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Motriz, Rio Claro, v.16 n.4 p.984-994, out./dez. 2010 doi: http://dx.doi.org/10.5016/1980-6574.

2010v16n4p984

Artigo Original

Corpo discente em movimento: reivindicações estudantis na Escola


Superior de Educação Física do Rio Grande do Sul (1957-1964)
Leon Frederico Kaminski 1
Silvana Vilodre Goellner 2
1
Universidade Federal de Ouro Preto e Rede municipal de Ouro Preto, MG, Brasil
2
Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, RS, Brasil

Resumo: Esta pesquisa analisa a ação de estudantes da Escola de Educação Física do Rio Grande do
Sul entre os anos de 1957 e 1964. Tal recorte justifica-se por se caracterizar como um período de forte
atuação, organização e articulação dos estudantes em termos locais e nacionais. Fundamentada na
perspectiva teórico-metodológica da História Cultural foram analisadas fontes tais como atas, reportagens,
depoimentos orais, bem como publicações dos estudantes. Como ferramenta metodológica foi utilizada a
análise de conteúdo cujos documentos foram analisados em separado e, posteriormente, relacionados
entre si. Desse entrecruzamento foram elaboradas unidades de significado que possibilitavam melhor
compreender as ações empreendidas pelos estudantes no âmbito interno da ESEF bem como sua
articulação com o movimento nacional. Destacamos, assim, a participação política dos estudantes em duas
mobilizações que ocorreram no interior da Escola: o movimento reivindicatório de 1958 e o movimento pela
sede própria.
Palavras-chave: Educação Física. Corpo discente. História cultural.

The student body in movement: student demands in the Escola Superior de Educação
Física do Rio Grande do Sul [ESEF- College of Physical Education of Rio Grande do Sul]
(1957-1964)
Abstract: This research analyzes student action at the Escola Superior de Educação Física do Rio Grande
do Sul , between the years 1957 and 1964. Its focus is justified by the strong mobilization, organization and
articulation of students at the national and local level during this period. Based on the theoretical and
methodological perspective of Cultural History, we analyze sources such as meeting minutes, reports, oral
testimonies and student publications. Our methodological tool is Content Analysis, in which we take an
initial separate look at documents and then, at a latter moment, attempt to relate them to one another. From
these interconnections we go on to elaborate units of signification which allow a better understanding of
student actions within the internal environment of the ESEF, as well as their articulation within a national
movement. We give salience to the political participation of students in two mobilizations that took place
within the institution: the demand-centered movement of 1958 and the mobilization for a campus of its own.
Key Words: Physical education. Student body. Cultural history.

Introdução Educação Física e Desporto (Rio de Janeiro) e a


A historiografia da Educação Física de Bushatsky (2004) sobre o Centro Acadêmico
brasileira, desde os anos 80 do século XX, tem Ruy Barbosa da Universidade de São Paulo.
marcado sua produção acadêmica a partir de Além destes trabalhos, identificamos alguns
diferentes correntes epistemológicas textos escritos por autores vinculados ao
introduzindo marcos teóricos, objetos e fontes Movimento Estudantil de Educação Física
que se afastaram da aceitação dos registros MEEF) 1, os quais foram veiculados em
oficiais como os únicos, ou talvez, os mais publicações organizadas pelo próprio
aceitos como possíveis de narrar um tempo já Movimento cujo objetivo era narrar sua própria
transcorrido.Dentre as inúmeras fontes trazidas história (FERREIRA, 1995; PEREIRA, s/d).
do esquecimento algumas ainda parecem estar Da análise desse material percebemos que
a descoberto, como por exemplo, a memória do muito do que é narrado refere-se, quase que
movimento discente cuja ação política
influenciou a estruturação e consolidação deste
1
campo acadêmico-profissional. Nessa direção Utilizaremos o termo Movimento Estudantil de Educação
Física (com letras maiúsculas) e a sigla MEEF quando nos
destacam-se as pesquisas de Melo (1997) e referirmos a este movimento em termos gerais, embora possa
Castelani Filho (1998), acerca da mobilização ser anacrônica sua utilização para o período estudado, devido
dos estudantes da Escola Nacional de ao peso do valor identitário que ele possui para os seus
militantes.
Corpo discente em movimento

exclusivamente às cidades do Rio de Janeiro e outra, tornando o processo de construção de


