Sunteți pe pagina 1din 14

INSTRUCÇÕES

PARA A
P R E PA R A Ç Ã O
DUM BOM
ESPECTÁCULO
TRAVESTI:

Ao travesti tempere-o com um bocado de teatro, uma pitada de dança, humor quanto baste e muita personalidade.

LUCÍA LANCHEROS MUNÉVAR.


Objectivos.

O objectivo principal do presente estudo é identificar, a partir da análise do processo de criação e prepa-
ração do espectáculo travesti, as características essenciais, influências estéticas, métodos de ensaio, prepa-
ração do personagem e disciplinas envolvidas no espectáculo travesti.

Em segundo lugar, pretende-se observar o contexto de vida no qual habita o artista travesti: a sua formação,
lugar que ocupa o espectáculo travesti na sua vida (hobby, actividade profissional), forma de chegada ao
travestismo, meios de subsistência e fontes de sustentação económica do show.

Metodologia.

A metodologia utilizada para fazer o presente estudo foi a entrevista aberta entre os artistas estudados e a
pesquisadora. Foram entrevistados cinco artistas consagrados do travestismo, habituais da discoteca Mr.
Gay1. Cada uma das entrevistas teve, em média, uma duração de 20 minutos e encontra-se estruturada por
um núcleo básico de questões comuns a todos os artistas.

Igualmente, observou-se numerosos performances travestis em diferentes lugares de entretenimento de


Lisboa (Portugal) e Bogotá (Colômbia).

1 Mr. Gay é uma discoteca dirigida ao público gay que oferece como um do seus principais atractivos, todos os sábados e
vésperas de feriados, espectáculos de transformismo. Localiza-se na Almada (Portugal).
Uiva Shakira do outro lado da porta. Num pequeno espaço, um ventilador confronta sem muito êxito o
abundante fumo do tabaco onde, apesar do frio da noite invernal, faz calor. É uma hora próxima da meia
noite e ainda não chegaram os primeiros visitantes da discoteca Mr. Gay; o bar e os artistas encontram-se
em preparação. Daquele lado da porta, é claro que se prepara uma festa: bebidas, música e cinzeiros disper-
sos. No fundo da sala localiza-se uma curta passarela rematada por um palco e um pano de fundo vermelho.

Entretanto, no camarim, quatro artistas preparam-se para o seu espectáculo: são Suelly Cadillac, Selvi Kass,
Nicole Vartin e Claudia Ness -as duas últimas, conforme indica a página web do Mr. Gay, são artistas resi-
dentes da casa.

A preparação inicia-se pela maquilhagem; vestidos com roupas cómodas e ainda ataviados com roupas
identificadas no género masculino, põem infinitas capas de base sobre a cara e pescoço. Todos eles -à exce-
pção de Suelly Cadillac- possuem cabelos curtos, usaram alguma ou várias das numerosas perucas pendu-
radas no camarim durante o seu show.

O travestismo.
As sobrancelhas são estilizadas, mediante a de-
pilação e pintura, ao máximo possível. Os lábios
delineados cuidadosamente levam cores fortes,
longe do campo da maquilhagem “natural”. Por
último, resaltam os olhos com cores vivas levados
até ás sobrancelhas, conjugados com largas pes-
tanas postiças.

O travestismo encontra-se associado ao acto de travestir-se, o que quer dizer na sua concepção
mais ampla, o uso de roupas e maneiras socialmente assinaladas ao sexo oposto.

Dentro do término travesti, encontram-se associadas múltiplas categorias que variam de acordo
com o enfoque do observador. Desde o ponto de vista médico, a Organização Mundial da Saúde in-
dexa o travestismo como uma das “doenças associadas ás condutas sexuais” (travestismo fetichis-
ta e transtornos múltiplos da preferência sexual) e dentro das “desordens da identidade sexual”1.

Intimamente ligado ao travestismo e sem limites precisos entre elas, encontram-se as categorias
de transformista, transexual, drag queen e cross-dresser.

