser atingido por jnana, Isto está assentado nos corações de
todos." (XIII, 17)
"Aquele que vê que é prakriti [natureza] que realiza todas as ações, e que o Eu
não está agindo, verdadeiramente vê." (XIII, 29)
"Quando vir a diversidade da existência assentada em Um, e nascente de Um, então
tornar-se-á Brahman." (XIII, 30)
CAPÍTULO XII - INTEGRAÇÃO
De acordo com Sankaracharya, quatro qualificações são necessárias a quem deseja
conhecer a natureza do Eu. O renomado sábio enumera essas quatro qualificações
em seu Viveka Chudamani (19-28)
1. Viveka — Discriminação.
O estudante deve aprender a distinguir o que é permanente do que é transiente.
Deve extremar o Real do não-real.
2. Vairagya — Desapego.
Seguindo o caminho da Raja Ioga ou o da Jnana Ioga, o estudante deve dominar
todo o desejo de, e apego a objetos mundanos. Os caminhos da Raja e Jnana Ioga
correm paralelos.
O estudante deve devotar algum tempo todos os dias para a leitura das
escrituras, e para meditar a respeito do significado do que lê. Os
pronunciamentos dos sábios sobre Brahman devem tornar-se seu alimento.
Com o reconhecimento verdadeiro da natureza de Brahman, tudo é conhecido. O
conhecedor torna-se um iogue tendo Brahmavidya (conhecimento de Brahman). Nada
mais existe para conhecer e nada mais há a atingir. Fundiu-se com a Vida
Universal, como os rios, que perdendo nome e forma, fundem-se no mar.
As dualidades dissolveram-se em Brahman. Onde outros vêem diferenças e
separações, o iogue vê Unidade, conhece Unidade, e sente apenas Unidade. Sua
noção de existência individual foi destruída; sua personalidade expande-se em
Brahman. O iogue pode verdadeiramente dizer: "Aham brahmasmi" ("Eu sou
Brahman").
A vida do iogue é um exemplo de harmonia. Age em harmonia com seu ambiente, ou
harmoniosamente retrai-se de agir. "Como os pássaros e os veados evitam uma
montanha incandescente, assim os pecados não tocam aqueles que conhecem Brahman"
(Matitri Upanishad, VI, 18).
Embora o iogue transcenda suas limitações, é uma pessoa humilde. Outros podem
maravilhar-se de seu autocontrole e de sua autoconfiança, entretanto ele pouco
fala de seu estado exaltado. Como poderiam os outros possivelmente compreender a
privilegiada condição em que se encontra? É o mesmo para ele retirar-se do
mundo, ou participar de seus afazeres mundanos. Em meio a todas as atividades,
sua mente reside no Eterno. Ele está em constante meditação, habitando sempre em
Brahman. Não importa o que faça, ou não faça, sua mente está sempre ancorada na
felicidade da Existência. Está neste mundo, mas não é dele. Embora aja
aparentemente como se estivesse ligado a ele, não o está no coração. As roupas
que lhe cobrem o corpo físico podem variar de acordo com o país em que viva, mas
internamente sempre usa o manto amarelo.
O iogue tem um profundo amor à humanidade, e a todas as criaturas. Sente sua
semelhança com toda a vida, expressa e não-expressa. Vê a Vida Única
manifestando-Se na multidão de modos transientes de existência. O conhecedor de
Brahman experimenta a totalidade. Torna-se um ser universal integrado, um
verdadeiro homem cósmico.
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