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ESCOLAR
Eliana Vianna Brito
Introdução
1. Fundamentação teórica
Sabemos que toda atividade comunicativa verbal só pode ser realizada por
intermédio de um gênero; da mesma forma, é impossível a comunicação se
efetivar sem a presença de um texto. Assim, a comunicação verbal só é possível
pela utilização de algum gênero textual (Marcuschi, 2002).
Muitos teóricos, ao se apoiarem nas idéias de Bakhtin (2000) e Bronckart
(1999), consideram a língua, em seus aspectos discursivos e enunciativos, como
uma atividade social, histórica e cognitiva, cuja natureza é de ordem funcional e
interativa, e não simplesmente formal e estrutural. A língua apresenta-se, portanto,
como “uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a
realidade sem, contudo, cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo” (Marcuschi,
2002: 22). É no interior desse caráter sócio-interativo da língua que se insere o
conceito de gêneros discursivos que nada mais são do que ações sócio-
discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum
modo.
Marcuschi (2002) considera que os gêneros textuais são realizações
lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas. Sua
nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações
concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função.
Em outras palavras, pode-se dizer que os gêneros são formas textuais
estabilizadas, histórica e socialmente situadas; e, além disso, ou talvez, por isso
mesmo, sua definição não é necessariamente lingüística, mas de natureza sócio-
comunicativa, cujos parâmetros são fundamentalmente pragmáticos e discursivos
(Marcuschi, 2001).
Já os tipos textuais são constructos teóricos definidos por propriedades
lingüísticas intrínsecas; são constituídos por seqüências lingüísticas ou seqüência
de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos.
O referido autor salienta também o conceito de domínio discursivo. Essa
expressão é usada para designar uma esfera ou instância de produção discursiva
ou de atividade humana. Nesse sentido, encontramos o discurso jurídico, o
jornalístico, o religioso, entre outros, cujas atividades específicas não abrangem
um gênero em particular, mas dão origem a vários deles.
Por outro lado, ao tratarmos do conceito de gênero no contexto escolar,
temos, segundo Schneuwly (1998), uma outra categorização: o gênero escolar
propriamente dito é construído pela própria escola quando são utilizados
instrumentos como mediadores entre professor, aluno e conteúdo. Então, escrever
no quadro, mostrar objetos, perguntar sobre o conteúdo, reformular e/ou
esclarecer seriam gêneros discursivos tipicamente escolares.
Existem ainda, segundo o mesmo autor, os gêneros que são ensinados na
escola, transpostos da cultura social para o currículo, progressivamente, com
objetivos didáticos, isto é, são objetos de ensino (Dolz e Schneuly, 1996) em que
são levadas em conta as capacidades de linguagem dominantes dos indivíduos
tais como narrar, relatar, argumentar, expor, descrever entre outras.
Finalmente, são os gêneros não escolares – textos autênticos que circulam
fora da escola – produzidos em contextos sociais reais que entram na escola
numa transposição curricular e se transformam em objetos didáticos de
ensino/aprendizagem. “A escola tenta, portanto, ensinar os gêneros não escolares
– presentes na cultura dos alunos –como exercícios de produção de textos
preparatórios para a vida, para o mundo” (Costa, 2002). No entanto, tal conceito é
discutível, pois essa produção de texto caracteriza-se por ser um exercício escolar
de escrita e/ou leitura. Em outras palavras, se uma reportagem é elaborada em
sala de aula, não necessariamente será publicada em um jornal da cidade ou em
qualquer outro lugar. A carta que se escreve no contexto escolar, muitas vezes,
apresenta destinatários fictícios, ou então, nem sequer é enviada a um
destinatário real.
Logo, pode-se afirmar que a escola
o objeto de que se fala já foi falado antes. A palavra com que se fala
já foi utilizada antes. E, de acordo com Bakhtin, ambos, trazem
sempre com eles suas respectivas memórias. A pluralidade de
contextos de enunciação habita assim cada texto e suas vozes
serão tanto mais audíveis quanto o permita a memória discursiva do
leitor.
Considerações Finais
Quando se articula, no contexto escolar, um ensino de leitura com a
utilização de diferentes gêneros discursivos, faz-se necessário um aporte teórico-
metodológico consistente, de modo que os alunos possam analisar eventos
lingüísticos conforme suas especificidades tais como: o contexto de produção, a
função social, os interlocutores e sua intencionalidade. Além disso, a percepção
de que os gêneros podem apresentar uma diversidade de tipos de texto leva o
leitor a ampliar a concepção de leitura e, conseqüentemente, de linguagem
enquanto fenômeno sócio- discursivo.
Se, conforme salientam Schneuwly e Dolz (1999, p. 11), “toda introdução
do gênero na escola faz dele, necessariamente, um gênero escolar, uma variação
do gênero de origem” , então é necessário que a escola elabore as seqüências
didáticas, organize adequadamente a progressão, a fim de que seja possível um
aprofundamento maior da compreensão do gênero em estudo.
Nas aulas de leitura, é fundamental que o aluno seja considerado como
produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que
o constituem como ser humano. Por isso, a leitura no contexto escolar “deve
basear-se em propostas interativas de língua/linguagem consideradas em um
processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada
aluno em particular e da sociedade em geral” (PCN: ensino médio, 1999, p. 139).
Nesse sentido,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Musa, 2001.
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Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1979/2000.
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Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
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Educação, 1999.
BRONCKART, J.P. Atividades de linguagem textos e discursos. São Paulo:
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