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RESUMO
ABSTRACT
This article aims to investigate the effects of the new constitutional amendment 31-A on
the principal consumption tax in the Brazilian tax law, the ICMS. This way the article
studies especially the traces of the different models of indirect taxation on the
commercial trades which involves more than one State. By designing graphic models
based on actual data of 2007, concluded that the likely effects of the system used for the
PEC-31A will mean on a decrease in the income of the State of Minas Gerais, as well in
a decrement on the constitutional transfers due to the City’s.
1. Introdução
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
7645
O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
– ICMS – é imposto sobre consumo, de competência estadual, plurifásico e não-
cumulativo. No Brasil, o ICMS representa o pilar da tributação indireta, já que a soma
do montante arrecadado pelos Estados-membros supera a de qualquer outro tributo, o
que o torna a principal fonte de receita dos Estados, e também de muitos Municípios,
através das receitas transferidas a eles decorrentes da arrecadação do imposto.184
Em razão dessa importância, o sistema de arrecadação do ICMS é o tema mais
discutido nos projetos de reforma tributária185, sobretudo em vista das disputas fiscais
entre os Estados-membros e das perplexidades envolvidas na exigência do imposto,
especialmente em virtude de um único mercado nacional, no qual convive uma
pluralidade de fazendas públicas responsáveis pelo recolhimento do tributo.
Historicamente, o sistema constitucional tributário brasileiro é marcado pela
competência estadual na tributação sobre o consumo186. Na contramão da experiência
internacional187 e com o intuito de diminuir a dependência dos Estados-membros em
relação à União Federal, o Brasil optou por fragmentar os impostos sobre o consumo,
atribuindo à competência estadual o principal tributo indireto. Conquanto tenha
fortalecido o federalismo, a opção histórica deu azo a inúmeros problemas, sobretudo
nos últimos anos, com o acirramento das disputas entre os Estados-membros, através de
benefícios fiscais concedidos unilateralmente188, ao largo do CONFAZ189. A situação
tornou-se tão caótica, que qualquer proposta de reforma tributária tem o tema dos
entreveros fiscais como fundamental.
O mesmo ocorre com a Proposta de Emenda Constitucional 31-A, que propõe
o combate às concessões irregulares de benefícios fiscais pelos Estados-membros, por
184
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p 479.
185
Confira-se: PEC 175/95; PEC 285/2004; PEC 228/2004; PEC 233/2008. Disponíveis em:
www.camara.gov.br/sileg Acesso em: 12 de setembro de 2009
186
Histórico constitucional construído a partir do estudo detalhado da sucessão das Constituições
brasileiras. Apenas na Constituição de 1934 os Estados conquistam a competência tributária, nesse
mesmo momento, incluem dentre suas atribuições a tributação sobre as vendas e consumo.
187
Confira-se a opção feita pelo direito alemão em: FRATTARI, Rafhael. As Receitas Tributárias no
Federalismo Alemão. Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário, Rio de Janeiro, n. 13,
nov./dez. 2001.
188
No contexto específico da tributação sobre o consumo, as vantagens fiscais mais concedidas à revelia
do CONFAZ são: anistia, remissão, moratória, parcelamento, prazos especiais e concessão de créditos
presumidos.
189
O CONFAZ, ou Conselho Nacional de Política Fazendária, é órgão colegiado constituído por
representantes de todos os Estados, do Distrito Federal e da União, cuja função precípua é interpretar a
legislação do ICMS e conceder benefícios fiscais de forma controla e harmônica.
7646
meio de agressiva redistribuição de receitas entre as unidades federadas, levada a cabo
pela alteração no regime de cobrança do ICMS.
190
DERZI, Misabel Abreu Machado. Reforma Tributária, Federalismo e Estado Democrático de Direito.
In: REZENDE, Condorcet. Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 445.
191
“O que se proíbe no art. 150, item V, é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja
elemento essencial a transposição das fronteiras do Estado, ou do Município. Tal dispositivo
constitucional não proíbe a cobrança de impostos em operações de circulação de mercadorias de um para
outro Estado, ou de um para outro Município, desde que tal cobrança não tenha como pressuposto de fato
indispensável a transposição das fronteiras. Em outras palavras, pode ser cobrado imposto em circulação
interestadual de mercadorias, desde que também incida tal imposto na circulação interna.” MACHADO,
Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo:
Dialética, 2004, p. 121.
7647
Acabou com a guerra fiscal: se está no destino não conseguimos fazer guerra
fiscal, pois ela é feita na alíquota interestadual. Mas há dois problemas
fundamentais aqui, para ir para o destino: um, é uma questão federativa que
traz o problema fiscal: implica uma realocação da partilha entre os Estados
que é brutal. Eu sempre cito o exemplo de São Paulo, que perde de 13 a 15%
da sua receita total. Então como o Estado irá viver com menos 13 a 15% da
receita, com todas as restrições que temos hoje? Não dá. Quebra o Estado.192
192
GUARDIA, Eduardo Refinetti. Reforma Constitucional Tributária – ICMS – Origem X Destino.
Revista de Direito Tributário Internacional, Belo Horizonte, v. 2, 2004, p. 109.
193
STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 4 ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 159.
194
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 28.
195
REIS, Élcio Fonseca. Federalismo Fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 63.
7648
guerra fiscal, e a livre iniciativa frequentemente mitigada pelos benefícios fiscais
irregulares concedidos por alguns Estados em detrimento de outros.