de São Paulo e pouca menção se faz à ação fontes orais extremamente desafiante e rico”
discente em Escolas de Educação Física de (2006, p.25).
outras cidades a exemplo de Recife, Vitória,
Como ferramenta metodológica foi utilizada a
Belo Horizonte e Porto Alegre, cuja existência
análise de conteúdo cujos documentos foram
data das décadas de 1930-1950.
analisados em separado e, posteriormente,
Considerando esse cenário, esta pesquisa relacionados entre si. Desse entrecruzamento
analisa a ação de estudantes da Escola de entre as diferentes fontes de pesquisa foram
Educação Superior de Educação Física do Rio elaboradas unidades de significado que
Grande do Sul (ESEF) 2 entre os anos de 1957 e possibilitavam melhor compreender as ações
1964. Tal recorte justifica-se por se caracterizar empreendidas pelos estudantes no âmbito interno
como um período de forte atuação, organização e da ESEF bem como sua articulação com o
articulação dos estudantes de Educação Física movimento nacional. Destacamos, assim, a
em termos locais e nacionais, simbolizado pela participação política dos estudantes em duas
criação, em 1957, da União Nacional de mobilizações que ocorreram no interior da Escola:
Estudantes de Educação Física, entidade que foi o movimento reivindicatório de 1958 e o
dissolvida em 1964 em função do Golpe Militar. movimento pela sede própria. Essas mobilizações
e o que delas se narra colaboraram para
Fundamentada na perspectiva teórico-
compreendermos a dinâmica da ascensão do
metodológica da História Cultural (CHARTIER,
corpo discente à força política interna da ESEF
2001; PESAVENTO, 2003; FALCON, 2002) foram
bem como a projeção de alguns de seus líderes
analisadas diferentes fontes de pesquisa como,
no cenário nacional, tanto da Educação Física
por exemplo, atas dos órgãos deliberativos da
quanto do movimento estudantil da área.
ESEF (Congregação e Conselho Técnico
Administrativo), reportagens publicadas em A Escola de Educação Física
jornais, fundamentalmente em “O Correio do
No Rio Grande do Sul, com o intuito de suprir
Povo”, depoimentos orais 3, bem como os Jornais
as metas da política educacional estabelecida
“O Discóbulo” e “Olímpico”, ambos publicados
pelo Estado Novo para o desenvolvimento da
pelos estudantes de Educação Física da ESEF-
Educação Física brasileira, foi criado, em 1939, o
UFRGS.
Departamento Estadual de Educação Física
No que respeita aos depoimentos, foram (DEEF) do Estado do Rio Grande do Sul,
entrevistados, três ex-alunos da ESEF, que no objetivando “dirigir, orientar e fiscalizar a prática
período analisado estavam envolvidos com o de Educação Física nos estabelecimentos de
Diretório Acadêmico da Escola. Esses ensino, oficiais e particulares, nos institutos de
depoimentos foram analisados consoante os ginástica e nas associações esportivas, além de
pressupostos da História Oral 4 utilizados, aqui, de formar pessoal técnico em Educação Física e
forma híbrida (MEIHY, 1998), ou seja, as fontes esportes” (MAZO, 2005, p.148).
orais foram analisadas com a mesma importância
Para diminuir a carência de profissionais
e significação que os documentos escritos.
especializados, o DEEF inaugurou, no dia 06 de
Segundo Delgado “a relação história oral e
maio de 1940, a Escola Superior de Educação
pesquisa documental é bidirecional e
Física do Rio Grande do Sul, composta por um
complementar. Ambas fornecem
corpo docente formado, quase que na sua
simultaneamente subsídios e informações à
totalidade, por militares e/ou médicos Na década
2 de 1950 a formação dos profissionais de
A ESEF manteve-se sob administração estadual até a sua
federalização em 1969, passando então a fazer parte da Educação Física apresentava inúmeros
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desta problemas tais como: matrizes curriculares com
forma, no recorte temporal escolhido, a ESEF era um instituto
isolado de ensino da alçada do governo do Estado. pouca ênfase em disciplinas de cunho
3
A pesquisa integra o Projeto Garimpando Memórias: esporte,
pedagógico, falta de estrutura das escolas de
lazer, dança e educação física aprovado pelo Comitê de Ética
da UFRGS sob o número 2007710. formação, cursos com duração diferenciada,
4
As entrevistas foram gravadas em fita cassete e,
posteriormente, processadas seguindo as seguintes etapas:
entre outros. Essas deficiências foram apontadas
transcrição, conferência de fidelidade e copidesque. Os em estudo realizado pela Divisão de Educação
entrevistaram assinaram termo de consentimento cedendo ao
Centro de Memória do Esporte (ESEF-UFRGS) os direitos
autorais das entrevistas.

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Física do Ministério da Educação e Cultura no entrada de alunos mais maduros e o aumento do


ano de 1958, segundo o qual: tempo de permanência na Escola colaborou para
A formação de professores de Educação Física que tivessem uma participação mais efetiva na
no Brasil é a mais díspar que se possa imaginar. entidade que, antes dessas modificações,
Na categoria licenciado, há professores que
procedem dos mais variados cursos: três anos, possuía uma fraca atuação 6.
dois e um ano de duração (...); cursos
congêneres, e até sem curso foram favorecidos Com o Diretório Acadêmico mais organizado,
por lei de exceção. Os currículos das escolas de alguns tensionamentos começaram a acontecer
Educação Física, por sua vez, são falhos, não entre os estudantes e a direção da Escola, o mais
concorrendo para a formação pedagógica que
se exige de um professor de Educação Física. A significativo deles, estava pautado na pouca
maioria dessas escolas, por outro lado, admite representação que os alunos tinham dentro da
candidatos apenas com o curso ginasial, cujo instituição. Neste período, a legislação relativa à
cabedal de conhecimentos é insuficiente para
que eles façam vantajosamente um curso representação discente nos órgãos colegiados
superior (BRASIL, 1958, p. 35). não era respeitada devido a interpretações
ambíguas feitas pelos membros do Conselho
Uma das ações dirigidas para minimizar essa
Técnico Administrativo (CTA). Desde 1955 esse
situação foi a orientação tomada pelo Ministério
embate figurava nas reuniões, no entanto,
da Educação (MEC) em aumentar a duração dos
apenas em 1958, a representação discente foi
cursos de Educação Física de dois para três anos
reconhecida, resultado das várias ações
e exigir dos candidatos o curso secundário
empreendidas pelos estudantes. Dentre as várias
completo para ingressar nos cursos de formação.
reivindicações dos estudantes, ganhou relevância
Essas medidas tinham o cunho de equiparar o
a disputa travada com o então diretor, Frederico
curso superior de Educação Física ao de outras
Guilherme Gaelzer, cujo desenrolar extrapolou o
licenciaturas contribuindo para elevar o status da
espaço interno e ganhou contornos públicos
profissão (FARIA JÚNIOR, 1987).
conferindo ao corpo discente uma força política
No âmbito da ESEF essa recomendação significativa.
entrou em vigor no ano de 1957, mesmo ano no
Frederico Guilherme Gaelzer, era professor de
qual os estudantes reorganizaram o Diretório
Educação Física e contava com muito prestígio
Acadêmico (DA) 5, conquistando, junto à direção
no cenário gaúcho e fora dele. Iniciou sua gestão
da Escola, um espaço para sediar a entidade.
em 1955 onde permaneceu – segundo os
Essa conquista conferiu um novo estatuto ao
documentos oficiais – até 24 de fevereiro de
Diretório, os discentes realizavam assembléias
1959. Além de ser um dos pioneiros da ESEF era
com regularidade, lançaram um jornal
considerado como o introdutor da recreação
denominado Olímpico e lutavam, junto com
pública no Brasil em função de sua atuação junto
docentes e administradores pela fundação de
a Prefeitura Municipal de Porto Alegre desde o
uma sede própria visto que, até então, suas
início da década de 1920 (AMARAL, 2001; FEIX
atividades da ESEF realizavam-se em diferentes
e GOELLNER, 2008).
locais na cidade de Porto Alegre (OLÍMPICO,
1959a). Cabe salientarmos que, embora existisse um
domínio médico-militar no interior da ESEF,
O aumento do período de formação, agregado
Gaelzer possuía formação em Educação Física.
à exigência dos alunos terem cursado o ensino
Entretanto, este fato não diminuiria o caráter
secundário para ingressar na Escola, acabou por
autoritário presente em sua forma de administrar,
fortalecer as atividades desenvolvidas pelo DA.
conforme podemos apreender de um artigo que
Segundo Gutierrez (2005), que ingressou na
escreve para o Olímpico, no qual expunha sua
Escola em 1957 e foi membro do movimento
visão de gerenciamento, segundo a qual, existiam
estudantil, essas alterações proporcionaram a
dois métodos de liderança: comando ou
5
dominação e liderança democrática.
Um ano após a criação da ESEF foi organizada a entidade
representativa dos estudantes. O Diretório Acadêmico Paulo A dominação é o processo de controle pelo qual
Hollerbach foi fundado, no dia 19 de abril de 1941, sendo uma pessoa, arregando-se autoridade à força e
denominado, inicialmente, de Centro Acadêmico dos mediante acúmulo de poder (através de uma
Estudantes de Educação Física cujo órgão diretivo chamava-
se Diretório Acadêmico dos Estudantes de Educação Física.
6
Esse fato justifica as diferentes nomenclaturas encontradas Essa mesma situação é apontada por Melo (1995) ao
nas fontes, mas para fins de uniformização do texto analisar o movimento estudantil da Escola Nacional de
utilizaremos o termo Diretório Acadêmico (DA), exceto, nas Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, atual
citações diretas. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Corpo discente em movimento

