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por
Em cumprimento parcial
1996
2
Agradecimentos
realização de um sonho;
A Deus, sem o qual não seria possível a ajuda de todos os citados acima.
Índice
AGRADECIMENTOS 2
ÍNDICE 3
INTRODUÇÃO 5
CONCLUSÃO 72
BIBLIOGRAFIA 74
5
Introdução
do sofrimento, buscando resposta para seus conflitos. Longe de esgotar tão vasto
assunto, o propósito é dar pistas para uma reavaliação da forma atual de encarar esse
problema.
publicada pela Edições Loyola e também do Grande Comentário Bíblico dos Salmos,
citações dos salmos empregadas aqui com a tradução de João Ferreira de Almeida. Tal
volta de meados do séc. II a.C., o texto hebraico dos Salmos foi traduzido para o grego,
para uso dos judeus da Diáspora — é a chamada versão dos Setenta ou Septuaginta.
massorético. Com efeito, por duas vezes ocorre o caso de um salmo, único no texto
hebraico, estar dividido em dois na versão grega (Sl 116 e 147). Inversamente, e
6
também aqui por duas vezes, dois salmos da coletânea hebraica ( 9 e 10; 113 e 114)
é algo bem posterior. Por isso, até entre os próprios textos massoréticos há variações
Almeida.
Alguns dados aqui apresentados são visto como polêmicos por diversos
alguns problemas em relação a autoria, data e usos não foram vistos em profundidade.
Se alguns dos leitores desejarem maiores informações sobre tais dados, podem
rápida abordagem da história dos salmos, sua estrutura, autoria e utilizações cúlticas.
No segundo capítulo, o tema do sofrimento nos salmos será visto na perspectiva dos
histórica, quando for possível detectá-la com maior propriedade. E no último capítulo,
uma busca da conexão entre esses cânticos sobre o sofrimento e a realidade atual dos
cristãos.
aqueles que adotam uma postura unilateral quanto a ele. Na Bíblia, as opiniões sobre
leitores mais desatentos, chegando por vezes a posicionamentos que podem ser
1
- TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA. São Paulo: Loyola, 1994. Pág. 1008
7
considerados até mesmo "inconvenientes" à fé. Contudo, o leitor da Bíblia não deve se
deixar enganar: a Bíblia é um livro feito por seres humanos que falam sobre e com
Deus. Seu objetivo é mostrar como Deus age na história dos homens, em seu propósito
supremo de levá-los a viver em comunhão com seu Criador, apesar das falhas, da
transmitiram através dos séculos. E assim como eles tiveram coragem de abrir-se
fé que muitas vezes querem demonstrar. Para ser fiel a Deus não é preciso ser sempre
ensinam também que a fidelidade a Deus não depende apenas de sorrisos. Pode-se
enxergar essa fidelidade muito mais intensamente quando os olhos estão embaçados
pelas lágrimas.
8
1º Capítulo
Saltério e não apenas de um ou outro poema, pois é impossível avaliar cada salmo
isoladamente. Necessário se faz lembrar ainda que os salmos contidos no Saltério não
indivíduo. Assim, os salmos puderam ser sempre criados e relidos ao longo da história,
conhecidas atualmente, como rimas, estrofes e métrica. Isso não impede que se
2
- SHILLING, Otimar. Os salmos, louvor de Israel a Deus. Palavra e mensagem - Introdução teológica e crítica aos
9
composições poéticas como Cantares e Jó possuem. O fato é que o ritmo existente nas
canções e poesias bíblicas sofreu algumas perdas nas traduções ou mesmo em erros
consiste em repetir a mesma idéia em dois versos sucessivos, usando porém uma
ladainha, que formam uma estrutura semelhante a uma cadeia. Não encontram-se
exemplos desse paralelismo nos salmos de lamentação, por razões óbvias. Não se
3
- SHILLING, Otimar. Op. cit., pág. 385
11
Deus é invocado na primeira frase, junto com a oração que ele ouvirá. A
partir daí o salmista apresenta seu sofrimento, que pode ser um imediato perigo:
seu favor:
4
- WEISER, Arthur. Os Salmos - Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1994, pág. 44
12
salmistas lembram a Deus suas promessas de favor, bênção, fidelidade e aliança, a fim
escolhida, guardiã da aliança e dos mandamentos de Deus e que, portanto, não pode
ser rejeitada por Deus para sempre. Daí o indagarem sobre a duração de seu
sofrimento:
promessa de louvor, um voto de testemunho pelo livramento a ser recebido. Por isso,
muitos salmos de lamentação mudam de tom em seu final, quando o salmista, aliviado
por ter exposto diante de Deus o seu lamento, já sente-se revigorado para confiar na
resposta divina:
Todavia, é formado por coleções menores, que foram agrupadas e reorganizadas para
formar o que hoje se conhece como o livro dos Salmos. Essas coleções menores foram
13
compostas às vezes para uso particular, mas preponderantemente para uso cúltico.
Não cabe ao propósito deste estudo detalhar tais coleções. Todavia, para efeito de
atualidade para aprimorar o estudo da Bíblia. Esse método consiste em descobrir qual
acordo com os seus gêneros literários. Aplicado ao Livro dos Salmos, pois, o Método
da Crítica das Formas permite identificar os seguintes gêneros ou formas, dos quais se
1.1.1. Hinos
Consistem basicamente de dois elementos principais: a exortação ao
expressões do tipo: "Diga a Casa de Israel: Porque é eterno o seu amor!". A forma mais
básica é: os perigos que ameaçavam o fiel, sua súplica a Deus e o livramento recebido,
coroação esses cantos reanimavam a esperança messiânica do filho de Deus que teria
uma especial relação com as nações e os oprimidos do país (Sl 72). Esses salmos
apresentam também traços de lamentação (89: 46, 51 e 144: 1-11); ações de graças
(18: 4,6). O salmo 45 celebra o casamento real e o salmo 101 é uma promessa régia
posse.
teológica do reinado perene de Deus e de que os outros deuses são ídolos que devem
curvar-se a Ele. Anunciam sua vinda iminente para dominar sobre todos os povos com
equidade e justiça. Toda a criação espera e celebra essa chegada ( Sl 96: 11-12, 98: 7-
8).
