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DOSSIÊ: CONSCIÊNCIAS DO MUNDO — MARTIN HEIDEGGER E A ESSÊNCIA TÉCNICA 83

Martin Heidegger e a
essência da técnica

DULCE CRITELLI

Resumo the man’s rule in the universe was that of


the domain on the being: the world, all the
Há 2.400 anos a civilização ocidental things present and the man itself. A
começou a se constituir e modelar o seu domain that begins with the work of the
destino projetando-se sobre a crença de intellect to define the existent (Aristotle)
que o papel do homem no universo era o and that spreads the human act as a whole.
do domínio sobre o ente: o mundo, todas That tendency, since modernity, has a fuller
as coisas que nele se apresentam e o pró- expression and finishing in the technique.
prio homem. Um domínio que principia The essence of the technique is the essence
com o trabalho do intelecto em definir o and the destiny of the Occident.
existente (Aristóteles) e se alastra para todo Key-words: phenomenology-existential;
o agir humano. Essa tendência, desde a technical; epistemology; philosophy;
modernidade, tem sua mais plena expres- destiny historical.
são e acabamento na técnica. A essência
da técnica é a essência e o destino do Oci-
dente. Martin Heidegger, pensador con-
Palavras-chave: fenomenologia-existen- troverso quanto às posições políticas
cial; técnica; epistemologia; filosofia; des-
que lhe são atribuídas durante o regi-
tino histórico.
me nazista — ainda que ele próprio as
Abstract conteste em entrevista publicada na re-
vista Der Spiegel e, por um pedido seu,
The western civilization began, 2400 apenas após sua morte — lega-nos
years ago, to constitute and to model her muito mais do que essa polêmica.
destiny being projected on the faith that Quando conseguimos penetrar no âma-

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go do seu pensamento, percebemos a plexo instrumental, estaremos longe do


incongruência das tentativas feitas em pensamento heideggeriano. A técnica,
ligar sua filosofia ao nazismo ou a qual- em companhia da ciência, da alocação
quer tendência totalitária. da arte no campo da estética, da trans-
Heidegger é um pensador contro- formação do fazer humano em cultura
verso sim, mas no interior mesmo da e da desdivinização da existência, é um
filosofia e ante a tradição do pensar que fenômeno em que se expressa um mo-
se estabeleceu no Ocidente. Por isso do-de-ser da nossa ocidentalidade, sua
mesmo, mais do que pelo estilo do ra- tendência fundamental.1
ciocínio e dos conceitos que cria, é um A técnica é, essencialmente, uma
filósofo de difícil leitura e compreensão. modificação sui generis do fazer ou do
Imersos e instruídos por essa tradição, agir humano. Nas palavras do filósofo:
a que ele chama de metafísica, de parti-
da estamos impossibilitados de ver a Se pensarmos a técnica a partir da pa-
lavra grega téchne e de seu contexto, téc-
partir de um ângulo diferente daquele
nica significa: ter conhecimentos na pro-
do nosso hábito. Ainda mais quando
dução. Téchne designa uma modalida-
esse hábito tem a solidez de 2.400 anos de de saber. Produzir quer dizer: con-
e o peso de uma decisão histórica. duzir à sua manifestação, tornar acessí-
Visto dessa perspectiva, portanto, vel e disponível algo que, antes disso,
o pensamento de Heidegger não se ainda não estava aí como presente. Este
apresenta a nossa atualidade com a produzir, vale dizer o elemento próprio
força de uma determinação nem como da técnica, realiza-se de maneira singu-
a prescrição de caminho bem delinea- lar, em meio o Ocidente europeu, atra-
do. Mais parece ter o estatuto de um vés do desenvolvimento das modernas
ciências matemáticas da natureza. Seu
testamento. E entre os bens nele arro-
traço básico é o elemento técnico, que
lados quero destacar a descoberta da pela primeira vez apareceu, em sua for-
vocação técnica do Ocidente, a aber- ma nova e própria, através da física mo-
tura de um caminho inaudito para o derna. Pela técnica moderna é descerra-
pensamento ocidental e a projeção de da a energia oculta na natureza, o que
uma nova ética. se descerra é transformado, o que se
transforma é reforçado, o que se reforça
Sobre a vocação técnica do Ocidente é armazenado, o que se armazena é dis-
tribuído. As maneiras pelas quais a ener-
gia da natureza é assegurada são con-
É da chamada segunda fase do pen-
troladas. O controle, por sua vez, tam-
samento de Heidegger o desocultamen-
bém deve ser assegurado.2
to da essência da técnica moderna e do
seu reconhecimento como a vocação do 1. Cf. HEIDEGGER, M. (1979), “A época da ima-
Ocidente, em especial moderno e con- gem do mundo”. In Sendas Perdidas. Trad. José
temporâneo. Rovira Armengol. 3ª ed. Buenos Aires, Losada.
Se quisermos pensar a técnica como 2. Idem. (1972), “Uma Carta”. In: O Fim da Filo-
sofia ou a Questão do Pensamento. Trad. Ernildo
um conjunto de aparelhos ou um com- Stein, São Paulo, Duas Cidades.

