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da cultura pós-moderna
João Emanuel Evangelista*
Neste final de século, a vida societária tem sido Aqui, pretendemos tematizar parcialmente esse
abalada por uma complexa combinação de crises e fenômeno, procurando restabelecer teoricamente
transformações sociais profundas, desencadeando algumas das conexões existentes entre a atual
processos sociais originais que têm desafiado a sua “cultura pós-moderna”, que se firma cada vez mais
explicação pelas ciências sociais. Diante das enormes como elemento central em nossa dinâmica cultural,
dificuldades teóricas postas pela contemporaneidade, e os dilemas vividos pelos indivíduos nos seus
há uma forte tendência a um questionamento esforços para se afirmarem como sujeitos no âmbito
rigoroso e, na maioria das vezes, “impiedoso” da de suas relações sociais. Para tanto, as noções de
tradição teórica constituída em torno dos grandes alienação, fetichismo e reificação são fundamentais, pois
modelos explicativos “clássicos”, até bem pouco nos permitem, consecutivamente, desvendar os
vigentes nas ciências sociais, derivados das for- processos constitutivos do ser social capitalista,
mulações de Marx, Durkheim e Weber. Chega-se, nucleados pela universalização da forma mercadoria
inclusive, em diagnóstico peremptório, a lhes im- por todas as esferas da organização social, e
putar a existência de uma “crise de paradigmas”, na esclarecer alguns dos mecanismos socioculturais que
qual sua capacidade elucidativa estaria irremedia- operam na modelagem da subjetividade humana
velmente comprometida por assentarem suas numa sociedade burguesa.
premissas em categorias mentais típicas do século
XIX, que exigiria uma modalidade radicalmente CULTURA PÓS-MODERNA
nova de teorização social.
Nas últimas décadas tem havido um enorme e
É inegável que são muitos os enigmas que
diversificado esforço intelectual de reflexão sobre a
emanaram do desenvolvimento histórico da socia-
natureza, as características e as implicações dos
bilidade humana contemporânea e que é igualmente
fenômenos e das transformações que se processam
premente a sua decifração intelectual. Dentre as
no âmbito das sociedades humanas. Nessa discussão,
múltiplas problemáticas, destaca-se a questão da
a noção de que essas mudanças e os novos
constituição da individualidade, num processo de
problemas vividos pela humanidade significam ou
entrecruzamento relacional das dimensões sociais e
indicam uma situação histórica sem precedentes,
psíquicas e dos condicionantes objetivos e subjetivos
configurando a própria “crise da modernidade”,
que estão presentes na formação histórica do indi-
tornou-se praticamente um lugar-comum. Houve
víduo e sua passagem à condição de sujeito na
um “envelhecimento” da era moderna e a “crise da
sociedade capitalista. Para essa análise, a esfera da
modernidade” é uma constatação consensual e ponto
cultura apresenta a maior relevância e possui uma
de partida para análises com diagnósticos extre-
importância decisiva no seu deslindamento.
mamente diferenciados, feitas a partir de perspec-
tivas teóricas e ideológicas muito heterogêneas.
A chamada “crise da modernidade” tem sido
* Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte), autor do objeto de ampla discussão que está documentada
livro Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno (São Paulo: em extensa bibliografia publicada de uns anos para
Cortez, 1992). Atualmente é doutorando na ECA-USP. cá. Na grande maioria das vezes, a modernidade é
consciência que os indivíduos socialmente com outra(s) A partir das inovações na base técnica e na
mercadoria(s) – “coisa” que organização do trabalho promovidas pelo taylorismo-
possam ter desses fenômenos. mantém relações sociais com fordismo, a sociedade capitalista tornou-se um
“coisa” – para expressar o sistema de produção em massa e de consumo de
seu valor. Instaura-se, então, massa de mercadorias. A criação de um mercado
uma lógica societária centrada nas relações sociais de consumo de massa implicou profundas trans-
entre “coisas”, que emana das “coisas” e transcende formações culturais, pois foi indispensável que as
a vontade humana. O fetichismo adere a todos os pessoas fossem ressocializadas como consumido-
produtos do trabalho, quando são produzidos como ras, pondo-se fim à produção doméstica e esti-
mercadorias. Há uma transferência para a “coisa” mulando-se crescentemente a dependência ao
das qualidades, poderes e forças que são acionados mercado para a satisfação das necessidades e care-
pelos homens e são atributos humanos, com a cimentos humanos. O lançamento de novas mer-
alienação do trabalho do homem e a reificação de cadorias requeria que se desestimulassem a inicia-
suas relações sociais. Na sociedade capitalista, os tiva e autoconfiança dos indivíduos em seus próprios
homens estão irremediavelmente subsumidos à recursos e capacidades. O mundo das mercadorias
“coisa”: à mercadoria, ao dinheiro, ao capital. é, então, apresentado como um mundo sedutor de
sonhos e de possibilidades de realização das fantasias
O fetichismo da mercadoria e a reificação das
dos consumidores. Esse mundo do consumo parece
relações sociais constituem a forma objetiva do ser
existir apenas para satisfazer os desejos de indivíduos
social no mundo do capital. Por isso, a sua existência
cada vez mais passivos em face das mercadorias e
sócio-histórica independe da consciência que os
do mercado e dependentes deles.15
indivíduos possam ter desses fenômenos. A ordem
social burguesa possui uma aparência de algo dado Nessa sociedade de consumo, os meios de
desde sempre, de um conjunto inorgânico e justa- comunicação de massa e a publicidade invadem todo
posto de coisas isoladas e independentes umas das o cotidiano dos indivíduos e atuam “educando” as