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MESTRADO EM MISSIOLOGIA
A IMPORTÂNCIA
DE UMA TEOLOGIA E ECLESIOLOGIA BÍBLICA
NO PROCESSO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS
POR
Viçosa
2010
Introdução
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LIDÓRIO, Ronaldo, Plantando Igrejas – Teologia Bíblica, Princípios e Estratégias de Plantio de
Igrejas, São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2007.
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estabelecimento e edificação da igreja. Ele apresenta o apóstolo Paulo como “um
exemplo clássico desse modelo”, e lembra que Augustus Nicodemus o apresenta
como “o mais impressionante teólogo do Cristianismo, bem como o seu maior
missionário” (p. 18, 19).
Ele destaca que essa mesma relação ocorreu durante a Reforma. “Lutero,
Calvino e Zwínglio teologizavam em sintonia com as gritantes necessidades de
uma igreja que crescia, e que precisava de direção bíblica”, e que “o
conhecimento teológico estava a serviço de Deus, e à disposição da igreja, e não
paralelo a ela”, afirma ele (p. 18).
Ele demonstra que essa relação é também assinalada por destacados
missiólogos contemporâneos, como Hesselgrave: “o compromisso evangélico
com a autoridade das Escrituras é vazio de significado se não permitimos que os
ensinos bíblicos moldem a nossa missiologia” (p. 17), e Paul Hielbert: “um
trabalho missionário sem um sólido fundamento teológico se divorcia da mente de
Deus” (p. 18).
Sua abordagem reflete a sua formação Reformada. William L. Lane, ao
discutir a origem da disciplina Teologia Bíblica de Missões2, afirma que Johan
Herman Bavinck (1895-1964), pastor, missionário e teólogo reformado holandês,
sobrinho do destacado teólogo reformado Herman Bavinck (1854-1921), ao
procurar justificar a necessidade de uma ciência de missões (Missiologia), discute
não apenas a fundamentação, o objetivo e as abordagens dessa ciência, mas
também define sua tarefa e procura estabelecer a sua relação com as
demais disciplinas teológicas (grifo meu), tratando especificamente dessa
questão em sua obra Inleiding in de Zendingswetenschap, traduzida para o inglês
em 1960, sob o título An Introduction to the Science of Missions, das páginas xi-
xxi. Lane destaca esse esforço citando o próprio Bavinck:
a ciência da exegese é necessária para prover à ciência missionária de dados
escriturísticos essenciais para a formulação de princípios. É do mesmo modo
claro que a ciência missionária depende da dogmática para sua conceituação
da natureza e tarefa da igreja; da ética por causa de seu interesse em
questões éticas; de outras disciplinas práticas; e da história da igreja, uma
vez que faz parte da história da igreja (1960, p. xix. Tradução de Lane).
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LANE, William L., Teologia Bíblica de Missão – Uma Análise do Propósito Bíblico da Missão,
CEM – 2010, p. 7, não publicado.
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A relação entre a Teologia, a Missiologia e a Eclesiologia
Sendo coerente com sua formação, ele entende que utilidade da teologia
bíblica não está restrita à mera tarefa de justificar a necessidade da ação
missionária e da existência do movimento missionário, proporcionando bases
bíblicas que simplesmente apóiem e justifiquem a necessidade desse esforço. Ele
entende que cada aspecto da identidade da igreja (como adoração, doutrina,
fidelidade, santidade, unidade e comunhão), bem como cada atitude e
metodologia do movimento missionário devem estar solidamente
fundamentadas bíblica e teologicamente para que a Igreja não perca sua
identidade, e para que o movimento missionário não se perca em meio ao que
Lidório chama de “esquisitices metodológicas” (p. 23).
A vocação missionária é inegavelmente um dos aspectos constitutivos da
identidade da Igreja. Mas esse aspecto não está desvinculado dos demais. É
indispensável que a vivência, que a experiência de todos os demais aspectos que
juntos constituem a identidade da Igreja estejam solidamente fundamentados
bíblica e teologicamente, e inter-relacionados. Pois é essa experiência eclesial
histórica, abrangente, corretamente fundamentada bíblica e teologicamente, que
se constituirá em testemunho a todas as nações.