5
- WOLFF, H. W. Bíblia - Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1978, pág. 99
15
1.1.6. Lamentações
Por fim, o gênero literário das lamentações, que constituem a maior parte
Não apresentam especificamente o motivo do sofrimento, para poderem ser usadas por
qualquer pessoa, em qualquer tempo. Ainda assim, algumas oferecem pistas para se
livro dos Salmos. Nelas se percebem até mesmo algumas fases bem distintas do
temas.
diversos autores consultados, que não necessitam ser abordadas por não serem o
esse problema ocorre com todas as obras poéticas de Israel. Apenas alguns salmos
têm sido considerados bem antigos, próximos dos fatos que narram (29, 68, 104). As
notas que precedem a maioria dos salmos "falam do autor, da ocasião em que foram
compostos, dos gêneros literários ou dão indicações musicais para seu uso".6 Mas não
primeiros vêm do tempo de Davi (1010 a 970 a.C.). Os últimos, provavelmente são da
época dos macabeus (170 a 160 a.C.). Alguns salmos não são possíveis de serem
datados.
dentro do próprio texto. Uns refletem o ambiente da cidade, outros o do campo, como o
6
- SICRE, José Luiz. Introdução ao Antigo Testamento. Vozes: Petrópolis, 1995. Pág. 304
16
que compara o sofrimento do povo ao arado que passa pelas costas do torturado
(129:3). Alguns são da Palestina (122), outros da época do exílio na Babilônia (137)
livro de Samuel, um desses locais era Silo, onde Ana orou pedindo a Deus um filho.
santuário importante era Betel. De modo geral, havia santuários nos locais onde Deus
aparecera a seu povo, bem como em locais (como os já citados), onde a Arca da
afirma que "parte dos nossos salmos vétero-testamentários surgiu nas províncias, mais
todo o povo, criando condições para um espírito de louvor ou lamento, dependendo das
emoções do fiel.
o colo da mãe (131); uma roda de amigos (33, 81); o luar (08); saudades da terra (42);
de Deus, sejam alegres ou tristes. Cantar os salmos era falar de um Deus que vive a
7
- GESTENBERGER, Erhard S. Os Gêneros dos Salmos no Antigo Testamento. Faculdade de Teologia, 1982,
apostila
17
difíceis de forma concreta, mas não individualista e detalhista. Isso facilitava a relação
do salmo com os sofredores de outra época ou que estivessem vivendo uma situação
lamentação. Ainda que alguns tenham sua origem no uso particular, muitos salmos de
lamentação foram feitos para o uso no culto, onde o geral prevalece sobre o particular.
Assim sendo, nem todos dão detalhes suficientes para se fixar sua data ou a situação
Testamento não permitem nenhuma dúvida quanto à relação das lamentações com o
culto no santuário (cf. Js 7:6; Jz 20: 23, 26ss; 1 Sm 7:6, 1 Rs 8:33s; Jr 14). Em Jl 1:1ss,
É convocado todo o povo para, na observância de vários ritos (jejum, rasgar as vestes,
vestir-se com saco), entoar a lamentação na casa de Deus. Nos salmos 74 e 79, em
inimigos gentios, pode-se supor igualmente este tipo especial de culto de lamentação
(talvez após a catástrofe de 587). No caso do Sl 80, em que são mencionadas as tribos
de José e é esperada a teofania de Iahweh sobre a arca (vv. 2s, 4, 8, 20), trata-se, sem
tradição da história salvífica no ato cúltico (Sl 44:2ss; 83:7ss; 106: 6ss; cf. a alusão à
Aliança da época pré-exílica, cuja ideologia ainda perdura igualmente nos salmos 74 e
79, contra a tradição da datação tardia desses salmos".8 A Festa da Aliança era um
8
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 44
18
fato de algumas súplicas individuais terminarem com uma intercessão por todo
"Israel"9. Isto é, a oração individual, ocorrendo na festa popular, terminava sempre por
envolver todo o povo. Esta seria mais uma prova da natureza comunitária da fé israelita
em Iahweh.
bastante estreita entre os salmos e Davi a partir da própria tradição de Israel. A Bíblia
9
- idem, pág. 45
19
Hebraica atribui a Davi 73 salmos e a tradução grega do século III a.C., 82 salmos. No
tempo de Jesus, todos os salmos eram atribuídos a Davi (conforme Lucas 20:42).
por isso o mérito dos salmos sem autoria conhecida. Apesar da existência anterior
dessas artes no meio do povo, Davi ganhou a reputação de maior salmista, poeta,
corporações musicais dos Filhos de Coré, Asafe, Etã, Hemã, Iedutum. "A autoria dos
salmos atribuídos a Davi, Asaf e outros não é questão de fé. Seria, sem dúvida, um
grande auxílio para a interpretação dos salmos se soubéssemos quem compôs cada
um deles. Na verdade, o nome dos autores devia ser recordado muito raramente. Na
maior parte dos casos caiu facilmente no esquecimento. Nos títulos foram aceitas
muitas vezes tradições não críticas, formadas no decurso da transmissão e do uso dos
textos".10
atesta a doxologia final (salmo 150). O povo cantava de memória, às vezes repetindo
"Amém, amém!". Havia danças (150: 4); romarias (122), procissões (68).
