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ENTRE TONAL E ATONAL

Marcelo Kraiser

Nesse instante-já estou envolvida por um vagueante desejo difuso de


maravilhamento e milhares de reflexos de sol na água que corre da bica
na relva de um jardim todo maduro de perfumes, jardim e sombras que
invento já e agora e que são o meio concreto de falar neste meu
instante de vida. Meu estado é o de jardim com água correndo.
Descrevendo-o tento misturar palavras para que o tempo se faça. O que
te digo deve ser lido rapidamente como quando se olha.1

O entre atonal, descreve o personagem-Autor em Um sopro de

vida, é um objeto tênue, cruzamento de linhas que não pode ser visto e
lido a partir das categorias estáveis da recognição e da representação,

sob pena de ver fugir o próprio objeto: “no vislumbre é às vezes que

está a essência da coisa”.2

Às vezes meu pensamento é apenas o sussurro de minhas


folhas e galhos. Mas para o meu melhor pensamento não
são encontradas as palavras.

Descobri que preciso não saber o que penso — se eu ficar


consciente do que penso, passo a não poder mais pensar,
passo a só me ver pensar. Quando digo “pensar” refiro-me
ao modo como sonho as palavras. Mas pensamento tem
que ser um sentir.3

Neste caso, o entre-dois da literatura e artes visuais se expressa

como diferença, no sentido forte do conceito: paradoxal, impossível de

captar por gestos, um olhares, e pensamentos centrados em si próprios

que dependem de sujeitos auto-idênticos, cujos pontos de vista voltam-

se em direção ao mundo como se este também fosse composto por

sujeitos e objetos idênticos a si próprios. Diferença — seria preciso dizer

no plural — diferenças, como linhas de fuga que não se assemelham

1
LISPECTOR. Água viva, p. 21.
2
LISPECTOR. Um sopro de vida, p. 20.
3
Ibidem. p. 81.

1
àquilo que atravessam e não acompanham o tempo cronológico,

mecânico que são eventualmente captadas, produzidas e expressas

pelos textos e imagens das artes. A essa espécie muito peculiar de

diferenças correspondem acontecimentos que escapam ao já-dito e ao

já-visto próprios da representação.

Roland Barthes indaga a respeito da relação não hierárquica entre

literatura e a pintura: “Se literatura e pintura deixarem de ser

consideradas em uma reflexão hierárquica, uma sendo o retrovisor da

outra, de que servirá mantê-las por mais tempo como objetos

simultaneamente solidários e separados, em uma palavra:

classificados?”4 As relações entre as artes, e entre as artes e a teoria,

deixam de serem compostas de “retrovisões” para se aproximarem de

vislumbres, quando afirmam a diferença irredutível à identidade e à

especificidade de cada arte, variando em linhas descontínuas, muitas

vezes imprevisíveis nas suas direções, prolongamentos e

contaminações. Outras relações binárias, como arte-vida, autor-obra,

leitor-obra, matéria-forma, matéria-pensamento, sensação-pensamento

tornam-se interstícios, cortes irracionais, ou seja, que não dependem

dos seus termos nem se alinham para traçar unir e separar elementos

distintos formando um conjunto fechado.

Três palavras-chaves, que é preciso daqui em diante conceituar

melhor: fronteira, limite, limiar. De início, uma aproximação

progressiva, como operada por uma lente fotográfica do tipo zoom. A

fronteira é moldura, a fronteira da fronteira, sua última camada é o

limite e além do limite está o limiar. Mas nesse lugar sem extensão

definida, puramente intensivo, a metáfora óptica deixa de funcionar.

4
BARTHES. S/Z, p. 86, 87.

2
Pois o limiar não significa um avanço maior na extensão de um espaço

que se pode atravessar, mas uma “potência de desenquadramento”,5

mudança de estado, vibração molecular, zonas de indiscernibilidade,

turbulências, possibilidade de contaminação imprevisíveis. “Que estou

fazendo ao te escrever? estou tentando fotografar o perfume.” 6 Estes

conceitos, sob pena de barrarem o pensamento se definidos de uma vez

por todas, devem ser construídos aos poucos nas séries que se seguem

percorrendo os textos de Clarice Lispector e Gilles Deleuze dentre

outros.

