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Psicólogo inFormação Copyright © 2007 Instituto Metodista

ano 11, n. 11, jan./dez. 2007 de Ensino Superior CNPJ 44.351.146/0001-57


A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 27

A imagem corporal de indivíduos


com paraplegia não congênita:
um estudo exploratório*

Body image of individuals with non-congenital


paraplegia: an exploratory study
MARIANA TAVARES DE CAMPOS**
HILDA ROSA CAPELÃO AVOGLIA***
EDA MARCONI CUSTÓDIO****

RESUMO
A sociedade atual está organizada para indivíduos física, intelectual, social e
emocionalmente perfeitos. Conseqüentemente, pessoas com deficiência encontram
cada vez mais dificuldade em se adaptar. Assim, este estudo tem como objetivo
verificar a representação do próprio corpo em indivíduos com deficiência física,
especificamente com paraplegia não congênita. Participaram do trabalho dois
adultos jovens, do sexo masculino, com idades entre 20 e 25 anos, com paraplegia
não congênita há cinco anos. Inicialmente foi realizada uma entrevista semi-
estruturada e, posteriormente, a aplicação individual do Teste do Desenho da

1
Baseado no trabalho de conclusão do curso de graduação em Psicologia da Universidade
Metodista de São Paulo.
2
Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo e mestranda em Psicologia
da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: mari_tcampos@hotmail.com.
3
Psicóloga, mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo, doutora
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo e docente
supervisora da Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São
Paulo. Orientadora do presente estudo. E-mail: hilda.avoglia@metodista.br .
4
Psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, docente, supervisora da
Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo e
docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Co-orientadora do pre-
sente estudo. E-mail: edamc@cebinet.com.br .

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Figura Humana (DFH), conforme Van Kolck (1984). Os resultados indicaram que
os participantes vivem um conflito sexual representado pela divisão do corpo em
zonas do tronco superior e inferior. Observou-se, ainda, o surgimento de meca-
nismos defensivos para minimizar suas dificuldades diante do próprio corpo. No
que se refere à imagem corporal, esta parece alterada e permeada por sentimentos
de falta de confiança em si, nostalgia, atitude de expectativa diante da vida e
desejo de obter aprovação social. O presente estudo pode fornecer subsídios para
o planejamento de uma intervenção multidisciplinar mais efetiva, bem como
referendar ações psicológicas na área da deficiência, visando à adaptação desses
indivíduos e à promoção de sua qualidade de vida.
Palavras-chave: Imagem corporal – Deficiência física – Paraplegia – Teste do
desenho da figura humana.

ABSTRACT
Society is organized by standards of physical, intellectual, social and emotional
perfection. Consequently, people with disabilities have increasing difficulties in
adaptation. This study aims at examining the body image of people with physical
disabilities, specifically with non congenital paraplegia. Two young males, aged
between 20 and 25 years, both with five years of history of no congenital para-
plegia took part in this study. First they were submitted to an interview and then
to Van Kolck’s Human Figure Drawing (HDF). Results showed both subjects had
a sexual conflict evidenced by the division of the body into two areas: the upper
and lower trunk. It was evidenced the emergence of defensive mechanisms to
minimize their difficulties with their own bodies. Their body images seemed al-
tered by a sense of lack of confidence in themselves, an attitude of expectancy
towards life, nostalgia and need to obtain social approval. This study may provide
subsidies for the development of more effective multidisciplinary intervention and
enforce the need of psychological actions towards physical disabilities, in order
to promote the adaptation and life quality of these individuals.
Keywords: Body Image – Physical disabilities – Paraplegia – Human figure drawing.

Ao longo dos anos, diversos estudos transformaram e colaboraram


para definir o conceito de imagem corporal utilizado atualmente. Trata-
se de um conceito importante, na medida em que sua compreensão
permite o trabalho de conteúdos específicos, de uma maneira eficaz,
compreendendo o corpo sob uma visão mais ampla.
Abordar o tema corpo em psicanálise pode parecer super-roga-
tório, afinal, para Costa (2004) toda psicanálise é do “corpo”. A discus-
são, no entanto, é justificada pelo autor pela importância que os novos

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sintomas corporais vêm ganhando na prática clínica. De modo esque-


mático, afirma que tais sintomas agrupam-se em dois grandes conjun-
tos: 1) transtornos na percepção da imagem corporal, como distúrbios
alimentares, compulsão por correção estética, entre outros, e; 2) abusos
na exploração das sensações corporais; neste caso, fala-se de dependên-
cias químicas de drogas lícitas ou ilícitas.
De acordo com Gorman (1965 apud BARROS 2005), a história do
estudo da imagem corporal iniciou-se no século XVI, na França, com
o médico e cirurgião Ambroise Paré que percebeu a existência do
membro fantasma caracterizando-o como a alucinação de que um
membro ausente estaria presente. O mesmo autor afirma ainda que três
séculos depois, Weir Mitchell, da Filadélfia (EUA), demonstrou que a
imagem corporal (sem utilizar esse termo) pode ser modificada sob
tratamento ou em condições experimentais.
Entretanto, foi na escola britânica que os estudos sobre imagem
corporal aprofundaram-se, segundo Fisher (1990, apud BARROS,
2005), tanto nos aspectos neurológicos quanto nos fisiológicos. O autor
expõe que o neurologista Henry Head, do London Hospital, foi o pri-
meiro a usar o termo “esquema corporal” e também o primeiro a cons-
truir uma teoria segundo a qual, cada indivíduo constrói um modelo ou
figura de si mesmo que constitui um padrão contra os julgamentos da
postura e dos movimentos corporais.
Segundo Barros (2005), contudo, a maior contribuição nesta área
foi dada por Paul Schilder, que desenvolveu sua experiência tanto na
neurologia como na psiquiatria e na psicologia. Schilder divergiu de
Head, especialmente ao integrar o nível psíquico, a personalidade, aos
níveis anatomo-fisiológicos já admitidos (PENNA, 1990).
Schilder (1980) considera a imagem corporal um fenômeno
multifacetado. Em suas investigações, analisou este conceito, não ape-
nas no contexto do orgânico, mas também na psicanálise e na sociolo-
gia. Em sua definição de imagem corporal, diz que esta se refere não
unicamente a uma construção cognitiva, mas também a uma reflexão
dos desejos, atitudes emocionais e interação com os outros. Uma de
suas mais importantes contribuições foi a introdução da idéia de que a
imagem do corpo não é constituída somente por fatores patológicos,
mas também engloba eventos diários que igualmente contribuem para
a sua construção.

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Segundo Schilder (1980), quando percebemos ou imaginamos um