(63:5); inclinação e prostração (95:6; 22:30). Após o exílio, adotou-se ainda o hábito de
orar voltado para o local do templo, orientando o corpo, três vezes ao dia.
10
- SHILLING, Otimar. op. cit., pág. 383
20
Templo, tendo em vista que a compilação e redação dos salmos estava completada
Saltério apresenta-se também com um sentido mais completo dos usos pós-exílicos.
21
2º Capítulo
encontrar duas classes de lamentações: as individuais (3; 5; 7; 13; 17; 22; 25; 26; 31;
35; 38; 39; 42s; 51;55; 57; 59; 77; 88; 123; 140; 141; 142; 143) e as coletivas (44; 74;
79; 80; 83 [90]; 137). Nos outros gêneros literários também encontram-se motivos de
lamentação coletiva (21: 2ss; 33:20ss; 123: 3ss; 126:4ss; 129:4s); nas intercessões
pelo rei (20:2ss; 28:8s; 61:7s; 63:12; 72; 84:9s). Também encontram-se lamentações
individuais misturadas aos cantos de ação de graças (Sl 6; 13; 22; 28; 30; 31; 41; 54;
56; 61; 63; 64; 69; 71; 86; 94; 102; 120; 130); aos hinos (Sl 9:13; 104:31ss; 139:23s) e
lamentação variam muito entre os diversos autores que trabalham o Saltério. Todavia,
lamentações coletivas. M. Girard, em seu livro Como ler o Livro dos Salmos - Espelho
da Vida do Povo, apresenta como salmos de lamentação (aos quais ele chama salmos
de libertação) os seguintes poemas: 3, 4, 5, 6, 7, 9-10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 20, 21,
22, 23, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42-43, 44, 51, 54, 55, 56,
22
57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 69, 70, 71, 73, 74, 76, 77, 79, 80, 83, 85, 86, 88,
89, 90, 94, 102, 106, 107, 108, 109, 115, 116, 118, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 129,
130, 131, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144. Isso totaliza 89 salmos. Apesar de
haver outras listas, essa serve como base para que se perceba como o tema do
Testamento quanto o são em nossos dias. Talvez até mesmo sejam em menor número
do que se encontra na atualidade. Contudo, as reações das pessoas ontem e hoje são
bastante semelhantes.
sofredor pode encontrar a solução para o problema que o aflige. Algumas vezes,
vingança a Deus:
pode apreender em sua leitura. Nesse caso, todo o contexto histórico do Antigo
Testamento será analisado como o pano de fundo das orações dos salmistas,
também as reações dos salmistas a essa questão, procurando a prática da fé por meio
das pessoas, pois não há em Israel a distinção que hoje normalmente se faz entre o
que é secular e o que é sagrado. A vida, em toda sua extensão e aspectos, é religião, é
fé.
profunda relevância na vida do povo. Eram sinal da bênção de Deus sobre a vida do
homem. Perder bens significava, assim, a ausência da proteção divina e uma ameaça à
vida. Por isso, o homem do Antigo Testamento entende que deve lutar por preservar e
24
adquirir bens, que vão desde o gado até aos escravos. Esses bens eram familiares,
A posse dos bens era fator de relevância social. Note-se que os amigos e
conhecidos de Jó o abandonaram ante sua decadência. Essa perda foi tão profunda
que ele afirma sua nudez perante a sociedade, dizendo que nu iria morrer. Nesse
contexto, a pobreza era o maior dos males, pois significava total ausência da fidelidade
e bênção divinas.
davam por pastagens, água e gado. Quando Israel foi se estabelecendo em Canaã, as
injustiçados e desprezados:
e do monturo o necessitado;
salmistas, que criticam os poderosos que apenas ajuntam mais e mais, fomentando a
com a aparente bênção que percebem na vida dos impiedosos e da dificuldade que
notam em sua própria existência. Esse conflito os leva a refletir e orar a Deus:
israelita e os efeitos de sua perda, outras considerações devem ser feitas. O israelita
entendia que poderia ser privado de seus bens por manobras dos poderosos, invasões
estrangeiras, catástrofes naturais e até mesmo por sua própria inabilidade e descuido.
de atirar pó ao ar, sentar no chão em silêncio, rasgar as roupas, raspar a cabeça são
salmos como pensamento generalizado é que a perda das posses também relaciona-
se com Deus: "O Senhor deu, o Senhor tomou". Entendendo que Deus é o criador e
a calamidade vem é porque Deus se retirou. A pobreza torna-se, por isso, sinal visível
perda dos valores torna-se, primordialmente, uma questão de fé: o que aconteceu na
relação entre a pessoa e Deus para que ela fosse castigada? Esse é, inclusive, um
Tanto isso é verdade que o culto torna-se o local preferido para expressar-
profeta):
buscar a Deus. Nada na vida existe para esse povo, que não tenha ligação direta com
sua fé.
perdia um parente ou amigo querido, lamentos eram entoados. O mais conhecido deles
e adotavam-se práticas rituais como rasgar as vestes, gritar, colocar cinza sobre a
cabeça, etc. A lamentação, dependendo do morto, poderia ter alcance nacional, como
mortos estavam fora de seus domínios e não podiam louvá-lo. Assim, as lamentações
tinham um fim nos enlutados. Segundo o entendimento do salmista, a morte não tinha
nenhum valor para Deus, pois dos mortos Ele não pode receber nenhum louvor ou
honra:
sua fidelidade a Deus. Para a mulher, a honra consiste em ter muitos filhos, governar
ato vil de raspar a metade das barbas e rasgar as roupas dos mensageiros de Davi,
28
praticado pelo rei amonita Hanum. Tais casos de desonra trouxeram morte e guerra,
respectivamente.
