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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política
Disciplina: Teoria Social Contemporânea
Professor: Dr. Ricardo G. Müller

A DISCIPLINA MÉDICA –
A PERMANÊNCIA DE FOUCAULT

Trabalho final da
Disciplina ministrada pela
Prof. Dr. Ricardo G. Müller

José Pedro Rodrigues Gonçalves

Fevereiro de 2007
A DISCIPLINA MÉDICA – A PERMANÊNCIA DE FOUCAULT

José Pedro Rodrigues Gonçalves

A – A HISTÓRIA

Este trabalho busca refletir sobre o disciplinamento que a Medicina tenta e, na maioria
das vezes, acaba impondo à sociedade na medida em que estabelece normas protocolares de
direcionamento e ordenamento da vida social. Seu pressuposto teórico se ancora na Teoria
Social Contemporânea, especialmente em Michel Foucault, que mapeou o caminho
metodológico e epistemológico do que ficou conhecido como genealogia e arqueologia do
saber.
Primeiramente um pouco de história. Fomos buscar em Luc Boltanski 1 a compreensão
que “... o usuário da medicina familiar hoje não esquece nunca o caráter ilegal que executa ou
pelo menos, que só tem o direito de executá-los por procuração”. Ou seja, a utilização de um
conhecimento da medicina, sem a devida autorização, poderá sofrer algum tipo de sanção.
Boltanski lembra que “ninguém tem o direito de ignorar a lei” da mesma forma que ninguém
pode ignorar a existência de uma ciência médica, e completa ele – “conhecimento de
especialista submetido à lei do progresso que a instituição escolar é a única com direito de
transmitir”.
Eis a primeira questão – o saber médico só pode ser transmitido através de uma escola,
mas o autor esclarece que a medicina não é um objeto de ensinamento em escola primária,
onde é ensinada somente a introdução das ciências naturais e da higiene para ter como
resultado “a inculcação da idéia de que existe nessa matéria um conhecimento verdadeiro e
único, aquele que a escola detém e transmite”.
Para ser mais preciso no foco de tudo isso, Boltanski enfatiza que

A escola primária inculca nos membros das classes populares o


respeito pela ciência, o respeito por aquilo que é, e ficar-lhes-á para
sempre, inacessível, respeito que deve se manifestar pela recusa da
pretensão, ou seja, por uma clara consciência de sua própria
ignorância, pela submissão aos detentores legítimos do conhecimento

1
Boltanski, Luc. As Classes Sociais e o Corpo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
médico, os médicos, aos quais se delega até o direito de falar do
próprio corpo e dos males que o atingem2.

Para este autor, o disciplinamento da medicina tornou-se uma prática social


incorporada na cultura como um dos seus componentes indissociáveis e, pelo que se viu,
também foi incorporado na política educacional.
Costa3 vai mais além, afirma que a medicina social, através de sua prática higienista,
reduziu a família a um estado de dependência, argumentado que, dessa forma, os indivíduos
seriam salvos do caos em que se encontravam. Dentre outras críticas de Costa, destacamos
que, para ele

A educação física defendida pelos higienistas do século XIX criou, de


fato, o corpo saudável. Corpo robusto e harmonioso, organicamente
oposto ao corpo relapso, flácido e doentio do indivíduo colonial. Mas,
foi esse corpo que, eleito representante de uma classe e de uma raça,
serviu para incentivar o racismo e os preconceitos sociais a ele
ligados4.

A afirmação anterior de que o disciplinamento da medicina foi incorporado na


política educacional do Estado é confirmada por Costa quando explica que a visão
caritativa assistencial da religião reduzia a assistência médica a uma atividade
marginal e supérflua, mas que durante o Império a ética leiga dos higienistas fez
coincidir a saúde da população e a saúde do Estado. A saúde passou a ser parte da
política do Estado. E Costa enfatiza – “Por meio dessas noções e ações a medicina
apossou-se do espaço urbano e imprimiu-lhe as marcas do seu poder” 5.