A grandes rasgos, cross- dresser é uma categoria genérica usada para toda a pessoa que vista roupas
designadas socialmente ao género oposto sem importar o contexto no qual este acto ocurra. Pela
sua parte, dentro da categoria de transexual, localizam-se as pessoas que sentem uma discordância
entre o género com o qual se identificam psicologicamente e o seu género anatómico. As pessoas
transexuais podem ter alterações anatómicas cirúrgicas no seu corpo mas, este não é o seu rasgo
identificador na medida que a sua característica determinante é a falta de identificação psicológica
com género anatómico no qual nasceram.

Por último, as categorias transformista e drag queen, referem-se àqueles actos de travestismo fei-
tos com intenções artísticas ou de entretenimento. Não apresentam diferenças claras entre elas,
ainda que tende-se a considerar que o drag queen leva o travestismo a um ponto mais exagerado

1 F 65. 1 e F. 65.6 da Classificação Internacional das Doenças. Organização Mundial da Saúde, disponível em: http://apps.
who.int/classifications/apps/icd/icd10online/.
que o transformista.

Neste ponto, é importante


aclarar que o travestismo não
se encontra relacionado, ne-
cessariamente, com a orien-
tação sexual do sujeito. O tra-
vesti pode ser homossexual ou
heterossexual.

As discussões, provenientes
das ciências sociais e, recente-
mente, dos estudos do perfor-
mance sobre os significados
do acto de travestir-se são in-
finitas. Em geral, é claro que
o travesti é um transgressor
das normas sociais (Lancaster
1997: 560) tanto da sociedade

heterossexual como da comunidade homossexual que propaga o discurso de “normatividade vir-


tual” e “diferente mas igual”. (Sullivam em Hammond 1996).

O acto do travesti masculino, na medida que performa uma mulher “more women than a real wo-
man” (Chang 2005: 7), poder ser considerado como subversivo ou de reafirmação do género femi-
nino. (Butler 1997)

Pela sua parte, os artistas estudados, parecem indiferentes à discussão suscitada em seu redor.
Como será visto mais adiante, a principal motivação para se travestir é o gosto pela execução do
seu performance e todos, sem excepção, identificam-se a si mesmos como homens. Nesta medida,
o seu acto de travestismo localiza-se nas categorias do drag queen e transformista e não se relacio-
nacom a transexualidade.

Em relação ao uso das categorias travesti e transformista para o seu performance, os entrevistados,
à excepção da Valeria Vanini, manifestaram não ter preferência por nenhuma das categorias e, se
bem é certo que a Valeria Vanini enfatizou no uso do termo“espectáculo transformista” refere-se a
si mesma como travesti.
As três da manhã inicia-se o espectáculo. A festa encontra-se no ponto central da noite. Fumo espesso e lu-
zes baixas. O público, conformado pelos clientes de Mr. Gay e maioritariamente masculino dança no centro
da pista. A musica é composta por uma ininterrupta sucessão de canções da moda e clássicos “gays”.

Através do silêncio, anuncia-se que o espectáculo está pronto a começar. As luzes que delineiam a passare-
la, o palco e as escadas de acesso, são acendidas. Entretanto o pano do fundo permanece cuidadosamente
fechado e é instalado pessoal do Mr. Gay ao lado da porta de entrada do camarim, custodiando-la.

Ante estes sinais, a festa para-se e o público apinha-se em redor do palco. Nos lugares mais próximos, sen-
tados, mais longe, de pé. Ninguém quer perder o espectáculo.

O performance.
Basta olhar a definição de “performance” num dicionário para se aperceber da quase infinita lista
de situações que se encaixam no termo performance1. Neste sentido, acolho a definição lúdica
proposta por Antonio Prieto “el performance es una esponja mutante y nómada” (Prieto, 2002).
Esponja porque absorve todo o tipo de disciplinas: antropologia, estudos de género, teorias da co-
municação, estudos pós-coloniais, etc; mutante porque consegue, ao mesmo tempo, significar des-
empenho, realizar, espectáculo, execução musical, representação teatral, etc. e nómada porque
viaja duma disciplina para outra, de país em país e dum idioma para outro.