grandes naquele contexto. A barba era sinal de autoridade e respeito. Outros atos
sapatos, fazer uma imprecação ou calúnia. E mesmo a perda de bens poderia assumir
manter a herança dos pais. Da mesma forma, perder a guerra, família ou pátria para
morto. Exemplos desse tipo de perda são abundantes nos salmos de lamentação:
divertimento e zombaria para aqueles que nos cercam. " (Sl 79: 1, 4)
Esses salmos mostram as humilhações sofridas por Israel por causa das
invasões estrangeiras. Derrotados, sofriam abusos dos que desejavam até mesmo que
29
atuais, não são raros os casos de pessoas que, desiludidas por causa de uma relação
mal resolvida, dão cabo da própria existência. Esse sentimento pode ser percebido em
dominar, constranger e cercar por todos os lados o seu semelhante. Tanto maior o seu
dominar, de ser mais poderoso que os demais, a causa da opressão imposta pelos
ímpios aos humildes do povo. Os salmistas repetem a Deus as palavras com que os
inquestionáveis. O homem que possuísse um escravo poderia fazer dele o que bem
problemas da gravidez. Raramente acontecia uma rebelião clara contra o cônjuge, mas
mulher. Era considerado um castigo divino o fato de não gerar filhos, como se Deus
fechasse seu ventre. Aliás, essa expressão aparece em diversos relatos. Consistia real
agradecimento por vitórias nas guerras e dificuldades, como Débora, Miriã, a filha de
Jefté e outras.
Outro fator que poderia gerar o sofrimento no círculo das relações sociais
e familiares era a violência entre irmãos. A perda da unidade familiar era um grande
desgosto para uma sociedade baseada na família, como a sociedade patriarcal e tribal
disputas por herança, prestígio, poder, preferências. A relação pai-filhos bem poderia
ser outra fonte de angústias. Mesmo a rigidez da instituição familiar não pôde evitar
a Bíblia não trate com pormenores essa situação, esses exemplos atestam a existência
do problema e a dor gerada por ele. Comovente é o relato do lamento de Davi por
Absalão, mesmo que a morte do filho significasse paz para seu reinado.
rebelião dos filhos ou disputas entre si poderiam atingí-lo gravemente. Esses fatores
profetas. É que essa centralização, em muitos casos, trouxe tirania e opressão ao invés
Muitos agricultores perderam tudo o que tinham. O próprio templo tornou-se fonte de
Por causa dessas tensões internas, o clamor dos profetas vai acentuando
a observância da lei. Esse fato pode ser percebido até mesmo nos salmos, como o
32
119, uma exaltação acróstica da lei, cujo fio condutor é o pensamento de que a
lindas poesias de Israel é a perseguição dos inimigos, sejam eles internos ou externos,
engana com palavras ou tece contra ele falsas acusações. Arma-lhe tocaias e ameaça
sua vida.
Algumas vezes, o ataque dos inimigos é tão forte e incisivo que o orante
precisa usar imagens, metáforas, para expor a Deus o sentimento de que foi tomado:
referências a demônios. Também para ele, "as imagens dos fortes touros de Basã, a
fértil região de pastagens a leste do Jordão, conhecida pela raça forte de seu gado, e
do leão que ruge feroz, não devem ser interpretadas como palavras ofensivas aos
33
neles"11.
testemunho, tão perigoso quando a espada. Era um expediente que poderia tornar-se
ou respeito ante a comunidade. Por isso, verdadeiro terror domina os orantes quando
Testamento. Relatos como o de Nabote, morto por causa das falsas testemunhas
contratadas pela perversa rainha Jezabel, não faltam para dar razão ao agoniado
todo, mas apenas às acusações específicas de que este é vítima. Ele, assim, se
11
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 160
34
submete ao julgamento de Deus. Nesse salmo, não é tanto o perigo de vida que
longínquos, havia uma medicina elementar, mas muitas doenças proliferavam, devido à
agravante para o caso das doenças é que muitas delas impediam o acesso ao culto (cf.
Deus e a maneira de viver a fé nesses tempos de crise. A doença poderia ser vista
como um castigo de Deus, visão esta muito comum. No caso de Jó, Satanás apresenta
a Deus o argumento de que o homem é capaz de suportar tudo, desde que não seja
"Um homem dá tudo para salvar um pouquinho de sua vida. Aposto que
portadores.
diversos níveis. Ao ler-se o Sl 38, pode-se observar que uma delas era o pecado:
patente nos salmos. A morte significa o fim de toda relação com Deus, o fim de todos
quando o escritor diz que da parte de Deus é que vinha o espírito maligno. Por isso,
nesses casos, o clamor é insistente para que Deus elimine a doença (ou qualquer outro
fator de sofrimento), haja visto ser Ele o causador dela, como o salmista confessa:
12
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 238
37
calamidades nacionais.
conceito do cristianismo atual; por isso, este tema merece um pouco mais de atenção,
a fim de se reverem algumas das interpretações correntes sobre muitos salmos que se
referem à morte.
que diversas purificações deveriam ser feitas pela pessoa que tocasse um cadáver ou
contaminar-se por um morto que não fosse seu parente direto. Nem por uma irmã
casada poderia contaminar-se, mas apenas se esta fosse virgem. A ordem expressa de
Iahweh era a de não ferir o corpo nem marcar-se por causa dos mortos.
deveriam ser invocados, sob nenhum argumento. Um único caso relatado na Bíblia
38
sobre isso é o do rei Saul, quando procurou falar com Samuel ante o abandono que
sofrera da parte de Deus. A resposta do fantasma foi a mesma que ele já conhecia.