Também Donnangelo6, baseada em Foucault e Boltanski concluiu que


“equiparando-se à instituição escolar, a medicina, a partir da tentativa de estruturação
simbólica, para toda a sociedade, das representações de saúde e doença, empreende a
tarefa de regular a vida privada, em particular dos estratos sociais inferiores”. Ainda
hoje, percebe-se claramente a assunção do papel de “professor” pelos médicos na

2
Idem
3
Costa, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1983.
4
Idem
5
Idem
6
Donnangelo, Maria Cecília Ferro. Saúde e Sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976.
medida em que eles determinam cotidianamente o como se deve levar a vida a fim de
se ter saúde.

Prosseguindo em sua análise, Donnangelo explica as raízes dessa


medicalização, termo emprestado de Ilich, como ela mesma afirma em seu trabalho,
como uma redefinição da medicina a partir do século XVIII. E explica:

Não é cuidado médico que então se generaliza e sim o que poderia


considerar, de maneira aproximada, uma extensão do campo de
normatividade da medicina através da definição de novos princípios
referentes ao significado da saúde e da interferência médica na
organização das populações e de suas condições gerais de vida. Essa
medicalização e a especificidade de suas relações com a estrutura
econômica e político-ideológica pode ser identificada através da
emergência de novos conceitos referentes à saúde e à prática médica
bem como de novas formas de controle da medicina pela sociedade e
de novos usos da medicina no controle e organização social7.

A autora ainda enfatiza que as medidas que se referem ao enquadramento da


população no processo de reorganização social durante o mercantilismo constituiram-
se no elemento mais imediato da reestruturação na medicina. Donnangelo cita uma
conferência feita por Foucault no Instituto de Medicina Social da, então, Universidade
do Estado da Guanabara – UEG, hoje UERJ, em 1974, quando este pensador afirmou
que

Com a organização de um saber médico estatal, a normalização da


profissão médica, a subordinação dos médicos a uma Administração
Central e, finalmente, a integração de vários médicos em uma
organização médica estatal, tem-se uma série de fenômenos
inteiramente novos que caracterizam o que pode ser chamada a
medicina do Estado (...). Não é o corpo que trabalha, o corpo do
operário que é assumido por essa administração estatal da saúde, mas
o próprio corpo dos indivíduos enquanto constituem globalmente o
Estado: é a força, não do trabalho, mas estatal, a força do Estado em
seus conflitos, econômicos certamente, mas igualmente políticos, com

7
Idem.
vizinhos (...) é essa força estatal que a medicina deve aperfeiçoar e
desenvolver8.

Percebe-se aqui uma dupla dependência, ou subordinação. O médico que se


subordina aos ditames do Estado para atender os interesses do poder, interesses de
toda natureza, especialmente político-ideológicos, por um lado. Por outro, os médicos
aperfeiçoando e desenvolvendo essa força estatal de que fala Foucault, mas, também,
utilizam esse processo em benefício da corporação médica, já que a ingenuidade não
faz parte do repertório de virtudes de nenhuma corporação. Uma maior dependência
das populações aos cuidados da medicina pode significar a construção de um mercado
cativo para os interesses médicos.

B – A DISCIPLINA

“A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos


econômicos e de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos
políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do
corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela
procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que
poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a
exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos
que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre
uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada“ 9.
Assim Foucault apresenta aquilo que ele chamou de uma nova anatomia política,
processos múltiplos muitas vezes mínimos, de origens diversas, de localizações esparsas, que
se repetem ou se imitam. Decodificando os vários aspectos do processo de disciplinamento do
corpo para cumprir uma determinada função ou atividade, Foucault apresenta sua tese em
seus livros10, onde relata a história do disciplinamento do corpo, primeiramente com os
militares que deveriam ter eficiência durante a guerra, por isso havia necessidade de um corpo
disciplinado, pois “a disciplina define cada uma das relações que o corpo deve manter com o
objeto que manipula” 11. Manipular bem uma arma era necessário para uma vitória nas lutas.