objeto, não operamos meramente como agentes perceptivos, mas como
personalidades em comunicação com o meio ambiente. Sem menospre-
zar os dados neurológicos (que descrevem a ação mecânica nas estru-
turas perceptivas e cognitivas), o mesmo autor postula, apoiando-se na
psicanálise, que a percepção é um processo no qual a pessoa está en-
volvida por inteiro e, portanto, cada movimento humano, qualquer
gesto simples pode ser “lido” como linguagem do corpo, podendo
revelar aspectos da vida interior do sujeito.
Neste sentido, o uso do termo “imagem corporal” começa a surgir
acompanhado de algumas considerações a respeito de qual seria o ter-
mo correto: “esquema” ou “imagem corporal”.
Observa-se a predominância do termo “esquema corporal” na neu-
rologia e de “imagem corporal” nos meios da psicologia (BARROS,
2005). Contudo, Le Boulch (1992 apud BARROS, 2005, p. 549) afirma
que “a ambigüidade introduzida por esta dupla terminologia cria a im-
pressão de que existiriam um corpo neurológico e, por outro lado, um
corpo espiritual e teria que se fazer esforço para unir os dois corpos”.
Todavia, alguns autores acreditam que realmente há uma diferença
entre os termos citados anteriormente. Entre estes, Rodrigues (1987
apud Barros 2005), preocupado com essa distinção, alega que esquema
corporal é como uma estrutura neuromotora que permite ao indivíduo
estar consciente de seu próprio corpo físico, ajustando-se às solicitações
de situações novas e desenvolvendo ações de forma adequada.
Na vida prática, Costa (2004) afirma que continuamos a distinguir
expressões físicas e expressões mentais do corpo. Segundo o autor,
ninguém confunde, por exemplo, atos mentais como amar e respeitar
com atos físicos como respirar e andar. O fato de não assimilarmos o
físico ao anátomo-fisiológico e de mostrarmos a continuidade entre o
primeiro e as atividades mentais não significa anulação da lacuna
fenomênica existente ambos. O físico e o mental estão, sem dúvida, em
continuidade um com o outro. Entretanto, deve-se entender que con-
tinuidade não é homogeneidade (COSTA, 2004).
Para Dolto (2004) também não se deve confundir “imagem do
corpo” com “esquema corporal”. Esquema corporal é o corpo, ou me-
lhor, o mediador organizado entre o sujeito e o mundo físico, confirma
a autora. É a abstração de uma vivência do corpo nas três dimensões da

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realidade; estrutura-se pela aprendizagem e pela experiência. Esse esque-


ma especifica o indivíduo enquanto representante da espécie, qualquer
que seja o lugar, a época ou as condições nas quais ele vive. Ou seja, é,
em princípio, o mesmo para todos os indivíduos da espécie humana. Em
parte é inconsciente, mas também pré-consciente e consciente. A “ima-
gem corporal”, por sua vez, é, segundo Dolto (2004), peculiar a cada um
e está ligada ao sujeito e à sua história de vida. A autora sugere que a
imagem corporal é específica de uma libido em situação, ou seja, de um
tipo de relação libidinal. Argumenta que é a síntese viva de nossas expe-
riências emocionais: inter-humanas, repetidamente vividas por meio das
sensações erógenas eletivas, arcaicas ou atuais.
Cada um elabora a imagem de seu corpo à sua própria maneira,
enfatizando ou modificando as diferentes partes em função dos mecanis-
mos de sua personalidade e de toda a sua vivência passada e presente,
assegura Van Kolck (1984). Sendo assim, a “imagem corporal” é, para
Dolto (2004), viva, em situação dinâmica, simultaneamente narcísica e
inter-relacional: camuflável ou atualizável na relação aqui e agora.
A imagem corporal seria um fato mental com todas as qualidades
deste tipo de fato: intencionalidade, privacidade e representacionalidade.
Neste sentido, a imagem do corpo seria intencional por implicar obri-
gatoriamente a referência a um outro que lhe é exterior e que compele
ou solicita o sujeito a se representar de uma ou outra maneira. Seria
privada por ser concomitante à existência ou à emergência do eu.
Qualquer imagem do corpo é, ipso facto, experimentada como exclusiva
de “um só eu”. Não existe imagem corporal sem um eu que a reconhe-
ça como “sua propriedade”. Por fim, seria representacional pelo fato de
ser composta de elementos icônicos e descritivos, cujo sentido pressu-
põe um mínimo de competência lingüística. A imagem do corpo seria,
em última instância, lingüisticamente organizada, de modo reflexivo ou
pré-reflexivo, consciente ou inconsciente (COSTA, 2004).
Tanto Schilder (1980) quanto Damásio (2001) entendem que a
noção do corpo estrutura-se nas suas linhas gerais ao longo da infância
e acrescentam que esta se projeta em uma permanente evolução
dialética durante toda a existência do ser humano.
Para Schilder (1980), a imagem corporal é, em seu resultado final,
uma unidade. Contudo, ressalta que essa unidade não é rígida, mas
passível de transformações. De acordo com Van Kolck (1984), esta

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unidade é adquirida e não dada, além de poder ser destruída e implica


em um esforço contínuo para oferecer uma estrutura a algo dinâmico.
A unidade refere-se à possibilidade de junção das variadas relações e
experiências que desenvolvemos ao longo de nossa vida, buscando
sentido através de uma totalidade corporal e imagética de nós mesmos
em constante modificação (BARROS, 2005).
O corpo é simbolizado na estrutura cerebral por meio de realidades
funcionais, mentais ou neurais, conforme Damásio (2001). Algumas re-
presentações corporais permanecem não conscientes, enquanto outras se
tornam conscientes. O autor ainda afirma que o corpo contribui para o
cérebro com algo mais do que a manutenção da vida. Ele também con-
tribui com um conteúdo indispensável para o funcionamento da mente
normal. O corpo, como é representado no cérebro, pode constituir o
modelo imprescindível para os processos neurais, para as interpretações
do mundo externo, para a construção da subjetividade, para o proces-
samento de emoções e sentimentos, para a busca de fonte de sobrevivên-
cia e de um equilíbrio funcional na manutenção da homeostase.
Essa relação colocada por Damásio (2001) é explicitada por
Tardivo, Rizzini, Paulo e Fráguas (1999) a partir de uma pesquisa re-
alizada com 80 pacientes, com idades entre 17 e 73 anos, diagnostica-
dos com depressão secundária. De forma geral, todos os pacientes
investigados revelaram seu sofrimento por meio da utilização de uma
técnica projetiva gráfica. A referida pesquisa conclui que esses pacientes
necessitam de apoio e assistência psicológica, além da assistência médica
que já recebem, uma vez que mostram no corpo sua dor, apresentando,
assim, uma imagem corporal bastante prejudicada.
É em função da nossa imagem do corpo, sustentada e cruzada
com o esquema corporal, que podemos entrar em comunicação com
outrem, pois é na imagem corporal, suporte do narcisismo, que o tem-
po cruza com o espaço, e que o passado inconsciente ressoa na relação
presente (DOLTO, 2004). Assim, para Damásio (2001), o organismo,
pela parceria cérebro-corpo, interage com o ambiente em conjunto, não
sendo uma interação só do corpo ou só do cérebro. Ou seja, o
psiquismo e a motricidade fazem parte de um organismo total, de uma
corrente de interação.
De maneira ilustrativa, na concepção neuropsicológica, o mesmo
autor comenta que se um indivíduo cortasse todos os sinais do cérebro

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para o corpo, seu estado do corpo se alternaria bruscamente e, como