Essa narrativa mostra que "dos espíritos dos mortos não se pode esperar nada que
ultrapasse aquilo que os mensageiros vivos [e a palavra deixada pela Lei e pelos
profetas] atestam".13
mortos é proibida. O culto de Iahweh é totalmente contrário a todo culto aos mortos,
sendo mesmo intolerante a esse respeito. Essa oposição faz frente às religiões dos
possuíam certas festas onde se chorava sua morte ritual e celebrava-se seu novo
nascimento. Também como relato desse tipo de crença, pode-se lembrar o Fênix da
mitologia grega, o qual morria consumido em chamas, para nascer de novo das
próprias cinzas.
Justifica-se, portanto, tanto empenho de Iahweh em combater tais práticas. Ele é "o
Deus dos vivos" e o "Deus que vive para sempre", o "Deus vivo". E também por esse
motivo, os mortos são considerados impuros, pois não têm, nem mesmo podem ter,
ameaça da morte, como já foi dito, era evitada a todo custo. A vida sempre era
necessidade de livramento da morte, pois Deus nada ganharia quando ele baixasse à
sepultura:
13
- WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 1975, pág. 144
39
mostra que os mortos, em sua concepção, estavam fora dos limites da atuação do
poder de Deus. No mundo dos mortos, não há lugar para realização alguma14, nenhum
em Is. 38:18:
Assim, conclui H. Wolff, há uma oposição entre o homem vivo que pode
também são formas de morte. Portanto, viver, no Antigo Testamento, significa ter
14
- vide citação supra do texto de Eclesiastes
15
- WOLFF, Hans Walter. op. cit., pág. 146
40
qualquer tentativa de aproximação entre o mundo dos vivos e dos mortos, o homem
ele, o mundo dos mortos não tem um senhor independente. Um vazio surge nessa
linha de pensamento, que os fiéis a Iahweh buscam responder através de sua fé. Seu
mortos, os salmistas crêem que apenas Ele ordena a entrada de alguém à sepultura ou
É uma certeza básica dos fiéis que Deus determina quem vai ou não ao
reino dos mortos. Aliás, mesmo que esse reino não faça parte dos interesses de
Iahweh, no sentido de que de lá não recebe honra ou louvor, a morte não está imune
ao seu poder, pois Ele tem acesso a esse lugar, como o salmista declara:
morte proteção contra a ação divina, no Sheol a mão de Deus os alcançaria. Isso
porque, "se apenas Javé é Deus, tem que surgir a compreensão de que também a
morte não pode garantir uma área de domínio, na qual Javé não possa entrar. Esta
compreensão totaliza não só a ameaça de que quanto a Javé não pode haver evasão,
Iahweh não seria destruída da face da terra por causa da fidelidade de Deus, baseada
geração. Ficar sem memória é verdadeira morte, pois para o homem vétero-
testamentário, "a tua graça [de Deus] é melhor que a vida" (Sl 63:4). Daí volta-se
Enoque. Essa união com Deus é tal que nem a morte física pode conter. O salmista
Sobre isso, A. Weiser comenta que "ele constrói sua esperança para todo
o futuro, inclusive para além da morte. Pois com as palavras 'e com tua glória me
término dos sofrimentos nessa vida; pelo contrário, parecem expressar a esperança do
estado consumado da comunhão com Deus depois da morte, o que se insere sem
dificuldades na sequência dos pensamentos. A fé sabe que a vida marcha rumo a uma
glória oculta e que os sofrimentos deste tempo não se podem comparar com a glória
que se revelará depois na eternidade. Até a morte não se constitui nenhum limite para
A. Weiser ainda afirma que não se pode saber com certeza se o salmista
seu tempo proclamavam; ele deixa essa questão continuar sendo um mistério de Deus.
pode haver morte. Para H. Wolff, Isaías 25:8 propõe a frase fundamental:
16
- idem, pág. 149
17
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 387
18
- WOLFF, Hans Walter. op. cit., pág. 151
43
morte se encontra numa distância extrema de Deus e ela não forma um poder contrário
autônomo".19
Para dar uma visão ainda mais completa sobre a questão da morte no
biológica como um todo, mas o estado no qual o louvor a Deus não mais acontece. No
Sl 88, um homem narra sua doença mortal, que o acompanha desde a juventude. Ele
já se sente entregue ao poder da morte, portanto, é como aqueles que descem à cova.
Apesar de estar com todos os órgãos em funcionamento, está envolvido pela morte.
Deus está "na morte em estado real"20 e os horrores que narra ao se ver nessas
condições não são apenas imagens. São reais e, assim sendo, todos os adoecidos
Sheol.
Outro fator relevante é que a morte que ocorre quando já se está velho
passagens em que se fala do morto como quem "morreu ditoso em dias". Essa morte é
Estar saciado da vida não é estar cansado dela, nessas citações. Todavia,
podem acontecer casos em que a pessoa esteja saciada da vida (cansada, esgotada)
sem que esteja velha. Tal sentimento não é desejável, embora sejam raros no Antigo
19
- idem, pág. 152
20
- (V. Maag apud Wolff), ibidem, pág. 152
44
deve-se lutar por preservar a existência da pessoa humana. Por isso, Deus é sempre
procurado nos limites da morte, nunca no reino dela, como exemplifica Davi:
Antigo Testamento. Não há culto à memória dos mortos, nem se permite que os
Moisés, ocultado por Deus. Não se dá valor ao processo da morte, nem ao local do
sepultamento das pessoas, mas às suas últimas palavras como sendo muito
velhice como fruto do pecado. Sua concepção é a de que o homem é criatura que
perece, como o narra Gênesis, Eclesiastes e alguns outros textos. A finitude da vida faz
parte do caráter de criatura que o homem possui. Por isso, a vida deve ser valorizada,
2.1.2.2. Calamidades
intervenção divina contra uma acusação falsa num tribunal. Os salmos de lamentação
45
outras nações.
são apenas alguns exemplos da multiplicidade de inimigos que Israel possuiu ao longo
de sua história.
