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Disciplina: FILOSOFIA
Professores: Eduardo Garcia C. do Amaral* 1ºs: H, I, J, K, L, M, N, O; 2ºs: K, L.
Jonas Tabacof Waks 1ºs: A, B, C, D, E, F, G; 2ºs: M, N, O, P.
Marta Souza Santos 2ºs: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J.
Regina Helena Canel 1ºs: P, Q.
A nós foi solicitado um relatório sobre o “Jornal do Aluno”, material apresentado pela Secretaria
de Educação (SEE) para ser trabalhado com os alunos nas primeiras seis semanas do ano
letivo. O texto que se segue resultou de algumas discussões que pudemos participar, nas
reuniões pedagógicas e na sala de professores, bem como fora do espaço da escola com
professores de Filosofia de outras unidades escolares.
1. Considerações Preliminares.
Sobre como foi produzido o material.
*
Relator.
1. Considerações Preliminares.
A disciplina de Filosofia foi muito mal representada no material. Alguns elementos nos
confirmam esta avaliação. Em primeiro lugar, estranhamente, o material foi desenvolvido por
um professor [Paulo Miceli] cujo currículo nada consta de formação específica em Filosofia –
mas sim, em História, graduação, mestrado e doutorado em História. Não se trata aqui de uma
defesa “corporativa”, como se apenas filósofos pudessem criar um bom material de Filosofia,
embora nos seja muito legítimo pensar assim. Mas, uma vez que optou-se por não se contratar
filósofos para elaborar o material, a opção deveria inspirar certos cuidados. Para as demais
disciplinas, constam à página 2 do jornal os nomes dos “leitores críticos” – podemos supor que
leram o material e palpitaram sobre a adequação dele para o fim a que se destinava, ou
sugeriram alterações, melhorias aqui e ali. Estranhamente, não encontramos menção sequer
de quem tenha feito a leitura crítica em Filosofia, e nos é lícito imaginar que ninguém o tenha
feito.
Em segundo lugar, também nos é estranho quando confrontamos o conteúdo do material com
a nova “Proposta Curricular” para Filosofia: o jornal, publicado pela SEE, é conflitante com a
Proposta, também publicada pela SEE. O material do 1º ano introduz a discussão da Bioética
(aulas 9 e 10, p.29) e dos “desafios éticos contemporâneos” sobre a ciência (aula 8 e aula 11,
p.28 e 29), temas mencionados na proposta para serem desenvolvidos no 4º bimestre do 2º
ano, por exemplo.
Em terceiro lugar, tanto a Proposta Curricular como o material conflitam com a diretriz para a
Filosofia que estava sendo dada pela própria SEE nas gestões anteriores. É de se lembrar que
a SEE investiu recursos, produziu materiais, ofereceu um curso de capacitação [“Filosofia &
Vida”, 2005 e 2006, em parceria com a Unicamp], cuja diretriz era outra: baseava-se antes em
um panorama da História da Filosofia. A nova Proposta critica textualmente a diretriz anterior.
Independente dos acertos ou desacertos de uma diretriz e da outra, uma tal mudança exigiria
discussão aberta entre os professores de Filosofia – e há muito o que se discutir. Assim sendo,
o material (elaborado a título de “revisão”) nada revê, em virtude mesmo da alteração de eixo
programático. Traduzindo e explicitando, é um material que se descola da prática de ensino
que nos fora antes induzida, antes mesmo de uma avaliação criteriosa de como as coisas se
encaminhavam.
Desta má representação da Filosofia resultaram seus limites pedagógicos. Há uma certa
descaracterização da própria Filosofia, que perde o que lhe é específico. Sabemos: tratar de
Filosofia em sala de aula no ensino médio é uma questão em aberto, em que há várias
posições possíveis. O problema é que o material assume uma delas, mas de um modo tal que
a empobrece demasiadamente. Ademais, a posição adotada pressupõe que os alunos em
geral tenham, antes mesmo do 1º ano, alguma experiência com Filosofia. A discussão sobre a
Filosofia estar ou não na “torre de marfim” tem seu lócus na Universidade, e não nas salas de
aula do ensino médio. Não se cuidou sequer de contextualizar a discussão que abre o encarte
de Filosofia do 1º ano (p.27) – em que, por exemplo, poderíamos retomar o texto de
Aristófanes, “As nuvens”, em que se zomba da figura de Sócrates. Porém, para afirmar que a
Filosofia está entre nós, “nas ruas”, “de olhos pregados no mundo”, faz dela algo
indeterminado, indiferenciado de qualquer opinião mundana sobre coisas que se apresentam
“pulando à nossa frente”. Antes, a Filosofia exige que do mundo se arranque as questões –
elas não se apresentam de forma alguma saltitantes, isto é, imediatamente, mas segundo
certas mediações, a começar pela “palavra”. A Filosofia exige que o mundo se traduza em
discurso e um discurso que interrogue o mundo, antes de oferecer-lhe respostas, tal como uma
opinião qualquer.
