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Elementos para uma crítica

da cultura pós-moderna
João Emanuel Evangelista*

Neste final de século, a vida societária tem sido Aqui, pretendemos tematizar parcialmente esse
abalada por uma complexa combinação de crises e fenômeno, procurando restabelecer teoricamente
transformações sociais profundas, desencadeando algumas das conexões existentes entre a atual
processos sociais originais que têm desafiado a sua “cultura pós-moderna”, que se firma cada vez mais
explicação pelas ciências sociais. Diante das enormes como elemento central em nossa dinâmica cultural,
dificuldades teóricas postas pela contemporaneidade, e os dilemas vividos pelos indivíduos nos seus
há uma forte tendência a um questionamento esforços para se afirmarem como sujeitos no âmbito
rigoroso e, na maioria das vezes, “impiedoso” da de suas relações sociais. Para tanto, as noções de
tradição teórica constituída em torno dos grandes alienação, fetichismo e reificação são fundamentais, pois
modelos explicativos “clássicos”, até bem pouco nos permitem, consecutivamente, desvendar os
vigentes nas ciências sociais, derivados das for- processos constitutivos do ser social capitalista,
mulações de Marx, Durkheim e Weber. Chega-se, nucleados pela universalização da forma mercadoria
inclusive, em diagnóstico peremptório, a lhes im- por todas as esferas da organização social, e
putar a existência de uma “crise de paradigmas”, na esclarecer alguns dos mecanismos socioculturais que
qual sua capacidade elucidativa estaria irremedia- operam na modelagem da subjetividade humana
velmente comprometida por assentarem suas numa sociedade burguesa.
premissas em categorias mentais típicas do século
XIX, que exigiria uma modalidade radicalmente CULTURA PÓS-MODERNA
nova de teorização social.
Nas últimas décadas tem havido um enorme e
É inegável que são muitos os enigmas que
diversificado esforço intelectual de reflexão sobre a
emanaram do desenvolvimento histórico da socia-
natureza, as características e as implicações dos
bilidade humana contemporânea e que é igualmente
fenômenos e das transformações que se processam
premente a sua decifração intelectual. Dentre as
no âmbito das sociedades humanas. Nessa discussão,
múltiplas problemáticas, destaca-se a questão da
a noção de que essas mudanças e os novos
constituição da individualidade, num processo de
problemas vividos pela humanidade significam ou
entrecruzamento relacional das dimensões sociais e
indicam uma situação histórica sem precedentes,
psíquicas e dos condicionantes objetivos e subjetivos
configurando a própria “crise da modernidade”,
que estão presentes na formação histórica do indi-
tornou-se praticamente um lugar-comum. Houve
víduo e sua passagem à condição de sujeito na
um “envelhecimento” da era moderna e a “crise da
sociedade capitalista. Para essa análise, a esfera da
modernidade” é uma constatação consensual e ponto
cultura apresenta a maior relevância e possui uma
de partida para análises com diagnósticos extre-
importância decisiva no seu deslindamento.
mamente diferenciados, feitas a partir de perspec-
tivas teóricas e ideológicas muito heterogêneas.
A chamada “crise da modernidade” tem sido
* Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte), autor do objeto de ampla discussão que está documentada
livro Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno (São Paulo: em extensa bibliografia publicada de uns anos para
Cortez, 1992). Atualmente é doutorando na ECA-USP. cá. Na grande maioria das vezes, a modernidade é

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entendida como um fenômeno que é a expressão de um conjunto
abrangente de natureza cultural de transformações econômicas,
que tem caracterizado o conjunto sociais e políticas, produzindo
da vida intelectual a partir do uma mudança qualitativa nas
final do século XVIII e continua, instituições da sociedade mo-
de alguma forma, a vigorar até derna. Assim, o pensamento pós-
nossos dias. Numa operação moderno significaria, simultanea-
simultânea, a modernidade apa- mente, uma crítica e uma ruptura
rece desvinculada da emergência com a modernidade, com im-
e afirmação do sistema capitalista plicações que atingem desde a
e, logo, as mazelas do capitalismo vida cotidiana até a produção do
são obliteradas e suas manifes- conhecimento social.
tações ideológico-culturais são
As mudanças experimentadas
atribuídas vagamente à moder-
pelas sociedades contemporâneas,
nidade. Os problemas e as con-
Jean-François Lyotard
nos últimos tempos, alteraram as
tradições da moderna sociedade
formas como os homens sentem
burguesa são atribuídos à moder-
e representam para si mesmos o
nidade e tratados como se não tivessem nenhuma
mundo onde vivem. Há uma enorme dificuldade
relação com a sua lógica capitalista. Assim, pode-se
de sentir e representar o mundo contemporâneo,
perfeitamente propor a “superação” da modernidade
pois a sensação vigente é de irrealidade, de vazio e
sem quaisquer rupturas com a ordem social burguesa
de confusão. A capacidade de representação da
e abre-se o caminho para a veiculação de um pensa-
mento “transgressor” que razão humana estaria se esvaziando progressiva-
não questiona seriamente a mente. Estaríamos diante do predomínio de um
vigência globalizada da lógica princípio esvaziador que atuaria em todas as esferas
Assim, o pensamento do capital, mas, ao contrário, do mundo e da sociedade moderna, envolvendo suas
parece-lhe altamente fun- instituições e suas formas simbólicas e imaginárias.
pós-moderno significaria,
cional. Assim, por exemplo, estariam se processando a
simultaneamente, uma crítica desreferencialização do real, a desmaterialização da
Entre essas perspectivas economia, a desestetização da arte, a desconstrução
e uma ruptura com a destaca-se o pensamento da filosofia, a despolitização da sociedade e a dessubs-
modernidade, com implicações pós-moderno, que surgiu na tancialização do sujeito.1 Ou seja, tudo o que existe
década de 70 nos países estaria marcado pela efemeridade, pela fragmen-
que atingem desde a vida capitalistas industrializados, tação, pelo descentramento, pela indeterminação,
cotidiana até a produção do inicialmente dirigido à tema- pela descontinuidade, pelo ecletismo das diferenças
tização das questões estéticas e pelo caos paradoxal.2
conhecimento social. e arquitetônicas, tendo,
desde então, uma crescente O cotidiano constitui o espaço onde se en-
difusão e repercussão no contram condensados os traços definidores da pós-
mundo da cultura e incidindo amplamente na modernidade. Atualmente, a nossa cotidianidade está
atravessada pela individualização, pelo consumismo
elaboração da teoria social e na reflexão filosófica.
e pelo predomínio da informação. Através da
Como o próprio termo sugere, o pensamento pós-
publicidade, que invadiu todas as brechas da vida
moderno se afirma como expressão intelectual de
do homem – no trabalho, na escola, no lazer, nas
uma suposta nova ordem societária que se estaria
ruas, nos transportes ou em casa –, ocorreu a este-
formando em contraposição à modernidade em
tização dos objetos de consumo e a erotização e a
crise. O pensamento pós-moderno é a expressão
personalização das mercadorias. As vitrines e o vídeo
teórica e cultural de uma nova situação sócio-
passaram a ser dimensões indispensáveis para
histórica: a condição pós-moderna.
existência de todas as coisas do mundo. A realidade
O pensamento pós-moderno instauraria uma social se desmaterializou e passou a ser o domínio
nova modalidade de “racionalidade” e de cultura, do signo, que transformou o cotidiano na vivência