nos salmos, quando se afirma que o certo é confiar unicamente em Iahweh para obter
livramento.
jogar cinzas na cabeça, vestir-se com cilício e outros enquanto entoam a lamentação
46
diante de Deus. São salmos de lamentação coletiva: 10; 44; 60; 74; 77; 79; 80; 94; 106,
entre outros.
adicionais ainda há que fazer-se, para completar a visão a respeito dessas questões.
destruição do templo pelos inimigos. Não se sabe com certeza se essa destruição é a
que ocorreu com o templo de Salomão, pelos babilônicos (587 a.C.), podendo ainda
alguns salmos do Saltério. Esses salmos ainda possuem paralelos formais nas
lamentação.
templo no ano 70 d.C., pelos romanos. "Assim como nos salmos afins 44 e 74, por falta
de alusões concretas, não se pode determinar com certeza se o salmo teve sua origem
Mc 8:2 ss); em todo caso, parece que foi usado como oração pela comunidade
tradição."21
José (Efraim e Manassés), dá pistas para situá-lo no período antes da ruína do Reino
esses salmos e o momento angustiante pelo qual todo o povo passava. Ainda que não
se saiba ao certo qual o evento que ocasionou cada salmo em particular, isso não tira
deles sua força nem conteúdo. Isso porque todas as tragédias relativas à destruição da
Cidade Santa e do Templo levariam ao clamor do povo oprimido, que afirma no Sl 122:
os quais muitas vezes eram agora repetidos pelos seus descendentes, que provocaram
a ira de Deus através do sacrifício de filhos e filhas aos deuses dos povos vizinhos de
Israel, prostituição, idolatria, esquecimento dos atos salvíficos de Deus, entre outros.
21
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 411
48
perdão e o livramento.
Às vezes, contudo, é o próprio fato de ser povo de Deus que leva Israel a
Alguns textos alegam que não havia motivo para Iahweh ter permitido a
calamidade. Nesses casos, as orações são até difíceis de serem interpretadas como
sofrida da parte de Deus, o povo recorre à memória para tentar comover Iahweh a agir
em seu favor. Lembra-lhe as promessas feitas e sua eleição como povo separado para
Deus:
verdade profanam seu Santo Nome. É a tentativa que provocar zelos no Senhor acerca
Por fim, vem o momento da súplica, quando o povo pede o livramento dos
"Levanta-te, socorre-nos!
feitos a Deus contra os inimigos. Alguns salmos, por conterem essas imprecações de
chegar:
contra os inimigos. Muitas vezes também se referiam a secas, pestes e pragas que
51
acontece a um membro afeta a todos. Por isso, necessitam ser relidas pelo cristianismo
inexistência de comunhão.
próprio homem a causa de seu sofrimento, ou às vezes, até atribuir essa causa a Deus,
prospera, mas o ímpio perece22. Contudo, sua observação dos fatos é contrária à sua
fé. Aí começa sua crise: como conciliar fé e fatos concretos de sua vida?
22
- O Salmo 1 é um grande exemplo dessa teologia clássica. Nele, o salmista afirma que, tudo o que o justo faz é
bem sucedido, enquanto o ímpio sempre acaba mal, o que não coaduna com os sentimentos presentes nas
lamentações sobre a prosperidade dos ímpios. Certamente que, segundo A. Weiser, esse é um otimismo da fé. E é
52
Quando o salmista passa a considerar seu sofrimento face à boa vida dos
ímpios, sente-se abalado e confessa que, por pouco, não desviou seus pés do caminho
de Iahweh (Sl 73). Nota com preocupação que os ímpios não temem o castigo de Deus
como quem diz que Deus não se importa com o que eles fazem. Para o salmista, esse
por seus pecados, apesar de esforçar-se por manter-se íntegro. Não percebe
recompensa em seu esforço quando nota a grande maldade que impera na vida dos
o sofrimento é uma questão de difícil interpretação. Esse sentimento parte mesmo dos
escritores bíblicos. Se o salmista afirma sua inocência perante o castigo divino (lavei
minhas mãos na inocência), como o ímpio pode prosperar e o fiel ver-se em desgraça?
Essa também é uma das questões abordadas no livro de Jó. A saída é, novamente,
inteiramente válido, como atestam as lamentações, quando se pensa na esperança escatológica: um reino futuro,
sem lugar para a injustiça, dominado por Deus.
53
também o autor de Jó a uma conclusão dura: isso só pode ocorrer porque Deus está
longe. Como já foi visto com relação à questão da morte, a ausência de relacionamento
Deus é prenúncio de sua destruição. Daí o elevar-se a Deus e indagar dele uma
adquiridas, o acúmulo de terras e bens, a opressão que essa concentração dos ricos
se.
uma estrutura desigual, que utilizava critérios contrários aos ensinos de Iahweh. O
do povo de Deus, muito menos sobre as leis de Iahweh. Assim, pode-se chegar à
conclusão de que o inocente sofre quando a estrutura na qual vive é tirana e opressora,
negando Iahweh. Nesse caso, pode-se dizer ainda que a própria justiça do orante é
causa de seu sofrimento, pois ele é perseguido justamente por estar do lado oposto ao
do sistema dominador.