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É dentro desse movimento que po- dição primordial de floresta e se res-


demos entender, por exemplo, a pro- tringe a ser reserva de madeira para a
dução da energia hidroelétrica. Primei- indústria; as plantas ficam disponibi-
ro há o desocultamento da energia na lizadas como reserva para a produção
força da queda d’água, depois isola- de remédios; os rios tornam-se reser-
mos e apanhamos essa energia trans- vas para o uso das hidroelétricas e a
formando-a, trabalho realizado pelas produção de energia, e assim por
usinas. Em seguida, reforçamos seu diante.3
potencial e a armazenamos, para en- Essa tendência técnica começou já
tão, através da construção de redes, na Antigüidade, com Platão e Aristóte-
distribuí-la para os seus diversos usos. les. Esclarecer essa indicação nos obri-
Todo esse processo exige um assegu- ga a voltar às questões primárias e pri-
ramento, isto é, a certificação de que mordiais da filosofia: as interpretações
poderá ser sustentado e repetido sem- de ente e ser.
pre que necessário. O que garante o Tudo o que tem manifestação, con-
asseguramento do processo é o pensa- creta e tangível, ou abstrata, incorpórea,
mento que calcula as possibilidades de virtual é ente. Não há discordâncias so-
sua realização, e que é do domínio do que bre isto no pensamento filosófico, mas,
Heidegger chama ciências matemáticas da no que se refere ao ser, as posições di-
natureza, através da física moderna. vergem e, em verdade, é exatamente es-
Tal processo produtivo não se cir- sa discussão que acaba por constituir a
cunscreve à interferência nos processos Filosofia.
da natureza, mas se alastra a todo agir Segundo Heidegger, desde Platão e
humano e de tal sorte que essa interfe- Aristóteles teve início uma época no
rência requisita e propõe todos os nos- Ocidente cuja tendência foi a de demar-
sos saberes, produções e comporta- car e firmar um acordo tácito sobre uma
mentos. O modo de agir (ou ser, no interpretação a respeito do ser: que o
caso) do homem ocidental tornou-se ser é a noção, o juízo, o conceito do ente.4
técnico. Trata-se de uma orientação de Desde então, ser é tomado e tratado
conduta que aplicamos a cada gesto e como uma idéia dos entes, de sua iden-
em relação a tudo. É esse o único modo tidade, portanto, sua definição. Mas de-
que entendemos ser possível no trato finição que é construída através de um
de nossa existência e do que quer que método (indução e dedução) e compro-
nela se apresente. vada logicamente (as provas da iden-
Como olhamos para o mundo e para tidade, da não-contradição e do ter-
o existir desde essa ótica técnica, tudo ceiro excluído). Portanto, uma defini-
o que faz parte do mundo fica subor-
dinado a ela. Os elementos naturais,
3. Cf . HEIDEGGER, M. (2002), “A questão da
por exemplo, ficam compreendidos e técnica”. In Ensaios e Conferências. Trad. Emma-
disponibilizados para esse tipo de agir. nuel Carneiro Leão e outros, Petrópolis, Vozes.
Assim, uma floresta perde a sua con- 4. Veja Aristóteles, Livro X da Metafísica.