Neste estado de coisas, chega-se a considerar que qualquer evento ou acção pode ser examinada
“como” um performance. (Schenner 2006: 49). Assim, a vida compõe-se por uma série de actos
performativos repetidos que incluem desde vestir-se para uma festa até executar o rol de mãe, pro-
fessor, etc. Schenner chama a estas construções sociais “restored restored behaviors” na medida
em que se trata da imitação contínua de comportamentos aprendidos.

Assim, para Schenner, a diferença entre uma arte performativa e outro tipo qualquer de performan-
ce presente na vida do sujeito “is based on function, the circumstance of the event within society,
the venue and the behavior expected of the player and spectators” (Schechner, 2002: 27) Em conse-
quência, um acto é considerado um performance “when historical and social context, convention,
usage and tradition say it is. One cannot determine what “is” a performance without referring to
specific cultural circumstances” (30)

Schenner indica que, além dos espectáculos teatrais, de dança e de música, usualmente a socieda-
de identifica como performance “the displacement of a behavior from where it is acceptable or ex-
pected to a venue or ocassion where it is not expected” (28). Neste sentido, o travestismo, ao levar
o uso de roupas femininas para fora do corpo socialmente indicado para o fazer (o corpo feminino) e

1 Verbi gratia a versão online do Oxfor Dictionary 2010. Oxford University Press.
usando-as no corpo masculino (sem contar com os factores de dança e teatro presentes no acto estudado)
é comummente identificado como performance.

Numa aproximação desde a teoria feminista, Butler (2007) distingue entre o sexo anatómico, a identidade
de género e a actuação do género, instâncias que de acordo com a norma, devem coincidir “natural, origi-
nariamente” na medida em que são consideradas realidades imutáveis. Sem embargo, de acordo com a au-
tora, o “género” em si mesmo não é uma realidade fixa, outorgada, senão pelo contrario, é uma construção
perfomativa (contingente e dramática) composta pela “reiteración estilizada de actos” (273) identificados
como pertencentes a um género. Assim, a identidade de género e a actuação de género são temporalidades
sociais construídas, actuadas e em consequência, mutáveis. Apesar disto, dado que as categorias masculi-
no-feminino são outorgadas à priori ao corpo humano, incluso antes de nascer e são incorporadas (embodi-
ment) no corpo, apresentam-se, como realidades imutáveis, inevitáveis e fixas.

Em relação ao travestismo, Butler indica que o travesti inicialmente consegue-se desfazer da relação ana-
tomia – actuação de género que lhe é exigida socialmente e, nessa medida é um transgressor das normas.
Sem embargo, na medida em que o travesti actua imitando, e incluso maximizando, um género socialmen-
te construído, aceita a necessidade e a existência inevitável da polarização masculino- feminino e assim, o
seu acto aparentemente transgressor resulta num reforço dos estereótipos de género.

Nos términos de Butler, o travestismo consiste na imitação do imitado, é dizer, imitação do feminino, que,
por sua vez está composto pela imitação sucessiva dos actos construtores do feminino; descrição que en-
caixa com a ideia de “restored, restored behaviors” o “twice behaved behaviors” proposta por Schenner
para o termo performance.

Neste sentido, o espectáculo travesti é a restauração ou imitação dos actos que constituem o género femi-
nino e, dentro do “mundo do feminino” o travesti escolhe para sua imitação os actos das mulheres mais vi-
síveis, das “divas” criadas pela cultura pop. Em consequência, o espectáculo travesti resulta numa paródia
(dramática) de outro espectáculo, e, assim o “play back” de canções enuncia-se como uma característica
identificadora do espectáculo travesti.

É por isto que, para a criação do seu espectáculo, a maior parte dos entrevistados, é influenciado pelos
artistas que observa na televisão e considera de essencial importância que o público reconheça “lá fora” a
artista que estão a imitar:

“as influências que tenho é de ver algumas artistas na televisão e gostar dos visuais delas e da for-
ma como elas se apresentam e tento seguir um bocado essa linha, tento fazer um bocado a cópia,
também, para poder apresentar uma coisa lá fora e as pessoas identificarem: esta é a Anastacia o
esta é a Shakira, percebes?” (Nicole Vartin)

“ Também gosto muito de tocar a imagem à semelhança do boneco do personagem em questão.