hierarquia de funcionários) regula as atividades participação de representantes discentes nas


de outras pessoas, no sentido de certos fins de reuniões do Conselho Técnico Administrativo; c)
sua própria escolha (OLÍMPICO, 1957, p.03).
repasse das verbas arrecadadas com as taxas de
Nesse mesmo texto indica algumas pistas a matrícula que legalmente pertenciam ao DA; d)
respeito de seu posicionamento na direção da Chamada: o Regimento Interno da Escola que
Escola frente à crise que se anunciava: dizia que os assuntos: chamada, ausência e
a liderança democrática, distinta do comando ou presença eram da competência dos professores,
dominação, vem adquirindo, presentemente,
cada vez mais importância como processo de
estaria sendo atropelado pelo diretor que teria
controle social. Promete ser nitidamente, o colocado uma funcionária para impedir o ingresso
método do futuro. Não se adapta, entretanto, à nas aulas de quem porventura chegasse
situações que exijam ação rápida, sendo
relativamente ineficaz nas crises súbitas e
atrasado e, também, ordenado que os
inesperadas (idem, p. 4). professores dessem falta aos alunos que não
estivessem presentes no momento da chamada;
Esses excertos permitem identificar algumas
e) Alunos Enfermos: os alunos que se
das razões que levaram à eclosão do movimento
lesionassem ou ficassem doentes não podendo,
reivindicatório de 1958 cujo ápice centralizou-se
assim, realizar todos os exercícios, mesmo com
na exigência, por parte dos estudantes, da
atestado médico e assistindo as aulas, ficavam
demissão do diretor. A pauta deste movimento
com falta, conforme decisão do diretor; f)
era, prioritariamente, voltado para a reversão de
Dependências: alunos que teriam os seus
algumas determinações feitas pela direção da
horários de aula da dependência e da sua série
escola e que, na visão dos alunos, prejudicavam
ao mesmo tempo sendo obrigados em estar em
o corpo discente e sua representação junto aos
dois lugares ao mesmo tempo; g) Freqüência: a
órgãos deliberativos - embora as demandas dos
direção teria modificado o cômputo da freqüência
estudantes contivessem outras questões tais
de anual para semestral, impedindo os alunos
como a sede própria e a qualidade do ensino.
que obtivessem freqüência menor que 70% de
O corpo discente já demonstrava certo presença de realizar as provas parciais; h) o
descontentamento com a administração da Regimento Interno da Escola estava ultrapassado
Escola, mas o ponto central da crise ocorreu e deveria ser reformulado e atualizado com as
quando o DA solicitou a Gaelzer um horário para novas leis e regulamentações (OLÍMPICO,
a realização de uma assembléia e esta não foi 1958b).
autorizada. Em conseqüência da negativa, os
Em seu depoimento, Walter de Souza, então
estudantes, mesmo sabendo que receberiam
presidente do Diretório Acadêmico, enfatiza que o
faltas nas aulas durante o no horário da reunião,
foco da crise era a qualidade do ensino na
decidiram realizá-la à despeito da autorização da
Escola. Contudo, não deixa de personificar, na
direção (OLÍMPICO, 1958b). Nessa assembléia
figura do Diretor, a responsabilidade por esta
elegeram uma comissão para expor os problemas
deficiência:
da Escola à Superintendência de Educação
Porque todas as matérias eram de uma
Física e Assistência Educacional (SEFAE) do qualificação um pouco antiga. Não havia uma
Estado do Rio Grande do Sul. Diante da evolução. Foi quando os estudantes começaram
desobediência estudantil, Frederico Gaelzer a sentir que a trava dessa não evolução tinha
um nome: era o diretor, na época chamava-se
convocou uma reunião extraordinária do Frederico, professor Frederico Guilherme
Conselho Técnico Administrativo para o dia Gaelzer (SOUZA, 2004, p. 8).
seguinte à assembléia na qual
A decisão da assembléia dos estudantes foi
comunica o estado de agitação entre os alunos
que estavam convocando sessão de assembléia cumprida: em audiência com o Secretário de
geral durante o período de aulas, uma patente Educação, foi entregue um memorial no qual
demonstração de insubordinação, com ameaças
constavam as reivindicações dos acadêmicos.
de eclodir uma greve geral (CONSELHO
TÉCNICO ADMINISTRATIVO, 1958b, p.3). Essa atitude foi pauta de uma nova reunião do
CTA, realizada no dia 08 de novembro e que
Em outubro de 1958, em plena crise, que
resultou de uma resolução prescrita pelos
durou de agosto à dezembro, o DA publicou no
conselheiros que dela tomaram parte. Conforme
Olímpico (10/10/1958) a matéria “Nós e o Sr.
registrado:
Diretor” na qual expõe as causas da revolta: a) a) julgar impertinente, agressivos e
Horário para as reuniões e assembléias do DA; b) desrespeitosos os termos do memorial dirigido