Na tributação analisada a carga tributária é suportada pelo consumidor final,
sendo o valor recolhido a título de imposto integrado ao preço do produto. Assim,
quaisquer benefícios fiscais concedidos afetam diretamente o preço final da
mercadoria.196
Por outro lado, em mercado integrado a circulação de mercadorias e de
serviços não deve encontrar quaisquer artifícios que, de alguma maneira, impossibilitem
a livre concorrência.
A simples opção pela outorga de competência do ICMS aos Estados,
contrariando sua natural vocação nacional, a priori, não deveria prejudicar a harmonia
ao pacto federativo, pois a própria Constituição Federal prevê a deliberação conjunta e
unânime dos Estados-membros no CONFAZ para a concessão de quaisquer benefícios
fiscais197. Entretanto, a indisposição dos Estados em seguir as deliberações do CONFAZ
criou ambiente de recíprocas concessões arbitrárias198, que ocasionam perda de receitas
e injustificada ingerência na livre concorrência entre as empresas199. O órgão de cúpula
do Poder Judiciário brasileiro, a quem cabe proteger e concretizar o pacto federativo, já
se manifestou sobre o problema, pela pena do ex-Ministro Sepúlveda Pertence, ao
apreciar Ação Direita de Inconstitucionalidade contra Lei paulista que concedia
benefícios fiscais aos seus contribuintes sobre a alegação do tratamento igualitário, visto
que os contribuintes cariocas e capixabas já dispunham de tal benefício:
A peculiaridade do federalismo brasileiro levou, então, o constituinte federal
a fixar via lei complementar, um mínimo de consenso entre os Estados-
membros, relativamente ao ICMS, em ordem a preservar os interesses
recíprocos e nacionais e impedir a guerra fiscal entre as unidades federadas,
pois, o excesso de liberalidade na concessão de benefícios fiscais ou do
196
TORRES, Ricardo Lobo. Revista Internacional de Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 2, Del Rey,
2004, p. 118.
197
Conforme alertou Flávio Couto Bernardes: “O princípio da legalidade, base estrutural do sistema
constitucional tributário, não foi observado pelos Poderes Executivo e Judiciário no que concerne à
regulamentação do ICMS através dos Convênios editados pelo CONFAZ. Isto porque a Lei
Complementar n. 24/75, quando recepcionada pela Carta Magna vigente, teria obrigatoriamente que ser
adequada aos parâmetros da legalidade definidos na nova norma fundamental, ou seja, inadmissível que
as regras estipuladas pelos representantes do Poder Executivo pudessem ser aplicadas aos cidadãos sem a
prévia ratificação por parte do Poder Legislativo.” BERNARDES, Flávio Couto. Conflito de
Competência no ICMS: os Convênios o Princípio da Legalidade e Reforma tributária. In: SILVA, Paulo
Roberto. FONSECA, Maria Juliana. Tributação sobre o Consumo. São Paulo, Quartier Latin, 2008.
198
GODOI, Marciano Seabra. CARDOSO, Alessandro Mendes. FERREIRA FILHO, Fernando Guedes.
Federalismo Fiscal. In: GODOI, Marciano Seabra. Sistema Tributário Nacional da Jurisprudência do
STF. São Paulo: Dialética, 2002, p. 161.
199
MARTINS, Ives Gandra. Reforma Tributária - ICMS: Origem x Destino. Revista Internacional de
Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 2, 2004, p. 123.
7649
exercício da competência exonerativa do tributo, sob escusa do princípio da
territorialidade da lei tributária, ou da própria autonomia da unidade federada,
provocaria danosas consequências, passando ICMS, rompida com a
concessão isolada e unilateral desoneração tributária, a alteração introduzida
na legislação paulista afeta diretamente equilíbrio federativo desde o
momento em que passou a gerar eficácia, pois atua em prejuízo das empresas
situadas em outros Estados, circunstâncias essas que tornam de extrema
conveniência o provimento cautelar pleiteado.200
3. Princípios da Cobrança.
200
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
2377-2. Pleno. Min. Rel. Sepúlveda Pertence. Julgado em 22/02/2001. Disponível em: www.stf.jus.br.
Acesso em: 03/05/2009.
201
COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER A CERCA DA PEC 31-A DE
2007. Relatório da Comissão ao tratar da PEC 31-A que altera o sistema tributário nacional, unifica a
legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e Transporte
Intermunicipal e Interestadual e dá outras providências. p. 13.
Disponível :
http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias53/especial/pec03107/?searchterm=pec%2031-a.
Consulta em: 9 de setembro de 2009.
7650
Em regra, o tributo deve ser exigido pela organização política em cujo
território ocorreu o fato gerador202. Porém, na hipótese das operações interestaduais
sujeitas ao ICMS esse critério isolado se torna ineficiente, pois uma mesma
manifestação de capacidade contributiva abrange o território de mais de um Estado-
membro.203
Para permitir escolha legislativa racional, foram elaborados princípios que
disciplinam a competência do recolhimento do tributo incidente sobre as operações
interestaduais. É dizer, para que a mesma manifestação de riqueza não estivesse sujeita
a dupla tributação, foram construídos critérios que permitissem definir para qual Estado
seria recolhido o imposto. A esses critérios damos a denominação de Princípios da
cobrança na origem e no destino.