CASAMATAS

Se ao menos a moça estivesse fora de seus muros. Que


minucioso trabalho de paciência o de cercá-la. De gastar a
vida tentando geometricamente assediá-la com cálculos e
engenho para um dia, mesmo decrépita, encontrar a
brecha.
Se ao menos estivesse fora de seus muros.
Mas não havia como sitiá-la. Lucrécia Neves estava dentro
da cidade.7

Esses limiares, expressos no texto literário e nas imagens das

artes visuais são irredutíveis ao já-visto e ao já-dito, categorias da

representação. O que significa isso?

As fronteiras entre Literatura e Artes Visuais dependem da

maneira como se vêem ou lêem as artes e suas relações, e que invocam


5
DELEUZE; GUATTARI. O que é a filosofia, p. 242.
6
LISPECTOR. Água viva, p. 39.
7
LISPECTOR. A cidade sitiada, p. 62.

3
especificidades territoriais. Este entre-lugar assume pelo menos dois

sentidos muito diferentes, irredutíveis um ao outro e inconciliáveis

através de sínteses gerais que os cerque como um todo coeso. No

primeiro sentido, literatura e artes visuais são como dois territórios

unidos e separados por fronteiras mais ou menos fixas que delimitam

territórios que se pode reconhecer e cujas fronteiras podem recuar,

avançar e se misturar em diferentes confrontos, acordos e negociações.

Nesse caso, o conectivo “e” que mantém unidos e separados esses

territórios, tem o valor de um hífen entre elementos cuja lógica própria

não permite que sejam, ao mesmo tempo, o seu negativo. Assim, há

literatura por oposição a não-literatura, pintura, por oposição àquilo que

se reconhece como não pintura; desenho e não-desenho; fotografia se

define fotografia.

Em todos os casos, os critérios articulam-se com esses outros

pares hifenados, por exemplo, palavra-imagem, arte-vida; artista-obra,

teorias da arte-arte e assim por diante, em séries de oposições em

última análise, regidas pelo verbo ser.8

Nesses pares opostos, as fronteiras entre as artes não é rígida,

imóvel nem impermeável, pois permite ou impede passagens de

elementos de um lado a outro, gerando misturas, ramificações que se

afastam de centros definidos, influências mútuas, desígnios comuns,

ramificações e destinos divergentes. Mas o reconhecimento desses

limites é amparado, regido e ordenado por processos de legitimação que

8
Sylvio de Souza Gadelha Costa mostra o caráter “onisciente e onipresente, zelador implacável... legislador e
juiz” do verbo ser, distribuidor e regulador de identidades e verdades, como o síndico vigilante de um
condomínio, operando em um “regime de redundâncias” que afasta a experimentação em detrimento da
reprodução e da imitação. “Deliramos o mundo representativamente” o que se torna mais exacerbado na atual
sociedade de controle. O artigo em questão trata da educação como forma previsível de moldar o nosso
reconhecimento do mundo, domesticando o inusitado sob a égide da Moral.

4
agem como censores que classificam as disciplinas e os objetos referidos

a elas. São esses limites que a história da arte tende a registrar como

estilos de época, estilos dos artistas, relações entre arte, cultura e

períodos históricos, biografias de artistas e suas obras e influências

recíprocas entre eles.

As conexões dentro de uma mesma obra, ou no conjunto da obra

de um autor, e ainda, as relações autor-texto, literatura e outras artes,

critica e obra, quando consideradas como diferenciais, disjunções sem

amparo no pensamento racional, sugerem a destituição de um sistema

de julgamentos exterior a elas — cuja função é ordenar, distribuir,

distinguir e hierarquizar os pólos dessas relações.

Pois o pensamento quando se volta em direção à arte é atravessado por

um campo de forças que o tensiona e é dessa tensão que se aproveita a

fim de potencializar-se.