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L. F. Kaminski & S. V. Goellner

ao ilustríssimo Sr. Diretor da Escola (...) c) julgar Fomos acolhidos, felizmente, de madrugada... o
improcedentes as alegações constantes dos Governador me chamou no Palácio e pediu que
demais itens que lhe dão forma, por não apresentássemos uma lista tríplice, para ser
expressarem a verdade dos fatos; (...) e) não escolhido pelo Governador o futuro diretor,
tomar conhecimento, por atentatórias aos porque o antigo já seria demitido. E assim
elementares princípios de disciplina, dos termos acontecendo, às nove horas da manhã chegou
finais do aludido memorial (CONSELHO uma pessoa do Palácio do Governo com a carta
TÉCNICO ADMINISTRATIVO, 1958c, p. 2). de demissão do diretor e já mandando dar
posse imediata a um dos professores que
Os tensionamentos estavam colocados e as indicamos na lista tríplice, que foi o doutor Ruy
disputas de poder tornavam-se explícitas. Uma Gaspar Martins (SOUZA, 2005 p. 6).
nova sessão do CTA foi convocada com o Em função dessa conquista, apesar da greve
objetivo de procurar alternativas para minimizar ser recorrente neste período como uma
as disputas em prol de um entendimento entre as ferramenta de contestação e reivindicação em
partes. Na reunião não compareceu o diretor da diferentes setores da sociedade civil, inclusive no
Escola que alegou estar doente e, além dos movimento estudantil (ALBUQUERQUE, 1977),
conselheiros, fez-se presente um inspetor federal os esefianos não declararam estado de greve.
do Ministério de Educação e Cultura (MEC). Na Segundo Souza:
reunião os estudantes alcançariam algumas Greve propriamente não chegamos a entrar,
vitórias parciais que serviriam para solucionar vivíamos em eternas assembléias. Só
alguns dos problemas imediatos referentes às ameaçamos, mas não chegamos a entrar em
greve. Mas, como eu disse anteriormente,
dependências, aos cálculos de freqüência, às resolvemos seguir os canais competentes
chamadas, à representação discente e à através do Secretário de Educação, do
formação de uma comissão para modificar o Governador e ver no que dava. Se não desse
em nada, então, a gente, obviamente, se o
Regimento Interno. Entretanto, sob a pressão de Diretor não fosse demitido após aquele ultimato,
conselheiros que ameaçavam se retirar da obviamente, seguramente, que teríamos entrado
reunião, os estudantes tiveram que extrair da em greve (2005, p. 9).
pauta o item relativo à demissão do diretor Ainda que a posição dos estudantes tenha
(CONSELHO TÉCNICO ADMINISTRATIVO, repercutido para além da própria ESEF, antes
1958d, p.5). mesmo da exibição pública da crise, Gaelzer já
A crise extrapolava o âmbito da ESEF a ponto havia anunciado a sua saída do cargo conforme
do inspetor do MEC, Romeu de Castro Jobim, registrado em reunião do CTA em junho de 1958:
manifestar-se em um dos principais jornais da “comunicou a seguir o Senhor Diretor que já
cidade de Porto Alegre desqualificando, de certa cumpriu o tempo regulamentar para que fora
forma, a mobilização realizadas pelos estudantes. eleito, e que, na assunção do novo Secretário
Nas suas palavras: pedirá sua demissão” (CONSELHO TÉCNICO
Ser professor de Educação Física é um ADMINISTRATIVO, 1958a, p. 1). A menção ao
privilégio, que uma pequena minoria de alunos novo Secretário refere-se à eleição ocorrida
da Escola ainda não compreendeu, razão naquele ano que, em breve, elegeria o novo
porque ainda criam certas animosidades, que só
prejudicam a sua formação. Felizmente, repito, governador – Leonel Brizola – o que
é uma minoria que não tem pendor para a nobre representaria trocas no secretariado estadual.
profissão (CORREIO DO POVO, 12/12/1958, Contudo, naquele momento (junho de 1958) não
p.10).
era claro quem seria eleito para assumir o
Apesar de manifestações como estas, a crise governo do Estado, dessa forma, as relações
não terminaria nesta reunião. Segundo Walter de políticas e de poder que definiriam a escolha do
Souza, os estudantes, em manchete de capa de novo diretor da ESEF não estavam definidas.
um importante jornal da cidade, publicaram uma
Em consulta as atas do Conselho Técnico
nota dando o prazo de 24 horas para que o
Administrativo da ESEF percebemos que muitas
Governador do Estado, Ildo Menegheti, demitisse
delas registravam que o mandato de Gaelzer
Frederico Gaelzer. Na madrugada seguinte, o
estava por terminar, ou, como citada na ata
dirigente do DA seria convidado para uma
acima, que o tempo de gestão já havia expirado.
entrevista com o Governador na qual teria sido
Como determinava a legislação do período, a
solicitado ao estudante que apresentasse uma
sucessão seria definida através de uma votação
lista de três nomes que poderiam ser indicados
realizada pela Congregação, na qual seria eleita
para assumir a direção da ESEF.
uma lista tríplice (CONGREGAÇÃO DA ESCOLA