8
Idem. Este trecho faz parte do livro Microfísica do Poder, de Michel Foucault.
9
Foucault, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.
10
Especialmente Microfísica do Poder e Vigiar e Punir.
11
Idem
Era preciso estabelecer amarras entre o corpo e o objeto manipulado para se constituir um
complexo corpo-arma, corpo-instrumento, corpo-máquina.
O que é(ra) um corpo-máquina? A narrativa de Foucault fala do soldado que havia se
tornado em algo que se poderia fabricar, isto é, transformar um corpo inapto na máquina que
se precisa. Era através da correção da postura, uma coação calculada sobre cada parte do
corpo para torná-la “perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, mo automatismo
dos hábitos; em resumo, foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”“.
De certa forma podemos perceber a presença de Pavlov neste adestramento
permanente que, ainda, existe em nossa sociedade atual e se manifesta de muitas formas. É
importante e necessário reproduzir aqui o que fala Foucault.

Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como


objeto e alvo de poder. Encontramos facilmente sinais dessa grande
atenção dedicada ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se
treina, se obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se
multiplicam. O grande livro do Homem-máquina foi escrito
simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas
primeiras páginas haviam sido escritas por Descartes e que os
médicos, os filósofos continuaram; o outro, técnico-político,
constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares,
hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar ou
corrigir as operações do corpo12.
Acredito não haver maior clareza do que essa. A presença de Foucault permanece de
modo enfático em nosso cotidiano. E isto continua sendo reproduzido, especialmente na
medicina de nossos dias.

Para Polack13,

La medicina plagia en sus “relaciones de producción” un modelo


político fundamental que, más allá de las especificaciones de las cosas
de la salud, la rige. Por el contrario, en el academicismo obsequioso y
disciplinado del cursus médico, una concepción política completa de
la división de tareas, obstáculos y privilegios, intereses y obediencia,
oscurece su camino.

12
Foucault, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.
13
Polack, Jean-Claude. La Medicina del Capital. Madri, Espanha: Editorial Fundamentos, 1974.
Polack sintetiza o que Foucault explica com mais detalhes, e começa com o
estabelecimento de regras, de normas, para os hospitais, desde a sua estrutura física, até na
organização e separação dos doentes em áreas específicas. São estas regras, estas normas, os
elementos essenciais para o exercício e a manutenção do poder. Para Foucault poder é

uma relação assimétrica que institui a autoridade e a obediência, e não


como um objeto preexistente em um soberano, que o usa para dominar
seus súditos. [...] Assim, em vez de coisas, o poder é um conjunto de
relações; em vez de derivar de uma superioridade, o poder produz a
assimetria; em vez de se exercer de forma intermitente, ele se exerce
permanentemente; em vez de agir de cima para baixo, submetendo, ele
se irradia de baixo para cima, sustentando as instâncias de autoridade;
em vez de esmagar e confiscar, ele incentiva e faz produzir14.
Outros autores, como Dreyfus & Rabinow 15 também apresentam ainda algumas
reflexões de Foucault a respeito do poder: 1 - As relações de poder são desiguais e móveis,
não é uma mercadoria, posição, ou recompensa; é a operação de tecnologias políticas através
do corpo social. 2 - O poder não está restrito às instituições políticas. Ele representa um papel
produtivo, vem de baixo, é multidirecional, funcionando de cima para baixo ou de baixo para
cima.

O disciplinamento marca o fato de se assumir um poder não ostensivo, onde a arma se


torna quase desnecessária, pois possui uma arma muita mais terrível e poderosa, o controle da
sociedade através da normatização.

Foucault esclarece de forma contundente esse modo de controlar a sociedade.

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera


simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no
corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que,
antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma
realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica16.

Para Foucault, “biopolítica” é o modo como o poder se transformou, no século


XVIII e XIX, em uma ordem que governa não somente os indivíduos através dum
14
Albuquerque, José Augusto Guilhon. Michel Foucault e a teoria do poder. In Tempo Social; Rev. Sociol. USP,
S. Paulo, 7(1-2): 105-110, outubro de 1995.
15
DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e
da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
16
Foucault, Michel. Obra citada.
certo número de disciplinas, mas o conjunto dos seres humanos que se constituem em
“população” 17.
Caponi18 explica que biopolítica designa “o que faz com que a vida e seus mecanismos
possam entrar no domínio de cálculos explícitos, e o que transforma o saber-poder num
agente de transformação da vida humana”.

