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CULTURA
ENTREVISTA
La Nación
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Mario Vargas Llosa defende a liberdade de expres... http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/04/19/mar...
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Também não se privou de se referir aos que questionaram se poderia falar de política 1996 -
2011.
na Feira. Foi quando disse: "É triste que intelectuais, colegas que sofreram com a Todos
censura, a pratiquem". Nem se esquivou de falar do liberalismo: "Uma das grandes os
vitórias da esquerda mais dogmática consiste em que a palavra liberal, que é bonita
porque está associada à liberdade, tenha se convertido numa palavra ruim". Visto de
perto, o Nobel de Literatura é simplesmente um brilhante e gentil homem de 75 anos
resignado a ser Vargas Llosa. Não escolhe os temas literários, são eles que
misteriosamente o elegem. Não escolhe defender apaixonadamente as ideias do
liberalismo puro; são sua teimosa honestidade intelectual e seu compromisso político
que o afastam do claustro do escritor e o empurram ao perigoso mundo das ideias.
Não, resultou assim. Fui ao Congo, por exemplo, porque é uma realidade
completamente desconhecida para mim e queria me familiarizar com o mundo por
onde o protagonista, Roger Casement, movimentou-se. E me encontrei com uma
problemática atual tão terrível que deriva em certa forma dos problemas que Casement
documentou em seus informes dos séculos XIX e XX. Por causa disso, em certos
capítulos a novela ganhou forma de reportagem e isso não foi premeditado.
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A reportagem bem feita é uma forma de ficção, só que ela está mais perto da realidade
que as ficções absolutas. Uma reportagem bem feita é uma construção que se parece
muito com uma novela, um conto, um relato. E as grandes reportagens, de algum
modo, podem ser incorporadas à ficção, ainda que contem coisas verdadeiras.
Estava lendo uma nova biografia de Joseph Conrad, escritor que admiro imensamente,
e descobri que a primeira pessoa que ele conheceu quando viajou ao Congo como
capitão de barco foi Casement, que já estava lá há oito anos. E uma amizade se
estabeleceu entre eles. Foi Casement quem abriu seu olhos de Conrad para o que
aconteceia no Congo. Depois vi as cartas de Conrad em que ele mesmo admitia que
sem Casement jamais teria chegado a escrever "O coração das trevas". Fiquei muito
intrigado com o personagem, mas sem intenções literárias. Só tinha curiosidade de me
informar sobre ele. Descobri que havia estado muito tempo na maçonaria peruana, que
havia redigido textos terríveis sobre as condições dos indígenas nos seringais de
Putumayo. E então me dei conta de que havia tomado notas para uma novela.
Gosto muito. É uma aventura tão grande como a de escrever. Viajar, ler coisas sobre
ele, escutar testemunhos, se é possível entrevistar pessoas, mas todo esse trabalho, às
vezes muito minucioso, não é em busca de uma verdade, não é o tipo de investigação
de um historiador. É para chegar a sentir o ambiente que quero inventar. É viver a
ficção que quero escrever.
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Tanto "A festa do bode" (2000) como "O sonho do Celta" dialogam com dois
livros argentinos, "Santa Evita" e "La novela de Perón", por sua maneira de
fundir investigação e imaginação?
O senhor também teve uma grande amizade com outro escritor argentino:
Julio Cortázar.
Sim, foi um grande amigo. Eu o conheci logo que cheguei a Paris, e nos vimos muitas
vezes durante os anos 60, ainda que, por essa época, Cortázar fosse muito reservado,
um homem que defendia sua intimidade, menos nos últimos anos da década. Ele e
Aurora não se expunham ao público, mas eu os apreciava muito: escutá-los falar era
deslumbrante pela inteligência, humor, cultura. Mas então Julio mudou
completamente. Quando tinha de 55 a 60 anos, sua transformação foi total, ele se
converteu num personagem público que falava de política, o que coincidiu com sua
separação de Aurora. Antes não o fazia porque tinha um grande desprezo pela política.
Depois virou uma espécie de jovem militante, recolucionário, mas nossa relação não foi
afetada, ainda que tenhamos tido ideias muito diferentes sobre Cuba, por exemplo.
Sim, mas Julio era como um jovem que falava de política com uma grande ilusão e
generosidade, e também com uma grande inocência. Ele nunca conheceu essa trama
suja, torcida, que tem a política, onde se mostra o pior que tem o ser humano. Não era
um ideólogo. Lembro de tê-lo escutado dizer: "Leio as coisas de política, mas é
impossível, em meia página me distraio". Isso o salvava, nunca chegou a ser um
intransigente nem fanático, sempre foi muito lúcido. E nessa última etapa creio que ele
foi mais feliz, mas menos original como escritor. Quando ele encontrou essa felicidade,
tornando-se de esquerda, um pouco hippie, sua literatura empobreceu, perdeu
mistério.
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Com alguns foi de ruptura. Eu me distanciei de muita gente por causa de Cuba, foi
como uma espécie de guerra civil (risos). Eu era muito amigo de Mario Benedetti, mas
nos distanciamos. No final, nos reencontramos com muita cordialidade. Mas foi
espantoso, as ideologias criavam fronteiras, umas inimizades irreconciliáveis.