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Corpo discente em movimento

DE EDUCAÇÃO FISICA, 1958). Dela seria repercutindo em ações que não seriam efetivadas
escolhido pelo governador, o professor Ruy se não houvesse tamanho investimento como,
Gaspar Martins, que assumiria a direção da por exemplo, questões de funcionamento das
ESEF em fevereiro de 1959. atividades da Escola e, sobretudo, a conquista de
uma cadeira em um órgão decisório da
Fica, porém, uma lacuna sobre as razões
instituição. Em função dessas conquistas, os
pelas quais o processo sucessório não foi
discentes da ESEF perspectivaram outras
realizado tão logo findou o tempo previsto de
reivindicações.
gestão, sendo que a instituição passava por uma
crise interna que possuía como vetor a própria A luta pela sede própria
direção. Por outro lado, as fontes não indicam a
Outro movimento capitaneado pelos
utilização desse fato pelos estudantes em suas
estudantes e que emergiu como recorrente nas
argumentações, o que pode demonstrar o seu
fontes consultadas centrou-se na campanha pela
desconhecimento.
edificação de uma sede própria para a ESEF.
Podemos constatar que, mesmo sem a Vale dizer que esta era uma reivindicação da
pressão estudantil sobre o professor Gaelzer, ele comunidade esefiana desde a sua fundação. No
não permaneceria na direção da Escola por muito entanto, como veremos, a conquista desta sede
tempo. Essa pressão só teria adiantado, talvez, resultou, também, da intensa participação e
para antecipar sua saída. Contudo, em relação às mobilização dos estudantes em prol de sua
outras reivindicações, essa mobilização foi muito efetivação.
importante para sanar alguns daqueles
Da sua criação até a estruturação da
problemas causados pela forma de agir da
ambicionada sede própria, no ano de 1963, a
direção. Ela abriria as portas para que os
ESEF peregrinou por inúmeros clubes,
estudantes que ingressaram posteriormente na 7
associações e instituições militares . Desde o ano
Escola tivessem suas vozes ouvidas bem como
de 1956, portanto, no período aqui analisado, a
garantida e legitimada, desde então, a
Escola funcionava, administrativamente, junto ao
representação discente no Conselho Técnico
prédio da Associação Cristã de Moços. As aulas
Administrativo da Escola.
teóricas e práticas ocorriam em diferentes locais
Ao dialogarmos as diferentes fontes de da cidade, provocando o constante deslocamento
pesquisa (depoimentos, registros oficiais, dos alunos entre as aulas causando desconfortos
reportagens, entre outras) foi possível e atritos entre os estudantes e os professores.
observarmos as contradições entre as diferentes Mario Cassel (2005), membro do Diretório
versões narradas de um mesmo acontecimento: a Acadêmico no ano de 1963, narra parte desse
oficial e a do grupo hegemonicamente inferior no cotidiano:
equilíbrio do poder, a dos estudantes. Essas nós vivíamos como verdadeiros ciganos atrás
diferentes narrativas indicam a impossibilidade de das aulas da Escola, e muitas vezes, não
éramos compreendidos pelos professores que
tratar a história como a verdade sobre o que estavam nos recebendo naquele local distante,
aconteceu um dia (PESAVENTO, 2003). Indicam, porque nos cobravam o horário; o horário do
conforme Bédarida (1998), que a regra de ouro início das aulas, que era uma coisa absurda
(CASSEL, 2005, p. 5).
para todo o historiador digno desse nome seria a
busca pela verdade, mesmo sabendo da Na década de 50, o governo do Estado cedeu
impossibilidade de alcançá-la na sua completude. à Escola, um terreno no bairro Jardim Botânico
(BRAUNER, 2000; MAZO, 2005), no entanto, a
Com essa afirmação estamos explicitando
construção das instalações não se deu de modo
que, nesta pesquisa, não procuramos encontrar
imediato. A falta de verbas era uma das causas
“a verdade” sobre a disputa entre estudantes e
apontadas para tamanha demora, o que se
direção da ESEF durante o ano de 1958. O que
constituía como pauta permanente nas páginas
tentamos apreender foi a tensão entre os
das duas publicações produzidas pelos
diferentes setores da hierarquia que constituía a
estudantes: Olímpico e O Discóbulo.
ESEF no período estudado, o que, de certo
modo, apontou para o desgaste de um modelo
7
autoritário de gestão. Outrossim, evidenciou o Sobre esse tema ler MAZO (2005). Memórias da Escola
Superior de Educação Física da Universidade Federal do Rio
quanto a mobilização discente se fez visível, Grande do Sul (ESEF/UFRGS): um estudo do período de sua
fundação até a federalização (1940-1969).