conseqüência, o mesmo sucederia com sua mente. Argumenta ainda que,
caso desligasse apenas os sinais do corpo para o cérebro, sua mente tam-
bém se alteraria. Para ocasionar alterações no estado mental, o autor
sugere que basta a ocorrência de um bloqueio parcial do circuito cérebro-
corpo, como acontece em doentes com lesões na medula espinal.
A relação corpo-cérebro pode ser percebida por meio de uma
pesquisa realizada pelos americanos Noble, Prince e Gilder (1954, apud
VAN KOLCK, 1973) com 66 adultos amputados de guerra. O citado
estudo correlacionou a imagem corporal destes indivíduos com a entre-
vista clínica e, comparando-os com outro grupo de pacientes neuroló-
gicos com alguma perda de função em uma ou mais extremidades, mas
não amputadas, encontraram nos dois casos evidências de ansiedade de
castração, sentimentos agressivos, passividade e desejo de independên-
cia. A análise dos dados, obtidos por meio do desenho da figura huma-
na, mostrou que, em praticamente todos os amputados houve altera-
ções no desenho das extremidades. Pacientes considerados pouco
adaptados à perda de seu membro tenderam a desenhar seu membro
ausente maior que o oposto ou com sinais de ênfase, enquanto os bem
adaptados fizeram a extremidade amputada menor ou a omitiram.
A compreensão dos aspectos psicológicos das doenças pressupõe,
para Novaes (1975), o conhecimento das relações existentes entre as
funções psíquicas e somáticas, tendo a psicologia contribuído muito
através da investigação e da análise dos comportamentos dos indivíduos
enfermos, formulando teorias que procuram explicar a interdependência
dos fenômenos físicos e mentais.
Especificamente a esse respeito, Van Kolck (1984) comenta que,
sendo a imagem corporal o produto de um organismo vivo como um
todo, uma alteração em uma parte do corpo devido a uma doença ou
mal físico, por exemplo, não introduzirá modificações na imagem cor-
poral apenas referente a essa parte; a mudança será geral, pois resultará
de novas relações do indivíduo consigo mesmo e com os outros.
A dor é caracterizada por Novaes (1975) como uma estreita rela-
ção entre o indivíduo e seu corpo. A autora argumenta que em certo
sentido “somos o nosso corpo” e “temos um corpo”, daí a interligação
entre o eu e o corpo. A vivência da dor aparece na zona onde o “ter”
um corpo evolui para o “ser” um corpo.

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Dolto (2004) afirma ainda que golpes orgânicos precoces podem


provocar perturbações no esquema corporal, e estas, por falta ou inter-
rupção das relações “linguageiras”, podem conduzir a modificações
passageiras ou duráveis, por toda a vida, da imagem do corpo. No
entanto, é freqüente que o esquema corporal enfermo e uma imagem
corporal sã do corpo coabitem em um mesmo sujeito. Quando uma
criança é atingida por uma enfermidade é necessário que seu déficit
físico lhe seja explicitado com referência a seu passado não enfermo ou,
ainda, se for o caso, à diferença congenital entre ela e as outras crian-
ças. É importante também que ela possa, pela linguagem mímica e pela
palavra, expressar e fantasmar seus desejos, quer sejam eles realizáveis
ou não, segundo este esquema corporal enfermo (DOLTO, 2004).
Assim, uma criança paraplégica tem necessidade de brincar verbal-
mente com a mãe, de acordo com Dolto (op. cit.), falando sobre ativi-
dades como correr, saltar, coisas que sua mãe sabe, assim como ela
mesma, que jamais poderá realizar. Ela projeta uma imagem sã do
corpo, simbolizada pela palavra e pelas representações gráficas, em
fantasmas de satisfações eróticas, na troca de sujeito para sujeito. A
mesma autora comenta ainda que, se os desejos da criança forem fala-
dos a alguém que os aceite em um jogo projetivo, isto pode permitir ao
sujeito integrar na linguagem tais desejos, apesar da realidade, ou seja,
da enfermidade de seu corpo. A linguagem traz à criança as descobertas
de meios pessoais de comunicação. Assim, sua imagem do corpo pode
ser inteiramente sã e permitir uma linguagem de comunicações inter-
humanas tão completas e tão satisfatórias para ela quanto as de um
indivíduo não-enfermo. É o caso de Denise Legrix, mulher-tronco,
autora do livro Née comme ça1, que, doente de nascença, foi amada por
seu pai, sua mãe e pelo meio social.
Todavia, segundo Amiralian (1986), a representação mental que
uma pessoa tem de seu corpo e suas partes é um elemento básico da
formação do autoconceito, e o desenvolvimento deste também é difi-
cultado ao sujeito divergente, tanto porque o âmbito de suas experiên-
cias é mais limitado, o que o impede de um maior conhecimento de seu
próprio corpo, como também porque as percepções de sua imagem
refletida no espelho são freqüentemente negadas aos indivíduos excep-
1
Paris, Kent-Segep, 1972.

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cionais. Ressalta que nos casos de sujeitos com perdas ocorridas pos-
teriormente, a reformulação da auto-imagem é uma tarefa difícil. A
aceitação de um corpo mutilado freqüentemente se relaciona com sen-
timentos de menos valia.
Para Novaes (1975), indivíduos com deficiências sensórias apresentam
dificuldades em integrar seu esquema corporal, decorrendo, muitas vezes,
deformações imaginadas e dificuldades de ajustamento da personalidade.
Um dos principais aspectos psicológicos a se considerar no proces-
so de reabilitação é o da aceitação da incapacidade pelo indivíduo, pois
muitas vezes ele está fixado à imagem do que era antes da doença e não
consegue ajustar-se a seu novo estado físico. Muitos enfermos, mal
informados sobre suas limitações físicas, vivem na ilusão de um dia
tornarem a ser o que eram anteriormente, não enfrentando a realidade
de sua enfermidade (NOVAES, 1975).
Neste sentido, a autora destaca a necessidade de adaptação, com-
preendendo-a como um processo unitário e total das funções psíquicas
que se evidencia pelo esforço significativamente coerente da persona-
lidade na determinação de sua conduta, estabelecendo uma relação
adequada ao mundo no qual está inserido. Aceitar-se como deficiente
implica, segundo a autora, uma confrontação com valores sociais nega-
tivos incorporados pelo indivíduo antes do advento traumático.
Sendo assim, os problemas de ajustamento dos sujeitos excepcio-
nais não são decorrentes apenas de sua condição intrínseca, mas pri-
mordialmente, da necessidade destes indivíduos se ajustarem a uma
sociedade e uma cultura organizadas para sujeitos física, intelectual,
social e emocionalmente perfeitos. Isto porque através dos tempos, o
excepcional vem sendo considerado de diferentes maneiras, sempre
relacionadas aos valores sociais, morais, filosóficos, éticos e religiosos,
isto é, relacionados ao modo pelo qual o homem é visto e considerado
nas diferentes culturas (AMIRALIAN, 1986).
Segundo Novaes (1975), pode-se dizer que desajustado é o indiví-
duo que, por um lado, não se adaptou às exigências e limitações impos-
tas pela realidade e, por outro, não usou meios e recursos para modi-
ficar essa realidade a fim de torná-la aceitável e passível de adaptação.
Como afirma Amiralian (1986), a própria designação do grupo
como “excepcional”, “divergente”, “anormal”, em algumas caracterís-
ticas específicas, supõe que a sociedade seleciona certos atributos e

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normas, considerando-os desejáveis. Assim, aqueles indivíduos que


fogem aos padrões estabelecidos nestas normas são considerados diver-
gentes e tratados como tais.
O avanço real ou idealizado da ciência e da tecnologia mudou o perfil
da idealização da imagem corporal. Até pouco tempo, buscava-se alcançar
no futuro a perfeição mítica do passado sentimental. Hoje se imagina que
a perfeição será conseguida pela perfeição física prometida pelas novas
tecnologias médicas. O sujeito contemporâneo padece de um fascínio crô-
nico pelas possibilidades de transformação física anunciadas pelas próteses
genéticas, químicas, eletrônicas ou mecânicas (COSTA, 2004).
Estas considerações nos levam a assinalar que, conforme Amiralian
(1986), o aspecto fundamental e característico a todos os excepcionais
é o fato de serem desviantes naquelas características valorizadas em
determinada cultura, e não tanto em suas características orgânicas, sen-
do as respostas específicas do meio ambiente mais importante que elas.
A mesma autora ainda afirma que os indivíduos excepcionais
aprendem os supostos padrões de comportamento e atitudes que de-
vem adotar em suas relações pessoais com as pessoas “normais” e com
as organizações que existem para os servir e ajudar. Raros são os indi-
víduos excepcionais que podem ignorar as crenças estereotipadas
mantidas pelos “normais”. Na realidade, alguns passam a acreditar
nestes estereótipos e os interiorizam, outros se defendem deles de di-
versas formas. Em ambos os casos, tais crenças constituem um fato
com o qual as pessoas deficientes se confrontam.
De acordo com Fromm (1974), um indivíduo representa a raça
humana. Ele é um exemplo específico da espécie humana; ele é “ele”,
é “todo”; ele é um indivíduo com suas peculiaridades e, nesse sentido,
sem igual, mas ao mesmo tempo representativo de todas as caracterís-
ticas da raça humana. Sua personalidade individual é determinada pelas
particularidades da existência humana, comuns a todas as pessoas.
A personalidade, neste caso, é definida por Novaes (1975) como
a síntese individual e dinâmica que integra experiências vitais, podendo-
se considerar que atitudes de isolamento, oposição ou passividade são
modalidades adaptativas decorrentes de situações de enfermidade. Ain-
da segundo a autora, os conflitos interpessoais traduzem-se por atitudes
rígidas, distorções perceptivas, falta de comunicação e fechamento da
personalidade às experiências de vida, muito comuns nos enfermos.