Em prol dessa abordagem é especialmente útil a exegese que Lidório faz
de Mateus 24:14: “E será pregado o evangelho do reino por todo o mundo, para
testemunho a todas as nações. Então virá o fim”. Lidório afirma que o termo grego
κηρυχθήσεται (kerychthésetai), traduzido por “e será pregado”, tem como raiz
a palavra κήρυγμα (kérygma), uma proclamação audível e inteligível, enquanto
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Thayer’s Lexicon, disponível em <http://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?
Strongs=G5124&t=KJV>, acesso em 20 de Fevereiro de 2011.
4
BOSMA, Carl J., Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações, Ed. Fôlego, São Paulo, 2009,
pág. 29.
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A exegese e a paráfrase sugerida por Lidório do termo grego
κηρυχθήσεται (kerychthésetai), nos remetem a outra importante questão. Para
que o Evangelho seja proclamado de forma inteligível e compreensível, seu
conteúdo precisa ser comunicado em toda a sua integralidade, de maneira que
não somente os que o recebem possam entender adequadamente a mensagem
comunicada, mas de uma maneira que também esteja em conformidade com os
pressupostos bíblico-teológicos estabelecidos para a comunicação desse
conteúdo. Esse processo é chamado de contextualização.
Nesse processo há barreiras lingüísticas e culturais que o Evangelho
precisará transpor. O Evangelho será “traduzido”, e essa “tradução” precisa ser
feita de uma maneira que:
1. Preserve a natureza, o caráter e a totalidade do seu conteúdo;
2. Respeite o que já está pré-estabelecido em seu próprio conteúdo
também em relação a como e por meio de quem ele deve ser
comunicado.
3. Seja entendido adequadamente.
A partir destas considerações, podemos dizer que esse processo de
contextualização não só se relacionará com a teologia bíblica, mas também que,
em virtude e por força dessa relação, estará também inter-relacionado com a
missiologia e a eclesiologia.
Em relação à teologia bíblica, Lidório aponta pressupostos bíblico-
teológicos relacionados especificamente com a contextualização (p.27 e p. 33):
1. A Palavra é supracultural e atemporal, sendo válida como Palavra
de Deus e comunicável para todos os seres humanos, em todas as
culturas, e em todas as épocas. Por isso, a Palavra de Deus
constitui-se em parâmetro válido para definir o ser humano em toda
sua condição existencial. Ela dá testemunho de que há uma verdade
universal e supracultural, que fundamenta a proclamação do
Evangelho: Deus é soberano e dono de toda a glória.
2. A realidade do pecado intencional (perversidade e impiedade) do
gênero humano, e a sua condição de total carência de salvação
precisam ser devidamente expostas. Amenizar a mensagem em
relação ao pecado é contribuir para a incompreensão do Evangelho.
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3. Somos seres culturalmente idólatras. É comum ao homem caído
construir uma idéia de deus que satisfaça seus anseios e interesses,
sem confrontá-lo com o pecado. Essa atitude é encontrada em toda
a história humana, e não colabora para o encontro do ser humano
com a Verdade de Deus.
4. Contextualizar o Evangelho não é reescrevê-lo, reduzindo ou
modificando o seu conteúdo, para moldá-lo à luz da Antropologia. É
antes traduzi-lo na integralidade do seu conteúdo lingüística e
culturalmente para um cenário distinto do cenário usual ao
transmissor, com o objetivo de tornar o Cristo bíblico e histórico
compreensível a todo ser humano. Sua mensagem expõe Deus em
relação à realidade da vida e da queda do ser humano. Não é
inculturada, pregando um Deus aceitável ou desejável, mas
contextualizada, apresentando o Deus verdadeiro de forma
inteligível.
5. O objetivo maior da contextualização é apresentar adequadamente a
Cristo, evitando uma compreensão reducionista e alienígena Deste.
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inclusive se identificando com este, ela permanece e deve permanecer sendo
propriedade exclusiva de Deus, e não do contexto.