202
MOREIRA FILHO, Aristóteles. A “antecipação parcial” do ICMS nas operações interestaduais e a
crise do federalismo fiscal no Brasil: critério da origem VS. critério de destino na teoria e na prática da
tributação sobre valor agregado. In: CAMPILONGO, Paulo. ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 204.
203
RONZANI, Guilherme Della Garza. Princípios da Tributação na Origem e da Tributação no Destino
no Contexto da “Guerra Fiscal”. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra; BERNARDES, Flávio Couto;
FONSECA, Maria Juliana. Tributação sobre o consumo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 191.
7651
origem ela fica desimpedida das posteriores barreiras fiscais. Assim, a mercadoria pode
percorrer livremente todos os demais Estados até o momento do consumo.204
Se o produto é tributado na origem – e é desonerado no destino - não importa a
quantidade de Estados pelos quais a mercadoria percorre até o seu consumo, pois o
tributo já foi recolhido. Caso contrário, se o produto é tributado no destino, sempre que
ele cruza uma fronteira, surge a Administração Fazendária pronta para fiscalizar a
operação - muitas vezes inutilmente, pois o consumo e o recolhimento dar-se-ão em
outro Estado. Desse modo, o Princípio do destino abre oportunidade para que os
Estados instituam barreiras fiscais, como brilhantemente exemplifica Paulo de Pitta
Cunha:
Em França, por exemplo, foi instituído há anos um imposto de taxa muito elevada,
aplicável às transacções que tinham por objecto automóveis de alta potência. No
estabelecimento desse imposto, houve a preocupação de não prejudicar a indústria
automobilística francesa, que se dedicava à construção de veículos de potência
inferior. É óbvio que a aplicação de tal tributo aos automóveis importados, a título
de encargo compensatório, constituía um factor de protecção dos interesses
econômicos nacionais.205
No estudo desse caso, mesmo que a majoração do imposto não fosse incidente
sobre a mesma mercadoria ou exatamente sobre a mesma classe de produtos, o país do
destino - no exemplo, a França utilizou-se da competência tributária para instituir uma
barreira fiscal aos automóveis estrangeiros.
Com base nesse exemplo, devemos nos reportar à questão que é a força motriz
da discussão da tributação na origem ou no destino no âmbito nacional. Em verdade, a
PEC 31-A, ao propor um novo sistema de tributação das operações interestaduais, busca
um modelo que iniba a guerra fiscal no caso do ICMS.
Enquanto o modelo da tributação na origem é campo fértil para a utilização do
ICMS como instrumento de incentivo ao desenvolvimento do setor produtivo. O
modelo da tributação no destino possibilita a concessão de benefícios fiscais irregulares
como instrumento de fomento ao comércio regional.
Na primeira situação –sistema da origem- a mercadoria produzida em um
Estado e que seja objeto de incentivo fiscal em desacordo com o CONFAZ, pode
percorrer o mercado de todos os Estados-membros com preço menor, logo, com
vantagem clara na competitividade. Na segunda hipótese –sistema do destino- a
mercadoria objeto do incentivo irregular ficaria adstrita ao mercado do Estado infrator.
204
CUNHA, Paulo e Pitta. Aspectos Fiscais da Integração Economia Internacional. Lisboa: Editora
Lisboa, 1964, p. 64.
205
CUNHA, Paulo e Pitta. Aspectos Fiscais da Integração Economia Internacional. Lisboa: Editora
Lisboa, 1964, p. 40.
7652
Logo, o incentivo é de menor relevância e tem menor repercussão no interesse dos
demais Estados.
Embora reconheçamos o avanço, cabe aqui uma ressalva quanto à promessa de
solução da guerra fiscal entre os Estados-membros no âmbito do ICMS. Apesar da
veracidade do argumento supracitado, devemos esclarecer que no Princípio da Cobrança
no destino há a possibilidade da utilização irregular do tributo como meio de
intervenção na economia. Em sistema fiscal fundamentado na cobrança no Estado de
destino, a concessão irregular de benefícios fiscais não representa fomento à indústria,
porém fortalece diretamente o comércio regional com a criação de certa “zona franca”.
Assim, mesmo em sistemas baseados na cobrança no destino, é essencial a
harmonização das alíquotas como meio de evitar discrepâncias econômicas.
No sistema de IVA europeu, as chamadas operações intracomunitárias são
cobradas essencialmente no Estado do destino. Dessa maneira, as diretivas comunitárias
prevêem harmonização das alíquotas de todas as operações tributadas pelo IVA –
inclusive as internas – e determinam como órgão jurisdicional competente ao controle
do respeito a tais alíquotas o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias.206
Assim, podemos utilizar a experiência européia como base para afirmarmos
que, mesmo em um sistema regido pelo Princípio do destino, a prática da guerra fiscal
não é incomum.
Como indício deste posicionamento, registre-se o número de vezes que o
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias se manifestou sobre o desrespeito à
Harmonização de alíquotas do IVA. Desde 1995, segundo a indexação do próprio
tribunal, o TJCCE se manifestou 727 vezes sobre o desrespeito às alíquotas previstas
para o IVA.207
Mesmo com a consciência de que a indexação de tal jurisprudência seja por
vezes imprecisa, temos como indício que a aplicação do Princípio da cobrança no
destino não representará solução mágica e definitiva para as práticas irregulares dos
Estados-membros em sede do ICMS. No panorama nacional, o combate à guerra fiscal é
a verdadeira força-motriz da discussão das propostas dos regimes de cobrança do ICMS;
entretanto, acreditamos que, mesmo em sistema regido pela cobrança no destino, ainda
haveria espaço para a utilização irregular do tributo, embora com a eficiência limitada.