Quando faço Cher gosto muito de produzir o máximo, seja pintura, o fato, o Lady Gaga, o Beyoncé,
pronto, temos que criar uma imagem para que quando aparecemos no palco digam é fulana ou
sicrana. O primeiro impacto é aquilo que fica, é o que fica, não é? Sim é Cher é Cher, sim é Celine
é Celine. Pronto, o primeiro impacto é o que fica. A primeira impressão é a que fica. Se vêem um
boneco “olha aquela é, por exemplo, Jones” é isso que logo identifica o personagem e de aí vamos
desenvolver. Vamos vendo as características, os tiques, essas coisas, tudo isso temos que buscar”
(Selvi Klass).

Desta maneira, a selecção da música é de vital importância para o espectáculo pois será a música a encarre-
gada de definir tanto os figurinos e a maquilhagem (que permitirão ao público reconhecer a artista imitada)
como a coreografia da performance a qual tende a imitar de forma quase literal a letra da canção:
“se a musica está a dizer “lá cima” tu tens que fazer “lá cima”, “lá em baixo”, “lá no alto”... um pouco
mímica, em relação ao que estás a fazer e à musica. Porque eu acho que com um pouco de mímica
ou gestual, as coisas saem maisà perfeição (...) estás a acompanhar a música. Tens que saber o que
estás a dizer. (Selvi Klass)

Talvez uma excepção surpreendente à característica da paródia que possui o espectáculo travesti seja Vale-
ria Vanini “o único travesti que canta” (como ela mesma se proclama) que canta em alguns dos seus espec-
táculos. Diferença da qual é marcadamente consciente - desde a sua entrada cantando ao camarim que não
partilha com os outros artistas até à descrição pormenorizada dos seus sucessos como cantora no percurso
da entrevista- e na qual o enfatiza de forma constante.

Tal e como já se explicou, o elemento imitativo é essencial no performance travesti e nessa medida, as
características físicas do próprio corpo do travesti -a cor da sua pele e a sua própia idade- (na medida em
que possibilitam o não uma imitação de sucesso) erigem-se como determinadoras das selecções para o
espectáculo:

“É evidente que não vou fazer Madonna,


nunca na minha vida, não tenho o aspec-
to de Madonna, nem a altura, nem o cor-
po por tanto, eu tenho que ir mais para
as morenas, para as negras, eu tenho que
me identificar com o que faço (…) porque
eu já estou com uma certa idade não
posso fazer uma jovem com 20 e poucos
anos, é certo, era no inicio de carreira...
uma voz de acordo com o porte do meu
personagem, mas pronto, sempre arran-
jo uma”. (Claudia Ness)

Desta forma, seja por gosto ou por identificação -ou uma mistura dos dois componentes-, cada um dos
artistas entrevistados especializa-se num género de música ou em artistas específicas e assim consegue,
apesar do elemento paródia, criar um personagem identificável com características própias que o distin-
guem dos restantes artistas travestis.

“ Cada um tem o seu próprio género. Por exemplo, somos quatro travestis mas todos diferentes e
todo iguais. Cada um tem o seu género. Um faz loira, outro faz morena, eu faço mais pretas e vice-
versa. Não pode ser tudo a mesma coisa senão, não tem piada. Tem que haver diversidade. Tem
que haver diversidade de personagens. Tem que haver alguma diferença senão é tudo a mesma
coisa.” (Claudia Ness).

Em conclusão, para a selecção do artista a ser imitado -decisão que permeará todo o show-, o factor mais
importante de selecção é o grau de “identificação” e de “gosto” que tem o travesti pela cantora específica.
Ás 23h, ainda se encontra ligada uma luz branca intensa que permite ao observador conhecer os detalhes
da Disco Mr. Gay à qual se chega depois de recorrer um caminho escuro e solitário. Trata-se de um segundo
andar alugado em cima de, não sem certa ironia, uma fábrica de peles. Um espaço amplo onde o balcão do
bar se opõe ao palco.