Deus. Nem de Iahweh, pois o entendimento geral era de que este era o Deus
sofrido orante para uma realidade futura e mostrava-lhe caminhos para a expectativa
do livramento:
54
indiretamente já tenham sido colocadas algumas das reações dos salmistas a esse
orante envolvido pelo sofrimento diante de Deus que determinará os caminhos de sua
busca de respostas. Por isso, o que se observa com mais freqüência nos salmos de
lamentação são expressões como: Por quê? Até quando? Como? De que maneira?
questionamento, sua vontade é expor a Deus tudo o que acontece em seu interior. Um
"Dia e noite,
2.2.1. Confissão
percebia como causa desse sofrimento um problema em sua relação com Deus,
aliviasse sua mão de sobre a vida do orante, haja visto que todo sofrimento resultante
apresenta sua defesa diante dos inimigos, apelando para a justiça divina:
poderosos me atacam,
e eu estou em oração.
aflição, algo patente nos salmos de lamentação é teimosa esperança que não se abate
protestos de inocência vêm do círculo dos piedosos, grupos de fiéis que se esmeravam
na fidelidade aos preceitos de Deus, a exemplo dos essênios. Segundo alguns autores,
esses grupos de fiéis eram levitas23, bem como indivíduos acusados de falhas cultuais.
situações. No Sl 13, por exemplo, a expressão "Até quando?" aparece quatro vezes em
ameaças:
relação a Deus:
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? " (Sl 22:1)
58
consequência. Nesse sentido, também pode ser encarada como uma reação à
adversidade. Está muito ligada à depressão, quando o salmista parece perder sua
conturbado (Sl 77:5; perturbado (Sl 55:3); angustiado, aflito (Sl 31:10 ), queimado por
males físicos:
"O insulto rompeu-me o coração e estou doente por isso" (Sl 69:21a)
De tanto gemer,
23
- Essa referência encontra-se, por exemplo, no estudo do Sl 16 feito por Pierre E. Bonnard em seu livro Os Salmos
dos Pobres de Deus, Paulinas, 1975.
59
desesperado:
existência da injustiça. Chega mesmo a descrever seu estado físico deplorável diante
se, entrar nos espasmos de parto"24. Diante disso, a única saída que o salmista
24
- BONNARD, Pierre E. Os Salmos dos Pobres de Deus. São Paulo: Paulinas, 1975, pág. 130
60
encontra para livrar-se é a fuga. Sente-se desejoso de estar longe da situação que o
"E eu disse:
e pernoitaria no deserto.
Contudo, a fuga não lhe responde aos anseios, pois, quando o sofrimento
abate-se inesperadamente sobre o orante, não há tempo para fugir. Esse é um desejo
frustrado. Daí o grito pela ajuda e socorro divinos, como única oportunidade de
livramento.
inimigo, o salmista algumas vezes vai além do simples pedido de socorro a Deus.
25
- WEISER, Arthur. op. cit., pág. 312
61
Pede a intervenção divina a seu favor, para que o mal desejado por seus
assume um caráter nacional. Não é apenas o Deus das vinganças, mas o Deus que
De modo geral, os salmistas são pessoas zelosas pela lei de Deus, por
seus mandamentos, suas instituições e seu povo. Para eles, os inimigos são todos
aqueles que contrariam os propósitos de Iahweh. Por causa de seu zelo, os salmistas
não enxergam possibilidade de misericórdia para os "infiéis", que zombam de Deus. Tal
zombaria não pode ser aceita, pois fere a honra e a dignidade divinas. Daí essas
com que os salmistas tratam sua relação com Deus, que precisa ser mantida
62
trata de fazer justiça com as próprias mãos. Deus é o único que pode executar a
ao sofrimento. Diversas delas se misturam num mesmo poema, fruto da luta interior
emocionalmente, para chegar ao equilíbrio da fé. Contudo, uma palavra que não lhes
esperança, pois o lamento tem uma direção. Não se lamenta sem propósito. O objetivo
do choro é comover o Deus libertador a agir. Chorar diante d'Ele já significa esperar por
seu socorro.
como "último suspiro", o fim das forças do orante, transforma-se numa lapidar
promessa de louvor:
3º Capítulo
de extrair desses textos uma mensagem para os dias de hoje. O sofrimento sempre
novas de exercitar a fé. Assim, ao chegar ao último capítulo desse trabalho, faz-se
difícil relação.
sofrimento não são mutuamente excludentes para os salmistas. Entre eles, a relação é
difícil e é necessário achar o ponto de equilíbrio. Mas os salmistas entendem que ter fé
sofrer não significa deixar de ter fé. A esperança que os salmistas depositam em Deus
65
bem poderia ser caracterizada como teimosa, pois eles procuram de todas as formas
Tem-se de levar ainda em conta que o lamento dos salmistas não tem um
fim em si mesmo. Não significa auto-piedade, pois eles sabem reconhecer quando
erram e sabem se defender quando são injustiçados. Não se limitam a ter pena de si
mesmos, pois sabem que isso nada resolve. Deus é quem precisa ter piedade deles,
hoje: o sofrimento também provém de Deus. "Sendo que tudo procede da mão de Deus
(Sl 1:15), o sofrimento é estágio transitório para uma comunhão mais profunda com ele.
sofrimento superado, para demonstrar que momentos difíceis não são esquecidos, mas
até fugia das situações de perigo. Ainda assim, quando impulsionados por uma
autores chamam de sentimento corporativo. Faziam tudo para proteger alguém amado,
muito presente nos grandes líderes de Israel e nos profetas, quando pediam a Deus a
morte para si mesmos ao invés de aceitar que Deus destruísse o povo por sua rebeldia.
Esse aspecto revela que o sofrimento em Israel pôde assumir um caráter positivo,
tinham uma dimensão coletiva em última instância. O sofrimento poderia ser individual,
mas a ação de graças era coletiva. Os salmos de lamentação individual nunca eram tão
exclusivistas, para poderem ser usados por outros sofredores que se identificassem
com tais orações. O sofrimento era visto muitas vezes em sua dimensão social,
recompensa maior no tempo de Deus executar sua justiça. Essa visão poderia dar ao
ter contribuído para a formação da mentalidade apocalíptica: Deus educa seu povo
deve ficar claro que não há um sentido uniforme para o sofrimento no Antigo
26
- GESTENBERGER, E. S. e SCHRAGE, Wolfgang. Por que sofrer? São Leopoldo: Sinodal, 1979, pág. 102
67
esforços humanos para obter distanciamento do sofrimento e clareza sobre ele. São
uma busca legítima e compreensível, haja visto serem um recurso até aos dias atuais.