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Em 1958, após visita às obras da sede, os Este episódio evidenciou, ainda, o quanto a
dirigentes do Diretório relatam: “Lá não mobilização do corpo discente foi importante na
encontramos nenhum operário e nenhum material construção da ESEF/UFRGS. A preocupação
de construção! (...) Até o momento apenas com a estrutura para a realização das aulas
encontramos dois retângulos de tijolos, esteve presente durante todo o período
demarcando o local sobre o qual se erguerão pesquisado e os estudantes, conscientes desse
dois pavilhões!” (OLÍMPICO, 1958a, p. 8). problema, buscaram estratégia de reivindicação e
Segundo Cassel (2005), já havia sido construído de colaboração para a estruturação da nova
o ginásio, o prédio administrativo estava sede. Vale lembrar que essa demanda persistiu
abandonado e depredado e o terreno que o por vinte e três anos (1940-1963) e concretizou-
circundava era um matagal. As condições se não só pela ação dos estudantes ainda que
precárias da sede, mesmo depois da mudança, por ela eles tenham efetivamente se mobilizado.
mantiveram-se assim durante a gestão de Ruy
Gaspar Martins (1959-1964) e de três diretores A UNEEF e a convergência dos
interinos que assumiram a Escola até a problemas da Educação Física nacional
nomeação do médico Hélio Barcelos Ferreira Os dois movimentos até aqui analisados (a
(1965-1970), a saber: o médico Arno Tschiedel, o substituição do Diretor da ESEF, em 1958, e a
coronel Jacintho Francisco Targa e o médico Ney conquista pela sede própria, em 1963) guardam
Serres Rodrigues (MAZO, 2005). muitas semelhanças com a greve realizada pelos
estudantes da Escola Nacional de Educação
Os eternos adiamentos da mudança para a
Física e Desportos da Universidade do Brasil nos
sede própria criavam um clima de incerteza
anos de 1956 e 1957 como, por exemplo, o
diante das inúmeras promessas de transferência,
desgaste do modelo disciplinar rígido adotado
conforme questionam os estudantes no seu jornal
pelos seus diretores. Outra semelhança foi a
de divulgação: “A mudança para a Escola nova
preocupação com a falta de infra-estrutura das
será efetuada realmente ou haverá adiantamento
escolas e, neste ponto, soma-se, ainda, a ação
como sempre?” (O DISCÓBULO, 1963. p. 1).
do Centro Acadêmico Ruy Barbosa (CARB) 8 em
Para Mário Cassel (2005) o DA, cansado de São Paulo.
tantas prorrogações, convocou, em 1963, uma
Ainda que cada um desses movimentos tenha
assembléia. Nela, os estudantes decidiram entrar
suas especificidades e reivindicações, há certa
em ação, pressionando a direção da Escola para
convergência que recai na própria crise do ensino
que as aulas do segundo semestre
superior de Educação Física no Brasil e que foi
acontecessem nas precárias instalações da sede
reconhecida pelo próprio Departamento de
própria. Assim, depois do recesso de julho, os
Educação Física do Ministério de Educação e
alunos, ao invés de se deslocarem para o prédio
Cultura quando reconhece as escolas
da Associação Cristã de Moços, dirigiram-se para
apresentavam infra-estrutura inadequadas,
as dependências do Jardim Botânico. Lá
currículos deficientes, desgaste dos modelos
realizaram uma chamada paralela à dos
pedagógicos, distância existente entre a
professores que estavam dando sua aula em
Educação Física e demais cursos de
outros locais. Além disso, empreenderam vários
Licenciatura, entre outros (BRASIL, 1958).
protestos, inclusive em frente do prédio da ACM.
Essa mobilização, que contava com a adesão de Por certo que não podemos generalizar
grande parte do corpo discente, se prolongaria conclusões a partir de narrativas tão diversas e
por uns vinte dias até que a direção decidiu pela distintas, ainda mais, quando outras análises
transferência das atividades para a sede própria. sobre o movimento de estudantes de Educação
Assim, relata Cassel (2005), devido à situação de Física no Brasil são tão escassas. Aqui temos
abandono das instalações, os alunos claros os limites das análises o que não implica
concentraram seus esforços para colocar a sede afirmar sua impropriedade.
em condições de ser utilizada e, em uma ação
8
conjunta, cortaram o mato, pintaram as quadras, No ano de 1958, em encontro com o governador de São
Paulo, Jânio Quadros, membros do CARB solicitam a
entre outras ações em prol da melhoria da infra- cobertura do ginásio do Ibirapuera, local de suas aulas, e a
estrutura mínima para o desenvolvimento das integração da Escola de Educação Física ao Instituto de
Ensino Isolado Superior (IEIS). As reivindicações seriam
atividades. atendidas e efetuadas pelo governador naquele mesmo ano
(MASSUCATO e BARBANTI, 1999)