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imediata de simulacros, instaurando-se a hiper- mercadorias em geral, onde a inovação e a experi-
realidade pela generalização da informação na mentação estéticas passaram a ter uma função
sociedade informatizada de massas. estrutural essencial diante da
Para Lyotard, a sociedade pós-moderna se con- necessidade frenética de
figura como uma nebulosa de “jogos de linguagem” produzir uma infinidade de A produção cultural foi
que tecem os vínculos sociais. Os sujeitos sociais novos bens com uma apa-
rência cada vez mais nova. assimilada pela produção de
dissolvem-se pela atomização do social em redes
flexíveis de jogos de linguagem heteromórficos, que A cultura, mais do que mercadorias em geral, onde a
se disseminam e que não podem ser disciplinados nunca, passou a ser uma
esfera central do processo inovação e a experimentação
por regras gerais. A realização diferenciada e
de reprodução social, inva-
heterogênea de jogos de linguagem cria instituições estéticas passaram a ter uma
sociais “em pedaços”, de onde emanam regras de dindo e recobrindo todos os
enunciação que definem o que pode ser dito e como espaços da sociabilidade. função estrutural essencial
pode ser dito. Porém, esses poderes institucionais, Com a pós-modernidade, há
diante da necessidade frenética
dispersos em nuvens de elementos narrativos, não “a transformação da cultura
estabelecem limites absolutos, pois essas regras de em economia e da economia de produzir uma infinidade de
enunciação são mutáveis e flexíveis. A sociedade, assim, em cultura. É uma imensa
‘desdiferenciação’ […], na novos bens com uma aparência
teria se transformado num conjunto descentrado e
pluralista de redes de enunciado de diferentes tipos.3 qual as antigas fronteiras cada vez mais nova. A cultura,
entre a produção econômica
Numa perspectiva distinta, mas complementar e a vida cultural estão desa- mais do que nunca, passou a
a essa, Baudrillard afirma que a comunicação de parecendo”.5 ser uma esfera central do
massa, que caracteriza a sociedade contemporânea,
ao autonomizar a produção de signos em relação a A expansão do capital processo de reprodução social,
qualquer referente concreto, transformou a realidade não somente “atingiu” a
dimensão cultural, mas as invadindo e recobrindo todos os
em simulacro: um mundo artificial que substitui o
mundo real. Isso ocorre através da produção de signos imagens, as representações e espaços da sociabilidade.
que tentam ser mais reais do que a própria realidade, as formas culturais se tor-
gerando-se uma hiper-realidade. As novas tecnologias e naram uma área de atuação
processos comunicativos terminam produzindo fundamental do mercado
linguagem e signos que são auto-referentes. Haveria capitalista. Os componentes da esfera cultural foram
um esvaziamento da realidade material com a convertidos plenamente em mercadorias. Com a
emancipação dos signos que produzem uma realidade expansão das novas tecnologias informacionais, a
aparente como puro simulacro. Como exemplo produção e a circulação de informação passaram a
acabado disso, a publicidade atuaria como um jogo ser uma das mercadorias mais importantes no
sobre si mesma, deixando de existir diálogo entre o capitalismo tardio ou multinacional. Assim, os
emissor e o receptor, que são as massas inertes, conflitos e as contradições, antes relacionados
fascinadas com o poder da comunicação. Assim, as principalmente à produção material, espalham-se e
mercadorias perdem sua materialidade e seu valor invadem também a produção cultural. E tudo isso
de uso e só adquirem sentido através da publicidade, se faz acompanhar de uma profunda mudança nos
que faz da imagem um simulacro da mercadoria. A hábitos e atitudes de consumo e nas relações
comunicação de massa transferiria a vivência no real intersubjetivas que ocorrem no mundo cotidiano.6
para a vivência no signo. Portanto, a cultura pós-
É ainda Jameson que nos apresenta a cultura pós-
moderna seria a cultura do simulacro.4
moderna a partir de alguns traços constitutivos que
Entretanto, para Jameson – em uma instigante lhes seriam peculiares.7 O pós-modernismo inaugura
abordagem teórica que supera certos limites da uma nova superficialidade, onde o mundo objetivo é
análise frankfurtiana da indústria cultural, mesmo convertido em um conjunto de textos e simulacros, e
tendo-a como premissa – o pós-modernismo significa as coisas são reduzidas à imagem de suas superfícies
a lógica cultural do capitalismo avançado ou tardio. A externas. Há, também, um enfraquecimento da historicidade,
produção cultural foi assimilada pela produção de em que o passado é tomado como uma vasta coleção