A contextualização desse princípio bíblico-teológico de natureza
eclesiológica deve nos levar a focar o trabalho de plantação de igrejas nas
pessoas, tanto nas que estão no local onde estamos especificamente
trabalhando, como naquelas que estão nas proximidades. A comunidade cristã
é, conforme indicado na preposição ἐκ, em sua própria natureza uma
comunidade crescente, dinâmica, que se estende até alcançar o seu
impacto sobre o alvo, que não pode estar restrita por barreiras de qualquer
natureza, inclusive geográficas.
3. Em 1 Tessalonicenses 1:1, a expressão “para a igreja dos tessalonicenses em
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dons, talentos, fraquezas e habilidades, círculos de relacionamentos,
especialidades, conhecimentos específicos. É também nosso dever não
somente reconhecer essa humanidade, mas também reconhecer que ela deve
ser usada para a glória de Deus e para a propagação do Evangelho. É
fundamental observar e entender o ser humano a partir da suas características
humanas específicas para podermos ser instrumentos úteis nas mãos de Deus
na tarefa de guiar com amor esse ser humano a ser sal da terra e luz do
mundo a partir do que ele é, tem e pode fazer (p. 47).
4. Em Atos 1:6-8, Lidório vê o que é prioritário para a Igreja. Ele afirma que a
prioridade estabelecida por Cristo para sua igreja não é escatológica
(conhecer χρόνους ἢ καιροὺς (krónous e kairóus), o tempo humano e o
tempo divino), mas missiológica. Ao dizer “mas recebereis poder, ao descer
sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas...”, Ele estava
demonstrando que tinha criado “uma igreja funcional, e não apenas
contemplativa, nascida para espalhar a sua Palavra a todos os povos, em
todas as gerações, até a sua volta” (p. 48, grifos meus). Um exame da
expressão “e sereis minhas testemunhas...”, καὶ ἔσεσθε μου μάρτυρες
(kai ésesthe moy mártyres), à luz da exegese de Mateus 24:14 que já
mencionamos, realça que a tarefa missiológica não está desassociada do ser
igreja, do testemunho martírico, de vida da igreja. Não há verdadeira
missiologia separada de uma eclesiologia bíblica. As instruções de Jesus em
Atos 1:1-8 não se aplicam somente aos discípulos que naquela ocasião
estavam reunidos. O contexto mais amplo mostra de forma inequívoca que
estas instruções se aplicaram a toda a ἐκκλησίᾳ (ekklesía), sem exceção.
Não foram somente os que estavam reunidos em Atos 1:6-8 que receberam o
dom do Espírito Santo em Atos 2, e que foram envolvidos na tarefa específica
da proclamação, mas toda a ἐκκλησίᾳ (ekklesía). É certo que cada um
contribuiu de forma diferente, de acordo com a graça, com o dom que recebeu
do Espírito Santo, e foi Pedro quem se dirigiu à multidão. Mas são todos os
discípulos de Cristo, como parte integrante da sua ἐκκλησίᾳ (ekklesía), que,
conforme a capacitação que lhes é dada pelo Espírito Santo, são chamados
para serem seus μάρτυρες (mártyres), suas testemunhas em Jerusalém,
em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra, tanto através da vida
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eclesial, como envolvendo-se ativamente na proclamação da mensagem. Não
há no Novo Testamento base para uma proclamação desassociada da vida
eclesial.
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se referir a pássaros que não somente chocam, mas cuidam com todo carinho e
dedicação de seus filhotes, ou pais que cuidam de seus filhos de uma forma
terna, sensível, carinhosa, compassiva. É dessa mesma forma que o Espírito
Santo participou ativamente na criação do ser humano (Gên. 1:26), continua
agindo na criação (Salmo 104:30), e continua agindo hoje (João 16:8). O Espírito
Santo é soberano (1 Cor. 12:11); é uma pessoa – Ele ensina, faz lembrar (João
14:26), e age com propósito (1 Cor. 12:7), atributos característicos de pessoas.