990 Motriz, Rio Claro, v.16, n.4, p.984-994, out./dez. 2010


Corpo discente em movimento

Da mesma forma que as deficiências das três atualização e reforma no ensino de Educação
escolas mencionadas apontavam para um Física.
panorama mais amplo, as reivindicações dos
O assunto mais debatido nestes congressos,
seus estudantes convergiriam forças para um
indubitavelmente, estava focado na reforma e
movimento nacional que buscava debater e
atualização do ensino superior de Educação
levantar propostas para superar este quadro. No
Física. No primeiro deles, realizado no Rio de
congresso da União Nacional de Estudantes
Janeiro em 1957, “uma das resoluções dos
(UNE), realizado entre os dias 28 de julho a 03 de
congressistas foi a de encetar um trabalho de
agosto de 1957, em Nova Friburgo (RJ), foi
âmbito nacional, objetivando a elevação do nível
fundada a União Nacional de Estudantes de
do ensino ns Escolas de Educação Física”
Educação Física (UNEEF) 9. A sua primeira
(CASTELLANI FILHO, 1988, p. 159).
diretoria foi composta por Vinicius Ruas, da
ENEFD, como presidente (SILVA, 2004), e como Com as mudanças oriundas da Lei de
1o vice-presidente, Enis Reis Gil, aluno da ESEF/ Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº
UFRGS (OLÍMPICO, 1957). 4.024/61), promulgada em 1961, que instituía a
obrigatoriedade da Educação Física nos níveis
Dos cinco Congressos Nacionais de
primário e médio, os estudantes da ESEF
Estudantes de Educação Física (CNEEF)
mantinham uma posição crítica à base curricular
ocorridos no período analisado, encontramos
vigente na formação dos futuros professores,
documentação referente a apenas três deles: o
fortemente marcada pelo viés militar. Em função
primeiro, realizado no Rio de Janeiro (1957), o
desse posicionamento, deram início a uma
segundo (1959) e o quinto (1963), realizado em
campanha de atualização no ensino de Educação
Porto Alegre 10. O 2o CNEEF, programado para
Física (O DISCÓBULO, 1963).
ocorrer em 1958 na capital gaúcha (OLÍMPICO,
1958a), teve adiamento para o ano seguinte Com o objetivo de contribuir e, também,
devido à crise que ocorria ESEF e a recusa, por influenciar na formação profissional,
parte da Direção da Escola, em permitir a apresentaram sugestões de alterações
utilização das suas dependências para a curriculares ao CTA da Escola. No entanto, estas
realização do evento (SOUZA, 2005). não tiveram ressonância conforme registra a ata
datada de 13 de abril de 1960 na qual se lê:
As consultas a documentos as fontes
Em resposta a modificações no currículo: as
possibilitaram apreender que cada escola alterações procedidas foram conseqüentes [d]as
possuía sua realidade e suas dificuldades, no novas normas legais. Fica, aqui, esclarecido que
o “currículo escolar” em suas diferentes facetas,
entanto, nestes encontros se sobrepujava o
é de alçada do C. T. A., não cabendo, portanto,
debate sobre questões afetas ao movimento as ponderações do Sr. Presidente do Diretório
nacional de estudantes e suas reivindicações. As Acadêmico, culpando a ESEF pelo pouco
preparo dos egressos da Escola, principalmente
preocupações, grosso modo, traduziam-se em
em se considerando o pouco preparo que, em
pontos comuns e foram transformadas em sua maioria, trazem dificultando, portanto, o
objetivos de ação. As pautas dos três congressos trabalho dos professores (CONSELHO
TÉCNICO ADMINISTRATIVO, 1960, p. 3).
estavam centradas em torno de dois temas
básicos: a) a estrutura das escolas (sedes Outro tema que causava grande insatisfação
próprias e incorporação às universidades 11); b) nos congressos era a equiparação entre os
diferentes cursos de Educação Física. No 2o
9
Os documentos que citam esta entidade são escassos. Entre CNEEF “tratou-se ainda do caso da equiparação
os anos de 1960 e 1962 não encontramos nenhuma dos monitores e instrutores de Educação Física,
referência. No primeiro momento (1957-1959) ela é
apresentada como União Nacional dos Estudantes de formados pela EsEFEx, com os professores
Educação Física, posteriormente (1963) ela é denominada de formados pelas Escolas Superiores
Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física.
Entretanto, ela não deve ser confundida com a atual Executiva (barbaridade!)” (OLÍMPICO, 1959b, p.1). Na
(ExNEEF) que foi fundada na década de 1990. Essa lacuna mesma edição do jornal, comentando uma
representa, também, a própria carência documentação do
Diretório Acadêmico da ESEF para o interregno 1960-1962. portaria que estabelecia cursos de Educação
10 o
Quanto ao 6 CNEEF (1964), programado para acontecer Física com duração de um mês, os estudantes
em Goiânia, acreditamos que ele não veio a ser realizado em
razão do golpe militar. questionam: “querer solucionar o problema da
11
Cabe salientar que, mesmo a ENEFD já possuindo sede
própria e integrante da Universidade do Brasil (atual UFRJ),
possuía também problemas de estrutura, demonstrado no fato ENEFD faria também campanha pela incorporação das
de que na greve de 1956 esta pauta estava incluída. A escolas às universidades (MELO, 1997).

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L. F. Kaminski & S. V. Goellner

educação física com o Projeto e a Portaria Nacionalmente, a UNEEF se desarticulou em


mencionados, é o mesmo que querer acabar com função da repressão, conforme observamos nos
o analfabetismo no Brasil criando uma lei que depoimentos de Mário Cassel (2005) e de
declare serem alfabetizados todos os analfabetos Vinicius Ruas da Silva (2004). Ainda assim,
do País” (ibidem). Bushatsky (2004) revela a realização, em São
Paulo, de um Encontro Nacional de Estudantes
Esses dois exemplos evidenciam a integração
de Educação Física organizado pelo CARB no
dos gaúchos no movimento nacional de
ano de 1967. O encontro que inicialmente teria
estudantes de Educação Física. Além de terem
como finalidade definir a sede dos IV Jogos
sediado dois dos seus congressos nacionais,
Universitários Brasileiros dos Estudantes de
identificamos sua participação na primeira
Educação Física (JUBEEF) acabou tendo outros
diretoria da UNEEF bem como em congressos
contornos. Sua pauta foi ampliada promovendo
organizados pela UNE. Nesta entidade defendiam
vários debates sobre o exercício profissional e o
as especificidades da Educação Física sem
ensino nas Escolas de Educação Física. Esse
perder de vista sua importância em comparação
fato demonstra que a capacidade crítica e os
com os demais cursos de formação de
assuntos que incomodavam os estudantes ainda
professores. Em edição do Olímpico de 25 de
permaneciam vivos, apesar da intensa
agosto de 1958 encontramos o seguinte registro:
repressão. 12
A nota destacada para os alunos da Educação
Física é a que se refere à apresentação em Na ESEF houve, também, um esmorecimento
plenário da posição e definição da Educação
Física entre as demais disciplinas do ensino da ação estudantil, fruto dos anos vividos sob a
superior. Este tema foi exposto e aprovado por égide da Ditadura Militar. Aliás, foi nesse período
unanimidade no XXI Congresso da UNE que a ESEF foi federalizada (21 de novembro de
(OLÍMPICO, 1958a, p.01).
1969) passando a integrar Universidade Federal
A efetiva participação dos estudantes da do Rio Grande do Sul. Em função disso, teve de
ESEF frente ao movimento nacional fomentou as se adequar aos preceitos da Lei 5540/68,
ações das duas instâncias: a local e a nacional. conhecida como a Reforma Universitária que
No entanto, diante do cenário político que se promoveu uma série de alterações no ensino
avizinhava, tal mobilização sofreria um duro superior como, por exemplo, o ingresso através
golpe. de vestibular, o sistema de créditos, a
Em 1964, com a instauração do regime militar, departamentalização da universidade, entre
o movimento estudantil foi perseguido e como outras 13. No contexto específico da
conseqüência imediata, se deu a desarticulação ESEF/UFRGS, “o rompimento das unidades de
da União Nacional de Estudantes de Educação turma, decorrentes da inclusão do sistema
Física. A repressão ao movimento estudantil departamental e de créditos, contribuiu para a
durante a ditadura militar se fez notória na desmobilização das organizações estudantis”
ESEF/UFRGS. Segundo Cassel (2005), nos dias (NUNES e MOLINA NETO, 2005, p. 172).
seguintes ao Golpe Militar, os estudantes Enfim, diante de tal contexto, a mobilização
encontraram o Diretório arrombado tendo sido dos estudantes de Educação Física da ESEF
roubados vários de seus equipamentos e arrefeceu, o que não significa, sua extinção.
materiais. Para apurar o caso a direção da ESEF
criou uma Comissão de Sindicância formada por Considerações finais
três alunos ligados ao Serviço Militar, dois da Cientes de que a história é uma narrativa
Brigada Militar e um do Centro de Preparação de sobre o passado buscamos, nesta pesquisa, dar
Oficiais da Reserva. Em decorrência dessa visibilidade às ações de um grupo específico de
sindicância, os membros do Diretório foram sujeitos: os estudantes de educação Física da
obrigados a pagar o valor referente a todo o ESEF/UFRGS. Em nenhum momento tivemos a
material que desapareceu. Além disso, tiveram
seus mandatos na entidade caçados e, a partir de
então, sua direção seria assumida pelos 12
A rearticulação definitiva do MEEF aconteceria somente em
estudantes militares que compunham a comissão o
1980 com a realização, em Salvador, do 1 Encontro Nacional
sindicante. de Estudantes de Educação Física (ENEEF). Este evento é
a
realizado anualmente e encaminha-se para a 30 edição. O
o
29 ENEEF ocorreu em 2008 na cidade de Porto Alegre,
sediado pela ESEF-UFRGS.