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de imagens aleatórias, que são e objeto, que sempre têm uma
combinadas de múltiplas formas definição relacional recíproca.
a partir do presente. Essa presen- Os sujeitos são apartados dos
tificação do passado e do futuro objetos, que se autonomizam
funda um discurso “esquizo- diante dos sujeitos, invertendo-
frênico” sobre a história. Assim, se a condição ativa e particular
não por acaso, no pós-moder- dos elementos desse processo
nismo, as categorias espaciais e instaurando-se a subordinação
substituem as categorias tem- dos sujeitos aos objetos. Os
porais, cuja dominância são uma sujeitos, possuidores de capa-
das maiores características do mo- cidade volitiva e atividade cria-
dernismo. Surge, outrossim, uma dora, perdem o controle sobre
nova experiência do espaço, em que a si mesmos e sobre os produtos
configuração de um hiperespaço, Fredric Jameson de sua atividade. Assim, os
com a constituição de redes homens são, literalmente, rebai-
mundiais de comunicação, possibilitadas pela xados de sua condição de sujeitos à condição de
descoberta e difusão das novas tecnologias infor- simples objetos. Não mais conseguem perceber e
macionais, transcende a anterior capacidade de reconhecer as formas sociais, em que estão imer-
localização pelo indivíduo e torna evidentes as sos, como o resultado de sua própria vontade e
dificuldades de representação do real pelas atuais atividade sociais. Os homens passam a ignorar,
categorias mentais. Isso terá como rebatimento estético portanto, o caráter dos vínculos que estabelecem
o desaparecimento do sujeito como produtor artístico- entre si e configura o conjunto de sua vida social e
cultural autêntico e original e o fim da busca por um as relações produtivas que mantêm com a natureza.
estilo pessoal. Emerge, enfim, uma nova sensibilidade,
marcada pela intensidade emocional, que celebra o O trabalho é a protoforma da práxis que carac-
advento do pastiche – colagem de estilos passados – teriza o gênero humano. É através do trabalho que o
como nova solução estética descompromissada com homem se hominiza – torna-se efetivamente homem
qualquer perspectiva de crítica radical e de trans- – e humaniza a natureza, imprimindo-lhe a marca da
formação da ordem societária. vontade, das necessidades e dos carecimentos
humanos. Ao transformar a natureza, em busca de
ALIENAÇÃO, FETICHISMO E sua sobrevivência material, o homem dela se distingue
e produz, a partir dessa experiência mesma, a sua
REIFICAÇÃO
vida coletiva como sociedade e cultura na história. O
A alienação é um fenômeno que apresenta trabalho, pois, representa a mediação necessária na
múltiplas formas de objetivação no transcurso da constituição do homem social como sujeito nas suas
história. Possui sua gênese na história, com o relações com o objeto – o mundo histórico-natural.
surgimento da divisão social do trabalho e da
É justamente no trabalho que a alienação
propriedade privada. No entanto, seus efeitos não
encontra a sua forma mais emblemática no mundo
podem ser reduzidos a essas determinações eco-
moderno. Com a alienação do trabalho, há uma
nômico-sociais. Com o tempo, alienação se
inversão radical na práxis sócio-humana. Se era
autonomiza como fenômeno e suas causalidades
através do trabalho criador que o homem se punha
desaparecem socialmente, produzindo processos
como sujeito perante os outros homens e a nature-
sociais que possuem uma inércia própria e tendem
za, com o trabalho alienado o homem é degradado
a ficar imunes às diversas transformações sociais.
à condição de objeto na trama de suas relações
A alienação introduz uma refração fundamental sociais. Aqui, a alienação alcança ao mesmo tempo
nas relações dos homens entre si e dos homens com diversas formas, que estão articuladas e se reforçam
a natureza. Sob seus influxos, dá-se uma ruptura reciprocamente. O trabalho alienado implica a
essencial no processo de formação dos sujeitos em alienação do trabalhador em relação ao produto de
suas necessárias interações com os objetos que lhes sua atividade e à sua própria atividade. E, extra-
são circundantes. Rompe-se a relação entre sujeito polando a simples dimensão técnico-material na

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produção, a alienação atinge mais profundamente o Como o fetichismo da mercadoria representa a
gênero humano ao instituir uma relação alienada matriz dos processos alienantes e da reificação das
entre o homem-trabalhador e os demais homens, relações sociais, é a partir da
dos homens consigo mesmos e dos homens com a análise da mercadoria mesma
natureza. A alienação do trabalho suprime a condição que os “hieróglifos” sociais, A generalização da produção
de sujeito do homem em face dos resultados do seu em que se transmutou a
trabalho e ao seu próprio trabalho, além de inverter sociedade burguesa, podem capitalista faz da sociedade
o caráter de suas relações sociais com outros homens ser devidamente elucidados. burguesa um mundo crivado de
e com a natureza, no âmbito das formas sociocul-
Ao analisar a mercadoria,
turais de sua vida societária.8 manifestações
Marx descobre que o “se-
Na sociedade capitalista, a universalização da gredo” contido no fenômeno fantasmagóricas, com a
produção de mercadorias transforma tudo em mer- do fetichismo reside na
cadoria e, até mesmo, produz homens-mercadorias própria forma da mercado- reverberação social do
com o trabalho assalariado. A alienação opera pondo ria.12 Já na sua forma simples, fetichismo da mercadoria.
a mercadoria no lugar de elemento fundante de toda pode-se verificar que o valor
sociabilidade, desfazendo os laços e os vestígios sócio- de uma mercadoria, que
históricos que permitiram o aparecimento do sistema corresponde ao tempo social-
de produção de mercadorias e que garantem a sua mente necessário à sua produção, somente se expressa
reprodução social. A mercadoria surge naturalmente através do processo de troca com outras mercadorias.
como sujeito, transcendendo a história, perante os O valor de uma mercadoria não se manifesta
homens-mercadorias. Todas as relações desses ho- isoladamente, mas necessariamente por intermédio
mens entre si e com a natureza sofrem neces- do “corpo” de outras mercadorias. Ou seja, a ex-
sariamente a mediação da mercadoria, do dinheiro pressão do valor exige a sociabilidade de outras
e do capital. A mercadoria aparece como autônoma mercadorias, no processo de circulação, para ganhar
e exerce uma determinação unilateral sobre os visibilidade e materialidade. O valor de uma mer-
homens. Desse modo, a coisa (mercadoria) se torna cadoria não pode se exprimir por si mesmo e requer
o centro irradiador da sociabilidade e subordina obrigatoriamente uma relação social com outra(s)
sujeitos e objetos, transformando-os em coisas. As mercadoria(s), que passa(m) a espelhar o seu valor.
relações intersubjetivas são coisificadas e o homem
vê a si mesmo e aos outros como coisas.9 Na forma simples do valor, num processo
fortuito de troca, temos sempre uma equação entre
A generalização da produção capitalista faz da a forma relativa e a forma equivalente do valor de
sociedade burguesa um mundo crivado de mani- uma mercadoria. Nessa equação, a mercadoria que
festações fantasmagóricas, com a reverberação atua como equivalente possui a função social de
social do fetichismo da mercadoria. O fetichismo é certificar o valor e a quantidade de valor contidos
a modalidade histórica e forma concreta da alie- na mercadoria que está na posição da forma relativa.
nação nas condições mercantis. Com o fetichismo A mercadoria-equivalente empresta o seu “corpo”
da mercadoria, a alienação se afirma e se desenvolve material para espelhar o valor de certa mercadoria,
através da cristalização em coisas. O produto do que é, assim, equiparada nessa troca.
trabalho humano se aliena do seu produtor e se põe
como uma coisa independente dele, dotada de Com o desenvolvimento do processo de troca,
autonomia e vontade próprias. É por isso que, na uma determinada mercadoria serviu de expressão
sociedade capitalista, a reificação10 é a forma particular do valor de todas as demais mercadorias, facilitando
da alienação, onde o fetichismo da mercadoria está a efetivação e a expansão das relações mercantis,
disseminado pelo ser social e matriza a própria ao operar como equivalente geral na esfera da cir-
constituição da subjetividade humana. A alienação culação. É a partir dessa forma desenvolvida do
adquire um caráter objetual – “coisal” – com a valor que se explica, por sua vez, o surgimento do
reificação do conjunto das relações sociais, passando dinheiro como forma propriamente burguesa do
a atribuir qualidades humanas a formas exteriores valor. Com o dinheiro assumindo a posição de
de coisas; e, inversamente, qualidades coisais às equivalente geral, criou-se uma mercadoria especial
formas sócio-humanas.11 que ocupa o centro do processo de troca e, o que é