206
RAMIREZ, Salvador Gomez. El Impuesto sobre El Valor Añadido. Madri: Editorial Civitas S.A,
1994, p 27.
207
Pesquisa realizada no sítio do respectivo tribunal sobre os caracteres: harmonização, desrespeito, IVA.
Disponível em: HTTP//cúria.europa.eu//jurisp/HTML/text.htm
7653
A identidade regional entre o Estado recolhedor e o produtor ou prestador de
serviço constitui também superioridade técnica essencial. No Princípio do destino, a
Administração Fazendária se mostra vulnerável a simulações de operações
interestaduais que efetivamente constituem operações internas. Isto é, a circulação da
mercadoria é desonerada na origem a título de operação interestadual que deveria ser
tributada no destino, porém o contribuinte pratica irregularmente uma operação interna.
Assim, essa operação interna se realiza sem o recolhimento do respectivo imposto, uma
vez que é desonerada na origem e é consumida antes de chegar ao Estado de destino.208
Esta conseqüência jurídica é tão visível que mesmo os partidários da tributação
no destino reconhecem que alguma receita deve permanecer ao Estado de origem. O
próprio texto da PEC em questão prevê a parcela de 2% ao Estado de origem:
Art. 155-A. Compete conjuntamente aos Estados e ao Distrito Federal,
mediante instituição por lei complementar, o imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior.
§ 3o Relativamente a operações e prestações interestaduais, nos termos de lei
complementar:
I - o imposto pertencerá ao Estado de destino da mercadoria ou
serviço, salvo em relação à parcela de que trata o inciso II;
II - a parcela do imposto equivalente à incidência de dois por cento
sobre o valor da base de cálculo do imposto pertencerá ao Estado de origem da
mercadoria ou serviço, salvo nos casos de:
a) operações e prestações sujeitas a uma incidência inferior à
prevista neste inciso, hipótese na qual o imposto pertencerá integralmente ao
Estado de origem;
b) operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis
líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, hipótese na qual o
imposto pertencerá integralmente ao Estado de destino209
208
MOREIRA FILHO, Aristóteles. A “antecipação parcial” do ICMS nas operações interestaduais e a
crise do federalismo fiscal no Brasil: critério da origem VS. critério de destino na teoria e na prática da
tributação sobre valor agregado. In: CAMPILONGO, Paulo. ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 213.
209
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional 31- A. Altera o sistema tributário nacional e dá outras
providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Consulta em: 09 de setembro de 2009.
210
RONZANI, Guilherme Della Garza. Princípios da Tributação na Origem e da Tributação no Destino
no Contexto da “Guerra Fiscal”. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra; BERNARDES, Flávio Couto;
FONSECA, Maria Juliana. Tributação sobre o consumo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.199.
7654
Isso esclarece porque o Princípio do destino é o mais utilizado no comércio
internacional. O Estado-Nacional que desonera sua exportação deixa seus produtos e
serviços mais competitivos frente aos demais, e o Estado-Nacional que tributa suas
importações com o IVA ou ICMS garante a igualdade de condições entre o produto
nacional tributado e o estrangeiro.211
A tributação no destino é característica de mercados desintegrados, uma vez
que, sempre que a mercadoria atravessa a fronteira de um Estado, é necessário que
Administração Fazendária fiscalize a operação comercial. Nesse modelo de cobrança, as
mercadorias encontram recorrentes embaraços administrativos, o que dificulta a
eficiência das operações comerciais.
Conforme averbado, a principal justificativa para a atual discussão da alteração
do critério de arrecadação do ICMS em operações interestaduais é a necessidade de se
coibir a recorrente prática da guerra fiscal entre os Estados. No atual modelo de
tributação na origem, há ampla margem para a guerra fiscal porque a alíquota
interestadual é – em regra – de 12% e representa a maior parte da incidência do
imposto. Assim, como a guerra fiscal é levada á cabo por meio de distorções na
alíquota das operações interestaduais, quanto menor a parcela de recolhimento na
origem, menor será o impacto de eventual incentivo concedido. Logo, se o produto tem
benefício irregular concedido sobre a alíquota de 2%, que é a parcela pretendida pela
PEC, esse benefício é quase irrelevante frente ao que poderia ser dado sobre a alíquota
de 12%, que é a atual. Dessa maneira, diminuindo-se a parcela de recolhimento na
origem, reduz-se a amplitude para prática da guerra fiscal do ICMS.
Em qualquer reforma tributária, que não preveja aumento da carga dos tributos,
privilegia-se determinado Ente político em detrimento de outro. A discussão sobre a
mudança da tributação na origem para a tributação no destino é tão intensa porque
resulta essencialmente na redistribuição de receitas entre os Estados. De acordo com a
própria Comissão Especial formada para avaliar a PEC 31-A, esse seria um instrumento
211
“A primeira, mais utilizada, é a de optar pelo princípio da tributação exclusiva no Estado do destino,
solução própria dos mercados não integrados e aquela que se pratica no comércio internacional, em geral;
a segunda, que foi a solução brasileira, também adotada na Constituição de 1988 e única ajustada a um
mercado perfeitamente integrado, é a adoção do princípio da tributação única no Estado de origem
(embora, financeiramente, haja uma repartição entre um e outro Estado ou compensação). O que falta, em
nossa Constituição, é a previsão de uma técnica compensatória eficiente, que assegure ao Estado do
destino a restituição do imposto por ele suportado. Para isso, não são suficientes as alíquotas diferenciais
por região.” DERZI, Misabel Abreu Machado. Reforma Tributária, Federalismo e Estado Democrático de
Direito In: REZENDE, Condorcet. Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 443.