Lidório em sua abordagem não está preocupado em definir quem é o
Espírito Santo. Seu foco é buscar responder à pergunta: “qual é a relação entre a
pessoa do Espírito Santo e a expansão do Evangelho?”. Em relação à pessoa do
Espírito Santo, Lidório identifica no que Ele é como Παράκλητος (parákletos) a
indicação de sua função em relação à Igreja, de estar na Igreja, permanecendo ao
seu lado, e chamando-a para estar ao lado Dele na realização do propósito de
Deus. Ele cita John Knox, que diz que a essência da função do Espírito Santo é
estar ao lado da igreja de Cristo e fazê-la possuir a face de Cristo e espalhar o
nome de Cristo.
Em relação ao que Jesus ensina sobre a pessoa do Espírito Santo em
João 16:8, que Ele convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo
(convencer – grego ἐλέγχω – elégkho – convencer com sólida e forte evidência,
especialmente para expor, demonstrar, evidenciar e provar o que é errado, o que
é justo, e a certeza do julgamento), Lidório identifica a sua função em relação aos
perdidos. Ele ressalta que o ser humano decaído reconhece que é pecador, mas
que não pode ver com clareza meridiana a sua condição de perdido, de
condenado em virtude do seu pecado, e a sua necessidade de redenção, a não
ser por intermédio do Espírito Santo. É somente o Espírito Santo que pode
convencer com sólida e forte evidência, expondo, demonstrando, evidenciando e
provando o que está errado, o que é justo, e a certeza do julgamento de Deus,
infundindo no coração humano a certeza do juízo de Deus, e a consciência do
seu estado de perdição e condenação sem Cristo.
Assim, a manifestação e a expansão do Reino de Deus estão diretamente
ligadas à obra do Espírito Santo. É Ele quem capacita a Igreja tanto a dar um
testemunho de vida eclesial válido, coerente com a mensagem do Evangelho,
como também a proclamá-lo de maneira que a integralidade do seu conteúdo seja
preservada, e ao mesmo tempo contextualizada. A ação do Espírito Santo não
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produz uma igreja enclausurada, segmentada, ou auto-centrada. A ação do
Espírito Santo produzirá na vida da Igreja uma verdadeira unidade, onde a
diversidade não será nem antagônica nem ameaça a essa unidade. O Espírito
Santo é fonte tanto de uma rica vida eclesial, como da exteriorização e extensão
dessa vida em missão. É Ele quem torna essa igreja por Ele enriquecida uma
igreja missionária. É Ele quem a inspira, a capacita e a impulsiona a proclamar
fielmente a mensagem do Evangelho, estando sempre ao lado dela, e
persuadindo eficazmente aqueles que recebem o seu testemunho e a sua
proclamação, de maneira que esse testemunho e proclamação exerçam um
impacto relevante sobre o contexto no qual ela está inserida. O Espírito Santo faz
a Igreja de Cristo caminhar unida em direção ao mundo, centrada em Cristo. É
Ele que faz com que a Igreja de Cristo se dê a conhecer e se estenda, e com que
ela assim manifeste sua fonte e origem ao mundo.
BIBLIOGRAFIA
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• BOSMA, Carl J., Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações, Ed. Fôlego,
São Paulo, 2009.
• HELPS™ Word-studies, disponível em
<http://strongsnumbers.com/greek/1537.htm>, acesso em 23 de Fevereiro
de 2011.
• Herman Bavinck, disponível em
<http://en.wikipedia.org/wiki/Herman_Bavinck>, acesso em 11 de Fevereiro
de 2011.
• Johan Herman Bavinck, disponível em
<http://en.wikipedia.org/wiki/Johan_Herman_Bavinck>, acesso em 10 de
Fevereiro de 2011.
• LANE, William L., Teologia Bíblica de Missão – Uma Análise do Propósito
Bíblico da Missão, CEM – 2010, p. 7, não publicado.
• LIDÓRIO, Ronaldo, Plantando Igrejas – Teologia Bíblica, Princípios e
Estratégias de Plantio de Igrejas, São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2007.
• Strong’s Concordance with Hebrew and Greek Lexicon, disponível em
<http://www.eliyah.com/lexicon.html>, acesso em 20 de Fevereiro de 2011.
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