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mais importante, da própria sociabilidade, atribuindo outras e especialmente dos homens, que escapa ao
valor a todas as outras mercadorias. controle de todos e a que o indivíduo deve se adaptar
Com o dinheiro como forma do valor, ocorre a para “viver”. As relações sociais são vividas e per-
hipostasia do processo de circulação e o cance- cebidas como um processo inatingível em seu sentido
lamento dos vestígios materiais e sócio-históricos da e em sua dinâmica. O mundo social institucionali-
produção do valor das mercadorias. A representação zado dirige a existência humana como instância
substitui a realidade: o trabalho desaparece so- alheia, incógnita e impessoal, numa aparência de
cialmente como fonte do valor. Então, o valor das inexorabilidade e fatalidade dos processos de pro-
mercadorias parece derivar do dinheiro/equivalente dução e reprodução da vida social.13
geral, como se isso fosse sua propriedade natural. Todavia, os efeitos do fetichismo e da reificação
O dinheiro surge aos olhos dos homens como o não são apenas “externos”. No capitalismo, a própria
demiurgo da vida social. Toda a sociabilidade passa estruturação psíquica da subjetividade humana está
a ser mediada pelo dinheiro, que dá significação social submetida a esses fenômenos. A subjetividade é
a todas as mercadorias e à própria atividade dos modelada pela forma mercadoria e o fetichismo está
homens-mercadorias. Assim, situado no próprio inconsciente do “sujeito”. A
o dinheiro ocupa a posição constituição do sujeito é balizada por uma dialética
O fetichismo da mercadoria e a de sujeito fundante do conflitiva entre a internalização do sujeitamento e o
conjunto das relações sociais recalque e a repressão da subversão do sujeitamento.
reificação das relações sociais que caracterizam a dinâmica O sujeito se afirma, num conflito entre a coisa e a
da sociedade capitalista. pessoa, pelas manifestações possíveis das dimensões
constituem a forma objetiva do
Desse modo, Marx elu- recalcadas e reprimidas de sua subjetividade.14
ser social no mundo do capital.
cida que o caráter “sobre-
Por isso, a sua existência natural” do fetichismo pro- REIFICAÇÃO, IMAGEM E
vém da forma mercadoria,
sócio-histórica independe da que precisa se relacionar
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

consciência que os indivíduos socialmente com outra(s) A partir das inovações na base técnica e na
mercadoria(s) – “coisa” que organização do trabalho promovidas pelo taylorismo-
possam ter desses fenômenos. mantém relações sociais com fordismo, a sociedade capitalista tornou-se um
“coisa” – para expressar o sistema de produção em massa e de consumo de
seu valor. Instaura-se, então, massa de mercadorias. A criação de um mercado
uma lógica societária centrada nas relações sociais de consumo de massa implicou profundas trans-
entre “coisas”, que emana das “coisas” e transcende formações culturais, pois foi indispensável que as
a vontade humana. O fetichismo adere a todos os pessoas fossem ressocializadas como consumido-
produtos do trabalho, quando são produzidos como ras, pondo-se fim à produção doméstica e esti-
mercadorias. Há uma transferência para a “coisa” mulando-se crescentemente a dependência ao
das qualidades, poderes e forças que são acionados mercado para a satisfação das necessidades e care-
pelos homens e são atributos humanos, com a cimentos humanos. O lançamento de novas mer-
alienação do trabalho do homem e a reificação de cadorias requeria que se desestimulassem a inicia-
suas relações sociais. Na sociedade capitalista, os tiva e autoconfiança dos indivíduos em seus próprios
homens estão irremediavelmente subsumidos à recursos e capacidades. O mundo das mercadorias
“coisa”: à mercadoria, ao dinheiro, ao capital. é, então, apresentado como um mundo sedutor de
sonhos e de possibilidades de realização das fantasias
O fetichismo da mercadoria e a reificação das
dos consumidores. Esse mundo do consumo parece
relações sociais constituem a forma objetiva do ser
existir apenas para satisfazer os desejos de indivíduos
social no mundo do capital. Por isso, a sua existência
cada vez mais passivos em face das mercadorias e
sócio-histórica independe da consciência que os
do mercado e dependentes deles.15
indivíduos possam ter desses fenômenos. A ordem
social burguesa possui uma aparência de algo dado Nessa sociedade de consumo, os meios de
desde sempre, de um conjunto inorgânico e justa- comunicação de massa e a publicidade invadem todo
posto de coisas isoladas e independentes umas das o cotidiano dos indivíduos e atuam “educando” as