Em cima do palco, dois homems ocupam-se em sincronizar uma coreografia simples. Os movimentos são
amplos, exagerados. O coro da canção compassa-se ao leitmotiv da coreografia. As posturas caracterizam-
se por ter o rosto em alto, a mirada desafiante e as curvas características do corpo feminino ressaltadas.

Sem terminar de aperfeiçoar a coreografia, o ensaio termina e deixa passo a uma nova música, esta vez do-
lorosa, de amores perdidos e corações rompidos; termina a dança para dar espaço à representação da tris-
teza. No ar soa a voz rouca e sentida de Rocio Durcal. Os artistas desenham rapidamente a sua localização
no palco e repassam gesticulando a letra da canção.

Num último momento, Bruno (mais tarde conhecido como Nicole Vartin) solicita ao Dj a música da sua
canção e marca o seu espectáculo.

A historia.
Não são aquelas histórias de rapazes que jugavam a usar as roupas e maquilhagem da sua irmã, enquanto
se contemplavam no espelho, as que encontrei ao perguntar “como chegaste a fazer o show travesti?”.

Em relação a esta questão dentro dos travestis entrevistados, podem-se encontrar dois perfis de formação.
O primeiro está conformado pelos que tiveram uma formação artística formal, o segundo, por aqueles que
chegaram ao espectáculo travesti “por brincadeira” e aperfeiçoam o seu espectáculo simultaneamente à
apresentação do mesmo:

Dentro do primeiro grupo, encontra-se Valeria Vanini, um dos travestis mais antigos de Portugal que estu-
dou no Centro de Formação de Artistas que oferecia uma educação artística interdisciplinar: teatro, dança,
música e canto. Depois de formado, iniciou-se como actor de teatro de revista, dentro do qual fez alguns
personagens travestis em imitação de figuras da sociedade, da política e artistas conhecidos na época. Sem
embargo, dada a falta de trabalho que encontrou na sua carreira como actor, tornou-se travesti no ano de
1969.

Pela sua parte, Suelly Cadillac, travesti consagrado, começou os seus espectáculo há 25 anos atrás. De-
pois de se formar como actor no Conservatório e fazer o estágio obrigatório no teatro Nacional, fez parte
do Teatro Amador da empresa CTT- TLP. Desse mesmo grupo fazia parte Sérgio Alves, “o seu padrinho” e
companheiro de trabalho de José Manuel Rosado1, com o qual, guiado pela sua curiosidade, iniciou-se no
espectáculo travesti.

Entre os dois grupos encontra-se Selvi Kass o qual, levado pelo seu gosto pelas artes cénicas, teve formação
em teatro e fez parte do teatro Amador. Sem embargo, por brincadeira e em resposta a um desafio que lhe
foi feito, apresentou-se como travesti na “noite das novas” da discoteca Finalmente e, dado que nessa noite
encontrou o êxito entre o público, continuou a fazer espectáculos travestis.

1 Sergio Alves- Dollphoenix- e José Manuel Rosado - Lydia Bardoff- foram exitosos travestis da década dos 80´s-.
A “noite das novas” da discoteca Finalmente, localizada na área do Principe Real de Lisboa, é uma festa
que se celebra todas as segundas feiras neste lugar na qual, os habituais do lugar que o desejem, podem-se
apresentar com um espectáculo travesti e, ao final da noite, o público -dentro dos shows apresentados- se-
lecciona um ganhador.

Esta “noite das novas”, além de ser um programa habitual no entretenimento oferecido pela discoteca Fi-
nalmente, no espaço travesti de Lisboa, parece ser uma plataforma de lançamento e formação de travestis
novos os quais, apesar de se apresentarem neste lugar motivados inicialmente por uma “brincadeira” ou
desafio de amigos, gostam de fazer o espectáculo e, a partir de então, continuam a desenvolver-se como
travestis. Situação que aconteceu com três dos cinco artistas entrevistados: Selvi Kass, Nicole Bartin e Clau-
dia Ness.