No jornal do 2º ano, na mesma toada, força-se uma reflexão sobre catástrofes naturais e
aquecimento global e a Filosofia (aulas 1 e 2, p.27). De novo, a Filosofia mesma é que tende a
se perder num mero “opinismo”. As mediações necessárias – os conceitos – seriam com efeito
trabalhados ao longo de duas aulas. Poderíamos trilhar por vários caminhos. Por exemplo,
discutir as catástrofes, a que os gregos e nós identificaríamos como tragédias e, portanto,
relacioná-las ao conceito de “destino”; ou discutir a ação humana sobre o planeta, com o
desenvolvimento da técnica, tecnologia, e as reações ambientais. Seja por qual caminho se
possa optar, a compreensão dos “fenômenos naturais” levaria mais do que duas aulas. A
questão proposta é outra, sobre a utilidade da Filosofia, ou “para que serve o conhecimento”.
Sugerem assim a leitura de dois textos, um do autor sobre Epicuro e outro de Marilena Chauí,
sobre a própria Filosofia. O texto sobre Epicuro, que é na verdade uma paráfrase do primeiro
parágrafo da célebre “Carta sobre a Felicidade (a Meneceu)”, desloca a questão original do
autor (a “saúde da alma”), para que a compreendamos meramente por “felicidade” (que é um
conceito forte em Epicuro, mas vago no seu uso corrente), tratando-a como a possibilidade de
jovens e velhos pensar filosoficamente. Há uma torção do texto original. A orientação de leitura
que se dá ao texto de Marilena Chauí, por outro lado, retira-lhe o tom irônico do texto original
para que discutamos a “utilidade da Filosofia”, quando a filósofa discutia porque a Filosofia,
numa sociedade marcada pelo utilitarismo, tem o direito de se considerar inútil.
1
Nem sempre nos damos conta desta simples diferença, um mal entendido que, ou sobrecarrega os professores de
Português – como se a tarefa escolar de ensinar a ler bem e a escrever razoavelmente um texto fosse de sua
responsabilidade exclusiva–, ou deixam os demais professores sem saber o que fazer e como fazer para superar as
deficiências de leitura e escrita dos alunos. Embora seja discurso comum hoje que o ensino da leitura e da escrita não
são tarefas exclusivas da disciplina de Língua Portuguesa, é necessário reconhecer, no entanto, que pouco avançamos
nas demais disciplinas em práticas de ensino cujo foco seja propriamente o desenvolvimento de tais capacidades.
2
Cf. jornal do 1º ano, aula 1, p.19 e o mesmo trecho no jornal do 2º ano, aula 1, p.19.
a estrutura argumentativa e conceitual do texto. Ou seja, a História se ocupa de uma
matéria/conteúdo, enquanto a Filosofia se ocupa da forma. Não que sejam duas perspectivas
excludentes; apenas argumentamos para fazer ver a diferença que há na modalidade
específica de leitura de cada disciplina. Portanto, as orientações (a título de roteiro de leitura)
que o material dá em Filosofia descaracterizam o trato que a Filosofia dá a um texto.
A aula em questão sugere um roteiro de leitura: 1º) Interpretação do texto, o que se pode
entender; 2º) Análise do texto, a título de “leitura crítica”, perceber se a argumentação dá conta
do que o autor se propôs; 3º) Problematização, ou seja, articular relações do texto com nosso
tempo, por certas analogias. No entanto, por que não proceder exatamente em sentido
inverso? Em Filosofia, partimos de um problema, de uma questão. Em segundo lugar,
examinamos o que um determinado autor tem a dizer a respeito, analisando suas idéias tal
como aparecem em um texto, como o autor estrutura argumentativamente sua resposta à
questão. Nesta análise, cuidamos de identificar também os interlocutores do autor – quais são
as outras posições contra as quais argumenta, bem como a quais ele adere; identificamos
então qual a tese central do autor – qual sua posição sobre a questão. Por fim, em terceiro
lugar, é que interpretamos o autor, tomando posição em relação a seus argumentos e a sua
tese; eis o lugar da crítica.