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massas para ter um inesgotável apetite por novos bens algo que seja minimamente estável e lhe assegure
e por novas experiências e satisfação pessoais. É alguma sensação de tranqüilidade e bem-estar
necessário convencer as pessoas a consumir a produção íntimos. Estamos imersos num tempo em que os
em massa de novas mercadorias que chegam valores dominantes estão polarizados em torno do
incessantemente ao mercado. O consumo ganha o consumismo, do individua-
estatuto de atividade privilegiada capaz de suprimir lismo, do hedonismo e do
todos os males da vida moderna. A publicidade cria esoterismo. Ao mesmo tem-
A publicidade cria um
um consumidor que deve estar permanentemente po em que tenta e vai conse-
insatisfeito, intranqüilo, ansioso e entediado, para que guindo sobreviver, o homem consumidor que deve estar
o consumismo se afirme como verdadeiro modo de vida está envolto por um estado
permanentemente insatisfeito,
nas sociedades capitalistas. Configura-se aquilo que permanente de insatisfação,
Lasch chamou de “cultura do narcisismo”. ansiedade, intranqüilidade, intranqüilo, ansioso e
Na visão do senso comum, em geral, confunde- apatia e uma enorme sen-
sação de vazio interior na entediado, para que o
se o narcisismo com o hedonismo, o auto-interesse, o
egoísmo e a indiferença social. No entanto, o narci- vivência do seu cotidiano. consumismo se afirme como
sismo, muito mais do que individualismo anti-social, O psicanalista Jurandir verdadeiro modo de vida nas
significa uma individualidade plasmada numa cultu- Freire Costa, ao examinar o
ra em que não mais se distinguem a realidade e o problema do narcisismo na sociedades capitalistas.
reflexo da realidade, e não mais se consegue dife- cultura contemporânea, diz
renciar a fantasia da realidade. Não há distinção entre que a sociedade capitalista
o eu e o mundo dos objetos. As fronteiras entre o respondeu ao mal-estar da
indivíduo e o mundo exterior circundante foram cultura
apagadas. A personalidade narcisista atravessa uma [...] criando o presente de nossas ilusões. No universo
profunda crise de identidade, pois o eu narcisista do lucro, o político tornou-se o mercado, o sujeito
não tem segurança dos seus próprios limites. O tornou-se o objeto, e a felicidade, o consumo. É o
narcisismo produz a disposição de ver o mundo reino narcísico do objeto como espelho do sujeito
como um espelho ou como uma projeção dos [...] Um dos tópicos centrais da fantasia narcísica de
próprios medos e desejos do indivíduo.16 felicidade é o da realização imediata do desejo. O
mercado fabricou a solução imaginária. Fez da
É assim que surge um conjunto de novos felicidade consumo de coisas que, supostamente,
descontentamentos. O consumo de mercadorias podemos ter quando e como quisermos [...] Com
promete suplantar o tédio, o cansaço, a futilidade e dinheiro, poder e sucesso temos tudo o que é preciso.
o vazio, vividos cotidianamente pelas pessoas,
jogando sedutoramente com o mal-estar peculiar à Para ele, a felicidade do mercado afirma “ame os
vida moderna. O consumo de mercadorias objetos, eles jamais dizem ‘não’! São dóceis e pro-
transforma-se em alternativa ao protesto e à rebelião gramados para realizar o que julgamos saber sobre
sociais. Com isso, porém, o consumo cria e exacerba a satisfação de nossos desejos”.18
novas formas de infelicidade, com a proliferação De forma peremptória, é complementado por
de um “clima” geral de insegurança pessoal, de Contardo Calligaris, também psicanalista, que fala
ansiedade por status social e de institucionalização do universo narcísico como um mundo onde os espelhos
da inveja nas relações sociais. Pois a mercadoria passa somos nós:
a conferir prestígio social a quem a consome, Vivemos em um mundo onde talvez a subjetividade
configurando-se uma sociedade dominada funda- só encontre consistência pelas imagens que o
mentalmente pelas aparências, onde os múltiplos e repertório midiático nos propõe como amáveis (não
complexos sentidos do ser humano estão subor- tanto por nós, mas pelos outros). A cada esquina
dinados ao exclusivo sentido do ter.17 nos deparamos com espelhos invertidos que não
nos refletem: são imagens pintadas que nos delegam
A sociedade em que vivemos está enredada paradoxalmente a tarefa de refleti-las [...] 19
numa trama cultural marcada por um amálgama de
elementos aparentemente díspares, onde o indivíduo A sociedade burguesa transformou-se, portanto,
cada vez mais sente dificuldades de se firmar em numa “sociedade do espetáculo”,20 onde a repro-

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dução da cultura se faz através da proliferação de nem tudo pode ser visto pela ótica da manipulação. É
imagens de todos os tipos. A produção e o consumo necessário repensar a oposição entre “alta cultura”
de massa de mercadorias são acompanhados pela e “cultura de massa”, através de uma abordagem
difusão sem precedentes da imagem. A vida moderna dialética que supere essa dicotomia, considerando-
é tão maciçamente invadida pela imagem, que a as fenômenos relacionados e interdependentes na
própria experiência humana é percebida e vivenciada cultura contemporânea. Mais ainda: a “alta cultura”
como um mundo de imagens oscilantes, em que é e a “cultura de massa” são formas gêmeas e
cada vez mais difícil separar fantasia e realidade. inseparáveis na produção cultural do capitalismo
A cultura de massas parece dissolver o mundo tardio, que instaura esse duplo padrão cultural como
das coisas materiais e o substituir por um mundo contradição objetiva.
vago e fluido de imagens, abalando profundamente Tanto a “alta cultura” quanto a “cultura de
o nosso senso de realidade. Assim, a realidade parece massa” trabalham o imaginário social como seu
coincidir cada vez mais com as imagens que dela se substrato:
produzem e veiculam. Ou seja, a realidade sofre
um processo de “desmaterialização”, sendo [...] a diferença é que onde o modernismo tende a
manusear esse material produzindo estruturas
substituída por imagens e por um mundo especular.
compensatórias de vários tipos, a cultura de massa
Há uma autonomização das imagens em relação aos os recalca por meio da construção narrativa de
seus referentes, aparecendo, mais exatamente, como resoluções imaginárias e da projeção de uma ilusão
se fossem auto-referentes. Desse modo, a imagem óptica de harmonia social. 22
e a produção de imagens ocupam uma posição de
centralidade na vida societária e na cultura con- É por isso que Jameson chama a atenção para
temporâneas. o fato de que os produtos da cultura de massa não
A análise do fato de a sociedade contemporânea podem ser ideológicos sem ser também, direta ou
ser crivada e dominada pelas imagens não deve, indiretamente, utópicos e transcendentes. A dimensão
contudo, ser conduzida em tom de alarme apocalíptico, manipulatória da cultura de massa, para atuar
no qual “órfãos de valores e tradições, idealizaríamos eficazmente, precisa oferecer em contrapartida um
e amaríamos cegamente qualquer imagem que a mínimo de autenticidade pela satisfação das mais
cultura de massa sugere como modelo possível”. E profundas e fundamentais esperanças e fantasias
“mesmo que o império das imagens seja total, ele presentes, sob a forma de utopia, no imaginário da
não se confunde com o império do mal ou com o sociedade. Exatamente porque as formas culturais
triunfo definitivo da alienação. Apesar da mídia consistem em soluções imaginárias para os conflitos e
comum, nem todas as imagens se valem”. Ou seja, as contradições que perpassam historicamente toda
como nos prescreve ainda Calligaris, a complexa sociabilidade humana.23
[...] não é preciso condenar nossos tempos como
época de um obscurantismo caleidoscópico, onde
só vale a sedução das imagens e todas as imagens PARA UMA CRÍTICA DA CULTURA
nos seduzem. Seria melhor, ao contrário, abandonar PÓS-MODERNA
o fácil tom do apocalipse e se perguntar como
acontece que, justamente neste mundo de imagens A vida societária foi completamente tomada e
(e não apesar dele), é de fato possível comparar, saturada por todo tipo de imagens que permeiam o
recusar, escolher. Em breve, agir e pensar. 21 conjunto das relações sociais e são uma mediação
necessária da sociabilidade humana no mundo con-
Aqui, mais uma vez, fica evidente as poten- temporâneo. Ao mesmo tempo, ocorreu um avas-
cialidades heurísticas da noção de práxis dentro de salador processo de atomização social do indivíduo,
uma perspectiva radicalmente assentada numa razão que passou crescentemente à condição de “espec-
crítica. tador” nessa sociedade do espetáculo, configurando o
Jameson adverte, também, para evitar o redu- fenômeno que alguns denominam cultura do narcisismo,
cionismo no tratamento da cultura, que, apesar da para designar os efeitos simbólicos e imaginários
análise da mercantilização da cultura de massa feita provocados pela produção e consumo massivos de
pela Escola de Frankfurt ainda não estar esgotada, mercadorias nas sociedades capitalistas, ou que