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Diversos estudos demonstram que a percepção de como somos


vistos e avaliados pelos outros se constitui em um fator fundamental do
autoconceito e do comportamento. De acordo com Schilder (1980), o
efeito social da percepção da deficiência pelos outros desempenha papel
relevante na imagem corporal do indivíduo acentuando-se nos casos de
deficiência mais perceptiva. Assim, a consideração social dos indivíduos
excepcionais como diferentes, e por esta razão com comportamentos
e atitudes distintos do maioria, por este motivo inadequados, leva-os a
comportamentos decorrentes deste fato (AMIRALIAN, 1986).
Uma atitude definida como primordial e fundamental em relação aos
indivíduos excepcionais é a discriminação, assegura Amiralian (1986). Em
outras palavras, seja física ou psicologicamente, os indivíduos excepcio-
nais são isolados ou tratados de forma diferente em suas relações
interpessoais. Esta atitude, argumenta a autora, pode ter várias explica-
ções; uma delas é que o indivíduo divergente constitui uma ameaça às
normas e valores estabelecidos e, por este motivo, os indivíduos comuns
não sabem como se relacionar com o sujeito cego, com deficiência física
ou homossexual. As relações sociais com estes indivíduos são freqüen-
temente carregadas de ansiedade, embaraço e desconforto.
Estes sentimentos causam no indivíduo desviante dificuldades no
estabelecimento de relações interpessoais, além de propiciarem meca-
nismos para procurar minimizar estas dificuldades (AMIRALIAN,
1986). Alguns mecanismos de defesa são continuamente mencionados
na literatura sobre o ajustamento à incapacidade. De acordo com
Novaes (1975), estes mecanismos serão positivos quando a personali-
dade se beneficiar de sua utilização adequada e negativos quando seu
emprego abusivo ou inadequado resultar em prejuízos para a persona-
lidade.
A negação, projeção, formação reativa e regressão, segundo
Amiralian (1986), parecem ser mecanismos usados com freqüência
pelos sujeitos excepcionais. Novaes (1975) complementa esta idéia
afirmando que a repressão, sublimação, identificação, racionalização,
fuga na fantasia e compensação também são mecanismos utilizados
constantemente por pessoas com deficiência.
A negação é definida por Amiralian (1986) como a recusa da per-
cepção de um fato que se impõe no mundo exterior. Afirma que idéias
particularmente causadoras de ansiedade são afastadas no nível cons-

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ciente. Muitas vezes o sujeito nega sua incapacidade não se consideran-


do cego, surdo ou portador de paraplegia, e desta forma a angústia
provocada pela situação frustrante não aparece.
A projeção refere-se à atribuição de sentimentos inconscientes,
necessidades ou conflitos a outras pessoas, de acordo com Novaes
(1975). Um sentimento particularmente inaceitável é expresso no am-
biente. Muitos incapacitados, segundo a autora, projetam nos outros
seus conflitos e dificuldades pessoais.
Para Amiralian (1986), a formação reativa refere-se à expressão
de sentimentos opostos àqueles realmente existentes no nível incons-
ciente. A autora exemplifica que um pai com uma aversão inaceitável
pelo filho incapacitado pode superprotegê-lo e, assim, sentir-se muito
amoroso para com ele.
Novaes (1975) define a regressão como uma defesa de fuga pela
qual a pessoa usa a fantasia como uma forma de livrar-se da tensão
psíquica; seus comportamentos expressam sentimentos vivenciados em
fases anteriores do desenvolvimento. Muitos doentes regridem pela
situação de dependência que vivem. A repressão não representa, para
a autora a supressão do material reprimido, o que explica os “atos fa-
lhos”, ou seja, a exteriorização em diversas formas de motivos incons-
cientes e fobias, muito encontrados em quadros neuróticos.
No que diz respeito à sublimação, continua a autora, esta consiste em
transformar a energia vital contida nos impulsos socialmente inadequados
e censurados em outras formas aceitas pelo indivíduo e pela sociedade. Na
sublimação dá-se a mudança de objetos, de fins ou de meios. No caso da
identificação, pressupõe a absorção de formas de comportamento, seja de
pais, líderes ou heróis, com os quais o indivíduo se identifica, passando a
reagir como se fosse tais pessoas. A racionalização procura, com dados de
lógica aparente, conciliar a realidade dos fatos com atos e atitudes que não
seriam aceitos sem tal explicação. O indivíduo tenta uma desculpa racional
para fatos reprováveis em si ou que geram sofrimento e mal-estar. Os
incapacitados utilizam-se desse mecanismo freqüentemente e a própria
doença é a desculpa para não terem que enfrentar a realidade e seus pro-
blemas. Pela fuga o indivíduo refugia-se no plano da fantasia e no mundo
dos sonhos, insatisfeito que está com a realidade, procurando concretizar
seus desejos e aspirações pelo devaneio; também é muito utilizada por
pacientes frustrados em suas aspirações pessoais (NOVAES, 1975).

Psicólogo
inFormação, ano 11, n. 11, jan./dez. 2007
A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 39

Ainda segundo a autora, a compensação é caracterizada como um


grande esforço de compensar sentimentos de inferioridade ou de insu-
ficiência. Uma situação relatada por Freud e destacada por Amiralian
(1986), exemplifica um outro mecanismo utilizado por sujeitos incapa-
citados. É o caso do operário que sofreu um acidente e, como compen-
sação, começa a explorar sua mutilação, tornando-se mendigo. Isto é
considerado por ele uma vantagem secundária da incapacidade e obser-
vado em situações variadas. A incapacidade passa, então, a servir como
uma desculpa social, pessoalmente aceitável. Ela pode ser usada como
escapatória diante de uma situação de competição e como uma maneira
de se esquivar de responsabilidades sociais.
Problemas de adaptação só são desencadeados pela doença, pois,
segundo Novaes (1975), já existiam anteriormente, neutralizados por
condições mais estáveis de vida. Portanto, a autora afirma que nem
sempre a gravidade da problemática psicológica está em relação com a
natureza e gravidade da doença. Há enfermos com doenças muito gra-
ves e incuráveis e reagem melhor do que outros que apresentam enfer-
midades passageiras e não tão graves, sendo que suas atitudes psicoló-
gicas dependem das áreas mobilizadas pela doença, por vezes as mais
conflituosas, confirma a autora.
O sentido psicológico de adaptação está diretamente ligado ao de
satisfação das necessidades básicas do indivíduo e ao de integração
psíquica. Para que haja adaptação é necessário haver consistência e
persistência de propósitos, atitudes, interesses e sentimentos, conco-
mitantemente com grau de flexibilidade diante de obstáculos e condi-
ções ambientais (NOVAES, 1975).
De acordo com Amiralian (1986), a rotulagem é considerada ou-
tra condição estigmatizante usada pela sociedade e possui alto poder
de desvalorização, podendo, inclusive, prejudicar a adaptação. Segun-
do a autora, a pessoa rotulada de retardada mental, paraplégica ou
qualquer outro nome pelo qual se conhecem os excepcionais é
identificada imediatamente como incompetente ou não atrativa, em
resposta ao rótulo verbal que lhe é imputado. Explica que a rotulagem
verbal é um hábito generalizado e utilizado freqüentemente em situ-
ações sociais e serve como proteção para o observador contra erros
eventuais na inter-relação pessoal. O grande problema da rotulagem
é a generalização excessiva. Em decorrência disto, conclui que os