7655
de diminuição das desigualdades regionais212. Dessa maneira, os Estados
preponderantemente exportadores perderiam receitas em prol daqueles
preponderantemente importadores.
Desse modo, apesar da perda de eficiência do mercado interno, a medida
proposta pela PEC pode representar a emancipação econômica de alguns Estados-
membros. A melhor distribuição de receitas entre os Estados envolvidos é conseqüência
do princípio do destino reconhecida também pelo direito europeu, que, mesmo em
prejuízo da consolidação plena do Mercado Único Europeu, optou pela arrecadação no
destino em favor dos Estados-Nacionais menos desenvolvidos.213 É o que diz a
exposição de motivos da Lei Espanhola 37/1992 que estabelece o regime de IVA na
Espanha:
“La creación del Mercado interior, que iniciará su funcionamiento el día 1 de
enero de 1993, supone, entre otras consecuencias, la abolición de las
fronteras fiscales y la supresión de los controles en frontera, lo que exigiría
regular las operaciones intracomunitarias como las realizadas en el interior de
cada Estado, aplicando el principio de tributación en origen, es decir, con
repercusión del tributo de origen al adquiriente de deducción por éste de las
cuotas soportadas, según el mecanismo normal del impuesto. Sin embargo,
los problemas estructurales de algunos Estados miembros y las diferencias,
todavía importantes, de los tipos impositivos existentes en cada uno de ellos,
incluso después de la armonización, han determinado que el pleno
funcionamiento del Mercado interior, a efectos del Impuesto sobre el Valor
Añadido, sólo se alcance después de superada una fase previa definida por el
régimen transitorio. En el régimen transitorio, que tendrá, en principio, una
duración de cuatro años, se reconoce la supresión de fronteras fiscales, pero
se mantiene el principio de tributación en destino con carácter general214.”
212
COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER A CERCA DA PEC 31-A DE
2007. Relatório da Comissão ao tratar da PEC 31-A que altera o sistema tributário nacional, unifica a
legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e Transporte
Intermunicipal e Interestadual e dá outras providências. p. 13. Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/comissoes/temporarias53/especial/pec03107/?searchterm=pec%2031-a.
Consulta em: 9 de setembro de 2009.
213
FERREIRO, José Juan Lapatza. CLAVIJO Francisco Hernades. MARTIN, Juan Queralt. PEREZ,
Fernando Royo. TEJENIZO, Jose Manuel Lopez. Curso de Derecho Tributario. Madri: Marcial Pons,
1996, p 571.
214
ESPANHA, Lei 97/1992. Exposição de motivos da lei que institui o regime comunitário do Imposto
sobre o Valor Acrescentado na Espanha. Disponível em: http://vlex.com/vid/ley-diciembre-impuesto-
valor-152683. Consulta em: 06 de junho de 2009.
7656
A compreensão do modelo do Imposto sobre o Valor Acrescentado europeu é
de grande importância ao estudo da sistemática origem x destino na tributação indireta,
porque, ao contrário do modelo brasileiro de ICMS, o modelo europeu de IVA pretende
avançar para a tributação na origem. Assim, enquanto entre nós o ICMS é
preponderantemente cobrado na origem e as propostas são de exigi-lo no destino, na
Comunidade Européia, o IVA é cobrado no destino e as propostas são de instituí-lo na
origem.
Antes de falarmos propriamente na evolução histórica da tributação do IVA,
devemos lembrar que o debate entre a tributação na origem ou no destino nunca foi
desvinculado da questão da harmonização das alíquotas do IVA entre os países
europeus. Porém, como o objeto deste trabalho é a busca da compreensão dos
problemas advindos da dicotomia destino/origem, apenas levantaremos os aspectos
mais relevantes da evolução da harmonização de alíquotas.
Sendo sistema supranacional de tributação indireta, o IVA responde ao projeto
de integração de mercados. Esse projeto iniciou-se em 11 de abril de 1967 e continua na
pauta de prioridades da CEE. Ocorre que, em razão do desnível entre as economias
nacionais, o mercado europeu não se encontrava, de início, preparado para a tributação
na origem. Assim, foi proposto um modelo de IVA de aplicação gradual, tendo sido
estabelecida inicialmente a tributação no destino, para posteriormente se estabelecer a
tributação na origem.
Ao início da integração econômica, os mecanismos que possibilitariam o
exercício do direito à dedução do imposto já pago em outros estágios de produção ainda
não haviam sido efetivamente harmonizados. Em virtude da incidência em todas as
etapas de produção, a harmonização do direito à dedução e dos mecanismos de
aplicação do Princípio da Neutralidade é tão importante ao mercado quanto a própria
harmonização das alíquotas. Assim, são claros os motivos que incentivaram aqueles que
projetaram o modelo tributário do IVA a optar por uma fase transitória regida pelo
Princípio do destino: o desequilíbrio entre as economias dos Estados europeus e as
diferenças entre os sistemas tributários nacionais.215
Em 1977, por meio da Sexta Diretiva 77/388/CEE, o Conselho sofisticou a
harmonização no campo do IVA, adotando o modelo que melhor contemplava a
neutralidade concorrencial e estabeleceu regras quanto às isenções, aos sujeitos
215
NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 612.