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outros qualificam de pós-moder- pela lógica da política do espetáculo para
nidade, para designar uma profunda as grandes massas. Ou seja, a busca
mudança social que indicaria a do convencimento pela argumen-
emergência de uma nova situação tação racional e pela apresentação
histórica. de projetos políticos, característica
da política na modernidade, teria
Os teóricos do pós-moderno
dado lugar à sedução das imagens
trabalham a partir da premissa, nem
no cenário de massas da política pós-
sempre explicitada, de que teria
moderna.
havido uma ruptura econômica
fundamental entre as antigas Na esfera estética, foi onde teve
sociedades industriais e as socie- início o uso do termo “pós-mo-
dades contemporâneas, que seriam derno” para cuidar do movimento
sociedades pós-industriais. As socie- de crítica e negação do modernismo
dades industriais se caracterizavam que acontecia na arquitetura e na
pela produção de bens materiais, literatura, a partir do final dos anos
com a utilização de energia, através Guy Debord 50 e início da década de 60. Num
de grandes organizações empre- primeiro momento, o pós-moderno
sariais hierárquicas e emprego de força de trabalho se insurgiu contra o “alto modernismo” instituído e
desqualificada ou semiqualificada. De outro lado, oficializado como padrão estético. As novas tec-
as sociedades pós-industriais seriam caracterizadas nologias, como a televisão, o vídeo e o computador,
pela produção de serviços, com a utilização de infor- eram vistas com grande entusiasmo como novas
possibilidades de produção artística. Com o esgota-
mação, em pequenas organizações empresariais
mento do seu impulso iconoclasta, o pós-moder-
descentralizadas que empregam profissionais qua-
nismo entra em uma fase mais apática e despolitizada.
lificados. Neste último tipo de sociedade, a difusão
O pós-modernismo provoca o fim das fronteiras
de novas tecnologias, como a informática, e a
entre a arte popular e de massas e a arte erudita,
automação do processo de trabalho trariam o fim
fazendo desaparecer a figura do artista como sujeito
do trabalho operário e do conflito capital/trabalho,
da produção artística e eliminando a ideologia do
aumentando a liberdade e a autonomia do traba-
novo e do vanguardismo modernista. A arte pós-
lhador superqualificado, que não viveria mais uma
moderna vai usar o passado como matéria-prima
situação de exploração e de alienação.
para o pastiche de antigas obras, pela superficialidade
Nessas sociedades pós-industriais, o Estado e e pelo recurso ao ecletismo e à colagem de estilos e
as formas políticas teriam também sofrido uma pro- de linguagens, no seu esforço de estetização do
funda mudança. Com a fragmentação da sociedade cotidiano.24
e a desmaterialização da produção, desapareceriam A análise mais cuidadosa desse conjunto
as antigas contradições sociais de natureza estrutural complexo e multifacético de fenômenos que marcam
e os sujeitos políticos universais, como as classes as sociedades contemporâneas não indica pro-
sociais, que atuavam com o objetivo de conquistar priamente uma ruptura radical com a modernidade
ou de manter o poder político centralizado no e a sua ultrapassagem com a configuração da pós-
Estado moderno. Agora, com a pulverização do modernidade como novo momento histórico-social.
poder numa miríade de redes capilares espalhadas As mudanças que se processam desde a vida
pela sociedade civil, os agentes da política seriam cotidiana, passando pela economia e pela política e
sujeitos políticos particulares e transitórios, consti- culminando na cultura, apontam, simultaneamente,
tuídos por grupos com fins específicos e com para a generalização e o aprofundamento da lógica
demandas próprias, que atuariam em campos social de produção de mercadorias e de acumulação
setoriais de dominação sob formas singulares de de capital, com a entrada numa nova fase do
resistência. As lutas políticas atuais deslocaram os capitalismo que provoca e requer uma reestru-
interesses universais para dar lugar a particularidades turação profunda da cotidianidade e da cultura, com
de gênero, étnicas, sexuais, ecológicas, etc. Além disso, evidentes repercussões em todo o processo social.
as disputas no campo político passaram a ser regidas O que há, portanto, é uma ruptura centrada na esfera