Apesar de toda a riqueza dos salmos de lamentação, algo deve ficar claro
para os que buscam neles a resposta para os sofrimentos de hoje. Tais textos são
apenas um retrato da realidade daquela época, não uma descrição completa daquele
Contudo, o fato das pessoas de hoje serem seres humanos como o foram
sofrimento e relação com Deus ontem para os sofredores de hoje, pois, apesar das
Lamentação
basta conhecer profundamente sua cultura, seu modo de pensar e agir, sua fé ou
qualquer outro elemento de sua vida. O sofrimento só pode ser entendido na realidade
do sofredor, isto é, é preciso viver ou conviver com ele para poder compreender sua
ontem e de hoje a fim de descobrir lições dos salmos de lamentação para os dias
acordo com as condições definidas pela estrutura econômica e social. Nos países
resposta para esse tipo de sofrimento. Essas questões não faziam parte de sua
cosmovisão, sua realidade era inteiramente distinta da realidade atual. Contudo, pode-
atualidade.
drogas, suicídios e assassinatos decorrentes de uma estrutura que não responde aos
separado da convivência comunitária sem que antes se tentasse por todos os modos e
modificação do conceito de ser. O sofrimento hoje não pode ser simplesmente atribuído
a outras forças fora do ser humano. A doença não é mais fruto do pecado, mas simples
adversários.
sente a necessidade de uma relação pessoal. É óbvio que não se pode, hoje,
simplesmente adotar as idéias do Antigo Israel, mas sua atitude em relação ao ser
moderno. É preciso recuperar a dimensão do Deus pessoal nessa sociedade, pois ela é
dizer: Meu Deus! E realmente sentir essa presença particular de Deus em meio ao
sofrimento pessoal.
Hoje, as pessoas fazem questão de afirmar que são donas de seus próprios destinos.
Contudo, não se vive melhor simplesmente por isso. Até mesmo as catástrofes naturais
encontram grande parte de sua responsabilidade nos homens, que podem manipular
inclusive o clima e interferir no curso da natureza. Toda sociedade deve sentir-se mal
que a pessoa é fruto do seu ambiente e tudo o que faz é influenciada por esse
porque é condicionado pela sociedade a agir desta ou daquela forma. Essa dimensão
sofrimento hoje vai além de simplesmente descobrir as causas do sofrimento. Com sua
joga para um futuro escatológico o livramento das dores e angústias existenciais que o
homem deseja resolver ainda nesta vida. Essa resposta pode parecer satisfatória a
quem não sofre, mas o sofredor não pode esperar até a parusia para receber o
conforto de que necessita agora. As palavras do salmista são para ele mais
reconfortadoras, quando esse afirma que verá a bondade do Senhor na terra dos vivos!
cristãos de hoje não podem perder de vista a esperança de uma vida eterna com Deus,
com a parusia. Contudo, precisam também viver a fé que mantém Deus bem perto,
Testamento, que soma a experiência real do Deus que caminha com o povo no deserto
à experiência igualmente real do Deus que encarnou-se e "habitou entre nós" (Jo 1:14).
como os fiéis do passado, passar sob as intempéries da vida e sair mais forte, mais
maduro e mais fiel ainda, pela certeza absoluta da presença e do cuidado de Deus.
combatente e interrogativo, para poder entender o que Deus quiser falar-lhe por meio
alcançar a felicidade. Mas nunca, de modo algum, deve negar a fé, pois sem ela jamais
da fé judaico-cristã.
cristão exulta!"27
27
- JONES, E. Stanley. Cristo e o sofrimento humano. São Paulo: Vida, 1991, pág. 154
72
Conclusão
lamentação nos ensinam que a vitória não depende tanto da situação em si como da
atitude de quem a enfrenta. É a fé, mais que as circunstâncias, que vence o sofrimento.
relação que garante o conforto da alma sofredora mesmo quando esta não entende as
eliminar a dor.
muitas delas sem resposta imediata em sua vida, há uma virtude no sofrimento que, se
dificuldades.
Deus nunca desiste do ser humano. E, por mais que este ser tão limitado não o possa
perceber em meio à própria dor, também não deve desistir de encontrar a Deus. Ou até
Concluindo, segue aqui uma citação que resume muito do sentido dos
salmos de lamentação:
"As mais difíceis indagações da vida nunca são 'removidas' (nunca ficamos
sabendo por que Deus faz isto ou aquilo, por que um avião cai ou acontece um desastre
numa mina). Mas somos 'redimidos' do poder destrutivo dessas perguntas. O pânico não
pode mais nos surpreender quando não entendemos o sentido daquilo que Deus permite que
nos aconteça. O seu amor não mais nos confundirá; aprenderemos a crer naquele amor
mesmo quando não compreendemos os meios que aquele amor escolhe para se expressar".
28
(H. Thielicke apud P. Yancey)
28
- YANCEY, Phillip. Decepcionado com Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1994, 3ª ed., pág. 185
74
Bibliografia
BONNARD, Pierre E. Os Salmos dos Pobres de Deus. São Paulo: Paulinas, 1975
Sinodal, 1979
GIRARD, Marc. Como ler o livro dos Salmos - Espelho da Vida do Povo. São Paulo:
Paulinas, 1992
Paulinas, 1988
Paulinas, 1978
YANCEY, Phillip. Decepcionado com Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1994, 3ª ed.
WEISER, Arthur. Os Salmos - Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1994
75
WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 1975