Psicólogo
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40 MARIANA T. DE CAMPOS; HILDA R. C. AVOGLIA; EDA M. CUSTÓDIO

indivíduos perdem sua identidade pessoal e só são reconhecidos pelo


rótulo verbal que lhes foi imputado.
Dessa maneira, um importante aspecto que afeta as pessoas com
deficiência é a terminologia usada para se referir a elas. O uso correto
ou não de termos técnicos, argumenta Sassaki (2003), não é apenas uma
questão semântica ou sem importância se quisermos falar ou escrever,
em uma perspectiva inclusiva, sobre qualquer assunto de cunho huma-
no. A terminologia correta é especialmente importante quando aborda-
mos assuntos tradicionalmente contaminados de preconceitos, estigmas
e estereótipos, como é o caso das deficiências.
Tanto na pesquisa quanto na prática da área da deficiência existem
indefinições de conceitos, com variações relacionadas aos modelos
médico e social, resultando em dificuldades na aplicação e utilização do
conhecimento produzido. Evidencia-se, assim, a importância de se
esclarecer melhor essa conceituação (AMIRALIAN, 2000).
Em uma perspectiva histórica, Sassaki (2003) indica que a utiliza-
ção de termos como aleijado, defeituoso, incapacitado, inválido era
freqüente até a década de 1980. A partir de 1981, por influência do
Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começou-se a escrever e
usar, pela primeira vez, a expressão “pessoa deficiente”. Aos poucos
entrou em uso a expressão “pessoa portadora de deficiência”, freqüen-
temente reduzida para portadores de deficiência. Por volta da metade
da década de 1990, entrou em uso a expressão “pessoas com deficiência
física”, que permanece até os dias de hoje.
Deficiência é

perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou


anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de
uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qual-
quer outra estrutura do corpo, inclusive funções mentais (AMIRALIAN,
2000, p. 98).

Em um trabalho anterior, Amiralian (1986) classifica os deficientes


em três grandes grupos: condições intelectuais (superdotação, infrado-
tação, distúrbios de aprendizagem); condições físicas e condições
socioemocionais (desajustes sociais e distúrbios emocionais). De acordo
com a autora, as condições físicas subdividem-se em quatro subgrupos:

Psicólogo
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A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 41

deficiências físicas e sensoriais, problemas ortopédicos, problemas da


fala e problemas especiais de saúde. Os indivíduos classificados com
problemas ortopédicos são os que apresentam qualquer tipo ou grau de
dificuldade corporal, em prejuízo da movimentação física. Os defeitos
físicos manifestam-se de várias maneiras e resultam de diferentes fatores
como: anomalias congênitas, infecções, distúrbios metabólicos,
traumatismos e causas diversas ou desconhecidas (AMIRALIAN, 1986).
O estudo das lesões e processos patológicos que acometem o siste-
ma nervoso contribuem fundamentalmente para o conhecimento deste
sistema, particularmente no homem, no qual não se podem fazer expe-
riências, conforme Machado (2000). Com efeito, a correlação entre a
localização anatômica de uma lesão e o sintoma clínico observado é um
dos processos mais utilizados para se estabelecer o significado funcional
de uma área do sistema nervoso central. O autor afirma ainda que as
lesões do sistema nervoso segmentar manifestam-se principalmente por
alterações da motricidade e da sensibilidade. As alterações da motricidade
podem ser da motricidade voluntária, do tônus ou dos reflexos. A inca-
pacidade parcial de realizar movimentos voluntários denomina-se paresia;
a incapacidade total, paraplegia (ou paralisia). Assim, temos hemiplegia
quando a perda da motricidade voluntária ocorre em todo um lado do
corpo; tetraplegia, nos quatro membros; paraplegia, nos dois membros
inferiores; monoplegia, em um só membro.
As principais alterações da sensibilidade são: anestesia, desapare-
cimento total de uma ou mais modalidades de sensibilidade após
estimulação adequada (sensibilidade tátil); hipoestesia, diminuição da
sensibilidade; hiperestesia, aumento da sensibilidade; parestesias, apa-
recimento, sem estimulação, de sensações espontâneas e mal definidas
(“formigamento”); algias, as dores em geral (MACHADO, 2000).
Incapacidades de locomoção e problemas relacionados às funções
sexuais e excretórias são freqüentes em pacientes com deficiência física,
especificadamente a paraplegia, com significado diverso para cada paci-
ente, sendo necessárias medidas cirúrgicas, além de recursos químicos
para aliviar as dores constantes. Também são comuns os conflitos
psicossexuais em pacientes que não aceitam suas limitações físicas. Con-
siderando-se que o impulso sexual está ligado a uma das necessidades
básicas do indivíduo, a repercussão da doença nas atividades sexuais dos
doentes pode ser grande. Um ajustamento sexual satisfatório pressupõe

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capacidade sexual e relações sexuais normais, trazendo satisfação tanto


para o homem como para a mulher. Freqüentemente, tais pacientes não
podem ter mais relações sexuais por incapacidade funcional, aparecendo
problemas de masturbação exagerada, comportamentos sexuais exibi-
cionistas, assim como sentimentos de inferioridade e insegurança que
ocasionam impotência psíquica. Muitos pacientes masculinos procuram,
a todo momento, provar a si mesmos que a capacidade sexual não foi
prejudicada pela doença (NOVAES, 1975).
Outro aspecto geral considerado por Novaes (1975) é o medo de
voltar a ter relações sexuais depois da doença, o receio de gravidez ou o
pavor da impotência. Há casos, comenta a autora, em que os doentes ser-
vem-se da doença e da incapacidade como desculpa para evitar as relações
sexuais e justificar a perda dos atrativos sexuais. A mesma autora destaca
ainda a obsessão sexual e o desejo compulsivo de manter relações sexuais,
apesar das seqüelas das enfermidades (sobretudo em homens), para provar
a todo instante sua virilidade. Embora sejam esses aspectos específicos da
enfermidade, não se pode afirmar que haja uma personalidade típica de
pessoa com paraplegia, pois a conduta varia de acordo com as caracterís-
ticas individuais e mecanismos psicológicos. Deve-se compreender que as
reações dos enfermos envolvem atividades psíquicas conscientes e incons-
cientes e dependem das condições do desenvolvimento de sua imagem e
esquema corporais, uma vez que a pessoa com paraplegia deverá integrar
uma nova imagem corporal e reformular seu autoconceito.
A complexidade do tema apresentado justifica a realização do pre-
sente estudo cujo objetivo é verificar a representação do próprio corpo
em indivíduos com deficiência física, especificamente a paraplegia, bus-
cando identificar como a condição física específica de deficientes interfere
na formação de sua imagem corporal.