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abrangente da cultura, tendo o pós-modernismo e o uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos
pensamento pós-moderno como a sua expressão num turbilhão de permanente desintegração e
mais adequada. Nessa fase contemporânea do mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e
angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo
capitalismo, a cultura é submetida plenamente ao
no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido
movimento de produção e reprodução do capital, desmancha no ar”. 25
constituindo-se em espaço de expansão da produção
de mercadorias e de acumu- Assim, é inerente à modernidade essa sensação
lação capitalista, intensi- avassaladora de fragmentação, de efemeridade e de mudança
Nessa fase contemporânea do ficando exponencialmente o caótica, que vivemos tão intensamente na vida coti-
fenômeno da reificação que diana. Essa transitoriedade, inclusive, dificulta a
capitalismo, a cultura é também ocupa a esfera da percepção do sentido de continuidade histórica, que
cultura e generaliza os seus somente pode ser descoberto com a inserção nesse
submetida plenamente ao
efeitos sobre os signos e as turbilhão da mudança permanente.
movimento de produção e imagens que se objetivam na
Outro aspecto problemático é um certo mile-
nossa vida cotidiana.
reprodução do capital, narismo tecnológico entre os teóricos pós-modernos.
Ademais, muitas das Acredita-se “ingenuamente” que as mudanças e as
constituindo-se em espaço de características apresentadas inovações tecnológicas têm a capacidade de produzir
expansão da produção de como demonstração da transformações na economia e na sociedade, com
instauração da “pós-mo- o advento da chamada “sociedade pós-industrial”,
mercadorias e de acumulação dernidade” são na verdade onde a automação da produção eliminaria a ex-
capitalista, intensificando traços constitutivos da pró- ploração e a alienação do trabalho, suprimindo-se
pria modernidade. Desde as contradições e os conflitos fundamentais da
exponencialmente o fenômeno Baudelaire, o primeiro a sociedade industrial. Para isso, ignora-se comple-
da reificação que também refletir sobre as suas impli- tamente que tais mudanças não acarretam nenhuma
cações estéticas, que a vida ruptura com o modo de produção típico da socie-
ocupa a esfera da cultura e moderna é pensada como dade moderna e que continuamos a viver em uma
realidade dominada pelo economia capitalista que está baseada na apropriação
generaliza os seus efeitos
transitório, pelo fugidio e privada, como acumulação de capital, do excedente
sobre os signos e as imagens pela contingência, de onde econômico socialmente produzido sob a forma de
cabia ao artista captar-lhe o mercadorias. A introdução de novas tecnologias e
que se objetivam na nossa vida
que havia de imutável e de de novas formas de organização do processo de
cotidiana. eterno. É nesse sentido que trabalho visa a racionalização crescente da produção
Ber man descreve a vida industrial, reduzindo a quantidade da força de
moderna como um rede- trabalho empregada, segundo a lógica do aumento
moinho permanente a desintegrar tudo o que contínuo de produtividade do sistema industrial.26
encontra à sua frente:
A informatização, pois, permite uma maior
Existe um tipo de experiência vital – experiência de eficiência do sistema industrial. O objetivo da
tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das
crescente automação é aumentar a produção e a
possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada
por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. apropriação de mais-valia relativa, substituindo-se o
Designarei esse conjunto de experiências como capital variável pelo capital constante com a elevação
“modernidade”. Ser moderno é encontrar-se em um da composição orgânica do capital. Logo, não há
ambiente que promete aventura, poder, alegria, nenhuma ruptura com a moderna sociedade indus-
crescimento, autotransformação e transformação das trial e tampouco desaparecem as contradições e os
coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça conflitos fundamentais inerentes à ordem social
destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo
burguesa. Com isso, confunde-se o declínio do setor
o que somos. A experiência ambiental da moder-
industrial com o declínio de todo sistema industrial
nidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais,
de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse e tomam-se as novas formas de relações de trabalho,
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a que acompanham a introdução e a difusão das novas
espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, tecnologias, como a supressão das contradições entre

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capital e trabalho, que assumem se descarta a configuração de uma
novas e diferenciadas modalidades ordem capitalista mundializada que
de manifestação. a tudo e a todos subsume.
Por outro lado, o predomínio e A universalização da lógica da
a universalização da comunicação produção de mercadorias implicou
de massa são acompanhados pela a ação paroxística da reificação
produção de signos e de imagens sobre a cultura que se desdobrou
que se autonomizaram de qualquer em dois movimentos consecutivos.
referente concreto, substituindo o Num primeiro momento, a reifica-
mundo real pelo mundo artificial do ção destruiu os vínculos existentes
simulacro. Aqui os signos são, ao entre o signo e o seu referente,
mesmo tempo, auto-referentes e resultando na “liberação” do signo
mais reais do que a própria reali- que aparece como auto-referen-
dade, que se tornou uma hiper- ciado. E, num segundo momento,
realidade. Dessa forma, a comuni- a reificação apanha o próprio signo,
cação de massa desloca a expe- constituído por significante e signi-
riência do real para a vivência no e ficado, desfazendo as suas ligações
do signo. A realidade social se internas e liberando, por sua vez, o
desmaterializou tornando-se o domínio do signo auto- significante do seu significado. A partir de então,
referente e o cotidiano se transformou na vivência instala-se o jogo dos significantes auto-referentes,
imediata do simulacro e da hiper-realidade com a criando-se a miragem de uma linguagem de puros
centralidade da informação na sociedade de massas. significantes do discurso esquizofrênico. A linguagem
sofre um distúrbio e, através da quebra da cadeia
Isso ocorre exatamente porque, com a cultura
de significantes e da autonomização dos significantes,
de massa que se produz com a hipertrofia e difusão
passa a ser uma sucessão de significantes vazios num
extraordinária dos meios de comunicação de massa,
presente perpétuo. Com o esfacelamento do signo e
temos a ampliação do fenômeno da reificação que
a autonomização do significante, cai-se numa rea-
penetra em todas as dimensões e interstícios da vida
lidade social completamente fragmentada e anár-
social, abrangendo tanto as suas instituições cons-
quica, onde os significantes puros se configuram
titutivas quanto as suas esferas imaginárias e sim- como “cacos” de linguagem que recaem de volta
bólicas. A cultura de massa transformou a imagem no mundo, num eterno retorno à presentificação,
em significante material de primeira grandeza em em decorrência do desaparecimento das noções de
nossa sociedade. passado, presente e futuro que articulam a teia da
Estaríamos, assim, assistindo à emergência da história.27
“pós-modernidade” que imprimiria a marca de frag- A natureza dos fenômenos socioculturais con-
mentação, de simulacro, de efemeridade, de temporâneos apenas pode ser desvelada quando
indeterminação, de descontinuidade, de alteridade e referidos às transformações sistêmicas experimen-
de ecletismo paradoxal a tudo e a todos. Essas tadas pela ordem do capital a partir dos anos 80,
mudanças se encontrariam condensadas e seriam consubstanciadas na reestruturação produtiva que
vividas subjetivamente nas relações sociais da vida afetou dramaticamente o mundo da produção,
cotidiana. O cotidiano seria o espaço privilegiado ensejando inovações na organização do processo
de manifestação da pós-modernidade. E o resultado produtivo, novas formas de gestão do trabalho, que
disso poderia ser percebido, por exemplo, nos buscaram legitimação ideológica e cultural no ideário
processos em curso de desreferencialização do real, neoliberal hegemônico em escala mundial. A
de dessubstancialização do sujeito, de desma- afirmação de uma ordem capitalista verdadeira-
terialização da economia e de despolitização da mente mundializada, em que o capital se manifesta
sociedade. como totalidade realizada socialmente, implicou ao
Essa conclusão apenas é possível quando se elide mesmo tempo transformações objetivas e subjetivas.
as noções da alienação, do fetichismo da mercadoria e da Com o esgotamento da onda longa expansiva que
reificação, num enquadramento sócio-histórico em que caracterizou o capitalismo depois da Segunda Guerra