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ção, ou juízo, produzida cientificamen- real. Em outras palavras, o real é a


te. É também desde então que ciência idéia do real.
quer significar um procedimento atra- A representação calculadora, por-
vés do qual se assegura a veracidade tanto, não olha para o real a partir dele
de uma idéia ou conceito.5 mesmo, mas das possibilidades repre-
Tal delimitação do ser como juízo e sentativas da razão. Olha para a lente
a postulação de certa metodologia para com que se deve olhar para o real e, en-
sua produção é reafirmada e ampliada tão, requisita o real a partir dela. Ao
na Idade Moderna, inicialmente com ajustá-lo à medida da lente, a represen-
Descartes. Com ele, o juízo ou a defini- tação calculadora realiza uma certa pro-
ção do ente (o ser) ganha uma restrição. vocação (pró-vocação) do real. Ela o
O que importa ao pensar é a mensu- convoca a mostrar-se sempre da mes-
ração e o cálculo do ente, única manei- ma maneira. Lança o real diante de si
ra de se garantir e assegurar sua mani- como objeto dessa provocação repre-
festação. O pensamento, através do Có- sentativa. Assim, opera em relação ao
gito ou Razão, certifica-se do ente. O real um controle sobre sua possibilida-
método inicialmente apresentado por de de manifestação.
Aristóteles para se obter o conceito dos
entes e que se voltava para a obtenção Em toda parte impera a interpelação
provocadora, asseguradora e calcula-
de sua essência ou substância é altera-
dora. Vieram já os tempos em que a pro-
do desde a modernidade em favor da
dução de energias se estendeu até a
observação, classificação, generaliza- fabricação de elementos e materiais que
ção, previsão e controle dos entes — nem ocorrem na própria natureza.6
obras do cálculo da Razão. O que pu-
der ser apreendido por esse processo A esse poder de interpelação pro-
metodológico é então reconhecido co- dutora está subordinado tudo o que é
mo real. e pode ser: o existir diário dos homens,
Ora, o que resulta de tal processo as ciências, a indústria e a economia. Ele
calculador é outra coisa do que a pre- obriga a uma equalização de todos os
tendida definição ou conceito que se pontos de nosso universo, obriga a uma
requisitava na Antiguidade grega. O civilização planetária (vale, aqui, uma
resultado desse novo processo é o que referência à globalização como uma for-
Heidegger identifica como a represen- ma de sua expressão).
tação do ente. Representação é a re- O que Heidegger compreende como
criação do real na medida do cálculo sendo a essência da técnica moderna,
da razão. O real é a reconstrução cal- como estamos vendo, confunde-se com
culadora do real: re-presentação do a essência mesma de nossa ocidenta-
lidade. Especialmente porque ela não
5. Veja-se também sobre o assunto CRITELLI,
Dulce Mara. (1996), Analítica do sentido, São 6. HEIDEGGER, M. (1972), “Uma Carta”,
Paulo, Brasiliense/Educ. op. cit. p. 14.

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é apenas um modo de pensar, mas um madeira “é” um pé de mesa, um calço,