7657
passivos, às operações tributáveis, aos regimes especiais e aos já referidos mecanismos
de dedução. Porém, os Estados conservaram a competência para fixação das alíquotas e,
via de consequência, o domínio da função arrecadatória do imposto. Nesse ponto, é
visível a dicotomia que sempre permeou a harmonização no cenário europeu, pois, se de
um lado apresenta-se o interesse comunitário e a necessidade de transpor barreiras e
divergências fiscais, de outro, tem-se a relutância dos Estados-membros em abrir mão
de sua autonomia em matéria fiscal.216
As propostas Cockfield de 1987 representam bem o receio dos Estados-
membros em abdicar de sua autonomia em matéria de alíquotas de IVA. As propostas
do então comissário Cockfield estipulavam tanto uma aproximação das alíquotas de
IVA – estipulando alíquota normal entre 14% e 30% por cento e a alíquota reduzida
entre 4% a 9% por cento – quanto a substituição do Princípio do destino pela tributação
na origem. Os Estados, entretanto, temerosos dos efeitos inflacionários ou preocupados
com a redistribuição e com a compensação de receitas, rejeitaram as propostas.217
Em 1989, apesar de tímidas, as propostas Scrivener possibilitaram uma
aproximação dos diversos sistemas nacionais de IVA, limitando-se a fixar como limite
mínimo a alíquota de 15% para a alíquota normal, não mencionando limites às alíquotas
máximas e permitindo a manutenção de alíquota zero. Além dessa aproximação das
alíquotas do imposto, as propostas de 1989 repunham a tributação no destino em certas
operações.218
A história da CEE mostra a relutância entre a autonomia dos Estados Nacionais
e a necessidade de integração. Ao tratar da matéria em sua obra, Aliomar Baleeiro cita
precisa decisão alemã que trata de um elemento próprio do sistema comunitário: a
tributação direta da renda gerada pela produção. Essa disposição, apesar de não se
aplicar ao sistema brasileiro, é de grande importância para a compreensão do sistema
IVA:
No princípio do Estado de destino, que está hoje em vigor na CE, apenas o
Estado do destino obtém receitas e o Estado de origem renuncia a uma
tributação de sua exportação. No princípio da comunidade (ou Estado de
origem), que deve valer em um mercado interno completamente integrado,
não só o Estado de destino, mas também o de origem obtêm receita, na
medida da mais valia produzida em seu território.
216
CUNHA, Paulo De Pitta. A Harmonização Fiscal Européia e o Sistema Fiscal Português. Lisboa:
Conferência, 1992. p. 26.
217
CUNHA, Paulo De Pitta. A Harmonização Fiscal Européia e o Sistema Fiscal Português. Lisboa:
Conferência, 1992. p. 26.
218
CUNHA, Paulo De Pitta. A Harmonização Fiscal Européia e o Sistema Fiscal Português. Lisboa:
Conferência, 1992. p. 26.
7658
De acordo com o ponto de vista da Comissão (CE) o imposto sobre a mais
valia comum, todavia, deve continuar a correr para o Estado do destino, por
razões político-administrativas. Um Estado preponderantemente exportador
não deve ficar em uma posição melhor frente à distribuição de receita até
agora aplicada, nem um Estado preponderantemente importador deve ser
colocado em posição pior.
As propostas da Comissão para a adoção do princípio do Estado de origem...
‘prevêem a necessidade de pagamentos de compensação posteriores do
Estado preponderantemente exportador ao Estado preponderantemente
importador. Os pagamentos não devem correr, todavia, de um Estado a outro,
segundo o ponto de vista da Comissão. Antes devem todos os Estados se
reportar a um Fundo de Compensação. Estados-Membros, que são
importadores líquidos, obteriam pagamentos do Fundo de Compensação e
Estados-Membros, que, como a República Federal Alemã, são exportadores
líquidos, fariam pagamentos ao Fundo de Compensação.219
O texto acima realça algumas diferenças substanciais entre o IVA europeu e o
ICMS nacional. Primeiramente, é fácil perceber que, no sistema comunitário, o IVA é
um imposto nacional regido por regras supranacionais.
Assim, quando falamos na opção pela tributação no destino ou na origem,
devemos nos lembrar de que os Estados Nacionais que tributam o IVA também são
aqueles que tributam a mais-valia gerada pela produção da mercadoria ou pela prestação
do serviço.
Isso justifica em parte a demora da CE em substituir os Princípios de
cobrança, pois se um Estado exportador perde receita pela tributação no destino,
continua a recolher os tributos diretos (imposto de renda, por exemplo) referentes à
relação de produção necessária à exportação.
No caso do ICMS, isso não acontece, uma vez que o responsável pelo
recolhimento do tributo incidente sobre os rendimentos é a União Federal. Nesse
enfoque, se aplicássemos o Princípio do destino ao ICMS, o prejuízo para os Estados
exportadores não teria essa compensação, uma vez que esses não recolhem o tributo
sobre a renda.