992 Motriz, Rio Claro, v.16, n.4, p.984-994, out./dez. 2010


Corpo discente em movimento

intenção de contar a história da ESEF ou, ainda, rnal=RBCE&page=article&op=view&path%5B%5


do movimento estudantil mas, sobretudo, narrar D=326. Acesso em: 13 mai. 2009
alguns fragmentos da memória desta instituição.
BÉDARIDA, F. Tempo presente e presença da
Para tanto, buscamos dar visibilidade ao seu história. In: AMADO, Janaína; FERREIRA,
corpo discente, na certeza de que várias das Marieta de Moraes (org.). Usos & abusos da
historia oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p.219-
ações por ele empreendidas motivaram 229.
alterações no cotidiano da Escola. Nossa
intenção não foi de construir uma visão idealizada BRASIL. Ministério da Educação. Divisão de
do passado e do movimento estudantil; tivemos o Educação Física. Educação Física no Brasil –
1851-1957. Rio de Janeiro, 1958
intuito de apresentar esse movimento como um
grupo que fazia uma leitura crítica sobre as BRAUNER, V. L. P. Formação de Professores
deficiências e os limites da área durante o desde uma Perspectiva Histórica: a formação
período analisado. Por meio de suas lutas pedagógica e a relação teoria-prática. In: VII
podemos lançar um olhar mais amplo sobre o CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DE
EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE, LAZER E
processo de constituição da Educação Física em DANÇA, 2000, Porto Alegre. Anais e resumos.
nosso país, pois as suas reivindicações Porto Alegre: ESEF/UFRGS, 2000. p. 504-508
demonstram as dificuldades estruturais que a
Escola possuía, mas não só isso: evidenciam, BUSHATSKY, M. Escola de Educação Física e
Esportes da USP: 70 anos. Rio de Janeiro,
ainda, o desgaste do modelo pedagógico
2004. p. 97-117.
fortemente militar que orientava a formação de
professores da época, o que demandava a CASSEL, M. C. Depoimento de Mário César
necessidade de reformulações curriculares. Cassel ao Centro de Memória do Esporte.
Porto Alegre: CEME/ESEF/UFRGS, 2005.
Ampliando a escala de observação, vemos
que essas deficiências não eram exclusivas da CASTELANI FILHO, L. Educação física no
ESEF, elas eram parte integrante de um quadro Brasil: a história que não se conta. Campinas:
Papirus, 1988.
mais geral da Educação Física brasileira. Diante
deste panorama, os estudantes buscaram CHARTIER, R. Textos, Impressão, Leitura. In:
contribuir para as mudanças que achavam HUNT, L. (Org.) A Nova História Cultural. 2ª.
necessárias, através dos debates e de ações Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
realizadas em nível local e nacional. Ações estas DELGADO, L. de A. N. História Oral: memória,
permeadas por conflitos e resistências o que tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica,
conferiu ao período estudado a percepção da 2006.
existência de um movimento pleno de tensões,
CONGREGAÇÃO DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO
provocado, fundamentalmente, pelas deficiências o
FÍSICA. Ata n 69. Porto Alegre, 13/12/1958.
e pela falta de diálogo entre os setores dirigentes
– limitados pelos métodos pedagógicos e pela CONSELHO TÉCNICO ADMINISTRATIVO. Ata
falta de financiamento – e a classe estudantil no 290. Escola de Educação Física. Porto Alegre,
inconformada. 28 de junho. 1958a.

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2001. Disponível em CONSELHO TÉCNICO ADMINISTRATIVO. Ata
http://www.rbceonline.org.br/revista/index.php?jou no 306. Escola de Educação Física. Porto Alegre,
13 de abril . 1960.
13
Sobre esse tema ler NUNES e MOLINA NETO (2005), O
processo de federalização da ESEF/UFRGS sob a perspectiva
dos professores: o estudo de um caso

Motriz, Rio Claro, v.16, n.4, p.984-994, out./dez. 2010 993


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Movimento Estudantil: história e perspectivas Telefone: (51) 3308.5836
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