Seja a literatura, sejam as artes visuais,sejam suas relações com

as outras artes e destas com o pensamento, não é possível haver

molduras que pertençam ao próprio corpus da arte e que, ao mesmo

tempo, definam as regras que garantam seus territórios. Incômodo

paradoxo que se associa a essa espécie de molduras cujas relações se

pretendem interiores aos seus termos mas, simultaneamente, vinculam-

se a discursos “transcendentes”.

As relações entre arte e discursos legitimadores dependem sempre

de algo exterior a elas, cujo caráter principal é localizar-se como algo

que as “transcenda”, já que oscilam entre verdades universais, ideais, e

casos particulares que são os objetos artísticos. Entre continuidades e

descontinuidades que delimitem territórios e fronteiras da arte e dos

discursos, como um duplo movimento de abstração e corporificação que

5
torna tanto a arte, quanto os discursos sobre arte indecidíveis, pois

nesse jogo especular entre o geral e o particular, entre objetos e

discursos, entre pensamento e obra, reina soberana a recognição:

“concordância das faculdades, fundada no sujeito pensante tido como

universal e se exercendo sobre um objeto qualquer”.9

Mas o que acontece se esta recognição, responsável pela

estabilidade dos sujeitos, dos objetos e suas relações é rompida? Se as

distâncias desobedecerem às regras da delimitação de fronteiras fixas

ou móveis? Em última análise, se as relações

escapam à censura que os sitia e deixam de funcionar como

“retrovisões”, para invocar novamente a expressão de Barthes? Nesse

caso, irrompem imediatamente espaços e tempos irredutíveis aos da

representação: as distâncias entre o texto escrito os sujeitos, objetos e

as imagens tornam-se disjunções, nas quais os traços limítrofes tornam-

se trêmulos, nebulosos, paradoxais, onde o “entre dois” é ao mesmo

tempo sitiado e infiltrado por tudo aquilo que escapa ao

reconhecimento. Pois fora da recognição, que funda o pensamento

assentado no já-visto e no senso comum, no pensamento movido pela

boa vontade que supõe sua afinidade natural com o verdadeiro, há uma

outra imagem do pensamento, a partir da qual “as condições de uma

verdadeira crítica e de uma verdadeira criação são as mesmas:

destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si própria,

gênese do ato de pensar no próprio pensamento”.10

9
DELEUZE. Diferença e repetição, p. 223.
10
DELEUZE. Diferença e repetição, p. 231.

6
A retrovisão é abalada a partir de encontros involuntários,

independentes da boa vontade, que provocam o estilhaçamento do

bom-senso-comum, coordenador da harmonia entre sujeitos e objetos,

entre o pensamento e os sentidos. Irrompem signos estilhaçados de

difícil acomodação em um mundo regido pela representação e pela

recognição e o que se tem agora é uma dispersão de signos sensíveis,

que transtornam a coerência do pensamento, a pregnância das

imagens, as constantes da linguagem: “o logos se quebra em

hieróglifos”.11 Concreções fugazes capturadas por corpos-linguagem

impessoais que se cristalizam e desfazem em descobertas

paradoxalmente rigorosas e provisórias. Nas palavras do Autor em Um

sopro de vida,

quando eu era uma pessoa, e ainda não um rigoroso pleno


de palavras, eu era mais incompreendido por mim. Mas
era-me aceito na totalidade. Mas a palavra foi aos poucos
me desmistificando e me obrigando a não mentir. Eu
posso ainda às vezes mentir para os outros. Mas para mim
mesmo acabou-se a minha inocência e estou mais em face
de uma obscura realidade que eu quase, quase pego na
mão. É uma verdade secreta, sigilosa, e eu às vezes me
perco no que ela tem de fugidia. Só valho como
descoberta.12

Repassando e sintetizando o já dito até aqui, os encontros

involuntários que abalam as categorias recognitivas não desfazem como

que por mágica os processo de legitimação. Estes, da mesma forma que

as fronteiras entre as artes continuam existindo, apenas permanecem

em um plano identitário, molar, sistemas de coordenadas extensivas.