“Não, eu comecei por uma brincadeira... e depois apanhei o negócio (…) passei por aquele lugar
dos gajos novos, que é aquela oportunidade que dão a todos de começar e fazerem alguma coisa e
poderem demonstrar o trabalho e fui evoluindo a partir de aí e já vão 12 anos” Nicole Bartin.

“Eu sempre tive, uma paixão pela arte e pelas artes performativas principalmente e, pronto, um
dia estava na brincadeira e um amigo meu, salvo seja, minha madrinha, desafiou-me, pois era a
noite dos novos, então eu aceitei. Ganhei o quarto lugar e logo a seguir e, pronto, comecei com
isto” Selvi Kass.

Assim, observa-se que são diversas as formas de se chegar a ser um artista travesti e, se bem há alguns que
possuem educação formal em artes performativas esta não constitui um requisito para o fazer.
A publicidade da festa anuncia “noite espanhola” pelo que uma bandeira espanhola, a modo de cenografia,
culmina o cenário. Nesta noite, farão presença os leques para complementar vestimentas vermelhas e as
coreografias serão preenchidas por passos estereótipos das danças latinas e do flamenco.

Mais tarde, da mão de inúmeras estrelas da música em castelhano, os nossos artistas permitiriam-nos ver
o seus corações partidos, rir-nos com a letra de “La Rajita” e entoar o conhecido hino travesti “Todos me
miran” da Gloria Trevi.

O espectáculo.
Fazer números temáticos é habitual no espectáculo travesti. Na noite da entrevista, era o turno da noite
espanhola mas também podia ter sido a noite pimba, pop, dos namorados, etc.

Ao fazer as entrevistas descobrimos que a produção de shows é altamente prolífica. Conforme indicam os
artistas entrevistados, só para a disco Mr. Gay fazem dois shows diferentes cada semana.

Esta produtividade explica, quiçá, o pouco tempo que dedicam aos ensaios, pois os números na sua maior
parte, antes de ser apresentados são unicamente visualizados e marcados superficialmente.

Conforme explicam os artistas, os ensaios são dedicados principalmente aos números colectivos, dado que
nestes precisam de estar de acordo no que respeita à localização e movimentos de cada um dos participan-
tes e à estrutura dos passo de dança. Enquanto que, nos números individuais, a atenção se fixa na letra da
canção seleccionada a qual será acompanhada por gestos dramáticos e que, se é o caso, ditará a estrutura
dos passos de dança.

Eles mesmos reconhecem que quase não ensaiam para o seus números individuais pois, geralmente, fazem
o que nesse momento estão a sentir. Sem embargo, dado que consideram importante que o público recon-
heça a artista que estão a imitar, dedicam tempo a estudar as características da artista e a letra da canção:

E fazes muitos ensaios?.

“Não. Não. Os únicos ensaios que eu faço é quando são números em grupo ou com algum colega
que vamos fazer algum dueto ou um final ou uma abertura aí temos que ensaiar para estar todos
certos. De resto, eu idealizo mais ou menos e depois em palco é do tipo, como eu pego muito nas
músicas que eu me identifico, eu tento expressar aquilo que sinto através da música, é isso que eu
faço”. (Nicole Vartin).

“Não, há coisas que já me saem naturalmente. Mas estudo, estou a ver outras artistas, como eu
gosto de fazer mais ou menos cópias, cópias, salvo seja, ou ter algumas parecenças com, para
aprender alguma maneira de se mexer, de estar, dançar, pronto.” (Selvi Kass)
Além da imitação, outro dos componentes essenciais do espectáculo travesti é a interacção com o público
pois os artistas travestis não são convidados só para apresentar o seu espectáculo mas também para animar
a festa que está a decorrer antes e depois do show.

Após observar numerosos performances travestis, é possível identificar quatro momentos e níveis de inte-
racção do artista com o público:

O primeiro de estes sucede durante os números teatrais ou dançados que costumam abrir o espectáculo.
Neles a interacção é limitada (não supera um cortejo muito rápido a algum membro do público) e a atenção
enfoca-se no show que o artista está a apresentar.