Então, e pela primeira vez na história, o biológico ingressa no registro


da política: a vida passa a entrar no espaço do controle de saber e da
intervenção do poder. O sujeito, na qualidade de sujeito de direitos,
passa a ocupar um segundo plano em relação à preocupação política
por maximizar o vigor e a saúde das populações19.
Caponi enfatiza que uma das características do biopoder é dar uma crescente
importância da norma sobre a lei. A definição de normalidade torna-se importante para que se
destaque o que é a sua contraposição, o anormal. O que não é normal é incorporado à
categoria de degeneração e passa a ser inscrito nas margens do jurídico.
Embora seja importante, aqui, apresentar como nasce essa normalização da sociedade,
não é, entretanto, o foco deste trabalho. Assim, apresentaremos alguns tópicos a respeito do
tema para introduzir o como isso aconteceu – o disciplinamento da sociedade, especialmente
pelos médicos.
Durante o mercantilismo, a França, a Inglaterra e a Áustria, começaram a calcular a
força ativa de sua população, onde a preocupação sanitária era apenas a contabilidade dos
nascimentos, mortes e verificar os índices de saúde e de aumento da população, sem nenhuma
intervenção efetiva ou organizada para elevar o seu nível de saúde. A preocupação da
Alemanha era diferente, pois buscou desenvolver uma prática médica centrada na melhoria do
nível de saúde da população. Assim foram criados programas de melhoria da saúde da
população, que foram chamados de política médica, pela primeira vez em um Estado.
Essa política médica, ou polícia médica, como o autor se refere em seguida, consistia
em: primeiro - um sistema de observação de morbidade, mais efetivo e mais completo do que
simplesmente uma contabilidade de nascimentos e mortes; segundo - normalização da prática
e do saber médico. A medicina e o médico são os primeiros a serem normalizados e o Estado
passa a controlar os programas de ensino e a atribuição dos diplomas. Terceiro – Criou-se

17
Rocha, Acílio da Silva Estanqueiro. Biopolítica.
Disponível em http://www.ifl.pt/dfmp_files/biopol%C3%ADtica.pdf. Acesso em 22/01/2007.
18
Caponi, Sandra. A biopolítica da população e a experimentação com seres humanos. In Ciência & Saúde
Coletiva, 9(2):445-455, 2004.
19
Idem.
uma organização administrativa para controlar as atividades médicas, subordinando a prática
média a um poder administrativo do Estado, por fim, o quarto item desse processo de controle
– a nomeação de médicos, funcionários do governo, com responsabilidade sobre uma
determinada região, onde exerceria seu poder ou a autoridade de seu saber20.
Eis a medicina de Estado que ia além da formação de uma força de trabalho adaptada
às necessidades das indústrias que se desenvolviam. Para Machado “não há relação de poder
sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui
21
novas relações de poder” . Neste caso, o campo de saber, que instituiu um poder, foi a
Medicina.
Outras formas de saber também participam deste disciplinamento da sociedade em
suas várias instâncias. Veiga-Neto22 mostra a diferença entre as varias formas de
disciplinamento

A fábrica - enquanto aparelho de produção, sobretudo material -


disciplina os indivíduos para a economia. A escola - enquanto
aparelho de transmissão de saberes - disciplina para a formação,
conformadora de atitudes, percepções, esquema de respostas e,
também, disciplinam para a normalização. O hospital, etc. - enquanto
aparelhos para a correção do físico e da conduta - disciplinam para a
normalização.

Além da Medicina, outros profissionais da saúde participam deste disciplinamento,


como apontaram Barreto e Moreira23. Para eles

A noção foucaultiana do modo de sujeição reporta o poder


caracterizado pela verticalidade da relação cliente-profissional de
saúde e, também, a um poder bioquímico e tecnológico que produz
nova mecânica de controle e sujeição, mecânica essa que também se
materializa nas formas fármaco-terapêuticas de expropriação da cura e
experimentação se sentimento de morte monitorada.