Mas essa é uma prática muito antiga. Uma prática na qual os políticos têm buscado
êxito imediato. E o populismo é isso: sacrificar o futuro em nome de um presente que te
dá popularidade. Hoje existem formas mais elaboradas, mas o populismo foi usado
pelas esquerdas, pela direita, pelas ditaduras... É uma doença da política, mas não se
pode chamar ideologia. Ideologia é uma espécie de religião laica que dá uma resposta
completa para tudo e que, como as religiões, estabelece cânones, é uma forma de
fanatismo laico.
Não. Houve governos que não me deixaram entrar, mas (países em) que colegas
tenham pedido que eu não fale nada além de literatura nunca me ocorreu. Foi um caso
puramente político. (Em março, intelectuais ligados à presidente Cristina Kirchner, de
quem Vargas Llosa é crítico, tentaram impedir que ele participasse da abertura da 37ª
Feira de Livros de Buenos Aires, alegando que só tem palavras duras para os governos
populares latino-americanos. Kirchner foi em sua defesa e endossou sua participação)
A mim não importa nem um pouco (risos). Isso se disse como uma espécie de
exorcismo. E já perdi o medo dos exorcismos. Quando era jovem tinha medo, não
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Não. Para algumas coisas não sou de esquerda, sou de direita. As coisas em que
acredito eu explico, escrevo, me pronuncio frente aos acontecimentos concretos. Se
isso tem uma etiqueta, que a ponham.
É preciso reagir diante dos lugares comuns se você quer que a ideologia não seja uma
inquisição permanente. Desgraçadamente, a inquisição nos fez muito dano na história,
sobretudo na América Latina. E as inquisições políticas e religiosas precisam ser
combatidas. Precisamos criar um mundo onde seja possível o diálogo entre adversários,
entre gente que pensa diferente.
É uma das grandes vitórias da esquerda mais dogmática: que a palavra liberal, uma
palavra linda, associada à liberdade, tenha sido convertido em uma palavra ruim.
Liberal é um amante da liberdade. Quer dizer tolerância, a possibilidade de aceitar
estar errado. Quer dizer democracia, defesa dos direitos humanos. Defesa do indivíduo
frente ao Estado... O liberalismo é a melhor tradição da Humanidade e é terrível que
tenha sido deformada até ter uma conotação puramente econômica e que, além disso,
em muitos casos está totalmente errada.
Por que?
Porque não é verdade que o liberalismo seja simplesmente uma doutrina de ordem
econômica que está disposta a sacrificar, por exemplo, a liberdade política em nome da
liberdade econômica. Nenhum liberal defende coisa semelhante. A liberdade é um todo
que deve organizar todos os níveis do social, desde a cultura. E o liberalismo é uma
fonte de grandes progressos no campo político e nos direitos humanos. O liberalismo
não é uma ideologia, é uma doutrina que tem princípios dentro dos quais cabem
matizes enormes: basta ir a um congresso para ver que estão mais divididos que os
trotskistas. Então dizer "liberal" não define uma pessoa. Sim, é um triunfo da esquerda
ter conseguido demonizar esta palavra.
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inquisições políticas e
Bom, mas qualquer liberal sabe que a
religiosas precisam ser
liberdade não é divisível: a liberdade
combatidas. Precisamos criar
econômica sem a liberdade política
um mundo onde seja possível o
não existe. E se fracassaram é porque
diálogo entre adversários, entre
não havia liberdade. Há liberais que gente que pensa diferente
sofrem dessa perversão de crer que a
liberdade econômica é a única que
importa. Nenhum pensador liberal
disse isso. São os marxistas que acreditam nisso, que a economia resolve tudo.
Hoje é cada vez mais difuso dar um conteúdo a esses conceitos, sobretudo porque
temos na América Latina, por sorte, uma esqueda que, apesar de se dizer socialista, é
social-democrata: crê na democracia, no mercado, na empresa privada. Ocorreu com a
Concertación no Chile, aconteceu no Brasil, no Uruguai. Justamente porque essa
esquerda existe,a democracia não se enfraquece. Assim como, por sua vez, existe uma
direita democrática, que na América Latina também era raridade no passado. Hoje
temos países como Colômbia e Peru, com governos de direita e onde a democracia não
ficou debilitada, ao contrário.
Em que medida lhe pesa ser Mario Vargas Llosa? De que maneira a fama
complica sua vida?
Me complica muito. Tenha 75 anos e gostaria de ter uma vida um pouco mais
tranquila. Ser muito conhecido tem muitos inconvenientes: você perde privacidade,
liberdade e muitas vezes deve viver em uma tensão nada propícia para o trabalho
literário. Ao mesmo tempo, é o que acontece. Não escolhi, mas também não vou me
enfiar num convento: deve ser chatíssimo.
Não, não creio. Isso dura um ano. Em outubro chegará outro Nobel e será uma
libertação extraordinária.
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O senhor foi muito elegante e disse que daria o próximo Nobel a Jorge Luis
Borges, se estivesse vivo.
Não vou deixar que me convertam em uma estátua, não combinam comigo. Quero
seguir vivo até o fim.
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