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Por um lado, o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e
harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma
cultura, uma sociedade. É nesse sentido que podemos interpretar o dialogismo como o elemento
que instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem.
Por um outro lado, o dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o
outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez,
instauram-se e são instaurados por esses discursos. E aí, dialógico e dialético aproximam-se,
ainda que não possam ser confundidos, uma vez que Bakhtin vai falar do eu que se realiza em
nós, insistindo não na síntese, mas no caráter polifônico dessa relação exibida pela linguagem.
As formas de representação e de transmissão do discurso de outrem, parte integrante,
constitutiva, de qualquer discurso, quer essa heterogeneidade seja marcada, mostrada ou não,
bem como a natureza social e não individual das variações estilísticas, configuram em Marxismo
e filosofia da linguagem um momento de formalização da possibilidade de estudar o discurso,
isto é, não enquanto fala individual, mas enquanto instância significativa, entrelaçamento de
discursos que, veiculados socialmente, realizam-se nas e pelas interações entre sujeitos. Sob a
perspectiva, a natureza do fenômeno linguístico passa a ser enfrentada em sua dimensão histórica,
a partir de questões específicas de interação, da compreensão e da significação, trabalhadas
discursivamente. (BRAIT in BRAIT op. cit, p. 98)
Enunciação
Dentro de uma situação socioconstrucional (discurso interior – imediativo), pg. 141
qualquer enunciado - situação de interação e não a forma – sempre pensando no outro (ouvinte).
1
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 1997.
Enunciado/enunciação
Se procurarmos diferenciar enunciado de enunciação, ao levarmos em conta a natureza
dialógica da comunicação discursiva, tal diferenciação perde sua importância. Vemos que o
enunciado é compreendido como elemento da comunicação em relação indissociável com a vida.
Neste sentido, o enunciado concreto é um evento social e não pode ser reduzido a abstrações. Em
“Marxismo e filosofia da linguagem” , a palavra enunciação é utilizada muitas vezes como ato de
fala. A enunciação concreta é a realização exterior da atividade mental orientada por uma
orientação social mais ampla, uma mais imediata e, também, a interação com interlocutores
concretos. Em “Os gêneros do discurso”, o enunciado é definido como a unidade real da
comunicação discursiva, diferenciando esta unidade (real) das unidades da língua, como palavras
e orações (convencional). Neste texto, Bakhtin discute as três principais peculiaridades do
enunciado como unidade real da comunicação discursiva: 1. Alternância dos sujeitos falantes; 2.
Conclusibilidade; 3. Escolha de um gênero discursivo . É neste texto também que Bakhtin afirma
que “o desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades
das diversidades de gêneros do discurso em qualquer campo de investigação linguística
redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da
investigação, debilitam as relações da língua com a vida”.
Ideologia
Para Bakhtin, a ideologia é social e se constrói em todas as esferas das interações: “A ideologia
não pode derivar da consciência, como pretendem o idealismo e o positivismo psicologista, pois a
consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de
suas relações sociais”. Reforçando esse entendimento, a ideologia poderia caracterizar-se, na
perspectiva bakhtiniana, como a expressão, a organização e a regulação das relações histórico-
materiais dos homens. Seguindo esta linha de raciocínio, também pode-se ver ideologia como
uma representação. Isso porque se dá na/pela linguagem . Precisa dela para poder manifestar-se e
essa é caracterizadamente representativa (simbólica) e constituída por signos ideológicos. Isso
significa que esses signos não só denominam um ser no mundo, mas também fazem referência a
uma outra realidade fora da imediata. Para Bakhtin, “tudo que é ideológico possui um significado
e remete a algo situado fora de si mesmo”. Por ser ideológico, o signo comporta as crenças, os
sonhos, as visões de mundo, os modos de interpretar a realidade, etc. Se o signo não fosse
também ideológico, nada disso poderia ser identificado nele. O signo carrega, em sua
constituição, numa face, uma oficialidade que o faz pertencer a determinado sistema ideológico e,
na outra, uma necessidade de reorganização a partir do contato desse signo nas relações
cotidianas travadas pelos sujeitos . A ideologia é essa dupla face que faz com que o signo se
mantenha na história e também se transforme na interação verbal. Podemos definir a ideologia ,
portanto, como um conjunto de valores e de ideias que se constitui através da interação verbal de
diferentes sujeitos pertencentes a diferentes grupos socialmente organizados na história concreta.
Palavra
Na teoria bakhtiniana, a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. Relaciona-se,
portanto, diretamente com a realidade, quando se transmuta em signo e adquire significação. Em
Bakhtin, a palavra se posiciona sempre na relação eu-outro. Ele explica que, no início, trata-se de
palavra interior, quando se relaciona diretamente com o psiquismo , concretizando-se como a
base da vida interior. Depois, a palavra ganha um caráter refratário, inserida no seio social como
uma palavra exterior, caracterizando e permeando as diferentes formas de interação verbal. Por
meio da interação contínua, da realidade concreta, a palavra assume sentido ideológico enquanto
enunciado e não como parte da língua sistêmica. Com isso, no jogo social, carrega consigo uma
expressividade entonativa – classificada como um ato ativo, contendo uma ubiquidade social.
Assim, a palavra é o elemento essencial para acompanhar e constituir a concepção ideológica,
enquanto material semiótico da vida interior e eternamente presente no ato de compreender.
Logo, por estar diretamente envolvida nas relações humanas, é o indicador mais sensível das
transformações sociais, contendo em si as lentas acumulações que ainda não ganharam
visibilidade ideológica, mas que já existem.
Obs.: os conceitos tal com serão apresentados nessa fala foram retirados do livro Palavras e
contrapalavras: glossariando conceitos, categorias e noções de Bakhtin. Produzido pelo Grupo
de Estudos de Gêneros do Discurso da Universidade Federal de São Carlos.