Método

Participantes
Participaram deste estudo dois adultos do sexo masculino, solteiros.
O primeiro sujeito possui ensino fundamental incompleto e o segundo,
ensino superior incompleto. Ambos com deficiência física, mais especi-
ficamente, paraplegia não congênita. Em função de ser considerada
população de risco, os participantes estavam vinculados a uma instituição

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A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 43

que conta com apoio psicológico orientado pelo NEPAP (Núcleo de Es-
tudos, Pesquisa e Atendimento em Psicologia) da Faculdade de Psicologia
e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo.

Local
O estudo realizou-se na clínica-escola de Fisioterapia da Universida-
de Metodista de São Paulo, localizada no Campus Rudge Ramos, São
Bernardo do Campo / SP. A coleta dos dados deu-se em uma das salas
da respectiva clínica-escola, previamente determinada pela coordenação.

Instrumentos e materiais
Foi utilizada a entrevista semi-estruturada com um roteiro preesta-
belecido abordando o tema da deficiência física adquirida e como ela
alterou os aspectos sociais, orgânicos e emocionais dos indivíduos. Uti-
lizou-se também o Teste do Desenho da Figura Humana, de Karen
Machover, apresentado de forma sistemática em 1949 e aplicado con-
forme Van Kolck (1984).

a) ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Bleger (1980) afirma que a teoria que a embasa esse tipo de entre-
vista foi influenciada por conhecimentos provenientes da psicanálise, da
gestalt, da topologia e do behaviorismo. O autor enfatiza ainda que a
entrevista é um instrumento fundamental do método clínico e é uma
técnica de investigação científica em Psicologia. Enquanto técnica, tem
seus próprios procedimentos ou regras empíricas com as quais se
amplia, verifica e aplica o conhecimento científico.
Quanto ao aspecto formal, Tavares (2000) indica que as entrevistas
podem ser divididas em estruturadas, semi-estruturadas (como é o caso
do presente estudo) e de livre estruturação. Quanto aos objetivos, um
esforço para classificar as entrevistas seria uma tarefa bem mais com-
plexa, devido à interdependência entre abordagem e objetivos. Dada a
enorme variedade de objetivos instrumentais, conforme o tipo de abor-
dagem, de problemas apresentados e de clientelas atendidas, não se tem
a intenção de tentar classificar as entrevistas neste nível.
No que se refere especificamente à entrevista semi-estruturada,
esta se caracteriza, de acordo com o mesmo autor, pelo fato de o
entrevistador ter clareza de seus objetivos, do tipo de informação ne-

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cessária para atingir estes objetivos, e da informação que deve ser


obtida, quando ou em que seqüência, em que condições devem ser
investigadas e como deve ser considerada. Enfatiza que esse tipo de
entrevista aumenta a confiabilidade da informação obtida e permite a
criação de um banco de dados úteis à pesquisa.
Entretanto, a entrevista não pode substituir e nem excluir outros
procedimentos de investigação da personalidade, mas estes últimos
também não podem prescindir da entrevista (BLEGER, 1980). Para
Ocampo et al. (1990), a entrevista é “uma” técnica, e não “a” técnica.
É insubstituível enquanto cumpre certos objetivos do processo do
psicodiagnóstico, mas os testes apresentam certas vantagens que os
tornam insubstituíveis e imprescindíveis.

b) TESTE DO DESENHO DA FIGURA HUMANA


A realização deste estudo também contou com a utilização de
outro instrumento. Trata-se do Teste do Desenho da Figura Humana
cujo nome original, de acordo com Van Kolck (1984), é Draw-a-person
test (DAP) ou Human Figure Drawing (HFD).
Enquanto teste psicológico, o desenho da figura humana é um
procedimento que busca medir o fenômeno psicológico e, portanto,
procura atender às exigências do método experimental. Sendo medida,
um teste psicológico é uma amostra padronizada e objetiva de compor-
tamento humano. Enquanto amostra do comportamento, um teste não
mede diretamente uma capacidade, uma função ou um traço, mas o
comportamento indicativo desses aspectos. Na medida em que o com-
portamento escolhido é realmente indicação do traço estudado, o teste
pode ser considerado válido (VAN KOLCK, 1977).
O Desenho da figura humana é classificado como “teste projetivo”.
A mesma autora afirma que o termo “projetivo” foi lançado em 1939 por
Franck e logo ganhou ampla difusão e emprego. Passou a designar aque-
les procedimentos para estudo da personalidade que apresentam como
situação-estímulo algo pouco estruturado e mal definido, vago e impre-
ciso, que não tenha significado estabelecido pela opinião do
experimentador e ao qual o sujeito possa imprimir um sentido particular.
Van Kolck (1977) ainda ressalta que, na abordagem projetiva, os
instrumentos buscam revelar a qualidade da personalidade de um sujeito
e acentuam a compreensão da personalidade total.

Psicólogo
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A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 45

Segundo Dolto (2004), os desenhos, cores espalhadas, formas são,


desde cedo, meios de expressão espontâneos para a maioria das crian-
ças. As instâncias da teoria freudiana sobre o aparelho psíquico (id, ego,
superego) são assinaláveis em qualquer composição livre, seja ela gráfica
(desenho), plástica (modelagem) ou outras. Machover (1967) concorda
com a afirmação e acrescenta que o desenho de uma pessoa representa
a expressão do eu ou do corpo no ambiente. Aquilo que é expresso
pode ser definido como uma imagem como uma imagem corporal,
reflexo complexo da imagem de si mesmo.
Dessa maneira, o Teste do Desenho da Figura Humana é uma
técnica gráfica, simples e rápida. Segundo Hammer (1981), esta técnica
pode ser enfocada como um tipo de teste situacional no qual o sujeito
se defronta não apenas com o problema de desenhar uma pessoa, mas
com o problema da orientação, adaptação e comportamento numa si-
tuação determinada. Em seus esforços para resolver tais problemas, o
sujeito engaja-se em um comportamento verbal, expressivo e motor.
Este comportamento, assim como o próprio desenho, fornece os dados
para a análise psicológica.
A aplicação consiste em solicitar ao sujeito que desenhe uma pessoa
e, em seguida, outra pessoa do sexo oposto ao da primeira. Os materiais
utilizados são lápis preto n. 2 com ponta regular, borracha e folhas de
papel em branco tamanho ofício. Após a obtenção dos desenhos, solicita-
se ao sujeito que responda a um inquérito, com o intuito de complemen-
tar a expressão gráfica com a expressão verbal (MACHOVER, 1967). De
acordo com Van Kolck (1975), a aplicação é de uso individual, como será
a proposta deste trabalho, mas pode ser adaptada para grupos.

Procedimento
Por ser considerada uma população de risco, buscamos assegurar
que os participantes do estudo teriam o apoio psicológico necessário
por meio da atuação de estagiários supervisionados do NEPAP (Núcleo
de Estudos, Pesquisa e Atendimento em Psicologia) da Faculdade de
Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo.
Posteriormente, verificou-se junto ao coordenador da clínica-escola
de Fisioterapia a possibilidade da realização do presente estudo no
próprio local. Após o consentimento, foram apresentados os pacientes
da clínica de Fisioterapia com paraplegia não congênita. Esses pacientes

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foram convidados a participar do estudo e, após concordarem e auto-


rizarem, iniciou-se a coleta de dados.
Primeiramente, foi apresentado e assinado o Termo de Consen-
timento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme exigências éticas. Este
documento ressalta o aspecto sigiloso e voluntário da participação,
esclarecendo que a não colaboração com a pesquisa ou eventual desis-
tência no decorrer da investigação não acarretará qualquer prejuízo à
continuidade de seu tratamento junto à instituição.
A seguir, os participantes foram então convidados para uma entre-
vista semi-estruturada, individual, conforme previsto no roteiro e, pos-
teriormente, foram submetidos à aplicação da técnica gráfica, também em
caráter individual. O local, dia e horário para a realização das entrevistas
atenderam, preferencialmente, à disponibilidade dos entrevistados.