modo de ser que nos caracteriza en- uma arma...), como nosso próprio des-
quanto civilização. A humanidade do tino, cuja determinação é sempre im-
homem, que na modernidade se esta- possível. O ser se faz, mostra-se, re-
beleceu sobre a razão calculadora, se vela-se, torna-se disponível nos entes
amplia e sobrepuja na figura da técni- mas se recolhe.
ca. É o agir técnico que dá ao homem, Num exemplo do próprio Heidegger,7
hoje, sua essência. quando tomamos nas mãos um pedaço
Para esse modo de ser viemos nos de giz, o que seguramos é uma massa
entregando desde há muito, à medida branca, quebradiça, etc. Seu ser (ser
que o viemos reconhecendo como a giz) se dá quando o usamos e não quan-
única e mais verdadeira possibilidade do falamos dele e o queremos definir.
de cuidar de nosso ser-no-mundo. Pro- E o mais interessante, exatamente
curamos o domínio sobre o ente. Vie- quando o giz “é” propriamente giz, em
mos constituindo a técnica como nosso uso, é nesse momento que ele vai dei-
modo de existir e lançando-a à nossa xando de ser. Nesse consumir-se do giz
frente, conseqüentemente, como nosso é que o giz é giz. Aí ele vai resvalando
destino. Há, portanto, um trajeto histó- para o Nada, mas insistindo em seu ser.
rico que vimos percorrendo, em que nos E quando esse pedaço de giz acabar,
enredamos como num círculo vicioso. onde estará o ser giz? E quando esse
Somos impelidos pela técnica que lan- giz não estiver à minha frente disponí-
çamos diante de nós como nossa requi- vel como essa coisa com que escrevo,
sição e única possibilidade. mas eu usá-lo como massa para fechar
um buraco na parede? Ou quando usá-
Sobre o destino do Ocidente lo como um dardo que atiro em alguém
para chamar sua atenção? O ente giz
Segundo Heidegger, o que vimos continua aí, mas seu ser, suas possibili-
esquecendo nessa caminhada histórica dades de ser se transmutam, somem,
foi o ser. A técnica nada mais é do que alternam-se.
a reificação do ente e a retificação inin- Com essa condição do ser de esva-
terrupta do primado do seu domínio. ir-se, a técnica moderna não sabe nem
Quando aceitamos, numa decisão histo- pode lidar. Se pudesse, se para esse
rial, que o ser corresponderia ao con- movimento de velamento-desvelamen-
ceito sobre o ente, igualamos ser e ente. to do ser (aléthèa) o Ocidente tivesse
Esquecemo-nos que o ser é tudo: o que olhos, se se voltasse para ele com efe-
falamos, o que projetamos, o que cui- tivo interesse, não teríamos experimen-
damos, mas sua consistência é a de um tado, por exemplo, na esfera da políti-
vapor, como dizia Nietzsche. O ser é
tanto as possibilidades de serventia que 7. HEIDEGGER, M. (1969), Introdução à meta-
descobrimos nos entes (um pedaço de física, trad. Emmanuel Carneiro Leão, Rio de Ja-
neiro, Tempo Brasileiro, cap. I.

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ca, nenhum regime totalitário, cuja pos- fora do círculo vicioso da interpela-
sibilidade não passou, mas nos ameaça ção produtora.
desde a sua primeira ocorrência. Todavia, de onde viria essa possi-
O que Heidegger quer nos dizer é bilidade de abandono e entrega? Essa
que o ser é sempre as possibilidades possibilidade de transcendência? Cer-
que descobrimos nos entes e que nos tamente, não de dentro desse círculo
empenhamos por realizar. Possibilida- fechado do Ocidente e que se constituiu
des às quais damos realidade quando em sua essência. Certamente, não do
as empreendemos. Descobrimos as pos- apelo do mesmo. Seria preciso que pu-
sibilidades de energia nas quedas déssemos ouvir um outro chamado que
d’água e empreendemos sua possibili- não esse que brota do hábito do contro-
dade de presentificação e uso. Ou des- le, da representação controladora, da
cobrimos uma forma num bloco de interpelação produtora. Ouvir esse ou-
mármore e o esculpimos para que ela tro chamado implicaria que pudésse-
se torne presente como uma obra. Ou mos estar livres desse hábito, desgar-
percebemos que um filho tem um ta- rados dele. Ouvir outro chamado e des-
lento musical e oferecemos a ele todas cobrir outra possibilidade para nosso
as condições para que se torne um destino histórico, outra possibilidade
músico... Heidegger quer nos dizer que para cuidarmos do ser exige uma pas-
o ser é o possível do mundo e de nós sagem pelo silêncio. Exige uma parada
mesmos, mas um possível entregue aos no vazio, onde se possam esmorecer as
nossos cuidados e sob nossa responsa- determinações, os vícios da técnica, as
bilidade. explicações da ciência... Ouvir um ou-
Cuidar do ser é, então, cuidarmos tro chamado significa tampar os ouvi-
da nossa própria destinação histórica: dos para o mesmo, para o que já se sabe.
como os indivíduos exclusivos que cada Ficar em silêncio. E o silêncio é passa-
um de nós é, mas ao mesmo tempo em gem. Tempo de esvaziamento e dispo-
conjunto, pois a humanidade não nos é nibilidade para a nova palavra, para a
dada apenas no singular, mas também nova luz, para o novo apelo.
no plural; não existimos, co-existimos. O novo caminho para o Ocidente é
Como bem o explicita Hannah Arendt, a abertura para o que lhe é inaudito e
não é o Homem, mas são os homens que desconhecido. Especificar esse inaudi-
habitam a Terra.8 to é impossível, exatamente por ele ser
O caminho inaudito para o Ociden- inaudito. Por isso o gosto e o cheiro de
te está no abandono decisivo do do- aventura que exala.
mínio sobre o ente e a entrega ao ser
em seu poder-ser. Está no salto para Enfim, sobre a nova ética...