20
Foucault, Michel. Obra citada.
21
Machado. R. Por uma genealogia do poder. In: Microfísica do poder. 15a. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.
Introdução, p.VII- XXIII.
22
Veiga-Neto, Alfredo J. Michel Foucault e educação: há algo de novo sob o sol? In: Veiga-Neto, Alfredo J.
Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995.
23
Barreto, José Anchieta E.; Moreira, Rui Verlaine O. (Org.). A outra margem: filosofia, teorias de
Enfermagem e cuidado humano. Fortaleza: EFC/Casa de José de Alencar, 2001.
Illich24 chama de “iatrogênese social o efeito social não desejado e danoso do impacto
social da medicina, mais do que sua ação direta”. Este autor enfatiza que

O controle institucional da população pelo sistema médico retira


progressivamente do cidadão o domínio da salubridade no trabalho e o
lazer, a alimentação e o repouso, a política e o meio. Esse controle
representa um fator essencial da inadaptação crescente do home ao
meio.

Outra forma de controle social exercido pela medicina é aquele promovido pelo
diagnóstico, conforme Illich, e resulta da medicalização de categorias sociais, o que ele chama
de etiquetagem iatrogênica das diferentes idades da vida humana. É importante repetir aqui o
que fala este autor.

Esta etiquetagem acaba fazendo parte integrante da cultura popular


quando o leigo aceita como coisa “natural” e banal o fato de que as
pessoas têm necessidade de cuidados médicos de rotina simplesmente
porque estão em gestação, são recém-nascidas, crianças, estão no
climatério, ou porque são velhas25.
Concordamos em parte com este ponto de vista, mas não é isso o foco deste trabalho.
O que fica evidente é o controle exercido pela medicina sobre a população, especialmente
aquelas menos informadas. Disto deriva uma outra conclusão: com a falta de informação clara
por parte dos médicos, pela excessiva linguagem técnica utilizada e pelo pouco diálogo com
os pacientes, quem realmente tem uma boa informação sobre as questões de saúde?
Illich percebe o homem encaixotado num meio feito para os membros de sua
categoria, conforme é concebido por algum especialista burocrático encarregado da gerência
desse setor.

Em cada um desses lugares, o indivíduo é instruído para seguir o


comportamento que convém a uma administração de pedagogos, de
pediatras, de ginecologistas, de geriatras e às suas diversas classes de
servidores. [...] O homem domesticado entra em estabulação
permanente para se fazer gerir numa seqüência de celas
especializadas26.

24
Illich, Ivan. A Expropriação da Saúde. Nêmesis da Medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
25
Idem.
26
Idem.
Mesmo com uma dose maior de tinta em sua descrição, Illich retrata o que se passa no
interior da medicina. A divisão técnica do trabalho médico, em múltiplas especialidades,
fragmenta de tal forma o ser humano que, de algum modo, a caricatura illichiana representa
muito bem a realidade. A necessidade, real ou aceita como tal, de se submeter à exames
obrigatórios em função de critérios aplicados em grupos etários certamente não atende à uma
necessidade concreta de tratamento. Um exemplo claro disso é o que se passa com os
chamados exames periódicos para trabalhadores de empresas públicas ou privadas. Disso não
resulta, na grande maioria das vezes, nenhuma orientação ou educação para a saúde, já que se
trata de atender a uma exigência de uma lei cujo efeito prático só favorece os chamados
“médicos do trabalho”. Cumpre-se a lei de uma forma burocrática e autoritária, pois a recusa
pode significar alguma sanção sobre quem não atendeu à convocação para o exame.