11
Ibidem. p. 240.
12
LISPECTOR. Um sopro de vida, p. 40.

7
Este diferencia-se de um outro plano no qual as fronteiras entre as artes

(e entre o pensamento e as artes ) são atravessados por linhas

diagonais, intensivas, que conduzem a um mapeamento intensivo dos

limites e limiares entre as artes.

Continuidades e rupturas entre territórios, dependem de sistemas

de legitimação, no qual a arte recebe um valor nominal, atribuído pela

cultura e seus atores-participantes, narradores e narrativas no âmbito

da história, da crítica, da comunicação interpessoal. São elementos

inseparáveis de um plano de organização que, escrevem Deleuze e

Parnet, “é o plano da Lei, enquanto ele organiza e desenvolve formas,

gêneros, temas, motivos e que assinala e faz evoluir sujeitos,

personagens, caracteres e sentimentos: harmonia das formas, educação

dos sujeitos”.13

Distingue-se um plano de consistência, que se diferencia do plano

de organização, não como transgressão, ruptura ou descontinuidade,

mas por não conter, como neste último, discursos que transcendam

suas referências a fim de decalcá-las e traçar fronteiras que normatizem

identidades entre seus componentes e regularizar suas relações. O

plano de consistência só conhece “relações de movimento e de repouso,

de velocidade e de lentidão, entre elementos não formados,

relativamente não formados, moléculas ou partículas levadas por fluxos”

e no qual os modos de individuação abdicam da identidade, tornam-se

ecceidades,14 como expressa o texto de Clarice Lispector:

Antes o céu e o ar pesados, o céu tinha descido para mais


13
DELEUZE; PARNET. Diálogos, p. 108.
14
“Toda individuação não se faz sobre o modo de um sujeito ou até mesmo de uma coisa. Uma hora, um dia,
uma estação, um clima, um ou mais anos — um grau de calor, uma intensidade, intensidades muito diferentes
que se compõem — têm uma individualidade perfeita que não se confunde com a de uma coisa ou de um
sujeito formados.” DELEUZE; PARNET. Diálogos, p. 108.

8
perto da terra e era cor de chumbo. Clareiras enevoadas,
pântanos inquietos, horizontes apagados pela grande
chuva que virá, e em breve a folhagem estará pesada de
água, terrenos negros e também lívidos. A palidez me
toma e não é por medo: é que também eu estou sob a
influência da tempestade que se forma. A intranqüilidade
do mundo. Os pássaros fogem. 15
Nessas linhas onde a fronteira transmuta-se em limiares, os

objetos e seres, a linguagem e as coisas desdobram-se em halos de luz

e som, também nomeados no texto clariceano como it, que percorre os

enunciados, as imagens e os corpos:

O que te escrevo não tem começo: é uma continuação.


Das palavras deste canto, canto que é meu e teu, evola-se
um halo que transcende as frases, você sente? Minha
experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das
coisas. O halo é mais importante que as coisas e que as
palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio
descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico
que projeta sombra. E é trombeta que anuncia. O halo é o
it.16

RESUMINDO

Entre tonal: fronteiras negociadas, alfândegas, amparo na

representação e recognição, exigência de agentes alfandegários,

sistema judicial no pensamento, diferença domesticada pela identidade,

analogia, oposição, semelhança tanto no conceito quanto nos sujeitos e

objetos, necessidade de seleção de pretendentes, seqüência da qual se

exige estabilidade: idéia projeto processo resultado, reflexão

permanente como agente regulador, moralismo que considera que

saindo disso há o caos, a desorganização, o tudo pode. Amparo na

comunicação e no modelo confessional.

15
LISPECTOR. A tarde ameaçadora, p. 464.
16
LISPECTOR. Água viva, p. 53.

9
'Entre atonal': diferença livre da representação e dos pilares da

recognição, substituição do juízo pela avaliação,

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