O segundo momento acontece nos números cómicos, onde o artista além de apresentar o seu show, inte-
ractua de forma constante com um membro (ou um grupo) específico do público o qual obterá, quer queira
quer não, a atenção do performer e, em consequência, a atenção do público restante.

Posteriormente, uma
vez finalizados todos
os números, os artistas
permanecem em cena
para estabelecer uma co-
municação -usualmente
composta por brincadei-
ras e cortejos- com o pú-
blico em geral. Este mo-
mento, é o espaço para
o artista travesti fazer
uso da sua língua rápida,
mordaz e responder às
provocações do público.
Igualmente, é comum
fazer subir ao palco um
ou vários membros do
público.

Por último, uma vez terminado o espectáculo é habitual neste tipo de espaços que alguns dos artistas con-
servem as suas vestimentas e maneiras travestis e formem parte da festa que continua depois do show.
Neste momento, misturam-se com o público para falar, dançar, partilhar bebidas e tirar fotografias com
eles; no seu papel de “raínha da noite” que anima e ambienta a festa.

Assim, os artistas entrevistados reconhecem como um elemento essencial do seu show a interacção com
o público e, a causa disto, todos preferem actuar à altura do público, sem palco pois esta posição favorece
a comunicação com o público. Nas suas próprias palavras, performam com “um olho no burro e outro no
cigano” pois estão “com um olho a vero que estou a fazer e com o outro a ver qual é a reacção de quem me
está a seguir” (Selvi Kass.)
Recapitulando, até ao momento foram identificados e analisados dois aspectos essenciais do performance-
travesti: a imitação (paródia ou play back) e a interacção com o público. Além destes, durante o percurso do
espectáculo identificou-se um forte componente dançado o qual, se bem não faz parte de todos os núme-
ros, é usado continuamente pelos travestis. Assim mesmo, é usual intercalar entre os números travestis, e
como parte do conjunto do espectáculo, um bailarino não travestido.

Sobre este ponto - a dança -, os artistas entrevistados indicam que é uma parte do show à qual prestam
muita atenção sobretudo, como é natural, nos números dançados; sem embargo, dois dos artistas -Valeria
Vanini e Suelly Cadillac- afirmam que dado a sua idade agora não costumam incluir dança no seus números:

Em relação à criação das coreografias, nos números individuais, na medida em que não são objecto de
muitos ensaios prévios, costuma-se fazer o que a letra da canção está a dizer ou uma improvisação mais ou
menos conforme ao estilo da música ou da artista específica (latina, flamenco, árabe, Shakira).

Para os espectáculo colectivos, a criação faz-se em conjunto, de forma tal que cada qual pode propor pas-
sos ou localizações e, com as ideias de todos, formam o conjunto. No grupo entrevistado, SELVI KASS era
identificada como a que tinha mais ideias coreográficas.

“As coreografias é pensado cada um diz a sua coisa olha mais pela esquerda, três mais pela direita,
ok, vamos conjugar, vamos embrulhar isto tudo”.. e a coisa faz-se. (Suelly Cadillac)

No que diz respeito à formação, o único dos artistas entrevistados com formação específica em dança é
Claudia Ness o qual se iniciou no ballet clássico, mas rapidamente se cansou deste porque não gostava de
fazer a “barra” e ficava cansado de estar sempre acompanhado só por raparigas. Não obstante, continuou
na dança e fez parte do grupo de dança “Fly- dances”. Dentro do seu espectáculo travesti, costuma incluir
dança e gosta de fazer imitações o mais similares possíveis às formas de se movimentar da suas cantoras
favoritas.
“ Os aplausos terminarão As luzes que iluminavam todo o esplendor do Palco apagaram-se! Aquela músi-
ca que o levava até ao Mundo da Fantasia, acabou, por uns instantes naquele momento. Há que retirar a
cabeleira,o vestido,as luvas,os brincos,os sapatos. Há que descer do Palco! Ele, foi o espelho de alguém, a
vida de alguém, O respirar de alguém. Agora terá que entrar noutro Palco, o Palco de todos nós, O Palco
onde todos nós somos verdadeiros artistas. Um Palco giratório, como um Carrossel que gira, que gira Para
a vida que continua e se realiza, Que os nossos sonhos se concretizem! O Palco do Nascer e do Pôr-do-sol!
O palco da Vida.

