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PSICOLÓGICAS E ONTOGENÉTICAS1
Bernard SCHNEUWLY (Université de Genève)2
1 Preservei neste texto o tom da exposição oral para assim marcar discursivamente seu caráter provisório. Ficarei
muito grato por qualquer comentário, crítica ou discussão que possa fazer deste texto um artigo mais
definitivo.
2 Tradução provisória de Roxane Helena Rodrigues Rojo (LAEL/PUC-SP).
3 Poderíamos construir, à propósito, uma teoria do desenvolvimento que seria sem dúvida em tudo análoga à que
desenvolveremos na segunda parte.
In Y. Reuter (ed.) (1994) Les Interactions Lecture-Écriture (actes du Colloque Théodile-Crel): 2
155-173. Bern: Peter Lang.
O GÊNERO É UM INSTRUMENTO
Conceitos de base
Desenvolverei, nesta primeira parte, a tese: „o gênero é um
instrumento“. Sendo que o debate é parcialmente filosófico, ousarei citar,
à guisa de introdução à minha reflexão sobre o gênero, a seguinte
passagem de A Ideologia Alemã: „A apropriação não é senão o
desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos
instrumentos materiais de produção. A apropriação de uma totalidade
de instrumentos de produção é o desenvolvimento de uma totalidade de
capacidades nos próprios indivíduos“ (Marx & Engels, 1845-461969, p.
67s). Como o instrumento pode ser um fator de desenvolvimento das
capacidades individuais? Duas considerações psicológicas me parecem
dever ser lembradas brevemente para explicar esta tese:
1. A psicologia tende em geral a conceber a atividade do indivíduo como
acontecendo entre dois polos: o sujeito, de um lado, e o objeto sobre o
qual ele age ou a situação na qual ele age, por outro (ver, a propósito,
o caso prototípico do enfoque construtivista piagetiano que representa,
sem dúvida, uma das versões mais interessantes). Na perspectiva do
interacionismo social, a atividade é necessariamente concebida como
tri-polar: a ação é mediada por objetos específicos, socialmente
elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes através
dos quais se transmitem e se alargam as experiências possíveis. Os
instrumentos encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre
o qual ou a situação na qual ele age: eles determinam seu
comportamento, guiam-no, afinam e diferenciam sua percepção da
situação na qual ele é levado a agir. A intervenção do instrumento,
objeto socialmente elaborado, nesta estrutura diferenciada, dá à
atividade uma certa forma; a transformação do instrumento transforma
evidentemente as maneiras de se comportar numa situação.
Um instrumento media uma atividade, dá-lhe uma certa forma, mas
este mesmo instrumento representa também esta atividade, materializa-
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Sujeito Situação
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4 Voltaremos adiante ao problema espinhoso de que para se fazer um machado já é preciso ter se cortado uma
árvore. Senão, como construir o cabo?
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5 Numa contribuição recente, Bronckart (1993) propõe a seguinte reformulação das noções de gêneros primários e
de gêneros secundários: „Seguindo Bakhtin, podemos distinguir textos primários (ou livres), que estabelecem
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uma relação ‘imediata’ com as situações nas quais são produzidos, e textos secundários (estandartizados)
que etabelecem uma relação ‘mediata’ com sua situação de produção. Enquanto os discursos primários
seriam assim ‘estruturados na ação’, os discursos secundários (narração, discurso teórico, etc.) dela se
separariam e seriam submetidos a um estruturante próprio, convencional, de natureza especificamente
lingüística; eles seriam ‘estruturados na ação’“. Podemos nos perguntar se os graus de estandartização ou
convencionalização são bons critérios de distinção; de resto, estou totalmente de acordo com a redefinição.
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6 „Para forjar o ferro, precisamos de um martelo e, para ter um martelo, é necessário fabricá-lo; e, para fazê-lo,
precisamos de um outro martelo e de outros instrumentos que são necessários para fabricar outros
instrumentos e assim infinitamente... Mas assim como no início os homens só puderam fazer, com os
instrumentos naturais, penosa e imperfeitamente, coisas muito fáceis, e, uma vez estas feitas, outras mais
difíceis, com menos pena e mais perfeitamente... assim também o entendimento, com seu poder inato,
constrói instrumentos intelectuais pelos quais adquire outras forças para outras obras intelectuais e, destas
obras, outros instrumentos.“ (Spinoza, A Reforma do Entendimento, p. 190). Poderíamos tratar do mesmo
modo o problema do machado mencionado anteriormente.
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TIPOS E GÊNEROS
Para concluir, tentarei propor algumas hipóteses sobre os tipos de
textos tal como os definimos (Bronckart et al., 1985) e tal como Adam
(1992) os analisa. Em decorrência do que comentei antes, defenderei a
seguinte posição:
a) psicologicamente, um tipo de texto é o resultado de uma ou
de várias operações de linguagem efetuadas no curso do
processo de produção;
b) estas operações podem, em especial, dizer respeito às
seguintes dimensões:
- definição da relação à situação material de produção,
tendo como possibilidades uma relação de implicação ou
uma relação de autonomia;
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155-173. Bern: Peter Lang.