Tratamento dos dados


Após a realização da entrevista e da aplicação do teste, os dados
obtidos foram analisados qualitativamente, a partir da padronização pro-
posta por Van Kolck (1984), considerando-se que a maioria dos pesqui-
sadores responsáveis pelos avanços da técnica considera este sistema mais
profundo e revelador, ainda que menos objetivo e sistemático do que o
exame quantitativo (Benez; Peres; Santos, 2003). Entretanto, para tornar
a análise do material coletado mais ordenada e sistemática, foi elaborada
uma síntese qualitativa para cada um dos integrantes da amostra.

Resultados
Caso 1
Identificado como João da Silva2, 21 anos.
Durante a entrevista semidirigida, João relata que a paralisia ocor-
reu há cinco anos, enquanto esperava o ônibus. Na parada do ônibus
havia mais dois homens a seu lado. Os dois homens começaram a
brigar e, de repente, um deles sacou uma arma e começou a atirar. O
tiro atingiu o participante. João relata que não teve tempo de correr
nem de fazer nada. Para o participante, a paralisia alterou sua vida em
todos os aspectos; “da noite para o dia” tudo em sua vida mudou.

2
O nome do participante foi modificado a fim de preservar sua identidade.

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Teste do Desenho da Figura Humana:

Figura 1. Desenho da figura masculina e feminina produzida pelo sujeito do caso 1

Apesar de estar identificado com o sexo masculino, o participante


mostrou-se desinteressado e desencorajado pelo sexo oposto, apresen-
tando virilidade insegura e débil. Essa virilidade insegura deve-se ao fato
de uma forte repressão na esfera sexual causando conflito entre a ex-
pressão e o controle do impulso sexual, resultando em ansiedade e
racionalização da tensão representada pela divisão do corpo em zonas:
do tronco superior e inferior.
O mundo não se apresenta ativamente cerrado para este indiví-
duo, mas percebido vagamente, como uma espécie de massa não dife-
renciada. Apresenta problemas de contato, expressão de evasão, adap-
tação social e hostilidade para com os outros, o que evidencia que o
sujeito vivencia uma fase imatura e egocêntrica, e de desentusiasmo ou
medo quanto à aceitação dos aspectos maduros do corpo.

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Por meio de sua produção gráfica, o participante demonstra passivi-


dade, atitude de expectativa diante da vida, falta de autonomia, fuga diante
do contato, rejeição, inibição, reserva, nostalgia, desejo de obter aprovação,
desejo de retornar ao passado e/ou permanecer absorto em fantasia.
Foram representados graficamente aspectos patológicos ligados a
sentimentos de constrição e de castração, gerando uma preocupação
com a necessidade de controlar a expressão de impulsos agressivos ou
hostis, características de pessoas severas e excessivamente morais.

Caso 2
Identificado como Pedro Moraes3, 25 anos.
Relata que sua paralisia ocorreu há cinco anos durante um assalto
(confirma o dia, mês e ano com precisão). O acidente aconteceu na
rua onde o participante reside. Estava dirigindo sua moto. Dois ho-
mens surgiram em outra moto e pediram para ele parar, ameaçando
atirar se não obedecesse. O participante afirma que parou a moto,
mas mesmo assim eles atiraram. O tiro o atingiu nas costas e Pedro
teve diagnóstico de lesão medular.
Em relação às atividades que o participante estava acostumado a
fazer em seu dia-a-dia, relata que a paralisia modificou algumas coisas,
pois jogava futebol, era professor de dança e trabalhava em casas no-
turnas (boates). Atualmente, freqüenta curso de graduação em Química
e trabalha em uma empresa privada.
Por outro lado, o sujeito afirma que faz tudo que lhe é possível fazer;
quando não dá, ele tenta. Explica que sempre tenta antes de dizer que não
consegue realizar alguma coisa. Segundo Pedro, a deficiência vem da cabe-
ça, não do corpo, e confirma que não demorou muito para se adaptar à
deficiência; levou cerca de um mês. O participante diz ainda que sua família
e seus amigos lhe deram muito apoio. O círculo de amizades foi mantido
e se fortaleceu; além disso, a família se uniu para ampará-lo.
O participante relata ainda que aprendeu muitas coisas, que a
deficiência o amadureceu, aprendeu a conhecer a palavra “valor”. Pedro
afirma que era “muito louco”, não se preocupava com as coisas sérias
da vida, mas hoje é mais responsável. Diz também que deu mais valor
à palavra paciência, aprendeu a ouvir um “espere aí”.
3
O nome do participante foi modificado a fim de preservar sua identidade.

Psicólogo
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Pedro comenta que aonde vai, faz amizades. Teve dificuldade no


começo, mas agora consegue fazer tudo, pois afirma que tem força
moral e física, e que a força moral é bem melhor que a física.
Teste do Desenho da Figura Humana:

Figura 2. Desenho das figuras masculina e feminina produzido pelo sujeito do caso 2

O participante apresenta uma atitude de expectativa diante da vida


demonstrando passividade, ansiedade, falta de confiança em si, mani-
festando timidez, inibição, nostalgia. Observa-se o desejo de retornar
ao passado ou permanecer absorto na fantasia, num esforço incons-
ciente para deformar a realidade, escapando da insegurança. Sua iden-
tidade é amparada pela fantasia, indicativo de evasão dos problemas de
relacionamento pessoal e do encontro de novas situações.
O participante identifica-se estreitamente com as figuras paterna e
materna, tendo elas um papel dominante, embora se observe uma depre-

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ciação e/ou hostilidade para com o sexo feminino e uma real importância
ao sexo masculino, pois identifica-se com o próprio sexo e o valoriza.
Apesar de estar identificado com o sexo masculino, demonstra personali-
dade infantil, dependência e inadequação, repressão ou fixação à dependên-
cia oral. Também se verificou necessidade de mostrar virilidade, pois esta
é insegura e débil, com desordem sexual e sensibilidade primitiva associada
a impulsos sexuais infantis. Dessa maneira, demonstra uma preocupação
fálica com suspeitas de sentimentos de impotência. Apesar de verificar-se
ambição com certo poder de realização, há presença de sentimentos de
ambivalência no que se refere a seu impulso para autonomia.
Exerce um controle rígido sobre si mesmo, pois se preocupa com
seus impulsos, demonstrando, assim, moralismo e repressão de sua
agressividade. Essa forma específica de controle racionalizado torna-o
dependente da aprovação e afeto dos outros, sendo muito suscetível à
ofensa e resistente à autoridade. Daí a ênfase excessiva e a confiança
exagerada nas funções sociais e educacionais, com uma correspondente
subestima do corpo e dos impulsos vitais. Observa-se repressão na
esfera sexual, indicando um forte conflito entre a expressão e o contro-
le do impulso sexual, conflito representado pela divisão do corpo,
gerando, assim, ansiedade com relação a essa divisão das zonas do tron-
co superior e inferior.