O Transformista sonha e faz sonhar, mas vive outros sonhos como todos nós!”1

1.
Texto do sitio web “O sitio das quintas”, lugar enfocado nos artistas travestis de Portugal no qual podem encontrar-se biogra-
fías, vídeos, textos o fotos de numerosos artistas entre elos Valeria Vanini e Suelly Cadillac. http://www.quintas.com.pt/

A vida.
Uma vez terminado o espectáculo, trocam os seus vistosos vestidos femininos por roupa quotidiana mas-
culina, e voltam à sua vida como qualquer “rapazinho normal”, mas com alguns “tiques” como costumam
brincar.

Sem bem é certo que os seus shows são pagos, ningum dos entrevistados, à excepção de Valeria Vanini,
consegue viver só de fazer travesti. Fora do espectáculo, cada um tem a sua profissão: cabeleiro, cozinhei-
ro, empregado de mesa, etc. Perto do momento da entrevista, Selvi Kass tentou dedicar-se em exclusivo
a performar travesti mas não encontrou trabalho suficiente e, actualmente, encontra-se desempregado.

Assim, na sua vida, consideram o fazer show travesti como um hobby feito pelo prazer de o fazer. Indicam
que o pago recebido pelo espectáculo algumas vezes não alcança nem sequer para cobrir os gastos em
figurinos e maquilhagem nos quais incorrem.

Desta forma, os figurinos, perucas e maquilhagem é providenciado por cada um deles e, para o espectáculo,
tentam combinar as cores e elementos característicos de cada figurino.

Dentro do camarim pode-se observar um ambiente de camaradagem entre os artistas, os quais estão cons-
tantemente a brincar uns com os outro e, ao fazer as entrevistas, intervinham constantemente -para brincar
ou aclarar alguma coisa- na entrevista do outro.
De novo, a excepção é Valeria Vanini que não partilha o camarim com os outros artistas e afirma ser “um dos
mais odiados” pelos colegas do performance travesti por causa da inveja que ocasionam as suas permanen-
tes fontes de trabalho e o gosto que o público tem por ele.
Bibliografia.

(2010). Oxford Dictionary, Oxford University Press.


Butler, J. (2007). El género en disputa. El feminismo y la subversión de la identidad. Barcelona,


Editorial Paidós.


Chang, P. (2006). "The Subtleties of Cross Dressing: An interview with Anne-Sofie Back." Fashion
Projects.

Hammond, J. (1996). "Drag queen as angel: transformation and transcendence in To Wong Foo,
thanks for everything, Julie Newmar." Journal of Popular Film and Television 24: 14.

Lancaster, R. N. (1997). Guto´s performance. Notes on the transvestism of everyday life. The gen-
der/ sexuality reader. R. N. L. a. M. d. Leonardo. New York, Routledge: 559.


Prieto, A. (2002). En torno a los estudios del performance, la teatralidad y más (notas para una co-
ferencia). Globalización, Migración, Espacios Públicos y Performance. Centro Regional de Investigaciones
Multidisciplinarias. Universidad Autónoma de México.

Schechner, R. (2002). Performance Studies. An introduction. London, Routledge.



Schroeder, F. (2005). "The Touching of the Touch: Performance as Itching and Scratching a Quasi-
incestuous Object." Extensions: The Online Journal of Embodied Technology 2: 6.

Sikora, J. S. (1998) De ranas a princesas: sufridas, atrevidas y trasvestidas. 119


Silva, H. R. S. (1993). Travesti, a Invenção do Femenino. R.-. Dumará. Rio de Janeiro, ISER. XLIV.

Sterling, A. F.-. (1996). How to build a man. Constructing Masculinity. B. W. a. S. W. Maurice Berger.
Vernon Rosario, Routledge: 127-135.

Swweny, R. W. (2008). ""This performance art is for the birds:" "Jackass", "Extreme" sports and the
de(con)struction of gender." Studies in art education 49: 136-146.

S-ar putea să vă placă și