O caráter sui generis do modelo de ICMS permite que, apesar da tributação
preponderante se realizar na origem, o Estado consumidor continue recolhendo receitas
sem a necessidade de uma Câmara de compensação. Esse ponto é de notável
superioridade técnica em relação à proposta européia, uma vez que a desconfiança de
modelo que necessite de um Fundo de compensação é uma das barreiras à mudança na
modalidade de cobrança comunitária220.
219
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 443.
220
MARTINS, Ives Gandra. Revista Internacional de Direito Tributário: Associação Brasileira de
Direito Tributário. v 2. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004, p. 123.
7659
Devido às atipicidades e à especial relevância para esta pesquisa do modelo de
ICMS, vamos dedicar o próximo capítulo à descrição minuciosa do sistema de cobrança
do ICMS incidente sobre as operações interestaduais.
221
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Substitui a Constituição Federal de 1967.
7660
Assim, a alíquota interna deve ser sempre maior que a interestadual e a diferença
determina a arrecadação do Estado consumidor222.
Com base na Resolução Senatorial 22, de 19/05/1990, estabeleceram-se as
seguintes alíquotas para as operações interestaduais:
Art. 1 - A alíquota do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, nas operações e prestações interestaduais,
será de 12% (doze por cento).
Parágrafo único: Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e
Sudeste, destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do
Espírito Santo, as alíquotas serão:
I- Em 1989, 8%(oito por cento);
II- A partir de 1990, 7% (sete por cento).223
222
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. ed 11. Atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 445.
223
SENADO FEDERAL. Resolução Senatorial 22 de 19 de maio do ano de 1990. Determina as alíquotas
do ICMS incidente sobre as operações interestaduais e nas operações de exportação. Disponível
em:http://www.senado.gov.br/sf/.
224
Exceto o Estado do Espírito Santo.
7661
as alíquotas de acordo com a origem e com o destino da mercadoria, mantendo sempre a
distribuição das receitas.
Além da descrição do funcionamento da cobrança do ICMS nas operações
interestaduais, três situações especiais merecem atenção.
No estatuto constitucional do ICMS, as operações que envolvem petrolíferos
têm disposições específicas que determinam sistema diverso daquele aplicável às
demais mercadorias. Na situação específica dos petrolíferos, as operações interestaduais
são desoneradas de ICMS225. Assim, o Princípio celebrado é o do destino puro, uma vez
que o Estado consumidor recolhe o tributo integralmente de acordo com sua alíquota
interna para a mercadoria226.
Nas operações advindas ou destinadas exclusivamente ao comércio
internacional, opera-se a aplicação pura do Princípio do destino, a fim de permitir a
maior competitividade dos seus produtos e serviços, pois os Estados-Nacionais
desoneram os produtos e serviços exportados, e com o objetivo de proteger o mercado
interno, recolhem integralmente os tributos devidos pelas entradas das mercadorias e
serviços estrangeiros.
Por fim, de acordo com a atual dinâmica do ICMS, as operações interestaduais
que destinam mercadorias a não-contribuintes, são tributadas integralmente na origem.
Nessa situação, por motivos de política legislativa, temos a aplicação pura do Princípio
da origem.
Assim, nessas três situações é perceptível a utilização singular dos Princípios
de Cobrança, em detrimento da regular distribuição de receitas que compõem o sistema
misto do ICMS.
6. Alterações celebradas pela Proposta de Emenda Constitucional 31-A de
2007.
A autêntica redação da PEC 31-A decorre da primitiva PEC 233 de 2007, que
apenas com algumas correções resultou na proposta que é objeto de nosso estudo.
Assim, a PEC 31-A propõe diversas alterações no sistema tributário nacional,
constituindo-se em verdadeira reforma tributária. Analisaremos apenas as alterações
225
Confira-se a respeito em: COELHO, Sacha Navarro Calmon; DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito
Tributário Atual: Pareceres. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p 149.
226
Confira-se a respeito em: GODOI, Marciano Seabra. Questões Atuais do Direito Tributário na
Jurisprudência do STF. São Paulo: Editora Dialética, 2006. p. 14.
7662
pertinentes ao ICMS e, mais restritamente, as implicações nas operações interestaduais
sujeitas a esse imposto.
Inicialmente, devemos nos reportar á unificação da legislação incidente sobre o
ICMS. No sistema atual cada Estado, além do Distrito Federal, tem uma
regulamentação própria do tributo. Em seu artigo 155-A, § 5 o, a citada proposta,
institui:
§ 5o O imposto terá regulamentação única, sendo vedada a adoção de norma
estadual, ressalvadas as hipóteses previstas neste artigo.227
Dessa maneira, um dos objetivos claros da reforma é a regulamentação única
do tributo, como medida balizadora das diversas legislações tributárias estaduais, o que
certamente trará maior racionalidade ao sistema.
Esclarecida a evidente intenção da reforma de unificar a legislação do ICMS,
importa investigar as alterações específicas ao regime de tributação incidente sobre as
operações interestaduais.
A PEC 31-A estabelece uma progressiva diminuição das alíquotas
interestaduais incidentes sobre as operações interestaduais sujeitas ao ICMS. Neste
enfoque, a proposta é constituída por uma gradativa substituição da tributação incidente
na origem, por um sistema regido pelo Princípio do destino.