Discussão
Após a aplicação das entrevistas e análise das produções gráficas,
os resultados permitem afirmar que os participantes demonstraram
alterações em termos da imagem corporal. Em ambos os casos, foi
possível verificar a presença de um conflito representado pela divisão
do corpo em partes. Observa-se que o tronco, os membros superiores
e inferiores e a cabeça geram ansiedade com relação a essa divisão das
zonas, especialmente do tronco superior e inferior. Este aspecto eviden-
cia que a alteração da representação mental do próprio corpo dos par-
ticipantes está intimamente relacionada com a deficiência física, mais
especificamente, com a paraplegia.
Em suas investigações, Schilder (1980) analisou a imagem corporal
não apenas sob a dimensão orgânica. Conclui que a imagem corporal
é um fenômeno multifacetado e que se refere não apenas a uma cons-
trução cognitiva, mas também a uma reflexão dos desejos, atitudes

Psicólogo
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A IMAGEM CORPORAL DE INDIVÍDUOS COM PARAPLEGIA... 51

emocionais e interação com os outros, conforme observamos nos dois


casos aqui analisados.
Como afirma Van Kolck (1986), a imagem corporal é o produto
de um organismo como um todo, portanto, uma alteração por uma
enfermidade em uma parte dele não afetará sua imagem corporal apenas
em relação a essa parte; a mudança será geral, pois resultará de novas
relações do indivíduo consigo mesmo e com os outros. O presente
estudo confirma esta conclusão, pois este indicador pode ser verificado
com clareza. Quando relacionamos as entrevistas com a produção grá-
fica, percebemos que os participantes não apresentam conflitos apenas
na área da deficiência física, mas também nas áreas social e sexual.
Tais resultados são compreensíveis já que adaptar-se a uma nova
condição física é algo muito complexo. Conseguir integrar na mente a
deficiência adquirida no corpo mantendo uma imagem do corpo sadia
é algo que demanda grande esforço do indivíduo. Esta condição torna-
se ainda mais complexa na sociedade contemporânea pois, de acordo
com Costa (2004), com o avanço da ciência e da tecnologia o perfil da
idealização da imagem corporal foi transformado. Atualmente se ima-
gina que a perfeição será conseguida pela perfectibilidade física prome-
tida pelas novas tecnologias médicas.
Sendo assim, os problemas de ajustamento identificados nos par-
ticipantes do estudo não decorrem apenas de sua condição física, mas
da necessidade de se ajustarem a uma sociedade e cultura organizadas
para sujeitos perfeitos, como confirma Amiralian (1986).
Ambos os participantes vivenciam graves conflitos em relação à
deficiência. O primeiro sujeito (João) demonstrou, por meio da entre-
vista semi-estruturada e do teste projetivo gráfico, estar pouco adaptado
à sua condição física específica, o que certamente interfere na formação
de sua imagem corporal, alterando-a. Já o segundo sujeito (Pedro)
demonstrou, no relato da entrevista, estar mais adaptado e não ter,
aparentemente, dificuldades em relação à sua deficiência física.
As relações sociais com os indivíduos com deficiência são freqüen-
temente carregadas de ansiedade e desconforto, discute Amiralian
(1986). Esses sentimentos causam nesses indivíduos dificuldades no
estabelecimento de relações interpessoais, além de propiciarem meca-
nismos para procurar minimizar estas dificuldades. Estes aspectos
puderam ser identificados em ambos os participantes deste estudo, o

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que demonstra não aceitação da incapacidade pelos indivíduos que, de


acordo com Novaes (1975), é um dos aspectos psicológicos fundamen-
tais a considerar no processo da reabilitação, pois, muitas vezes, por
estar fixado na imagem anterior à doença, o indivíduo não consegue
ajustar-se ao seu estado físico atual.
A aceitação de um corpo mutilado, como assegura Amiralian
(1986), freqüentemente se relaciona com sentimentos de menos-valia,
como verificado nos participantes do estudo, que apresentaram falta de
confiança em si, passividade, atitude de expectativa diante da vida, falta,
nostalgia e desejo de obter aprovação.
Nos participantes deste estudo notou-se a presença de conflitos na
medida em que apresentaram uma virilidade insegura e débil, devido a
uma forte repressão na esfera sexual, causando conflito entre a expres-
são e o controle do impulso sexual. Verificou-se ainda que os sujeitos,
apesar de estarem identificados com o sexo masculino, mostraram-se
desinteressados e desencorajados pelo sexo oposto, como confirmam
os estudos de Novaes (1975). A autora afirma ainda que tais pacientes
freqüentemente não conseguem mais ter relações sexuais por incapaci-
dade funcional, surgindo problemas de masturbação exagerada, com-
portamentos sexuais exibicionistas, bem como sentimentos de inferio-
ridade e insegurança que ocasionam impotência psíquica. Apesar de não
termos informações sobre a vida sexual dos participantes, observou-se
a presença de tais sentimentos.
Além desses aspectos, Amiralian (1986) ainda expõe que a imagem
corporal é um elemento básico da formação do autoconceito. A autora
ressalta que nos casos de sujeito com perdas ocorridas posteriormente,
a reformulação da auto-imagem é uma tarefa complicada.
Contudo, partindo da premissa de Schilder (1980) de que a ima-
gem corporal é uma unidade passível de mudanças, necessitando de
esforço contínuo para dar uma estrutura a algo dinâmico, conforme
Van Kolck (1984), entende-se que a imagem corporal que os parti-
cipantes têm de si próprios atualmente pode ser modificada, o que
seria fundamental para a adaptação desses indivíduos, redimen-
sionando sua qualidade de vida. Acredita-se que uma intervenção
psicológica e física permitiria a essas pessoas um maior reconheci-
mento da condição que vivenciam.

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Considerações finais
Considerando-se o interesse na representação do próprio corpo em
indivíduos com paraplegia, identificou-se que a condição física especí-
fica dos deficientes interfere na formação de sua imagem corporal. Em
ambos os participantes do estudo evidenciou-se uma virilidade insegura
e débil, que pode ser atribuída a uma forte repressão na esfera sexual,
causando conflito entre expressão e controle do impulso sexual. Ainda
no que se refere às questões de natureza sexual, verificou-se que, apesar
de identificados com seu próprio sexo (participantes do sexo masculi-
no), mostraram-se desinteressados e desencorajados pelo sexo oposto.
Especificamente a esse respeito, verificaram-se também, no sujeito do
caso 1 (João), aspectos patológicos ligados a sentimentos de constrição
e castração e, no sujeito do caso 2 (Pedro), uma preocupação fálica com
suspeitas de sentimentos de impotência.
Verificou-se que em função dos sentimentos de impotência, os
sujeitos utilizaram-se de mecanismos de defesa como a fuga na fantasia,
pois, buscam neste plano as satisfações que não alcançam na realidade
concreta. Especialmente no Caso 2 (Pedro), identificaram-se ênfase
excessiva e confiança exagerada nas funções sociais e educacionais, o
que pode ser relacionado com a racionalização defensiva, visto que
procura, com dados de lógica aparente, conciliar a realidade dos fatos
com atos e atitudes que não seriam aceitos sem tal explicação.
Compreende-se que os participantes aqui estudados denotam gra-
ves conflitos em relação à deficiência, apresentam-se pouco adaptados
à sua condição física específica, fator este que interfere diretamente na
formação de sua imagem corporal, alterando-a. Esse resultado condiz
com outros estudos desenvolvidos e apresentados neste trabalho, ao
demonstrarem a dificuldade do deficiente em aceitar sua incapacidade,
sendo este um dos aspectos psicológicos fundamentais a serem consi-
derados no processo da reabilitação.
Além dos indicadores levantados, o estudo igualmente permitiu
concluir que o teste projetivo gráfico do desenho da figura humana é
um instrumento adequado para identificação da imagem corporal em
indivíduos deficientes físicos. Outro aspecto a ser destacado refere-se
à questão da intervenção, pois as informações obtidas possibilitam
fornecer elementos profícuos e pertinentes para o planejamento de

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54 MARIANA T. DE CAMPOS; HILDA R. C. AVOGLIA; EDA M. CUSTÓDIO

intervenções no âmbito multidisciplinar com base em subsídios


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Recebido em: 05.11.2007


Primeira revisão: 09.12.2007
Aceito em: 14.03.2008

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