8. Cf. ARENDT, Hannah. (1993), A Vida do Espí-


Abrir-se para o inaudito, dissemos,
rito, trad. Antonio Abranches e outros, 2ª ed, Rio exige entrar e permanecer no vazio si-
de Janeiro, Relume Dumará. lencioso que o antecede e prepara seu

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advento. Exige entrar nesse lugar onde apenas se devemos criar e fazer isto
nada nos é dado nem nada está pron- ou aquilo. Se devemos assinar tratados
to. Pisar no chão do inseguro. Arcar desta ou daquela natureza, mas diz res-
com o gesto não codificado, com a de- peito à decisão pela nossa humanida-
cisão não autorizada, com o resultado de: que não nos tomem mais das mãos
desejado sempre em aberto, com o fim a possibilidade da autoria de nossa
às escuras. destinação histórica. Que não nos en-
A interpelação produtora da técni- ganemos mais que comandamos quan-
ca é sempre determinante do nosso agir, do estamos sendo comandados, espe-
pensar e conduzir. A interpelação da cialmente pelas nossas próprias ilusões
técnica nos substitui em nossas decisões sobre quem somos e o que podemos.
e ações. Substitui-nos em nossa respon- A nova ética diz respeito à redes-
sabilidade, uma vez que ela nos ofere- coberta do lugar do homem no univer-
ce tudo já previamente delimitado. so. Mas está por se fazer. E é isto, justa-
Substitui-nos naquilo que mais nos ca- mente, que torna o pensamento de
racteriza em nossa humanidade, segun- Heidegger uma espécie de testamento:
do Heidegger, que é o sermos “pasto- juntamente com as descobertas que nos
res do ser”,9 cuidadores do ser.10 lega, repõe-nos na liberdade de deci-
Como a técnica estipula o modo do dirmos o que fazer com elas.
cuidar, ela nos rouba nossa condição:
cuida por nós. A abertura ao inaudito,
a passagem pelo silêncio, a ausência de
referências do novo possível significam,
em última instância, a reintegração da
mais essencial determinação do nosso
ser, a reintegração da posse de nós mes-
mos, da nossa condição de encarrega-
dos pelo ser. Que a técnica nos auxilie, Recebido em 19/3/2002
mas não nos retire de nós mesmos. Aprovado em 30/10/2002
A nova ética é essa da decisão e do
encargo por si mesmo, ou seja, pela res-
ponsabilidade do cuidar de nosso des-
tino histórico.
Decisão fundamental, que não diz

9. Cf. HEIDEGGER, M. (1967), Carta sobre o


Humanismo, trad. Emmanuel Carneiro Leão, Rio
de Janeiro, Tempo Brasileiro.
10. Cf. HEIDEGGER, M. (1974), El Ser y el Dulce Critelli, professora doutora do Departa-
Tiempo, trad. José Gaos, 5ª ed. México, Fondo de mento de Filosofia da PUC-SP.
Cultura Económica. E-mail: dmcritelli@ig.com.br

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