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5
Mundial, a lógica da valorização do capital tornou Fredric Jameson, “Falso movimento”, em Folha de S. Paulo,
Caderno Mais!, p. 5, São Paulo, 19-10-1995, entrevista publicada
imperativa a substituição do antigo regime taylorista-
como parte da discussão introduzida pelo presidente
fordista por um padrão flexível de acumulação Fernando Henrique Cardoso sobre o “fim da cultura de
capitalista, objetivado na reestruturação produtiva massa”. Nessa mesma entrevista, Jameson, sugestivamente,
do sistema capitalista. Isso se fez acompanhar de emprega a expressão sociedade da imagem e da informação para
referir-se às sociedades capitalistas contemporâneas.
mudanças ideológicas e culturais, altamente fun- 6
Fredric Jameson, Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo
cionais àquelas transformações, condensadas sob a tardio (São Paulo: Ática, 1996).
forma, por exemplo, do ideário neoliberal e da 7
Ibid.
8
cultura e pensamento pós-modernos, garantindo as Cf. Karl Marx, “Manuscritos econômico-filosóficos de 1844”,
condições superestruturais necessárias à nova ordem em Florestan Fernandes (org.), Marx & Engels (História) (São
Paulo: Ática, 1989).
mundializada do capital. 9
Cf. Paulo Silveira, “Da alienação ao fetichismo: formas de
Por isso, entendemos que as noções do fetichismo subjetivação e de objetivação”, em Paulo Silveira & Bernard
Doray (orgs.), Elementos para uma teoria marxista da subjetividade
da mercadoria e da reificação constituem um sugestivo (São Paulo: Vértice, 1989).
ponto de partida para a realização de uma crítica 10
Para uma análise da reificação como fenômeno modelar da
teórica da “cultura pós-moderna” e da emergência sociabilidade burguesa e dos seus efeitos nas formas de
consciência vigentes na sociedade capitalista, continua a ser
da “pós-modernidade” nas sociedades contem-
indispensável a leitura de G. Lukács, História e consciência de
porâneas. É que o desenvolvimento do capitalismo classe: estudos de dialéctica marxista (Porto: Escorpião, 1974).
leva ao paroxismo o fetichismo da mercadoria e 11
Cf. José Paulo Netto, Capitalismo e reificação (São Paulo: Ciências
produz a reificação tanto das relações sociais quanto Humanas, 1981).
12
da cultura. Assim, temos uma inversão fundamental Cf. Karl Marx, O Capital: crítica da economia política, vol. 1, livro
1 (2a edição. São Paulo: Nova Fronteira, 1985).
nas relações e conexões entre o signo e o referente 13
Cf. José Paulo Netto, Capitalismo e reificação, cit.
e entre o significante e o significado, com a autono- 14
Cf. Paulo Silveira, “Da alienação ao fetichismo: formas de
mização, inicialmente, dos signos e, posteriormente, subjetivação e de objetivação”, cit.
15
dos significantes. Em conseqüência, a realidade foi Cf. C. Lasch, O mínimo eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis
(4a edição. São Paulo: Brasiliense, 1987).
subsumida à imagem, que passou à condição de 16
Ibid.
elemento fundante de todo o real. A vida societária 17
C. Lasch, A cultura do narcisismo (Rio de Janeiro: Imago, 1983).
aparece, portanto, como mundo hipostasiado de pura 18
Cf. Jurandir F. Costa, “O presente de nossas ilusões”, em
especularidade e espectralidade. Enfim, como nos sugere Folha de S. Paulo, São Paulo, 11-9-1994, p. 12.
19
Cf. Contardo Calligaris, “O antinarciso”, Caderno Mais!, em
Harvey, a cultura pós-moderna constitui o mundo Folha de S. Paulo, São Paulo, 25-9-1994, p. 14.
como o “espelho dos espelhos”.28 20
A expressão “sociedade do espetáculo” foi cunhada pelo
francês Guy Debord em seu livro A sociedade do espetáculo
Decifremos o enigma da Esfinge…!!! (Lisboa: Afrodite, 1967) e é utilizada, entre outros, por Lasch
e Jameson, para tratar dos fenômenos relativos à cultura
produzida pelos meios de comunicação de massa nas
NOTAS sociedades contemporâneas.
21
1 Contardo Calligaris, “A sedução do apocalipse”, Caderno
Cf. Jair Ferreira dos Santos, O que é pós-moderno (10a edição. São
Mais!, em Folha de S. Paulo, São Paulo, 26-3-1995, p. 15.
Paulo: Brasiliense, 1991). 22
2
Cf. Fredric Jameson, “Reificação e utopia na cultura de
Aqui, ficam evidentes as afinidades do pensamento pós- massa”, em Crítica Marxista, vol. 1, no 1 (São Paulo: Brasiliense,
moderno com as tendências irracionalistas, como um dos 1994), p. 17.
elementos constitutivos da cultura burguesa contemporânea, 23
Cf. Fredric Jameson, Marxismo e forma: teorias dialéticas da
através de uma drástica redução da capacidade cognoscitiva literatura no século XX (São Paulo: Hucitec, 1985).
da razão e, em alguns momentos, da apologia mesmo da 24
Ver Sérgio Paulo Rouanet, “A verdade e a ilusão do pós-
desrazão como projeto teórico-metodológico, que é moderno”, em As razões do iluminismo (São Paulo: Companhia
apresentado, muitas vezes, como a última novidade das Letras, 1987).
intelectual. É nesta perspectiva que já nos referimos, em 25
Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da
outra ocasião, a essas formas de pensamento como
modernidade (9a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras,
irracionalismo pós-moderno. Cf. João E. Evangelista Crise do marxismo
1992), p. 15.
e irracionalismo pós-moderno, cit. 26
Ver Sérgio Paulo Rouanet, “A verdade e a ilusão do pós-
3
Cf. Jean-François Lyotard, O pós-moderno (4a edição. Rio de moderno”, cit.
Janeiro: José Olympio, 1993) e David Harvey, A condição pós- 27
Cf. Fredric Jameson, “Periodizando os anos 60”, em Heloísa
moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (São B. de Holanda (org.), Pós-modernismo e política (2a edição. Rio de
Paulo: Loyola, 1992). Janeiro: Rocco, 1992).
4
Cf. Steven Connor, Cultura pós-moderna: introdução às teorias do 28
David Harvey, A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens
contemporâneo (São Paulo: Loyola, 1992). da mudança cultural, cit.

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