C – À GUISA DE CONCLUSÃO

A proposta deste trabalho foi tentar demonstrar que Foucault está presente na forma de
suas idéias, proposições e outras características marcantes de sua obra, nos processos
educacionais que definem a formação profissional no Brasil, aqui realçada a formação
médica. Esta educação assumiu a condição de adestramento na medida em que adotou como
relevante a inculcação de um saber técnico em detrimento de um saber que permite pensar,
pois através do pensamento é possível construir um novo e outro saber que realmente possa
ser libertador. Mais do que isso, o saber médico enquanto poder normatizador da vida em
sociedade, como foi visto em Boltanski, Costa, Donnangelo e outros autores, demarcam o
campo médico como um espaço de articulação de saberes dotados de uma ambigüidade clara,
pois os saberes da medicina, onde uma ideologia própria se impõe, ao mesmo tempo em que
domestica, também é domesticada.
Ao assumir a defesa dos interesses do capital, o médico, na maioria das vezes,
desconhece este seu papel, que chamo de “bóia-fria de multinacional”, pois cumpre a função
de ampliar a demanda pelo consumo de bens e serviços de eficácia duvidosa. Illich enfatiza
este papel quando afirma que no domínio da doença e da medicina existe um campo ilimitado
para a

exploração dos consumidores, que só pode ser limitado pela educação


sanitária e ambiental, que é tergiversada por meio da vulgarização e da
distorção dos conhecimentos destinados a abastecer as normas de
alimentação, de higiene, corporais, estéticas ou rítmicas que
favoreçam a expansão da demanda individual dos diversos produtos
industriais27.(Tradução nossa).
Este papel, desempenhado pelos médicos, se inscreve no campo da norma instituída
durante a graduação, o que foi chamada por Morin de “imprinting”.

Imprinting é um termo que Konrad Lorenz propôs para dar conta da


marca incontornável imposta pelas primeiras experiências do jovem
animal, como o passarinho que, ao sair do ovo, segue como se fosse
sua mãe o primeiro ser vivo ao seu alcance. Há um “imprinting”
cultural que marca o humano, desde o nascimento, com o selo da
cultura, primeiro familiar e depois escolar, prosseguindo na
universidade ou na profissão28.

Mesmo que não haja uma intenção, e ela existe na realidade, mesmo que dissimulada,
o médico segue a “cultura” da medicina através deste “imprinting” e passa a seguir os
modelos com os quais conviveu na academia. Dentre estes modelos de prática médica, quero
destacar a necessidade, criada durante a formação, de solicitar exames complementares
indiscriminadamente, supostamente baseados na ética, conforme afirmam os defensores desta
prática. Na realidade trata-se de um deslizamento semântico, pois ética exige um cuidado
absolutamente respeitoso, incluindo aqui o respeito pela autonomia do sujeito que adoece,
jamais de uma suposição que “poderia haver algum problema detectável pelo exame”. Para
exemplificar isto, vamos nos reportar a uma pesquisa apresentada por Kenzler 29 que aponta
que cerca de 85 % dos exames solicitados por médicos apresentaram resultados negativos,
significando que foram absolutamente desnecessários e que os recursos aplicados para
execução desses exames foram desperdiçados. Embora esta pesquisa seja de 2001, é
importante realçar que de lá para cá esta prática foi ampliada consideravelmente. Pesquisa
realizada pela UNIMED de Cuiabá, da qual pessoalmente participamos, demonstrou que 30 %
dos exames realizados permanecem nos laboratórios sem nunca serem recolhidos pelas
pessoas que se submeteram à ele. Ou seja, exames desnecessários.

27
Illich, Ivan. Obra citada.
28
Morin, Edgar. O Método 4. As Idéias – Hábitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.
29
Kenzler, Wilhelm. A Medicina Doente. Super Interessante, São Paulo. n 5, p. 48-55, mai. 2001.
O que queremos demonstrar é que a normatização, o disciplinamento, o poder médico
sobre a sociedade continua cada vez mais presente e realça a presença de Michel Foucault e
suas teorias no cotidiano de nossa vida, especialmente no chamado setor saúde.

A importância deste pensador deveria dar um significado relevante na academia para


que pudéssemos refletir sobre o nosso papel na história da sociedade e resgatar a importância
da ética como aquilo que funda e deve fundar, sempre, o conviver humano. Não apenas
cumprir o papel de (re)produtor de idéias, que muitas vezes não estão afinadas e sintonizadas
com os discursos que se exteriorizam, mas, principalmente, contextualizar esses discursos
com o que a sociedade espera da academia e de cada um de nós.

José Pedro Rodrigues Gonçalves

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