Assim, a Proposta aponta dois possíveis sistemas de distribuição das receitas.
O primeiro similar ao sistema atual, porém, com alíquotas de 2% ao Estado de origem e
o restante de competência do Estado de destino.228 O segundo sistema é inteiramente
novo e prevê o recolhimento completo na origem, com um posterior repasse das verbas
ao Estado de destino através de câmara de compensação entre os Estados.
§ 3o Relativamente a operações e prestações interestaduais, nos termos de lei
complementar:
I - o imposto pertencerá ao Estado de destino da mercadoria ou
serviço, salvo em relação à parcela de que trata o inciso II;
II - a parcela do imposto equivalente à incidência de dois por cento
sobre o valor da base de cálculo do imposto pertencerá ao Estado de origem da
mercadoria ou serviço, salvo nos casos de:
a) operações e prestações sujeitas a uma incidência inferior à
prevista neste inciso, hipótese na qual o imposto pertencerá integralmente ao
Estado de origem;
b) operações com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis
líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, hipótese na qual o
imposto pertencerá integralmente ao Estado de destino;
III - poderá ser estabelecida a exigência integral do imposto pelo
Estado de origem, hipótese na qual:
227
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional 31- A. Altera o sistema tributário nacional e dá outras
providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br
228
Salvo em casos específicos taxativamente previstos. PEC 31-A, art 155-A, § 3o, inciso II.
7663
a) o Estado de origem ficará obrigado a transferir o montante
equivalente ao valor do imposto de que trata o inciso I ao Estado de destino,
por meio de uma câmara de compensação entre as unidades federadas;
b) poderá ser estabelecida a destinação de um percentual da
arrecadação total do imposto do Estado à câmara de compensação para
liquidar as obrigações do Estado relativas a operações e prestações
interestaduais.229
229
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional 31- A. Altera o sistema tributário nacional e dá outras
providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br
7664
IV - fixar as formas e os prazos de recolhimento do imposto;
V - estabelecer critérios e procedimentos de controle e fiscalização
extraterritorial;
VI - exercer outras atribuições definidas em lei complementar.230
230
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional 31- A. Altera o sistema tributário nacional e dá outras
providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br
231
BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional 31- A. Altera o sistema tributário nacional e dá outras
providências. Disponível em: www.presidencia.gov.br
7665
Com base nesse cenário jurídico, a Secretaria de Estado da Fazenda de Minas
Gerais elaborou, por meio da Superintendência de Arrecadação e Informações Fiscais,
detalhado estudo a respeito dos efeitos arrecadatórios do novo modelo celebrado pela
PEC 31-A.
Esse trabalho estabelece prospecção da arrecadação mineira através das
diversas reduções das alíquotas nas operações interestaduais ao longo da fase de
implementação do sistema proposto. Assim, o estudo elaborado pela SAIF/SEF-MG
criou planilha explicativa dos efeitos da PEC aos 50 maiores setores da economia
mineira no exercício fiscal de 2007.
7666
de um Estado e se dirige diretamente ao consumidor final em outro Estado. Nessa
hipótese, caso o recolhimento passe ao destino, teríamos um ganho líquido de receitas
ao Estado de Minas Gerais, uma vez que, nessa modalidade específica de comércio o
Estado é um importador líquido. Logo, o resultado seria uma perda mais amena de
receitas ao longo da implementação do regime da PEC 31-A.
O gráfico 1 ilustra a projeção futura da evolução do superávit no recolhimento
das operações interestaduais ao Estado de Minas Gerais. Neste contexto, superávit é a
diferença entre o valor que o Estado deixa de recolher na operação interna por força de
créditos de outros Estados e o valor recolhido nas operações destinadas a outras
unidades federadas. Logo, de acordo com o gráfico, em 2007, houve superávit de R$
2.291.209.300,00. Ao fim da fase de implementação, com a consolidação definitiva da
alíquota interestadual em 2%, o superávit referente às operações interestaduais cai para
R$ 559.069.850,00. Ou seja, a perda real de receitas resulta em um impacto de R$
1.732.573.967,00.
8. Conclusões.
232
Note-se que a escala adotada pelo gráfico é de 1 bilhão, como unidade base.
7668
constitucional mais rigoroso ao ICMS, que seja capaz de amenizar que a influência de
interesses próprios de cada Estado sobrepuje a racionalidade do sistema.
Em contrapartida, envolta na discussão acerca dos meios jurídicos de defesa do
federalismo fiscal, estão propostas reformas profundas na distribuição de receitas dos
Estados. Apesar de estabelecer prazo de 12 anos para a aplicação da redistribuição plena
das receitas referentes às operações interestaduais, a PEC surtirá efeitos diretos e
imediatos nos cofres públicos estaduais. Exemplo claro é o caso mineiro, no qual o
Estado, apenas no primeiro ano da entrada em vigor do sistema da PEC, teria uma perda
real aproximada de R$ 490 milhões de reais.
Assim, o diagnóstico da magnitude da alteração do sistema proposto é visível
através das cifras do impacto do novo modelo ao erário dos Estados exportadores.
Dessa maneira, como a PEC 31-A dificulta que os Estados possam continuar
praticando posturas fiscais irregulares, entendemos que a contribuição dessa proposta é
inegável. Porém, acreditamos que para tanto não seria necessário remanejamento de
receitas tão agressivo.
9. Referências.
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